livro teoria geral das obrigações

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E duardo C. B. B ittar C oordenador da S érie Teoria Geral das Obrig PARTE GERAL L eonardo P antaleão Teoria Geral c CO u Teoria Geradas Obrigações^ O 5 p

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Obrigações

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Page 1: Livro Teoria Geral Das Obrigações

E d u a r d o C . B . B i t t a r

C o o r d e n a d o r da S é r i e

Teoria Geral das ObrigPARTE GE RAL

L eo n a r d o Pantaleão

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ám NOÇÕES DE DIREITO

Sobre a Série

Esta série é destinada aos estudantes de direito, graduandos e pós-graduandos, bem como aos

profissionais da área jurídica.

Em cada obra, a matéria é apresentada de modo completo, atualizado e, ao mesmo tempo, sucinto.

A série oferece o conhecimento jurídico em linguagem acessível e moderna, não deixando de ser crítica na

abordagem de temas polêmicos.

Os títulos da série são recomendados pelo fato de versarem sobre noções elementares e fornecerem as pistas

fundamentais para a compreensão de seus temas.

A intenção é oferecer um instrumental diferenciado, pela qualidade editorial e pela distinção dos

autores e propostas que reúne, que se afirme como importante linha de exegese doutrinária na área

do Direito. Aproximar cientificidade e didatismo é um dos desafios da série.

E duardo C . B . B itta r

C o o r d e n a d o r d a S é r i e

Professor Doutor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo.

Page 5: Livro Teoria Geral Das Obrigações

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Teoria Geral das ObrigaçõesParte Geral

L e o n a r d o P a n t a l e ã o

Advogado militante em São Paulo. Professor univer­sitário e de cursos preparatórios para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.

Manole

Page 6: Livro Teoria Geral Das Obrigações

Copyright © 2005 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com o autor.

Capa: Hélio de Almeida

Projeto gráfico: Nelson Mielnik e Sylvia Mielnik

Editoração eletrônica: Acqua Estúdio Gráfico

Cl P-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE ____________ SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P222t

Pantaleão, Leonardo Teoria geral das obrigações : parte geral / Leonardo Pantaleão. - Barueri, SP : Manole> 2005 (Noções de direito)

Inclui bibliografia ISBN: 85-204-1925-9

1. Obrigações (Direito).I. Título. II. Série.

04-2193.CDU 347.44

Todos os direitos reservados.Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores.É proibida a reprodução por xerox.

Direitos adquiridos pela:Editora Manole Ltda.Avenida Ceei, 672 - Tamboré 06460-120 - Barueri - SP - Brasil TeL: (11) 4196-6000 - Fax: (11) 4196-6021 www.manole.com.br [email protected]

Impresso no Brasil Printeci in Brazil

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A Carol, m inha esposa; e a

H am ilton Elliot Akel, meu

sogroy pelos proveitosos

ensinamentos.

Page 8: Livro Teoria Geral Das Obrigações
Page 9: Livro Teoria Geral Das Obrigações

Apresentação

Honrado pelo convite que me formularam o Pro­fessor Doutor Eduardo C. B. Bittar e a Editora Manole, cogitei do contorno legal, doutrinário, retórico e juris- prudencial a definir o conteúdo intrínseco da obra. Op­tei, em face dos propósitos da coletânea, por uma abor­dagem objetiva, simples e didaticamente efetiva que, não discrepando do enunciado dos conceitos ortodo­xos fundamentais pertinentes à temática da Teoria Ge­ral das Obrigações, pudesse oferecer aos operadores do direito um instrumento de orientação imediata e sinté­tica a facilitar o conhecimento da matéria e, ao mesmo tempo, instigar o interesse pelo necessário aprofunda­mento das pesquisas e dos trabalhos acadêmicos.

Levei em consideração, na metodologia eleita, o es- corço legislativo do novo diploma, não descurando da opinião valiosa dos doutrinadores do Direito Privado, mas aproveitando a experiência por mim haurida nas

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

salas de aula das faculdades em que, com orgulho e humildade, venho lecionando. Parece-me ter sido atingido, nas páginas seguin­tes da exposição, o escopo modesto que intentei alcançar.

Aguardo, desde já, comentários de todos os leitores, com sugestões e objeções pertinentes, as quais, com certeza, servirão para o aprimoramento de futuras edições.

Sempre a contar com o concurso imprescindível dos meus prezados orientadores e incentivadores, tributo-lhes meus agrade­cimentos sinceros.

O autor

Page 11: Livro Teoria Geral Das Obrigações

Sumário

1. Introdução ............................................................................................................................12. O enquadramento do Direito das Obrigações no Sistema Jurídicobrasileiro ..................................................................................................................................113. Conceito de Direito das Obrigações ...................................................................... 154. Localização do Direito das Obrigações no novo Código C iv il ....................195. Estrutura do Direito das Obrigações .....................................................................236. História da ob rigação ................................................................................................... 277. Conceito de obrigação ................................................................................................. 318. Obrigação e responsabilidade................................................................................... 399. Elementos constitutivos da ob rigação ................................................................... 43

9.1. Sujeito ativo (credor) ......................................................................................449.2. Sujeito passivo (devedor).............................................................................. 469.3. Objeto ................................................................................................................... 479.4. Vínculo jurídico ................................................................................................50

10. Fontes das obrigações................................................................................................. 5510.1. Espécies de fontes das obrigações ...........................................................5710.2. Classificação das ob rig açõ es......................................................................59

11. Obrigações em relação ao vínculo ....................................................................... 6311.1. Obrigações civis ............................................................................................. 6411.2. Obrigação natural ..........................................................................................65

12. Obrigações quanto à natureza do o b je t o ...........................................................6912.1. Obrigação de d a r ............................................................................................69

12.1.1. Obrigação de dar e obrigação de restitu ir............................. 7212.1.2. Obrigação de dar a coisa certa ................................................... 7312.1.3. Perecimento e d eterioração ..........................................................7512.1.4. Obrigação de dar a coisa in ce r ta ................................................77

12.2. Obrigação de f a z e r ........................................................................................ 7812.2.1. Considerações g era is ....................................................................... 7812.2.2. Espécies de obrigação de fa z e r ....................................................8112.2.3. Conseqüências do inadimplemento ........................................ 8212.2.4. Ação co m in ató ria ............................................................................. 83

Page 12: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

12.3. Obrigação de não fa z e r ................................................................................8612.3.1. Responsabilidade do devedor...................................................... 88

13. Obrigações quanto à liquidez do o b je t o .............................................................9114. Obrigações quanto ao modo de execução .........................................................95

14.1. Obrigação s im p les .......................................................................................... 9514.2. Obrigação cum ulativa.................................................................................. 9614.3. Obrigação alternativa....................................................................................96

14.3.1. Da impossibilidade das prestações ...........................................9914.4. Obrigação facultativa..................................................................................10014.5. Decadência do direito de esco lh a ...........................................................10214.6. Impossibilidade de cumprimento da obrigação ............................. 102

15. Obrigações quanto ao mom ento do adim plem ento ................................... 10515.1. Obrigação de execução in stan tân ea ..................................................... 10615.2. Obrigação de execução diferida .............................................................10615.3. Obrigação de execução continuada (trato sucessivo)................... 107

16. Obrigações quanto aos elementos acidentais ................................................. 11116.1. Obrigação con d icion al................................................................................112

16.1.1. Condições ilícitas ............................................................................11316.1.2. Modalidades das obrigações condicionais ...........................113

16.2. Obrigação modal ......................................................................................... 11416.3. Obrigação a termo .......................................................................................115

17. Obrigações quanto à pluralidade de su je ito s ..................................................11917.1. Obrigação divisível e indivisível.............................................................119

17.1.1. Obrigação divisível ........................................................................ 12117.1.2. Obrigação indivisível.................................................................... 123

17.2. Obrigação so lid ária ..................................................................................... 12617.2.1. Espécies de solidariedade ............................................................12817.2.2. Solidariedade a tiv a ......................................................................... 12917.2.3. Solidariedade passiva.....................................................................13117.2.4. Solidariedade mista .......................................................................13317.2.5. Elementos da obrigação solidária ............................................13417.2.6. Origem da solidariedade ............................................................. 13417.2.7. Análise comparativa entre obrigação solidáriae indivisível.......................................................................................................13517.2.8. Extinção da solidariedade .......................................................... 137

18. Obrigações quanto ao conteúdo ..........................................................................14118.1. Obrigação de m e io ....................................................................................... 14218.2. Obrigação de resultado.............................................................................. 14318.3. Obrigação de garantia .................................................................................144

19. Obrigações reciprocamente consideradas........................................................ 14720. Do adimplemento e extinção das ob rigações................................................. 151

20.1. Do p agam ento ................................................................................................ 15120.1.1. Natureza jurídica ............................................................................ 153

Page 13: Livro Teoria Geral Das Obrigações

20.1.2. Elementos do p ag am en to ............................................................ 15520.1.2.1. A pessoa que paga (solvetts) ......................................... 15520.1.2.2. A pessoa a quem se deve pagar (accipiens) ..........15820.1.2.3. O bjeto do pagam ento ...................................................... 16120.1.2.4. Vínculo ju r íd ic o .................................................................163

20.1.3. Prova do p agam en to ......................................................................16420.1.4. Lugar do p agam ento ......................................................................16920.1.5. Tempo do p ag am en to ................................................................... 17220.1.6. Pagamento indevido e enriquecimento sem c a u s a .........17520.1.7. Ação de enriquecimento (actio in rem verso) ......................17820.1.8. Pagamento indireto ....................................................................... 178

20.1.8.1. Consignação em p agam en to ........................................ 17920.1.8.2. Pagamento com sub-rogação ....................................... 18820.1.8.3. Imputação do p ag am en to ............................................. 19320.1.8.4. Dação em p agam ento ......................................................196

21. Modos satisfativos indiretos de extinção das obrigações...........................20121.1. Novação ............................................................................................................201

21.1.1. Novação o b je tiv a .............................................................................20321.1.2. Novação su b je tiv a .......................................................................... 20421.1.3. Novação m is ta ................................................................................. 20521.1.4. Requisitos da novação ..................................................................20521.1.5. Efeitos da novação .........................................................................208

21.2. Compensação ................................................................................................ 20921.2.1. Requisitos da com pensação........................................................211

21.3. T ran sação .........................................................................................................21621.3.1. Elementos constitutivos............................................................... 21821.3.2. Espécies e eficácia .......................................................................... 220

22. Modos não-satisfativos de extinção das ob rigações....................................22522.1. C on fu são .......................................................................................................... 22522.2. R em issão .......................................................................................................... 229

23. Outros modos não-satisfativos de extinção das obrigações ....................23324. Do inadimplemento das obrigações ................................................................. 237

24.1. Da m o r a ........................................................................................................... 23724.1.1. Conceito e espécies ........................................................................237

24.1.1.1. Mora solven d i..................................................................... 23824.1.1.2. Mora accipiendi..................................................................24124.1.1.3. M ora bilateral .................................................................... 242

24.1.2. Requisitos da m o r a ........................................................................24324.1.3. Efeitos da mora ...............................................................................24624.1.4. Purgação da m o r a .......................................................................... 248

25. Inexecução das o b rig açõ es..................................................................................... 25325.1. Perdas e d a n o s ............................................................................................... 25425.2. Juros leg a is ...................................................................................................... 263

SUMÁRIO

Page 14: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

25.3. Cláusula penal ...............................................................................................26426. Das arras ou sinal ...................................................................................................... 27127. Transmissão das o b rig açõ es.................................................................................. 275

27.1. Cessão de crédito .........................................................................................27727.2. Cessão de débito (assunção de dívida) ...............................................28427.3. Cessão de c o n tr a to ...................................................................................... 287

Bibliografia 293

Page 15: Livro Teoria Geral Das Obrigações

1

Introdução

Enfim, a tão sonhada modernização do direito po­sitivo brasileiro começa a se tornar realidade... Os ra­mos do Direito Privado (Civil e Comercial) sofrem, no limiar deste novo século, alterações significativas no que tange às inovações legislativas, especificamente, com o advento do novo Código Civil (NCC).

A Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (DOU de 11.1.2002), que instituiu o NCC, permaneceu em pe­ríodo de vacatio legis1 pelo prazo de um ano, ou seja, com vigência efetiva a partir de 11 de janeiro de 2003.

1 Entende-se por vacatio legis o período compreendido entre a pu­blicação de um texto legislativo e a sua efetiva entrada em vigor. De acor­do com a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), art. Io, ainda vigente, salvo disposição em contrá­rio (o que ocorreu com a Lei n. 10.406/02), a lei passa a vigorar em todo o território nacional em um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação na imprensa oficial. Encontra-se na Comissão de Constitui­ção, Justiça e Cidadania do Senado Federal o Projeto de nova

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

O NCC resultou do Projeto de Lei n. 634/75 elaborado por uma comissão de juristas2 sob a supervisão de Miguel Reale, cons­tituída em maio de 1969. Desde 1975, quando iniciou sua trami­tação oficial, foram recebidas 1.063 (mil e sessenta e três) emen­das na Câmara Federal, das quais 84 (oitenta e quatro) foram incorporadas, até ser aprovado em 1984, e 332 (trezentos e trinta e duas) no Senado, até ser aprovado em 26 de novembro de 1997. Posteriormente, retornou à Câmara, sendo encaminhado para a Comissão Especial de Revisão do Código Civil, que teve como relator-geral o deputado Ricardo Fiúza (PE).

Durante a tramitação oficial, diversas foram as alterações que impactaram relevantemente a sociedade brasileira, especialmente no que se refere a modelo econômico, cultura política e jurídica, o que ensejou a necessidade das referidas adequações.

Realizadas as alterações, com o auxílio de Mário Luiz Delga­do Régis e do Desembargador Jones Figueiredo Alves, o Código finalmente foi aprovado em 6 de dezembro de 2001, consubstan­ciado na Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, publicada no Diário Oficial da União, em 11 de janeiro de 2002.

Vale mencionar que o referido texto legislativo decorreu de uma interação da comissão com a sociedade brasileira, uma vez que os anteprojetos anteriores, publicados no Diário Oficial da União, res­pectivamente, em 7 de agosto de 1972 e 18 de junho de 1974, ense­jaram manifestações não somente das principais corporações jurí­dicas do país, tribunais, instituições e universidades, mas também de entidades representativas das diversas categorias profissionais, o

Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro. O Projeto PLS 243/2002, apresentado pelo Senador Moreira Mendes (PFL-RO), pretende ajustar suas disposições ao novo Código Civil de 2002.

2 A “Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil” contou com a inestimá­vel colaboração dos Professores José Carlos Moreira Alves (Parte Geral), Agostinho de Arruda Alvim (Direito das Obrigações), Sylvio Marcondes (Atividade Negociai - pos­teriormente denominada “Direito de Empresa”), Ebert Vianna Chamoun (Direito das Coisas), Clóvis do Couto e Silva (Direito de Família) e Torquato Castro (Direito das Sucessões).

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Page 17: Livro Teoria Geral Das Obrigações

INTRODUÇÃO

que culminou com a publicação de livros e artigos em revistas espe­cializadas, além da realização de simpósios e conferências.

As conclusões e alvedrios advindos dessa interação foram obje­to de análise pela referida comissão, o que acabou por acarretar sugestões e emendas. Por essa razão, seus membros declararam que o texto final transcende as pessoas dos que o elaboraram, visto a fundamental e fecunda troca de idéias e experiências com os mais distintos setores da comunidade brasileira, em busca de um mesmo ideal, qual seja, o aperfeiçoamento da legislação civil brasileira.

A história da codificação civil brasileira reflete que longas tra­mitações legislativas não constituem fato inusitado. Para tanto, basta que rememoremos a longa trajetória percorrida até a pro­mulgação do antigo Código Civil de 1916.

A primeira Constituição do país, de 1824, definiu como prio­ridade a elaboração do Código Civil brasileiro, haja vista que o país continuava a se pautar nas Ordenações Filipinas do século XVI, à época abandonadas até mesmo pelos portugueses, em mea­dos do século XIX. Foi imprescindível a criação de regramentos legais próprios, específicos ao sistema brasileiro, à época já inde­pendente de Portugal.

Por essa razão, a referida Constituição estabeleceu como meta a ser alcançada a organização de um Código Civil e um Criminal. Embora meta prioritária, somente em 1855 o Governo Imperial elaborou a “Consolidação das Leis Civis”, como preparativo ao Código Civil.

O Decreto n. 2.318, de 1858, autorizou a redação de um pro­jeto do Código Civil, tendo sido designado para essa tarefa o jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas. Após divergências, em 1872, o Governo o exonerou.3

3 Consta de alguns apontamentos que o Projeto elaborado por Teixeira de Frei­tas, denominado “Esboço”, não teria sido aprovado pelo fato dc ser extremamente extenso, contendo mais de cinco mil artigos, e servindo de base para o Código Civil argentino.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

O segundo contratado para a consecução da tarefa foi o con­selheiro e senador Nabuco de Araújo, que faleceu em 1878, antes de finalizar o trabalho.

Como substituto foi nomeado loaquim Felício dos Santos, que desenvolveu a tarefa até a proclamação da República, ocasião em que o Governo Provisório nomeou Antônio Coelho Rodri­gues para tal finalidade. Após se instalar na Suíça e enfrentar alguns problemas de saúde, concluiu a tarefa em 1894. O Projeto por ele apresentado também não foi aceito.

Enfim, em 1899, Clóvis Beviláqua recebeu o encargo, apre­sentando um texto legislativo que veio a ser publicado em 1916, encerrando um longo período de 92 (noventa e dois) anos de esforços para a criação da lei civil brasileira.

O Código Civil de 1916,' instituído pela Lei n. 3.071, publica­da em Io de janeiro de 1916 e vigente a partir de Io de janeiro de 1917, refletia a concepção predominante no final do século XIX e início do século XX, época em que prevaleciam princípios indivi­dualistas que não eram mais compatíveis com as aspirações e ten­dências do mundo contemporâneo.5

A tentativa de reforma da Lei Civil, diga-se, não se iniciou com a nomeação da comissão supervisionada por Miguel Reale, e, sim, anteriormente, em decorrência das profundas alterações havidas no plano dos fatos e das idéias, tanto em razão do pro­gresso tecnológico como em virtude da nova dimensão adquirida pelos valores da solidariedade social.

4 A estrutura do Código Civil de 1916 era semelhante à ora vigente, ou seja, era composto por uma Parte Geral (continha conceitos e princípios básicos), que tratava das pessoas físicas e jurídicas (sujeitos de direito), dos bens (objetos de direito) e dos fatos jurídicos. A Parte Especial era dividida em quatro livros, quais sejam: Do Direito de Família, Do Direito das Coisas, Do Direito das Obrigações e Do Direito das Sucessões.

5 O Código Civil de 1916, embora elogiado pela sua objetividade, precisão de conceitos e técnica jurídica não mais se harmonizava com as aspirações do mundo contemporâneo, principalmente no que se referia à relevância das atividades empre­sariais, à organização da família, ao uso da propriedade, à liberdade de contratar e ao direito sucessório.

4

Page 19: Livro Teoria Geral Das Obrigações

INTRODUÇÃO

Tentou-se, inicialmente, no campo das relações de natureza negociai, a elaboração de um projeto autônomo de “Código das Obrigações”, de autoria dos juristas Hahnemann Guimarães, Philadelpho Azevedo e Orozimbo Nonato. Tal iniciativa não ob­teve o sucesso almejado, face ao reconhecimento da necessidade de uma adequação e revisão global da nossa legislação civil, inclu­sive no que tangia às demais partes das relações sociais por ela disciplinadas.

Imaginou-se, então, a elaboração de dois Códigos, um Códi­go Civil, destinado a reger tão-somente as relações de proprieda­de, família e sucessões, e um Código de Obrigações, a fim de inte­grar em unidade sistemática as demais relações civis e mercantis.

A idéia da existência de dois diferentes diplomas legais não logrou boa acolhida, embora tenha sido merecedor de reverências o propósito de unificação do direito das obrigações, quase um imperativo da experiência jurídica brasileira.

No intuito de aproximar o antigo diploma legal da realidade do mundo moderno, diversas foram as leis que se sucederam, derrogando-o6, entre as quais destacam-se a Lei n. 4.121/62 (Esta­tuto da Mulher Casada), a Lei n. 6.515/77 (Lei do Divórcio), as Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96 (que reconheceram direitos aos com­panheiros e conviventes), a Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), e outras como a própria Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), além de diversos outros diplomas que derrogaram vários dispositivos e capítulos do Código Civil.

Discutiu-se, por algum tempo, a conveniência e adequação de obra codificadora em época de contínua transformação como

6 Derrogação é a revogação parcial de uma lei, sendo que se contrapõe à ab-roga- ção, uma vez que esta última é a revogação total de um diploma legislativo. Ambas podem ser efetivadas de forma expressa ou tácita. A expressa é aquela em que o novo diploma legal expressamente menciona a revogação de lei preexistente ou de parte dela. A tácita, por sua vez, ocorre sempre que a nova lei é antagônica à anterior ou trata da mesma matéria ou parte dela.

5

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

a que percebemos atualmente, ou a regulação da matéria por meio de leis esparsas e extravagantes.7 Corroboramos o entendi­mento firmado à época de que a codificação é de extrema rele­vância para fixar princípios básicos, os quais não se alteram com facilidade com o passar dos anos e com a evolução do mundo. Contrariamente ao que se assoalhou, uma vez que representa uma das expressões máximas de cultura de um povo, a codifica­ção pode e deve ser instrumento de afirmação de valores nas épocas de crise.

SÍLVIO DE SALVO VENOSAs, ao analisar os aspectos positi­vos e negativos da codificação, traçou importantes considerações. Segundo o autor, o Direito é um contínuo acumular de experiên­cias; sendo assim, nenhum código pode surgir do nada. Há, por­tanto, necessidade de substrato estrutural de uma codificação, de um conjunto anterior de leis, bem como de técnicos capazes de captar as necessidades jurídicas de seu tempo.

Assevera, ainda, que toda lei nasce defasada. Tal situação decorre de que o legislador tem como laboratório a História, o seu passado, sendo extremamente difícil prever condutas futuras. No entanto, a grandeza de uma codificação reside, entre outros aspectos, justamente no fato de poder adaptar-se, pelo labor diu- turno dos juizes e doutrinadores, aos fatos que são do futuro. Nesse momento evidencia-se o caráter de permanência de um código, que contribuirá para a aplicação ordenada do Direito, em busca da paz e da adequação social, fins últimos da Ciência do Direito.

Menciona, ainda, a importância da codificação, eis que, na realidade, o Homem quer imortalizar-se por meio dela, mas é a codificação que imortaliza o Homem.

De uma forma ou de outra, inquestionável era a necessidade de adequação da legislação civil, principalmente após a promulgação do novo Código de Processo Civil, tal a complementaridade que liga um processo normativo ao outro.

8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003.

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Page 21: Livro Teoria Geral Das Obrigações

INTRODUÇÃO

Surge, então, o NCC,9 de forma a reconhecer os imperativos de uma Democracia Social, que repudia todas as formas de cole- tivismo ou estatismo absorventes e totalitários, mas supera de vez o individualismo que condicionara as fontes inspiradoras do antigo Código Civil.

A nova legislação transformou em realidade ideais antigos, com modificações substanciais na Parte Geral e na Parte Especial.10

Entre as mais relevantes inovações trazidas pelo legislador moderno, na Parte Geral situa-se a substancial mudança na regu­lamentação da capacidade da pessoa natural ou física; a introdu­ção de capítulo dedicado aos direitos da personalidade; nova siste­mática no que se refere às pessoas jurídicas (associações, fundações, sociedade simples e empresária); a atualização das normas referentes aos fatos jurídicos; reconhecimento da lesão e do estado de perigo como defeitos do negócio jurídico; a simula­ção como causa de nulidade do negócio jurídico, e outras."

Em relação à Parte Especial, em que pese a existência de novi­dades no campo do Direito das Obrigações, no Direito das Coi­sas, no Direito de Família e no Direito das Sucessões, entendemos que a principal alteração é a criação, no contexto da Lei Civil, de um Livro (Livro II) específico sobre o Direito de Empresa.

Com tal inclusão, pouco subsiste do Código Comercial brasi­leiro, que data de 1850. Do antigo Código, permanece a segunda parte, intitulada “Do Comércio Marítimo”. A primeira parte fica

9 Na realidade, o que se realizou, entre outras inovações, no âmbito do Código Civil, foi a unidade do Direito das Obrigações, de conformidade com a linha de pen­samento prevalente na Ciência Jurídica pátria, desde Teixeira de Freitas e Inglez de Sousa até os Anteprojetos de Código das Obrigações de 1941 e 1964.

10 O NCC é dividido em duas grandes partes: Parte Geral (Das Pessoas, Dos Bens, Dos Fatos Jurídicos) e Parte Especial (Do Direito das Obrigações, Do Direito de Empresa, Do Direito das Coisas, Do Direito de Família, Do Direito das Sucessões). Contém, ainda, um Livro Complementar (Das Disposições Finais e Transitórias).

11 Sobre as inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, ver GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais inovações no Código Civil de 2002: breves comentários. São Paulo: Saraiva, 2002.

7

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

inteiramente revogada pelo NCC. O novo Direito de Empresa12 disciplina a figura jurídica do empresário individual, das socieda­des, do estabelecimento e de institutos complementares e impres­cindíveis à regulação da atividade empresarial moderna.13 A parte terceira foi substituída pela Lei de Falências (Decreto-lei n. 7.661/45).

Nesse diapasão, por entender de extrema felicidade, reprodu­ziremos as palavras de JOSAPHAT MARINHO14 sobre o cuidado que requer a aplicação do NCC face ao anterior. São suas palavras em “Uma reflexão sobre o novo Código Civil”:

Q uando um Código Civil passa a vigorar em substituição a

outro, de conteúdo e de tendências diferentes, co m o no caso brasi­

leiro, m aior há de ser o cuidado na sua aplicação, conseqü entem en­

te na sua exegese, para que não se confund am instituições de carac­

teres diversos, nem se distingam as da m esm a índole só por

localizadas em textos distintos e de épocas distanciadas. A tarefa de

com p arar institutos, do texto velho e do novo, é em polgante e tor­

m entosa, porque pressupõe a ciência perfeita dos dois docum entos

legislativos e capacidade de síntese na revelação de sua substância.

Na apreciação com parativa do Código Civil Brasileiro de 2002

com o de 1916, o trabalho do intérprete avulta porque há que se d is­

tinguir entre um texto de sentido social e outro de tendência indivi­

dualista - o Código novo vê o hom em , integrado na sociedade; o

antigo divisou o indivíduo, com seus privilégios.

Imbuídos desse espírito interpretativo é que envidaremos esforços para apresentar, neste trabalho, o moderno contorno do Direito das Obrigações em face da nova Lei Civil.

12 O Direito de Empresa vem previsto na nova legislação no Livro II, da Parte Espe­cial. É dividido em quatro diferentes títulos dispostos entre os arts. 966 a 1.195, NCC (Do Empresário, Da Sociedade, Do Estabelecimento, Dos Institutos Complementares).

13 HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito de Empresa no Código Civil de 2002: teo­ria geral do direito comercial de acordo com a Lei n. 10.406, de 10.1.2002. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

14 GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil: parte geral. v.l. São Paulo: Saraiva, 2002.

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INTRODUÇÃO

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2O enquadramento do

Direito das Obrigações no Sistema Jurídico brasileiro

O propósito inicial do presente estudo é a delinea- ção do âmbito do Direito das Obrigações, considerando a existência de alguns direitos subjetivos que se ani­nham na própria pessoa humana (não-patrimoniais) e outros que são exercidos sobre um bem jurídico pro­priamente dito e, conseqüentemente, dotados de valor econômico (direitos patrimoniais).

Pode-se afirmar, portanto, que o direito divide-se em dois grandes grupos:

1. Não-patrimoniais: referem-se à própria pessoa hu­mana (direito à vida, à liberdade etc.); ou seja, são direitos imanentes à condição humana, cuja aqui­sição depende unicamente do nascimento com vida, momento em que está o ser humano capaz de ad­quirir direitos (capacidade de aquisição), conforme estipula o art. I o do CC. Tais direitos personalíssi­mos caracterizam-se pela: originariedade, extrapa-

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trimonialidade, indisponibilidade, intransmissibilidade, im- penhorabilidade, perpetuidade, imprescritibilidade e oponi- bilidade erga omnes.

2. Patrimoniais: são os direitos exercidos sobre um bem jurídi­co, sendo sempre de conteúdo econômico. Dividem-se em di­reitos reais e obrigacionais. Os primeiros são aqueles que recaem de forma mais direta e imediata sobre a coisa (jus in re)y subordinando-a à vontade de seu titular (v.g. direito de propriedade) e conferindo-lhe o jus persequendi (direito de seqüela) e o jus praeferendi (direito de preferência), poden­do ser exercido contra todos (erga omnes). Os segundos são aqueles que implicam o cumprimento de uma prestação de­vida por um sujeito (passivo) a outro (ativo), estando esses vinculados em uma relação jurídica obrigacional (pagamen­tos de débitos condominiais, por exemplo), e que serão obje­to de estudo no presente livro.

Percebe-se, portanto, que os direitos obrigacionais compõem os denominados direitos patrimoniais, dependendo, no entanto, seu exercício, do cumprimento de uma prestação devida pelo de­vedor ao credor, que se encontram vinculados em uma relação jurídica obrigacional.

Embora componham, de forma conjunta, os direitos patri­moniais, os direitos reais diferenciam-se dos direitos obrigacionais em diversos aspectos, como:

a) quanto ao elemento objetivo (objeto): os direitos reais incidem sobre uma coisa, ao passo que os direitos obrigacionais têm por objeto o cumprimento de uma determinada prestação pelo sujeito passivo (devedor) ao sujeito ativo (credor);

b) quanto ao elemento subjetivo (sujeito): nos direitos reais, o sujei­to passivo é toda a coletividade (que deve respeitar o direito do titular sobre a coisa), enquanto nos direitos obrigacionais, trata- se de sujeito determinado ou, pelo menos, determinável;

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O ENQUADRAMENTO DO DIREITO DAS OHRIGAÇÒES NO SISTEMA IURÍDICO BRASILEIRO

c) quanto ao exercício: os direitos reais são exercidos diretamen­te sobre a coisa; já nos direitos obrigacionais deve haver a fi­gura intermediária do devedor;

d) quanto à duração: os direitos reais são perpétuos, extinguin­do-se como conseqüência de casos expressamente previstos pelo legislador (doação, desapropriação etc.), enquanto os obrigacionais são transitórios e se extinguem de forma direta (através do pagamento) ou de forma indireta, como veremos adiante;

e) quanto à formação: os direitos reais somente podem ser cria­dos pela lei, sendo, portanto limitados; os direitos obrigacio­nais, por certo, não sofrem esta restrição, podendo ser criados pela vontade das partes, desde que observem os elementos essenciais de criação (declaração pura da vontade, finalidade negociai e idoneidade do objeto),15 bem como os requisitos de validade (agentes capazes; objeto lícito, possível, determi­nado ou determinável; e forma prevista e não defesa em lei);

f) quanto à ação: nos direitos reais, pode ser exercida contra quem quer que detenha injustamente a coisa, ao passo que a ação referente a um direito obrigacional somente deve ser intentada contra quem figura no pólo passivo da relação jurídica.

15 Não se pode confundir a idoneidade do objeto com a sua licitude. A primeira é um elemento essencial do negócio jurídico e corresponde à aptidão de um determi­nado bem para compor um determinado ato jurídico (v.g. bem infungível é idôneo para integrar um contrato de comodato); a licitude do objeto é um requisito de vali­dade do ato e reflete a necessidade de que este não viole um dispositivo legal> a moral ou os bons costumes.

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3Conceito de Direito

das Obrigações

Nos dizeres de SERPA LOPES16, a teoria geral das obrigações representa um dos pontos mais importan­tes do direito. Por isso, dela depende a solução de um problema fundamental: de um lado, a consideração da liberdade do indivíduo, a sua independência em face dos demais membros da coletividade; de outro, a vida social, exigindo esse necessário entrelaçamento entre os componentes de uma coletividade, decorrente das relações que entre eles devem existir. Nenhuma socie­dade poderia subsistir sem a idéia de contrato, sem a divisão do trabalho, sem a cooperação dos seus mem­bros, necessitando uns dos serviços dos outros.

Segundo o autor, ainda, as relações de obrigações são, assim, vínculos entre pessoas, vínculos de coorde­nação, mas não de subordinação, de tal forma que a sua

16 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: obrigações em geral. 6.ed. v.2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995. p.5-6.

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sanção inevitável se caracteriza por se tornar efetiva, sem vulne- rar a liberdade humana.

O direito das obrigações compreende as relações jurídicas que constituem as mais desenvoltas projeções da autonomia pri­vada na esfera patrimonial. Retrata, portanto, a estrutura econô­mica da sociedade. Consiste no complexo de normas que regem as relações jurídicas, de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito do outro.

Todo direito, seja qual for sua natureza, pessoal ou real, encer­ra sempre uma idéia de obrigação, como antítese natural. Pode-se assentar, assim, que não existe direito sem a respectiva obrigação, nem obrigação sem o correspondente direito. Bem exprime essa idéia velho adágio jurídico: jus et obligatio sunt correlata.'7

O objeto do direito das obrigações é, portanto, o estudo da noção da obrigação considerada primeiramente em si mesma e após em suas fontes, efeitos, modalidades, modos de transmissão a título particular e, finalmente, suas causas de extinção.

SERPA LOPES18, citando LACERDA DE ALMEIDA, assim fixa a importância da doutrina das obrigações:

a) pela sua natureza abstrata, que a torna apta a constituir um direito uniforme e de caráter internacional;

b) pela sua ductilidade, prestando-se às mais variadas manifesta­ções da vontade nas relações contratuais ou nas de declaração unilateral;

c) pela sua capacidade, adaptando-se às transformações ocor- rentes no mundo das relações e que resultam dos progressos e revoluções operadas nas ciências, nas artes e nas indús­trias; e

17 Pode-se afirmar que, por tal razão, o Código Civil de 1916, em seu art. Io, con­tinha a seguinte disposição: “Este Código regula os direitos e obrigações de ordem pri­vada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações”. Tal dispositivo não se repe­tiu no novel diploma legal.

18 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.8.

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CON CEITO DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

d) pela tendência do alargamento, que a caracteriza, envolvendo nas mesmas normas e regulando uniformemente o Direito Civil, o Comercial e o Industrial, para construir e generalizar a unidade do Direito Privado.

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4Localização do Direito

das Obrigações no novo Código Civil

Admitindo o plano metodológico da divisão do Di­reito Civil em partes geral e especial, evidencia-se que deve ser estudado logo após a parte geral, precedendo, pois, ao Direito das Coisas, ao Direito de Empresa, ao Direito de Família e ao Direito das Sucessões.

Com o advento do novo Código Civil, passou a se localizar no Livro I, da Parte Especial do Código Civil, o que não acontecia no Código Civil de 1916.

Essa redistribuição da matéria efetuada pelo legis­lador moderno parece-nos louvável, uma vez que não parece lógica a estrutura anteriormente adotada pela antiga Lei Civil de 1916, sendo certo que não se pode compreender os meandros jurídicos dos outros livros da parte especial como o Direito de Família, por exem­plo, sem que se tenha conhecimento do conteúdo do direito obrigacional.

O Direito das Obrigações assenta-se nos princípios da autonomia privada e liberdade contratual. As pessoas

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

têm liberdade na exteriorização de sua vontade, desde que não des­respeitem os princípios gerais de direito, a lei e os bons costumes.'9

O Código Civil unificou o Direito das Obrigações. Tal unifica­ção foi defendida no Brasil, pela primeira vez, por TEIXEIRA DE FREITAS, sendo só agora efetivada (ao contrário do que ocorrera na Suíça em 1881, na Polônia em 1933, na Turquia em 1869 e na Itália em 1942).

19 Trata-se do conflito existente entre o princípio da autonomia da vontade e da heteronomia da vontade, em que a livre disposição depende de observância de limites preestabelecidos pelo legislador ou pela sociedade, propriamente dita (moral ou bons costumes). Sobre o tema, ver a obra de LOURENÇO, José. Limites c) liberdade de con­tratar. princípios da autonomia e da heteronomia da vontade nos negócios jurídicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.

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LOCALIZAÇÃO DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NO NOVO CÓDIGO CIVIL

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5Estrutura do Direito

das Obrigações

1. Os títulos I a IV (arts. 233 a 420) cuidam dos con­ceitos e princípios a que se subordinam quase todas as obrigações (modalidades de obrigações, efeitos, do cumprimento e da transmissão, formas de extin­ção e da inexecução com suas conseqüências).

2. O título V (arts. 421 a 480) disciplina normas gené­ricas (formação dos contratos, seus defeitos, suas espécies e sua extinção).

3. O título VI disciplina várias modalidades contra­tuais (arts. 481 a 853).

Os títulos VII a XI tratam das obrigações extracon-tratuais, divididas da seguinte forma:

4. O título VII (arts. 854 a 886) trata das obrigações por atos unilaterais (promessa de recompensa, ges­tão de negócios, pagamento indevido e enriqueci­mento sem causa).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

5. O título VIII (arts. 887 a 926) cuida dos títulos de crédito (títulos ao portador, título à ordem e título nominativo).

6. O título IX (arts. 927 a 954) trata das obrigações decorrentes de atos ilícitos, sob a rubrica “Da Responsabilidade Civil”, dis­pondo sobre a obrigação de indenizar.

7. O título X (arts. 955 a 965) cuida do concurso de credores.

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ESTRUTURA DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

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6História

da obrigação

MARC.0 AURÉLIO S. VIANA20 traz interessante histórico sobre a origem das obrigações, mencionando que, historicamente, afirma-se que a idéia de obrigação tenha surgido na fase em que os grupos deram início ao comércio entre si. Prontifica-se o caráter coletivo. A necessidade de permutar levou ao contato entre as comunidades, cercado de muita desconfiança, o que se evidencia pelos combates simulados que envolviam os negócios. Comprometia-se todo o grupo, originando guerras devastadoras e o descumprimento do contrato sancionado.

Com a maior complexidade da estrutura social e o correr do tempo, a obrigação recebe esse impacto, de forma a determinar que a obrigação coletiva ceda lugar à obrigação individual. Surge o momento de se garan-

20 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de Direito Civil: Direito das Obri­gações. 5.ed. v.4. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p.21.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

tir o cumprimento, que se cristaliza na punição do infrator. Pre­valece, então, o sentido criminal. É a fase pré-romana.

As obrigações são definitivamente regulamentadas em Roma. Numa primeira fase, o vínculo jurídico obrigava a pessoa do de­vedor, sendo o seu corpo que suportava o inadimplemento da prestação. Os plebeus ligavam-se aos credores por uma solenida­de denominada nexum, em que o mutuário ficava homem livre até o vencimento da dívida. Vencida esta, e não havendo seu cum­primento, era reduzido à escravidão {manus-injectió). O concur­so de credores sobre o cadáver do devedor era admitido sem difi­culdades.

Com a Lex Poetelia Papiria, em 428 a.C., a responsabilidade desloca-se do corpo ou da pessoa do devedor para seus bens. E com o Corpus Juris Civilis já está cristalizada a noção de que o devedor está adstrito a um dare, um facere ou um praestare.

Na Idade Média, segundo ainda explica o referido autor, foi sensível a influência católica, introduzindo-se a idéia de pecado pelo não-cumprimento da promessa: pacta sunt servanda.

No direito moderno persiste a influência romana. O caráter pessoal da obrigação cede à impessoalidade. A obrigação sofre o embate da escola liberal, de individualismo excessivo, que se des­taca no século XIX. Modernamente, a intervenção estatal é sensí­vel, sendo indiscutível todo um processo de reação. E no que se refere ao direito contratual é que ela mais se acentua, com o inter­vencionismo estatal influenciando a liberdade de contratar, im­pondo formas contratuais, intervindo o legislador não apenas na conclusão do contrato, cujos requisitos impõe imperativamente, mas também no seu cumprimento. Amplia-se, dessa forma, a supremacia da ordem pública.

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HISTÓRIA DA OBRIGAÇÃO

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7Conceito

de obrigação

A palavra obrigação pode ser apresentada em um sentido amplo ou estrito.21 Pelo primeiro, tem-se equi­valência a qualquer tipo de dever, seja moral, social, religioso, entre outros, incluindo o dever jurídico.

No sentido estrito, o significado dessa palavra cinge ao âmbito do direito, correspondendo à idéia esboçada no conceito de obrigação segundo o qual, de um lado, o credor aparece exigindo, do devedor, a pres­tação consistente num dar, fazer ou não fazer.

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO22 aduz que a definição mais antiga remonta às Institutas (Liv. 3o, Tít. XIII): Obligatio estjuris vinculum, quo necessita- te adstringimur alicujus solvendae rei, secundum nostrae

21 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso cie Direito Civil: teoria geral das obrigações. 3.ed. São Paulo: RT, 1981. p. 18.

22 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso cie Direito Civil: Direito das Obrigações. 10.ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 1975. p.4.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

civitatis jura.23 Trata-se de definição na qual transparece uma ex­traordinária qualidade: sua concisão. A relação entre credor e de­vedor é caracterizada como vinculum juris; evidencia-lhe o con­teúdo como uma prestação (alicujus solvendae rei)--, externa-lhe, outrossim, a natureza íntima através da coercibilidade (necessita- te adstringi).

Por outro lado, tal definição foi objeto de severas críticas, visto ressaltar em demasia o lado passivo da relação obrigacional, em detrimento do lado ativo que também lhe é característico. Ademais, advertiu-se para o fato de que não estabelece diferença específica entre obrigação, no sentido técnico, e qualquer dever juridicamente exigível.

Vale dizer que o vocábulo obligatio é, com efeito, relativamen­te recente. O vocábulo primitivo, empregado para externar o vín­culo obrigacional era nexum, derivado do verbo nectere (atar, unir, vincular).

Sendo assim, obligatio tem uma origem mais próxima; entre­tanto, sua idéia central conservou-se a mesma, qual seja: a sub­missão do devedor ao credor, pessoal2,1 a princípio, e patrimonial, posteriormente à vigência da Lei Poetelia Papiria, que, no século IV a.C., ao vínculo corpóreo substituiu a responsabilidade patri­monial;25 o bem e não o corpo do devedor deveria, então, passar a responder pelas suas dívidas.

23 Para o vernáculo pátrio: “a obrigação é um vínculo de direito, pelo qual somos com­pelidos pela necessidade de pagar qualquer coisa, segundo os direitos de nossa cidade”.

24 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de Direito Civil: obrigações e res­ponsabilidade civil. 2.ed. v.2. São Paulo: RT, 2002. p.30, relembra que “o direito nunca deixou de propiciar meios para que o devedor pudesse receber o pagamento da dívi­da. De um inicial tratamento degradante do devedor, que podia inclusive ser vendido como escravo após ser mantido em cárcere privado, até a fixação de regras que impe­dem atos de constrangimento à personalidade de quem não cumpriu a sua obrigação, claramente se percebe a inferioridade do devedor diante dos meios de coerção coloca­dos à disposição do credor'’.

