teoria geral das obrigações e dos contratos

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GRADUAÇÃO  2011.1 TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES E DOS CONTRATOS AUTOR: CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA 4ª EDIÇÃO

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  • 5/21/2018 Teoria Geral Das Obrigaes e Dos Contratos

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    GRADUAO2011.1

    TEORIA GERAL DAS

    OBRIGAES E DOSCONTRATOSAUTOR: CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZA

    4 EDIO

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    SumrioTeoria Geral das Obrigaes e dos Contratos

    MTODO DE AVALIAO.......................................................................................................................................03

    PROGRAMA DA DISCIPLINA..................................................................................................................................05

    ROTEIRO DAS AULAS...........................................................................................................................................06 Aula 1: Apresentao do curso ......................................................................................................06

    PARTE I: NEGCIOS JURDICOS...............................................................................................................................09 Aula 2: Os planos do negcio jurdico ..........................................................................................09 Aula 3: Classificao, interpretao e causa dos negcios jurdicos ................................................16 Aula 4: Defeitos do negcio jurdico: erro e dolo..........................................................................22 Aula 5: Defeitos do negcio jurdico: coao, simulao e fraude contra credores .........................29 Aula 6: Leso e estado de perigo ...................................................................................................36 Aula 7: Condio, termo e encargo ..............................................................................................41

    PARTE II: PRESCRIO E DECADNCIA......................................................................................................................47 Aula 8: Fundamentos para aplicao da prescrio e da decadncia ..............................................47 Aula 9: Suspenso, impedimento e interrupo dos prazos prescricionais / direito intertemporal ......61

    PARTE III: DIREITO DAS OBRIGAES.......................................................................................................................68 Aula 10: A relao obrigacional ....................................................................................................68 Aula 11: As obrigaes naturais e as obrigaespropter rem..........................................................73 Aula 12: Classificao das obrigaes: obrigaes de dar, fazer e no-fazer .................................... 77 Aula 13: Classificao das obrigaes: obrigaes indivisveis, solidrias e alternativas ..................83 Aula 14: Pagamento: lugar, tempo e prova ...................................................................................95

    Aula 15: Formas especiais de pagamento ....................................................................................102 Aula 16: Enriquecimento sem causa e pagamento indevido ........................................................120 Aula 17: Inadimplemento das obrigaes ...................................................................................126 Aula 18: Clusula penal e juros ..................................................................................................135 Aula 19: ransmisso das obrigaes ..........................................................................................140

    PARTE IV: TEORIA GERAL DOS CONTRATOS..............................................................................................................145 Aula 20: Princpios da nova teoria contratual autonomia da vontade e funo social do contrato ...145 Aula 21: Princpios da nova teoria contratual contornos da boa-f objetiva .............................150 Aula 22: Princpios da nova teoria contratual relatividade e sua flexibilizao ..........................155 Aula 23: Responsabilidade pr-contratual e proibio do comportamento contraditrio ............157

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    MTODO DE AVALIAO

    A avaliao de desempenho do aluno na disciplina Teoria Geral das Obrigaes e dosContratos ser realizada atravs do somatrio de trs notas, correspondentes s seguintesatividades: (i) uma prova escrita a ser realizada no meio do semestre; (ii) uma prova escrita aser realizada na ltima aula do curso; alm de (iii) uma nota de participao.

    primeira prova escrita ser conferida nota de 0 (zero) a 10 (dez). A segunda prova es-crita, por sua, vez, valer 09 (nove) pontos. O ltimo 01 (hum) ponto que completa a notada segunda prova corresponde nota de participao.

    A nota de participao, por sua vez, composta de duas avaliaes. A primeira metadeda nota de participao (0,5 ponto) corresponde efetiva participao do aluno duran-te o curso. A outra metade da nota de participao (0,5 ponto) se refere (s) resposta(s)

    apresentada(s) pelo aluno (s) pergunta(s) dirigida(s) ao mesmo em sala de aula sobre ostextos de leitura obrigatria das respectivas aulas e/ou a sua participao na WikiDireito,seja inserindo ou alterando o contedo da respectiva matria lecionada.

    A mdia do aluno ser obtida mediante a soma da nota obtida na primeira prova escritacom a nota obtida na segunda prova, adicionada a essa ltima a nota de participao, sendoo resultado posteriormente dividido por dois.

    Mdia Final =Primeira Prova (10,0) + Prova Escrita (9,0) + Participao (1,0)

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    O aluno que obtiver nota inferior a 07 (sete) e superior ou igual a 04 (quatro) pontos,dever fazer uma prova final. O aluno que obtiver nota inferior a 04 (quatro) pontos estarautomaticamente reprovado na disciplina.

    Para os alunos que fizerem a Prova Final, a mdia de aprovao a ser alcanada 06 (seis)pontos, a qual ser obtida conforme frmula constante no Manual do Aluno / Manual doProfessor.

    PROVA ESCRITA

    O aluno dever realizar duas provas escritas durante o semestre. As provas devero sermarcadas previamente pelo professor, preferencialmente no horrio de aula. A data e hor-rio da prova sero divulgados com antecedncia para os alunos.

    A primeira prova escrita ser realizada, em princpio, no perodo compreendido entreas aulas n 09 a 10. A segunda prova escrita ser realizada, de preferncia, imediatamentedepois da ltima aula. Na segunda prova escrita versar sobre toda a matria lecionada nadisciplina.

    Para ambas as provas o aluno poder consultar a legislao pertinente para elaboraras suas respostas. Salvo alguma necessidade especial, a Constituio Federal e o CdigoCivil, com sua legislao complementar, devero ser suficientes para que o aluno possarealizar a prova. Salvo orientao distinta por parte do professor, no ser permitida aconsulta legislao comentadadurante a prova. A mesma proibio vale para os cdigosanotados cujas anotaes transcendam a simples remisso a outros dispositivos legais,como ocorre na obra Cdigo Civil e Legislao em Vigor, elaborado por TeotonioNegro.

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    TEORIA GERAL DAS OBRIGAES E DOS CONTRATOS

    As provas escritas sero compostas de pelo menos duas questes, sendo requerido aoaluno que demonstre domnio sobre os conceitos estruturais da disciplina e facilidade para

    aplic-los a situaes reais ou hipotticas, quando confrontado com um caso concreto.

    NOTA DE PARTICIPAO

    A nota de participao se divide em duas avaliaes distintas, conforme j mencionado.A primeira avaliao que compe a nota total de 01 (hum) ponto a efetiva participaodo aluno na disciplina.

    A efetiva participao aqui avaliada no corresponde quantidade de intervenesfeitas pelo aluno em sala de aula, mas sim qualidade de eventuais intervenes, o interessedemonstrado pela matria, o questionamento dos conhecimentos apresentados pelo profes-

    sor, e a presena constante em sala de aula. Esses so os principais fatores que determinamessa primeira metade da nota de participao.O aluno que atender integralmente a esses requisitos ter 0,5 ponto na nota de partici-

    pao.A segunda metade da nota de participao consiste na participao do aluno na WikiDi-

    reito e/ou na(s) resposta(s) apresentada(s) pelo aluno quando indagado pelo professor sobreo texto de leitura obrigatria para a aula. oda aula ter pelo menos um texto de leituraobrigatria. certo que os sentidos so traioeiros, j dizia Descartes, mas o texto de leituraobrigatria exatamente tudo isso que o nome indica: a sua leitura obrigatria.

    Dessa forma, o professor poder perguntar para o aluno durante a aula alguma questorelacionada ao texto. O professor dever considerar que o aluno leu o texto, uma vez que

    a sua leitura est indicada no material didtico. Essa medida visa a solucionar o recursopor vezes utilizado de apenas ler o texto correspondente certa aula depois da mesma serlecionada pelo professor. Pode parecer para o aluno que assim procedendo ele ter umacompreenso melhor do texto. odavia, no mtodo participativo, um aluno que no leu otexto pertinente aula um aluno que poder ter dificuldades em participar efetivamente,seja perguntando, seja simplesmente compreendendo o contedo da aula.

    Adicionalmente, importante lembrar que a aula lecionada pelo professor representaa leitura feita pelo mesmo do texto recomendado. Ainda que a leitura do professor estejaapoiada em estudos mais aprofundados, nada impede que o aluno, ao tomar contato como texto antes da aula, perceba outros pontos, tenha outras dvidas ou perplexidades que oprprio professor no teve quando tomou contato com o texto. O intercmbio de experin-

    cias de leitura uma das caractersticas mais importantes dessa disciplina, pois auxilia o pro-fessor a identificar e suprimir as eventuais dificuldades de leitura encontradas pelos alunos.Sendo assim, o aluno que no l o texto antes da realizao da aula fica voluntariamente alijado dessa particularidade do estudo jurdico. E, em nota de teor mais prtico, aindacorre o risco de perder meio ponto na avaliao.

    Ao desempenho do aluno na(s) resposta(s) da(s) questo(es) formuladas e/ou sua parti-cipao na WikiDireito, ser conferido at 0,5 ponto, compondo assim at 01 (hum) pontona nota de participao. Essa nota de participao complementa o grau obtido na segundaprova, conforme visto no item anterior. O somatrio das notas obtidas na segunda prova ena participao pode alcanar o total de 10 (dez) pontos

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    PROGRAMA DA DISCIPLINA

    AULA 1: APRESENTAO DO CURSO

    Parte I: Negcios JurdicosAula 2: Os Planos do Negcio JurdicoAula 3: Classificao, Interpretao e Causa dos Negcios JurdicosAula 4: Defeitos do Negcio Jurdico: Erro e DoloAula 5: Defeitos do Negcio Jurdico: Coao, Simulao e Fraude contra CredoresAula 6: Leso e Estado de PerigoAula 7: Condio, ermo e Encargo

    Parte II: Prescrio e DecadnciaAula 8: Fundamentos para Aplicao da Prescrio e da DecadnciaAula 9: Suspenso, Impedimento e Interrupo dos Prazos Prescricionais / Direito In-

    tertemporal

    Parte III: Direito das ObrigaesAula 10: A Relao ObrigacionalAula 11: As Obrigaes Naturais e as Obrigaes Propter RemAula 12: Classificao das Obrigaes: Obrigaes de Dar, Fazer e No-FazerAula 13: Classificao das Obrigaes: Obrigaes Indivisveis, Solidrias e AlternativasAula 14: Pagamento: Lugar, empo e Prova

    Aula 15: Formas Especiais de PagamentoAula 16: Enriquecimento sem Causa e Pagamento IndevidoAula 17: Inadimplemento das ObrigaesAula 18: Clusula Penal e JurosAula 19: ransmisso das Obrigaes

    Parte IV: Teoria Geral dos ContratosAula 20: Princpios da nova eoria Contratual Autonomia da Vontade e Funo So-

    cial do ContratoAula 21: Princpios da Nova eoria Contratual Contornos da Boa-f ObjetivaAula 22: Princpios da Nova eoria Contratual Relatividade e sua Flexibilizao

    Aula 23: Responsabilidade Pr-Contratual e Proibio do Comportamento Contradi-trioAula 24: Aspectos da Contratao Eletrnica (Documentos e contratos eletrnicos)

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    ROTEIRO DAS AULAS

    AULA 1: APRESENTAO DO CURSO

    1. ROTEIRO DE AULA

    O ttulo da presente disciplina (Teoria Geral das Obrigaes e dos Contratos) requeralgumas explicaes introdutrias, pois ele pode vir a encerrar dois grandes equvocos. Oprimeiro se refere nfase dada expresso eoria Geral. Essa disciplina, antes de maisnada antes mesmo de fazer referncia aos contratos e s obrigaes se apresenta comouma teoria geral. Pode parecer paradoxal que uma disciplina inserida em curso de bacharela-

    do que prima pela permamente atualizao, como o curso oferecido pela Escola de Direitoda Fundao Getlio Vargas, opte por oferecer aos seus alunos um curso sobre teoria geralde determinado assunto, e ainda mais sobre Direito Civil, campo do conhecimento jurdicoque cada vez mais se afasta das grandes teorias gerais.

    Pode-se dizer que o Direito Civil vivencia hoje o ocaso das teorias gerais justamente pelavelocidade com que os seus institutos tm se transformado para atender s mais diversas ecomplexas demandas sociais. O fenmeno do Direito Civil Constitucional, estudado nadisciplina anterior (Direito das Pessoas e dos Bens) ilustra com preciso esse cenrio. Asconstantes exigncias da vida prtica tomaram de assalto a construo de teorias gerais paradiversos setores do Direito Civil. Mais notadamente, a dinmica dos direitos da personali-dade repercute essa realidade, sendo hoje praticamente impossvel, ou pelo menos bastante

    artificial, criar-se uma teoria geral dos direitos da personalidade. Essa, se por um acaso exi-ste, apenas se faz presente para fins didticos.Ento, deve-se analisar com cautela a denominao da disciplina aqui apresentada:

    quando se fala em teoria geral o que se busca oferecer ao aluno a oportunidade de conhe-cer as linhas mestras que guiaram a doutrina, a jurisprudncia e o legislador na construoda matria sob anlise. Assim, o estudo do direito das obrigaes deve enfrentar todo oarcabouo instrumental erigido desde o perodo de apogeu do Direito Romano para tute-lar as relaes jurdicas entre credores e devedores; mas essa mesma disciplina no estariacompleta se ela no rompesse com a ahistoricidade que prepondera nos manuais sobre ostemas e introduzisse diversos dilemas que a prtica hoje coloca para a soluo de relaesque envolvem crditos e dbitos.

    Esse desprendimento do curso da histria para a construo de um repositrio de tcni-cas ainda mais afastado quando se trata do direito dos contratos. Nesse particular, a con-vivncia entre princpios clssicos e aqueles princpios que compem a faceta mais modernada nova teoria contratual representa o escopo das aulas destinadas ao estudo das relaescontratuais: buscar o domnio da teoria geral, para que se possa, ento, aplic-la aos casosconcretos, sabendo identificar os pontos em que a jurisprudncia vem lidando com casosdifceis, em que os princpios da teoria contratual so chamados a atuar.

    Mas no apenas a expresso eoria Geral que merece uma explicao mais detalhadano ttulo da presente disciplina. A referncia a obrigaes e contratos no seu ttulo tambmmerece uma meno.

    A disciplina aqui apresentada composta por quatro mdulos: (i) negcios jurdicos;

    (ii) prescrio e decadncia; (iii) obrigaes; e (iv) contratos. Sendo assim, a disciplina vaialm do estudo das obrigaes e dos contratos para abranger tambm o estudo de matriasque, geralmente, so tratadas em cursos sobre a Parte Geral do Direito Civil. A opo

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    pela insero de negcios jurdicos, alm de prescrio e decadncia, nessa disciplina derivade uma oportunidade de se estudar, em sequncia, as regras e princpios aplicveis a tais

    matrias.A disciplina dos negcios jurdicos vem gradativamente se afastando de um estudo volta-do exclusivamente para o escrutnio da vontade. A aplicao dos princpios constitucionais,e a formao de uma tutela voltada para a confiana e a boa-f objetiva imprimiram ao estu-do da matria uma srie de complexidades que comandam ao intrprete que deixe de lado amstica da vontade e busque outras vias de realizao da hermenutica negocial.

    O estudo da prescrio e da decadncia, por seu turno, ganha novas dimenses com aafirmao do conceito de pretenso, e sua dinmica ser de fundamental relevo para que secompreenda o efeito do tempo sobre as relaes jurdicas. Embora alguns autores critiquema insero do tema da prescrio no conjunto maior dedicado s obrigaes e aos contratos(Canaris), tambm certo que o seu estudo no pressupe que apenas relaes obrigacionais

    e contratuais estejam sujeitas sua influncia. rata-se apenas de uma alocao de temas quecolocam em discusso a dinmica da relao jurdica na mesma disciplina.Por fim, cumpre destacar que essa a segunda disciplina na qual alunos tomaro contato

    com o Direito Civil. odo o contedo lecionado na disciplina anterior, Direito das Pessoase dos Bens, contudo, aplica-se de forma direta e imediata s mais diversas situaes com asquais o estudante vai se deparar ao longo do semestre. A busca por uma definio do prin-cpio da dignidade da pessoa humana, o lugar dos chamados direitos da personalidade, adinmica das pessoas jurdicas e a relevncia das transformaes sofridas na anlise dos bens,sobretudo no que se refere ao bem de famlia e as controvrsias sobre a sua amplitude,esto presentes nesta disciplina.

    O caso gerador narrado abaixo, por exemplo, ilustra essa conexo necessria entre as

    duas primeiras disciplinas de Direito Civil lecionadas no curso de graduao. A lide emquesto foi baseada em caso julgado recentemente pelo Superior ribunal de Justia. Combase nas lies apreendidas no semestre passado, e com a intuio natural do bom profis-sional jurdico para descobrir onde esto os pontos controvertidos de um caso concreto e,principalmente, para buscar a sua soluo, leia a seguinte questo:

    2. CASO GERADOR

    rs famlias de baixa renda viviam juntas, h mais de dez anos, em uma casa de madeiraconstruda em terreno de sua propriedade na sua periferia de Porto Alegre. Com a expanso

    dos limites da cidade, uma empresa construtora procurou as trs famlias com interesse deconstruir no local um edifcio de apartamentos. Em troca pela cesso do terreno, as famliasreceberiam dois apartamentos do edifcio a ser construdo. O contrato foi devidamentecelebrado entre as partes, formalizado em cartrio, tendo ainda sido oferecida em garantiado cumprimento do acordo, por parte da construtora, o imvel onde residia a famlia doproprietrio da empresa.

    As trs famlias passaram a residir, de forma precria, na casa de amigos e conhecidos.Os anos foram se passando e o edifcio jamais foi construdo. Aps cinco anos de espera, astrs famlias ingressaram em juzo pleiteando que o imvel dado em garantia fosse levadoa leilo para pagamento do valor relativo ao terreno, acrescido de eventuais atualizaes eindenizao por dano moral decorrente do inadimplemento da construtora.

    Nos autos do referido processo, o advogado da construtora alegou que o imvel dado emgarantia no poderia ser objeto de execuo, pois estaria protegido pelo regime do bem defamlia (Lei n 8.009/90).

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    Com base no caso acima responda:

    (i) Quais princpios da teoria geral das obrigaes e dos contratos esto envolvidos naquesto? Existe algum conflito entre os mesmos?(ii) No caso narrado, como voc decidiria o processo? Justifique a sua deciso com argu-

    mentos jurdicos e com base na legislao pertinente.

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    PARTE I: NEGCIOS JURDICOS

    AULA 2: OS PLANOS DO NEGCIO JURDICO

    EMENTRIO DE TEMAS

    Ato e Negcio Jurdico Fato Jurdico Negcio jurdico Classificao dos NegciosJurdicos Existncia, Validade e Eficcia do negcio jurdico Consideraes acerca dosrequisitos de validade do art. 104.

    LEITURA OBRIGATRIA

    VENCESLAU, Rose Melo. O negcio jurdico e as suas modalidades, in GustavoEPEDINO (org).A Parte Geral do Novo Cdigo Civil. Rio de Janeiro: Renovar,2002; pp. 177/200.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    EPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Cdigo Civil Interpretado conforme a Constituio da Repblica, v. I. Rio de Janeiro:

    Renovar, 2004; pp. 207/220.SILVA, Caio Mrio da. Instituies de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2005;pp. 475/495.

    1. ROTEIRO DE AULA

    Ato e Negcio Jurdico

    No Cdigo Civil de 1916, ato jurdico era considerado como todo ato voluntrio, re-vestido das condies determinadas pela lei e que produzisse regularmente efeitos jurdicos.

    Fatores como a vontade humana careciam ainda de maiores estudos sobre a sua participaopara a formao de um conceito, e ao contrrio do que se observa atualmente, a diferencia-o entre ato jurdico e negcio jurdico ainda no restava bem delineada.

    A noo de negcio jurdico provm de trabalhos doutrinrios alemes que passaram aconsiderar a importncia das manifestaes de vontade na produo de efeitos jurdicos.Dessa forma, a doutrina gradativamente se aproximou de um conceito contemporneo deato jurdico, o qual, mais modernamente, compreendido em um sentido amplo, passan-do a se desdobrar em dois outros significados: (i) o ato jurdico em sentido estrito; e (ii) onegcio jurdico.

    Antes de estudar os atos jurdicos em sentido amplo, algumas consideraes acerca dacategoria mais ampla de fatos jurdicos se fazem necessrias.

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    Fato Jurdico

    Fato jurdico um acontecimento, quer seja humano, quer seja natural, apto a produzirefeitos jurdicos, provocando o nascimento, a continuao, a modificao ou a extino derelaes jurdicas e dos direitos que a ela se referem.

    Os fatos jurdicos podem ser subdivididos em espcies. Eles se bipartem tendo comocritrio a sua natureza, podendo ser denominadosfatos humanos voluntriosou eventos na-turais.

    Os fatos jurdicos naturais (que decorrem de eventos naturais) so independentes davontade do homem. No se deve afirmar que os mesmos so completamente estranhos aohomem, visto que fulminam as relaes jurdicas que por sua vez so titularizadas por pes-soas fsicas ou jurdicas (conjuno de vontades humanas para o atingimento de um fim).