25 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p.6.

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CONCEITO DE OBRIGAÇÃO

Porém, o comprometimento ilimitado do patrimônio do de­vedor como forma de tentar garantir o pagamento de seus débi­tos acabou por gerar certos efeitos colaterais, culminando com o suprimento, por vezes, do devedor e de sua família, de qualquer perspectiva de subsistência.

Surge, nesse contexto, a teoria do patrimônio mínimo, que tem por finalidade garantir à pessoa, seja ela devedora ou não, a sua digna subsistência. O instituto do bem de família, dotado da característica da impenhorabilidade, foi um passo marcante para que se garantisse ao devedor o patrimônio mínimo.

Alguns Códigos contemporâneos empenharam-se em definir a obrigação. O Código Civil brasileiro, tanto o de 1916 quanto o de 2002, escusou-se de tal tarefa, por entender que não é função do legislador ministrar definições. Definir é tarefa que compete à doutrina e não a um corpo de leis.

Entre as definições ministradas pelos nossos autores, sobrele- va a de CLÓVIS BEVILÁQUA:

O brigação é a relação transitória de direito, que nos constrange

a dar, fazer ou não fazer algum a coisa econ om icam ente apreciável,

em proveito de alguém , que, por ato nosso, ou de alguém conosco

ju rid icam ente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu direito de

exigir de nós essa ação ou om issão.

Para outros doutrinadores, peca essa definição pois não alude ao elemento responsabilidade, ressaltado pela doutrina dualista, e que entra em jogo quando o devedor deixa de honrar seu com­promisso.

Por essa razão, entende-se mais completa a que define:

O brigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabeleci­

da entre devedor e credor e cu jo ob jeto consiste num a prestação pes­

soal econôm ica, positiva ou negativa, devida pelo prim eiro ao segun­

do, garantindo-lhe o adim plem ento através de seu patrim ônio.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Inegavelmente, obrigação é relação jurídica. Com esse quali­ficativo, excluem-se do Direito Obrigacional deveres estranhos ao direito, como os do homem para com Deus, do homem para con­sigo mesmo e do homem para com seus semelhantes, pertencen­tes ao domínio da moral e, assim, desprovidos de sanção legal.

Trata-se de relação jurídica de caráter transitório, uma vez que satisfeita a prestação prometida, quer amigavelmente, quer pelos meios judiciais à disposição do credor, exaure-se a obriga­ção; o devedor fica então liberado e o credor assiste à extinção de seu direito. Não há obrigações perpétuas. À obligatio sempre se contrapõe a solutio (do verbo solvere: desatar, soltar), isto é, a exo­neração do devedor através do pagamento.

Evidencia-se, aí, diferença nítida entre os direitos reais e obriga­cionais, ambos direitos patrimoniais26, mas que se diferenciam na medida em que os primeiros têm um sentido de perenidade. Cons- tituem-se para durar indefinidamente, sobretudo a propriedade.

Outro ponto que os diferencia, como visto, é que os direitos reais são oponíveis erga omnes, ao passo que os direitos obrigacio­nais atuam contra determinada pessoa exclusivamente, vinculada à relação jurídica.

A obrigação, portanto, corresponde a uma relação de nature­za pessoal com efeitos patrimoniais, visto que no caso de inadim- plemento, induz responsabilidade patrimonial do devedor.

O objeto da obrigação consiste numa prestação pessoal. Con­seqüentemente, apenas a própria pessoa vinculada, ou seu sub- rogado, está adstrita ao cumprimento da prestação. Como não pode exercer-se diretamente sobre a própria pessoa (fisicamente), por atentatório à dignidade humana27, torna-se efetiva mediante atuação sobre o respectivo patrimônio.

26 Patrimônio é o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos pertencentes a uma pessoa.

27 A dignidade humana é princípio fundamental estampado na Constituição Federal de 1988 (art. Io, III). A dignidade é o maior dos atributos de uma pessoa, sendo

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CONCEITO DE OBRIGAÇÃO

A obrigação é, ainda, relação de natureza econômica; seu ob­jeto exprime sempre um valor pecuniário. Aquela cujo conteúdo não seja economicamente apreciável refoge ao domínio dos direi­tos patrimoniais. A prestação há de ser sempre suscetível de afe­rição monetária; ou ela tem fundo econômico, pecuniário, ou não é obrigação, no sentido técnico e legal.

A patrimonialidade constitui, assim, o caráter específico da obrigação. Através desse elemento, distingue-se a obrigação, no sentido técnico, dos deveres de outra natureza, bem como morais, religiosos e sociais.

Quanto ao objeto da prestação, pode ele ser positivo ou nega­tivo (dar, fazer ou não fazer). Sendo assim, constitui precisamen­te a coisa ou o fato devido pelo obrigado ao credor; é o elemento objetivo, a ser prestado pelo primeiro ao segundo, ou que este tem direito de exigir daquele.

Em resumo, obrigação pode ser considerada o vínculo jurí­dico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo), o cumprimento de determinada pres­tação.

É o patrimônio do devedor que responde por suas obriga­ções, sendo a garantia do adimplemento com que pode contar o credor. Consiste na relação jurídica por virtude da qual uma pessoa pode exigir, no seu interesse, determinada prestação de outra, ficando esta vinculada ao correspondente dever de prestar. Abrange, portanto, a relação globalmente considerada, incluin­do tanto o lado ativo (direito à prestação) como o lado passivo (dever de prestar).

O elemento essencial do conceito de obrigação é a patrimo­nialidade da responsabilidade do devedor. É o patrimônio do sujeito passivo, e não do devedor, que garante seu cumprimento.

certo que sem ela os demais valores da vida carecem de significado. A dignidade humana está acima de todas as normas, que a ela devem se adequar. Diz-se, portanto, que dignidade é sobrenorma.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Nesse sentido, a obrigação corresponde a uma relação de na­tureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório, cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível.

Vale mencionar, como evidenciado, que o moderno conceito de obrigações é construído com os mesmos materiais romanos caracterizados nas Institutas. Entretanto, divergem os juristas sobre ponto específico; para uns, a obrigação é realmente carac­terizada por um vínculo; para outros, é a idéia da relação jurídi­ca; enquanto outros, finalmente, fazem referência à necessidade jurídica.

Contudo, ao cogitarem o objeto da obrigação, todos são unâ­nimes em dá-lo como consistente, no tocante à parte do devedor, em dar, fazer ou não fazer alguma coisa, ou seja, em executar uma prestação ou abster-se de alguma coisa.28

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28 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.9.

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CONCEITO D F. OBRIGAÇÃO

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Obrigação e responsabilidade

Obrigação e responsabilidade são conceitos que não se confundem, uma vez que a responsabilidade somente surge se o devedor não cumpre espontaneamente a obri­gação. Trata-se, portanto, de conseqüência jurídica patri­monial do descumprimento da relação obrigacional.

A lei é a causa eficiente e adequada da obrigação, porque é ela que regula a necessidade de cumprimento de determinada conduta a ser seguida pela parte (de­ver). Eventual descumprimento desse comportamento esperado acarretará o cumprimento de uma obrigação complementar, que é a reparação do dano porventura proporcionado.29

O direito, como conjunto de regras jurídicas visan­do assegurar a ordem social, não passa de um conjun­to de regras de conduta.

29 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p.47.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Estabelecida, por conseguinte, a relação jurídica obrigacional, por força do contrato ou por vontade da lei, o devedor poderá cumpri-la espontaneamente se a prestação for de natureza positi­va (dar e fazer), ou abster-se dela se for de natureza negativa (não fazer). Tem-se, pois, o debitum (Schuld), obrigação que tem o de­vedor de realizá-la por se tratar de uma situação de dever.

Não havendo o cumprimento da lei ou do contrato, tem-se a hipótese da perinorma, surgindo a responsabilidade ou a obliga­tio (Haftung), correspondente a uma relação de sujeição de uma coisa ou de um patrimônio, em garantia do debitum.

O debitum e a obligatio surgem em momentos diversos e são substancialmente diferentes; o primeiro aparece com a formação do vínculo obrigacional, e a segunda, surge no caso de não realiza­ção da prestação. O sujeito passivo é livre para realizar ou não a prestação (fase do debitum), por se tratar de um elemento não coa- tivo; caso não seja realizada a prestação, aparece o elemento coati- vo, a responsabilidade decorrente do inadimplemento (obligatio).30

Vale mencionar que uma pode existir sem a outra. As dívidas prescritas e as dívidas de jogo constituem exemplos de obrigação sem responsabilidade, em que o devedor não pode ser compelido juridicamente a cumprir a obrigação antes assumida, embora continue devedor. Como exemplo de responsabilidade sem obriga­ção, cite-se o fiador, que será responsável pelo pagamento do dé­bito somente na hipótese de inadimplemento da obrigação por parte do afiançado, originariamente obrigado ao pagamento das prestações mensais.

30 DOWER, Nélson Godoy Bassil. Curso moderno de Direito Civil: parte geral das obrigações, v.2. São Paulo: Nelpa, 1976. p.20-1.

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OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

41

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9Elementos constitutivos

da obrigação

Definida a obrigação, cabe-nos agora analisar os vários elementos em que esta se desdobra. São eles: sub­jetivo (duplo sujeito - credor e devedor), objetivo (obje­to da prestação) e vínculo jurídico (elemento espiritual).

Os sujeitos de uma obrigação são considerados os indivíduos entre os quais a relação jurídica se estabele­ce, denominando-se sujeito ativo (credor), o titular do direito subjetivo; e, sujeito passivo (devedor), o onerado com o correspondente dever de sujeição, havendo a pos­sibilidade de ocorrer a pluralidade subjetiva em qual­quer dos pólos da relação.

O objeto, distinto do conteúdo da relação jurídica, constitui aquilo sobre o qual incide o direito subjetivo, ou seja, a coisa a prestar.

O vínculo jurídico é o acontecimento natural ou a ação humana que produz conseqüências jurídicas.31

31 CAMBLER, Everaldo Augusto. Curso avançado de Direito Civil: Direito das Obrigações, v.2. São Paulo: RT, 2001. p.37-8.

43

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Nenhuma relação obrigacional pode existir, ou sobreviver, sem a inevitável presença de todos esses elementos, ao passo que sua estrutura dá-se pelo vínculo jurídico entre dois sujeitos, para que um deles satisfaça, em proveito do outro, certa prestação.

A subordinação do interesse de alguém ao de outrem mani­festa-se sob a forma de correspondência a uma pretensão deter­minada. Não se configura um poder imediato sobre a coisa. Só indiretamente sobre o patrimônio. Exprime, numa palavra, um jus ad rem?2

9 .1 . S u j e i t o a t i v o ( c r e d o r )

Estudemos, primeiramente, a figura do sujeito ativo ou tam­bém denominado credor,33 ou seja, a pessoa a quem deve ser for­necida, ou tem direito de exigir a prestação, sendo considerado, portanto, o beneficiário da obrigação.

Qualquer pessoa, maior ou menor,3/1 capaz ou incapaz, casa­da35 ou solteira, nacional ou estrangeira, tem qualidade para apre­sentar-se ativamente numa relação obrigacional.

Também as pessoas jurídicas, de qualquer natureza, simples ou empresarial, de Direito Público ou Privado, de fms econômicos

32 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 13.33 A palavra credor, conforme leciona Washington de Barros Monteiro, vem de cre-

ditory do verbo credere, que significa: confiar, crer, ter fé. Trata-se de vocábulo relativa­mente recente, que não figurava na linguagem jurídica mais remota. Primitivamente, nas fontes, designava-se o sujeito ativo da relação obrigacional pelo substantivo reus.

34 Naturalmente, as pessoas que ainda não alcançaram a maioridade civil, nem ao menos a plena capacidade civil, pela emancipação, deverão estar devidamente assisti­das ou representadas por seus representantes legais para que a obrigação na qual são sujeitos tenha eficácia jurídica.

35 Em relação às pessoas casadas, o art. 1.647, CC, enumera atos que nenhum dos cônjuges pode praticar sem autorização do outro, exceto no regime da separação abso­luta de bens (v.g. alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; pleitear como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; prestar fiança ou aval etc.).

4 4

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ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

ou não-econômicos, podem legitimamente figurar como sujeito ativo de um direito obrigacional.

O sujeito ativo pode ser individual, como nas obrigações sim­ples, e coletivo, como nas conjuntas ou solidárias.

Pode, também, a obrigação existir em favor de pessoas ou en­tidades futuras, ou ainda não existentes, como nascituros e pes­soas jurídicas em formação.

De outro lado, geralmente, desde o início é conhecido, certo e individuado o credor. Há casos, porém, em que ab initio, ele não se identifica claramente. É o caso dos títulos ao portador, situação em que o credor será aquele que, tendo a posse do título, apresen­ta-se ao sacado para a percepção do respectivo pagamento.

Como se percebe através de inúmeros exemplos hauridos de nossa própria legislação, não se exige que o credor seja inicialmen­te determinado. Basta que ele seja determinável, adiando-se ou prorrogando-se sua identificação para o momento da execução, ocasião em que o respectivo credor deverá estar determinado.

Esse princípio existe ainda que a obrigação seja inicialmente impessoal, ou não exista documento, cuja detenção possibilite a identificação de seu credor, como na concessão de bolsa de estu­dos em favor do aluno de certa escola que mais se distinguir durante o curso. Nessa hipótese, inexiste individualização do cre­dor, que, no entanto, posteriormente, se determina. A obrigação torna-se, assim, juridicamente perfeita.

Observada pelo ponto de vista do credor, isto é, do ponto de vista do sujeito ativo, a relação obrigacional constitui um direito, que, comumente, denomina-se direito de crédito, ou, mais sim­plesmente, crédito. Ao seu titular, confere-se o direito de exigir a prestação, fundando-se simultaneamente na confiança do deve­dor e na sua idoneidade financeira.36

36 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p. 15.

4 5

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■ 9 .2 . S u je it o passivo (d e v e d o r )

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

No que se refere ao sujeito passivo, também denominado de­vedor,37 da mesma forma, observadas as ressalvas legais por vezes existentes, qualquer pessoa, natural ou jurídica, pode assumir essa posição.

Como acontece com o credor, não se torna necessário que o sujeito passivo seja rigorosamente determinado, de modo certo e inconfundível, logo que nasce a relação. A exemplo do que vimos em relação ao credor, basta a simples possibilidade de sua ulterior determinação.

A hipótese mais comum dimana das obrigações reais (propter rem,ÍS v.g.). Nessas obrigações, o sujeito, ativo ou passivo, é mutá­vel, de acordo com as sucessivas transmissões experimentadas pelo direito real. Nelas, ser credor, ou ser devedor, depende fun­damentalmente da posição da pessoa com referência a determi­nada coisa.

Percebe-se, portanto, que as obrigações reais são aquelas que ficam a cargo de uma pessoa enquanto proprietária de determi­nada coisa, ou titular de certo direito real de gozo sobre a mesma. Vale lembrar que em todas essas obrigações, que se oferecem sob as mais diversas roupagens, o sujeito passivo não é determinado porque é variável; mas, num dado instante, torna-se determina­do, individualizando-se, então, o elemento pessoal passivo da relação jurídica.

37 A palavra devedor advém de debitur, exprimindo a idéia de carga, liame, dívi­da, sujeição.

38 Obrigação propter retn é a que recai sobre uma pessoa, por força de determina­do direito real. Só existe em função da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. É o que acontece, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (art. 1.277, CC). Além das normas de direi­to de vizinhança, podem ser mencionadas como obrigações dessa espécie as do condô­mino de contribuir para a conservação da coisa comum (art. 1.315, CC), e de não alte­rar a fachada do prédio (art. 1.336, CC), no condomínio em edificações, entre outras.

4 6

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ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

M 9 .3 . O b je t o

Examinado o elemento pessoal da obrigação, cabe-nos passar agora ao material, o objeto, que o devedor tem de fornecer ao cre­dor e que este pode exigir daquele.

Enquanto os direitos reais têm como objeto uma coisa, os direitos obrigacionais visam à prática de determinada ação ou omissão do sujeito passivo. É sempre uma conduta humana.

O elemento objetivo da obrigação externa sua substância, seu conteúdo, que, na linguagem moderna, mais expressivamente, se traduz por prestação.

Pode esta consistir num dar, fazer ou não fazer. Trata-se de tipos tradicionais que são impostos pela lei, ou então vêm mode­ladas pelas partes, ao influxo de suas conveniências ou de seus interesses.

Percebe-se, dessa forma, que sempre se constitui em um ato humano ou numa atuação do devedor, atuação esta que consiste em uma das condutas acima identificadas (dar, fazer ou não fa­zer). O ato humano pode ser de natureza lícita ou ilícita, ou seja, a obrigação tanto pode resultar de uma declaração unilateral ou bilateral de vontade, ou de um delito.39

Antes de mais nada, urge não confundir objeto da prestação com o objeto do contrato. WASHINGTON DE BARROS MON­TEIRO'10, citando BEUDANT, esclarece que:

a) objeto da obrigação é aquilo que o devedor se compromete a fornecer,

aquilo que o credor tem direito a exigir, em suma, a prestação devida;

objeto do contrato constitui a operação que as partes visaram realizar, o

interesse que o ato jurídico tem por fim regular;

b) objeto da obrigação é isolado, concreto, singular; o do contrato, idêntico

em todas as estipulações da mesma espécie;

-,9 DOWER, Nélson Godoy Bassil. Op. cit., p. 17.40 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p. 18.

4 7

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

c) objeto da obrigação vem a ser específico, individuado; o do contrato,

mais amplo e mais genérico.

Três predicados há de reunir o objeto da obrigação: possível, lícito" e suscetível de estimação econômica (art. 104, II, CC).

O primeiro diz respeito à possibilidade da prestação, mesmo porque ad impossibilia nulla obligatio ou nemo potest ad impossi- bile obligari. A impossibilidade pode ser física ou material e legal ou jurídica.

Haverá impossibilidade física ou material sempre que a estipu- lação concernir a prestação que jamais poderá ser obtida ou efetua­da, por contrariar as leis da natureza (v.g. trazer o oceano para São Paulo), ultrapassar as forças humanas (v.g. tocar a Lua com a ponta dos dedos sem retirar os pés do solo da Terra) ou ser irreal sua exis­tência (v.g. promessa de entrega de animal para coleção cuja espé­cie já está, há muito, extinta). Estipulações desse jaez, formuladas tipicamente jocandi causa não obrigam o promitente.

Ocorre a impossibilidade legal ou jurídica sempre que a esti- pulação se referir a objeto proibido por lei, como, por exemplo, pacto antenupcial que exclua, do pai ou da mãe, o poder familiar sobre os filhos comuns; alienação de bens públicos por particula­res, e outros. Tais estipulações colidem com terminantes disposi­ções legais, estando, por isso, de antemão, condenadas.

Mencione-se, outrossim, que a impossibilidade legal não de­pende de texto expresso que a proclame ou consagre. Muitas vezes, existe impossibilidade jurídica, sem que a lei tenha sido explícita.

Tenha-se presente que a impossibilidade deve ser real e abso­luta; se se trata de mera dificuldade (difficultas praestandi), supe- rável com algum esforço, deságio ou maior dispêndio; se se trata até mesmo de impossibilidade, porém, relativa, vale dizer, cir­cunscrita ao devedor tão-somente, não incide o objeto em conde­nação, nem acarreta a exoneração do devedor (art. 106, CC).

41 Objeto lícito é aquele que não contraria a lei, a moral ou os bons costumes.

4 8

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ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

Cabe ao devedor comprovar a impossibilidade. Se esta decor­re de circunstância que ele próprio criou, a obrigação subsiste, alterando-se o respectivo conteúdo.

Em segundo lugar, a obrigação deve ser lícita, isto é, confor­me à moral, à ordem pública e aos bons costumes.

Freqüentemente, a ilicitude não se apresenta com clara evi­dência. Muitas vezes, ela não se desvenda de relance, a um simples exame. A relação obrigacional deverá ser, então, convenientemen­te sopesada, impondo-se-lhe condenação sempre que ofenda o sentimento médio de moralidade, os interesses gerais da nação e o conjunto de preceitos que garantem a dignidade das relações jurídicas.

Não se exige, portanto, que a lei conceitue o objeto como cri­minoso ou desonesto; se este contraria as regras da moral univer­sal, o hábito do bem e a parte mais fundamental da legislação, numa palavra, a ordem pública e os bons costumes, ter-se-á os­tentado a ilicitude, que há de bani-lo do direito.'2

Ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto, nulo será o ne­gócio jurídico43 e, conseqüentemente, a obrigação (art. 166, II, CC).

42 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p.20-1.43 Carlos Roberto Gonçalves, em Sinopses jurídicas: Direito Civil (Parte Geral),

v. 1, ensina que os atos lícitos dividem-se em ato jurídico em sentido estrito (ou mera­mente lícito), negócio jurídico e ato-fato jurídico. No negócio jurídico, por sua vez, a ação humana visa diretamente a alcançar um fim prático permitido pela lei, dentre a multiplicidade de efeitos possíveis. Requer, por natural, uma composição de interes­ses, um regramento bilateral de condutas, como ocorre na celebração de contratos. A manifestação de vontade tem finalidade negociai, que, em geral, é criar, adquirir, transferir, modificar, extinguir direitos etc. Vale lembrar que existem negócios jurídi­cos unilaterais, em que ocorre seu aperfeiçoamento com uma única manifestação de vontade. Cite-se o testamento, a instituição de fundação e a renúncia da herança. O novo Código Civil substituiu a expressão genérica “ato jurídico”, que se encontrava no Código Civil de 1916, pela designação específica “negócio jurídico”, porque somente este é rico em conteúdo e justifica uma pormenorizada regulamentação, aplicando-se-lhe os preceitos constantes do Livro III. E, com relação aos atos jurídi­cos lícitos que não sejam negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único (Título II, art. 185), em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as dis­posições disciplinadoras do negócio jurídico.

4 9

Page 64: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Finalmente, o objeto da obrigação há de ser economicamen­te apreciável. É o elemento que suscita mais controvérsia. Caso não represente um valor pecuniário, deixa de interessar ao mun­do jurídico ( v.g. venda de um só grão de café - nenhum interesse legítimo moverá o credor a reclamar implemento de tão exígua prestação).

Excluem-se, também, obrigações que, conquanto jurídicas, não têm, por natureza, conteúdo patrimonial, como o dever de fidelidade entre os cônjuges na constância do casamento e o de­ver de proteção da pessoa dos filhos.

Mais delicada, ainda, é a questão relativa às prestações cujo fun­do seja de ordem moral. Dessa espécie, trataremos mais adiante.

9 .4 . V í n c u l o j u r í d i c o

A denominada doutrina do débito e da responsabilidade iden­tifica em todas as obrigações duplo vínculo jurídico entre deve­dor e credor, um de ordem espiritual, outro de ordem material.

O vínculo espiritual é constituído pelo comportamento que ao sujeito passivo sugere a lei, no sentido de satisfazer pontualmente a obrigação, honrando seus compromissos e conformando-se, aos altos princípios de direito natural, que mandam viver honestamen­te, dar a cada um o que é seu e não prejudicar ninguém.

O vínculo material, por sua vez, constitui-se pelo poder que a lei dá ao credor, que não foi satisfeito, de acionar o devedor, pro­mover em seguida execução de sentença contra o mesmo exara­da, penhorando seus bens, se necessário for, assim obtendo, com o seu produto, valor correspondente à prestação devida e não es­pontaneamente cumprida.

O vínculo jurídico que une dois sujeitos por causa da presta­ção compreende, portanto, de um lado, o dever da pessoa obriga­da (debitum), e de outro, a responsabilidade, em caso de inadim- plemento (obligatio).

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Page 65: Livro Teoria Geral Das Obrigações

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

É o elemento imaterial que retrata a coercibilidade, a juridi- cidade da relação jurídica obrigacional. Com ele, garante-se, em qualquer espécie de obrigação, o seu cumprimento, pois, caso este não se realize espontaneamente, realizar-se-á coercitivamente, com o emprego da força, que o Estado coloca à disposição do credor pelo Poder Judiciário.44

Em outras palavras, refere-se ao elemento que estabelece um liame entre um sujeito ativo e um passivo, criando a faculdade para aquele de exigir deste uma prestação positiva ou negativa que se constitui no objeto da obrigação, desde que economicamente apre­ciável ou de natureza predominantemente patrimonial.45

É o vínculo jurídico, enfim, o causador da sujeição existente entre o credor e o devedor, impedindo que este se liberte daque­le por seu exclusivo arbítrio.

De forma resumida, portanto, pode-se afirmar que são três os elementos essenciais da obrigação:

1. Subjetivo: relativo ao sujeito ativo e passivo (credor e deve­dor). Pode ser pessoa física ou jurídica, de qualquer natureza. Pode ser indeterminado, mas determinável (quando assina­mos uma nota promissória, uma vez que pode circular por endosso, sendo impossível precisar quem a apresentará, no vencimento). O mesmo pode acontecer com o sujeito passi­vo, como no caso das despesas condominiais, que são devidas pelo proprietário do imóvel. Caso as partes não sejam capa­zes, serão representados ou assistidos por seus representantes legais, dependendo ainda, em alguns casos, de autorização judicial.

2. Objetivo: diz respeito ao objeto da relação jurídica. O objeto é sempre uma conduta humana (dar, fazer ou não fazer) e chama-se prestação. Deve ser lícito, possível, determinado ou

44 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. cit., p.22.45 DOWER, Nelson Godoy Bassil. Op. cit., p. 18.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

determinável (art. 104, II, CC). Nula será a obrigação em que o objeto for ilícito, impossível ou indeterminável (art. 166, II, CC). A impossibilidade pode ser física ou jurídica, mas deve ser real (não mera dificuldade) e absoluta (atingir a todos). O objeto deve ser economicamente apreciável (caso contrário são excluídos do direito das obrigações).

3. Vínculo jurídico: sujeita o devedor a determinada prestação em favor do credor. É este vínculo que garante o cumprimen­to da obrigação, pois se este não se realizar de forma espontâ­nea, realizar-se-á coercitivamente, por meio do Judiciário. Há, portanto, de um lado o dever da pessoa obrigada (debi- tum), e de outro a responsabilidade, em caso de inadimple- mento.

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ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA OBRIGAÇÃO

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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Page 68: Livro Teoria Geral Das Obrigações
Page 69: Livro Teoria Geral Das Obrigações

Fontes das obrigações

O art. 4o do Decreto-lei n. 4.651, de 4 de setembro de 1942, também denominado Lei de Introdução ao Código Civil, determina que o juiz decidirá os casos que lhe forem apresentados para julgamento, nos casos de omissão da lei, de acordo com a analogia, os costumes e, finalmente, os princípios gerais do direito, que, diga-se, brotam do Direito Natural.46

Trata-se de princípio corroborado por outros di­plomas legais, como o Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, que estatui em seu art. 126, que

o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegan­

do lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide

46 Direito Natural é o conjunto de regras que integram a própria essência do ser humano, ou seja, são as regras que, mesmo não escritas, encontram-se presentes na consciência dos povos, e que encontram nos doutores da igreja seus principais defensores.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à

analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

De qualquer forma, não existindo os elementos anteriormente mencionados, o juiz valer-se-á da eqüidade,47 nos casos expressa­mente admitidos por lei, conforme possibilita o art. 127, CPC, que aduz que “o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”.

Entende-se por fonte a origem, a nascente, o nascedouro das obrigações. Fonte das obrigações, portanto, são os fatos jurídicos48 em sentido amplo, dos quais se originam os vínculos obrigacio­nais. Constituem, assim, os atos ou os fatos que lhes origina, tendo em vista as regras de direito.

Trata-se de seu elemento gerador ou seu fator genético. Em­prega-se a expressão fontes das obrigações no mesmo sentido que fontes do direito, pelas quais se estabelecem as normas jurídicas.

Das fontes do direito brotam os preceitos jurídicos (normas ge­rais e abstratas, que disciplinam a vida social), ao passo que das fontes das obrigações surgem relações concretas e particulares, en­tre duas ou mais pessoas, tendo por objeto determinada prestação.

EVERALDO AUGUSTO CAMBLER49 pondera que

a causa ou fonte das obrigações tem sua gênese no fato jurídico, assim

entendido o elemento que dá origem aos direitos subjetivos (obriga-

47 A eqüidade não é um meio supletivo de lacuna da lei. Trata-se de recurso auxi­liar na aplicação desta, e somente pode ser utilizada quando a lei expressamente per­mitir (v.g. art. 1.586, CC, que autoriza o juiz a regular por maneira diferente dos cri­térios legais, se houver motivos graves e a bem do menor; art. 1.740, II, CC, que permite ao tutor reclamar do juiz que providencie, “como houver por bem”, quando o menor tutelado haja mister correção etc.).

48 Orlando Gomes, em op. cit., p. 19, preleciona que toda relação jurídica tem como pressuposto um fato qualificado pela lei como hábil à produção de efeitos. O pressuposto da relação obrigacional é um fato que se distingue por suscitar o contato direto e imediato entre duas pessoas, as quais se convertem em sujeitos de direitos. É principalmente sob a forma de negócios jurídicos que tais fatos adentram na seara jurídica. E, na formação das relações obrigacionais, os negócios jurídicos mais fre­qüentes e fecundos são os contratos.

49 CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p.30.

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Page 71: Livro Teoria Geral Das Obrigações

FONTES DAS OBRIGAÇÕES

cionais ou não) a partir dos direitos objetivos, num processo de cria­

ção da relação jurídica e concretização das normas de direito. Esse

elemento, para impulsionar o processo criativo, deve estar qualifica­

do pelo direito objetivo, de maneira a criar a relação obrigacional,

que irá influenciar a órbita jurídica dos envolvidos por esse vínculo.

M 1 0 .1 . E sp écies de f o n t e s d as o b r i g a ç õ e s

No direito romano, quatro eram as fontes admitidas: contra­to (obrigação ex contractu), quase-contrato (obrigação quasi con- tractu), delito (obrigação ex delictu) e quase-delito (obrigação ex jure). O contrato, considerado a fonte principal, resultava da con­venção ou do pacto, isto é, de um regramento bilateral de condu­tas. O quase-contrato, por sua vez, a ele se assemelhava, caracte­rizando-se pela ausência de acordo de vontades, como na gestão de negócios. O delito consistia no ato ilícito doloso e gerava obri­gação de reparar o dano, assim como o quase-delito, de natureza culposa.

Pelo contrato diz-se, em linhas gerais, que é o negócio jurídi­co pelo qual se adquirem, se modificam ou se extinguem direitos das partes dele integrantes ou, em casos especiais, de terceiros.

O quase-contrato é o ato amparado pela lei e realizado por um sujeito, pelo meio do qual ele se obriga com outro ou vice-versa, sem a existência do consentimento entre eles (v.g. na gestão de negócios, cujos atos praticados pelo gestor podem ser ratificados pelo dono do negócio, a posteriori).

O delito é o ato pelo qual o indivíduo, dolosamente, causa prejuízo a outrem ou, simplesmente, ao seu patrimônio.

O quase-delito diferencia-se do delito pela inexistência do ele­mento volitivo, intencional, visto que neste o indivíduo causa dano a terceiro ou ao seu patrimônio, de forma involuntária.

No “Esboço”, TEIXEIRA DE FREITAS distinguia-as da seguinte maneira: a) obrigações derivadas dos contratos; b) obri-

57

Page 72: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

gações derivadas de atos lícitos que não sejam contratos; c) obri­gações derivadas de atos involuntários; d) obrigações derivadas de fatos que não são atos; e) obrigações derivadas de atos ilícitos.

O Código Civil brasileiro considera fontes das obrigações: a) os contratos; b) as declarações unilaterais de vontade; c) os atos ilíci­tos, dolosos e culposos. O delito e o quase-delito, oriundos do di­reito romano, passaram a integrar, genericamente, os atos ilícitos.

Em relação aos atos unilaterais de vontade, o Código Civil os elenca em seu Título VII do livro das obrigações: promessa de recompensa, gestão de negócios, pagamento indevido e enrique­cimento sem causa (arts. 854 a 886); e título ao portador, no Capítulo II do Título VIII (arts. 904 a 909).

Por outro lado, relações obrigacionais existem, reconhecidas pelo direito, que não procedem dos contratos, das declarações unilaterais da vontade e dos atos ilícitos (v.g. obrigações de pagar impostos; prestar alimentos aos parentes; indenizar danos causa­dos por funcionários etc.). São as denominadas obrigações ex lege.

Dessa forma, surge a lei como fonte das obrigações. Aliás, a lei é a fonte primária e imediata de todas as obrigações (v.g. art. 1.694, CC). É o direito objetivo50 que transforma relações fáticas em relações jurídicas.

Sendo assim, os contratos51 não são reconhecidos senão por­que a lei os sanciona e os disciplina; as obrigações que nascem das declarações unilaterais da vontade52 são igualmente obrigações

50 Direito objetivo é, em síntese, o conjunto de regras gerais impostas pelo Esta­do, cujos indivíduos são obrigados a cumprir, mediante coerção.

51 Contrato é o acordo, a convenção entre as partes, como a compra e venda, a permuta, o depósito, entre outros. É um tipo de negócio jurídico, fundado no princí­pio da autonomia privada.

52 Declaração unilateral da vontade é a manifestação lícita da vontade individual. É a manifestação exteriorizada da vontade para um determinado fim, que vincula o emitente aos efeitos jurídicos dela decorrentes. Pode ser feita por palavras, fatos, ou palavras e fatos. O CC prevê, 110 Título VII do livro das obrigações, quatro espécies de atos unilaterais: promessa de recompensa, gestão de negócios, pagamento indevido, enriquecimento sem causa (arts. 854 e 886, CC), e, 110 Capítulo II do Título VIII (arts. 904 a 909, CC), o título ao portador.

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FONTES DAS OBRIC>AÇÕES

que derivam da lei, sua eficácia promana do comando legislativo. Assim também quanto às obrigações oriundas dos atos ilícitos,53 é a lei que impõe ao culpado o dever de ressarcir o dano causado.

Nenhuma relação obrigacional se concebe que não se funde, precipuamente, na própria lei, que nesta não encontre seu supor­te lógico, natural e necessário.54

Afirma-se, portanto, que a obrigação resulta da vontade do Estado, por intermédio da lei; ou da vontade humana, manifesta­da no contrato, na declaração unilateral ou na prática de um ato ilícito.

M 1 0 .2 . C l a s s i f i c a ç ã o d a s o b r ig a ç õ e s

I. Obrigações consideradas em si mesmas1. Em relação ao vínculo

1.1 obrigação civil1.2 obrigação natural

2. Quanto à natureza de seu objeto2.1 obrigação de dar2.2 obrigação de fazer2.3 obrigação de não fazer

3. Considerando-se a liquidez do objeto3.1 obrigação líquida3.2 obrigação ilíquida

4. Quanto ao modo de execução4.1 obrigação simples4.2 obrigação cumulativa

33 Ato ilícito é o ato de causar dano, compreendendo o delito, que é o ilícito dolo­so, voluntário e intencional, e o quase-delito que, como o delito, é um ato ilícito, mas baseado não na idéia de dolo, mas na de culpa (negligência, imperícia e imprudência). O autor do ato ilícito será responsabilizado se, de sua conduta omissiva ou comissiva, decorrer dano patrimonial ou extrapatrimonial à vítima.

V1 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit., p.41.

5 9

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

4.3 obrigação alternativa4.4 obrigação facultativa

5. Em relação ao tempo do adimplemento5.1 obrigação momentânea ou instantânea5.2 obrigação de execução diferida5.3 obrigação de execução continuada ou trato sucessivo

6. Quanto aos elementos acidentais6.1 obrigação pura6.2 obrigação condicional6.3 obrigação modal6.4 obrigação a termo

7. Em relação à pluralidade de sujeitos7.1 obrigação unitária7.2 obrigação plúrima

7.2.1 obrigação divisível7.2.2 obrigação indivisível7.2.3 obrigação solidária

8. Quanto ao fim objetivado8.1 obrigação de meio8.2 obrigação de resultado8.3 obrigação de garantia

II. Obrigações reciprocamente consideradas1. Obrigação principal2. Obrigação acessória

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FONTES DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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11Obrigações em

relação ao vínculo

Em relação ao vínculo, as obrigações dividem-se em civis e naturais. Trata-se de distinção que vem do direito romano ( obligatio civilis e obligatio naturalis). O poder absoluto e absorvente do chefe de família tolhia ao escravo ou ao filho-família de obrigarem-se por si só, isto é, constituírem uma obligatio no senti­do do direito (obligatio civilis), somente permitindo uma obligatio naturalis, cabendo ao credor um minus de efeitos jurídicos, não dispondo de qualquer ação e protegendo-se apenas com a denegação repetitio indebiti.

No tocante a obrigações, a idéia fundamental dos romanos consistia em firmá-las nestes dois pressupos­tos substanciais: a ação e a correlatividade. Assim, o creditor era o que tinha em seu favor uma ação para compelir o devedor ao pagamento; o debitor, o que po­dia ser forçado ao pagamento, por meio da ação. A obli­gatio naturalis não significava, porém, vinculum juris,

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

senão tão-somente a obrigação, isto é, só interpretada pelo víncu lo da eqüidade.55

1 1 .1 . O b r i g a ç õ e s c i v i s

As obrigações civis são aquelas que encontram respaldo do direito positivo, podendo o seu cumprimento ser exigido pelo credor, por meio de ação, ou seja, trata-se de espécie de obriga­ção com responsabilidade, cujo descumprimento pode ser juridi­camente combatido. Na obrigação civil existe um sujeito passivo (devedor), um objeto (prestação) e um vínculo jurídico (ligando os sujeitos e permitindo ao credor a mobilização do aparelho estatal para perseguir a prestação, com projeção no patrimônio do devedor).

Sendo assim, pode-se concluir que, nas obrigações dessa na­tureza, se a ela não é cumprida de forma espontânea, surge a res­ponsabilidade, aparecendo aí dois elementos distintos nas obriga­ções civis:

a) o dever ou débito, ou seja, a obrigação do devedor de praticar ou de se omitir de um ato a favor do credor, situação esta resultante de um ato jurídico (bilateral ou unilateral), de um ato delitual (culposo ou doloso) ou até da lei;

b) a responsabilidade, isto é, o poder do credor de, indiretamen­te, obrigar o devedor a cumprir o objeto da obrigação; essa ação geralmente será exercida sobre o patrimônio do obriga­do inadimplente e poderá corresponder à indenização do dano pela falta de cumprimento da obrigação. Este elemento representa o poder de coação do credor, e se consuma pela ação executória sobre o patrimônio do devedor.56

55 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.37-8.56 DOWER, Nélson Godoy Bassil. Op. cit., p.22.

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OBRIGAÇÕES EM RELAÇÀO AO VÍNCULO

M 11 .2 . O b r i g a ç ã o n a t u r a l

A obrigação natural, tenha ela uma causa lícita ou ilícita, ba­seia-se nas exigências da regra moral. Em que pese o direito posi­tivo ter legitimado uma determinada situação jurídica em bene­fício do devedor, este pode, a despeito disso, encontrar-se em conflito com a sua própria consciência, e nada obsta a que realize a prestação a que se sente moralmente obrigado.

Em termos mais explícitos, pode ser definida como aquela cuja execução não pode constranger o devedor, mas cujo cumpri­mento voluntário é pagamento verdadeiro. Na obrigação natural pode-se afirmar que há um dever, socialmente apreciável, de cumprir. Constitui um ato intimamente ligado à vontade do devedor. É movimento partido do seu próprio “eu”, livre manifes­tação de sua consciência, embora exigindo igualmente a vontade menos necessária do accipiens.57

As obrigações naturais, portanto, são aquelas em que existem sujeitos (credor e devedor), existe objeto (prestação), mas não há responsabilidade do devedor, em caso de não-cumprimento, isto é, não podem ser cumpridas por meio de atividade jurisdicional, uma vez que o credor não possui o poder coercitivo legítimo de sua exigibilidade.

Dessa forma, na obrigação natural o credor não tem direito de exigir a prestação, e o devedor não está obrigado a pagar. Trata-se de vínculo constituído tão somente pelo debitum. Falta- lhe a obligatio.

ROBERTO SENISE LISBOA58, ao apresentar a temática sob análise, esclarece que a obrigação natural pode ser de causa ilícita ou de causa tolerada. A primeira é aquela cuja finalidade é proibi­da por lei (v.g. dívidas decorrentes de jogos e apostas). A segun­

57 Ibidem, p.42.58 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit.> p.40-1.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

da, por sua vez, corresponde àquela em que a causa é tolerada ou permitida por lei e não outorga ao sujeito nenhum direito.

A obrigação natural cuja causa é reprovada por lei pode ser: a) impeditiva da repetição de indébito (repetitio indebiti); b) ga- rantidora da retenção do pagamento recebido (soluti retentio).

A obrigação natural impeditiva da repetição a título de indé­bito, por óbvio, obsta a possibilidade de aquele que a cumpriu exigir a restituição do que por ela pagou, em prol do credor (v.g. dívidas decorrentes de jogo de azar, apostas etc.).

Entre as naturais que garantem a retenção do pagamento recebido, incluem-se aquela que subsiste após a ocorrência dos efeitos prescricionais da ação, e aquelas em que o devedor se torna, por lei, presumivelmente cumpridor, apesar de não ter efe­tuado o pagamento (v.g. novação subjetiva).

Mencione-se, outrossim, que nas obrigações naturais, se o devedor, voluntariamente efetua o pagamento, não tem direito de repeti-lo (não cabe o pedido de restituição da importância paga). Da mesma forma, o pagamento parcial não autoriza o credor a reclamar o cumprimento do restante.

O ordenamento jurídico, portanto, sanciona uma atitude do devedor, tornando-a irrenunciável, como nas doações, não só por se tratar de um movimento oriundo do seu livre querer, como porque tal movimento se alicerça num fundamento moral irre- torquível. Trata-se de conjugação da liberdade do querer com a justificativa moral dele, homologados pelo direito positivo.

Consideram-se efeitos das obrigações naturais:

a) a validade do pagamento efetuado;b) a irretratabilidade do pagamento efetivado;c) a confêrencia da validade e da eficácia à obrigação civil dela

acessória.

O Código Civil refere-se à obrigação natural, por exemplo, nos arts. 882 e 564, III. Os casos de obrigação natural nele inseri­

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OBRIGAÇÕES EM RELAÇÀO AO VÍNCULO

dos são dois: dívidas prescritas (art. 882, CC) e irrevogabilidade, por ingratidão, de doação que se fizer em cumprimento de obri­gação natural (art. 564, III). As dívidas de jogo ou aposta encon- tram-se descritos no art. 814, CC.

Não se pode revitalizar uma obrigação natural por meio da novação, nem, tampouco, admitir-se que seja objeto de compen­sação, que ocorre somente entre dívidas vencidas, ou seja, exigí- veis juridicamente. Da mesma forma, não comporta fiança nem ônus reais, e não tem eficácia a simples promessa de cumpri-la.

Apesar de sua irrelevância prática, perduram preocupações de ordem teórica a respeito da obrigação natural, especialmente no que tange à sua natureza. Nesse aspecto, é interessante men­cionar que não há uniformidade por parte dos doutrinadores. Trata-se, para alguns, de verdadeira relação jurídica, a despeito de lhe faltar o elemento coativo. Outros explicam-na como um débi­to sem garantia, admitindo, assim, a dissociação entre debitum e obligatio.

Cumpre esclarecer que a obrigação natural não se confunde com um ato a título gratuito. Neste, o que predomina é o animus donandi, com o empobrecimento do doador e o enriquecimento do donatário. Faltam tais características à obrigação natural.59

59 Sobre as obrigações naturais: “Sem embargo da lei substantiva proibir a apos­ta e não obrigar ao pagamento de dívidas dela resultante, lícito não é ao perdedor, porém, recobrar judicialmente a quantia voluntariamente paga, salvo, apenas, se a mesma for ganha por dolo, ou no caso de ser o perdedor menor, ou interdito” (RT 477/224); “O pagamento mediante cheque, embora o valor deste também integre dívi­da de jogo, pode ser cobrado executivamente no caso de inexistência de fundos ban­cários” (RT 394/304); “Deve ser julgado carecedor da ação o exeqüente portador de cheque destinado a pagar aposta fundada em resultado eleitoral, pois, não sendo a aposta um ato jurídico, não cria direitos, tornando inexigível judicialmente a dívida dela originária” (RT 494/197); “Não é possível revogação de doação feita em decorrên­cia de obrigação natural” (RT 481/74); “A atividade turfística é autorizada por lei fede­ral, pelo que é juridicamente exigível dívida oriunda de aposta realizada no Jockey Club” (RT 488/126).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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12Obrigações quanto

à natureza do objeto

No que tange às obrigações quanto à natureza do objeto, podem ser de: dar, fazer e não fazer.

■ J L 2 J . O b r ig a ç ã o d e d a r

As obrigações de dar pertencem à classe das obri­gações positivas. No direito romano, a obrigação de dar significava transferir a propriedade ou outro direito real. Em nosso direito, filiado àquele, tal obrigação con­siste não só na transferência da propriedade, mas, tam­bém, na posse de uma coisa.

Consiste fundamentalmente na entrega de alguma coisa60 móvel ou imóvel pelo devedor ao accipiens; pois, antes dela, o adquirente é um simples credor.

60 Coisa, em sentido lato, pode ser definida como tudo o que existe no universo, com exceção do ser humano (v.g. ar atmosférico, mar, rios

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

As obrigações de dar são consideradas em face da coisa certa ou incerta. Naquela, o devedor se compromete a entregar ou a restituir ao credor um objeto perfeitamente determinado, que se considera em sua individualidade; nesta, o objeto da obrigação é a entrega ou restituição de coisa não considerada em sua individualidade, devendo ser indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

CLÓVIS BEVILÁQUA define a obrigação de dar como

aquela cuja prestação consiste na entrega de urna coisa móvel ou

imóvel, seja para constituir um direito real, seja somente para facul­

tar o uso, ou ainda, a simples detenção, seja finalmente, para resti-

tuí-la ao seu dono.

Nesse diapasão, depreende-se que a obrigação de dar visa, pois, transferir a propriedade do objeto da prestação; ceder a posse do objeto da prestação; ou, ainda, restituir o objeto da prestação.

Na disciplina das obrigações de dar, portanto, estão incluídas obrigações de várias espécies:

1. Obrigação de dar propriamente dita: em que a entrega da coisa tem por finalidade a transferência de domínio61 ou de outros direitos reais. A obrigação surge no ato da celebração do contrato de compra e venda, ocasião em que o devedor se compromete a transferir a propriedade para o credor do objeto da prestação. Se for um bem móvel, o cumprimento da obrigação dar-se-á pela tradição (entrega) real do bem, sur-

etc.). Os bens, por sua vez, são as espécies de coisas economicamente apreciáveis (v.£. ar comprimido, créditos etc.). Por essa razão, o novo Código Civil preferiu, por bem, substituir a palavra coisa, antes utilizada pelo Código de 1916, uma vez que somente o que tem valor econômico interessa para o direito privado.

61 A aquisição da propriedade de um bem móvel dá-se pela tradição, ou seja, pela simples entrega da coisa ao novo titular; porém, a propriedade de um bem imóvel somente é adquirida pela transcrição, que é composta de atos solenes, como a escritu­ra pública e posterior registro no cartório de imóveis.

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OBRIGAÇÕES ÕUANTO À NATUREZA DO OBJETO

gindo, então, um direito real de propriedade para o credor, já que o concurso de vontades não é suficiente para transferir o domínio das coisas.62 O próprio Código Civil, em seu art. 1.267, caput, aduz que “a propriedade das coisas não se trans­fere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. Se o bem a ser entregue for imóvel, a transferência da propriedade se opera, conforme o art. 1.245, CC, “mediante a transcrição do título translativo no Registro de Imóveis”.

A tradição real (entrega efetiva) ou a transcrição (tradição solene) é, pois, o meio de consumar a transferência do domínio dos objetos móveis ou imóveis por via do contrato.

2. Obrigação de ceder a posse-, numa obrigação de dar, o devedor pode, apenas, comprometer-se a transferir a posse de uma coisa. Assim, seja para transferir a propriedade, seja para ce­der a posse da coisa, o adquirente será simples credor antes da tradição. O proprietário de um imóvel que se compromete a alugar sua propriedade, só se exonera da obrigação mediante a entrega do imóvel para o uso do locatário (posse direta). Antes da posse, o locador será apenas um devedor da presta­ção da coisa.63

3. Obrigação de restituir, não visa à transferência da proprieda­de, caracterizando-se por envolver uma devolução (comoda­to). É que na obrigação de restituir, a coisa normalmente per­

62 A venda de automóvel (bem móvel) pode gerar alguma dúvida em função da existência de formalidade intrínseca ao ato, que é a transferência do certificado de pro­priedade. Nesse sentido, a jurisprudência já decidiu que “A venda de veículo automo­tor se aperfeiçoa com a tradição, nos termos do art. 620 do Código Civil, tendo o cer­tificado, expedido pelo Detran, efeitos meramente administrativos. O certificado de registro de veículo não é essencial ao aperfeiçoamento do contrato de compra e venda, nem constitui prova de domínio, pois tem a finalidade de centralizar o controle dos veículos automotores para o efeito de identificação e responsabilidade pelos tributos e infrações relativas ao trânsito” (RT 456/209).

63 DOYVER, Nelson Godoy Bassil. Op. cit., p.37.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

tence ao credor por ter havido apenas uma cessão de posse do bem ao devedor. Vencido o prazo do contrato ou constituído em mora o devedor, o credor poderá perseguir a coisa, pro­pondo ação de reintegração de posse.64

4. Obrigação de contribuir, consiste na obrigação, por exemplo, do condômino, de concorrer, na medida de sua parte, para as despesas de conservação da coisa comum (arts. 1.315 e 1.336,I, CC).

5. Obrigação de solver dívida em dinheiro: que abrange presta­ções especiais, consistentes não só em dinheiro, mas também na composição de perdas e danos e em pagamento de juros.

Grosso modo, os cinco tipos podem ser reduzidos a duas for­mas de prestações: dar e restituir.

► 12.1.1. Obrigação de dar e obrigação de restituir

A obrigação de restituir consiste na devolução de alguma coi­sa a seu proprietário; o credor já é o dono da coisa (v.g. contrato de depósito, em que o proprietário entrega seu bem a outrem, para que o guarde; se esse bem não for devolvido poderá caracte­rizar o que se denomina de infidelidade do depositário, ficando sujeito à prisão civil - art. 652, CC).

A obrigação de dar confere ao credor um direito pessoal e não real. O credor não adquire o domínio simplesmente pelo contra­to, mas através da tradição ou da transcrição em caso de bem imóvel (art. 237, CC).

A obrigação de dar desmembra-se em obrigação de dar a coisa certa e obrigação de dar a coisa incerta. A primeira refere-se

64 O Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul já decidiu que “não atendendo o comodatário, ao prazo que lhe foi outorgado, pelo comodante, para desocupar o imóvel, comete esbulho, competindo ao titular da posse a ação reintegratória” (RT 458/231).

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OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBJETO

a coisas infungíveis, ou seja, que não podem ser substituídas por outras de mesma espécie, qualidade e quantidade; a segunda refe­re-se a bens fungíveis (art. 85, CC).

► 12.1.2. Obrigação de dar a coisa certa

A obrigação de dar a coisa certa

é a coisa individualizada. As características apontadas, só as têm a

coisa que se há de prestar. Noutros termos: os sinais distintivos bas­

tam para a identificação. Não há outra coisa que os tenha a todos.

Pelo menos há de faltar às outras coisas do mesmo gênero. Se a coisa

que se há de prestar foi indicada com características que, em sua tota­

lidade, outras coisas têm, é uma dentro do gênero; não é coisa certa.65

Refere-se a coisas infungíveis, ou seja, perfeitamente indivi­dualizadas e insubstituíveis por outras equivalentes. Sendo assim, o seu objeto é um corpo certo e determinado (v.g. contrato de compra e venda de determinado automóvel). O corpo certo é a species dos romanos, a prestação individualmente determinada, algo insuscetível de se confundir com outro qualquer.

Dessa regra decorre o preceito no art. 313, CC, em que o deve­dor não pode modificar unilateralmente o objeto da prestação, ou seja, não pode compelir o credor a receber outra coisa, ainda que mais valiosa. A recíproca também é verdadeira, ou seja, o credor não pode exigir coisa diferente, ainda que menos valiosa.

Entretanto, pode haver concordância do credor em receber uma coisa por outra, como ocorre na dação em pagamento e que depende do consentimento expresso do credor (art. 356, CC).

No que tange ao seu conteúdo, a obrigação de dar a coisa certa confere ao credor simples direito pessoal, e não real. Em um con­

65 DOWER, Nelson Godoy Bassil. Op. cit., p.38, apud MIRANDA, Pontes de. Tra­tado de Direito Privado. Tomo 22, p. 101.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

trato de compra e venda, por exemplo, o vendedor não transfere desde logo o domínio, obrigando-se somente a transmiti-lo. Caso não o faça, o credor não pode reivindicar a coisa, por ainda não ser o proprietário e, conseqüentemente, não ter o domínio respectivo. Nessa hipótese, terá de se contentar com a ação de perdas e danos e com a resolução da avença (arts. 389 e 475, CC). Outra questão relevante é a contida no art. 233, CC, o qual estatui que

a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circuns­

tâncias do caso.

Trata-se de decorrência da regra geral de que o acessório segue o principal.

Verifica-se, portanto, que se trata de norma dispositiva, isto é, admite disposição em contrário que pode resultar de convenção ou das circunstâncias do caso.

Tal problema não surge na obrigação de restituir (o credor já é dono da coisa); nem após a tradição, na obrigação de dar a coisa incerta (eventuais acréscimos não poderão ser individualizados como pertencentes àquelas que iriam ao comprador).

A relevância da questão “acessórios”, nas obrigações de dar coisa certa, surge, principalmente, antes da tradição, visto que o proprietário pode exigir aumento do preço em razão dos acrésci­mos, pois ainda era dono da coisa. Contudo, até a entrega da coisa, pertencerão ao devedor os melhoramentos e acréscimos, resol- vendo-se a obrigação caso o credor não consinta com o aumento do preço correspondente (art. 237, CC).

Os frutos66 pendentes ao tempo da entrega serão do credor e, os já percebidos, do devedor (art. 237, parágrafo único, CC). Os

66 Frutos são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Dividem-se em naturaisy que se reproduzem pela força orgânica da própria natureza (v.g. frutas das árvores); industriais, que aparecem pela mão do homem (v.g. a produção de uma fábrica); e civis, que refletem os rendimentos produzidos por uma coisa ao seu titular (v.g. aluguéis e juros).

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OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBJETO

frutos colhidos antecipadamente devem ser restituídos ao adqui- rente (v.g. aluguel antecipado).

► 12.1.3. Perecimento e deterioração

Perecimento é a perda total da coisa, por destruição, antes da tradição. Por natural, deve ser apurado se o devedor incidiu ou não em culpa no resultado, visto que diferem as conseqüências jurídicas, em cada caso. Não havendo culpa deste ou pendente a condição suspensiva,67 extingue-se a obrigação, voltando as par­tes ao status quo ante, tanto na obrigação de entregar quanto na de restituir (arts. 234 e 238, CC).

Dessa forma, caso o vendedor tenha recebido o preço da coisa, e esta veio a perecer sem culpa sua (v.g. força maior, caso fortui­to), deve devolvê-lo ao comprador em razão da extinção da obri­gação, não estando a arcar com eventuais perdas e danos. Caso o perecimento tenha ocorrido na pendência da condição suspensi­va, não se terá adquirido o direito que o ato vislumbra (art. 125, CC), e o devedor arcará com o risco da coisa.

Portanto, quem suporta o prejuízo, na obrigação de entregar, é o próprio alienante, uma vez que continua sendo o proprietá­rio, até a tradição. Na obrigação de restituir a coisa certa ao cre­dor, porém, o prejudicado será este, na condição de dono.

Percebe-se, claramente, que a apuração da culpa é fundamen­tal para a imposição da responsabilidade em decorrência de even­tuais prejuízos causados. Comprovada a culpa, em qualquer de suas modalidades, pelo devedor (imprudência, imperícia ou ne­gligência), estará este sujeito a restituir ao credor o equivalente em dinheiro, mais perdas e danos que forem evidenciados e com­provados, tanto na obrigação de entregar (art. 234, 2a parte, CC) como na de restituir (art. 239, CC).

67 A condição suspensiva é aquela que impede que o ato produza efeitos até a rea­lização do evento futuro e incerto. Há de se ressaltar que os requisitos essenciais da condição são a futuridade e a incerteza (art. 121, CC).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Deterioração é a perda parcial, o estrago que torne a coisa me­nos própria às suas finalidades ou lhe diminua o valor.

Da mesma forma que no perecimento da coisa, a apuração da culpa é fundamental para que se definam responsabilidades na deterioração do objeto antes da entrega. Nesse caso, diversas são as situações:

1. Não havendo culpa: não havendo culpa das partes pela dete­rioração nem pelo perecimento, sendo estes decorrentes de um fato de terceiro, força maior ou caso fortuito, o devedor da entrega sofre o prejuízo. Nesse caso, a obrigação se desfaz (art. 234, CC). É como se não houvesse existido contrato. Perde o proprietário o que era seu. Sendo assim, na obrigação de entregar, pode o credor resolver a obrigação por perder o interesse na coisa danificada ou aceitá-la no estado em que se encontra, com natural abatimento do preço (art. 235, CC). Por outro lado, na obrigação de restituir, o credor deve rece­ber a coisa no estado em que se encontrar, sem direito a inde­nização (art. 240, CC).

2. Havendo culpa: quem teve culpa deve arcar com os prejuízos decorrentes (arts. 234 e 239, CC). Na obrigação de restituir, o devedor deve pagar o valor da coisa que se destruiu por culpa sua, acrescido de perdas e danos. Na obrigação de entregar, havendo culpa do devedor, na obrigação de restituir, o deve­dor devolverá a coisa no estado em que se encontrar e pagará a diferença de valor e mais perdas e danos; se o credor prefe­rir, poderá exigir uma nova (art. 236, CC).

Da mesma forma, o legislador definiu regras sobre a situação oposta, em que o bem, ao invés de perecer ou deteriorar, sofre uma valorização. Nesse caso, estatui que se ocorrer sem despesas ou trabalho do devedor, lucrará o credor com o fato, sem pagar qualquer indenização (art. 241, CC). Caso tenha sofrido melho­ramentos em razão de dispêndio ou trabalho do devedor, o cre­dor está adstrito a pagá-los (art. 242, CC).

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OBRIGAÇÕES QUANTO À NATUREZA DO OBJETO

► 12.1.4. Obrigação de dar a coisa incerta

Nas obrigações de dar a coisa incerta, prepondera a indeter- minação específica do objeto da prestação. Por isso, denomina-se obrigação genérica. A expressão coisa incerta, prevista no art. 243, CC, indica que a obrigação tem objeto indeterminado, mas não de forma absoluta, pois deve ser indicada, pelo menos, pelo gêne­ro e pela quantidade, faltando, apenas, sua indicação qualitativa (qualidade).

No caso em que faltar também a indicação do gênero, ou a quantidade, a indeterminação será absoluta, e a avença não gera­rá obrigação (v.g. entregar sacas de café).

O objeto é incerto, mas há um momento em que essa incerteza desaparece, o que ocorre quando se faz a escolha, que de regra cabe ao devedor (art. 244, CC), se o contrário não resultar do título da obrigação. Após a escolha, o credor passa a ser titular de uma obri­gação de dar68 a coisa certa, regulamentada nos moldes do art. 245, CC. A parte final do referido art. 244 pode gerar problemas, uma vez que “melhor” ou “pior” é um conceito meramente subjetivo.

68 Sobre a obrigação de dar: “O domínio de automóvel é transferido pela tradi­ção, irrelevante, para esse efeito, a expedição de certificado de propriedade. Basta que haja recibo idôneo de compra” (RT 486/206); “O contrato de compra e venda de coisa móvel perfaz-se com a tradição. Desde então o adquirente passa a ter a disponibilida­de da coisa” (RT 431/66); “A rifa ou sorteio, uma vez contando com autorização legal, constitui obrigação exigível, que deve ser atendida pela sociedade que a assumira, bem assim por seus diretores, solidariamente, se aquela não constituída devidamente” (RT 439/215); “Se o comprador pagou antecipadamente o preço e não houve tradição da coisa pelo vendedor, aquele se torna simples credor quirografário se o vendedor veio a falir” (RT 479/76); “Constituído em mora o comodatário, e desatendendo o pedido de desocupação do imóvel, pratica esbulho. O comodante não precisa ser, necessaria­mente, titular do domínio. A posse da coisa, com base em promessa de compra e venda, embora não inscrita, permite ao promitente comprador estabelecer comodato. Preliminar rejeitada.” (RT 457/255); “A recusa do comodatário em restituir a coisa eqüivale a esbulho. Configurado este, o comodatário que não provou isenção de culpa fica obrigado ao pagamento de aluguel, a partir do dia em que foi constituído em mora” (RT 389/188); “Certificado de propriedade de automóvel não transfere a pro­priedade” (RT 377/146).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

No que se refere à escolha da coisa, podem as partes conven­cionar que essa caberá a terceiro, alheio à relação obrigacional, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 1.930, CC.

No que se refere ao perecimento ou deterioração da coisa incerta, aplica-se a regra do art. 246, CC (pode não acarretar a extinção da obrigação), pois o gênero nunca perece. Caso todo e qualquer objeto possível se perder, a solução é aplicar o disposto no art. 393, CC, resolvendo-se a obrigação porque não mais exis­te seu objeto.

M 1 2 .2 . O b r i g a ç ã o d e f a z e r

► 12.2.1. Considerações gerais

As obrigações de dar, conforme já analisado, consistem na prestação de coisa. Porém, inegável, ainda, a existência de presta­ção de fato, concernente à prestação de fazer ou não fazer.

As prestações de fato constituem: a) no trabalho físico ou intelectual (serviços), determinado pelo tempo e gênero; b) no trabalho determinado pelo produto; c) num fato determinado simplesmente pela vantagem que traz ao credor.

A distinção entre a obrigação de fazer e a obrigação de dar, reputada inútil por alguns autores, entretanto, tem grande alcan­ce prático no sistema do nosso direito, em que a obrigação não é elemento translativo do domínio.69

Na obrigação de fazer, ao contrário da obrigação de dar (em qualquer de suas modalidades), nenhuma entrega há de ser feita, sendo a prestação representada por uma atividade do devedor, ou seja, por seu esforço e não pela entrega da coisa. Consiste, portan­to, em atos ou serviços a serem executados pelo devedor.

69 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.60.

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OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBJETO

Diferencia-se da obrigação de dar, principalmente pelo fato de que o credor pode, conforme as circunstâncias, não aceitar a prestação por terceiro ( intuitu personae- v.g. cirurgião plástico), o que ensejará perdas e danos ao devedor inadimplente (art. 247, CC); ao passo que nas obrigações de dar, admite-se essa possibi­lidade (art. 305, CC).

A obrigação de fazer que não seja personalíssima ( intuitu per­sonae), isto é, aquela cuja execução não depende de qualidades pes­soais, denomina-se impessoal, fungível ou material (art. 249, CC).

Na obrigação de fazer, o devedor compromete-se a prestar uma atividade qualquer, lícita e vantajosa a seu credor. Deve-se, portanto, considerar, que nessas obrigações a pessoa do devedor está em primeiro plano, de sorte que consiste em causa rotineira de imperfeição do solutio o erro sobre a pessoa do devedor e, em se tratando de obrigação personalíssima, o ato ou fato deve ser prestado pelo próprio sujeito.

Poder-se-ia talvez afirmar que na obrigação de fazer existe também uma obrigação de dar (aquela em que o devedor tem que entregar ao credor o produto final do “fazer”: o quadro, a casa etc.). Deve-se, portanto, verificar se o dar é ou não conseqüência do fazer. Se o devedor tiver de confeccionar a coisa para depois entregá-la, a obrigação é de fazer, se, ao contrário, o devedor não tiver previamente de fazer a coisa, a obrigação é de dar.

Há, inegavelmente, uma certa identidade entre essas duas mo­dalidades, pois a obrigação de dar visa a transferência do domínio, mas, na verdade, a obrigação de conservar a coisa e a de entregar envolvem uma obrigação de fazer.

EVERALDO AUGUSTO CAMBLER70, sobre a distinção apon­tada, relembra a Ementa n. 14, resultante dos debates levados a efeito na Escola Superior de Advocacia, da Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo, em 26 de junho de 1999:

70 CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p.49.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

14. Obrigações de dar e fazer - Incorporação imobiliária - Aná­

lise dos artigos 28 e 29 da Lei n. 4.591/64 - A transferência do direi­

to real constitui uma obrigação de fazer e a promoção da constru­

ção, uma obrigação de dar, mormente quando o incorporador não

é, ele próprio, o construtor.

Por maioria de votos, entendeu-se que a obrigação do incorpo­

rador, consubstanciada na outorga da escritura definitiva, com a

conseqüente transferência do direito real, constitui uma obrigação

de fazer, distinta da promoção da construção pelo empreendedor

não construtor, quando estamos diante de uma obrigação de dar.

Distinção entre as duas espécies de obrigação fixada com base no

critério da preponderância dos atos para a realização da coisa.

Na obrigação de dar a tradição da coisa é imprescindível (arts. 1.226 e 1.267, CC) até a tradição (direito pessoal); após a tradição (direito real). Sendo assim, nas obrigações ad dandum a prestação consiste na entrega de uma coisa, em que a tradição desde logo é indispensável para que o vínculo seja perfeito, en­quanto nas obrigações ad faciendum a prestação expressa-se num ato ou fato do devedor.

Descumprida a obrigação de dar o juiz mandará que seja cumprida, caso ainda esteja no domínio do devedor (penhora, busca e apreensão etc.). Tal possibilidade denomina-se “execução específica”.

Na obrigação de fazer, entendem alguns doutrinadores ser impossível referir-se a “execução específica”, uma vez que não é possível obrigar alguém a fazer algo contra a sua vontade, ense­jando, somente, a condenação do devedor a uma indenização por perdas e danos.

Para outros estudiosos, entretanto, a execução específica nas obrigações de fazer é possível, inclusive no que se refere às infungíveis, na medida em que o atual Código de Processo Civil contempla meios de, indiretamente, obrigar o devedor a cum ­pri-las mediante a cominação de multas diárias (arts. 287, 461 e 644, CPC).

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OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBJETO

O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que é faculta­do ao autor pleitear a cominação de pena pecuniária, tanto nas obrigações de fazer infungíveis como nas fungíveis (RSTJ, 25:389; REsp. 6.314/RJ; DJU, 25/3/1991, p.3222).

A impossibilidade do devedor de cumprir a obrigação de fa­zer, ou a recusa em executá-la, acarretam o inadimplemento con­tratual.

Na obrigação de dar, admite-se, incondicionalmente, o cum­primento da prestação por outrem, estranho aos interessados; na obrigação de fazer, nem sempre, em razão de seu eventual caráter personalíssimo (art. 305, CC).

► 12.2.2. Espécies de obrigação de fazer

Como se pode depreender, as obrigações de fazer71 subdivi- dem-se em espécies diferentes, dentre as quais destacam-se:

71 Sobre as obrigações de fazer: “O direito à adjudicação compulsória constitui simples forma coativa e específica de obrigação de fazer” (RT 488/160); “Ocorrendo a inexecução da obrigação de fazer, por culpa do devedor, e não sendo a prestação satis­feita por outrem, pode o credor reclamar perdas e danos” (RT 454/65); “Descumpri- do o contrato, por culpa da construtora, embora recebida a obra, deverá aquela res­ponder pelos danos causados, em valores atualizados, de molde a permitir as construções e reparos aos quais se comprometeu’ (RT 485/226); “As obrigações de fazer ou são fungíveis, podendo, portanto, ser cumpridas por terceiros, ou infungíveis e, assim, somente podendo ser satisfeitas pelo obrigado. Neste último caso há de se dis­tinguir a infungibilidade de ordem natural da infungibilidade de ordem jurídica. Se é de ordem natural, deixando o executado de satisfazer a prestação, a execução prosse­guirá para exigir do responsável o pagamento da multa e da indenização por perdas e danos. Se é de ordem jurídica, como a obrigação de prestar declaração de vontade, que o devedor se negou a emitir, ter-se-á por enunciada logo que a sentença de condena­ção passar em julgado. Pedida, por meio de ação cominatória, a outorga da escritura de compra e venda, a sentença que der pela procedência do pedido, assim que transi­tada em julgado, fará as vezes de declaração e servirá de título ao credor, para os neces­sários fins e efeitos de direito” (RT 433/194); “A multa cominatória tem caráter intimi- dativo e não-compensatório. O seu depósito não desobriga o que foi vencido em ação cominatória” (RT 484/159).

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Page 96: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

1. Infungíveis ou personalíssimas: são aquelas que ninguém mais pode cumprir, a não ser o devedor (v.g. contrato de show do Roberto Carlos).

Em caso de inadimplemento estará obrigado a indenizar por perdas e danos (art. 247, CC). O credor não estará obrigado a re­ceber prestação outra que não aquela efetivamente contratada, ainda que a prestação ofertada pelo devedor em substituição seja mais valiosa (um conjunto musical estrangeiro de renome em lugar de um nacional de pouca fama).

2. Fungíveis: a atividade do devedor pode ser substituída pela de outra pessoa (v.g. lavador de carros - o que interessa é o resul­tado final, ou seja, o carro devidamente lavado).

Nas obrigações fungíveis, o descumprimento pelo devedor en­sejará, ao credor, portanto, duas alternativas a serem definidas a seu exclusivo arbítrio:

a) cobrar perdas e danos;b) mandar cumpri-la por terceiro, cobrando as despesas do

devedor (contratar novo empreiteiro para terminar a obra que o outro não concluiu - art. 249, CC).

► 12.2.3. Conseqüências do inadimplemento

As conseqüências geradas pelo inadimplemento das obriga­ções de fazer variam conforme seja infungível ou fungível e, tam­bém, no que se refere à culpa do devedor, conforme segue:

1. Sem culpa do devedor, o princípio geral é o mesmo das obri­gações de dar. O cumprimento tornando-se impossível sem culpa do devedor, a obrigação se rescinde, fica resolvida, ex­tinta, sem ônus para as partes. As partes retornarão ao estado

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Page 97: Livro Teoria Geral Das Obrigações

OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBIETO

anterior (v.g. artista contratado para uma apresentação, adoe­ce no dia). A obrigação extingue-se por caso fortuito (art. 248, CC).

2. Com culpa do devedor: diversas serão as conseqüências con­forme seja a obrigação fungível ou infungível. Na primeira, o credor pode optar por mandar executar às expensas do deve­dor ou exigir perdas e danos. Na segunda, só caberão perdas e danos, pois a execução específica é impossível.

► 12.2.4. Ação cominatória

No regime do Código de Processo Civil de 1939, encontrava- se a ação cominatória, que era deferida ao credor de uma obriga­ção de fazer, para compelir o devedor a cumpri-la. Por esse remé­dio judicial, o credor intimava o devedor a praticar o ato devido sob pena de pagar multa, que lhe ficava desde logo cominada.72 Dessa forma, dispunha o art. 302 do Código de 1939 que

a ação cominatória compete: [...] XII - em geral, a quem, por lei ou

convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato

ou preste fato dentro de certo prazo.

O art. 303 determinava que o autor pediria, na petição inicial, a citação do réu para prestar o fato, sob pena contratual, ou a pedida pelo autor, se nenhuma houvesse sido convencionada.

Com apoio nesse texto legal, devia o magistrado, desde logo, cominar a pena que seria exigida do réu, para o caso de descum­primento obrigacional. A função dessa cominação era assegurar o cumprimento do preceito, ou seja, tornar mais provável o cum­primento da obrigação, quer em si mesma, quer por via do seu substitutivo processual, isto é, a pena.

72 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30.ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2002. p.36-7.

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Page 98: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A jurisprudência brasileira sempre se mostrou hesitante na aplicação desses dispositivos, uma vez que o juiz, ao ordenar a ex­pedição do mandado inicial em que cominava a multa, somente tinha conhecimento do sumário do processo e nem havia ouvido a parte contrária.73

Sustentam alguns que talvez tenha sido essa a razão para a atual lei processual civil brasileira não haver consignado igual solução.

No novo texto legal, a execução das obrigações de fazer e não fazer se encontra disciplinada, de forma diversa, nos arts. 632 e seguintes do novo diploma. A execução das obrigações de fazer, quando não fundada em título executivo, assim definido no esta­tuto, terá necessariamente como antecedente um processo de conhecimento. Nesse aspecto, o art. 632, CPC, aduz que

quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será

citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe assinar, se outro não

estiver determinado no título executivo.

O art. 633, CPC, confere ao credor a alternativa de requerer, nos mesmos autos, que seja o devedor condenado a reparar as perdas e danos derivados de seu inadimplemento, hipótese em que a obrigação se converte em indenização e por conseguinte se transforma em obrigação pecuniária de dar; ou, então, pode re­querer que a obrigação de fazer, inadimplida, seja executada à custa do devedor.

Os arts. 634 e seguintes do Código de Processo Civil discipli­nam o procedimento judicial indispensável para se realizar a prestação do fato por terceiro.

Como se vê, a redação original do estatuto processual não era suficientemente clara a respeito desse processo, o que dava mar­gem a dificuldades na prática, pois os dispositivos dos artigos ci­tados deveriam ser adaptados ao processo de conhecimento.

73 Ibidem, p.37.

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OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBJETO

O novo art. 461 do CPC, trazido pela Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, veio aclarar a situação, com os contornos ora modernizados da antiga ação cominatória, explicitando o que já constava do art. 287 desse mesmo ordenamento jurídico.

De acordo com o referido art. 461, ao juiz é conferido o poder de conceder tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinar providências que assegurem o resultado prá­tico equivalente ao adimplemento.

A tutela de que se cogita refere-se ao provimento judicial con­cedido para

proporcionar a quem tem direito à situação jurídica final que cons­

titui objeto de uma obrigação específica precisamente aquela situa­

ção jurídica final que ele tem o direito de obter.74

Embora a denominação tenha relação com o processo de exe­cução, não há dúvidas de que a tutela específica envolve a propo- situra de ação cuja natureza é condenatória e, portanto, de conhe­cimento.

Assim, “o CPC 461, de conseguinte, regula a ação de conheci­mento e não a de execução stricto sensu”.75

Admitido que a execução específica é sempre a regra, excep­cionalmente a lei abre a possibilidade de a obrigação converter-se em perdas e danos “se o autor requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente” (art. 461, § Io, CPC).

Ainda, para compelir o devedor ao cumprimento da obriga­ção, possibilita o legislador a fixação de multa imposta pelo juiz, como meio coercitivo ou de persuasão ao adimplemento, as as- treintes do direito francês.

74 PODESTÁ, Fábio Henrique. Direito das Obrigações: teoria geral e responsabili­dade civil. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 103, apud DINAMARCO, Cândido. A refor­ma do código de processo civil. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 149.

75 NERY JÚNIOR, Nelson & NERY, Rosa M. de Andrade. CPC comentado. São Paulo: RT, 1996. p.830.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Essa nova redação presente no CPC é reprodução do que já consta do Código de Defesa do Consumidor (art. 84). Desse mo­do, uma disposição inicialmente voltada para as relações de con­sumo passou a regular de forma ampla a tutela das obrigações específicas.76

A ação cominatória77 é, portanto, a ação que objetiva a con­denação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer. Se infungível a obrigação, nela determinará também a condenação do devedor às perdas e danos. É conveniente a adoção de cautelas necessárias para não ver criados óbices sérios, posteriormente, às suas pretensões de ressarcimento.

M 12 .3 . O b r i g a ç ã o d e n ã o f a z e r

As obrigações de dar e fazer são positivas. Porém, a obrigação de não fazer é negativa. Obriga-se a pessoa a não agir, pois, se agir, acabará por prejudicar o credor da obrigação, e nisso reside a negatividade de sua conduta. Impõe, portanto, um dever de abs­tenção ao devedor, qual seja, o de não praticar o ato que poderia livremente fazer, se não se houvesse obrigado.

Consistem, como visto, em comportamentos negativos, no sentido de que o devedor assume o compromisso de se abster de realizar algo, em razão do vínculo que o une ao credor obrigacio­nal (v.g. respeitar a propriedade alheia [obrigação negativa de não

76 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, v.2. São Paulo: Atlas, 2003. p. 104-5.

77 Sobre a ação cominatória: “Ação cominatória - Uso de garagem - infungível de fazer - Astreintes e indenização. Se o apelado celebrou contrato com o apelante, através do qual este se obrigou a ceder o uso de garagem para guarda de barco, sem cumpri-lo, correta a propositura de nominada ação cominatória cumula­da com condenação em obrigação de fazer, mais perdas e danos. Comprovado nos autos que o apelante não prestou o fato, que se caracterizava como obrigação de fazer infungível, restava a procedência da lide, cuja conseqüente composição indenizatória (art. 880, CC) estava condicionada à prova das perdas e danos, o que não se caracteri­

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OBRIGAÇÕES QUANTO À NATUREZA DO OBJETO

invadir a propriedade alheia]; cláusula inserida na venda de um estabelecimento comercial em que o vendedor compromete-se a não se estabelecer com o mesmo tipo de comércio nas proximi­dades. Caso descumprida, poderá acarretar a responsabilização do inadimplente, inclusive pelos lucros cessantes decorrentes da queda do movimento).

Caso o devedor pratique o ato que se obrigou a não praticar, tornar-se-á inadimplente, podendo o credor exigir o desfazimento do que foi realizado, “sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcin­do o culpado perdas e danos” (art. 251, CC). Nesse sentido, o deve­dor tem duas alternativas: desfará pessoalmente o ato ou poderá vê-lo desfeito por terceiro às suas expensas, sem prejuízo, em qual­quer das situações, à sujeição ao pagamento das perdas e danos.

Vale mencionar que o art. 250, CC, define que “extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar”. Tal situação pode ocorrer, por exemplo, por determinação legal decorrente de lei superveniente que exija a prática de ato que tenha se obrigado a não fazer {v.g. construção de muro ao redor do imóvel).

O art. 251, parágrafo único, CC, define que, em caso de ur­gência, poderá o credor desfazer pessoalmente ou mandar que seja desfeito o ato, “independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido”.

zou. Todavia, em tendo havido pedido expresso de astreintes, lícito não era ao julgador monocrático silenciar, senão deferi-las como ação de caráter econômico que pode influir, psicologicamente, para o cumprimento da prestação (art. 644, CPC) agravo retido não conhecido, porque renunciado” (TJPR - Ac. 6805 - Apelação Cível - Curi­tiba - 3* Câmara Cível - Rel. Renato Pedroso - 24/4/90); “Ação de preceito cominató- rio - Cabimento de multa - Agravo retido - Ausência de razões. 1. Conquanto se cuide de obrigação de fazer fungível, ao autor é facultado pleitear a cominação da pena pecuniária. Inteligência dos arts. 287 e 644 do CPC. 2. Não se dispensa ao agravo reti­do o requisito de conter a necessária fundamentação. Recurso especial conhecido, em parte, mas improvido” (STJ - Acórdão: REsp. 6377/SP - 4a T. - Rel. Min. Barros Mon­teiro - DJ 1/7/91).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

► 12.3.1. Responsabilidade do devedor

A responsabilidade do devedor na obrigação de não fazei78 surge se o devedor tiver agido com culpa, razão pela qual variam suas conseqüências:

1. Inadimplemento sem culpa do devedor, rege-se, basicamente, pelo previsto no art. 250, CC. Dessa forma, por exemplo, compromete-se com o vizinho a não levantar muro na divisa dos terrenos (não prejudicar iluminação, visão ou insolação), mas vê-se obrigado em razão de promulgação de uma lei municipal.

2. Inadimplemento com culpa do devedor, nesse caso, são duas as diferentes situações, dependendo da possibilidade ou não de desfazimento do ato, ou seja:a) se o ato puder ser desfeito: condenação do devedor ao des­

fazimento e, se não o fizer, mandar desfazê-lo às suas cus­tas, acrescendo-se perdas e danos;

b) se o ato não puder ser desfeito: a situação será irremediável e a solução será indenizar o credor pelos prejuízos sofridos.

78 Sobre as obrigações de não fazer: “Cominatória - Obrigação de não fazer - Art. 642 do Código de Processo Civil - preceito que impõe a cessação de música ao vivo 110 estabelecimento após as 22:00 h - Transgressão a este deve ser devidamente comprova­da, sendo inadmissível a simples declaração de vizinho - Aplicação de multa afastada - Recurso provido para esse fim” (1- TACSP - Processo 513151-3/00 - Apelação Cível - Piracicaba - 6- Câmara - Rel. Carlos Roberto Gonçalves - Decisão: Unânime, 2/3/91); “Marca - Prescrição - A ação para reparação dos danos causados pelo uso indevido de marca prescreve em cinco anos (art. 178, § 10, IX, CC); a ação fundada na obrigação de não fazer, visando a cessação do uso da marca de propriedade da autora, prescreve em vinte anos (art. 177, CC). Apelo conhecido e provido para reconhecer a prescrição qüinqüenal” (STJ - Acórdão: REsp. 23732/SP - 4a T. - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - 11/10/94); “Cominatória - Obrigação de não fazer - Abstenção da fabricação de modelo de utilidade relativo a filtro de água - Pretensão do titular e concessionário exclusivo da patente - Alegação de contrafação e concorrência desleal - Inocorrência - Semelhança na forma mas diferença quanto a utilidade - RNP” (TJSP - Recurso - Acórdão: 175449-1/SP - Órgão: CCIV-6 - Rel. Munhoz Soares - 15/10/92).

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OBRIGAÇÕES QUANTO A NATUREZA DO OBJETO

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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13Obrigações quanto

à liquidez do objeto

Quanto à liquidez do objeto, as obrigações podem ser líquidas e ilíquidas. Liquidez é a qualidade daquilo cuja existência é certa e cujo objeto é determinado. É expressa por uma cifra, por um algarismo.

Desse modo, liquidação das obrigações é o conjun­to de normas tendente à fixação do valor do objeto, momentaneamente, indeterminado da prestação jurí­dica, para que se possa esta cumprir. Liquidar, é, por­tanto, tornar exato, certo, líquido.

O objeto da obrigação líquida é certo e individua­lizado (v.g. obrigação de pagar dívida representada por uma nota promissória [obrigação de dar] é líquida porque seu objeto é totalmente determinado).

Obrigação ilíquida é aquela incerta quanto à sua quantidade. É a que depende de prévia apuração, pois o seu valor, o montante da prestação, apresenta-se incerto.

As obrigações ilíquidas são às que se visam na li­quidação, pois, sem esta, não terá o credor meios de

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

cobrar o seu crédito. Há de se ressaltar que, mesmo que a obriga­ção líquida seja descumprida, devendo seu objeto ser cumulado com o dos danos decorrentes do inadimplemento pontual do devedor, a liquidação operar-se-á, tão-só, tendo em vista a apura­ção destes, para determiná-los.

A obrigação ilíquida tenderá sempre a se tornar líquida, para possibilitar, se for o caso, a execução forçada. A conversão ocorre­rá em juízo por meio das regras do processo de liquidação (arts. 568 e 603 a 611, CPC). Quando a sentença condenar de forma ilí­quida, esse será o procedimento.

Há de se ressaltar, porém, que a sentença judicial deve pro­curar sempre uma condenação líquida, uma vez que a fase de liquidação poderá procrastinar desnecessariamente o deslinde da causa. Somente quando o juiz não tiver elementos para fazê- lo dessa forma, é que deverá deixar a apuração para a fase de li­quidação.

O CPC erigiu tradicionalmente três formas de liquidação de sentença, quais sejam: por cálculo do contador, por arbitramento e por artigos.

A liquidação mais modesta é aquela que depende de simples cálculo aritmético, capaz de, até mesmo, prescindir da figura do contador, ante a simplicidade dos cálculos (art. 604, CPC).

A liquidação por arbitramento depende de conhecimento técnico para sua apuração, referindo-se a ela o CPC em seu art. 606, quando então se nomeará perito. A sentença que condena o réu a pagar o valor de uma máquina que se perdeu, por exemplo, requer arbitramento.

A liquidação por artigos, por sua vez, ocorre “quando, para determinar o valor de condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo” (art. 608, CPC). Sendo assim, a apuração do prejuízo dependerá de novos fatos a serem provados, uma vez que o montante do prejuízo não foi fixado na sentença (v.g. prejuízos decorrentes de pirataria etc.). Pode ocorrer, também, a necessida­de de perícia na liquidação por artigos. Não se pode, porém, na

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liquidação, “discutir de novo a lide, ou modificar a sentença que a julgou” (art. 610, CPC).

Há novos procedimentos a respeito da liquidação que devem ser estudados no processo civil.

A distinção entre as obrigações líquidas e ilíquidas79 tem rele­vante aplicação prática em diversos dispositivos do Código Civil: arts. 352, 369, 397 e 407 entre outros.