    Esses fatos decorrem da manifestao da natureza, podendo ser ordinriosou extraordi-

    nrios. Os ordinrios so aqueles cuja verificao comum, tal qual o nascimento e a morte;os extraordinrios, por sua vez, so dotados de maior margem de imprevisibilidade, corres-pondendo aos denominados caso fortuitooufora maior.

    Alm dos fatos jurdicos naturais, deve-se mencionar a existncia de fatos humanos vo-luntrios, que so aqueles que resultam da atuao humana, seja ela positiva ou negativa.ais fatos influem nas relaes jurdicas, variando em razo da tipologia do ato praticado.Dividem-se emfatos lcitos (atos jurdicos lcitos em sentido amplo) e fatos ilcitos.

    Os atos jurdicos latu sensu, so aquelescaracterizados pela atuao da vontade da parteem sua constituio e na produo de sus efeitos. A manifestao de vontade assume aquium papel muito mais relevante do que nas tipologias examinadas acima. Os atos jurdicosem sentido amplo subdividem-se em duas espcies:

    (i) Ato jurdico stricto sensu a declarao de vontade dirigida para a produo de efei-tos previamente determinados em lei, imodificveis pela ao volitiva. No compete parte modificar, moldar os efeitos dessa declarao de vontade, mas apenas decidirpela produo de um ato que possui os seus efeitos j previamente estipulados. Amanifestao de vontade se corporifica pela inteno ou no de sofrer em sua esfera

    jurdica os efeitos j determinados pela letra da lei;(ii) Negcio jurdico Os efeitos que se produzem a partir dos negcios jurdicos so

    aqueles no proibidos pela lei. No confrontando com a dico legal, as partes pos-suem espao para construir relaes jurdicas de diversos moldes. O teor negocialaqui flagrantemente maior, implicando na composio de interesses. Os efeitos so

    permitidos pela lei e so desejados pelos agentes.

    Os fatos ilcitos, por sua vez, so aqueles que se processam contrariamente ordem jur-dica, provocando o dever de reparao. Produzem efeitos diversos ou no pretendidos pelosagentes que lhes do causa.

    Negcio jurdico

    Negcio jurdico a declarao de vontade destinada a produzir efeitos jurdicos vo-luntariamente perseguidos.1Os sujeitos de direito, mediante o exerccio de sua vontade emconformidade com a lei, do origem a relaes jurdicas.

    Certo que ato e negcio jurdico so institutos onde a vontade se encontra presente.A distino se processa quando se atenta ao contedo dessas figuras e aos efeitos que delasdecorrem.

    1 Gustavo Tepedino, Maria Celi-na Bodin de Moraes e Heloisa

    Helena Barboza. Cdigo CivilInterpretado conforme a Consti-

    tuio da Repblica, v. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; p. 210.

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    TEORIA GERAL DAS OBRIGAES E DOS CONTRATOS

    No ato jurdico em sentido estrito, o contedo e efeitos so previamente determinados peloordenamento, competindo vontade apenas decidir pela produo ou no desses efeitos.

    O negcio jurdico, por sua vez, difere desse tratamento ao possibilitar s partes mode-larem esse contedo, e conseqentemente, os efeitos do ato. O negcio jurdico campoonde h liberdade de construo para as partes, liberdade essa que se manifesta no livredesembarao da vontade negocial.

    Essa vontade negocial se manifesta tendo em vista o princpio da autonomia da vontade(autonomia privada), que como o prprio nome j diz, trata da liberdade de negociao queos agentes privados so dotados.

    A prpria autonomia privada, em certa anlise, no deixa de ser uma permisso legal.Ela se manifesta nas hipteses em que a lei no pr-estabelece todo o contedo e efeitos queuma determinada manifestao de vontade assume. Quando h campo para a livre mani-festao da autonomia privada, as partes podem determinar o contedo, forma e efeitos

    dos seus atos jurdicos (aqui compreendidos em sentido amplo), atuando na criao de umnegcio jurdico.2Acerca do conceito moderno de autonomia privada, pertinente observar que:

    O conceito de autonomia privada vem, contudo, sendo reformulado pela doutrina contem-pornea. Hoje, no mais se deve entender que os valores constitucionais criam limites externos autonomia privada, mas antes, informam seu ncleo funcional. A autonomia privada no consis-te, definitivamente, em um espao em branco deixado atuao da liberdade individual, masao contrrio, apenas recebe tutela na medida em que se conforme aos valores constitucionais.3

    A vontade dos indivduos pode ser construda dentro desse campo da autonomia priva-

    da, sendo vedado que ela o extrapole, dispondo contrariamente ao Direito.Os efeitos dessa vontade somente sero perceptveis no mundo jurdico atravs de umamanifestao. Deve o agente explicitar essa vontade,que o elemento interno, por intermdiode uma declarao, elemento externo, para que os efeitos desejados possam ser alcanados.

    Sob pena do negcio ser reputado invlido, essa manifestao de vontade deve se operarde forma livre, desembaraada, e em consonncia com valores jurdicos com diretrizes comoa boa-f objetiva, a funo social do contrato e a dignidade da pessoa humana.

    A declarao de vontade, instrumento de exteriorizao dessa vontade, pode ser expressaou tcita. A manifestao expressa a utilizao de meios inequvocos que demonstrem oreal intento do agente. A manifestao tcita resulta de um comportamento do agente doqual pode se inferir o sentido de sua vontade.

    Aforma do negciojurdico constitui-se do tecnicismo que o direito impe manifesta-o de vontade. Observa-se que o conceito deforma do negcio possui duas dimenses: (i) a prpria manifestao de vontade, isto , a exteriorizao da vontade (considerada aquieminentemente no plano psquico); e (ii) a roupagem, isto , os requisitos que essa mani-festao deve conter para que seja considerada vlida pelo Direito.

    Classificao dos Negcios Jurdicos

    Muitas so as classificaes que os negcios jurdicos podem assumir. Um dos critriosde classificao mais relevantes aquele relacionado ao nmero de declaraes de vontadeexistentes em sua realizao. Nesse sentido, o negcio pode ser unilateral, bilateral, e, mais

    recentemente, so admitidos os negcios plurilaterais.Unilaterais so aqueles que se constituem com uma nica declarao de vontade; bilate-rais so aqueles onde se observa, concomitantemente, duas manifestaes de vontade, sendo

    2 Frise-se que negcio jurdico uma espcie de ato jurdico emsentido amplo.

    3 Gustavo Tepedino, Maria Celi-na Bodin de Moraes e Heloisa

    Helena Barboza. Cdigo CivilInterpretado conforme a Consti-

    tuio da Repblica, v. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; p. 211.

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    TEORIA GERAL DAS OBRIGAES E DOS CONTRATOS

    ambas necessrias para o aperfeioamento do negcio; negcios plurilaterais, por sua vez,seriam aqueles onde se percebe a manifestao simultnea da vontade contratual de vrios

    indivduos.Mais adiante, o tema das classificaes do negcio jurdico ser novamente examinado.Relevante nesse momento compreender que um negcio jurdico pode ser realizado me-diante a conjuno de vontades de um, dois ou de mais indivduos.

    Existncia, Validade e Eficcia do negcio jurdico

    Plano da Existncia, plano da validade e plano da eficcia so os trs planos nos quais ointrprete deve sucessivamente examinar o negcio jurdico, a fim de verificar se ele obtmplena realizao.4

    Preliminarmente, vale destacar a importncia do estudo dos planos do negcio jurdico.

    A sua relevncia passa pela necessidade de que as relaes jurdicas sejam aptas produodos efeitos almejados, pelo livre desenvolvimento da vida negocial (circulao de riquezas),para alcanar uma idia transposta a vrios ramos do Direito. Isto , seja no Direito Civil,Direito Administrativo, Direito Processual, Direito Comercial, ou qualquer outro ramo dosestudos jurdicos, os atos sero revestidos de elementos, requisitos de validade e de fatoresque condicionam sua eficcia. Essa dinmica se origina no campo civilista e nele primei-ramente estudada, mas se espraia numa srie de situaes nem sempre ligadas diretamenteao Direito Civil.

    No estudo dos negcios jurdicos necessrio que estes sejam analisados sob o enfoquede trs planos distintos, que so afetos sua existncia,validade eeficcia.

    No que concerne existncia, tm-se os elementos constitutivos (ou essenciais)do negcio

    jurdico; em relao validade, tm-se os requisitos de validadee por fim, a eficcia remeteaosfatores de eficciade um certo negcio.Plano da existncia.Neste plano pode-se observar os elementos essenciais do negcio ju-

    rdico que so: (i) Declarao de vontade; (ii) Objeto; e (iii) Forma. A noo de essencialidadedeve-se ao fato de que caso esses elementos no se encontrem presentes, o negcio jurdiconem mesmo chegar a existir.

    O plano subseqente oplano da validade, onde se encontram os requisitos de validade.So, na verdade, verdadeiros qualificadores, tais quais adjetivos, dos elementos acidentaisacima expostos. No so numerus clausus, estritamente delimitados, visto que a lei podeestatuir novos requisitos. So os requisitos gerais, insertos no art. 104 CC: agente capaz;objeto lcito, possvel e determinado ou determinvel; e formaprescrita ou no defesa em lei.5

    So qualificadores que ultrapassam a simples existncia do negcio, a qual aferida com asimples presena dos elementos.O negcio jurdico que padece de vcios no tocante aos seus requisitos de validade pode

    ser reputado como nuloou anulvel. Essa noo ser pormenorizada em aulassubseqentes,porm vale, em breve sntese, destacar que a nulidade decorrncia da violao de normasde ordem pblica (inderrogveis), isto , previses decorrentes da prpria lei. A anulabilida-de, por sua vez, decorre da violao ao regime jurdico definido pelos prprios particulares(derrogveis), e, justamente por conta disso, so vcios de importncia mais restrita.

    A nulidade pode ser alegada de ofcio pelo juiz ou por qualquer pessoa. O negcio nulo desde sua constituio invlido. A anulabilidade, por sua vez, enseja uma situao diferente,pois o negcio vlido at que a parte interessada pleiteie a sua anulao em virtude do

    vcio que o inquina.Abordar os efeitos de ambas as formas de invalidade tarefa mais complexa. O negcionulo nunca produziu efeito, visto que plenamente invlido. Quando a nulidade decretada,

    4 Antnio Junqueira de Azeve-do. Negcio Jurdico. So Paulo:Saraiva, 2003, 4 ed.; p. 66.

    5 Note que os requisitos soapenas os adjetivos ressaltadosem itlico.

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    os efeitos dessa decretao se operam ex tunc, isto , retroativamente. O que tiver, por exemplo,sido pago em virtude de uma obrigao nula, dever ser repetido. Em regra, o ordenamento

    no admite que do ato nulo se produza efeitos.6

    O negcio anulvel produz efeitos regularmente at que seja anulado. A parte que po-deria pleitear a anulao pode da mesma forma convalidar o ato, quando ento se tornarperfeito. Contudo, quando anulado, os efeitos dessa invalidao se processaro ex nunc, isto, da decretao em diante.

    anto os elementos como os requisitos do negcio jurdico so estabelecidos no art. 104do CC, que determina:

    Art. 104. A validade do negcio jurdico requer:I agente capaz;II objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel;

    III forma prescrita ou no defesa em lei.