OBRIGAÇÕES QUANTO À LIQUIDEZ DO OBJETO

79 Sobre as obrigações líquidas e ilíquidas: “Recurso Especial - Previdenciário - Acidente do Trabalho - Obrigação líquida e certa. Considera-se líquida a obrigação certa quanto a sua existência, e determinada quanto ao seu objeto (art. 1.533, CC). Não se confunde com o quantum da prestação. Ocorrido o infortúnio laborai, torna- se certa a obrigação de indenizar, determinado que é o objeto. O que se remete para depois é a apuração do quantum da indenização” (STJ - Acórdão: REsp. 89715/SP - 600136440 - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - 6- T. - DJ 2/12/96, p.47.732); “Aci­dente de Trânsito - Responsabilidade integral do culpado pela indenização dos danos produzidos - Seqüelas de ordem física a serem apuradas em perícia especializada - Liquidação parcial da sentença, por artigos - Fixada a responsabilidade exclusiva do réu no evento danoso, daí decorre a obrigação de indenizar todos os prejuízos sofri­dos pela vítima. Comprovadas as lesões de ordem traumática, que acarretam seqüelas neurossensoriais entre outras, há que se realizar perícia técnica específica para dimen- sioná-las dentro da respectiva escala de comprometimento da atividade laborai. Assim, na sentença resulta uma parte líquida, consistente nas parcelas indenizatõrias concedidas pelo juízo, que imediatamente poderão ser objeto de execução, e outra ilí- quida, dependente do que vier a se apurar na mencionada perícia técnica, demandan­do liquidação parcial dela por artigos” (TARS - Recurso Apelação 188024699 - 4a Câmara Cível - Rel. Jauro Duarte Gehlen - 5/5/88).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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Page 109: Livro Teoria Geral Das Obrigações

14Obrigações quanto

ao modo de execução

14.1 . O b r ig a ç ã o sim ples

A obrigação pode recair sobre apenas uma coisa, certa ou incerta, ou sobre um comportamento, ou seja, um fazer ou não fazer.

Nesse casos, a obrigação destina-se a cumprir um único efeito, liberando-se, o devedor, por meio do cum­primento da prestação a que se obrigara (obrigação simples).

MARIA HELENA DINIZ80 a define como aquela cuja prestação recai somente sobre uma coisa (certa ou incerta) ou sobre um ato (fazer ou não fazer). Destina- se, portanto, a produzir um único efeito, liberando-se o devedor quando cumprir a prestação a que se obrigara, seja ela de dar, restituir, fazer ou não fazer.

•° DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: teoria geral dos direitos das obrigações.ló.ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2002. p.l 16.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

M 14 .2 . O b r i g a ç ã o c u m u l a t i v a

Ocorre quando uma mesma relação obrigacional envolve duas ou mais prestações (positivas ou negativas), todas decorrendo da mesma causa, devendo realizar-se totalmente, já que o inadimple­mento de uma delas implica o descumprimento total da obriga­ção. Trata-se, portanto, de obrigação com objeto múltiplo.

É uma obrigação composta, ou seja, todas as prestações devem ser cumpridas como se fora uma só (v.g. entregar um automóvel mais dinheiro em troca de uma casa).

Pluralidade de prestações em nada se confunde com pluralida­de de obrigações. O que distingue a obrigação cumulativa é a plu­ralidade de prestações, oriunda da mesma causa, decorrente, por outras palavras, do mesmo título. Se as diversas prestações corres­pondem a obrigações com diferentes causas, a pluralidade não se verifica no objeto da obrigação, pois cada qual tem objeto simples.

Nessa espécie de obrigação, o interesse do credor está no con­junto, razão pela qual o devedor somente se desobriga satisfazen­do todas as prestações. Do contrário, não estará cumprindo inte­gralmente a obrigação, pois todas as coisas estão in obligatione e in solutione.

A obrigação cumulativa caracteriza-se pela conjunção “e”.

m 14 .3 . O b r i g a ç ã o a l t e r n a t i v a

Trata-se de obrigações compostas pela multiplicidade de ob­jetos. A obrigação pode ter como objeto duas ou mais prestações, que se excluem no pressuposto de que somente uma delas deve ser satisfeita mediante a escolha do devedor, ou do credor. Neste caso, diz-se que a obrigação é alternativa.

No direito romano, dizia-se que, nas alternativas, muitas coi­sas estão na obrigação, porém só uma no pagamento (plures sunt in obligatione, una autem in solutione).

9 6

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OBRIGAÇÕES QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO

Caracteriza-se pela multiplicidade de prestações e, também, pela possibilidade de exoneração do devedor pela satisfação de uma única prestação, escolhida para pagamento.

Requer que as prestações tenham objeto distinto. Se a facul­dade de eleição diz respeito ao modo do cumprimento, não há que se cogitar na existência de obrigação alternativa. Ademais, a incerteza do objeto da obrigação tem de ser eliminada pela von­tade do credor, ou do devedor. Da mesma forma, se a determina­ção ocorre por circunstância alheia à vontade de qualquer das partes, a obrigação não é alternativa.

Não há obrigação alternativa quando o credor autoriza o devedor a lhe entregar um bem em substituição da quantia devi­da (dação em pagamento).

Na obrigação alternativa, o direito do credor recai sobre ambas as prestações, de modo que se uma delas se perder, íntegro permanecerá seu direito sobre a outra. Tal situação não ocorre na obrigação facultativa, podendo acarretar a extinção da obrigação se o devedor assim desejar.

A obrigação alternativa presume que a determinação das prestações seja feita por manifestação de vontade das partes (dinheiro ou carro, por exemplo).

Distanciam-se das obrigações cumulativas ou também deno­minadas conjuntivas, na medida em que nesta última todas as prestações devem ser solvidas, sem exclusão de qualquer uma delas, sob pena de não se haver por cumprida.

Da mesma forma, não se pode confundi-la com as obrigações de dar coisa incerta, embora tenham um ponto de grande seme­lhança, que é a escolha. Nas obrigações alternativas, há vários objetos, devendo a escolha recair em apenas um deles, ao passo que nas de dar coisa incerta, o objeto é único, apenas indetermi­nado quanto à qualidade.

O primeiro aspecto que requer cuidadosa análise no que concerne ao mecanismo da obrigação alternativa refere-se à de­terminação da pessoa a quem deve caber a escolha. Tanto pode

9 7

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

ser o devedor como o credor. Tal variação depende de estipula- ção, mas, não a havendo, a lei prescreve que a escolha cabe ao devedor (art. 252, CC).

Portanto, para que a escolha seja conferida ao credor é neces­sário que o contrato assim determine expressamente: “se outra coisa não se estipulou” (art. 252, caput, CC).

Vale lembrar que a opção de escolha pode ser transferida a terceiro, de comum acordo. Caso este esteja impossibilitado ou, simplesmente não queira aceitar tal incumbência, caberá ao juiz a escolha se as partes não firmarem novo acordo (art. 252, §4°, CC).

A escolha deve fazer-se mediante declaração de vontade receptícia. Somente quando a outra parte tem conhecimento da declaração é que se verifica a concentração do débito, ficando determinado, de modo definitivo, sem possibilidade de retratação unilateral, o objeto da obrigação. O efeito da escolha é ex nunc.

Nesse aspecto, do §1°, do art. 252 acima mencionado, depreen­de-se que não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra (v.g. se o devedor se obriga a entre­gar três pacotes de sal ou três de açúcar, não poderá exigir que o credor receba dois de sal e um de açúcar). Porém, quando a obri­gação for de prestações periódicas, a faculdade de opção poderá ser exercida em cada período ( v.g. poderá, o devedor, em um período, entregar somente os pacotes de açúcar e no outro somente os de sal, e assim sucessivamente - art. 252, §2°, CC).

A boa técnica contratual recomenda que o contrato firmado entre as partes estabeleça prazo para a opção. Caso não o faça, o devedor deverá ser notificado, para efeito de sua constituição em mora, em função da inexistência de termo final para tanto. A eventual mora não priva o devedor do direito de escolha, salvo convencionado diversamente entre as partes de que, nessa hipó­tese, o direito se transfere ao credor.

De acordo com o art. 894, CPC, quando a eleição competir ao credor e o contrato não fixar o prazo, será ele citado para fazê-lo em cinco dias ou aceitar que o devedor o faça.

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OBRIGAÇÕES QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO

No caso de pluralidade de optantes, não existindo acordo unâ­nime entre eles, o juiz decidirá, findo o prazo por este assinado para a deliberação (art. 252, §3°, CC).

O direito de escolha pode apresentar-se sob a forma de um dever. Incorre em mora quem não o exerce oportunamente.

Após a escolha das prestações, a obrigação alternativa81 passa a ser certa, já se sabendo qual o objeto da prestação (art. 252, CC).

► 14.3.1. Da impossibilidade das prestações

Aspecto interessante e que deve ser esclarecido é o referente a impossibilidade de cumprimento de uma ou de todas as presta­ções. Nesse contexto, o legislador definiu que se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada ine- xeqüível, “subsistirá o débito quanto à outra” (art. 253, CC). Trata-se de impossibilidade material.

Nesse aspecto da impossibilidade material, se apenas uma delas tornar-se impossível, a obrigação transformar-se-á em obri­gação simples, sendo alternativa apenas na aparência, ocorrendo a concentração da dívida na outra.

•1 Sobre o tema: “EXECUÇÃO - Honorários de advogado - Obrigação alternati­va com escolha a cargo do devedor - Débito, portanto, indeterminado - Impossibili­dade de valer-se o exeqüente do processo de execução por quantia certa para obter o pagamento em 24 horas, sob pena de penhora - Necessidade de observância do pro­cedimento previsto no art. 571, CPC, para constituição em mora” (RT 625/237); “EXECUÇÃO - Título extrajudicial - Nota promissória dada em garantia - Obriga­ção alternativa - Entrega de apartamentos pelo construtor ao vendedor do terreno ou pagamento do título - Imóveis hipotecados - Equivalência ao inadimplemento - Legi­timidade para a ação executiva - Embargos improcedentes” (RT 613/126); “Na obri­gação alternativa o devedor se exonera satisfazendo uma das prestações, cabendo-lhe a escolha se outra coisa não se estipulou” (RT 393/394); “Tratando-se de mercadoria com vício oculto, uma vez descoberto este pelo comprador, a este assistem dois cami­nhos: a ação redibitória ou a ação estimatória. Não pode o comprador pleitear perdas e danos sem a resilição do contrato” (RT 391/159); “Sem declaração expressa em con­trário, a escolha no cumprimento de obrigação alternativa cabe ao devedor, que deve para tanto ser notificado, se não houve fixação de prazo” (RT 164/278).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Por outro lado, caso a impossibilidade recaia sobre todas as prestações, “extinguir-se-á a obrigação”, por falta de objeto, sem ônus para o devedor, desde que não tenha culpa pela situação (art. 256, CC). Caso contrário, se houver culpa de sua parte, fica­rá obrigado a “pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar” (art. 254, CC).

Porém, se a escolha couber ao credor, pode este exigir o valor de qualquer das prestações, além das perdas e danos. Da mesma forma, se apenas uma das prestações se tornar impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação rema­nescente ou o valor da outra, acrescido de perdas e danos (art. 255, CC).

No caso de impossibilidade jurídica, por ilicitude do objeto, toda a obrigação fica contaminada de nulidade, sendo inexigíveis ambas as prestações.

M 14 .4 . O b r i g a ç ã o f a c u l t a t i v a

Ao devedor não é lícito substituir a prestação, mas excepcio­nalmente a faculdade de substituição lhe pode ser reservada no ato constitutivo da obrigação. Quando lhe assiste esse direito, a obrigação é chamada facultativa.82 O devedor pode desonerar-se, então, mediante a realização de uma outra prestação, sem neces­sidade de aquiescência posterior do credor.

A obrigação facultativa não vem prevista no Código Civil83 e sua caracterização, na prática, é sutil. A omissão legal do Código não significa inadmissibilidade. Pode ser constituída livremente, subordinada às regras gerais adaptáveis à sua estrutura. É aquela

82 GOMES, Orlando. Op. cit., p.76.83 O Código Civil argentino, ao contrário, disciplina o fenômeno das obrigações

facultativas, em seu art. 643> aduzindo que “obrigação facultativa é aquela que, não tendo por objeto senão que uma única prestação, dá ao devedor a faculdade de subs­tituir essa prestação por outra”.

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Page 115: Livro Teoria Geral Das Obrigações

OBRIGAÇÕES QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO

que tem por objeto uma só prestação e um só vínculo, com a faculdade de se liberar o devedor, executando outra em seu lugar.

Caracteriza-se pelo fato de o objeto (a coisa sobre o que a prestação consiste) ser único, mas ao devedor fica assegurada a possibilidade de substituí-lo por outro, quando a prestação (modo pelo qual será adimplida a obrigação) não puder ser cumprida sem que para isso tenha agido com culpa o devedor (v.g. “A” obri- ga-se a entregar um determinado automóvel “X” para “B” e o veí­culo vem a ser destruído por um raio. Ocorre a extinção da obri­gação, mesmo que o devedor possa, facultativamente, cumprir a prestação entregando outro veículo igual).

Caracteriza-se pela faculdade de substituição que assiste ao devedor. Seu exercício é irrestrito. Admitem alguns, como asseve­ra ORLANDO GOMES, a possibilidade de caber ao credor a faculdade alternativa. Teria assim direito a exigir a prestação que está in facultate solutione. Trata-se de hipótese com a qual, data venta, não compactuamos, porquanto descaracterizaria a obriga­ção facultativa, convertendo-a em alternativa.

Por fim, vale lembrar que a obrigação facultativa84 não se confunde com a dação em pagamento, uma vez que esta exige o

-1 Sobre a obrigação facultativa: “Consórcio - Contrato de adesão - Inexistência de cláusula de entrega exclusiva de veículos de um determinado fabricante - Avença contratual que estabeleceu obrigação facultativa - Escolha do consorciado de veículo de outro fabricante, através de notificação - Validade - Interpretação favorável ao ade­rente, com a eventual indenização por perdas e danos a ser apurada em liquidação - Ação declaratória de validade de cláusula contratual procedente” ( l2 TACSP - Proces­so 545241-4/00 - Apelação Cível - 5J Câmara - Rel. Sílvio Venosa - 19/4/95 - v.u.); “Embargos à execução - Vencimento antecipado da obrigação - Cláusula facultativa - Sucumbência - A cláusula que permite ao banco antecipar o vencimento das obriga­ções, caso venha a ser descumprido o contrato é meramente facultativa, não tendo o condão de impelir o banco a exigir o cumprimento da avença a partir do momento em que a parte deixa de efetuar o pagamento de uma das prestações - Considerando- se que o pagamento decaiu de parte mínima do pedido, as despesas e honorários devem ser suportadas pelo embargante, conforme dispõe o parágrafo único do art. 21 do CPC” (TAPR - Apelação Cível 70225800 - Pato Branco - 8a Câmara Cível - Juiz Lopes de Noronha - 20/12/94).

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Page 116: Livro Teoria Geral Das Obrigações

consentimento do credor. Da mesma forma, não se confunde com a cláusula penal, que constitui uma prefixação dos danos decorrentes do inadimplemento da obrigação.

TEORiA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

M 1 4 .5 . D e c a d ê n c i a d o d i r e i t o d e e s c o l h a

O Código Civil não dispôs nada sobre o prazo em que deve se efetuar a escolha, encontrando-se a matéria regulada pelo art. 571, CPC, que dispõe que

nas obrigações alternativas, quando a escolha couber ao devedor,

este será citado para exercer a opção e realizar a prestação dentro em

10 (dez) dias, se outro prazo não lhe foi determinado em lei, no con­

trato, ou na sentença.

Caso o devedor não cumpra a determinação judicial, esse direito de escolha passará ao credor (“decadência”).

Realmente, não pode o credor ficar, eternamente, aguardan­do que o devedor escolha o objeto da prestação e vice-versa, no caso de a escolha caber ao credor. A decadência de seu direito de escolha fica reconhecida plenamente no §1°, do referido art. 571, em que o não-exercício desse direito pelo devedor, o transfere ao credor.

1 4 .6 . I m p o s s ib il id a d e d e c u m p r im e n t o da o b r ig a ç ã o

Pode acontecer, entretanto, que somente um dos objetos da obrigação possa ser prestado. Observam-se, nesse caso, os princí­pios gerais relativos ao descumprimento das obrigações de dar e fazer. Nesse sentido, deve ficar evidenciada a existência ou não de culpa do devedor.

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Page 117: Livro Teoria Geral Das Obrigações

OBRIGAÇÕES QUANTO AO MODO DE EXECUÇÃO

Em se tratando de impossibilidade de cumprimento da obri­gação sem culpa do devedor, deve-se analisar se esta é parcial ou total. No primeiro caso, ou seja, em que apenas uma das alterna­tivas se destrói, dar-se-á a concentração do débito na outra, apli- cando-se a regra contida no art. 253, CC, “se uma das duas pres­tações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexeqüível, subsistirá o débito quanto à outra”.

No segundo caso (total), em que todas as alternativas se des- troem inexistindo culpa do devedor, aplica-se a regra do art. 256, CC, que define que “se todas as prestações se tornarem impossí­veis sem culpa do devedor, extinguir-se-á a obrigação”, retornan­do, assim, as partes ao estado anterior. Trata-se de situação em que se exaure a obrigação por falta de objeto.

Por outro lado, se a impossibilidade de cumprimento decor­rer de culpa do devedor, tem-se as seguintes situações, dependen­do da proporção, ou seja, se parcial ou total. Se parcial, aplica-se a regra do art. 255, Ia parte, CC, que preceitua que “quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impos­sível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a pres­tação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos...”; se total, devem ser aplicadas as regras dos arts. 254 ou 255, 2a parte, ambos do CC, que definem, respectivamente, “se, por culpa do devedor, não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar”, e “quando a escolha couber ao credor [...] se, por culpa do devedor, ambas as prestações se tornarem inexe- qüíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas, além da indenização por perdas e danos”.

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Page 118: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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Page 119: Livro Teoria Geral Das Obrigações

15Obrigações quanto

ao momento do adimplemento

Sob esse aspecto, em relação ao tempo, as obriga­ções podem ser:

1. Obrigação de execução instantânea (momentânea): são as que se consumam num só momento (v.g. compra e venda à vista), ou aquelas de dar uma determinada soma de dinheiro, mediante uma só prestação.

2. Obrigação de execução diferida: são aquelas em que o momento da entrega da prestação é postergado a um momento futuro (v.g. compra de bem median­te pagamento com cartão de crédito).

3. Obrigação de execução continuada (de trato sucessi­vo): são aquelas em que a execução se protrai no tempo (v.g. obrigação do locatário em pagar o alu­guel mensalmente).

A importância dessa distinção é incontestável, pois muito diferem os regimes que governam uma e outra

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Page 120: Livro Teoria Geral Das Obrigações

forma de obrigação, não só quanto a uma maior possibilidade de conflitos intertemporais de leis em relação às obrigações de exe­cução continuada, como no tocante à teoria da imprevisão e, fi­nalmente, no que se relaciona ao seu inadimplemento.85

A partir dessa rápida apresentação, a seguir, estuda-se cada uma delas.

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

M 1 5 .1 . O b r i g a ç ã o d e e x e c u ç ã o i n s t a n t â n e a

A obrigação instantânea (momentânea, transitória ou tran­seunte86) é aquela que se consuma num só ato em certo momento.

Exaure-se a prestação no primeiro momento de seu adimple- mento (v.g. quando adquirimos um livro pagando de imediato o preço respectivo; ou quando tomamos um ônibus e, ao passar­mos pela roleta, pagamos o bilhete de passagem, as respectivas obrigações [de pagar e entregar a mercadoria] consumam-se de imediato).

Percebe-se, portanto, que há uma completa exaustão da pres­tação logo no primeiro momento de seu adimplemento. Da mes­ma forma ROBERTO SENISE LISBOA entende tal espécie de obrigação como aquela que se realiza em uma só oportunidade.87

M 1 5 .2 . O b r i g a ç ã o d e e x e c u ç ã o d i f e r i d a

Quando for aperfeiçoado o contrato e, assim, constituída a obrigação, uma ou mais prestações devem ser cumpridas num momento futuro. Em outras palavras, não ocorre a execução ime­diata da obrigação, sendo a entrega da prestação diferida para um momento posterior.

85 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.76.86 DINIZ, Maria Helena. Op.cit., p. 126.87 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p.51.

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Page 121: Livro Teoria Geral Das Obrigações

OBRIGAÇÕES QUANTO AO MOMENTO DO ADIMPLEMENTO

É o que ocorre, por exemplo, quando adquirimos uma deter­minada mercadoria, efetuando o pagamento do preço, comprome­tendo-se o vendedor a entregar o bem no prazo de 30 (trinta) dias.

O mesmo raciocínio aplica-se no caso de aquisição de um bem para pagamento em 30 (trinta) dias, pois a obrigação de dar (pagar) será cumprida no futuro.

■ 1 5 .3 . O b r i g a ç ã o d e e x e c u ç ã oCONTINUADA (TRATO SUCESSIVO)

Ocorre sempre que as obrigações são caracterizadas pela prá­tica ou abstenção de atos reiterados, dando-se o seu adimplemen­to num espaço de tempo mais ou menos longo. É a que se protrai no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se mais ou menos ao longo do tempo.88

É o que ocorre, por exemplo, num contrato de locação, com a obrigação do locador de ceder ao inquilino, ao certo tempo, o uso e gozo do imóvel locado e, da mesma forma, com a obrigação do inquilino de pagar periodicamente o aluguel ajustado (arts. 565, 566, 569, II, CC, e Lei n. 8.245/91, arts. 22 e 23); ou, ainda, o que acontece nas vendas a prestações, quando o adquirente se obriga a pagar as parcelas do preço ajustado mês a mês; e nos contratos de fornecimento de mercadorias em quantidade pre­viamente ajustada, mas distribuída por várias partidas, como por exemplo, dez mil litros de álcool em cinco partidas semanais de dois mil litros cada uma. Nessa situação, o descumprimento da terceira prestação, por exemplo, não atinge as prestações já cum­pridas ( I a e 2a), já que seu adimplemento tem força extintiva.

Desses exemplos, é fácil depreender que a obrigação é única, existindo, porém, vários créditos, cada qual com sua própria prestação.

88 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 127.

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Page 122: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Nesta espécie de obrigação há maior probabilidade de confli­tos espaço-temporais, pois, relativamente ao seu inadimplemen­to, sobreleva o fato de que sua resolução será irretroativa todavia as prestações seriadas e autônomas ou independentes já cumpri­das não serão atingidas pelo descumprimento das demais presta­ções, cujo vencimento se lhes seguir, uma vez que o seu adimple­mento possui força extintiva.89

Isso quer dizer que, nos contratos de execução continuada, consideram-se as prestações seriadas e autônomas, que vez cum­pridas, não mais podem ser afetadas pelo inadimplemento das demais prestações, cujo vencimento se lhe seguiram (v.g. o loca- dor, cujo aluguel de um determinado mês não foi pago, embora possa ensejar a rescisão contratual por descumprimento da obri­gação, não pode exigir o pagamento dos locativos já realizados).

Em síntese, nos contratos de execução continuada, os efeitos do inadimplemento são, em regra, dirigidos ao cumprimento das obrigações futuras e não às prestações pretéritas.

89 Ibidem.

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OBRIGAÇÕES QUANTO AO MOMENTO DO ADIMPLEMENTO

A n o t a ç õ e s i m p o r t a n t e s

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Page 125: Livro Teoria Geral Das Obrigações

16Obrigações quanto aos

elementos acidentais

No que concerne aos elementos acidentais das obrigações, aplica-se idéia correspondente aos elemen­tos acidentais90 dos negócios jurídicos. Nessa classifica­ção, portanto, podem ser:

- obrigações puras;- obrigações condicionais;- obrigações modais;- obrigações a termo.

No estudo dos negócios jurídicos, observa-se quealguns casos podem apresentar os denominados “ele­mentos acidentais”: condição, termo e encargo. O Código Civil tratou desses elementos acidentais nos

90 Os elementos acidentais dos negócios jurídicos são aqueles que podem ou não compor o seu conteúdo, quer pela vontade das partes, quer por imposição legal.

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Page 126: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

arts. 121 a 137, disciplinando cada um desses elementos. São denominados elementos acidentais, pois o negócio jurídico se perfaz sem eles, subsistindo ainda que não haja sua estipulação.

Transpondo o raciocínio para o campo das obrigações, obser­va-se que existem algumas que não se sujeitam à condição, termo ou encargo; ou seja, não sujeitas a modificações negociadas pelas partes. São as obrigações puras e simples.

Outras existem, por exemplo, cuja estrutura comporta ele­mentos acidentais. São aquelas cuja eficácia está subordinada a uma condição (as obrigações condicionais), outras sujeitas a um encargo (as obrigações modais); e, outras cujos efeitos dependem de um acontecimento futuro e certo (as obrigações a termo).

1 6 .1 . O b r i g a ç ã o c o n d i c i o n a l

O conceito de obrigação condicional não difere do próprio conceito de condição, a qual, segundo o art. 121, CC, define-se como “a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.

Obrigação condicional é, portanto, aquela cujo efeito, total ou parcial, depende de um acontecimento futuro e incerto. Seus requisitos essenciais são: futuridade e incerteza.

Obrigações condicionais são aquelas que possuem cláusula subordinando o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto. Caso não se efetive o evento de que depende, a obrigação não se formará, por ter falhado o implemento da condição.91

Pode surgir numa relação obrigacional, definição de mais de uma condição. Nesse caso, há a necessidade de verificar se as obri­gações são cumulativas ou alternativas. No primeiro caso, será

91 C A M B LE R , Everaldo Augusto. Op. cit.» p.57.

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OBRIGAÇÕES QUANTO AOS ELEMENTOS ACIDENTAIS

necessário o adimplemento de ambas; no segundo, basta a reali­zação de uma delas.

As obrigações condicionais não se confundem com as aleató­rias, embora tenham em comum a incerteza e a futuridade, na medida em que na condicional, o evento não condiciona o prejuí­zo de uma das partes, condicionando a realização da própria obrigação; na aleatória, a incerteza recai sobre a extensão dos lucros e das perdas dos contratantes.

► 16.1.1. Condições ilícitas

Ilícitas são, em resumo, as condições que a lei veda expressa­mente. São elas, primeiramente, as condições impossíveis (“as que privarem de todo efeito o negócio jurídico) e, em segundo lugar, as condições potestativas (“ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”).

A impossibilidade, vale dizer, pode ser física ou jurídica (v.g. fisicamente impossível: a condição de só pagar o preço referente a um automóvel, se nunca vier a chover na cidade; juridicamente impossível: o condicionamento da eficácia do ato à prática de outro contrário à lei ou aos bons costumes).

► 16.1.2. Modalidades das obrigações condicionais

As condições92 da obrigação podem ser divididas quanto a:

92 Sobre a obrigação condicional: “Contrato - Bem móvel - Compra e venda de produção de safra de laranja - Nulidade - Inocorrência - Negócio condicional, volta­do para o futuro, subordinado a condições externas de mercado - Risco normal do negócio assumido conscientemente pelos autores - Fórmula pormenorizada de cálcu­lo do preço final da mercadoria previamente acertada - Inaplicabilidade da teoria da imprevisão, pois ausente circunstância extraordinária no fato do resultado ter sido diverso do pretendido - Observância ao princípio da força obrigatória do contrato livremente pactuado - Inexistência de impedimento para fixação do preço em moeda estrangeira desde que a obrigação seja liquidada em moeda nacional - Recurso não provido” (TJSP - Apelação Cível 262.762-1 - São Paulo - 7a Câmara de Direito Priva­do - Rel. Leite Cintra - 27/11/96 - v.u.).

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Page 128: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

1. Natureza: são resultado da manifestação da vontade das par­tes (voluntárias). Não são consideradas como tais aquelas situações que decorrem necessariamente da natureza do direito a que acedem (v.g. venda de um imóvel que se perfaz por escritura pública).

2. Modo de atuação: pode ser suspensiva e resolutiva. É suspensi- va aquela em que os contraentes subordinam a eficácia do negócio jurídico à realização de um evento futuro e incerto; isto é, quando a eficácia do negócio ficar protelada, tempora­riamente, até a realização de referido evento. Nesse caso a obrigação traduz, até o advento da condição, um direito even­tual, sem ação correspondente, gerando como conseqüências, por exemplo, a repetição do valor pago antes do advento da condição; não realizada a condição, extingue-se a obrigação; a existência da condição impede o curso da prescrição etc.É resolutiva quando o negócio jurídico vigora enquanto esta não se realiza, extinguindo-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe, verificada a condição. Percebe-se, pois, que seus efeitos são inversos aos da suspensiva, na qual a relação jurídica não gera efeitos até o implemento da condição.

1 6 .2 . O b r ig a ç ã o m o d a l

Tais obrigações encontram-se oneradas com um encargo, que impõe ao onerado o dever de empregar todos ou parte dos bens recebidos pela maneira e com a finalidade indicada pelo institui- dor, ou de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, de tal sorte que, se não existisse essa cláusula acessória, o onerado não estaria vin­culado a qualquer prestação.

É aquela obrigação que está sujeita a um modo ou encargo (impõe um ônus ao sujeito ativo da obrigação), que determina

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OBRIGAÇÕES QUANTO AOS ELEMENTOS ACIDENTAIS

uma oneração imposta à pessoa contemplada pela relação credi- tória.93 O beneficiário deverá cumprir o encargo, sob pena de se revogar a liberalidade.

A obrigação modal pode ter por objeto uma obrigação de dar, de fazer ou de não fazer, em favor de disponente ou de terceiro.

O modo, ou as obrigações modais não passam de um elemen­to acessório e exclusivo dos atos a título gratuito. Se um encargo fosse imposto num negócio oneroso, ele se converteria num con­trato cumulativo, e o encargo representaria uma contraprestação.94

O objeto de uma obrigação modal pode ser uma ação ou uma omissão, a favor do disponente, de um terceiro ou do próprio bene­ficiário. Neste último caso, o encargo toma forma de um conselho, e o seu inadimplemento é vazio de efeitos, pois não se pode admitir numa só pessoa a titularidade dos elementos débito e crédito.95

A inexecução do contrato determina a possibilidade da revo­gação da doação, desde que o donatário incorra em mora (art. 562, CC), sendo certo que o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral (art. 553, CC). Sendo desta última espécie, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não o tiver feito (art. 553, parágrafo único, CC). O mesmo princípio é aplicado aos legados96 (art. 1.938, CC).

1 6 .3 . O b r i g a ç ã o a t e r m o

A termo são as obrigações com tempo determinado, conheci­das, na jurisprudência romana, pelas expressões in diem , ex die,

93 CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p.59.91 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.95.95 Ibidem.96 Legado é coisa certa e determinada deixada a alguém, denominado legatário,

em testamento ou codicilo. Diferencia-se da herança uma vez que essa é a totalidade ou parte ideal do patrimônio do de cujus.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

ou ad diem debere. O termo, define GIORGI, é um evento não- incerto, ao qual as partes submetem o começo ou o término da execução do contrato. Pode ser suspensivo ou extintivo, mas, de qualquer modo, deve sempre ser certo, pois o termo incerto eqüi­vale a uma condição.

Termo é o elemento acidental cuja finalidade é suspender a execução ou o efeito de uma obrigação até um momento deter­minado, ou até um evento futuro e certo, qual seja o dia em que se inicia ou se extingue a eficácia do negócio jurídico.

O termo inicial (dies a quo) ou suspensivo é aquele que fixa o momento em que a eficácia do negócio deve iniciar, retardando o exercício do direito. O termo final (dies ad quem) ou extintivo é o que determina a data da cessação dos efeitos do ato negociai, extinguindo-se as obrigações dele oriundas.

A diferença entre termo e condição consiste na certeza do evento futuro que envolve o primeiro.

Dessa forma, as obrigações a termo podem ser:

- inicial: quando fixado o momento em que se inicia a eficácia do negócio, aplicando-se à espécie, a disciplina da condição suspensiva;

- final: quando determina a data da cessação dos efeitos do ato negociai, extinguindo as obrigações dele oriundas.

O termo também pode ser determinado ou indeterminado. O primeiro ocorre quando o contrato contém prazo preciso para a execução da obrigação; o segundo, quando o contrato, trazendo um prazo, torna a época do seu vencimento mais ou menos variá­vel ( v.g. pagarei quando puder).

A obrigação constituída sem prazo é exeqüível desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depen­der de tempo (art. 134, CC).

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Page 131: Livro Teoria Geral Das Obrigações

OBRIGAÇÕES QUANTO AOS ELEMENTOS ACIDENTAIS

A obrigação a termo97 só pode ser exigida depois de expirado o termo. Somente no dia seguinte ao de sua expiração é que o de­vedor pode ser compelido98 ao adimplemento da obrigação assu­mida. A obrigação constituída para cumprimento a termo certo dispensa a notificação ou a interpelação da mora do devedor, em caso de inadimplemento.

97 Sobre a obrigação a termo: “Direito Civil - Comodato a termo - Inexigibilida- de da interpelação ao comodatário para constituí-lo em mora - Aplicação do art. 960 do Código Civil - Recurso acolhido - O comodato com prazo certo de vigência cons­titui obrigação a termo, que dispensa qualquer ato do credor para constituir o deve­dor em mora (mora ex ré), nos termos do que dispõe o art. 960 do Código Civil” (STJ- Ac. REsp. 7 1 172/SP - 4a T. - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - Decisão: por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento - DJ 21/9/98); “Despejo - Infração contratual - Seguro contra incêndio - Omissão - Caracterização da mora - Notificação - Necessidade, se inexistente prazo para seu cumprimento - Aplicação do art. 960 do Código Civil. Se o ajuste inquilinário não fixa termo certo para o cumpri­mento da obrigação, impõe-se, à luz do disposto no art. 960 do Código Civil, a notifi­cação do inquilino a ensejar a constituição em mora do locatário no tocante à contra­tação do seguro contra incêndio” (2C TACSP - Apelação s/Rev. 475.587 - Ia Câmara - Rel. Juiz Souza Aranha - 3/3/97).

98 O exercício normal de um direito não caracteriza coação (v.g. protesto), con­forme estatui o art. 153, CC; porém, o seu exercício de forma anormal possibilita a identificação de vício do consentimento.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s i m p o r t a n t e s

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Page 133: Livro Teoria Geral Das Obrigações

17Obrigações quanto à

pluralidade de sujeitos

M 1 7 .1 . O b r i g a ç ã o d iv is ív e l e in d iv is ív e l

As obrigações divisíveis e indivisíveis se caracteri­zam pela multiplicidade de sujeitos; dessa forma, per­tencem à espécie das obrigações complexas ou com­postas. Natural que tal classificação somente ofereça interesse jurídico havendo pluralidade de credores ou de devedores, caso contrário a prestação deve ser cum­prida por inteiro, independentemente de ser divisível ou indivisível.

Nesta oportunidade, tratar-se-á das obrigações di­visíveis e indivisíveis como aquelas que se apresentam com pluralidade de sujeitos, entretanto, com divisibi- lidade ou indivisibilidade de objeto. É que ele deve ser repartido entre os sujeitos credores na relação jurídi­ca obrigacional ou entregue pelos sujeitos devedores.

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Page 134: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÒES

Aliás, CLÓVIS99 lembra que

a divisibilidade ou indivisibilidade das obrigações só aparece, em

toda a luz, e só oferece interesse jurídico, havendo pluralidade de cre­

dores ou cie devedores. Havendo unidade, nem mais de um devedor

obrigado a somente um credor, as obrigações são, em regra, indivisí­

veis, porque nem o credor é obrigado a receber pagamentos parciais,

nem o devedor a fazê-los, salvo se outra coisa for estipulada.

Quando na relação obrigacional concorrerem um só sujeito ativo (credor) ou passivo (devedor), diz-se que ela é única, ou seja, a obrigação é unitária. Por outro lado, quando um dos pólos dessa relação desdobra-se em várias pessoas, temos uma obriga­ção múltipla. Em geral, nesse caso, cada credor não pode exigir senão sua quota e, por outro lado, cada devedor responde apenas pela parte que lhe cabe.

Mas, existem situações em que essa regra pode sofrer altera­ções: trata-se das obrigações indivisíveis e obrigações solidárias.

O interesse jurídico do assunto, como vimos, é a possibilida­de de fracionar-se o objeto da prestação para ser distribuído entre os credores ou para que cada um dos devedores possa prestar uma parte desse objeto.

Dessa forma, as obrigações cujas prestações admitem cum­primento parcial são divisíveis; e aquelas, cujas prestações só conhecem cumprimento por inteiro, são indivisíveis.

Contudo, se muitos forem os credores ou os devedores, em face da divisibilidade do objeto da prestação, entre as mesmas par­tes far-se-á o concurso, o rateio, a divisão, cumprindo-se o precei­to contido no aforismo latino: concursu partes fiunt (as partes se satisfazem pelo concurso, pela divisão).100

99 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. 8.ed. São Paulo: Francisco Alves, 1954. p.68.

100 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. cit., p.98.

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OBRIGAÇÕES QUANTO À PLURALIDADE DE SUJEITOS

No que tange à indivisibilidade, cada um é obrigado pela dívida toda, em caso de pluralidade de devedores, ficando quem pagar sub-rogado em todos os direitos do credor. Por esse lado, analisando sob o aspecto do débito, forma-se um verdadeiro con­curso passivo.

► 17.1.1. Obrigação divisível

É aquela cujo objeto pode ser fracionado entre os sujeitos. A obrigação é divisível101 quando é possível ao devedor executá-la em parcelas, sem prejuízo de sua substância e de seu valor; indi­visível, no contrário.

MARIA HELENA DINIZ102 menciona que são divisíveis as obrigações previstas no Código Civil, nos arts. 252, §2°, 455, 776, 812, 830, 831, 858,1 .266,1 .272, 1.297,1.326,1.968, 1.997 e 1.999, pois comportam cumprimento fracionado.

As obrigações que comportam divisão ou fracionamento são divisíveis, salvo convenção ou lei em sentido contrário. Vale dizer que a divisibilidade é de caráter econômico e não material ou técnico.

O art. 258 do Código Civil proclama que “a obrigação é indi­visível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”.

Sendo assim, se duas pessoas comprometem-se a entregar à outra quatro sacas de arroz, a obrigação é divisível, devendo cada

101 Sobre a obrigação divisível: “Nota promissória/protocolo - Ação de cobrança. 1 - Obrigação é divisível, quando o objeto da prestação é soma de dinheiro, suscetível de cumprimento parcial. 2 - Correção monetária - Incide a partir da data do venci­mento do título. Sum. 43. 3 - Honorários advocatícios. São distribuídos e compensa­dos, se cada litigante foi em parte vencedor e vencido, art. 21, CPC” (STJ - Ac. REsp. 4 1 109/SP - 3a T. - Rel. Min. Nilson Naves - DJ 3/8/98, p.218).

]0: DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 144.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

qual duas sacas. No caso de obrigarem-se a entregar um livro, a obrigação é indivisível, pois não podem fracioná-lo.

O Código Civil, no art. 87, define que “bens divisíveis são os que se podem fracionar sem a alteração de sua substância, dimi­nuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se desti­nam”. Percebe-se que o sentido é o mesmo das obrigações divisí­veis (v.g. dividindo um animal ao meio, não teremos dois animais completos; o mesmo não acontece com um litro de água que, se dividido, constituirá dois todos perfeitos).

As principais regras das obrigações divisíveis são:103

a) cada um responde pela sua parte correspondente;b) o credor pode cobrar de cada um a sua parte correspondente;c) na multiplicidade de devedores ou credores, há presunção

legal relativa de divisibilidade (concursu partes fiunt);d) tratando-se de codevedores, a insolvência de um não torna os

demais responsáveis pela quota.

As obrigações de dar são divisíveis quando:

- voluntariamente o objeto da prestação é a soma de di­nheiro ou de outra quantidade;

- voluntariamente compreende as coisas indeterminadas iguais em número com a quantidade de co-credores.

As obrigações de fazer, por outro lado, são divisíveis quando fixadas por quantidade ou duração temporal de trabalho.

No que se refere às obrigações de não fazer, são divisíveis quando a abstenção pode ser realizada por partes.

A obrigação divisível não traz em seu bojo nenhum proble­ma, por ser um modo normal de solução da prestação e pelo fato de a multiplicidade de devedores e de credores não alterar a rela­

103 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p. 103.

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OBRIGAÇÕES QUANTO A PLURALIDADE DE SUJEITOS

ção obrigacional, visto que há presunção juris tantum de que está repartida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos forem os credores ou os devedores (art. 257, CC). Cada um dos devedo­res se libera do vínculo pagando sua parte, e cada um dos credo­res nada mais poderá exigir, desde que receba sua quota na pres­tação da relação creditória, pois só pode reclamar sua fração no crédito. Na hipótese de extinção do débito por remissão, transa­ção, novação, compensação ou confusão, tal extinção, limitado o direito do credor a receber pro rata, operar-se-á tão-somente a cada quota-parte, subsistindo relativamente aos demais.104

► 17.1.2. Obrigação indivisível

O objeto da prestação pode ser coisa indivisível ou divisível. Via de regra, isto não tem importância, porque o credor não pode ser obrigado a receber por partes a dívida. Nada impede, por outro lado, que aceite o pagamento parcelado, ou o estipule.

Percebe-se, portanto, que o fracionamento da prestação divi­sível não oferece dificuldade, se não há pluralidade de credores ou de devedores. A indivisibilidade da prestação também só interes­sa nas obrigações que têm mais de um credor ou de um devedor.

A prestação pode ser indivisível por:a) natureza (indivisibilidade natural): decorre da própria materialidade da coisa ou da natureza do direito;b) acordo de vontades ( indivisibilidade intelectual): também denominada convencional, resulta da vontade dos sujeitos da relação obrigacional, sendo, pois, meramente artificial;c) sua própria finalidade: prestações que, embora divisíveis, devem ser satisfeitas integralmente, a fim de que o interesse do credor possa ser atendido; é a individuitatis solutionem tantum;d) motivo judicial: decorre da determinação do juiz;e) motivo legal: surge por disposição de lei.

104 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 147-8.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

O art. 88, CC, também possibilita que um determinado bem, naturalmente divisível, seja transformado em indivisível por von­tade das partes (v.g. crédito de mil reais) ou por determinação legal (v.g. Lei de parcelamento do solo urbano que define a me­tragem mínima de lotes em áreas urbanas).

Transpondo tal entendimento para o direito obrigacional, tem-se que a obrigação indivisível é aquela cuja prestação é indi­visível. Por óbvio, a obrigação divisível é aquela cuja prestação é divisível. Sendo assim, indivisíveis são aquelas cujas prestações somente por inteiro podem ser cumpridas; e, divisíveis, o inverso.

Interessante questão surge quando a obrigação for múltipla (vários credores e devedores). Podemos identificá-la ao imaginar­mos a aquisição de um animal por mais de uma pessoa. Com quem ficará? Como o devedor se livraria da obrigação? Deveria entregar o animal a todos ou se liberaria entregando a qualquer um deles?

Quando a obrigação é divisível, não há problemas, uma vez que cada credor o é de uma parte certa, sendo o mesmo raciocí­nio aplicado ao se analisar o devedor. Presume-se esta dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores, ou devedores (art. 257, CC).

No que se refere às obrigações indivisíveis, aplica-se o dispos­to no art. 258, CC, já anteriormente mencionado.

Havendo pluralidade de devedores, de cada um deles pode ser exigida a dívida toda (art. 259, CC), pelo fato de que o objeto não pode ser dividido, sob pena de perecer. Sendo assim, aquele que paga a dívida na sua integralidade sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados (art. 259, parágrafo único).

Em caso de vários serem os credores, cada um deles poderá exigir a dívida em sua integralidade, mas os devedores serão deso­brigados, pagando a todos conjuntamente; a um, dando caução de ratificação dos outros credores (art. 260, CC). Caso um só re­ceba a prestação por inteiro, “a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total” (art. 261, CC).

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OBRIGAÇÕES QUANTO À PLURALIDADE DE SUJEITOS

Mas, e se o credor que receber a quantia desaparecer com o dinheiro?

Aplica-se, nesse caso, o estatuído no art. 260, II, CC. Caução é garantia por meio de um bem (caução real) ou de fiança (cau­ção fidejussória), de que os outros credores receberão suas partes. Caso não seja prestada caução, aplica-se o art. 260, I, CC, e o devedor só poderá pagar “a todos conjuntamente”. Se pagar a um único, arrisca-se a ter de pagar de novo aos demais.

A remissão da dívida é tratada pelo art. 262, CC. Remissão é perdão da dívida, dado pelo credor ao devedor. Mas, se um único credor perdoou a sua parte, esse perdão não se estende aos demais e, sendo a obrigação indivisível, deve ser prestada em dinheiro. De acordo com o referido artigo, “se um dos credores remitir a dívi­da, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente”.

A expressão “descontada a quota do credor remitente” sofre, pela doutrina, algumas críticas que nos parecem acertadas, na medida em que se trata de situação impossível nos casos de pres­tação de coisa indivisível. Para estes doutrinadores, o correto seria o emprego da expressão “reembolsando o devedor pela quota do credor remitente”. Na seqüência, aduz o parágrafo único do alu­dido dispositivo que “o mesmo critério se observará no caso de transação, novação, compensação ou confusão”.

Opera-se, portanto, a extinção parcial da obrigação, quando um dos credores faz remissão da dívida ou consente em receber outra prestação em lugar da originária. Subsiste para os outros credores, que, todavia, só podem exigir a prestação deduzida a quota do credor remitente.

A indivisibilidade cessa caso a coisa tenha se perdido ou se deteriorado. A obrigação se converte em perdas e danos, caso o perecimento decorra de culpa do devedor, conforme previsto no art. 263, CC. No lugar do objeto desaparecido, o devedor entrega­rá seu equivalente em dinheiro, mais perdas e danos. Dessa forma, o objeto, inicialmente indivisível, ao se transformar em dinheiro,

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

pode ser dividido. Sendo a culpa atribuível a todos os devedores, esses serão, conjuntamente, responsabilizados por partes iguais (art. 263, §1°, CC). Caso a culpa seja atribuída a um só dos devedo­res, somente sobre ele recairá a responsabilidade pelas perdas e danos, exonerando-se os não-culpados, que responderão, entretan­to, pelo pagamento de suas respectivas quotas (art. 263, §2°, CC).

Em outras palavras, as obrigações indivisíveis deixam de o ser quando se resolvem em perdas e danos, em casos de perecimento com culpa do devedor (art. 263, CC). No lugar do objeto desapare­cido, o devedor entregará seu equivalente em dinheiro, mais perdas e danos. Dessa forma o objeto, transformado em dinheiro, pode ser dividido. Havendo culpa de todos os devedores, estes responderão em partes iguais (art. 263, §1°); mas, se de um só, os outros ficam exonerados, concentrando-se nele a responsabilidade pelo pagamen­to das perdas e danos, permanecendo os demais devedores responsá­veis pelo pagamento de suas respectivas quotas (art. 263, §2°).

O interesse prático do conhecimento das regras sobre obriga­ções indivisíveis105 manifesta-se, principalmente, no Direito das Sucessões.

M 17 .2 . O b r i g a ç ã o s o l i d á r i a

As obrigações solidárias requerem a existência de uma obri gação múltipla (mais de um credor ou devedor).

105 Sobre as obrigações indivisíveis: “Seguro relacionado a acidente de trânsito - Ação ordinária de cobrança - Interesse de agir - Filha menor do acidentado - Tercei­ros que não figuram na relação processual como litisconsortes. Resolvida a parte rela­tiva à legitimidade da parte ativa da autora da demanda e o rito processual adotado, a questão sobre a divisibilidade ou indivisibilidade da prestação define-se com a obriga­ção de se fazer o depósito integral, nos termos do art. 893 do Código Civil. Não se tra­tando de obrigação divisível, quanto ao seguro, cabe ao autor da ação receber a pres­tação por inteiro, como credor, ressalvando-se a cada um dos outros credores exigir dele, em dinheiro, a parte que lhe caiba no total” (TJPR - Ac. 5510 - Ap. Cível - Lon­drina - Rel. Ossian Franca - 3a Vara Cível - 2a Câmara Cível - 2/6/88).

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OBRIGAÇÕES QUANTO A PLURALIDADE DE SUJEITOS

Consiste naquela obrigação em que se tem direito ou se é obri­gado à dívida toda. Diferencia-se da obrigação indivisível na me­dida em que nesta as prestações não se dividem, embora cada de­vedor responda somente pela sua parte.

Caracteriza-se pela coincidência de interesses, para satisfação dos quais se correlacionam os vínculos constituídos. Nessa moda­lidade de obrigação (solidária), devedores ou credores estão uni­dos para conseguir o mesmo fim; a idéia desse fim comum é tão necessária, que, se faltar, não haverá solidariedade.106

Nessa espécie de obrigação (solidária), existindo mais de um devedor, cada qual responde pela dívida na sua integralidade, como se o único fosse.107 Ao credor é facultado escolher qualquer deles e compeli-lo a solver a dívida toda. Por outro lado, se a plu­ralidade for de credores, pode qualquer deles exigir a prestação integral, como se fosse o único com direito sobre o pagamento. Preceitua o art. 264, CC, que “há solidariedade, quando na mes­ma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um deve­dor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”.

Essa definição de solidariedade oferecida pelo nosso legisla­dor indica que na mesma obrigação, concorrendo pluralidade de credores ou de devedores, qualquer um desses é obrigado à dívi­

106 GOMES, Orlando. Op. cit., p.óO.107 Sobre a solidariedade: “A extensão do benefício do art. 169 do Código Civil aos

demais interessados, nos termos do art. 171, está na dependência da solidariedade entre os credores e da indivisibilidade do objeto da obrigação” (RT 468/60); uO dono do veí­culo que o entrega para consertos à oficina sem condições econômicas para responder por prejuízos a terceiros, é, nesse caso, solidário com o proprietário da oficina, em face do art. 1.521, III, do Código Civil” (RT 485/94); “O construtor e o dono da obra res­pondem pelos danos causados a prédio vizinho” (RT 486/92); “Se a mulher do fiador se obrigou solidariamente, a morte daquele não extingue a fiança” (RT 463/138); “O proprietário do veículo responde pelos atos culposos de terceiro, se a este entregou livremente a sua direção, seja seu empregado ou não. Responde, destarte, pelos danos que esse terceiro causar a outrem” (RT 397/150); “O principal efeito da solidariedade passiva é vincular os devedores de tal forma que cada um deles se torne obrigado para o credor ao cumprimento integral da prestação. Assumindo o fiador responsabilidade até a entrega das chaves, subsiste ela após o prazo contratual” (RT 474/207).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

da toda, ou qualquer um daqueles pode exigi-la por inteiro. Por­tanto, a solidariedade, como acontece na indivisibilidade, só se localiza onde há vários sujeitos passivos, ou vários credores e vários devedores simultaneamente.

A natureza da obrigação solidária é controvertida. Inclinam- se alguns para a tese da unidade, e outros, que compõem a maio­ria, para a da dualidade de vínculos. Os adeptos da primeira tese entendem existir somente um vínculo (entre credor e devedor). Para os pluralistas, há tantos vínculos quantos devedores, ou cre­dores, unidos pela identidade de objeto e da causa.

No final, o objetivo de ambas as teorias é único, qual seja, qualquer dos devedores pode ser compelido ao atendimento inte­gral do débito.

Entre nós, a doutrina pende para a tese da unidade, na supo­sição de que é imprescindível, à unidade objetiva da prestação, obrigação única com pluralidade de sujeitos. Vale realçar que a filiação a uma ou outra corrente doutrinária traz conseqüências, não sendo irrelevante, pois, a posição adotada.108

O Código Civil adotou a teoria da unidade, como se infere da leitura dos arts. 265, 266 e 275, nos quais se refere à mesma obri­gação e à dívida comum, sem embargo de aceitar conseqüências da tese pluralista.

Solidariedade, como visto, é o vínculo que, na mesma relação jurídica obrigacional, liga vários credores ou vários devedores, cada um com direito ou com obrigação à coisa toda.

► 17.2.1 Espécies de solidariedade

a) solidariedade ativa: pluralidade de sujeitos no pólo ativo;b) solidariedade passiva: pluralidade de sujeitos no pólo passivo;c) solidariedade mista: pluralidade de sujeitos em ambos os pólos.

108 G O M E S, Orlando. Op. cit., p.60.

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OBRIGAÇÕES QUANTO À PLURALIDADE DE SUJEITOS

As obrigações solidárias, ativa ou passivamente, sujeitam-se a algumas regras comuns. A principal consiste no postulado de que a solidariedade só se manifesta nas relações externas, ou seja, nas que se travam entre os credores solidários e o devedor ou en­tre os coobrigados e o credor. Entre os sujeitos que se encontram do mesmo lado, forma-se também uma relação, denominada interna.

A diferença crucial dessas relações consiste em que, enquan­to nas relações externas cada credor solidário tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro ou cada coobrigado pode ser compelido a satisfazer parcial ou totalmen­te a prestação, na relação interna as obrigações dividem-se entre os vários sujeitos.

ORLANDO GOMES exemplifica mencionando que o deve­dor que pagou a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos coobrigados sua quota, presumindo-se iguais as partes cor­respondentes a cada qual, se não houver, para o rateio, estipulação em contrário. Se vários devedores se obrigaram solidariamente a pagar quantia de cem mil reais, o credor pode exigi-los integral­mente de um só, mas o que pagou tem direito regressivo contra os outros para haver o que a eles cabe proporcionalmente.

Outra regra comum é a de que o pagamento feito ou recebi­do por um dos sujeitos extingue a obrigação. Do mesmo modo, o pagamento de parte da dívida determina sua redução, favorecen­do ao que pagou e aproveitando aos demais até a concorrência da importância paga.

► 17.2.2. Solidariedade ativa

O concurso de credores na mesma obrigação, tendo todos o mesmo direito à dívida por inteiro, configura a solidariedade ativa.109

,()y Ibidem, p.64.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Nessa espécie, portanto, concorrem dois ou mais credores, podendo qualquer deles receber integralmente a prestação devi­da (art. 267, CC). O devedor, a seu turno, libera-se da obrigação efetuando o pagamento a qualquer deles, que, por sua vez, paga­rá aos demais a quota de cada um.

Enquanto alguns dos credores solidários não demandar o de­vedor comum, a qualquer daqueles poderá este pagar (art. 268, CC). Extingue-se esse direito, porém, se um dos credores já ingres­sou em juízo com ação de cobrança, por exemplo, pois só a ele o pagamento deverá ser efetuado. Há de se lembrar que o pagamen­to realizado a um dos credores solidários, por imposição legal, extingue a dívida até o montante do que foi pago (art. 269, CC).

No caso de falecimento de um dos credores solidários, com herdeiros, cada um destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível (art. 270, CC). Percebe-se, portanto, que os herdeiros não podem exigir o crédito integralmente, mas apenas a própria quota no crédito solidário de que o falecido era titular, juntamente com outros credores.

A transformação da prestação em perdas e danos faz subsis­tir, para todos os efeitos, a solidariedade (art. 271, CC). O credor que tiver remitido a dívida ou recebido o pagamento responderá aos demais pela parte que lhes couber (art. 272, CC).

A solidariedade ativa apresenta alguns inconvenientes de ordem prática, que se produzem em razão da disciplina a que está subordinada sua relação interna. Paga a dívida toda a um dos cre­dores, os demais tornam-se dele credores, competindo-lhe rateá- la entre os demais. O risco de que não queira ou não possa fazer a divisão da quantia recebida determina a raridade da solidarieda­de ativa.

Mas essa não é a única desvantagem. Estabelecida a solidarie­dade, não podem os credores voltar atrás; nenhum deles poderá, unilateralmente, a pretexto de que se arrependeu ou alegando perda de confiança, revogar ou suprimir a solidariedade. Só a

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OBRIGAÇÕES QUANTO A PLURALIDADE DE SUJEITOS

conjugação de todas as vontades, sem exclusão de uma sequer, proporcionará semelhante resultado.110

Caracteriza-se pelo direito conferido a cada um dos credores solidários de exigir do devedor o cumprimento integral da obri­gação.

Cabe ao devedor a escolha do credor, a menos que um deles haja exercido a pretensão, propondo a ação de cobrança. Neste caso, opera-se a prevenção judicial, não podendo o devedor pagar senão ao credor que o acionou.

É importante, porém, que a ação já tenha sido proposta, uma vez que as medidas preventivas ou preparatórias não têm esse efeito preventivo.

Embora possa surgir por determinação legal, advém, basica­mente, da vontade das partes, uma vez que o direito brasileiro prevê um único caso de solidariedade ativa ex lege, constante no art. 12 da Lei n. 209, de 2 de janeiro de 1948, que dispõe sobre a forma de pagamento dos débitos dos pecuaristas.

As hipóteses mais comuns, como visto, decorrem dos negó­cios jurídicos, especialmente os bancários de conta conjunta e de depósito conjunto em cofre de segurança. Pelo primeiro, dois ou mais depositantes têm assegurado o direito de movimentar a conta comum, sacando o que lhes aprouver. O mesmo raciocí­nio aplica-se ao depósito de valores ou jóias em cofres de segu­rança.

► 17.2.3. Solidariedade passiva

A solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265, CC). A solidariedade passiva surge sempre que mais de um devedor concorrer na mesma obrigação, cada um adstrito ao pagamento da dívida toda.

110 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obri­gações. 32.ed. vol.4. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 172.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Estabelecida a solidariedade passiva pela lei ou pela vontade das partes, o credor tem o direito a exigir e receber de qualquer dos devedores a dívida comum, podendo reclamá-la no todo ou em partes “de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto”. Com efeito, o pagamento parcial efetuado por um dos deve­dores só aproveita aos demais até a concorrência da quantia paga.

Embora o texto legal refira-se à possibilidade de o credor exi­gir de um ou alguns dos devedores, fato é que pode exigir de todos os devedores, sendo esta uma característica da solidariedade pas­siva. Além disso, o parágrafo único do art. 275, CC, dispõe que “não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores”.

A escolha cabe ao credor. A pretensão pode ser exercida, pelo que se percebe, contra todos os devedores ou contra alguns, se o credor não quiser dirigi-la apenas contra um. Claro é que o pagamento total extingue a solidariedade, pois encerra a própria obrigação.

É importante mencionar que qualquer alteração posterior ao contrato, estipulada entre um dos devedores solidários e o credor, que possa agravar a situação dos demais, somente será conside­rada válida e eficaz com a concordância destes (art. 278, CC).

A impossibilidade da prestação, sem culpa dos devedores, tam­bém extingue a obrigação. Caso seja apurada a culpa de todos, responderão pelo equivalente em dinheiro, mais perdas e danos; sendo a culpa atribuída a somente um dos devedores solidários, “subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado” (art. 279, CC), uma vez que a culpa é pessoal.

O devedor escolhido poderá, conforme o caso, opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais (v.g. incapacidade etc.) e as comuns a todos (v.g. ilicitude do objeto), não lhe aproveitando as exceções pessoais de outro co-devedor (art. 281, CC).

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OBRIGAÇÕES QUANTO A PLURALIDADE DE SUJEITOS

A renúncia ao crédito, pelo credor, é permitida pelo art. 282, CC, o qual reza que “o credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns ou de todos os devedores”. Caso a renún­cia seja total, cada devedor responderá somente pela sua quota; se parcial, permanecerá solidária entre os outros e específica ao devedor beneficiário.

O art. 283, CC, estatui que

o devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de

cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por

todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito,

as partes de todos os co-devedores.

Por outro lado, se a dívida interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar (art. 285, CC).

No que tange à relação interna, rege-se pelo princípio de que o devedor que paga tem direito regressivo contra os demais, para haver, de cada qual, a parte que lhe corresponde da obligatio.

Permite-se que o credor renuncie à solidariedade em favor de um, alguns ou todos os devedores. Trata-se de circunstância in­tuitiva, haja vista que a solidariedade constitui garantia, e toda garantia pode ser dispensada."1

► 17.2.4. Solidariedade mista

As solidariedades ativa e passiva, embora tenham sido anali­sadas de forma isolada, nada obsta que existam de forma conco­mitante no mesmo contexto obrigacional. Trata-se da solidarie­dade mista ou recíproca.

111 G O M E S, Orlando. Op. cit., p.67.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Verifica-se a solidariedade mista quando concorrem na mes­ma obrigação vários credores e vários devedores. Há pluralidade de sujeitos, tanto do lado ativo como do passivo.

Vale mencionar que não é prevista na lei, nada impedindo que se constitua pela vontade das partes. Submete-se, intuitiva­mente, às regras que regulam a solidariedade ativa e passiva, apli­cáveis respectivamente.

► 17.2.5. Elementos da obrigação solidária

a) pluralidade de sujeitos;b) unidade de prestação (a responsabilidade ou o direito recai

sobre a dívida toda);c) multiplicidade de vínculos;d) co-responsabilidade dos interessados (razão pela qual o paga­

mento efetuado por um dos devedores extingue a obrigação com relação aos demais, subsistindo o direito de regresso, e o recebimento por um dos credores acarreta a extinção dos direitos dos demais).

► 17.2.6. Origem da solidariedade

Considerando o fim para que se constitui a solidariedade, a lei declara que não se presume. Para uma obrigação ser solidária é preciso que as partes, ou a lei, assim o definam, de modo expres­so. Deriva, portanto, da vontade das partes (convencional) ou da lei (legal). A solidariedade convencional não exige forma especial, bastando que resulte inequivocamente da manifestação explícita ou implícita da vontade das partes.

A solidariedade legal decorre de comando normativo expres­so (v.g. art. 585, CC; art. 829, CC; art. 942, CC).

São fontes da solidariedade o negócio jurídico e a lei. Decorre desse ponto a distinção entre solidariedade negociai ou contratual e solidariedade legal.

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OBRIGAÇÕES QUANTO À PLURALIDADE DE SUJEITOS

A solidariedade não precisa ser estabelecida contemporanea- mente à formação da relação jurídica, nem é necessário que se expresse no mesmo instrumento. Não somente se admite sua constituição por ato posterior, como também por ato separado, conforme se verifica, por exemplo, no endosso.

17.2.7. Análise comparativa entre obrigação solidária e indivisível

Obrigações solidárias e indivisíveis revestem-se de um aspec­to comum: ambas representam exceção à regra geral de que uma obrigação, tendo por titulares mais de um sujeito ativo ou passi­vo, se reputa dividida, quer no sentido passivo, quer no ativo, entre tantas partes quantos forem os credores ou devedores. Por conseguinte, indivisibilidade e solidariedade consistem em uma exceção; por isso, esse princípio geral de divisibilidade muitas vezes importa numa desproporção ao credor.112

A solidariedade assemelha-se à indivisibilidade, na medida em que em ambos os casos o credor pode exigir de um só dos devedores o pagamento da totalidade do objeto devido; existe uma pluralidade subjetiva e uma unidade objetiva. Na indivi­sibilidade, como se vê do art. 259, CC, “havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obriga­do pela dívida toda”, e, “se a pluralidade for de credores, pode­rá cada um destes exigir a dívida inteira” (art. 260, CC). Na solidariedade, repete-se a mesma situação, conforme dispõe o art. 264, CC, que

há solidariedade, quando na m esm a obrigação con corre m ais de um

credor, ou m ais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado,

à dívida toda.

112 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 120.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Diferem, no entanto, por inúmeras razões, entre as quais, des­tacam-se:

a) quanto à fonte: a solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes, ao passo que a indivisibilidade decorre, principal­mente, da própria natureza da prestação;

b) quanto à extinção: extingue-se a solidariedade com o faleci­mento de um dos co-devedores ou de um dos co-credores. Já na indivisibilidade, o óbito de um dos co-credores ou co-deve- dores não tem o condão de alterar a situação jurídica, de modo que a obrigação indivisível continuará como tal, poden­do o herdeiro exigir o débito por inteiro;

c) quanto a perdas e danos: a solidariedade perdura mesmo que a obrigação se converta em perdas e danos (art. 271, CC); ao passo que na indivisibilidade, tal característica não persiste quando convertida em perdas e danos (art. 263, CC);

d) quanto às conseqüências do inadimplemento: na obrigação soli­dária, havendo inadimplemento, todos os devedores respon­dem pelos juros moratórios, ainda que a ação tenha sido pro­posta somente contra um deles, mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida (art. 280, CC); enquanto na obrigação indivisível, só o co-devedor culpado responde pelas perdas e danos, ficando exonerados os demais (art. 263, CC);

e) quanto à prescrição: na solidariedade, a interrupção da pres­crição aberta por um dos credores solidários aproveita aos outros e aquela efetuada contra um devedor solidário envol­ve os demais e seus herdeiros; em geral, isso não ocorre no caso de obrigação indivisível.

Para alguns doutrinadores e juristas, a solidariedade é conse­qüência da indivisibilidade da obrigação.113

113 Sobre o tema: “Os bens da herança, por força do art. 1.580 do Código Civil, são indivisíveis, e da indivisibilidade decorre a solidariedade ativa entre os herdeiros, aliás,

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OBRIGAÇÕES QUANTO A PLURALIDADE DE SUJEITOS

► 17.2.8. Extinção da solidariedade

A solidariedade, quer ativa, quer passiva, pode desaparecer. A solidariedade ativa extingue-se pela renúncia dos credores ao vín­culo entre eles existente, em conseqüência do que cada um deles passará a ter direito apenas à sua quota-parte. Os credores pode­rão, portanto, abrir mão da solidariedade da mesma forma que a criaram, ou seja, convencionalmente.

Há uma hipótese legal, contudo, na qual o vínculo da solida­riedade, embora não desapareça, fica irregular."'1 É a hipótese do art. 270, CC, que aduz:

se um dos credores solidários falecer deixando herdeiros, cada um

destes só terá direito a exigir e receber a quota do crédito que cor­

responder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indi­

visível.

Nesse caso, a solidariedade somente desaparece para os her­deiros do falecido credor, persistindo essa espécie de vínculo para os credores solidários sobrevivos. Por outro lado, os herdeiros em questão, conjuntamente, são tratados como o credor falecido; po­dem todos eles, em conjunto, exigir a dívida toda.

Em se tratando de solidariedade passiva, a solidariedade de­saparece com o óbito de um dos devedores, em relação a seus her­deiros, passando a responder, cada um, pela sua quota-parte cor­respondente a seu quinhão hereditário. Além disso, pode ocorrer a extinção pela renúncia total ou parcial do credor.

Em relação à primeira hipótese (morte de um dos devedores solidários), deixando herdeiros

como se percebe do art. 1.782 e parágrafo único do mesmo diploma, em que se prevê que a sentença proferida em ação de sonegados, movida por qualquer dos herdeiros, ou credores, aproveita os demais interessados” (RT 469/61).

114 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 144.

1 3 7

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

nenhum destes será obrigado a pagar senão a quota que correspon­

der ao seu quinhão hereditário, salvo se a obrigação for indivisível;

mas todos reunidos serão considerados com o um devedor solidário

em relação aos demais devedores (art. 276, CC).

Os herdeiros, portanto, serão responsáveis apenas por sua quota na dívida. Conjuntamente, serão considerados um único devedor.

Em relação à segunda hipótese (renúncia), o art. 282, CC, define que

o credor pode renunciar à solidariedade em favor de um, de alguns

ou de todos os devedores.

Parágrafo único. Se o credor exonerar da solidariedade um ou

mais devedores, subsistirá a dos demais.

Renunciar é abdicar de direitos. Todos aqueles plenamente capazes podem fazê-lo. Deve a renúncia ser cabal. Pode ser expres­sa, quando o credor declara que não mais deseja receber o crédito, ou que, no caso, abre mão da solidariedade. Pode ser tácita, quan­do, na falta de declaração expressa, a atitude do credor é incompa­tível com a continuidade da solidariedade (v.g. o caso do credor receber parcialmente do devedor e dar-lhe a quitação total).115

1,5 Ibidem, p. 145.

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OBRIGAÇÕES QUANTO A PLURALIDADE DE SUJEITOS

A n o t a ç õ e s i m p o r t a n t e s

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18Obrigações quanto

ao conteúdo

O sujeito ativo da relação jurídica obrigacional tem o direito de exigir a entrega da prestação a que se obri­gou o sujeito passivo. Nesse ponto, surge a necessidade de se verificar se a prestação consistiria apenas numa atividade ou também em um resultado dessa atividade.

Essa distinção impacta diretamente o descumpri­mento das obrigações. Para algumas, basta o credor provar que houve inadimplemento da obrigação, sem ter que se provar a culpa do devedor. Para outras, no entanto, cumpre ao credor provar que o devedor não se comportou bem no cumprimento obrigacional.

Com a finalidade de precisar o exato objeto ime­diato da obrigação, podemos distinguir as obrigações em obrigações de meio e obrigações de resultado, além das obrigações de garantia, que, para alguns, podem ser consideradas uma subespécie das obrigações de meio.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

M 18 .1 . O b r i g a ç ã o d e m eio

Nas obrigações de meio, o que se exige do devedor é que se obrigue a usar de prudência ou diligência normais para alcançar o resultado.116

Sendo assim, pode ser definida como aquela em que se exige tão-somente determinado comportamento do devedor, pouco importando se o resultado pretendido pelo credor vem é ou não atingido, pois ele somente responde mediante culpa (v.g. prestação de serviços advocatícios).117

O devedor obriga-se a fornecer os meios necessários para a realização de um fim, sem se responsabilizar pelo resultado. O devedor não se vincula à obtenção do resultado, como por exem­plo, na prestação de serviço médico no qual o profissional se compromete a cuidar do enfermo. Nesse caso, o credor somente poderá exigir o melhor tratamento, mas não a cura. O inadimple­mento somente poderá ser alegado em caso de conduta negligen­te, imprudente ou desleal.118

Diverso será o tratamento ofertado ao médico que antecipa­damente garanta um determinado resultado. Enquanto não so­brevier o resultado, o devedor não pode ter como cumprida a obrigação.

1,6 VIANA, Marco Aurélio S. Op. cit., p.37.117 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p.86.118 Sobre obrigação de meio: “Revelia - Justificativa tardia - Responsabilidade

do advogado por negligência comprovada no desempenho de mandato judicial. Tar­dia alegação de doença de filho, feita só no apelo, não justifica devolução de prazo para contestar, mormente quando já houvera anterior devolução concedida em pri­meiro grau, fundada em doença de outro parente, e faz a advogada, em causa pró­pria, carga dos autos, em meio ao prazo devolvido de 15 dias de que dispunha para contestar, retendo-os indevidamente por mais de quatro meses, só os devolvendo mediante mandado de busca e apreensão, sem nenhuma justificativa. Negligência comprovada da advogada constituída, deixando fluir em branco prazo assinado para falar nos autos, e com isso ocasionando o deferimento de pedido de imissão de posse da parte contrária no imóvel residencial ocupado pela constituinte, gera, de acordo

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OBRIGAÇÕES QUANTO AO CONTEÚDO

18 .2 . O b r ig a ç ã o d e resu lta d o

O devedor obriga-se a realizar um determinado fato, vincu­lando-se à obtenção do resultado. É o que ocorre, por exemplo, no contrato de transporte, pelo qual o transportador se obriga a levar alguém ou alguma pessoa incólume ao seu destino. Se isso não se der, ressalvadas as hipóteses de quebra do nexo causai por eventos fortuitos, será considerado inadimplente, devendo inde­nizar a outra parte.

Nessa situação, caberá ao devedor provar que o inadimple­mento decorreu em causa alheia à sua vontade, como caso fortui­to ou força maior.

Nas obrigações de resultado, exige-se o resultado útil para o credor, caso contrário não se considerará adimplida a obrigação.

ROBERTO SENISE LISBOA119 define a obrigação de resulta­do como aquela em que se exige do devedor que a finalidade seja alcançada, pois ele responde até mesmo pelos riscos de sua ativi­dade (v.g. cirurgia estética).

Essa classificação das obrigações em obrigação de meio e obri­gação de resultado é importante em matéria de distribuição do onus probandi:

1. Se a obrigação for de resultado, bastará, para que surja a res­ponsabilidade do devedor pelo inadimplemento, que o resul­tado não seja atingido. Para que se isente de responsabilida­de, deverá comprovar caso fortuito ou força maior.

com o art. 159, do CC, a responsabilidade civil da profissional, já penalizada admi­nistrativamente pelo Tribunal de Ética e Disciplina do órgão de classe, sujeitando-a a indenizar as perdas e danos causados. Apelo a que se nega provimento” (TJD F - Apelação Cível 4696897 DF - Ac. 102850 - 4a T., Cível - Rel. Mario Machado — DJDF: 18/3/98, p.49).

119 LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p.86.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

2. Se a obrigação for de meio, ao contrário, deverá ser examina­do o procedimento do devedor. O credor deverá demonstrar que o resultado não se alcançou porque o devedor não agiu com a necessária prudência ou diligência. Percebe-se, portan­to, uma inversão do onus probandi.

1 8 .3 . O b r ig a ç ã o d e g a r a n tia

O conteúdo dessa obrigação é a eliminação de um risco que pesa sobre o credor, reparando suas conseqüências. A eliminação do risco (que pertencia ao credor) representa bem suscetível de aferição econômica.120 Seu adimplemento ocorre com a simples assunção do risco pelo garantidor (v.g. a do segurador, no contra­to de seguro; a do fiador, no contrato de fiança, entre outras). Assim define o art. 764, CC: “salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se fez o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio”.

Na exemplificação sobre o tema, já se afirmou que:

Constituem exemplos dessa obrigação a do segurador e a do

fiador, a do contratante, relativamente aos vícios redibitórios, nos

contratos comutativos (CC, arts. 441 e s.); a do alienante, em relação

à evicção, nos contratos comutativos que versam sobre transferência

de propriedade ou de posse (CC, arts. 447 e s.); a oriunda de pro­

messa de fato de terceiro (CC, art. 439). Em todas essas relações

obrigacionais, o devedor não se liberará da prestação, mesmo que

haja força maior ou caso fortuito, uma vez que seu conteúdo é a eli­

minação de um risco, que, por sua vez, é um acontecimento casual

ou fortuito, alheio à vontade do obrigado. Assim sendo, o vendedor,

sem que haja culpa sua, estará adstrito a indenizar o comprador

120 GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: obrigações. 2 ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 110.

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OBRIGAÇÕES QUANTO AO CONTEÚDO

evicto; igualmente, a seguradora, ainda que, p. ex., o incêndio da

coisa segurada tenha sido provocado dolosamente por terceiro,

deverá indenizar o segurado.121

Vale realçar, conforme visto, que nesse tipo de obrigação, nem mesmo a ocorrência de caso fortuito ou de força maior isenta o devedor de sua prestação, haja vista que sua finalidade precípua é a eliminação de um risco, o que traz em si a noção do fortuito.122

Pode-se tornar importante a classificação da obrigação como de garantia, pois nessa hipótese o devedor não pode invocar caso fortuito ou força maior, na medida em que o conteúdo de sua obrigação é exatamente a eliminação do risco (do fortuito ou da força maior).

121 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 186.122 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p.8().

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s i m p o r t a n t e s

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19Obrigações

reciprocamente consideradas

As obrigações surgem como uma figura autônoma dotada de existência própria e independente. Existem, tendo por causa elas próprias, em razão de seus fatores determinantes. Excepcionalmente, porém, encontramos uma série de obrigações que vivem dependentes de ou­tras, de tal sorte que a existência de uma é que determina a razão de ser da outra.123 Assim, a obrigação dotada de existência própria denomina-se principal (v.g. o locatário que, celebrando um contrato de locação, se compromete a restituir o prédio locado, findo o prazo) e a que lhe fica dependente, denomina-se acessória (v.g. a fiança, que de­pende da existência de outra obrigação para subsistir).

O caráter acessório ou principal da obrigação de­corre da vontade das partes ou da lei, configurando-se desde o momento de sua constituição, ou vindo super-

123 LOPES, Miguel M aria de Serpa. Op. cit., p.64.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

venientemente. Nascem geminadas ou dissociadas uma da outra, referindo-se a acessoriedade ao objeto, ou podem ocorrer como uma situação puramente subjetiva.124

Aplicar-se-á, por analogia, o raciocínio desenvolvido para o estudo dos bens125 principais e acessórios. A tais obrigações (prin­cipais e acessórias) aplica-se a regra acessorium sequiturprincipa­is (o acessório segue o principal).

Transpondo os conceitos para o direito obrigacional, tem-se que a obrigação principal é aquela que tem existência autônoma, independente de qualquer outra.

Inversamente, entende-se por obrigação acessória aquela que não tem existência por si mesma, depende de outra a que adere, ou de cuja sorte depende. A obrigação acessória supõe a existên­cia de uma obrigação principal.126

O caráter principal ou acessório da obrigação pode decorrer da vontade das partes ou da lei {v.g. contrato de locação [obriga­ção principal] com cláusula de fiança [obrigação acessória]).

A obrigação acessória legal emana da própria lei. Assim, o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa vendida (obrigação principal) e também é obrigado a resguardar o comprador con­tra os vícios redibitórios (obrigação acessória).

As obrigações principais e acessórias seguem o princípio de que as acessórias seguem a principal. A recíproca não é verdadei­ra (v.g. renovação da fiança).

Como vimos, a ineficácia da principal se reflete na acessória. Tal princípio apresenta exceções, como por exemplo, quando a

124 VIANA, Marco Aurélio S. Op. cit., p.l 15.123 O Código Civil trata dessas espécies de bens no art. 92.126 Sobre as obrigações principais e acessórias: “Fiança - Locação - A cessão ou

transferência da locação, pelo locatário autorizado, importa em novação subjetiva, que é a causa extintiva da fiança. Extinta a obrigação principal, extingue-se com ela a obri­gação acessória. Sentença confirmada. Decisão: negado provimento. Unânime” (TARS- Recurso: Apelação 183052547 - Porto Alegre - 2- Câmara Cível - Rel. Clarindo Favretto - 22/11/83).

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OBRIGAÇÕES RECIPROCAMENTE CONSIDERADAS

principal é nula por incapacidade do devedor, mas prevalece a fiança (acessória) na forma do art. 824, CC, salvo se é dada a mú­tuo contraído por menor, por força do art. 588.

Acarretam, assim, as seguintes conseqüências:

a) extinta a obrigação principal, fica extinta a acessória;b) a nulidade da obrigação principal produz a da acessória, mas

a desta não influi na primeira, salvo algumas exceções.

Por derradeiro, vale distinguir a “cláusula acessória” da “obri­gação acessória”, no entender de parte da doutrina. A primeira implica acréscimo, sem a criação de obrigação diversa (v.g. a irre- tratabilidade estipulada em contrato de promessa de compra e venda). As partes inserem uma cláusula que é acessória, pois aque­la finalidade não é parte da natureza da promessa, mas não impli­ca uma obligatio a mais, aderente ao contrato, à qual o devedor esteja sujeito.127

127 Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira. Em sentido contrário, Washington de Barros Monteiro, que considera a irretratabilidade como modalidade de obrigação acessória.

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Page 164: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s i m p o r t a n t e s

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20Do adimplemento e

extinção das obrigações

M 20.1. DO PAGAMENTO

O pagamento consiste, pois, na dação de coisa, na prestação ou numa abstenção de um ato. Pode ser defini­do, assim, como a execução voluntária de uma obrigação.

As obrigações são transitórias, uma vez que, após cumpridas, extinguem-se. Dessa forma, percebe-se que o “desate” acarretado pelo cumprimento obrigacional li­bera o devedor e torna o credor satisfeito.

Essa operação de “desate” era denominada solutio (solução), para transmitir a idéia de que o vínculo se desfez. Pode-se, também, utilizar a expressão pagamento para designar esse ato liberatório. Trata-se, portanto, do adimplemento obrigacional que é, com efeito, o modo natural de extinção de toda relação obrigacional.

A expressão pagamento deriva de pacare, apaziguar o credor, significando o cumprimento de uma determi-

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

nada obrigação.128 É empregada como sinônimo de cumprimento, de adimplemento, de execução ou de solução da obrigação. Trata- se, então, de meio direto e voluntário de extinguir a obrigação.

A palavra pagamento sugere, em um primeiro momento, a idéia de pagamento em dinheiro. Porém, deve ser considerada no sentido técnico-jurídico de execução de qualquer espécie de obri­gação, designando toda e qualquer forma de cumprimento direto.

Por essa razão é que entendem alguns que o vocábulo adim­plemento expressa melhor a idéia de execução satisfatória, evitan­do confusão, por não ser palavra corrente na linguagem comum. Por outro lado, o termo inadimplemento emprega-se insubstitui- velmente para nomear a falta de cumprimento.

Pagamento, portanto, é a forma direta de extinção da obriga­ção, mediante a entrega espontânea da prestação pelo devedor. Em outras palavras, o pagamento consiste na dação de uma coisa, na prestação de um serviço, na prática de determinado ato ou numa abstenção (v.g. a entrega de determinado bem na obrigação de fazer; a execução de determinada tarefa na obrigação de fazer e, ainda, a não realização de determinada atividade, nas obriga­ções de não fazer).

Nesse sentido, o pagamento pressupõe a existência de um vínculo obrigacional e a satisfação exata da prestação. O primei­ro pode provir de negócio jurídico ou determinação da lei. Em relação à segunda, trata-se de requisito indispensável ao cumpri­mento exato da obrigação. Nas obrigações de fazer, está adstrito a prestar o serviço ou praticar o ato a que estritamente se obrigou. E assim por diante.

O pagamento,129 porém, não é a única forma de extinção da obrigação. Existem outros modos que produzem o mesmo efeito,

128 CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p.l 12.129 Sobre pagamento: “Cheque sem cobertura, de qualquer origem, não quita o

débito. Do contrário, seria admitir-se o enriquecimento sem causa, com a jactura alheia” (RT 490/220); “Entregue o título ao devedor, a presunção legal é de que a dívi-

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

tais como: novação, consignação, sub-rogação, dação, imputação do pagamento, transação, confusão, prescrição e outros.

► 20.1.1. Natureza jurídica

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO,130 na análise do tema, esclarecem as razões que determinam a diversidade de entendi­mentos na doutrina sobre a natureza jurídica do pagamento.

Dessa forma, esclarecem que parte dos doutrinadores defen­dem a idéia de que o pagamento é um ato jurídico em sentido estrito, ou seja, que é um simples comportamento do devedor da obrigação, sem qualquer conteúdo negociai, cujo principal e único efeito é a extinção da obrigação.

Outros, que defendem ser o pagamento um negócio jurídico, identificam no pagamento mais do que um simples comportamen­to, mas uma declaração de vontade, acompanhada de um elemen­to essencial: o animus solvendi. Entre esses pensadores, há os que defendem a natureza contratual (bilateral) do pagamento, que con­sistiria em um acordo de caráter liberatório entre credor e devedor.

da foi paga (Código Civil, art. 945). Não se pode estigmatizar para sempre o devedor, com a pecha de impontual, muito embora ele já tenha efetivado o pagamento do títu­lo, pois é evidente que o indeferimento do pedido de cancelamento traz evidentes embaraços ao prosseguimento normal de suas atividades, devendo ser ressalvados, 110 entanto, possíveis interesses de terceiros” (RT 484/212); “Pagando a quem não era detentor do título, nem apresentou autorização para receber, o signatário da nota pro­missória paga mal, não podendo argüir o pagamento como defesa em ação executiva movida pelo legítimo titular” (RT 443/286); “Pode ser rescindido pelo vendedor o con­trato de compra e venda, quando o comprador deu em pagamento cheque sem fundos, embora tendo sido este emitido por terceiro” (RT 433/91); “O pagamento pode ser pro­vado por qualquer meio de prova” (RT 415/204); “A regra dominante em matéria de pagamento é a de que ele não se presume” (RT 422/231); “O pagamento do preço, na compra e venda pode ser efetuado mediante títulos de crédito ou com a emissão de notas promissórias” (RT 452/117); “O pagamento, em execução forçada por título extrajudicial, só pode ser provado por recibo em separado ou no próprio título ou, ainda, por confissão do credor, quando se tratar de dívida de valor superior ao décuplo do maior salário-mínimo vigente no País, ao tempo da emissão” (RT 479/210).

130 GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit., p. 121-2.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Nesse aspecto, os referidos autores ainda rememoram a exis­tência de uma terceira vertente doutrinária que afirma ser o pa­gamento um negócio jurídico unilateral, pois prescindiria da anuência da parte credora (accipiens).

MARIA HELENA DINIZ131, da mesma forma, entende ser bastante controvertida a natureza jurídica do pagamento.

Vale dizer, portanto, que há autores que afirmam representar o pagamento um fato, e outros entendem que seu caráter é nego­ciai, uma vez que existe um elemento intencional do devedor em adimplir a prestação devida.

De forma genérica, pode-se afirmar que o pagamento será, ou não, um negócio jurídico; pelo aspecto unilateral ou bilateral, depende esta classificação da natureza da prestação, conforme para solução da obrigação contente-se o direito com a emissão volitiva tão somente do devedor, ou que para ela tenha de concor­rer a participação do credor.132

Predomina na doutrina o entendimento de que o pagamento tem natureza contratual. Equipara-se a um contrato por resultar de um acordo de vontades, sujeitando-se a todas as normas a ele refe­rentes.

Os requisitos essenciais de validade do pagamento são a exis­tência de:

- um vínculo obrigacional;- a intenção de solvê-lo;- o cumprimento da prestação;- a pessoa que efetua o pagamento (solvens);- a pessoa que recebe o pagamento (accipiens).

O cumprimento da obrigação deve ser feito pelo devedor (solvens), por seu sucessor ou por terceiro (arts. 304 e 305, CC). Quando viciado por erro, dá ensejo à repetição de indébito.

131 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p.212-3.132 PODESTÁ, Fabio Henrique. Op. cit., p. 142-3.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

No que se refere ao credor, exige-se sua presença ou de quem de direito o represente (art. 308, CC), com a ressalva de que o pagamento efetuado a quem não detinha tais qualidades é inde­vido, e, da mesma forma, propicia o direito à repetição.