    O caputdo artigo alude apenas validade. No entanto, quando da leitura dos incisos,so encontrados no s os requisitos, mas tambm a previso dos elementos do negcio.

    Para que haja negcio, ou seja, para que to somente exista, mister se faz a previso deagente, de objeto e de manifestao de vontade que se traduza numa certa forma. Presentesesses requisitos, certo que o negcio existe.

    Imagine agora o seguinte negcio jurdico: menor de 15 anos se obriga a prestar, perio-dicamente, determinada quantidade de substncia entorpecente proibida por lei. O menoro faz, inclusive, por intermdio de um contrato.

    Sendo o agente incapaz, impossibilitado de transigir no mundo jurdico, mas, ao ar-

    repio da lei, pactua com outrem. Ainda, o objeto desse negcio flagrantemente ilcito, namedida em que o trfico de substncias entorpecentes proibidas por lei repudiado peloordenamento. O exemplo caricatural, mas o negcio, sob a perspectiva civilista, existen-te, embora invlido. A validade, como visto, uma considerao que ocorre em momentoposterior.

    A eficcia, por sua vez, o terceiro dos planos do negcio jurdico, sendo condicionadaa fatores, que nem sempre so prprios do mundo jurdico. O negcio, agora j existente evlido, mostra-se em tese apto produo de efeitos jurdicos. Pode ocorrer, no entanto, queesses efeitos nem sempre sejam operados, como nos seguintes exemplos:

    (i) A subordinao de um pagamento ocorrncia de uma determinada condio,

    como a vitria de uma equipe esportiva numa determinada competio. O negcioexiste, vlido, mas sua eficcia est condicionada vitria de umas das equipes.Caso essa no ocorra, o negcio ser permanentemente ineficaz;

    (ii) A dotao testamentria de certos bens opera a transmisso causa mortisapenas apso advento da morte do testador. A morte uma certeza, embora indeterminada apoca em que ir se processar. O negcio, apesar de existente e vlido, carece doimplemento desse termo para que produza efeitos.

    (iii) A doao de um imvel, negcio jurdico existente e validamente constitudo, masque no se processa em virtude de um deslizamento de terra que soterrou e destruiuo imvel (fora maior).

    Por fim, vale mais uma vez recorrer lio de Antnio Junqueira de Azevedo, que des-taca:

    6 Por vezes essa regra re-lativizada, seja por fora do

    julgamento dos litgios nocaso concreto, seja em virtude

    de determinadas situaes emque a lei prev efeitos para oato nulo, como no casamentoputativo.

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    O exame do negcio, sob o ngulo negativo, deve ser feito atravs do que batizamos como nome de tcnica de eliminao progressiva. Essa tcnica consiste no seguinte: primeiramen-

    te, h de se examinar o negcio jurdico no plano da existncia, e a, ou ele existe, ou ele noexiste. Se no existe, no negcio jurdico, aparncia de negcio (dito ato inexistente)e, ento, essa aparncia no passa, como negcio, para o plano seguinte, morre no plano daexistncia. No plano seguinte, o da validade, j no entram os negcios aparentes, mas simsomente os negcios existentes; nesse plano, os negcios existentes sero, ou vlidos ou in-vlidos; se forem invlidos, no passam para o plano da eficcia, ficam no plano da validade;somente os negcios vlidos continuam e entram no plano da eficcia. Nesse ltimo plano,por fim, esses negcios, existentes e vlidos, sero ou eficazes ou ineficazes (ineficcia emsentido restrito).7

    Consideraes acerca dos requisitos de validade do art. 104

    Capacidade do Agente rata-se aqui de uma condio subjetiva de validade do neg-cio jurdico. A falta de capacidade pode gerar a nulidade do negcio jurdico quando foruma incapacidade absoluta ou a sua anulabilidade quando se tratar de uma incapacidaderelativa.

    Essa capacidade deve ser aferida no momento do ato. Mesmo que aps a prtica do oagente se torne capaz, isso no ser suficiente para sanar a nulidade, em se tratando de in-capacidade absoluta. Da mesma forma, a incapacidade superveniente ao ato no o macula,permanecendo o ato como vlido.

    Destaque-se ainda que a idia de capacidade deve ser conjugada com o sentido de legi-timidade. Pode haver situaes em que um indivduo seja plenamente capaz, e dessa forma,

    absolutamente apto para a prtica de todos os atos da vida civil. Mas esse agente, para aprtica de determinado negcio jurdico, pode no ser dotado de legitimidade.Essa legitimidade uma espcie de permisso para a prtica de um negcio jurdico em

    especial. O exemplo mais eloqente a compra e venda que se opera entre ascendentes edescendentes. Quando um pai vende um imvel ao filho, h a presuno de que este tentarbeneficiar o seu ascendente, ocasionando prejuzo aos demais herdeiros. At que sobrevenhaa anuncia dos demais interessados, faltar legitimidade para essa alienao.

    Objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel Para que o negcio jurdico sejavlido h necessidade de adequao a esses requisitos legais, quais sejam: a possibilidade, aliceidade e a determinabilidade. A liceidade ou licitude a conformidade do objeto com oordenamento jurdico, seja na esfera civil, penal, ou administrativa; a possibilidade correlata

    a idia de liceidade, pois possveis so os objetos lcitos, no devendo-se aqui confundir coma noo de possibilidade material; a determinabilidade a caracterstica que fundamenta anecessidade do objeto ser determinado ou pelo menos, determinvel, isto , h necessidadede estabelecer com certa preciso no que corresponder o objeto do negcio jurdico.

    Forma prescrita ou no defesa em lei aqui se encontra um requisito de natureza formalque determina como a manifestao de vontade deve ser exteriorizada. A regra geral ada liberdade de forma, mas pode ser excepcionada pela necessidade de observncia formaespecial.

    2. CASO GERADOR

    A Delta Participaes S.A,sociedade annima legalmente constituda, tem por objetoa aquisio de participaes acionrias em outras sociedades. A percepo de lucro dessa

    7 Antnio Junqueira de Azeve-do. Negcio Jurdico. So Paulo:Saraiva, 2003, 4 ed.; p. 64.

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    pessoa jurdica advm da especulao que promove utilizando os valores mobilirios dediversas companhias.

    Ocorre que no ltimo binio, a Delta participaes vem acumulando sucessivos preju-zos, fato que gerou srios problemas em sua operao.A Companhia no insolvente, na medida em que o valor das dvidas acumuladas no

    excede o patrimnio da mesma. Contudo, uma situao foi observada: aps diversos preju-zos sucessivos, a sociedade encontrou-se momentaneamente sem liquidez em seus recursos.Ou seja, no possua capital em espcie (dinheiro) para o pagamento de dbitos elementa-res, como direitos trabalhistas.

    Essa situao levou os administradores a tomar uma deciso: estabeleceriam um emprs-timo junto ao Banco Gama S.Ano exato valor da dvida trabalhista vincenda. Em paralelo,negociariam a alienao de alguns imveis pertencentes Companhia para fazer caixa.

    O emprstimo foi aprovado pelo conselho de administrao da companhia e acordado

    diretamente entre o corpo diretivo da Delta Participaes e a gerncia do Banco Gama.Em seguida, foi remetida correspondncia aos funcionrios, informando-os da necessidadede se dirigirem instituio financeira para o recebimento de seus crditos. Frisou-se, paratranqilidade geral, que o dbito seria responsabilidade da companhia e que os funcionriosno teriam nenhum outro transtorno seno o de dirigirem-se agncia bancria.

    Ocorre que o Banco Gama procedeu de forma diversa do acordado com a Companhia.Estabeleceu contratos nos quais os funcionrios da Delta Participaes figuravam direta-mente no plo passivo da relao, ou seja, como obrigados. Seriam eles os reais devedoresda dvida.

    Isso foi possvel porque se tratavam de funcionrios humildes, de pouca experincianegocial, alm do contrato ser demasiadamente complexo para que, em rpida leitura, pu-

    dessem os funcionrios questionar todo o procedimento.A alienao de bens da Delta fracassou e a mesma no realizou o pagamento do repu-tado emprstimo. Consequentemente, o banco reivindicou o adimplemento da dvida aosfuncionrios da companhia. Correspondncias, notificao de cobrana, negativizao donome em instituies de proteo ao crdito foram alguns dos meios utilizados pela insti-tuio financeira para cobrar a dvida.

    Com base nesta primeira aula sobre os planos do negcio jurdico, d um parecer fun-damentado sobre a situao acima descrita. Enfoque na exigibilidade (ou no) do negcioestabelecido entre o Banco e os Funcionrios da Delta.

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    AULA 3: CLASSIFICAO, INTERPRETAO E CAUSA DOS NEGCIOS JURDICOS

    EMENTRIO DE TEMAS

    Classificao dos negcios jurdicos Interpretao dos negcios jurdicos Causa dosnegcios jurdicos.

    LEITURA OBRIGATRIA

    PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 495/509.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    EPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Cdigo Civil Interpretado conforme a Constituio da Repblica, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 220/230.

    VENCESLAU, Rose Melo. O negcio jurdico e as suas modalidades, in Gustavoepedino (org).A Parte Geral do Novo Cdigo Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002;pp. 177/200.

    1. ROTEIRO DE AULA

    Classificao dos negcios jurdicos

    Existem diversas formas de se classificar os negcios jurdicos e a doutrina se vale dos maisvariados critrios para esse fim. O esforo para classificao dos negcios surge como meiopara facilitar a interpretao e a aplicao dos dispositivos que so pertinentes matria.

    Uma primeira classificao dos negcios jurdicos, com j visto, os divide em negciosbilaterais e unilaterais. Como destaca Caio Mrio:

    negcio jurdico unilateral o que se perfaz com uma s declarao de vontade (testa-mento, codicilo), enquanto bilateral se diz aquele para cuja constituio necessria a exis-tncia de das declaraes de vontade coincidentes.9

    Negcios jurdicos unilaterais so aqueles em que uma parte, por intermdio de uma de-clarao de vontade, realiza um determinado ato jurdico. Negcios Jurdicos bilaterais, porsua vez, so aqueles que implicam na existncia de duas declaraes de vontade coincidentessobre o objeto. Essas manifestaes de vontade devem coincidir, surgindo nesse momento oconsentimento.Quando o mesmo no ocorre, ainda que haja manifestao volitiva de maisdos dois agentes, o negcio no se forma.

    Sendo assim, os negcios jurdicos bilaterais se formam quando uma pessoa emite uma

    manifestao de vontade em determinado sentido, e outra pessoa declara sua anuncia a essamanifestao de vontade. o consentimento entre esses agentes, o ajustamento entre seusdesgnios, que promove o surgimento dessa modalidade de negcio jurdico.

    8

    Caio Mrio da Silva Pereira.Instituies de Direito Civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2005;p. 496., p. 496.

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    Os negcios jurdicos podem ainda ser classificados em onerosos ou gratuitos. O quese tem em vista aqui o efeito do negcio. O negcio oneroso aquele que proporciona

    ao agente a percepo de vantagem econmica, mediante o exerccio de uma prestao. Aidia presente aqui a da correspectividade de prestaes, isto , da mtua transmisso debens.10

    Gratuito, ao contrrio, aquele negcio onde uma pessoa proporciona outra determi-nado enriquecimento sem contraprestao por parte do beneficiado. A vantagem exclusivapara uma das partes da relao, a qual no obrigada a prestar, sendo apenas beneficiriadireta da diminuio do patrimnio da outra. Como destaca Caio Mrio:

    O negcio a ttulo oneroso configura a produo de conseqncias jurdicas concre-tizadas na criao de vantagens e encargos para ambos, como a compra e venda, em que aprestao de cada parte se contrape da outra parte. O negcio jurdico a ttulo gratuito traz

    benefcio ou enriquecimento patrimonial para uma parte, custa da diminuio do patrim-nio da outra parte, sem que exista correspectivo dado ou prometido, como na doao pura,em que o doados transfere bens de seu patrimnio para o do donatrio, que se enriquece semse sujeitar a nenhuma prestao.11

    Os negcios jurdicos podem tambm ser classificados como inter vivose causa mortis.O negcio jurdico inter vivos aquele pactuado para produzir os seus efeitos durante operodo de vida das partes. Ele produz efeitos desde logo. Contudo, isso no significa queo negcio jurdico inter vivostenha a sua natureza desnaturada quando ocorre a circunstn-cia de se estenderem os seus efeitos para depois da morte do agente. A idia central que oclassifica dessa forma que as conseqncias desse ato se processam com mais intensidade

    durante a vida das partes que lhe deram causa, podendo se estender, naturalmente, paraalm de suas mortes.O negcio jurdico mortis causaproduz os efeitos aps o advento da morte do agente.

    Frise-se que o ato no produz nenhum efeito at que ocorra esse evento. O exemplo clssicodesse tipo de negcio jurdico o do testamento.

    Os negcios jurdicos dividem-se ainda emprincipais eacessrios. Principal aquele queexiste por si mesmo e independentemente de outro. J o acessrio aquele cuja existnciapressupe a de outro que seja principal, no possuindo existncia autnoma. O negcio

    jurdico acessrio segue a sorte do principal: caso esse seja invalidado, extinto pela vontadedas partes ou inquinado de algum vcio que impea a produo de seus efeitos, seguir onegcio acessrio a sua mesma sorte.

    Atentando ao critrio da forma, os negcios Jurdicos podem ser classificados comosolenes eno solenes.Solenes (ou formais) so aqueles que se revestem de certa forma especial. No solenes

    (ou consensuais) so aqueles que possuem forma livre, tendo validade qualquer que seja aforma assumida pela manifestao de vontade. Nesse sentido, cumpre mencionar o dispostonos arts. 107 e 108 do Cdigo Civil:

    Art. 107. A validade da declarao de vontade no depender de forma especial, senoquando a lei expressamente a exigir.

    Art. 108. No dispondo a lei em contrrio, a escritura pblica essencial validade dosnegcios jurdicos que visem constituio, transferncia, modificao ou renncia de di-

    reitos reais sobre imveis de valor superior a trinta vezes o maior salrio mnimo vigente noPas.

    10 Gustavo Tepedino, MariaCelina Bodin de Moraes e He-loisa Helena Barboza. CdigoCivil Interpretado conforme a

    Constituio da Repblica, v. I.Rio de Janeiro: Renovar, 2004;p. 213.

    11

    Caio Mrio da Silva Pereria.Instituies de Direito Civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2005;p. 497.

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    O art 107, como visto, enuncia a regra acima exposta, ao passo que o art. 108 umexemplo de imposio legal de forma especfica para o negcio jurdico.

    Interpretao do negcio jurdico

    Na primeira aula sobre negcio jurdico foi constatado que esse instituto tem por escopofundamental a criao de relaes jurdicas, que como tal, intentam a busca de efeitos denatureza no s econmica, mas tambm social. Por intermdio dessas relaes, as partesse vinculam mediante o estabelecimento concomitante de direitos subjetivos e deveres ju-rdicos.

    A existncia de similitudes entre a lei e o negcio jurdico patente. Dessa forma, no hque se desprezar a abordagem dessas caractersticas comuns (e tambm de suas diferenas)no estudo hermenutico dessa espcie de ato jurdico.

    A primeira das caractersticas comuns, e tambm a mais elementar, a de que tanto anorma legal quanto o negcio jurdico so expresses da vontade humana, pois definemcondutas, direitos, deveres jurdicos e toda sorte de efeitos jurdicos.

    No entanto, apesar de serem expresses da vontade e prescreverem direitos e deve-res, a lei e o negcio jurdico diferem quanto ao agente produtor dessas normas. A lei manifestao da vontade do Estado. A lei, em sentido formal, promana de ato do poderlegislativo, que atravs de ritos procedimentais estabelecidos em sede constitucional, editaleis em carter genrico e abstrato que balizam a conduta de todos os indivduos. J osnegcios jurdicos so constitudos por intermdio da manifestao de vontade de agentesparticulares, que criam normas cujo campo de incidncia se restringir aos participantesdesse pacto. Somente aos contratantes sero impostas obrigaes, mas possvel, como se

    ver posteriormente, que os efeitos jurdicos do instrumento contratual alcancem a rbitajurdica de terceiros.Sendo o negcio jurdico exteriorizao da vontade humana, certo que a sua interpre-

    tao deve cogitar no s de elementos de ordem jurdica, mas tambm de ordem psquica.rata-se de problemtica especialmente atinente atividade interpretativa do julgador, pois quando da instalao dos litgios, quando j se demandou a tutela do Estado, ou de umacorte arbitral, em sua soluo, que o juiz ou rbitro vai inquirir sobre os desgnios que osagentes intentavam quando da construo do liame contratual.

    A interpretao do negcio jurdico se coloca umbilicalmente relacionada ao contedoda declarao de vontade, e nesse sentido, muito mais do que atentar as regras de interpre-tao, os magistrados se atm s particularidades do caso concreto.

    No art. 112 do nosso cdigo civil encontra-se um princpio interpretativo de vital im-portncia nessa seara. Ele estabelece a necessidade de atentar mais inteno da declaraode vontade do que ao contedo literal que ela assume. Nesse sentido:

    Art. 112. Nas declaraes de vontade se atender mais inteno nelas consubstanciadado que ao sentido literal da linguagem.

    Logicamente isso no significa que o intrprete desse negcio deva desprezar por comple-to o teor literal do mesmo. odavia, os negcios jurdicos podem assumir grande variedadede formas e de objetos, de maneira que estabelecer um ritual interpretativo seria complexoe redundaria em impreciso. Dessa forma, optou-se por alargar a margem de discricionarie-

    dade do intrprete que, no caso concreto, buscar a real vontade das partes.Essa abordagem no caso concreto fruto da considerao de que a manifestao devontade, que redunda na criao do negcio jurdico, se encontra intimamente ligada

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    a elementos econmicos e sociais, bem como outros fatores de ordem jurdica, como osprincpios jurdicos da boa-f e da lealdade entre as partes no contrato.

    Outro ponto de destaque o que alude reserva mental, e nesse sentido o art. 110 doCdigo Civil acrescenta a previso de tal instituto no ordenamento legal brasileiro, noobstante a sua previso nos campos jurisprudencial e doutrinrio j existir de longa data.

    No entendimento de Serpa Lopes, reserva mental a manifestao de vontade disso-nante de seu real contedo, de modo que os efeitos decorrentes do ato praticado no sejamqueridos pelo declarante.12

    Se a outra parte que pactua o negcio desconhecia a dissonncia entre declarao e von-tade, o ato deve ser conservado em prestgio boa-f dessa parte e segurana das relaes

    jurdicas. Caso contrrio, se era do conhecimento da outra parte a divergncia entre vontadee declarao, a conseqncia ser a invalidao do negcio.

    Verifique-se que nesse campo da interpretao dos negcios jurdicos, a boa-f objetiva

    assume uma posio de verdadeira proeminncia, sendo um dos nortes interpretativos dosnegcios jurdicos. Esse princpio se traduz na necessidade de se observar aes pautadas natica e lealdade entre as partes, tutelando ainda a confiana depositada na parte contrriada relao.

    O art. 113 do Cdigo, mais uma vez salienta a necessidade de interpretao em conso-nncia com o princpio da boa-f, aliando ainda o elemento costumeiro na interpretao donegcio (usos dos negcios).

    Art. 113. Os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e os usos dolugar de sua celebrao.

    Os contratos benficos, por seu turno, devem ser interpretados de forma restrita, noslimites pretendidos pelo agente. So aqueles mediante os quais se exerce alguma espcie deliberalidade, como na doao ou na renncia. Se por acaso o doador transferiu mais bensdo que realmente tinha em mente, a transmisso no que toca ao excesso deve ser invalidada.Nesses negcios, com especial ateno que a vontade do agente instituidor deve guiar aatividade do intrprete.

    Causa do Negcio Jurdico

    O negcio jurdico, conforme j examinado, uma manifestao de vontade que, aten-tando aos requisitos da lei, produz determinados efeitos. O negcio jurdico visa a um fim

    determinado, e como tal, h certa motivao para a consecuo desse fim.A noo de causa aqui mencionada constitui um motivo com relevncia jurdica. Nessesentido, afirma Silvio Venosa que:

    Numa Compra e venda, por exemplo, o comprador pode ter os mais variados motivospara realizar o negcio: pode querer especular no mercado; pode pretender utilizar-s da coisapara seu prprio uso; pode querer adquiri-la para revender. odos esses motivos, porm,no tm relevncia jurdica. O motivo com relevncia jurdica ser receber a coisa, mediantepagamento. Para o vendedor, por outro lado, o motivo juridicamente relevante receber opreo. Pouco importa, para o Direito, se o vendedor aplicar o dinheiro recebido no mercadodecapitais ou pagar dvida.13

    Dessa forma, pode-se observar a clara distino entre motivos, que podem ser muitos, ea causa, que efetivamente gera efeitos jurdicos.