► 20.1.2. Elementos do pagamento

Na noção de pagamento, encontramos quatro elementos bá­sicos:

- a pessoa que paga (sujeito passivo ou devedor da obrigação);- a pessoa a quem se deve pagar (sujeito ativo ou credor);- o objeto do pagamento (o bem que deve ser pago);- o vínculo jurídico que une o devedor ao credor (com base no

qual justifica-se o pagamento).

Nesta oportunidade, passamos a analisar um a um os elemen­tos identificados.

20.1.2.1. A pessoa que paga (solvensj

Quem deve pagar é o próprio devedor. Em se tratando de obrigação personalíssima, somente este poderá entregar a presta­ção. Não sendo personalíssima, admite-se o pagamento por ter­ceiro interessado, conforme preleciona o art. 304, CC: “Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o cre­dor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor” (v.g. o caso do fiador ou avalista, que tem seu patrimônio amea­çado em caso de inadimplemento obrigacional).

O devedor não tem apenas a obrigação de pagar, mas, tam­bém, o direito de efetuar o pagamento, opondo-se a que terceiro juridicamente desinteressado o realize.

O pagamento pode ser feito pelo próprio devedor em pessoa, por seus auxiliares ou ajudantes, prepostos a esse fim, ou por inter­

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

médio de representante, voluntário ou legal (exceto, como visto, nas obrigações personalíssimas). Em qualquer das hipóteses, quan­do paga por procurador ou auxiliares, é ele próprio quem cumpre a obrigação. Essas pessoas apenas praticam o ato material de pagar.

O terceiro interessado, caracterizado pela pessoa que tem inte­resse jurídico na satisfação da obrigação, que paga a dívida, fica sub-rogado no direito do credor (art. 346, III, CC), ou seja, o cré­dito que existia lhe é transferido, havendo uma substituição no pólo ativo da relação jurídica obrigacional. Como conseqüência da sub-rogação, todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo credor em relação à dívida são transferidos ao novo cre­dor, contra o devedor principal e seus fiadores (art. 349, CC). Na sub-rogação, portanto, transferem-se ao terceiro o direito (de cré­dito) e a ação (para cobrá-lo).

A dívida pode também ser paga por terceiro não interessado, isto é, aquele que não tem interesse jurídico na solução da dívida, mas interesse meramente moral, como, por exemplo, no caso de pai que paga a dívida de filho (art. 304, parágrafo único, CC).

Nessa hipótese, a consignação em pagamento pode ser efe­tuada, desde que seja efetivada em nome e por conta do devedor. Trata-se da legitimação extraordinária, prevista na parte final do art. 6o, CPC.

De acordo com o art. 305, CC, o terceiro não interessado que paga a dívida em seu próprio nome tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor. Caso efe­tue o pagamento antes de vencida a dívida, somente terá direito ao reembolso no vencimento (art. 305, parágrafo único).

De acordo com o texto legal constante do art. 305, pode-se per­ceber que, caso o terceiro que não tenha jurídico interesse na satis­fação da obrigação efetue o pagamento, não terá direito a reembol­so, devendo tal ato ser interpretado como mera liberalidade.

Questão interessante, a qual passaremos em seguida a discu­tir, é saber se pode o credor recusar pagamento feito por terceiro não-interessado.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Em se tratando de terceiro interessado, isto é, aquele que pos­sui interesse jurídico na extinção da obrigação, o credor está obri­gado a receber (fiador, coobrigado, adquirente de imóvel hipote­cado etc.), por implicar satisfação de seu crédito, salvo se existir, no instrumento contratual que originou a obrigação, expressa de­claração proibitiva ou se a obrigação, por sua natureza pessoal, somente puder ser cumprida pelo devedor.

No caso de terceiro não interessado, a situação é um pouco diferente, pois o pagamento dar-se-ia por razões de ordem moral, uma vez que inexiste interesse jurídico. Pelo disposto no Código Civil, o credor é obrigado a receber o pagamento, ainda que de terceiro não interessado (art. 304, parágrafo único).

O credor não pode recusar o pagamento de terceiro, por im­plicar, do mesmo modo, a satisfação de seu crédito. Em três hipó­teses admite-se que o credor possa recusar de terceiro o pagamen­to, quais sejam:

- expressa declaração proibitiva no contrato;- se lhe traz prejuízo;- se a obrigação, por sua natureza, tem de ser cumprida pes­

soalmente pelo devedor, nos contratos intuitu personae.

O devedor não pode opor-se ao pagamento efetuado por ter­ceiro interessado, em função de seu legítimo interesse. Por outro lado, em relação a terceiro não interessado, caso o credor deseje receber e, não ocorrendo proibição expressa e não sendo perso­nalíssima a obrigação, não tem o devedor meio hábil para impe­dir que se concretize o pagamento. Mas, se este tiver meios para ilidir a ação, por meio de alegação de situações, como prescrição, decadência ou compensação, entre outras, não ficará obrigado a reembolsar aquele que pagou (art. 306, CC). O terceiro só terá direito a reembolso até a importância que realmente aproveite ao devedor.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Existem pagamentos que importam transmissão da proprie­dade ou do direito de gozo de uma coisa determinada. Nesses casos, é fundamental que o solvens tenha capacidade e legitimida­de para dispor da coisa que constitui objeto da prestação, confor­me define o art. 307, CC: “Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto, em que ele consistiu”. Trata-se de disposi­tivo legal cuja essência decorre dos princípios gerais de direito que aduzem que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. O parágrafo único define que “se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la”.

Efetuado o pagamento indevido de coisa fungível e tendo a mesma sido consumida pelo credor, este terá eficácia e o prejudi­cado conservará a ação contra o solvens, para indenizar-se do dano sofrido.

20.1.2.2. A pessoa a quem se deve pagar (accipiens,)

O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de não extinguir a obrigação, exceto se for posteriormente ratificado pelo accipiens, conforme estatui o art. 308, CC: “O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratifi­cado, ou tanto quanto reverter em seu proveito”.

É importante pagar para a pessoa certa, sob pena de se ter de pagar novamente, pois quem paga mal paga duas vezes. Tem essa qualidade não só o credor originário como quem o substi­tuir na titularidade do direito creditório (v.g. herdeiro, cessioná­rio etc.).

Ressalte-se que o referido dispositivo (art. 308, CC) conside­ra válido o pagamento feito a terceiro, desde que seja ratificado pelo credor ou se reverta em seu proveito.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

Existem casos em que o pagamento efetuado ao credor não terá efeito liberatório (v.g. pagamento feito a um absolutamente incapaz, na ausência de seu representante).

No que se refere à representação, sabe-se que pode ser: legal (em razão do poder conferido pela lei), judicial (nomeado pelo juiz) e convencional (caso tenha procuração para esse fim).

Quando o pagamento é efetuado diretamente ao represen­tante especialmente na representação convencional, deve-se observar que embora representante, tenha poderes para a outor­ga da quitação.

O pagamento repetido só deve ocorrer em caso de paga­mento incorreto e que não tenha sido revertido em benefício do credor (v.g. representante convencional que não tinha poderes para receber mas, apesar disso, entregou o objeto da prestação ao credor).

Caso o devedor tenha dúvidas sobre a quem pagar, valer-se-á da “Ação de consignação em pagamento” Efetuado o depósito ju ­dicial estará ele liberado da obrigação e a discussão prosseguirá entre os supostos credores.

O art. 309, CC, trata da figura do “credor putativo” ou “cre­dor aparente”, isto é, aquele que se apresenta como tal “à base de circunstâncias unívocas”, capazes de ensejar convicção no deve­dor de que é o verdadeiro credor. É o pagamento efetuado a quem não era, mas parecia ser credor. O pagamento que não seria efi­caz, adquire validade em respeito à boa-fé do devedor (v.g. her­deiro aparente [não é ou deixou de ser]; sobrinho que sendo o único ente da família recebe a prestação devida ao tio falecido. Nesse caso, se for descoberto testamento do de cujus para terceira pessoa, transferindo-lhe todos os seus bens, o pagamento de boa- fé permanece válido).

Na lição de OROZIMBO NONATO, temos o alerta de que não se forma a aparência de titularidade de simples convicção infundada, de suposição gratuita ou impensada, de credulidade inconsistente e vã. Muito ao contrário, nenhuma dúvida pode

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

existir na constituição dessa convicção, estando presente o ele­mento interno, subjetivo, da boa-fé, bem como que se depare nas circunstâncias e aparências suporte racionável.133

O pagamento, para ser eficaz, deve ser efetuado a pessoa capaz de fornecer a devida quitação, sob pena de não valer. Assim define o art. 310, CC: “Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefí­cio dele efetivamente reverteu”. Pode ser confirmado pelo repre­sentante legal ou pelo próprio credor, se relativamente incapaz, cessada a incapacidade (art. 172, CC).

Da interpretação do aludido diploma legal, evidencia-se que o pagamento cientemente feito ao credor incapaz é anulável, sendo válido somente se restar comprovada a ocorrência de erro escusável (desculpável, justificável). Vale lembrar o disposto no art. 180, CC, que estabelece que “o menor, entre dezesseis e dezoi­to anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”. Então, se o menor púbere declarou-se maior ou ocultou dolosamente sua idade real, no momento do recebimento, válido será o pagamen­to a ele efetuado pelo devedor.

Situação parecida é a prevista no art. 311, CC. Existe a pre­sunção de existência de mandato (mandato tácito) para o porta­dor da quitação receber o pagamento, uma vez que se presume autorizado a receber quem se apresente com o título da dívida ou munido da quitação (v.g. empregado demitido que mantenha em seu poder recibos de pagamento).

Nessa hipótese, considera-se válido o pagamento, a não ser que as circunstâncias contrariem a presunção de ter o portador da qui­tação poderes para receber (v.g. mendigo que encontra um recibo extraviado de quantia extremamente elevada e a apresenta ao deve­

m CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p. 117, apud NONATO, Orozimbo. Curso de Obrigações, n.3, p.99.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

dor), conforme cautela mencionada pelo referido artigo “salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante”. Qualquer pessoa com um mínimo de diligência desconfiaria de que o porta­dor do recibo não poderia ser o representante do credor.

Trata-se de presunção juris tantum, visto que admite prova em contrário, pois não é impossível que tenha sido extraviado, furtado ou, até mesmo, roubado.

Por fim, existe situação em que o pagamento, mesmo feito ao legítimo credor, não será eficaz. É o caso do devedor que, mesmo intimado da penhora feita sobre o crédito, ou da impugnação a ele imposta por terceiros, ainda assim efetua o pagamento ao ver­dadeiro credor. Nesse caso, o pagamento não valerá contra os ter­ceiros exeqüentes ou embargantes, que, conforme o art. 312, CC, “poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe res­salvado o regresso contra o credor”.

20.1.2.3. Objeto do pagam ento

O objeto do pagamento é a prestação que deve ser entregue pelo devedor ao credor. O credor não é obrigado a receber outra, “diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa” (art. 313, CC). Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou (art. 314, CC).

O art. 315, CC, preceitua que as dívidas em dinheiro “deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nomi­nal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes”, que possibilitam a correção monetária. O Código Civil adotou o princípio do nomi- nalismo. Moeda corrente é aquela que possui trânsito no territó­rio nacional e força liberatória da obrigação. Vigora o princípio do curso forçado da moeda, ou seja, a moeda somente circulará na forma determinada pela legislação vigente.

É interessante mencionar que toda moeda admitida pela lei, como meio de pagamento, tem curso legal no país, não podendo

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

ser recusada. Quando o Código Civil de 1916 entrou em vigor, o di­nheiro brasileiro tinha curso legal, mas não forçado, porque o de­vedor podia liberar-se pagando em qualquer moeda estrangeira. A partir do Decreto n. 23.501, de 27 de novembro de 1933, instaurou- se o curso forçado, não podendo o pagamento ser efetuado em outro padrão monetário, salvo algumas exceções, como as consig­nadas no Decreto-lei n. 857/69. Moeda de curso forçado, portanto, é a única admitida pela lei como meio de pagamento no país.

A Lei n. 9.069, de 29 de junho de 1995, que dispõe sobre o Plano Real, recepcionou o aludido Decreto-lei n. 857/69, que veda o pagamento em moeda estrangeira, mas estabelece algumas exceções, das quais destacam-se a permissão de tal estipulação nos contratos referentes a importação e exportação de mercado­rias, e naqueles em que o credor ou devedor seja pessoa residen­te e domiciliada no exterior.

A possibilidade de atualização monetária definida pelo legis­lador não se confunde com a teoria da imprevisão, que pode ser aplicada pelo magistrado, intermediário entre a norma e o fato, na ocorrência de fatos extraordinários, cuja previsão no momen­to da celebração do negócio jurídico era impossível, de acordo com o estipulado no art. 317, CC:

Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção

entre o valor da prestação devida e o do m om ento de sua execução,

poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure,

quanto possível, o valor real da prestação.

A nova lei civil, nesse sentido, ainda considera lícita a conven­ção, pelas partes, de aumento progressivo de prestações sucessivas (art. 316, CC), embora imponha limitações para tanto, conside­rando que

são nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda

estrangeira, bem com o para compensar a diferença entre o valor

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legis­

lação especial, (art. 318, CC)

Trata-se do denominado curso “forçado da moeda”, ou seja, é obrigatório e exclusivo o uso da moeda nacional. Somente o real possui poder liberatório no Brasil, ou seja, possibilidade de libe­rar o devedor de seu débito, extinguindo-o. É a prevalência de um dos maiores símbolos da soberania nacional.

Podem surgir controvérsias quando se tratar de pagamento em dinheiro, pois deve ser distinguida a dívida de dinheiro dadívida de valor. Para tanto, deve-se destacar que:

- dívida de dinheiro: representada pelo importe econômico que nela se encontra consignado, vale dizer, pela moeda conside­rada em seu valor nominal. O objeto da prestação é o próprio dinheiro (v.g. empréstimo em banco: o objeto da prestação exigível ao devedor é o dinheiro propriamente dito). É aquela que se representa pela moeda considerada em seu valor nomi­nal, ou seja, pelo importe econômico nela considerado.

- dívida de valor, o dinheiro, nesse caso, não é propriamente o objeto da prestação, mas o meio de o medir, apenas represen­ta seu valor. Dessa forma, nada impede que a dívida seja paga em dinheiro, só não é o objeto principal (v.g. prática de ato ilícito causador de prejuízo, que acarreta a obrigação de inde­nizar; desapropriação e pensão alimentícia, entre outros). O objeto da prestação devida não é exatamente o dinheiro, mas a reposição do prejudicado ao estado anterior. Nessa hipóte­se, o dinheiro será a forma de medir, de valorar o prejuízo sofrido pelo outro.

20.1.2.4. Vínculo jurídico

Na obrigação, dois elementos - debitum e obligatio - se reú­nem e se completam, constituindo uma unidade, qual seja, o

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

dever primário do sujeito passivo de satisfazer a prestação e o cor­relato direito do credor de exigir judicialmente o seu cumprimen­to, investindo contra o patrimônio do devedor, visto que o mesmo fato gerador do débito produz a responsabilidade.134

O vínculo obrigacional, portanto, expressa o direito do cre­dor de impor ao devedor uma prestação positiva ou negativa, uma vez que não poderá libertar-se da relação obrigacional sem cumpri-la, visto que o credor, insatisfeito, está autorizado a acio­ná-lo judicialmente, penhorando seus bens para obter, com o produto da alienação, o valor correspondente.

Evidencia-se, assim, que o patrimônio do devedor é a única garantia do credor, de modo que não haverá prisão por dívida (CF, art. 5o, LXVII).

► 20.1.3. Prova do pagamento

A prova do pagamento é dada pelo credor ao devedor, pela entrega da quitação. O devedor tem o direito de exigi-la, podendo reter o pagamento enquanto não lhe for entregue (art. 319, CC).

Com o pagamento, o devedor exonera-se da obrigação. É ne­cessário, portanto, que tenha condições de comprovar a liberação de forma que não subsista dúvida de que a cumpriu.

Quando a dívida é solvida pelo modo normal, a lei exige do credor um ato pelo qual ateste inequivocamente que o devedor cumpriu a obrigação. A este ato denomina-se quitação. Comu- mente é exteriorizada na forma de recibo. A rigor, porém, o recibo é o instrumento da quitação, e, em alguns casos, não a comprova.

A quitação pode ser:

- total ou parcial;- geral ou específica;- irrevogável ou revogável.

134 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p.41-2.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

Nos casos em que o pagamento extingue a relação jurídica obrigacional, a quitação libera completamente o devedor, deno­minando-se plena ou total.

A quitação parcial, por sua vez, surge quando o credor admite receber de forma parcelada seu crédito que poderia exigir por intei­ro; e, quando o pagamento deve ser efetuado em quotas periódicas.

Na primeira hipótese, o recebimento por conta dá lugar ao recibo de quitação parcial. O devedor permanece vinculado, sendo liberado apenas da parcela quitada. Quando a obrigação deve ser cumprida em quotas periódicas, como o aluguel, o credor forne­ce, em cada recebimento, um recibo de quitação parcial.135

No último caso, a dívida vai diminuindo à medida que os pagamentos são efetuados e o devedor é quitado à medida que paga as dívidas periódicas. O último recibo faz presumir os paga­mentos anteriores, por se supor descabida a quitação de prestação mais próxima se outras mais remotas não forem pagas. Daí a pre­sunção legal de que a quitação da última estabelece a prova de estarem solvidas as anteriores, presunção que admite prova em contrário. Trata-se de presunção juris tantum.

Relembra ORLANDO GOMES uma hipótese particular de quitação parcial que se verifica quando o credor de dívida pecu­niária, ao recebê-la, se reserva, no próprio recibo, o direito de co­brar os juros. Mas, se dá quitação do capital sem essa reserva, será plena, porque os juros se presumem pagos, consoante prescrição legal. Opera a exoneração total do devedor, ainda que os juros fossem devidos.

A quitação é geral ou específica. A primeira aparece quando o devedor exige que o credor o exonere de toda e qualquer obriga­ção, exigência feita, ordinariamente, quando a extinção da relação jurídica pode deixar sobreviver alguma pendência entre as partes (v.g. rescisão de contrato de trabalho). A segunda, por sua vez,

135 G O M E S, Orlando. Op. cit., p . l 10.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

refere-se à desvinculação de determinada obrigação, devidamen­te especificada no instrumento de quitação.

A quitação é ato revogável, até porque na prática pode ser remetido ao devedor o recibo antes da concreta efetivação do pa­gamento. É natural que, nesses casos, o não-pagamento do débi­to assista ao credor o direito de não cancelá-lo, provando que não ocoreu o cumprimento da prestação.

Existem, ainda, outras possibilidades de revogar-se a quita­ção, como na hipótese de o pagamento ter se realizado de forma e modo não convencionados. Então, o credor anula os efeitos da quitação, obtendo a revogação sob o fundamento de que sua von­tade fora viciada por erro ou coação. Para afastar essa possibilida­de, costuma-se tornar expressa a irrevogabilidade da quitação.

Por essas razões, o devedor usualmente costuma exigir do cre­dor a plena, geral, rasa e irrevogável quitação, de modo a obter completa, total e firme liberação.

No que se refere ao ônus da prova da quitação, na medida em que é um dos fatos extintivos da obrigação, ao devedor incumbe prová-la.

A prova há de ser cabal, produzindo-se com a demonstração de que a prestação cumprida corresponde integralmente ao obje­to da obrigação a que se refere.

Não há dificuldade na prova do pagamento se o devedor tem recibo de plena e irrevogável quitação. O recibo, porém, não se usa para atestar todo e qualquer pagamento. A prova do pagamento faz-se por presunção firmada no direito positivo ou por outros meios admitidos em direito.

O adimplemento das obrigações de fazer prova-se por outros meios que não o recibo.

Quanto às obrigações de não fazer, o ônus da prova não in­cumbe ao devedor, mas, sim, ao credor, que deverá provar que o devedor descumpriu o dever de abstenção.

O valor da quitação é, portanto, relativo. Pode o credor alegar posteriormente que a prestação não foi completa e que a recebeu

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

por erro. Em resumo, a força probatória da quitação está sujeita à livre apreciação das provas, podendo sucumbir diante de prova manifesta em contrário.

Os requisitos que uma quitação deve conter estão elencados no art. 320, CC, a saber:

a) poderá sempre ser dada por instrumento particular;b) o valor e a espécie da dívida quitada;c) nome do devedor ou de quem por este pagou a dívida;d) tempo e lugar do pagamento;e) assinatura do credor ou de seu representante.

De qualquer maneira, mesmo sem os requisitos aqui estabele­cidos, “valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida” (art. 320, parágrafo único, CC).

A quitação por escrito é direito do devedor, podendo aceitar ou não a quitação verbal, em razão de posterior dificuldade de prova em caso de nova cobrança.

Aspecto interessante é analisar a validade jurídica da quitação verbal no ordenamento jurídico brasileiro vigente. Sob esse as­pecto, dividem-se as opiniões, apesar de o Código Civil não proi­bi-la de forma expressa. Certo é que o art. 320, CC, coloca, entre os requisitos da quitação, a assinatura do credor, o que pressupõe que deva ser escrita. Por outro lado, o parágrafo único observa que não contendo tais requisitos, valerá a quitação se de seus ter­mos ou das circunstâncias resultar haver sido paga. Portanto, entende-se que, em se podendo provar que a quitação verbal ocor­reu, a dívida estará extinta.

Esse princípio, porém, sofre restrições, uma vez que o art. 401, CPC, e art. 227, CC, por exemplo, proíbem a prova exclusi­vamente testemunhai nos contratos de valor superior a dez vezes o maior salário mínimo do país, ao tempo de sua celebração.

Define o art. 322, CC, que “quando o pagamento for em quo­tas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em con­

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

trário, a presunção de estarem solvidas as anteriores”. Vale dizer que essa presunção é relativa, admitindo prova em contrário. É por essa razão que um número significativo de contratos, em que as obrigações se protraem no tempo, contém cláusula que define que o pagamento de uma parcela não significa, necessariamente, quitação das anteriores.

Trata-se de presunção que se aplica aos juros, da mesma ma­neira, na medida em que o novel diploma civil determina que “sendo a quitação do capital sem reserva de juros, estes presu­mem-se pagos” (art. 323, CC). Tal situação decorre do fato de que os juros não produzem rendimento, sendo viável supor que o cre­dor lhes imputaria o pagamento parcial, e não no capital, que con­tinuaria a render. Os juros são frutos civis, portanto, acessórios do principal, e a regra é a de que o acessório segue o principal. Cabe­rá, nesse caso, ao credor comprovar que os juros não foram pagos.

Dispõe o art. 324, CC, que “a entrega do título ao devedor firma presunção do pagamento” Dessa forma, quando a dívida é representada por um título de crédito (promissória) deve o cre­dor devolvê-la ao devedor. Se o devedor encontrar-se na posse do título, presume-se que pagou. Tal presunção pode ser destruída através de prova contrária. Constitui a praesumptio hominis em favor da extinção da dívida o gesto do credor que inutiliza ou rompe intencionalmente o título do débito quitável por sua devo­lução. A presunção, nesse caso, também é juris tantum, pois o cre­dor pode provar que o título se encontra indevidamente nas mãos do devedor.

Ocorrendo perda ou extravio do título, o devedor deve exigir declaração expressa nesse sentido (art. 321, CC).

As despesas com o pagamento e a quitação presumem-se do devedor. Caso o credor mude de domicílio ou venha a falecer dei­xando herdeiros em locais diferentes, correrá por conta do credor a despesa acrescida (art. 325, CC).

Finalmente, o art. 326, CC, estabelece que “se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no silêncio

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

das partes, que aceitaram os do lugar da execução”. Trata-se de norma que, quanto à imperatividade, reflete-se dispositiva, uma vez que admite disposição em contrário ao expresso na lei. Tal entendimento decorre da expressão “no silêncio das partes”, o que possibilita que as partes venham a dispor de forma distinta. Para elucidar a compreensão do dispositivo, valemo-nos dos ensina­mentos de CLÓVIS, que menciona a hipótese em que o objeto da prestação é expresso em alqueire, cujas medidas variam no Brasil. No silêncio das partes, prevalecerá a medida da localidade em que deverá ser cumprida a obrigação.

► 20.1.4. Lugar do pagamento

Nesse tema, compete-nos o estudo sobre as regras do paga­mento atinentes ao lugar136 em que ele se realiza, quando e de que maneira. Distinguem-se as dívidas em quérables e portables.

A regra geral, no que tange ao lugar do pagamento vem esti­pulada no art. 327, CC, que define que “efetuar-se-á o pagamen­to no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias”.

Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher qualquer um deles (art. 327, parágrafo único, CC). Pelo entendi­mento do transcrito nesse artigo, percebe-se que, em princípio, a dívida deve ser paga no domicílio do devedor. A dívida, nesse caso, será quérable ou quesível, devendo ser buscada, pelo credor,

136 Sobre o lugar do pagamento: “Se não se ajustou que o vendedor deve entregar a coisa no domicílio do comprador, a este cabe retirá-la” (RT 458/84); “Na ausência de convenção fixando o lugar do pagamento, este efetuar-se-á no domicílio do devedor” (RT 492/166); “Competente é o foro onde a obrigação deve ser satisfeita, para ação em que se lhe exigir o cumprimento” (RT 484/134); “As partes não tendo avençado, expressamente, que o pagamento deve fazer-se na residência do credor, deverá sê-lo na do devedor, nada dispondo em contrário as circunstâncias, a natureza da obrigação, ou a lei. A dívida, assim, chamar-se-á quesível” (RT 390/289).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

no domicílio do devedor. A palavra quesível provavelmente tem sua origem no verbo latino quaerere que significa “buscar, inda­gar, perguntar, inquirir”. Outros entendem que a palavra vem de “quedar”, porque nessa hipótese o devedor pode “quedar” inerte, à espera de que o credor o venha procurar.

Por exemplo, nada estando estipulado no contrato de locação quanto ao lugar em que devam ser pagos os aluguéis, eles devem ser cobrados pelo credor (proprietário da coisa locada, ou seja, o locador) no domicílio do devedor (locatário).

O benefício da presunção é instituído em benefício do deve­dor (para facilitar o cumprimento da obrigação), mas este pode a ele renunciar, realizando o pagamento no domicílio do credor.

Quando, pelo contrário, o devedor tiver de ir pagar seu débi­to ao credor, a dívida denomina-se portable ou portável, e isso porque o devedor deverá ir ao credor “portando” (levando) o ob­jeto do pagamento.

No caso do exemplo dado, constando no contrato a obriga­ção de pagamento dos aluguéis no domicílio do locador, o loca­tário deverá efetuá-lo nesse local, sob pena de descumprimento obrigacional.

O termo portável encontra sua origem no verbo latino da pri­meira conjugação porto, as, avi, atum, are, que significa levar, por­tar, transportar.137

Podem as partes, contratualmente, ajustar que o pagamento será efetuado no domicílio do credor. Outros casos existem em que as circunstâncias exigem que o pagamento seja efetuado em outro local, que não o domicílio do devedor (v.g. a construção de um prédio em outra localidade). A natureza da obrigação, outrossim, pode determinar o local do pagamento (v.g. quando se despacha mercadoria por via férrea, com frete a pagar, que deve ser satisfeito na estação de destino, ao retirar o destinatário

137 A ZEV ED O , Álvaro Villaça. Op. cit., p. 137.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

as mercadorias despachadas). Por fim, a lei fixa, às vezes, o local em que deverá se efetuar o pagamento (v.g. das letras de câmbio e das dívidas fiscais). O art. 328, CC, é exemplo dessa última hipótese, em que a própria lei indica o local do pagamento quando define que “se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem”.

Quanto a esse último dispositivo, cuja redação tem recebido críticas dos doutrinadores, há de se entender que “prestações rela­tivas a imóveis” significa as despesas relativas a serviços, constru­ções, reparos etc., que só podem se realizar no local do imóvel.

Na eventualidade de surgir motivo grave que obste o pagamen­to no lugar determinado, “poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor” (art. 329, CC). Exemplifica-se com a hipó­tese de a obrigação ter por objeto a entrega de um automóvel no domicílio do credor. Em virtude de inundação, as vias que levam àquele local estão intransitáveis. Nesse caso, havendo possibilidade de entrega do veículo em local outro, onde se encontra ainda que temporariamente o credor, aí será cumprida a obrigação.

Situações posteriores podem transformar em quesível uma dívida portável, e vice-versa. É comum em alguns contratos a fixa­ção do local de pagamento, mas no transcorrer do negócio jurídi­co, fatos supervenientes ensejam o cumprimento obrigacional em local diverso do previamente definido pelas partes. Ocorre, por­tanto, uma mudança tácita no que se refere ao local de pagamen­to, nos moldes do Código Civil, que estabelece que “o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do cre­dor relativamente ao previsto no contrato” (art. 330, CC).

No que tange ao referido art. 330, observa-se aí o princípio segundo o qual o reiterado comportamento de uma das partes na relação obrigacional, em sentido contrário ao que no contrato se convencionou, sem oposição da outra, tem o poder de introduzir uma alteração unilateral do contrato, por meio daquilo que se de­nomina “adesão abdicativa”.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Os arts. 329 e 330 não guardam correspondência com dispo­sitivos do Código Civil revogado.

► 20.1.5. Tempo do pagamento

O pagamento deve ser efetuado no vencimento da obrigação, não podendo o credor, em regra geral, exigi-lo antes de vencido o prazo, salvo nos casos em que a lei determina o vencimento ante­cipado (art. 333, CC).

Havendo prazo expressamente fixado para o cumprimento da obrigação, inexistirá, a rigor, qualquer dificuldade prática. As obrigações que estipulam data para o pagamento (obrigações puras) devem ser solvidas no tempo e na forma convencionadas, sob pena de caracterizar-se o inadimplemento.

As obrigações puras observam a máxima dies interpellat pro homine (“o dia do vencimento interpela pelo homem”), insculpida no art. 397, CC, que define que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, constitui de pleno direito em mora o devedor”.

Certo é que o credor não pode exigir o pagamento ou, sequer, considerar o devedor em mora, até o final do último dia marca­do para o pagamento da obrigação, uma vez que dispõe o deve­dor do último dia, por inteiro, para cumprir a prestação.

As obrigações puras não exigem qualquer notificação ou in­terpelação por parte do credor ao devedor para constituí-lo em mora, bastando, para isso, a chegada do termo138 final sem o adim­plemento obrigacional.

A regra de que a obrigação deve ser honrada no vencimento sofre algumas exceções, como aquelas definidas pelo legislador no art. 333, CC, que define que

138 Termo é um elemento acidental do negócio jurídico e representa o dia em que se inicia ou se extingue uma obrigação (termo inicial e termo final). Pode ser decorren­te de manifestação de vontade das partes em uma relação jurídica ( termo convencional) ou definido pelo próprio legislador ( termo de direito). Não se pode confundir termo com prazo, sendo que esse ultimo é a diferença entre o termo final e o inicial.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o

prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:

I - 110 caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;

II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em

execução por outro credor;

III - se cessarem, ou se tornarem insuficientes, as garantias do débito,

fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

E, também, no art. 1.425, CC, do qual decorre que

a dívida considera-se vencida:

I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em seguran­

ça, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou

substituir;

II - se o devedor cair em insolvência ou falir;

III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que

deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebi­

mento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor

ao seu direito de execução imediata;

IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído;

V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se

depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento

integral do credor.

Nos contratos, o prazo se presume estabelecido em favor do devedor (art. 133, CC), razão pela qual o credor não pode exigir o pagamento antecipado da dívida, o que não impede que o devedor, se assim quiser, possa efetuar o pagamento antes do avençado pelas partes. A única hipótese de não poder fazê-lo é se restar caracteri­zado que o prazo foi estipulado em favor do credor, que poderá preferir, por exemplo, as vantagens de receber juros, até o dia do vencimento da obrigação. Há de se verificar, contudo, se disso não decorrerá indevido locupletamento do devedor, em detrimento do credor. Somente não terá essa opção se o contrato for embasado no Código de Defesa do Consumidor, situação em que estará obriga­do a receber o pagamento pelo devedor (art. 5o, §2°).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

O dilema surge quando, na obrigação, não se houver assina­lado o termo, certo ou incerto, para cumprimento. Nesse caso, de- paramo-nos com uma obrigação sem prazo determinado.

Nesse aspecto, aplica-se a regra genérica contida no art. 134, CC: “Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso, ou depender de tempo”.

O mesmo ocorre em tema de pagamento, pelo que se obser­va no art. 331, CC: “Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi- lo imediatamente”.

Não há como confundir termo incerto com falta de prazo. No primeiro caso, o termo existe, embora sua data não esteja deter­minada de forma precisa no tempo. No segundo caso, não existe termo final algum, razão pela qual a obrigação pode ser executa­da imediatamente.

Importante se revela tal distinção por suas repercussões. Havendo termo incerto, haverá de se aguardar seu advento para poder ser exigida a prestação. Inexistindo termo algum, ela pode­rá ser exigida desde logo.

O dispositivo ora em análise (art. 331, CC) aduz que “salvo disposição legal em contrário...” É o que se encontra, por exem­plo, no art. 592, CC, que estabelece prazos para a restituição, no contrato de mútuo.

As obrigações com prazo ajustado devem ser cumpridas nessa ocasião, como decorre dos arts. 331 e 397, ambos do CC.

Em tais circunstâncias o devedor restará inadimplente, caso não a execute em seu termo, aplicando-se o adágio romano dies interpellat pro homine (“o dia do vencimento interpela pelo homem”). Vale dizer que o devedor, pelo simples vencimento da obrigação, está chamado ao seu cumprimento, sem necessidade de notificação, interpelação ou protesto. O contrário ocorre nas obri­gações sem prazo ajustado, nas quais, no âmbito do Direito Civil, a interpelação, a notificação e o protesto são necessários, e isso por­

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

que, inexistindo termo, é necessário que o devedor tome conheci­mento da exigência do credor (art. 397, parágrafo único, CC).

As obrigações condicionais “cumprem-se na data do imple­mento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor” (art. 332, CC). Naturalmente, o dispositivo refere-se à condição suspensiva, pois a resolutiva não impede a aquisição do direito, de imediato (art. 127, CC).

► 20.1.6. Pagamento indevido e enriquecimento sem causa

Como visto anteriormente, um dos elementos essenciais da noção de pagamento é o vínculo jurídico.

Todo pagamento deve ter uma relação obrigacional subjacen­te que o justifique, constituída legalmente e com base na qual vem ele a ser realizado. Inexistindo esse vínculo, não haverá pagamen­to, mas doação, negócio jurídico que pressupõe, como tal, acordo de vontades.

O pagamento indevido é o que se faz voluntariamente, por erro. Convencido de que deve, o solvens paga. Uma vez que o acci- piens verdadeiramente não é credor, terá recebido indevidamente, ainda que de boa-fé. É natural que não deve ficar com o que não lhe pertence. Caso não pretenda devolver espontaneamente o que auferiu, pode ser compelido a fazê-lo, e para obrigá-lo à restitui­ção, aquele que indevidamente pagou tem ação de repetição.'39

1,9 Sobre o pagamento indevido: “REPETIÇÃO DO INDÉBITO - Pagamento indevido - Efetivação ‘sob protesto’ - Modalidade inexistente 110 direito brasileiro - Hipótese de majoração abusiva de mensalidades - Possibilidade de utilização pelo devedor da consignação em pagamento - Erro não evidenciado - Falta de interesse para a ação - Carência decretada - Aplicação do art. 965, CC” (RT 628/128); "‘REPE­TIÇÃO DO INDÉBITO” - Correção monetária - Incidência a partir da data do paga­mento indevido - Inteligência da Lei 6.899/81” (RT 610/138); “Não procede ação de reembolso quando não houve pagamento por erro ou engano” (RT 418/219); “Em princípio, não se concede a restituição de tributo indireto, pago indevidamente. Mas, uma vez provado que o contribuinte não incluíra dito imposto 110 preço da respecti­va mercadoria, admite-se a repetição” (RT 422/354); “Sem embargo da lei substantiva

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Nesta ação, deverá restar comprovado o pagamento decor­rente de erro ou coação. O ônus da prova incumbe ao autor da ação de repetição, isto é, a quem alega ter pago indevidamente.

Em princípio, quem pagar, por engano, dívida a que não está obrigado tem direito de pedir a restituição do respectivo montan­te (art. 876, CC), porque terá pago por erro, que é causa de anu­lação do ato jurídico em geral. Esse erro há de ser escusável e deverá ser demonstrado por quem pagou.

Trata-se de um enriquecimento ilícito que consiste em ganho sem causa, fazendo surgir, simultaneamente, o empobrecimento de uma pessoa e, conseqüentemente, o enriquecimento da outra. Aquele que pagou estava convencido de que devia, quando na realidade nada devia. Houve, pois, inexistência de causa justa que explicasse a validade do pagamento, ensejando o direito à repeti­ção do indébito.

A falta de causa é a base para se obter a restituição do indevido. Quando a lei proíbe o direito à ação de repetição, por pagamento de dívida por estar esta prescrita, a causa existe; a vedação deflui da lei (art. 882, CC). Mas, se houver pagamento da dívida prescrita, o pedido de restituição será incabível pois a causa existiu: era a dívida em si, entendendo a doutrina que houve renúncia à prescrição.1'10

Às vezes, quem paga dívida a que não estava obrigado, o faz voluntariamente, como na hipótese do terceiro não interessado, e nesse caso não poderá exigir a restituição, porque não terá obra­do em erro.

Ao pagamento sem causa denominamos pagamento indevido. A ação para obter a restituição do que indevidamente se pagou denomina-se “repetição de indébito”.

proibir a aposta e não obrigar ao pagamento de dívidas dela resultante, lícito não é ao perdedor, porém, recobrar judicialmente a quantia voluntariamente paga, salvo, ape­nas, se a mesma for ganha por dolo, ou no caso de ser o perdedor menor, ou interdi- to” (RT 477/224).

140 DOYVER, Nélson Godoy Bassil. Op. cit., p. 192.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

A origem do direito à restituição está no princípio geral de direito que proíbe o enriquecimento ilícito, ou seja, o enriqueci­mento sem causa às custas do empobrecimento de quem tiver pa­go, consagrado em vários dispositivos do Código.

Questão relevante, no tocante ao enriquecimento sem causa, diz respeito aos limites da restituição. Quem recebeu pode ter empregado o dinheiro e obtido lucro, ou ter, ao contrário, sofri­do prejuízo.

Não se aplica, aqui, a regra accessorium sequitur principale. quem pagou terá direito à devolução do que pagou (devidamen­te atualizado) e nada mais. Se quem recebeu indevidamente o pagamento usou o objeto da prestação e com isso obteve lucros, pode ficar com estes; se sofreu prejuízo, não o repassará a quem indevidamente pagou.

Às obrigações condicionais aplica-se a regra que veda o ilíci­to enriquecimento. Se isso é válido para a condição, o mesmo não ocorre em relação ao termo, de modo que se alguém pagou antes do termo final (vencimento) não pode pleitear a restituição, pre- sumindo-se que simplesmente renunciou ao prazo, estabelecido em seu favor.

Há enriquecimento ilícito quando alguém, a expensas de ou­trem, obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que tal vantagem se funde em dispositivo de lei ou negócio jurídico ante­rior. São necessários os seguintes elementos:141

- o enriquecimento de alguém;- o empobrecimento de outrem;- o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobre­

cimento;- a falta de causa ou causa injusta.

141 G O M E S, Orlando. Op. cit., p.250.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

► 20.1.7. Ação de enriquecimento (actio in rem verso)

A ação de enriquecimento (ação de in rem verso) constitui um dos meios conferidos ao solvens para obter a restituição do que pagou equivocadamente.

É cabível toda vez que, havendo direito de pedir a restituição de bem obtido sem causa justificativa da aquisição, o prejudicado não dispõe de outra ação para exercê-lo. Tem, portanto, caráter subsidiário. Somente se justifica nas hipóteses em que não haja outro meio de obter a reparação do direito lesado.

A relação jurídica processual trava-se entre o enriquecido e o empobrecido. A legitimidade ativa é conferida a quem sofreu o prejuízo; a passiva, por sua vez, é de quem enriqueceu. Podem ser sujeitos ativo ou passivo da ação os respectivos herdeiros das pes­soas legitimadas a propô-la, ou contestá-la.

Trata-se de ação de natureza pessoal. Em essência, sua finali­dade consiste na reparação de dano sofrido, a qual não lhe atribui caráter de ação real, mesmo quando concedida na forma de repo­sição natural.

A figura do enriquecimento sem causa, conforme leciona ORLANDO GOMES, pode ser isolada como fonte autônoma das obrigações. Não é a lei que, direta e imediatamente, faz surgir a obrigação de restituir. Não é a vontade do enriquecido que a pro­duz. O fato condicionante é o locupletamento injusto. Evidente­mente, o locupletamento dá lugar ao dever de restituir, porque a lei assegura ao prejudicado o direito de exigir a restituição, sendo, portanto, a causa eficiente da obrigação do enriquecido, mas assim é para todas as obrigações que se dizem legais.

► 20.1.8. Pagamento indireto

Quando o devedor satisfaz voluntariamente a obrigação, me­diante a entrega de um certo bem, a prática ou a abstenção de um ato, temos o denominado pagamento direto.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Existem, contudo, outras formas de adimplemento da obriga­ção, que denominamos genericamente de pagamento indireto. Essas formas de pagamento serão doravante analisadas.

20.1.8.1. Consignação em pagam ento

ANTONIO CARLOS MARCATO"2 aduz que ao devedor per­tence não só o dever de pagar, mas, também, o direito de fazê-lo. O pagamento em consignação, portanto, consiste no depósito, pelo devedor, da coisa devida, com o objetivo de liberar-se da obrigação.

Pelo que já foi exposto, percebe-se que somente o credor, ou quem o represente, pode dar quitação ao solvens.

Em uma relação obrigacional, pode-se afirmar que o credor tem o direito subjetivo de receber; o devedor, por sua vez, tam­bém tem o seu direito de pagar o débito, no vencimento. Vale lembrar que o solvens não está obrigado a pagar a prestação antes do seu vencimento, exceto em casos especiais e determinados pelo legislador.

Sendo assim, quando o credor recusa-se ao recebimento da prestação, ou em caso de fundada dúvida do devedor a respeito de quem está efetivamente legitimado para o recebimento, ou, ainda, quando tem dificuldade em encontrar a pessoa a quem deve pagar validamente, não poderia se omitir a lei diante do in­teresse legítimo do devedor em se desobrigar. Dessa forma, o legislador coloca à disposição do devedor um meio técnico de se liberar da obrigação, denominado “consignação em pagamento”.

A consignação é, assim, um instituto jurídico colocado à dis­posição do devedor para que ele, ante o obstáculo ao recebimen­to criado pelo credor ou por quaisquer outras circunstâncias im­

142 Cf. palestra proferida em 13.08.1999, na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sobre o tema “Do pagamento por consignação”.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

peditivas do pagamento, exerça, por depósito judicial da coisa devida, o direito de pagar, libertando-se do liame obrigacional.