    12 Miguel Maria de Serpa Lo-pes. Curso de Direito Civil, v.I.. So Paulo: Freitas Bastos,1989; p. 402.

    13 Silvio de Salvo Venosa. DireitoCivil: Parte Geral. So Paulo:Atlas, 2003; p. 409.

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    O direito ptrio no encampa a causa como elemento do negcio jurdico, traandoconsideraes somente no que tange ao objeto e sua liceidade. Assevera-se que objeto e cau-

    sa, embora sejam elementos em essncia diversos, apresentam certa aproximao conceitual,versando ambos sobre a finalidade do negcio jurdico. E foi justamente nesse sentido queo Cdigo Civil, seguindo a linha do seu antecessor (que por sua vez se filiava corrente denatureza germnica), trata do objeto do negcio de forma mais ampla, incluindo assim anoo de causa.

    No entanto, apesar da previso legal no sentido da no essencialidade da causa, h diver-sos doutrinadores que manifestam entendimento divergente. interessante, para esses fins,destacar no atual Cdigo Civil o art. 140, o qual est assim redigido:

    Art. 140. O falso motivo s vicia a declarao de vontade quando expresso como razodeterminante.

    Aqui o cdigo excepciona a idia geral, destacando a importncia da causa. Issoocorre porque, em regra, a causa que leva a prtica do ato resta desconhecida. Nos casosem que ela expressamente enunciada, especificando a motivao em que o negcio estenvolto, abre-se espao para a anulao do negcio tendo em vista um defeito nessemotivo.

    A partir dessa situao, pode-se mesmo criar um exemplo no qual poderia se pleiteara anulao do negcio tendo em vista erro no motivo. Imagine-se que uma determinadapessoa jurdica com fins especulativos adquire grupo de imveis pelo preo de mercado. Re-aliza tal aquisio tendo em vista a construo, amplamente divulgada, pelo Poder Pblico,de estao de metr exatamente ao lado do local onde esses imveis se encontram. Deixa

    essa motivao absolutamente clara ao alienante. Pouco tempo depois, j com as obras emincio, a municipalidade altera os planos estabelecidos e no realiza a obra. Os imveis ad-quiridos conservam o valor original.

    Certo que, no caso concreto, diversas consideraes sero levantadas, desde o risco na-tural envolvido nesse negcio jurdico, at a questo da boa-f do alienante e do adquirente.

    A idia que se abre espao nessas situaes onde o motivo determinante na realizao donegcio jurdico se frustra para que se pleiteie a invalidao do ato.

    2. QUESTES DE CONCURSO

    Concurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004)39. Assinale a nica afirmao ERRADA quanto aos negcios jurdicos.

    a) A validade da declarao de vontade depender sempre de forma especial.b) A validade do negcio jurdico requer, entre outros, objeto determinado ou determi-

    nvel.c) Os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e os usos do lugar

    de sua celebrao.d) Os negcios jurdicos benficos e a renncia interpretam-se estritamente.e) Silncio importa anuncia, quando as circunstncias ou os usos o autorizarem e no

    for necessria a declarao de vontade expressa.

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    Concurso para o cargo de Advogado da BR Distribuidora (2005) prova azul:29. No direito ptrio, como regra geral, o negcio jurdico inspira-se pelo princpio

    da forma:a) particular.b) livre.c) consensual.d) pblica.e) especial.

    21 Exame da Ordem OAB/RJ 1 fase1 No que se refere a contrato firmado entre duas partes CORRETO afirmar:

    a) A vontade manifesta de uma das partes no subsiste se esta faz reserva mental de no

    mais querer aquilo que manifestou;b) A reserva mental indiferente validade do negcio jurdico, exceto quando o desti-natrio da manifestao de vontade efetuada com reserva mental tiver conhecimentoda mesma;

    c) A reserva mental de uma das partes importa em erro concernente ao objeto da de-clarao de vontade;

    d) O negcio realizado com reserva mental de uma das partes anulvel por no im-portar em um querer definitivo.

    2 Assinale a alternativa INCORRETA no que se refere ao silncio nos contratos:

    a) O silncio no sentido jurdico pode ser conceituado como aquela situao quandouma pessoa no manifestou sua vontade em relao a um negcio jurdico, nem poruma ao especial necessria a este efeito (vontade expressa) nem por uma ao daqual se possa deduzir sua vontade (vontade tcita);

    b) Se algum me apresenta um contrato e manifesta que tomar meu silncio comoaquiescncia, eu no me obrigo, porque ningum tem o direito, quando eu noconsinto, de forar-me a uma contradio positiva;

    c) O silncio s produz efeitos jurdicos quando, devido s circunstncias ou condiesde fato que o cercam, a falta de resposta interpelao, ato ou fatos alheios, ou seja,a absteno, a atitude omissiva e voluntria de quem silencia induz a outra parte,como a qualquer pessoa normal induziria, crena legtima de haver o silente reve-

    lado, desse modo, uma vontade seguramente identificada;d) O silncio importar em anuncia do contrato todas as vezes em que se estiver dian-te de contratos de adeso, houver prazo obrigatrio assinalado para manifestao daparte, sob pena de no o fazendo considerar a contraparte que houve aquiescncia ea parte tiver tido ampla oportunidade de tome conhecimento de todos os termos eclusulas do contrato.

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    AULA 4: DEFEITOS DO NEGCIO JURDICO: ERRO E DOLO

    EMENTRIO DE TEMAS

    Manifestao de vontade defeituosa Disciplina jurdica do erro Erro de Fato e Errode Direito Disciplina jurdica do dolo Dolo essencial e dolo acidental Dolus Bonus eDolus Malus Dolo Positivo e Dolo Negativo Dolo de erceiro.

    LEITURA OBRIGATRIA

    NEVARES, Ana Luiza Maia. O erro, o dolo, a leso e o estado de perigo no novo c-

    digo civil, in Gustavo EPEDINO (org).A Parte Geral do Novo Cdigo Civil. Riode Janeiro: Renovar, 2002; pp. 251/271.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 513/529.

    EPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Cdigo Civil Interpretado conforme a Constituio da Repblica, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 268/284.

    1. ROTEIRO DE AULA

    Manifestao de vontade defeituosa

    O negcio jurdico, como visto, se processa mediante uma declarao de vontade con-dizente com a lei e que tenciona a produo de efeitos jurdicos. Deriva, assim, da emissode vontade do agente. Essa manifestao de vontade um dos elementos constitutivos donegcio, sem a qual o mesmo no chega nem mesmo a transpassar o plano da existncia.

    No entanto, uma vez existente essa vontade, o direito se ocupa dos requisitos de validade

    que ela deve demonstrar para que o negcio possa validamente se aperfeioar. Ainda queemanada diretamente do agente, essa declarao pode no traduzir o seu ntimo querer,a sua vontade real e dessa maneira, o intrprete termina por se deparar com um negciodefeituoso. Quando a vontade manifestada no corresponder vontade real, ao desejo doagente, esse negcio encontrar-se- sujeito nulidade ou anulabilidade.

    Destaque-se que luz das teorias encampadas pelo nosso direito civil, existe a distinoentreausncia de vontade e emisso defeituosaoperando em planos diversos. Sendo a vontadeelemento do negcio, e estando ela ausente, esse ato ser inexistente. Por outro lado, sendoa manifestao volitiva defeituosa, o negcio existente, embora invlido.

    Os defeitos que podem atingir o negcio jurdico podem ser de dois tipos. Os vcios deconsentimento eos vcios de vontade.

    Os vcios de consentimento afetam a manifestao de vontade em si, fazendo com quea sua elaborao ocorra de modo errneo. A exteriorizao dessa vontade ocorre de mododistorcido e produz efeitos diversos daqueles que o agente tinha em mente. Se os fatores que

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    macularam a vontade no existissem, o declarante ou teria agido de forma diversa ou teriase abstido de celebrar esse negcio.

    Os vcios da vontade, tambm denominados vcios reais, so aqueles nos quais o ato semanifesta em consonncia com a vontade anmica do agente, mas, no entanto, essa vontade repudiada pelo ordenamento. No se observa oposio entre a vontade ntima do agentee a vontade por ele externada, porm h dissonncia entre a vontade do agente e a ordemlegal14. Aqui, o real querer do agente se encontra harmonizado com a forma pela qual essavontade se manifesta, existindo, entretanto, reprovao por parte da lei.

    Disciplina jurdica do erro

    A noo clssica de erro o define como uma falsa representao da realidade que influen-cia de maneira determinante a manifestao de vontade.

    No erro, o agente procede contrariamente ao seu querer, pois atua ou por desconheci-mento completo ou por conhecimento impreciso acerca de alguma circunstncia. A idiacentral desse conceito reside no fato de que o agente agiria de modo diverso ou mesmo nempraticaria o ato caso tivesse uma percepo correta da realidade.

    Erro e ignorncia no se confundem embora venham tratados conjuntamente pelo C-digo Civil. Ignorncia o desconhecimento do agente em relao aos efeitos que seroproduzidos a partir da sua declarao de vontade. Do ponto de vista jurdico, no h dife-rena.

    Nesse sentido, a ignorncia no pode ser observada quando o agente emite determinadoato de vontade tendo a noo de que os efeitos que sero perpetrados a partir dele so des-conhecidos. Se o agente no tem completo conhecimento do alcance do seu ato no h mais

    em que se falar em vcio do negcio jurdico.Um dado relevante no erro a noo de espontaneidade na manifestao da vontade.No importa que o agente tenha querido resultado diverso, que no tivesse completa cons-cincia dos efeitos prprios do ato que praticou. No erro, o agente pratica o ato de formaespontnea. Ningum o coage prtica, nem o insta a pratic-lo por intermdio de artifciosescusos, ou seja, dolosos.

    Os requisitos para a caracterizao do erro, so, segundo Clovis Bevilqua: (i) a escusa-bilidade; (ii) recair sobre o objeto do ato (e no sobre suas designaes); (iii) referir-se aosmotivos essenciais do negcio; e (iv) relevncia do erro.

    Escusabilidade O erro no pode ser grosseiro, de fcil visualizao por um homem deinteligncia mediana (homem comum) agindo com a diligncia normal que o negcio re-

    quer. Se o erro assume essas caractersticas no h que se pleitear anulao do ato. a regrado art. 138.