De acordo com o art. 334, CC, “considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais”. Percebe-se que o legislador permitiu a consignação não somente de dinhei­ro, mas, também, de bem móvel e imóvel (“coisa devida”). Dessa forma, é inadmissível a consignação somente nas obrigações de fazer e não fazer.

0 Código de Processo Civil também trata da matéria referen­te à consignação (art. 890 a 900, CPC), prevendo até mesmo o depósito extrajudicial, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, quando se tratar de pagamento em dinheiro, faculdade essa mencionada na nova lei civil (art.334, CC). Tal característica evidencia sua natureza jurídica híbrida (mista), pois o instituto jurídico, ao mesmo tempo que é meio de execução de obrigação, comungando da rama do Direito Civil, participa, também, do Direito Processual Civil, ante sua realização em juízo, consoante mostrado (depósito judicial).

Discute-se, doutrinariamente, se a consignação em pagamen­to é instituto de direito material ou de direito processual. O certo é que tanto o Código Civil como o Código de Processo Civil tra­tam do pagamento por consignação, fazendo-o o primeiro em seus arts. 334 a 345, o segundo nos arts. 890 a 900.

A verdade é que a análise dos dispositivos mencionados exterio- riza uma nítida interpenetração entre o direito material e o direito processual (instrumental). Cite-se, por exemplo, o art. 890, CPC, que ao mencionar que a consignação poderá ocorrer nos casos pre­vistos em lei, insinua que cabe ao direito material a definição dos casos possíveis; isso é feito, aliás, pelo art. 335, CC, o qual define que

a consignação tem lugar:

1 - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o

pagamento, ou dar quitação na devida forma;

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo

e condição devidos;

III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado

ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o

objeto do pagamento;

V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

De outro lado, o art. 896, CPC, ao apontar as defesas que o réu poderá oferecer na ação de consignação em pagamento, inva­de a seara do direito material.

Vejamos, a seguir, as hipóteses, uma a uma, em que tem lugar a consignação, como dispõe o art. 335, CC:

I - Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o paga­mento, ou ciar quitação na devida forma;

É a hipótese mais comum de consignação. Vale dizer que se trata de uma faculdade e não de um dever do devedor, em caso de recusa injusta do credor. Recusando-se a receber, o credor incide em mora, bem como em caso de recusa de dar a quitação. Essa regra constitui complementação daquela do art. 319, CC, que dis­põe que quem paga tem direito a obter recibo e pode até reter o pagamento enquanto a quitação não lhe for dada.

É necessário que tenha havido oferta real, incumbindo ao autor prová-la, além da recusa injustificada do credor, ao qual incumbe a comprovação da ocorrência do justo motivo em não recebê-la.

O exercício da ação de depósito em consignação com base na recusa ou no obstáculo apresentado pelo credor (tentar eximir-se de dar quitação formal) pressupõe a mora anterior deste. A de­monstração da parte que incidiu em mora é fundamental. Se, por parte do credor, caberá consignação em pagamento, não caberá a consignatória quando ocorrer a mora por parte do devedor ou

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

quando for justa a recusa do consignado, como, por exemplo, “em receber as prestações devidas pelo consignante se a escritura do imóvel adquirido por este não pode ser outorgada em virtude de ato expropriatório do Poder Público” (RT 489/221).143

II - Se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo econdição devidos;

Diferencia-se da hipótese anteriormente tratada, uma vez que, nesse caso, a dívida é quérable, ou seja, o credor deve ir ao encontro do devedor para receber a prestação, enquanto perma­nece inerte o solvens. Também aqui trata-se de faculdade do deve­dor, pois a mora é do credor.

Dessa forma, faculta-se ao devedor consignar judicialmente a coisa devida, ou extrajudicialmente a importância em dinheiro, para liberar-se da obrigação.

A caracterização da mora do credor constitui simples facul­dade da qual poderá valer-se o devedor para desonerar-se da obrigação, sem, porém, ficar vinculado a prazos preclusivos, isto é, qualquer tempo será prazo para pagar e, portanto, para consig­nar. Nesse sentido, inclina-se a jurisprudência brasileira ao defi­nir que “havendo mora do credor, a consignação, a qualquer tempo, é oportuna” (RT 461/191).

III - Se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declaradoausente, ou residir em lugar incerto, ou de acesso perigoso ou difícil;

Trata-se de situação em que o credor não tem representante legal ou quem o represente em virtude de nomeação judicial (tutor ou curador, conforme o caso) ou é desconhecido (em caso, por exemplo, de título transferido por endosso) ou, ainda, está

143 D O W E R , Nélson Godoy Bassil. Op. cit., p.202.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

em lugar incerto (caso em que o accipiens mudou-se sem deixar seu novo endereço), bem como em lugar perigoso ou de difícil acesso (em virtude de terremoto, destruição de estradas etc.).

Ausente é o nome conferido à pessoa que desaparece, sem dar notícia de seu paradeiro e sem deixar qualquer representante ou procurador para administrar-lhe os bens (art. 22, CC).

A residência em local incerto ou de acesso perigoso ou difícil também constitui causa de consignação, visto que não se pode exigir que o devedor assuma riscos demasiados para que cumpra a obrigação.

Sendo assim, o pagamento por consignação representa um modo excepcional de pagar, para contornar possível dificuldade do devedor em liberar-se da obrigação.

IV - Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o obje­to do pagamento;

Essa hipótese já é mais comum. Ocorre, por exemplo, quan­do sobre uma mesma atividade são exigidos dois tributos (o Esta­do, sustentando que se trata de fato gerador do ICMS e, o Muni­cípio, que há incidência de ISS). O contribuinte, por óbvio, não poderá pagar os dois, pois haveria bitributação. A solução mais fácil que se apresenta é consignar o valor do tributo, liberando-se da obrigação e deixando que a discussão se estabeleça entre os dois pretensos credores.

O interesse de agir somente se caracteriza se houver fundada dúvida quanto a quem seja o legítimo credor; caso contrário, será decretada a carência da ação.

O art. 895, CPC, aduz que o autor da ação deve citar os que disputam o recebimento para provarem o seu direito. A partir daí, o processo desenvolve-se em duas etapas. Na primeira, apura- se a efetiva ocorrência da dúvida, ocasião em que o magistrado decreta a procedência da demanda, se for o caso, a fim de procla­mar a exoneração do autor consignante em relação ao pagamen­

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

to da importância depositada. Na segunda, conforme dispõe o art. 898, CPC, os pretendentes são admitidos a provar o seu direi­to unicamente para que se decida a quem compete levantar a quantia, mas sem a participação do devedor exonerado. Nesse sentido já se decidiu que “se mais de uma pessoa se julga com direito ao recebimento da dívida e, com isso, surgiu a dúvida sobre a validade do pagamento e se não lhe cabia julgar da posi­ção dos interessados, o caminho para a exoneração é a consigna- tória” (RT 444/184).144

V - Se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Nessa hipótese, o litígio que se imagina é entre o credor e ter­ceiro e, não, entre credor e devedor. Face a litigiosidade da pres­tação, o devedor, dela ciente, sabe que se efetuar o pagamento ao credor, a validade do ato dependerá do êxito da demanda, não tendo efeito algum se o terceiro for o vencedor. Por essa razão, deve, por cautela, depositar seu objeto.

Esse princípio vem complementar a regra de que o devedor da obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimen­to do litígio, assumirá o risco do pagamento.

A enunciação contida no art. 335 não é taxativa, mas exem- plifícativa, contemplando, o Código Civil, outros casos em que cabe a consignação.

Vale mencionar que nem todas as dívidas admitem pagamento por consignação, que consiste no depósito judicial da coisa devida, pela forma prescrita na lei. É preciso que seja idônea para depósito.

De forma excepcional, pode a consignação ser requerida pelo credor, na hipótese de dívida que se vence, pendendo litígio entre credores que se pretendam mutuamente excluir.

144 Ibidem, p.204.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

A consignação deve ser efetuada no lugar do pagamento, fir­mando, portanto, a competência do juiz para conhecer a ação. Caso seja julgada procedente, as despesas são suportadas pelo cre­dor; caso contrário, cabe ao devedor pagá-las.

Decidida a ação a favor do devedor, o pagamento vale desde o momento em que fez o depósito judicial.

Afirma-se que, em regra, somente a obrigação de dar possibi­lita o pagamento por consignação, não as de fazer e de não fazer.

Quanto a esta última (de não fazer), é intuitivo que não se pode depositar uma abstenção. No que diz respeito à obrigação de fazer, contudo, é de ser feita uma distinção: se o ato já foi praticado (se a tela encomendada já foi pintada, por exemplo), de certo modo a obrigação de fazer converteu-se em obrigação de dar (entregar a tela). Nesse caso, cabe a consignação para a entrega da coisa.

Mas, e nos casos em que o objeto da obrigação for indetermi­nado (mas determinável), qual dos objetos da prestação deverá ser depositado?

A respeito do tema, dispõe o art. 342, CC, que

se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele cita­

do para esse fim, sob com inação de perder o direito e de ser deposi­

tada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor,

proceder-se-á com o no artigo antecedente.

No mesmo sentido, o art. 894, CPC, preceitua que

se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao

credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias,

se outro prazo não constar da lei ou do contrato, ou para aceitar que

o devedor o faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar

lugar, dia e hora em que se fará a entrega, sob pena de depósito.

Em resumo, competindo a escolha ao credor, se este (réu na consignatória) não a fizer, ocorre a decadência do direito de esco­lha, que passa ao devedor (autor na ação de consignação).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Analisemos, agora, de forma sucinta, como se desenvolve a ação de consignação em pagamento, procedimento especial disci­plinado pelo Código de Processo Civil em seus arts. 890 a 900.

Proposta a ação com fundamento na injusta recusa ao recebi­mento, o juiz desde logo designa dia, hora e local para a audiên­cia de oferta, denominada geralmente “audiência de oblação”, sendo citado o réu para a ela comparecer.

Ao credor (réu) abrem-se, nesse momento, duas possibilida­des: aceitar a oferta ou recusá-la e contestar a ação.

Optando por aceitar a oferta (na própria audiência de obla­ção ou, não comparecendo a ela, através de manifestação nos autos ou através de silêncio), o credor estará confessando a ação e, conseqüentemente, o juiz a julgará procedente, convertendo o depósito em pagamento e declarando extinta a obrigação, impos­tos ao réu os ônus sucumbenciais.

Caso o credor recuse a oferta e conteste a ação, alegando qual­quer das matérias enumeradas no art. 896, CPC, a sentença, afinal, poderá julgar procedente ou improcedente a consignatória.

Na primeira hipótese, considerar-se-á eficaz o depósito, sub­sistindo a obrigação, configurada a mora solvendi. Na segunda, a obrigação será considerada extinta. Nos dois casos, ao vencido serão impostos ônus sucumbenciais.

Por outro lado, se a coisa for pretendida por dois ou mais cre­dores, proposta a consignação e comparecendo os pretensos credo­res, extingue-se a obrigação do devedor, que se afasta da ação, que prossegue entre os que disputam o pagamento.

A Lei n. 8.951, de 13 de dezembro de 1994, acrescentando quatro parágrafos ao art. 890, CPC, criou, como alternativa do processo judicial, um procedimento extrajudicial para a consig­nação em pagamento, cabível quando se tratar de obrigação em dinheiro.

Nessa hipótese, poderá o devedor ou terceiro optar pelo de­pósito da quantia devida em estabelecimento bancário oficial si­tuado no lugar do pagamento, em conta com correção monetá­

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

ria, cientificando o credor por carta com aviso de recebimento para que venha em dez dias manifestar sua recusa.

Nesse prazo, se o devedor não manifestar a recusa, reputa-se liberado o devedor da obrigação e a quantia depositada fica à dis­posição do credor, que a poderá levantar a qualquer tempo. Cria- se aí uma presunção juris tantum, passível de ser elidida por meio da prova em contrário.

Caso contrário, se o credor manifestar por escrito sua recusa ao estabelecimento bancário, o devedor (ou o terceiro) poderá propor, no prazo de trinta dias, a ação de consignação em paga­mento, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa. Não proposta a ação nesse prazo, o depósito ficará sem efeito.

Resta examinar a questão relativa aos limites da consignação. Sustentam alguns ser a consignatória verdadeira execução inver­sa. Em tais circunstâncias, como a execução exige a existência de dívida líquida e certa, também só se poderia consignar dívida lí­quida e certa. Essa posição é repudiada pela jurisprudência, que admite discussão mais ampla no âmbito da consignatória, até mesmo acerca do sentido e alcance de dispositivos contratuais.

O objetivo da consignação em pagamento145 é a liberação do devedor, com a conseqüente extinção da obrigação por ele assumida.

143 “CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - Prestações periódicas - Depósitos que devem efetivar-se nos respectivos vencimentos, sob pena de se acarretar o rompi­mento da cadeia de depósitos - Efetivação a destempo que inviabiliza o reconheci­mento, ao final, do caráter liberatório de todos aqueles efetuados após a ruptura” (RT 709/109); “CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - Dívida ilíquida - Admissibilidade- Inexistência de dispositivo legal em sentido contrário” (RT 717/158); “Inexistindo relação negociai entre o réu e a autora, na consignação em pagamento, não pode este compeli-lo a receber prestações que se referem a um outro contrato” (RT 443/221); “A ação de consignação em pagamento é de âmbito restrito e nela não se admite discus­são em torno da substância da obrigação ou de seu quantum. O autor fundamentou o seu pedido, no art. 890 do CPC, deixando de mencionar o motivo legal da propositu- ra da ação (art. 973 do CC)” (RT 430/178); “O primeiro pressuposto da ação de con­signação em pagamento é a existência de uma dívida. Conseguintemente não ocorre esse requisito se o deputado estadual pretende restituir aos cofres públicos subsídios

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

20.1.8.2. Pagamento com sub-rogação

A palavra sub-rogação vem do latim sub rogare, sub rogatio e significa, essencialmente, substituição. Essa substituição pode ser subjetiva (quando ocorre a substituição de um ou de ambos os sujeitos da relação jurídica) ou objetiva (quando atinge o próprio objeto da relação). No primeiro caso, denomina-se sub-rogação pessoal; no segundo, sub-rogação real.

MARCEL PLANIOL146 afirma que

o pagamento com sub-rogação é um pagamento não liberatório

para o devedor, porque não é feito por ele, e a sub-rogação que o

acompanha é uma instituição jurídica em virtude da qual o crédi­

to pago pelo terceiro subsiste em seu proveito e lhe é transm itido

com todos os seus acessórios, se bem que ele seja considerado

com o extinto relativamente ao credor.

Ao nos referirmos à sub-rogação como forma ou meio de pagamento indireto ou especial, estamos nos referindo à pessoal, assinalando-se, contudo, que existem vários outros casos de sub- rogação pessoal além daquela que provém do pagamento.

Ocorre quando a dívida é paga por terceiro que não o devedor originário e em virtude disso ocorre a transferência dos direitos que o credor possuía para o terceiro que lhe pagou. Esse terceiro substitui o credor na relação jurídica obrigacional, tornando-se o novo credor do primitivo devedor.

que teria recebido por erro, ainda pendente de conclusão de sindicância instaurada para provar irregularidades 110 pagamento” (RT 421/144); “Na ação de consignação em pagamento não se admite discussão sobre validade de contrato” (RT 455/166); “Tratando-se de dívida portável, deve o autor da consignatória provar que houve recu­sa do credor em receber, provando assim o fato constitutivo de seu direito à emenda da mora” (RT 492/164).

146 PLANIOL, Marcel. Traité Élémentare de Droit Civil: Libr. Générale de Droit & Jurisprudence. 4.ed. Paris, 1907. tomo 2, p. 160.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

Como se pode depreender, extingue-se apenas indiretamente a obrigação originária, na medida em que o débito, em verdade, continua a existir, embora o vínculo envolva agora outros sujei­tos: o primitivo devedor e o terceiro, que substituiu o credor pri­mitivo no pólo ativo da relação jurídica obrigacional.

Convém, neste ponto, estabelecer a distinção entre a sub- rogação e a cessão de crédito, dada a efetiva existência de uma aproximação entre os dois institutos.

A cessão de crédito, que será objeto de estudo posterior, é uma sucessão particular nos direitos do credor, originada de uma declaração de vontade. Nela, é decisiva a intervenção de vontade do cedente, não sendo o pagamento essencial à sua rea­lização: pode o credor ceder seu crédito a terceiro gratuitamen­te. A sub-rogação, ao contrário, assenta-se no pagamento e o deslocamento da qualidade do credor se opera independente­mente da emissão de vontade, vale dizer, pode haver sub-roga­ção sem que o credor tenha a intenção de transferir seus direi­tos ao terceiro solvente. Não bastasse, na cessão de crédito conserva-se o vínculo obrigacional, o que não ocorre na sub- rogação, em que o primitivo credor torna-se estranho à relação jurídica obrigacional.

Ocorre a sub-rogação, por exemplo, quando o fiador paga a dívida do afiançado. Pode a sub-rogação1'17 ser legal ou conven­cional.

147 DESPEJO - Falta de pagamento de aluguel - casal separado de foto - Prosse­guimento do feito contra a esposa do locatário, que permaneceu no imóvel - Admis­sibilidade - Sub-rogação legal, prevista no art. 12 da Lei 8.245/91” (RT 726/338); “Tra- tando-se de imposto já prescrito, o seu pagamento por comprador de imóvel não opera sub-rogação contra o vendedor” (RT 474/136); “Desde que a seguradora pagou à destinatária a indenização por motivo de avarias ou perda da carga, fica ela sub-roga- da nos direitos da proprietária para cobrar da transportadora o que pagou” (RT 494/93); “A seguradora pode reaver o que pagou por acidente de trânsito, movendo ação contra o culpado do acidente” (RT 488/235); “O terceiro interessado que paga a dívida pela qual pode ser obrigado, no todo ou em parte, fica legalmente sub-rogado no direito do credor ao qual pagou” (RT 455/188).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Sub-rogação legal, como o próprio nome sugere, decorre da lei, operando-se de pleno direito, independentemente da vontade dos interessados e até mesmo contra a vontade de credor e devedor.

De acordo com o art. 346, CC, dá-se a sub-rogação de pleno direito em favor:

I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

São requisitos desse primeiro caso de sub-rogação legal:

- que o sub-rogatário seja credor; e- que se trate de um pagamento regular, no sentido de que

envolva a totalidade da obrigação.

Presentes esses requisitos, basta que o credor efetue o paga­mento da prestação para que adquira a situação do credor a quempagou, colocando-se eventualmente em posição privilegiada em relação a outros credores porventura existentes ao tempo da sub- rogação.

II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecá­rio, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser priva­do de direito sobre o imóvel;

Pode alguém adquirir imóvel hipotecado por faltarem poucas prestações a serem pagas ao credor. Caso o devedor deixe da pagá- las, pode o adquirente efetuar os pagamentos respectivos para evi­tar a excussão do bem, sub-rogando-se nos direitos daquele.

III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Sabe-se que, por terceiro interessado, deve ser considerado aquele que tem interesse jurídico na extinção da dívida, isto é, pode ter o patrimônio afetado com o inadimplemento obrigacio-

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

nal. Não se pode imaginar, neste caso, a hipótese do pai que paga a dívida do filho por um dever moral, exclusivamente.

Interessante decisão ocorreu perante o Supremo Tribunal Federal - STF, em que um pai paga uma nota promissória emiti­da pelo filho em favor de uma neta sua, para evitar o protesto do título. A Suprema Corte decidiu que a sub-rogação opera apenas nos direitos do emitente e não nos direitos do credor contra os avalistas, por se tratar de um interveniente voluntário. Aplica-se, pois, o princípio do art. 305, caput, CC, que define que “o tercei­ro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor”.

A sub-rogação convencional, por sua vez, decorre da manifes­tação de vontade de qualquer das partes, seja do devedor ou do credor.

0 art. 347, CC, enumera as hipóteses de sub-rogação conven­cional:

1 - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhetransfere todos os seus direitos;

Essa primeira hipótese resulta de contrato entre credor e um terceiro que paga a dívida e a quem aquele transfere expressa­mente todos os seus direitos.

Esse tipo se aparenta muito com a cessão de crédito. Para dis­tinguir esses dois institutos, em primeiro lugar deve-se ver qual foi a intenção das partes ao deliberarem; faltando esse recurso, ver as circunstâncias que em cada caso devem ser invocadas; e, por último, se ainda restar dúvida, cabe pronunciar-se pela cessão de crédito, que é o que mais comumente ocorre, pretendendo o ter­ceiro, na maioria das vezes, realizar um negócio em vez de uma liberalidade. É que, em todo o processo de liberalidade, nada se presume; o processo deverá ser positivado por elementos seguros que afastem dúvidas sobre a real natureza do pacto.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa parasolver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-roga­do nos direitos do credor satisfeito.

Nesse caso, o terceiro empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, mas sob a condição de ficar investido no direito do credor. O consentimento, nesta hipótese, é do devedor, não se indagando do credor se concorda ou não, pois não tem ele possibilidade de a ela se opor. Esta é a sub-rogação convencional, por excelência.

Conforme o que dispõe o art. 349, CC, a sub-rogação trans­fere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garan­tias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor princi­pal e os fiadores. Essa disposição aplica-se tanto à sub-rogação legal como à convencional. Significa que o novo credor assume a mesma posição jurídica do anterior. Assim, se o crédito do anterior tinha características de liquidez e certeza, permitindo sua exigência por via executiva, dessa via também disporá o sub-rogado.

Na hipótese de sub-rogação legal, aduz o art. 350, CC, que o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até a soma, que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.

No caso da sub-rogação convencional, contudo, podem as partes restringir os direitos do sub-rogado. Não se perca de vista, outrossim, que em se tratando de pagamento feito por terceiro não interessado em seu próprio nome, embora haja transferência de direitos, ele somente tem direito a reembolsar-se do que pagou, conforme preceitua o art. 305, CC.

Vale mencionar, ainda, a questão da sub-rogação parcial, em que o art. 351, CC, define que “o credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever”.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Afirma-se, portanto, que a sub-rogação legal ou convencional produz duplo efeito:H8 liberatório e translativo. O devedor deso­briga-se em relação ao credor primitivo, mas os direitos destes se transferem para quem pagou. Em última análise, passa a dever a outra pessoa.

20.1.8.3. Im putação do pagam ento

Designado no direito português como imputação do cumpri­mento, o direito da pessoa obrigada a indicar qual dos débitos, de mesma natureza, líquidos e vencidos, devidos a um só credor, ofe­rece em pagamento, designa-se imputação do pagamento.M9

Imputar150 significa “atribuir”. O problema de que trata a imputação surge quando uma mesma pessoa tem várias dívidas perante um mesmo credor e, embora ainda não seja insolvente, já que possui ainda bens, tem dinheiro suficiente para pagar apenas uma ou alguma delas.

Sendo assim, resta a indagação: qual dessas dívidas será con­siderada extinta?

De acordo com o art. 314, CC, o credor não pode ser obriga­do a receber parte da dívida, se assim não se ajustou.

1,8 GOMES, Orlando. Op. cit., p.l 18.149 CAMBLER, Everaldo Augusto. Op. cit., p. 158.i5° “TRANSAÇÃO - Acordo envolvendo várias cambiais - Cumprimento parcial

- Execução de um dos títulos - Imputação de pagamento por ser o mais antigo - Extinção do processo - Declarações de votos do vencedor e vencido” (RT 604/90); “PAGAMENTO - Imputação - Como deve ser feita - Dívida mais onerosa - Obriga­ção garantida por hipoteca e fiança - Aplicação do art. 994, CC. Não sendo indicado pelo devedor a qual de suas dívidas foi oferecido o pagamento, a imputação se fará na mais onerosa, considerando-se tal, entre duas dívidas hipotecárias, a que tem ainda a garantia de uma fiança” (Agravo de Petição 3.232-SP - 5a Câmara do Tribunal de Ape­lação - 19.05.1938 - Rel. Paulo Colombo); “Uma das regras da imputação de paga­mento pelo devedor é a de que não pode ele invito creditori imputar aquilo que paga numa dívida cujo montante seja maior. Aceita a quitação de uma das dívidas, ou parte dela, lugar não há mais, para a imputação do devedor. O princípio advém de provisão expressa no art. 992 do Código Civil” (RT 490/127).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Nesse caso, não se trata de pagamento parcial de um débito. O que se tem é o pagamento, por inteiro, de um ou alguns entre vários débitos. É o caso do devedor que deve, ao mesmo credor, duas importâncias distintas, de mil e quinhentos e de dois mil reais. Caso o devedor remeta a quantia de mil e quinhentos reais ao cre­dor, a imputação poderá ser feita em qualquer delas, caso este concorde com o pagamento parcelado da segunda, caso contrá­rio, será considerada integralmente paga a primeira.

A regra geral que define qual das dívidas será considerada extinta pelo devedor encontra-se estampada no art. 352, CC: “A pessoa obrigada, por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece paga­mento, se todos forem líquidos e vencidos”.

Assim, o solvens pode escolher qual dos débitos quer pagar; se não o fizer, o credor escolhe a qual deles dará quitação (art. 353, CC).

Da análise dos dispositivos podemos extrair os elementos conceituais da imputação do pagamento.

Em primeiro lugar, é necessário que exista dualidade ou multi­plicidade de débitos, isso como regra, porque admite-se, como exce­ção, a imputação no caso de uma única dívida, se esta vence juros, hipótese em que se imputa o pagamento primeiro nos juros venci­dos, e, depois, no capital, a teor do que define o art. 354, CC, que reza que “havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á pri­meiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital”.

Em segundo lugar, exige-se a identidade de credor e de deve­dor, salientando-se, nesse ponto, que existindo solidariedade ativa ou passiva, os devedores ou credores solidários são considerados como uma unidade.

Em terceiro lugar, é preciso que as dívidas sejam todas da mesma natureza, isto é, que seu objeto sejam coisas fungíveis de idêntica espécie e qualidade. Quando os débitos tiverem natureza diversa, não é possível a imputação do pagamento.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

Em quarto lugar, é imprescindível que as dívidas sejam posi­tivas (certas quanto à existência e determinadas quanto ao obje­to) e vencidas, isto é, exigíveis, visto que se uma estiver vencida e a outra não, o pagamento por certo realizar-se-á na vencida, pois a outra ainda não pode ser exigida pelo credor.

Imputação de pagamento é, assim, a determinação feita pelo devedor, dentre dois ou mais débitos da mesma natureza, positi­vos e vencidos, devidos a um só credor, indicativa de qual dessas dívidas quer solver.151

Excepciona-se, porém, a hipótese em que o prazo é estipula­do em favor do devedor, imaginando-se o caso em que ao solvens é mais vantajosa a quitação de uma dívida ainda não vencida com desconto ou alguma outra vantagem. Nesse caso, admite-se a imputação do pagamento em débito ainda não vencido.

Finalmente, é necessário que o pagamento seja suficiente para extinguir ao menos uma ou algumas das dívidas. Caso seja insu­ficiente para extinguir ao menos uma das dívidas, não cabe a imputação, à vista do que dispõe o art. 314, CC.

Segundo a regra geral, cabe ao devedor imputar o pagamen­to, ou seja, indicar qual dos débitos pretende pagar. Tal imputa­ção, como se sabe, não é livre e comporta limitações.

Vale lembrar que se o devedor não exercer seu direito de im­putação, isto é, se pagar simplesmente, sem dizer qual débito pre­tende quitar, ao credor compete efetuar a imputação, conforme disposto no art. 353, CC. Se o devedor concordar com essa impu­tação, não mais poderá reclamar, a qualquer título, salvo, confor­me a parte final do referido artigo, se o credor agir com violência ou dolo. Nesse caso, o ato será anulável, em razão do defeito, que nele se encerra.

É nítido que, nesse ponto, para que seja válida a imputação feita pelo credor, não deve impugná-la o devedor, pois o art. 353, CC, é claro, quando exige que essa imputação seja, pelo menos

131 A ZEVED O , Álvaro Villaça. Op. cit., p. 195.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

tacitamente, aceita pelo devedor, quando menciona: “se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a impu­tação feita pelo credor”

Caso o devedor não faça a indicação e a quitação seja omissa a respeito de qual dívida está sendo extinta, a imputação far-se-á, em primeiro lugar, nas dívidas líquidas e vencidas (art. 355, Ia parte). Se todas forem líquidas e vencidas ao mesmo tempo, será feita a imputação na mais onerosa (art. 355, 2- parte). Dá-se, aí, a denominada imputação legal.

20.1.8.4. Dação em pagam ento

A liberação do devedor ocorre através do pagamento da pres­tação a que se obrigou. A entrega da coisa devida e não de coisa diversa é que faz desaparecer o vínculo jurídico que une os sujei­tos da obrigação.

No intuito de amenizar a regra geral acima invocada, o direi­to romano passou a admitir a datio in solutum, ou seja, o consen­timento do credor autorizava o devedor a solver seu débito me­diante a entrega de coisa diferente, com efeito de liberação.

Com esse caráter, nosso direito consagra a denominada dação em pagamento, definida como a entrega de uma coisa por outra e não a substituição de uma obrigação por outra.

A dação em pagamento é um acordo de vontades entre cre­dor e devedor, pelo qual o primeiro concorda em receber do se­gundo prestação diversa da que lhe é devida.

Está claro que, sem a concordância do credor em receber ou­tra coisa que não a convencionada na obrigação, não se pode falar em dação em pagamento.

Dispõe o art. 356, CC, que “o credor pode consentir em rece­ber prestação diversa da que lhe é devida”. Cuida-se, aqui, de paga­mento indireto como meio de extinção da obrigação. O devedor, não podendo entregar o bem objeto da prestação, entrega outro, que não o previsto, com a concordância do credor.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

De acordo com o art. 357, CC, “determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda”. Da mesma forma que na compra e venda, responde o alienante pela evicção (art. 359, CC).

A característica da dação em pagamento é a referida substitui­ção, cujo consentimento do credor é essencial. Por essa razão, não se verifica nas obrigações alternativas, visto que, nestas, as diversas prestações estão in obligatione, nem, tampouco, nas obrigações facultativas, pois a prestação que está infacultate solutiones, embo­ra possa substituir a que se encontra in obligatione, já foi estipula­da como suscetível de ser objeto do pagamento.152

O bem dado em pagamento não pode ser dinheiro, pois, se o fosse, haveria pagamento direto, e não dação em pagamento. Seu objeto, contudo, pode ter qualquer natureza: coisa imóvel ou móvel, títulos de crédito, fatos e abstenções, permitindo as mais diversas combinações.

Não é preciso que haja coincidência entre o valor da coisa recebida e o montante da dívida. Pode o credor receber um obje­to mais valioso do que ela ou um de menor preço. Essencial para que se configure a datio pro soluto é a entrega de coisa que não seja a devida, em pagamento da dívida, e que o credor a receba como efetivo pagamento.

Indaga-se se o credor, recebendo coisa menos valiosa do que a devida, pode outorgar quitação parcial. Apesar do silêncio da lei a respeito, a resposta é afirmativa, pois se o credor pode consen­tir em receber, por conta da coisa ou quantia devida, uma presta­ção parcial, com a subsistência da obrigação pelo remanescente, igualmente há de se admitir que a dação em pagamento alcance uma parte da obrigação, parte que assim fica quitada, subsistindo a restante.

132 G O M E S, Orlando. Op. cit., p.l 19.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Se a coisa dada em pagamento for título de crédito, a transfe­rência importará cessão (art. 358, CC), uma vez que o título corres­ponde a uma relação jurídica, valendo pelo que exprime, e, para quem o recebe pro soluto, é útil na medida da qualidade creditória transferida. Nessa hipótese, frise-se que a operação deverá ser noti­ficada ao devedor do título cedido (art. 290, CC) e o solvens fica res­ponsável pela existência do crédito transmitido (art. 295, CC).

Controvérsia relevante sobre o tema ora apresentado é o que se refere à evicção (art. 447, CC). Esta é decorrência do dever geral de garantia que o devedor é obrigado a assumir perante o credor, nos contratos onerosos. É o dever de garantir ser seu o bem vendido, assumindo os riscos de não o ser.

Realmente, caso quem transfira não seja o dono do objeto trasladado, a título de dação em pagamento, a quitação dada pelo credor (evicto), que perderá o objeto ao legítimo dono do mes­mo, quando acionado, restará sem qualquer efeito jurídico, resta­belecendo-se a relação jurídica originária, consoante se depreen­de do art. 359, CC.

Assim, regra geral, se a coisa recebida em pagamento não era de quem a entregou, este fica obrigado a pagar o equivalente em dinheiro.

Em se tratando de dação em pagamento, contudo, a solução é diferente. Com efeito, dispõe o art. 359, CC, que “se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obri­gação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros”.

Outra questão importante, nesse ponto, diz respeito à possi­bilidade de evicção parcial. Se foi dado em pagamento um imó­vel e apenas metade dele foi atingido pela evicção, restabelece-se metade da primitiva obrigação? A melhor solução, diante do si­lêncio da lei, será deixar a escolha ao credor: exigir o equivalente em dinheiro da metade do valor do imóvel, restabelecer a primei­ra obrigação pela metade ou, ainda, restituir o imóvel ao solvens, restabelecida na íntegra a obrigação primitiva.

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DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

A dação em pagamento supõe dívida vencida. Lembre-se, por oportuno, que a modificação do conteúdo do crédito durante a vigência da obrigação, por concordância recíproca entre devedor e credor, não a constitui.

O efeito produzido pela dação em pagamento153 é a extinção do crédito, qualquer que seja o valor da coisa dada em substitui­ção. Nesse sentido, se o objeto oferecido e aceito como pagamen­to tiver valor inferior ao do crédito inicial, não poderá o credor exigir a diferença. Da mesma forma, se valer mais, o devedor não poderá pleitear a restituição do excedente.

A dação em pagamento é contrato translativo. Consentindo em receber coisa que não seja dinheiro, o credor a adquire, como se a tivesse comprado. Assim, se o credor for evicto da coisa rece­bida em pagamento, a obrigação primitiva se restabelece, ficando sem efeito a quitação dada.154

I5-’ “FALÊNCIA - Revocatória - Dação em pagamento - Forma não prevista no contrato de repasse de empréstimo contraído pela falida perante a instituição finan­ceira - Ato praticado dentro do termo legal da falência - Ineficácia - Ação proceden­te - Decisão confirmada - Inteligência do art. 52, II, da Lei de Falências” (RT 723/315); “COMPETÊNCIA - Anulação de negócio jurídico por vício de consentimento - Dação de imóvel em pagamento - Propositura no foro de eleição, e não no do lugar do imóvel - Ação de natureza pessoal - Prorrogação da competência do foro de elei­ção - Inteligência do art. 94 do CPC” (RT 597/46); “A dação em pagamento que tenha por objeto bem imóvel há de ser provada por escrito através de instrumento capaz de justificar a transcrição do Registro Imobiliário, segundo se entende do art. 996 do Código Civil” (RT 468/179).

154 GOMES, Orlando. Op. cit., p.l 19.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s i m p o r t a n t e s

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21Modos satisfativos

indiretos de extinção das obrigações

A extinção do crédito realiza-se, também, de ou­tros modos diversos daqueles assinalados anteriormen­te. Em alguns casos, o devedor, apesar de não entregar a prestação, satisfaz a obrigação por via indireta, obten­do sua extinção. Trata-se dos modos satisfativos indire­tos de cumprimento da obrigação.

M 21 .1 . N ovação

Conceitua-se novação como a transformação da obrigação anterior em outra, civil ou natural, isto é, quando se constitui nova obrigação pela causa antece­dente, de modo que se extinga a primeira, porque a novação se diz coisa nova e de obrigação nova.

Conseqüentemente, importa no surgimento de uma obrigação que, ao nascer, extingue outra que pre-

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

existia. Diz-se, portanto, que não extingue uma obrigação para criar outra, mas, sim, cria para extinguir.

Evidenciam-se impactos profundos sobre elementos essen­ciais da obrigação, de modo a operar sua extinção, com a termi­nação do vínculo antecedente. A obrigação inicial, em verdade, desaparece, como se houvesse ocorrido pagamento. Opera, por­tanto, o desaparecimento do vínculo anterior, com o surgimento de um novo, e, em conseqüência, o devedor e o credor assim con­tinuam, mas agora de outra obrigação que não a primitiva. Por essa razão, alguns autores a caracterizam como simultaneamente causa extintiva e geradora de obrigações.

A extinção da dívida por novação155 opera-se em conseqüên­cia de ato de vontade dos interessados, jamais por força de lei. Por essa razão, afirma-se ter natureza contratual, devendo ser obser­vados pelas partes os requisitos de validade dos contratos em geral (agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou deter- minável; forma prescrita e não defesa em lei).

A novação somente se configura no caso de haver diversida­de substancial entre as duas dívidas, a nova e a anterior. Não se

155 Sobre o tema, confiram-se algumas decisões selecionadas: “DESPEJO - Nova­ção - Inocorrência - Ajuizamento de outra ação de despejo por falta de pagamento de aluguel referente a outros meses vencidos - Animus novandi não comprovado - Pre­sunção inadmissível - Segunda obrigação que confirma simplesmente a primeira” (RT 649/117); “NOVAÇÃO - Descaracterização - Animus novandi inexistente - Novo con­trato celebrado apenas com o intuito de confirmar o anterior - Realização quando já em vigor o ‘Plano Cruzado’ - Inobservância das regras de conversão - Vício de con­sentimento decorrente de conhecimento vago e geral do novo sistema monetário - Conversão do débito determinada - Aplicação dos arts. 1.000 do CC e 8o do Decreto- lei 2.284/86” (RT 621/134); “A prorrogação do prazo de vencimento não constitui novação” (RT 487/214); “Não há novação quando é feita simples redução do montan­te da dívida ou quando o credor tolera pagamento em prestações” (RT 485/51); “A novação não se presume e não existe quando apenas se adicionam novas garantias ou se concede maior facilidade ao pagamento” (RT 479/57); “A novação, quando consen­sual, só é de ser reconhecida mediante inequívoca comprovação do assentimento do credor” (RT 466/142); “Sem a intenção de novar, não há que falar em novação” (RT 468/165); “Não há novação quando apenas se adiciona uma nova garantia à obriga­ção” (RT 436/121).

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

pode falar em novação quando apenas se verificam acréscimos ou outras alterações secundárias na dívida (v.g. juros, termo etc.).

A novação pode atingir o elemento objetivo ou o elemento subjetivo da relação jurídica obrigacional.

No que tange às duas espécies (objetiva e subjetiva), referem- se os três incisos do art. 360, CC:

Art. 360. Dá-se a novação:

I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida, para extin­

guir e substituir a anterior;

II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com

o credor;

III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substi­

tuído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

Na primeira hipótese (inciso I), temos a novação objetiva. Nas

outras duas (incisos II e III), temos a novação subjetiva.

► 21.1.1. Novação objetiva

A novação objetiva surge no momento em que o devedor contrai com o credor uma dívida nova, para extinguir e substituir a primeira. O objeto da obrigação é novado, somente modifican­do-se a prestação, sem substituição dos sujeitos. Dá-se a novação objetiva “quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior” (art. 3 6 0 ,1, CC).

Vale lembrar que a nova obrigação pode ser de natureza di­versa da primitiva (v.g. devedor que não dispõe de recursos finan­ceiros para saldar a dívida e propõe ao credor o pagamento por meio de prestação de serviços). É necessário que a subseqüente obrigação seja algo de novo.

Dessa forma, ocorrendo a extinção de uma obrigação pelo fato de o devedor contrair outra com o mesmo credor, com ani- mus novandi, há uma novação objetiva.

A mudança deve ocorrer:

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

- no objeto principal da obrigação;- em sua natureza;- na causa jurídica.

A modificação no objeto da obrigação consiste na alteração do objeto da prestação {v.g. em vez de prestar determinado servi­ço, o devedor se obriga a entregar coisa certa).

Outra hipótese é a conversão da espécie obrigacional (v.g. obrigação pura por obrigação condicional).

Finalmente, a mudança pode ser da causa jurídica da obriga­ção. Nesse caso, a prestação continua a ser a da primeira obrigação, mas o devedor continua responsável por outra causa. ORLANDO GOMES exemplifica referindo-se à substituição do título de que deriva a obrigação como a situação em que alguém que deve ex empto vendite passa a dever a título de mutuário.

► 21.1.2. Novação subjetiva

Conforme mencionado, a novação subjetiva pode ocorrer em duas hipóteses:

1) quando o novo devedor sucede ao anterior, ficando este quite com o credor (art. 360, II, CC); e

2) quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituí­do ao antigo, ficando o devedor quite com este (art. 360, III, CC).

Nos dois casos, como se vê, permanecendo inalterado o objeto da obrigação, a novação atinge o elemento subjetivo da relação jurídica obrigacional, em seu aspecto ativo (inciso III) ou passivo (inciso II). Podemos falar, então, em novação subjetiva ativa e nova­ção subjetiva passiva.

Aproxima-se a novação subjetiva ativa da cessão de crédito. Na cessão, contudo, remanesce o crédito primitivo, que é apenas transferido, com todos os seus acessórios (art. 287, CC), ao passo

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS D F. EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

que, na novação, a obrigação original se extingue, desaparecendo as garantias porventura existentes.

Veja-se que na hipótese de novação subjetiva passiva é dis­pensável o consentimento do devedor (art. 362, CC), sendo evi­dente, contudo, que o consentimento do credor é indispensável à sua validade, sendo igualmente essencial que seja constituído novo vínculo obrigacional, pois sem isso haveria simples preposi­ção, ou indicação de pessoa encarregada do pagamento.

Se na novação subjetiva passiva é dispensável o consentimen­to do devedor, em se tratando de novação por substituição do credor não se pode prescindi-lo.

Esse consentimento do credor é necessário porque, se o novo devedor for insolvente, o credor que o aceitou não tem ação con­tra o primeiro devedor, seja para restaurar o antigo vínculo, seja para se indenizar do prejuízo, a não ser que a substituição tenha decorrido de má-fé do sujeito passivo (art. 363, CC).

O art. 365, CC, estabelece a exoneração dos devedores solidaria­mente responsáveis pela extinção da obrigação anterior, estabelecen­do que somente continuarão obrigados se participarem da novação. Assim, extinta a obrigação antiga, exaure-se a solidariedade.

Da mesma forma, “importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal” (art. 366, CC).

► 21.1.3. Novação mista

A doutrina ainda menciona a novação mista, que consiste na mudança, simultânea, do objeto da prestação e de um dos sujeitos da relação jurídica (v.g. marido que assume dívida em dinheiro da esposa, com a condição de pagá-la em prestação de serviços).