    Art. 138. So anulveis os negcios jurdicos, quando as declaraes de vontade emana-rem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligncia normal, em facedas circunstncias do negcio.

    Essa idia visa precipuamente a garantir a segurana jurdica. Se qualquer erro facilmen-te verificvel pudesse ensejar a anulao dos negcios jurdicos, haveria grande instabilida-de. Alm disso, necessrio resguardar o outro contratante em virtude da sua boa-f. Aferira escusabilidade do erro tarefa para o juiz ou rbitro no caso concreto.

    Segundo afirma Silvio Venosa, foi correta a supresso do requisito escusabilidade por-que, na nova lei, o negcio s ser anulado se o erro for passvel de reconhecimento pelaoutra parte. A escusabilidade, nesse caso, torna-se secundria. E complementa o autor: O

    14 Caio Mrio da Silva Pereira.Instituies de Direito Civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2005;p. 514.

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    que se levar em conta a diligncia normal da pessoa para reconhecer o erro, em face dascircunstncias que cercam o negcio. Sob tal prisma, h que se ver a posio de um tcnico

    especializado e de um leigo no negcio que se trata. Avultam em importncia as condiese a finalidade social do negcio que devem ser avaliadas pelo juiz.15

    Erro Substancial ou Essencial Para que o ato seja passvel de anulao necessrio queo erro seja substancial (ou essencial). Como pode se perceber pela sua prpria nomenclatu-ra, o erro essencial tem papel de suma importncia na declarao de vontade realizada peloagente. Se tivesse conscincia da falsa representao da realidade ensejada pelo erro, noteria concludo o negcio. Ele incide sobre a causa do negcio ou pelo menos, sobre umadas vrias causas do mesmo.

    A definio legal sobre o que erro substancial vem no art. 139, I. O inciso I do mesmoartigo fala do erro quanto pessoa, dando-lhe tratamento ainda mais especificado:

    Art. 139. O erro substancial quando:I interessa natureza do negcio, ao objeto principal da declarao, ou a alguma dasqualidades a ele essenciais;

    II concerne identidade ou qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaraode vontade, desde que tenha infludo nesta de modo relevante;

    III sendo de direito e no implicando recusa aplicao da lei, for o motivo nico ouprincipal do negcio jurdico.

    O erro acidental, contrariamente ao substancial, no suficiente para anular o negcio.Ele incide sobre motivos ou qualidades no essenciais. Nesse caso, no se abre espao parase pleitear anulao, pois o declarante realizaria o negcio, ainda que conhecendo do erro.

    Mais uma vez o juiz, no caso concreto, que ir aferir a essencialidade ou no do erro. Noh que se pensar em critrios pr-definidos, visto que o erro que numa situao pode assu-mir a qualificao de secundrio, pode noutro negcio revestir carter de essencialidade.

    O art. 142 trata de hipteses onde a incidncia do erro no pode ser suficiente para ainvalidao do ato:

    Art. 142. O erro de indicao da pessoa ou da coisa, a que se referir a declarao de vonta-de, no viciar o negcio quando, por seu contexto e pelas circunstncias, se puder identificara coisa ou pessoa cogitada.

    Como j por ns examinado, a causa no foi encampada pelo nosso ordenamento como

    elemento do negcio jurdico. Limita-se a lei, no art. 140 do Cdigo Civil, a enunciar que ofalso motivo s enseja anulao quando expressamente enunciado como razo determinantedo negcio. No mais, quando no expressos os motivos que levaram o agente a negociar,residindo apenas no seu campo psquico, no h que se falar em sua influncia no mundo

    jurdico.

    Erro de Fato e Erro de Direito

    J o erro de direito, por conta de alteraes legislativas, implica em certa divergncia.O erro pode no recair sobre circunstncias de fatoconforme examinado acima, mas aocontrrio, estar diretamente ligado ao desconhecimento da norma jurdica ou das conseq-

    ncias jurdicas do acordo.Esse desconhecimento no deve ser compreendido aqui como a total ignorncia da exis-tncia. O prprio ordenamento expresso nesse sentido, por fora do art. 3 da LICC. O

    15 Silvio de Salvo Venosa. DireitoCivil: Parte Geral. So Paulo:Atlas, 2003; p. 426.

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    erro, neste caso, consiste no falso conhecimento do direito aplicvel, ou da interpretao domesmo, redundando na produo de efeitos jurdicos diversos do pretendido.

    H ainda que destacar que o erro de direito somente pode dar margem anulao quan-do se mostra como motivo determinante da declarao, ou seja, o agente somente resolveuproceder com esse ato na medida em que tinha uma noo equivocada da norma jurdica.

    Disciplina jurdica do dolo

    No h conceituao sobre dolo constante do Cdigo Civil. O Cdigo inicia o trata-mento da matria no art. 145, elencando o dolo entre as causas de anulabilidade do negcio

    jurdico.O dolo a o estratagema, o artifcio utilizado no intento de viciar a vontade daquele

    a quem se destina. So manobras efetuadas com o propsito de obter uma declarao de

    vontade que no ocorreria caso o declarante no fosse ludibriado. A definio de ClovisBevilaqua se mostra bem elucidativa:

    Dolo o artifcio ou expediente astucioso, empregado para induzir algum prtica deum ato jurdico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.16

    A distino entre dolo e erro se assenta no fato de que o primeiro h uma causaointencional do vcio da vontade. No dolo h provocao. O erro, como j examinado, temorigem na prpria vtima, da sua ntima convico, sendo uma falsa representao da reali-dade espontaneamente provocada pela mesma.

    Essa distino se mostra relevante pois, muitas vezes, de mais fcil verificao o com-

    portamento doloso por parte de algum agente do que a prova da percepo errnea darealidade, exclusiva da vtima.O dolo deve versar sobre elemento essencial do negcio jurdico para que possa ser en-

    sejada a sua invalidade. O dolo que trata de elemento acidental no suficientemente fortepara que o negcio seja invalidado.

    A idia que circunda o dolo o de levar uma determinada pessoa, o declarante da vonta-de, a agir de modo diverso do que pretenderia, caso no houvesse esse estratagema viciadorda vontade. A doutrina, no entanto, diverge acerca da necessidade de haver prejuzo efetivo parte.

    Para os que entendem pela necessidade de desvantagem econmica, o negcio no qualuma das partes proceda dolosamente sem, no entanto, imputar a outra prejuzo estimvel

    em pecnia, no poderia ser invalidado.O dolo deve ter origem no outro contratante. No caso de ser originrio de terceiro, deveser conhecido por quem dele se beneficiar. Essa a disposio constante no art. 148, doCdigo Civil:

    Art. 148. Pode tambm ser anulado o negcio jurdico por dolo de terceiro, se a parte aquem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrrio, ainda que sub-sista o negcio jurdico, o terceiro responder por todas as perdas e danos da parte a quemludibriou.

    Dolo essencial e dolo acidental

    O dolo essencial (ou principal) uma das causas de anulabilidade do negcio jurdico.O dolo acidental, justamente por incidir em elementos acessrios da declarao de vontade,

    16

    Clovis Bevilaqua. Teoria Geraldo direito civil. 2. ed. Rio deJaneiro: Editora Rio, 1980; p.436.

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    no enseja a invalidade do ato, mas somente a reparao por perdas e danos. Ele nada mais do que a prtica de um ato ilcito.

    Nesse sentido, prev a redao dos artigos 146 e 186 do Cdigo Civil:

    Art. 146. O dolo acidental s obriga satisfao das perdas e danos, e acidental quando,a seu despeito, o negcio seria realizado, embora por outro modo.

    Art. 186. Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violardireito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.

    Existem outras classificaes para o estudo do dolo, como as que fazem referncia dicotomia entre dolus bonus e dolus malus, ou ainda, a dolo positivo e dolo negativo, abaixoenfocadas.

    Dolus Bonus e Dolus Malus

    O dolus bonus o dolo com intensidade menor e tolerado pelo ordenamento jurdico.Um exemplo pode ser retirado do fato do comerciante que elogia demasiadamente o pro-duto que intenta vender, minorando alm da conta as imperfeies e desvantagens. A idiaque marca do dolus bonus que ele j esperado, natural e normal a certos negcios. Huma presuno de que o homem que age de forma proba e diligente, seria apto a no seenvolver nessa conduta dolosa.

    Dolo Positivo e Dolo Negativo

    Atentando ao fato de que o dolo pode se manifestar numa conduta positiva ou negativa,a doutrina apresenta essa classificao envolvendo o dolo positivo e o dolo negativo.O dolo positivo ou comissivoengloba a prtica de condutas, de atos que consubstanciam

    o intento do agente em enganar a outra parte. O declarante no agiria de modo errneo seno houvesse esse comportamento malicioso por parte do agente. O dolo negativo ou omissi-vo,por sua vez, a omisso que visa a fazer com que o declarante manifeste sua vontade deforma viciada. Ocorre quando o agente falta com o seu dever de informar, dever que decorredo princpio da boa-f objetiva.

    Dolo de Terceiro

    Pode ocorrer que um terceiro, mesmo a quem os efeitos do negcio no aproveitem denenhuma forma, perpetre um comportamento doloso. Nesse sentido, o art. 148 do CdigoCivil destaca que:

    Art. 148. Pode tambm ser anulado o negcio jurdico por dolo de terceiro, se a parte a quemaproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrrio, ainda que subsista o neg-cio jurdico, o terceiro responder por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

    O ato anulvel se o beneficirio tivesse conhecimento do dolo, ou ainda que estivesseobrigada a ter esse conhecimento.

    O dolo de terceiro pode se apresentar em trs situaes: (i) dolo de terceiro contando

    com a cumplicidade (participao efetiva) da parte do negcio; (ii) dolo de terceiro commero conhecimento da parte beneficiria; e (iii) dolo exclusivo de terceiro, sem conheci-mento do favorecido.

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    Quando o comportamento doloso se processa com alguma forma de conhecimento daparte que ele se aproveita (situaes i e ii) tm-se a anulabilidade do negcio. Na situao

    em que a parte no faz a menor idia do comportamento doloso do terceiro, o negciodever subsistir, mesmo porque, deve-se ter em vista a boa-f da parte a quem o dolo apro-veitou. Certo que o prejudicado poder pleitear direito a indenizao por perdas e danosface ao terceiro que agiu ilicitamente.

    Como se ver adiante, a coao, ao contrrio do que determinava o regime do Cdigode 1916, assume no atual Cdigo tratamento semelhante ao dolo no que concerne coaode terceiro sem o conhecimento de contratante beneficiado.

    Por fim, no dolo de ambas as partes, a lei pune ambas as condutas, evitando a anulaodo ato. Essa a regra do art. 150 do Cdigo Civil. rata-se de uma derivao da regra deque a ningum dado alegar a prpria torpeza.

    2. CASO GERADOR

    No dia 23 de abril de 2004, Bruno e Elizabeth, um casal de namorados que residia noapartamento 303, do prdio de n 45, na Rua Manoel Gonalves, no bairro de Laranjeiras,tiveram uma discusso acalorada. No se sabe ao certo o motivo da discusso, mas o fato que o casal foi encontrado morto, no dia seguinte, pelo porteiro do prdio. O caso aindahoje um mistrio para as autoridades policiais. odos os jornais de circulao na cidadedivulgaram por alguns dias a notcia da tragdia e as suas eventuais repercusses.

    O fatdico apartamento 303 era alugado. O locador, Antnio Mathias, tomou o cuidadode reformar todo o apartamento depois da tragdia. Foi uma medida mais espiritual do

    que esttica chegou a declarar para os amigos. Depois de concluda a reforma, nada maisnaquele apartamento lembrava a existncia do casal.Mas Antnio estava resolvido a vender o imvel. Passado algum tempo, conseguiu com-

    prar uma outro imvel e para l se mudou, colocando o apartamento 303 para ser vendidoatravs dos classificados de um grande jornal.

    Dois dias depois, Francisco e Carolina, um casal de namorados, foi visitar o apartamen-to. Eles logo se encantaram com a vista e com as condies para a compra do imvel. Depoisde providenciada toda a documentao, foi devidamente lavrada a escritura de compra evenda do imvel, que agora passava a ser de legtima propriedade de Francisco.

    Numa manh de domingo, ao retornar de uma caminhada na praia, Carolina encontrano elevador com uma moradora do prdio. A senhora, sem muita cerimnia, ao perceber

    que Carolina nada sabia sobre a tragdia do 303, trata de prontamente relatar todo o evento nova moradora.Atordoada com a noticia, a jovem corre para contar ao namorado sobre os eventos trans-

    corridos em seu apartamento h menos de dois anos atrs. Francisco, indignado com a m-f de Antnio, imediatamente contata o seu advogado. Na segunda-feira, aps reunio comseu advogado, Francisco est certo de que o negcio ser anulado atravs de deciso judiciale pretende ingressar com a medida na mesma semana.

    Se voc fosse o juiz desse caso, como seria a sua deciso? A venda do apartamento 303pode ser anulada com fundamento na tragdia ocorrida com Bruno e Elizabeth? Justifi-que.

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    3. QUESTO DE CONCURSO

    20 Exame da Ordem OAB/RJ 1 fase2 Assinale a alternativa INCORRETA no que se refere ao dolo:a) O silncio de uma das partes sobre fato relevante consecuo do negcio constitui

    dolo;b) Se ambas as partes procederem com dolo, pode aleg-lo para anular o negcio, ou

    reclamar indenizao, a parte a quem o negcio realizado no aproveitou;c) O dolo principal ou essencial torna o ato anulvel. O dolo acidental s obriga

    satisfao de perdas e danos;d) O dolo civil ao contrrio do dolo do direito penal mais genrico, deixando ao juiz

    a faculdade de interpretar o caso, diante das circunstncias, para dizer se houve ouno dolo para viciar a vontade.

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    AULA 5: DEFEITOS DO NEGCIO JURDICO: COAO, SIMULAO E FRAUDECONTRA CREDORES

    EMENTRIO DE TEMAS

    Disciplina jurdica da coao Coao por parte de terceiros Disciplina jurdica dasimulao Disciplina jurdica da fraude contra credores

    LEITURA OBRIGATRIA

    NEVES, Jos Roberto de Castro. Coao e fraude contra credores no Cdigo Civil de

    2002, in Gustavo EPEDINO (org).A Parte Geral do Novo Cdigo Civil. Rio deJaneiro: Renovar, 2002; pp. 291/309.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 530/544.

    EPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Cdigo Civil Interpretado conforme a Constituio da Repblica, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 284/291; 297/306.

    1. ROTEIRO DE AULA

    Coao

    A coao qualquer ameaa, quer seja de natureza fsica, quer seja moral, mediante aqual se constrange algum a praticar um determinado ato. A previso legal se encontra noart. 151 do Cdigo Civil, a partir do qual tambm se faz possvel destacar os principaiselementos do instituto:

    Art. 151. A coao, para viciar a declarao da vontade, h de ser tal que incuta ao pa-ciente fundado temor de dano iminente e considervel sua pessoa, sua famlia, ou aos seusbens.

    Pargrafo nico. Se disser respeito a pessoa no pertencente famlia do paciente, o juiz,com base nas circunstncias, decidir se houve coao.

    Os elementos marcantes para que se configure a coao so (i) essencialidade da coao;(ii) inteno de coagir; (iii) real gravidade do mal causado; (iv) ilicitude da cominao; (v)dano atual e iminente; (vi) justo receio de prejuzo, igual, pelo menos, ao decorrente dodano extorquido; e (vii) ameaa que deve recair sobre pessoa ou bens do paciente, ou pes-soas de sua famlia.

    Da mesma forma que os demais vcios j estudados at aqui, coao deve ser causa de-terminante do negcio jurdico, ou seja, sem ela, o negcio ou no teria se realizado ou teriaocorrido de forma manifestadamente diversa.

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    Se ainda que presente a coao, ela no seja a causa determinante, como no caso do co-agido desejar a prtica do negcio de qualquer forma, no poder ser pleiteada a invalidade

    do mesmo. O querer do agente, nesse caso, permanece espontneo.Se incidir sobre elemento acidental do negcio (coao acidental), a realizao ocorreriaindistintamente, mas de forma diversa da que se processou. Surge aqui o dever de ressarci-mento do prejuzo, mas no a prerrogativa de anular o ato.

    O temor provocado pela coao deve ainda ser considervel (de natureza moral ou patri-monial). O temor de natureza moral aquele que se dirige contra a vida, liberdade, honrada vtima, pessoas de seu crculo familiar ou ligadas quela por fortes vnculos afetivos. Acoao patrimonial incide sobre o patrimnio da vtima. Dessa forma, esse temor deveapresentar certa gravidade, pois se ele derivar das presses a que os indivduos so corriquei-ramente submetidos, frustrar-se- o intento de anula o negcio.

    Adicionalmente, o perigo de dano deve ser iminente. Se a ameaa for produzir efeitos em

    um futuro distante, no h como qualificar a coao, mesmo porque, abrir-se-ia a possibili-dade do coagido buscar a tutela do poder estatal, desembaraando-se da injusta presso.O temor deve ser fundado, ou seja, deve ser claro em sua manifestao. No h que se

    decretar invalidade se o coagido apenas supunha ser vtima de presso de fato inexistente.Esses so as caractersticas descritas no art. 151:

    Art. 151. A coao, para viciar a declarao da vontade, h de ser tal que incuta ao pa-ciente fundado temor de dano iminente e considervel sua pessoa, sua famlia, ou aos seusbens.

    Pargrafo nico. Se disser respeito a pessoa no pertencente famlia do paciente, o juiz,com base nas circunstncias, decidir se houve coao.

    Um outro dado tambm importante a ilicitude do mal com que se processa a coao.No se considera coao a ameaa do exerccio normal de um direito. Essa a prescrio doart. 153 do Cdigo Civil:

    Art. 153. No se considera coao a ameaa do exerccio normal de um direito, nem osimples temor reverencial.

    No entanto, o exerccio do direito no se confunde com abuso do direito (art. 187) queseria justamente o seu desvio de finalidade. O exerccio do direito se orienta especificada-mente consecuo da vantagem a que ele alude. No possvel que dele venha o agente se

    valer para atingir finalidade diversa daquela para a qual foi criado.Como elencado na relao de requisitos para a configurao da coao, essa condutadeve provocar na vtima receio de dano ao menos igual ao que seria provocado pelo o atosobre o qual a coao versa. Deve-se verificar sempre a real dimenso dos danos. De umlado, deve-se averiguar os danos provocados caso o coagido aja de acordo com os desgniosdo coator; de outro, deve-se tambm ter em mente as conseqncias que sero visualizadasna hiptese de se resistir coao.

    Esse procedimento, entanto, sofre hoje certas objees em virtude da possibilidade deocorrerem danos de natureza diversa, tais como os danos materiais e morais.

    Alguns autores entendem ainda ser possibilidade de coao quando a ameaa se dirige aoprprio coator. o exemplo do filho, que para obter vantagem do pai, ameaa se matar.

    Ainda, a doutrina diferencia coao moral de coao fsica. A primeira vicia o consenti-mento, ao passo que a ltima liquida totalmente a possibilidade de escolha. No h que sefalar, nessa situao em declarao de vontade.

  • 5/21/2018 Teoria Geral Das Obrigaes e Dos Contratos

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    31FGV DIREITO RIO

    TEORIA GERAL DAS OBRIGAES E DOS CONTRATOS

    A coao fsica (igualmente tratada por vis absoluta) um constrangimento de naturezacorporal que retira toda a capacidade do querer. No h manifestao de vontade, ou seja,

    h ausncia total de consentimento com o ato praticado. No havendo consentimento,carece o negcio jurdico de um de seus elementos essenciais, quer seja, a declarao de von-tade, e portanto, deve ser tido como inexistente. A coao absoluta no vcio da vontade.

    A coao relativa (vis compulsivaou coao moral) se opera de forma diversa, sendo vcio davontade. A vtima tem maior campo para manifestar a sua vontade, podendo inclusive no ceder coao, enfrentado o mal imposto. Com a coao relativa, o ato se torna apenas anulvel.

    O temor reverencial determinado pelo art. 153. rata-se do receio de desgostar pessoasa quem o agente julga dever obedincia e respeito, como no caso dos filhos em relao aospais. H, contudo, que se observar se esse suposto temor no configura de fato coao.

    Coao por parte de terceiros

    Quando do estudo sobre o dolo de terceiro, foi observado que o mesmo no maculariao ato se fosse desconhecido pela parte beneficiada. Essa soluo manejada, dentre outrosmotivos, pela proteo boa-f do beneficiado.

    Sob os auspcios do Cdigo de 1916, a dinmica da coao determinava que mesmocom o desconhecimento da parte beneficiada pela coao, abrir-se-ia a possibilidade deanulao do ato. Essa era uma soluo muito desfavorvel, como visto, ao contratante deboa-f.

    J o novo Cdigo prev soluo diversa, semelhante quela estudada em relao ao dolo.Se houver coao de terceiro e esta for desconhecida pelo contratante que dela se beneficiar,no se abre a possibilidade de anulao. O negcio subsiste, pleiteando-se indenizao do

    terceiro coator.Ocorre que se o beneficiado tiver conhecimen