► 21.1.4. Requisitos da novação

Para que se configure a novação, é mister a concorrência de quatro requisitos:

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

1) consentimento: na medida em que a constituição de uma no­va obrigação em substituição à anterior pressupõe a capaci­dade156 do agente e a emissão de vontade;

2) a existência da antiga obrigação (obligatio novanda): caso contrário, inexiste novação. Discute-se, na doutrina, a possi­bilidade de ser novada a obrigação natural, parecendo mais razoável o entendimento no sentido da afirmação. Uma vez que a obrigação natural autoriza a solutio retentio, não se vê como negar a possibilidade de permitir novação, que seria o meio de substituí-la por uma obrigação civil. Quanto ao re­quisito da eficácia, contudo, a lei é clara, dispondo, o art. 367, que “salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas”. Portan­to, não há ensejo para a novação se a obrigação original era nula, pois não haveria o que extinguir.

A possibilidade de ocorrência da novação perante as obriga­ções anuláveis tem motivo intuitivo. A obrigação anulável tem existência até ser rescindida judicialmente, podendo, a contrariu sensu, ser até mesmo confirmada sua validade.

Porém, para que tenha eficácia a novação efetivada sobre obrigação anulável, torna-se necessária a ciência do defeito que enseja a anulação. Se há novação ativa e o devedor a ignorava, poderá ser anulada. Sendo passiva, será anulável, se o novo deve­dor a desconhecia.

É necessário, também, que a obrigação tenha existência atual. Por outro lado, a dívida prescrita pode ser novada, visto que ainda pode ser cumprida e que, se a prescrição pode ser renunciada após

156 Vale lembrar que capacidade não se confunde com legitimidade. A primeira é a aptidão para a prática de atos, por si só, na vida civil. Pode surgir com a maioridade civil (18 anos) ou com a emancipação. A segunda, por sua vez, refere-se à aptidão para a prática de determinados atos (v.g. alienar o meu carro). A capacidade pode existir sem a legitimidade e vice-versa.

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

sua consumação, o devedor que aceita a novação de dívida pres­crita estará renunciando tacitamente ao direito de invocá-la.

3) o surgimento de uma nova obrigação (aliquid novi): a nova obrigação surge no mesmo momento em que se extingue a anterior. E essa nova obrigação tem de ser válida, pois, se for nula, não produzirá o efeito de estabelecer o vínculo jurídico essencial à sua existência e à conseqüente extinção da antece­dente. Se for anulável, e vier a ser anulada, o efeito dessa anu­lação será o restabelecimento da obrigação primitiva, devol­vendo-se ao credor o vínculo preexistente. Se a nova obrigação for condicional, o vínculo só se aperfeiçoa com o adimple­mento da condição e só nesse momento é que se dá a extinção da antiga.

4) o animus novandi: ou seja, a real intenção de novar. Estabele­ce o art. 361, CC, que não havendo ânimo de novar, a segun­da obrigação simplesmente confirma a primeira. Se a intenção vier expressa no instrumento, não há nenhuma dificuldade. Complica-se a situação quando esse animus não vier exterio- rizado através de palavras escritas e sacramentais. Nessa hipó­tese, deve-se apurar se o conjunto das circunstâncias permite, de forma inequívoca, a afirmação da implícita intenção de novar. Na prática, adota-se o critério da incompatibilidade: há novação quando a segunda obrigação for incompatível com a primeira. Ao contrário, não há animus novandi se as duas obrigações podem coexistir.

A novação se caracteriza não pela transformação da obriga­ção anterior, mas pelo surgimento de uma nova obrigação, que extingue a anterior. Por essa razão, “a novação não se presume, princípio este que atualmente não mais se discute, porque não se deve facilmente presumir em alguém a abdicação de direitos que lhe pertencem” (RT 445/177). Com base nesse sistema, já se deci­diu que

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

não se podendo presumir a intenção de novar, cabe reconhecer, no

entanto, que o animus novandi pode ser provado por qualquer

meio de direito contanto que a certeza final não possa ser abalada

mas seja antes inequívoca. Segundo Cunha Gonçalves a intenção

de novar não se supõe, nem pode ser baseada em vagas presun-

ções, nem afirmada com o interpretação ou por deduções de

quaisquer textos legais. (RT 456/192)

O certo é que a novação não se presume, devendo resultar sempre da vontade das partes, observados os pressupostos e requisitos que se exigem para os contratos.

► 21.1.5. Efeitos da novação

O primeiro efeito da novação vem expresso no art. 364, CC, Ia parte: “A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário...”.

Entre os primeiros encontram-se os juros e outras prestações, cuja existência depende da dívida principal. Nas garantias in­cluem-se as reais (penhor, anticrese etc.) e as pessoais (fiança etc.). A propósito desta última, dispõe o art. 366, CC, que importa exo­neração do fiador a novação feita sem seu consentimento com o devedor principal.

Percebe-se, portanto, que o efeito principal da novação é a extinção da primitiva obrigação, substituída por outra, constituí­da exatamente para provocar a referida extinção.

Em se tratando de obrigação solidária, há de se distinguir entre a solidariedade passiva e a solidariedade ativa.

Operando-se a novação entre o credor e um dos devedores solidários, os outros se exoneram e, ocorrendo a reserva de garan­tias, somente subsistem sobre os bens do devedor que contrair a nova obrigação (art. 365, CC).

Na hipótese de solidariedade ativa, a novação extingue a dívi­da para todos os credores.

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Nas obrigações indivisíveis, se um dos credores novar a dívi­da, a obrigação não se extingue para os outros, mas estes só pode­rão exigi-la, descontada a quota do credor que novou.

m 2 1 .2 . C o m p e n s a ç ã o

A origem da palavra compensação parte de uma forma pri­mária de pagamento. Os antigos utilizavam, como medida co­mum de valor, os metais, que precisavam ser pesados, pois não traziam o seu valor marcado por nenhum sinal público ou autêntico. Da pesagem da barra de ferro, de bronze ou de prata, modo pelo qual se efetuava o pagamento, veio a palavra pensare cum (pensare rem aliquam cum aliqua), ou ainda, pensatio, com- pensatio. E a idéia de balanceamento está presente na compensa­ção, em que se pesam e contrapesam o crédito e o débito de um com o crédito e débito de outrem, ambos interligados a esses dois ativos e passivos.157 Essa forma primária de pagamento se fez presente antes da invenção da moeda.

O art. 368, CC, define que “se duas pessoas foram ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extin- guem-se, até onde se compensarem” (v.g. se A deve a B a quantia de R$ 100,00 e ao mesmo tempo é seu credor de R$ 20,00, a com­pensação abrange apenas R$ 20,00, sendo certo que A permane­cerá devedor de R$ 80,00).

É comum, na vida em sociedade, fomentada de relações jurí­dicas diárias, o fato de uma pessoa ser devedora de determinada quantia em dinheiro a outra e ser, ao mesmo tempo, credora dessa outra pessoa, a outro título, de quantia igual, maior ou menor.

Em lugar desse duplo ato de cumprimento obrigacional, exis­te um meio mais lógico para o acertamento dos créditos entre as

137 VIANA, Marco Aurélio S. Op. cit., p.249.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

mesmas partes, quando se colocam em pólos inversos das rela­ções jurídicas obrigacionais: a compensação.

Compensação é o meio de extinção de obrigações entre pes­soas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra.

Prescindindo de dois atos de cumprimento, a compensação é o meio mais lógico de satisfação de duas obrigações que vinculam as mesmas pessoas, embora em pólos inversos da relação, uma vez que não teria sentido obrigar uma pessoa a entregar certa coisa a outra para forçar esta segunda a, ato contínuo, restituir, por vezes, a mesma coisa à primeira, de quem a recebeu.

Do instituto da compensação trata o Código Civil, nos arts. 368 a 380.

Da análise do primeiro dispositivo mencionado extrai-se o conceito de compensação, que pode ser definida como a extinção das obrigações quando duas pessoas forem, reciprocamente, cre­dora e devedora.

Trata-se de instituto que visa eliminar a circulação inútil da moeda, evitando duplo pagamento (entre os reciprocamente cre­dores e devedores).

Quando as dívidas são de igual montante, o que possibilita a extinção integral de ambas as obrigações, diz-se que a compensa­ção é total. Caso as dívidas sejam de desigual valor, a compensação é dita parcial, operando até o limite da dívida de menor valor.

Evidenciam-se, doutrinariamente, três diferentes modalida­des de compensação: a legal, a convencional e a judicial.

A legal é a baseada nos pressupostos exigidos pela lei, ou seja, opera seus efeitos de pleno direito, independentemente da vonta­de das partes. Verifica-se necessariamente quando entre as mes­mas pessoas há, por título diverso, dívidas homogêneas, líquidas e exigíveis. A existência desses pressupostos é bastante para deter­miná-la. O juiz não pode proclamá-la de ofício, necessitando que seja provocado, cabendo-lhe, apenas, reconhecê-la. Pode ser ar- güida em contestação, em reconvenção e até mesmo nos embar­gos à execução (CPC, art. 741, VI).

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

A compensação convencional, também denominada voluntá­ria, é aquela que resulta de estipulação das partes quando falta al­gum dos pressupostos da compensação (homogeneidade, liqui­dez e exigibilidade das dívidas recíprocas). Nessa hipótese, com fundamento no princípio da liberdade contratual, os devedores recíprocos podem fixar as condições da compensação. Como mo­dalidade de compensação convencional pode-se citar a compen­sação facultativa, que pressupõe a renúncia de um dos interessa­dos ao obstáculo, que a impediria. Vale dizer que incide nos casos em que não se enquadram as hipóteses de compensação legal

Por fim, diz-se que a compensação é judicial quando o obstá­culo à verificação da compensação legal é vencido através de uma decisão judicial, isto é, através de um ato decisório do juiz, ao per­ceber o fenômeno no processo, em cumprimento das normas aplicáveis à compensação legal. Nesse caso, uma das dívidas recí­procas não é líquida, ou exigível, e o juiz a declara, liquidando-a, ou suspendendo a condenação. Ocorre principalmente nas hipó­teses de procedência da ação e também da reconvenção.

► 21.2.1. Requisitos da compensação

Conforme anteriormente mencionado, a leitura do art. 368, CC, exterioriza que para que ocorra a compensação, é necessário haver reciprocidade de débitos. Só existe compensação, portanto, quando duas pessoas são, reciprocamente, devedor e credor uma da outra.

Desse requisito, extraem-se, como corolários:

1) a compensação só pode extinguir obrigações de uma das par­tes em face da outra (créditos recíprocos), e não obrigações de terceiro para com alguma delas. Esse enunciado é confirma­do pelo que estabelece o art. 376, CC, que define que “obri- gando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever”;

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

2) a compensação só pode extinguir os créditos de uma parte em relação à outra e não de créditos de terceiro sobre a con- traparte, nem os créditos do devedor contra terceiro. Esse corolário vem positivado no art. 371, CC, Ia parte (“o deve­dor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever”), embora o mesmo preceito legal, logo em seguida permita uma exceção importante, possibilitando ao fiador que declare a compensação de sua dívida, que é subsidiária e acessória, com a dívida do credor ao (devedor) afiançado (“o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado”). Reconhece-se, em suma, a faculdade de o fiador invocar contra o credor a compensação que o devedor pode­ria lhe opor (art. 837, CC).

Enuncia o art. 369, CC, que a compensação efetua-se entre dívidas líquidas,158 vencidas e coisas fungíveis.

Dívida líquida é aquela certa quanto à sua existência e deter­minada quanto ao seu objeto (v.g. dívida representada por um cheque ou por uma nota promissória e cujo vencimento é deter­minado). Em outras palavras, é aquela dívida em que o valor é certo e determinado, expresso por uma cifra.

158 “COMPENSAÇÃO - Dívida ilíquida - Inadmissibilidade - Instituto que só se coaduna com a dívida líquida e certa - Contracrédito dependente de apuração peri­cial por levantamento contábil - Inadmissibilidade - Aplicação dos arts. 1.010 e 1.533 do CC - Declarações de votos” (RT 629/151); “COMPENSAÇÃO - Instituto que só se coaduna com a dívida líquida e certa - Contracrédito embasado em cheque prescrito, não apresentado ao banco para pagamento - Inadmissibilidade - Valor que só pode ser pleiteado em ação ordinária - Inteligência do art. 1.010 do CC” (RT 629/151); “O saldo em conta-corrente é um crédito líquido, certo e exigível do depositante, o qual, na sua falência, pode concorrer com o crédito quirografário do banco depositário, em termos de compensação” (RT 453/111); “A compensação só se opera em relação às dívidas líquidas, vencidas e homogêneas” (RT 487/137); “Somente são compensáveis dívidas líquidas e certas, não podendo, portanto, haver compensação de crédito ilíqui- do” (RT 488/224); “Se a obrigação depende de prévia apuração ou verificação, não autoriza a compensação” (RT 492/140).

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Difere da dívida decorrente de um ato ilícito (v.g. acidente de automóveis), que, em princípio, não é líquida, pois não é certa quanto à sua existência (requer-se a prova do prejuízo e da con­duta, no mínimo culposa do causador do dano), nem determina­da quanto ao seu objeto (a extensão do dano requer prévia ava­liação). Trata-se, nessa hipótese, de dívida ilíquida, até que seja quantificada.

Outro requisito da compensação legal é que ambas as dívidas já estejam vencidas, vale dizer, que já tenha ocorrido o seu venci­mento, normal ou antecipado (arts. 331 a 333, CC).

Em decorrência dessa exigência, estão excluídas da compen­sação as obrigações naturais, incluindo-se aí as dívidas prescritas, pois inexigíveis. Nas obrigações condicionais, somente é permiti­da a compensação após o implemento da condição; nas obriga­ções a termo, somente depois do vencimento deste.

Os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam à compensação (art. 372, CC). Assim, se uma das dívidas se torna inexigível temporariamente, por exemplo, em virtude de moratória concedida ao devedor, mesmo assim é possível a com­pensação.

Refere-se, ainda, o art. 369, CC, a dívidas de coisas fungíveis. É o requisito da homogeneidade159 das prestações. É preciso que as dívidas sejam fungíveis entre si. Assim, dívida em dinheiro só se compensa com outra dívida em dinheiro. Mas não basta que se­jam do mesmo gênero, é necessária a identidade de espécie e qua­lidade, quando especificada no contrato, conforme o teor do art. 370, CC, que define que “embora sejam do mesmo gênero as coi­

159 “COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Bem imóvel - Rescisão contra- tual - Cláusula determinando a perda do valor das prestações já pagas, considerada abusiva - Hipótese em que o promissário permanece no imóvel - Possibilidade da compensação dos alugueres auferidos contra as prestações a serem devolvidas - Apu­ração das deduções em execução - Inviabilidade na via do recurso especial, por envol­ver reexame de provas - Inteligência dos arts. 51 e 53, da Lei n. 8.078/90” (RT 727/127).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

sas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, verificando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato”. Nesse contexto, se uma das dívidas for de arroz tipo “exportação”, só se compensará com outra dívida também de arroz tipo “exportação”.

Percebe-se, portanto, que não basta que sejam fungíveis em si mesmas, é preciso que sejam fungíveis entre si.

Discute-se se as obrigações de fazer fungíveis comportam compensação. Quanto às infungíveis, evidente que não. A melhor doutrina é no sentido da impossibilidade de tal compensação, mesmo em se tratando de obrigações de fazer não-personalíssi- mas, ainda mais porque o Código Civil, quando se refere a com­pensação, refere-se a “coisas”, como decorre dos arts. 369 e 370.

Dispõe o art. 373, CC, que

a diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto:

I - se provier de esbulho, furto ou roubo;

II - se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;

III - se uma for cie coisa não suscetível de penhora.

Assim, como regra geral, se uma das dívidas provier do for­necimento de mercadorias e a outra de ato ilícito, tal diversidade não impede a compensação. Mas logo em seguida, nos três inci­sos do art. 373, são estabelecidas exceções a essa regra geral.

No inciso I, do art. 373, tem-se em vista o caráter não só ilí­cito, mas doloso da causa da obrigação, que justifica a restrição. A lei não admite que o autor do esbulho, do furto e do roubo se aproveite da compensação, para se eximir à obrigação de restituir e indenizar a que dá origem o ato ilícito doloso.

Na segunda hipótese (inciso II), considera-se a causa das obrigações, não se admitindo a compensação se uma delas pro­vier de comodato, depósito ou alimentos. É que as relações entre comodante e comodatário e entre depositante e depositário ba- seiam-se na recíproca confiança; além de que faz parte da nature­

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

za do contrato de comodato e de depósito a restituição da coisa. No que se refere à obrigação alimentar, destinando-se seu cum­primento à subsistência do alimentando, eventual compensação frustraria essa finalidade.

Finalmente, na terceira hipótese (inciso III), impede-se a com­pensação quando uma das dívidas se referir a bem (ou direito) insuscetível de penhora. Assim, crédito relativo a salários não pode ser compensado com outro, de natureza diversa, porque o salário, destinando-se ao atendimento das necessidades básicas de subsistência do trabalhador, é impenhorável, por exemplo. O Có­digo de Processo Civil enumera, no art. 649, tudo o que não pode ser penhorado.

O Código Civil de 1916 dispunha, no art. 1.017, não poderem ser objeto de compensação as dívidas fiscais. O Código Civil de 2002, no art. 374, CC, veio alterar esse comando, dispondo que a matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, seria regida pelas disposições nele contidas. Esse arti­go veio a ser revogado, de modo que a compensação das dívidas fiscais continua regida por leis especiais.

Em alguns casos especiais, não se admite a compensação.160 O impedimento pode decorrer de convenção entre as partes ou por imposição legal (convencional ou legal). De comum acordo, credor e devedor excluem-na (art. 375, Ia parte, CC). Não cabe a compen­sação se há renúncia prévia de um dos devedores (art. 375 ,2a parte, CC), ou seja, quando uma das partes abre mão do direito eventual

160 “RESPONSABILIDADE C IV IL -In cên d io -V ítim a fatal - Obrigação de inde­nizar - Pretendida compensação com a pensão concedida à viúva - Inadmissibilidade- Distinção entre a indenização acidentaria e o ressarcimento de Direito comum - Aplicação da Súmula 229 do STF” (RT 591/120); “RESPONSABILIDADE CIVIL - Acidente de trânsito - Acidente fatal - Vítima que deixa companheira pensionada pela Previdência Social - Pretendida compensação - Inadmissibilidade - Diversidade dos respectivos fundamentos” (RT 583/154); “EXECUÇÃO - Título extrajudicial - Nota promissória - Pretendida compensação com vales de retirada - Impossibilidade mate­rial - Embargos improvidos” (RT 608/214).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

de argüi-la. É necessário, porém, que os requisitos da compensação não estejam ainda presentes. Caso contrário, já estará concretizada. Mesmo assim, qualquer dos devedores ainda pode renunciar a seus efeitos, desde que respeitados os direitos de terceiros.

A regra do art. 377, CC, trata da compensação na cessão de crédito, prescrevendo que

o devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a ter­

ceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensa­

ção, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a

cessão lhe não tiver sido notificada, poderá opor ao cessionário com ­

pensação do crédito que antes tinha contra o cedente.

Tal dispositivo objetiva evitar fraudes. Por isso dispõe o art. 290, CC, que a cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a ele notificada.

2 1 .3 . T r a n sa ç ã o

Trata-se de instituto que já se fazia presente no direito roma­no, destinando-se a extinguir uma obrigação, por ser uma con­venção em que alguém renunciava a um direito em litígio, rece­bendo, porém, uma retribuição.

Desse modo, o requisito essencial da transação era a existên­cia de concessões recíprocas, e nesse mesmo sentido seguiram as legislações contemporâneas.161

Pelo que se percebe, é indispensável à transação a existência de uma relação jurídica duvidosa. É preciso que as partes estejam já a litigar ou na iminência de fazê-lo, em razão das controvérsias entre elas havidas.

161 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p.320.

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

Define o art. 840, CC, que “é lícito aos interessados preveni­rem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. A transação é, assim, um negócio jurídico bilateral, pelo qual as par­tes interessadas, por meio de concessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas.

Nesse sentido, a transação seria uma composição amigável entre os interessados sobre seus direitos, em que cada qual abre mão de parte de suas pretensões, fazendo cessar as discórdias.162

O texto do Anteprojeto do Código de Obrigações, que chegou a converter-se em Projeto (arts. 817 a 830), considerou a nature­za jurídica contratual da transação ao afirmar que

a transação é uma especial modalidade de negócio jurídico, que se

aproxima do contrato na sua constituição, e do pagamento nos seus

efeitos ... O principal efeito da transação é o extintivo, e é o que

decorre de sua própria definição, pois, se é acordo liberatório, o ime-

diatismo de sua conseqüência está na desvinculação do obrigado.

Trata-se de idéia que, entre outros, o Código Civil francês, o italiano, o português e o mexicano adotaram.163

O campo da transação é delimitado, somente sendo permiti­da em relação a direitos patrimoniais de caráter privado (art. 841, CC). Dessa forma, ficam excluídos os relativos ao estado de pes­soas, o matrimônio, o pátrio poder, enfim, todas as relações de família quando consideradas em si e nos direitos e deveres a que dão lugar.

Não podem ser objeto de transação, ainda, quaisquer ques­tões que envolvam matéria em que é interessada a ordem públi­ca, tais como condições de validade de testamento, proteção à economia popular, requisitos legais do negócio jurídico, condi­

162 Ibidem, p.311.163 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. cit., p.225.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

ções de capacidade das partes, requisitos de competência de qual­quer autoridade, entre outras.'6'1

Em relação aos direitos patrimoniais, são objeto da transação somente aqueles suscetíveis de circulabilidade, não alcançando a coisa fora do comércio, ou seja, aquelas que não admitem apro­priação, e as legalmente inalienáveis.165

► 21.3.1. Elementos constitutivos

A partir da definição aqui apresentada, é possível depreender os elementos constitutivos da transação,166 quais sejam:

1) Acordo de vontade entre os interessados:167 por se tratar de um negócio jurídico em que as partes renunciam a alguns direi­tos, exige-se a manifestação de vontade livre das partes, em que, além de capacidade para transigir, deverão ser dotadas de legitimidade para tanto. Dessa forma, percebe-se que não se admite transação em virtude de lei.

Por outro lado, a lei proíbe a transação em alguns casos espe­cíficos, por importar renúncia de direitos:

164 VIANA, Marco Aurélio S. Op. cit. p.267.165 Embora o Código Civil moderno não tenha dedicado um capítulo aos bens

que estão fora do comércio (extra commercium), como foi feito pelo Código Civil de 1916, em seu art. 69, encontram-se nessa situação os bens naturalmente indisponíveis (ar atmosférico, mar etc.), os legalmente indisponíveis (bens públicos de uso comum e especial) e os indisponíveis pela vontade humana (deixados em testamento com cláusula de inalienabilidade).

166 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p .311.u>7 “TRANSAÇÃO - Indenização - Verba decorrente de acidente de trânsito -

Ajuste realizado logo após a colisão - Ação posterior pretendendo a complementação da quantia - Inadmissibilidade - Acordo irretratável unilateralmente - Carência decretada” (RT 618/126); “TRANSAÇÃO - Honorários de advogado - Previsão de pagamento por apenas um dos litigantes - Ausência, entretanto, de consentimento expresso dos procuradores - Composição inter alios que não os envolve - Ação de cobrança proposta contra ambos - Admissibilidade - Legitimidade passiva reconheci­da” (RT 617/107).

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

a) ao tutor e ao curador, referentemente aos negócios do tutelado ou curatelado (arts. 1.748, III, e 1.774, CC), a menos que seja do interesse deles e exista autorização ju ­dicial expressa;

b) aos pais, quanto aos bens e direitos de seus filhos menores, salvo mediante prévia autorização do juiz (RT 146/266 e 236/117);

c) ao mandatário sem poderes especiais e expressos (art. 661, §1°, CC; art. 38, CPC, com a redação dada pela Lei n. 8.952/94);

d) aos procuradores fiscais e judiciais das pessoas jurídicas de direito público interno;

e) ao representante do Ministério Público;f) à pessoa casada, exceto no regime da separação absoluta

(art. 1.647, CC), sem o consentimento do outro consorte;g) ao sócio que não tenha a administração da sociedade

(arts. 1.010 a 1.021, CC);h) ao inventariante, no caso do art. 992, II, do CPC;i) ao síndico, sobre dívidas e negócios da massa, salvo licen­

ça judicial e audiência do falido (Decreto-lei n. 7.661/45, art. 63, XVIII).

2) Existência de litígio ou de dúvida sobre os direitos das partes, suscetíveis de serem desfeitos: somente pode-se falar em tran­sação, quando os direitos sobre que versa forem litigiosos ou duvidosos. Caso assim não sejam, ter-se-á reconhecimento ou renúncia, conforme se admitam as pretensões contrárias ou se desista das próprias. Pressupõe, portanto, a transação um litígio ou uma dúvida possível de se dar ou já existente, por ser uma alternativa a que as partes recorrem para preve­nir ou terminar controvérsias.

3) Intenção de pôr termo à res dubia ou litigiosa: a vontade de eli­minar a incerteza aparece como elemento essencial da transa­ção, às vezes motivada até mesmo pela extrema morosidade

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

das decisões do Poder Judiciário. Porém, fato incontroverso é que, independentemente da motivação, o animus é essencial.

4) Reciprocidade de concessões: surge, então, o caráter oneroso da transação, já que cada parte procura tirar uma vantagem do acordo, sem que as concessões mútuas devam implicar equi­valência ou proporcionalidade das prestações ou correspon­dência das vantagens e sacrifícios. O Supremo Tribunal Fede­ral já decidiu que “a validade da transação não depende da equivalência das prestações, da correspondência dos sacrifí­cios, da igualdade das concessões, isto é, não implica propor­cionalidade do dado, retirado ou prometido” (RTJ, 59/923). Vale realçar que não existirá transação se uma das partes rece­ber só vantagens e a outra apenas sacrifícios, mas renúncia, ratificação ou reconhecimento do direito do outro, doação, remissão de dívida, conforme o caso, de forma que tudo con­ceder sem nada receber não significa transigir.

5) Prevenção ou extinção de um litígio ou de uma dúvida: por meio dela, põe-se fim à pendência em andamento e arreda-se controvérsia ou dúvida sobre certa pretensão, surgindo uma situação definida, pela consumação da prevenção ou pela ex­tinção do litígio ou da incerteza.

► 21.3.2. Espécies e eficácia

A transação168 pode ser judicial quando recair sobre direitoscontestados em juízo, hipótese em que, a teor do art. 842, 2a parte,

m Sobre a transação: “A transação tem o efeito de coisa julgada e só se rescinde por dolo, violência ou erro” (RT 486/63); “A transação devidamente homologada é título hábil para a respectiva execução” (RT 466/132); “Negócio jurídico a título one­roso, a transação é o meio pelo qual as partes terminam um litígio já nascido ou pre­vinem uma contenda por nascer, mediante concessões recíprocas. A validade da tran­sação não depende da equivalência das prestações, da correspondência dos sacrifícios, da igualdade das concessões, isto é, não implica proporcionalidade no dado, retido ou prometido. Não tem objeto ilícito nem ofende a ordem pública, a transação que visa

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

CC, deve ser feita por termo nos autos, assinados pelos transigen- tes e homologado pelo juiz; ou por escritura pública, devidamente juntada aos autos pelas partes. Essa transação, portanto, substitui a decisão que o juiz proferiria se a causa chegasse ao deslinde.

Inexistindo litígio, a transação poderá ser extrajudicial, de forma preventiva, mediante convenção entre os interessados, por meio de escritura pública, se a lei reclamar essa forma, ou parti­cular, nas hipóteses em que o ordenamento jurídico admitir (art. 842, Ia parte, e 104, III, CC). Até mesmo por sua finalidade pre­ventiva, não há necessidade de homologá-la em juízo.

Em qualquer de suas espécies, a transação, em decorrência de sua natureza contratual, faz lei entre as partes (pacta sunt servan- da), podendo ser anulada pela caracterização de vício do consen­timento169 (erro, dolo, coação - art. 849, CC), mas também em função do denominado vício social170 (fraude contra credores). No que tange ao erro, não é passível de anulação por erro de direi­to a respeito das questões que foram objeto de controvérsia entre as partes.

Em princípio, a transação somente produz efeitos entre os transatores, não podendo alcançar quem dela não tenha partici­pado, pois, sendo um contrato, torna-se obrigatória somente às pessoas que se obrigaram (pacta sunt servanda).

prevenir litígio fundado em nulidade de um contrato que encobriria empréstimo usuário, pois a própria lei permite que ela tenha por escopo obrigações resultantes do delito. A usura real depende de prova do dolo de aproveitamento, que requer ou pres­supõe premente necessidade, inexperiência ou leviandade da vítima, e tal não se dá quando o empréstimo é obtido para fins lucrativos” (RT 423/221); “Admite-se o reexa- me da decisão homologatória da transação, nos próprios autos, se ela ainda não tran­sitou em julgado” (RT 428/273).

169 Vício do consentimento é aquele em que a manifestação de vontade do agen­te não corresponde com o seu verdadeiro querer, sua efetiva intenção (v.g. aquisição de uma réplica de um relógio de marca famosa, imaginando-se tratar do original).

170 Vício social, por sua vez, é aquele em que a manifestação de vontade corres­ponde à verdadeira intenção do agente, que o pratica com a intenção de fraudar a lei ou prejudicar terceiros (alienar bens para não honrar compromissos anteriormente assumidos).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Contudo, essa regra, que é retratada no caput do art. 844, CC, sofre as exceções relacionadas nos três parágrafos desse mesmo dispositivo legal, conforme veremos a seguir.

O primeiro deles refere-se à fiança. Realmente, se se torna extinta a obrigação principal, duvidosa, extinguem-se seus aces­sórios, inclusive a fiança, pacto secundário de garantia (“se for concluída entre o credor e o devedor, desobrigará o fiador”).

O segundo parágrafo menciona a transação “entre um dos credores solidários e o devedor”, ficando este liberado com rela­ção aos demais credores. Tem-se em mira a solidariedade ativa, prevista no art. 267, CC, pela qual qualquer dos credores poderá exigir do devedor todo o objeto da prestação. Assim, qualquer dos credores, solucionando, por transação com o devedor, a obriga­ção duvidosa, resta ela extinta.

Por derradeiro, o terceiro parágrafo objetiva a solidariedade passiva, ao demonstrar que a transação “entre um dos devedores solidários e seu credor” tem força de liberar os demais co-deve- dores. Pelo prisma da solidariedade passiva (art. 275, CC), que autoriza ao credor exigir de qualquer dos devedores a dívida toda, se o credor transaciona com um dos devedores solidários, ficará extinta a obrigação duvidosa, com a conseqüente liberação de seus companheiros de débito.

Dessa forma, quanto à sua eficácia subjetiva, a transação não aproveita nem prejudica senão aos que nela intervieram, ainda que diga respeito a coisa indivisível (art. 844, CC), desobrigando o fiador, se concluída entre o credor e o devedor principal (art. 844, §1°, CC); extinguindo a obrigação do devedor para com os demais credores, quando realizada com um dos credores solidá­rios (art. 844, §2°, CC); extinguindo a dívida em relação aos co- devedores, quando formulada entre um dos devedores solidários e seu credor (art. 844, §3°, CC).

Em face da evicção da coisa renunciada por um dos transi- gentes, ou por ele transferida à outra parte, não revive a obriga­ção extinta pela transação, mas ao evicto cabe o direito de recla­

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MODOS SATISFATIVOS INDIRETOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

mar perdas e danos (art. 845, CC). Assim, o transator, no direito brasileiro, não oferece garantia pelos riscos da evicção, que, ocor­rendo, não invalida a transação, sujeitando o beneficiado ao res­sarcimento dos danos causados, para que não haja desequilíbrio na relação jurídica, com o enriquecimento de uma das partes em detrimento da outra.

Em seguida, o parágrafo único do referido artigo (art. 845, CC) ressalva que “se um dos transigentes adquirir, depois da tran­sação, novo direito sobre a coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-lo”.

A transação é, por determinação do art. 848, CC, indivisível, não podendo fracionar-se. Qualquer nulidade de qualquer de suas cláusulas acarretará sua completa invalidez.

A lei tornou indivisível a transação pois ela implica renún­cias, que não podem valer senão no seu todo, para que não seja instrumento de injustiças. Ambas as partes que transacionam de­vem ceder, como visto anteriormente, a direitos para a composi­ção amigável, não sendo justo que, uma das renúncias sendo nula, prevaleça a outra. Pela indivisibilidade criada pela lei, qual­quer nulidade existente na transação contamina toda ela, tornan­do-a totalmente imprestável no mundo jurídico.

O parágrafo único do art. 848, CC, admite a validade isolada de uma transação, quando existirem outras, embora nulas, mas pelo fato de serem consideradas autônomas entre si, completa­mente independentes. Nesse sentido, assim estatui: “Quando a transação versar sobre direitos contestados, independentes entre si, o fato de não prevalecer em relação a um não prejudicará os demais”.

Além disso, é nula a transação a respeito do litígio decidido por sentença transitada em julgado, se dela não tinha ciência al­gum dos transatores, ou quando, por título posteriormente des­coberto, se verificar que nenhum deles tinha direito sobre o obje­to dela (art. 850, CC).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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22Modos não-satisfativos

de extinção das obrigações

Existem hipóteses, contudo, em que o devedor se desobriga sem que o credor receba, ainda que por via indireta, a prestação a que tem direito. Essas hipóteses denominam-se modos não-satisfativos de extinção do cré­dito, que serão objeto de estudo a partir de agora.

M 2 2 .1. C o n f u s ã o

Nosso novel diploma legal trata da confusão como modo de extinção da obrigação nos arts. 381 a 384.

O instituto, no entanto, participa também do Direito das Coisas, significando a reunião de coisas pertencen­tes a diversos donos sem o consentimento deles, for­mando um todo de difícil ou impossível decomposição (art. 1.272, CC).

No âmbito do Direito das Obrigações, confusão é a reunião na mesma pessoa, seja singular ou coletiva, das

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

qualidades de credor e devedor na mesma obrigação, o que acar­reta a extinção do crédito, pois teria de exigi-lo de si própria.

Dispõe o art. 381, CC, que “extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor”. Percebe-se, portanto, que na confusão as qualidades de credor e devedor reúnem-se numa só pessoa, ocasionando a ex­tinção da obrigação. Em outras palavras, ocorre sempre que con­virjam dívida principal e crédito principal.

Indubitável que o legislador inseriu a confusão no universo da extinção das obrigações, evidenciando-se o seu efeito liberató- rio. Não se pode imaginar a existência de pagamento, mesmo em sentido lato, porque o vínculo desaparece sem a concorrência de uma prestação.171

Pode acontecer, também, que em decorrência de um fato jurí­dico estranho à relação jurídica obrigacional reúnam-se, na mesma pessoa, as figuras do devedor e do credor.

Isso ocorre mais freqüentemente na sucessão a título univer­sal, causa mortis, quando o herdeiro recebe do de cujus um título de crédito contra si mesmo, ou vice-versa (v.g. A deve a sua prima B a importância de R$ 1.000,00. Morre B, deixando A como seu único herdeiro. Reuniram-se na pessoa de A as figuras de devedor e credor da mesma obrigação).

Também em se tratando de sucessão a título singular, inter vivos ou causa mortis, a situação pode ser gerada (v.g. A contraiu empréstimo junto a B de R$ 500,00. Posteriormente veio com ela a se casar pelo regime da comunhão universal de bens, ocorren­do a comunhão de patrimônios).

A situação decorrente é a própria negação da relação jurídica obrigacional, que pressupõe a existência de dois sujeitos diferen­tes, um ativo (credor) e um passivo (devedor), ou seja, um titular de direito subjetivo e um devedor de uma prestação.

171 VIANA, M arco Aurélio S. Op. cit., p.283.

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MODOS NÃO-SATISPATIVOS DE EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

Não subsiste, em resumo, a obrigação, que se extingue sem que haja qualquer espécie de satisfação do crédito do sujeito ativo: o vínculo jurídico desaparece sem a ocorrência de uma prestação.

Dá-nos o art. 381, CC, o conceito legal de confusão, ao dispor que a obrigação se extingue, desde que na mesma pessoa se con- fundam as qualidades de credor e devedor.

Essa extinção não é sempre definitiva, razão pela qual alguns estudiosos consideram a confusão simplesmente um meio de paralisação da ação que tutela o direito do credor. Realmente a obrigação pode ser restabelecida, remanescendo logo que os seus dois pólos voltarem a se separar.

Desse restabelecimento trata o art. 384, CC, na medida em que preceitua que cessando a confusão, para logo se estabelece, com todos os seus acessórios, a obrigação anterior. Tal situação pode acontecer no caso de abertura de sucessão provisória em razão da declaração de ausência e posterior aparecimento do pre- sumidamente morto, por exemplo.

É que, na realidade, em alguns casos, não se opera extinção obrigacional pela confusão, mas mera neutralização do direito, como se ficasse dormindo a obrigação, paralisada, até o surgi­mento de uma causa que a viesse acordar, restabelecer, no mundo jurídico (v.g. o caso de sucessão provisória decorrente de morte presumida. Nesse caso, durante o prazo que a lei prevê, aparecen­do viva a pessoa que presumivelmente encontrava-se morta, desaparece a causa da confusão, podendo dizer-se que o sucessor esteve impossibilitado de pagar seu débito, pois iria fazê-lo a si próprio, por ser herdeiro do suposto falecido, como se, nesse período, estivesse neutralizado o dever de pagar com o direito de receber).

Costumam-se distinguir duas espécies de confusão: a total e a parcial. A primeira ocorre com relação à dívida toda; a segunda, atingindo apenas uma parte dela. Dispõe a respeito o art. 382, CC, aduzindo que “a confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte dela”.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Exemplifica-se a confusão parcial, ao imaginarmos a situação fática a seguir: A é devedor de B, que vem a falecer, deixando A como herdeiro, mas juntamente com C, e a quota-parte de A na herança é inferior ao montante de seu débito. A confusão, então, ocorre parcialmente, subsistindo parte da dívida em favor do outro sucessor.

No art. 383, o Código Civil dispõe a respeito da confusão na hipótese de obrigação solidária:

A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário

só extingue a obrigação até a concorrência da respectiva parte no

crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade.

Pelo texto da lei, depreendemos que em virtude da confusão extingue-se parcialmente a obrigação, apenas no que diz respeito à parte do devedor ou do credor em que ela se deu, sem que ter­mine a solidariedade quanto ao remanescente.

Nessas condições, se há solidariedade passiva, e as qualidades de devedor e credor se reúnem em uma única pessoa, a confusão só opera até a concorrência da quota desse co-devedor. Se a soli­dariedade é ativa e numa só pessoa se apresentam as duas quali­dades, a confusão será parcial, permanecendo quanto aos demais a correalidade.

A confusão tem como principal efeito a extinção da obriga­ção, com a ressalva anteriormente mencionada, referente ao fato de que pode se restabelecer.

A extinção atinge não só a obrigação principal, mas também os acessórios (cláusula penal, direito a juros etc.) e as garantias do crédito, pessoais ou reais; mas a recíproca não é verdadeira.

A extinção da obrigação, conseqüentemente, aproveita a ter­ceiros, que a tenham garantido, mas não poderá se dar em prejuí­zo de terceiro.

A confusão pode cessar por força de uma situação jurídica transitória (v.g. o fiduciário que é credor do de cujus; resolvido o

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MODOS NÂO-SATISFATIVOS DE EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

seu direito, os bens passam ao fideicomissário, desaparecendo a confusão e restaurando-se a dívida, se não estiver prescrita) ou porque é uma relação jurídica ineficaz (v.g. decorrente de um título, como se passa com o testamento pelo qual o devedor se tornou herdeiro, que se torna nulo ou revogado por um ato pos­terior).172

M 2 2 .2 . R e m issã o

Entende-se por remissão a liberação graciosa de uma dívida, emanada do credor. A palavra vem do latim remissio, a que cor­responde o verbo remitere, com o significado de perdão. O credor renuncia ao poder de exigir a prestação devida.

Nesse sentido dispõe o art. 385, CC: “A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro”. O art. 386, CC, por sua vez, define que

a devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito

particular, prova a desoneração do devedor e seus coobrigados, se o

credor for capaz de alienar, e o devedor, capaz de adquirir.

Percebe-se que a remissão vale alienação, exigindo para a sua eficácia, a plena capacidade do agente. A capacidade para recebê- la é reclamada, também, consoante o disposto no art. 386, CC, aqui citado.

Incumbe ao devedor provar que foi o próprio credor quem lhe efetuou a entrega do título da obrigação, de forma espontânea. A sua simples posse, a despeito do estabelecido no art. 324, CC, não é suficiente no caso de existência de remissão, devendo ser comple­mentada pela prova da entrega voluntária pelo credor. O remitido, caso prefira, pode recusar o perdão e consignar o pagamento.

172 Ibidem, p.286.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A remissão consiste na abdicação definitiva do direito à pres­tação, por parte do credor. É, portanto, forma particular de re­núncia, no entender de alguns doutrinadores.173 Isso ocorre em decorrência de uma série de circunstâncias (v.g. o conhecimento por parte do credor de que o devedor encontra-se em situação economicamente difícil e deseja ajudá-lo renunciando ao seu di­reito de crédito e liberando o patrimônio do devedor da obriga­ção correspondente).

A natureza jurídica da remissão é controvertida. Entendem os doutrinadores alemães que se trata de contrato liberatório, uma vez que requer um acordo entre credor e devedor. Sendo assim, sua natureza é contratual. Para os italianos, por sua vez, é um negócio jurídico unilateral, uma espécie particular de renúncia a um direito aplicada ao direito de crédito. Extingue-se o crédito pela simples declaração de seu titular, que é ato eminentemente unilateral e que dispensa o consentimento do devedor.

Considerando que a remissão de dívida constitui renúncia ao crédito, e, em princípio, não exige o consentimento do devedor, é negócio jurídico de forma livre.174

O ato de disposição do remitente pode originar-se de uma declaração de vontade tácita (facta concludentia) . Assim, há a re­missão tácita quando o credor entrega voluntariamente ao deve­dor o título da dívida, inutiliza-o em sua vista, contenta-se com a prestação inferior ao valor do crédito, entrega o objeto empenha­

173 O entendimento não é pacífico, uma vez que existe quem sustente o seu cunho convencional, havendo distinção entre remissão e renúncia. A nosso ver é espécie de renúncia, não sendo necessária a aquiescência do devedor para que se perfaça.

17,1 Podem ser observadas três espécies de formas nos negócios jurídicos: a) forma livre - é a predominante no direito brasileiro. São os negócios em que a lei> para atribuir-lhe validade e eficácia, não reclama formalidade, podendo ser cele­brados por qualquer forma, inclusive a verbal; b) forma especial (ou solene) - são aqueles negócios que devem obedecer à forma prescrita em lei para se aperfeiçoa­rem. Trata-se de exigência de que o ato seja praticado com observância de deter­minada solenidade; c) forma contratual - é a convencionada pelas partes (v.g. art. 109, CC).

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MODOS NÂO-SATISFATIVOS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

do, ou pratica, afinal, qualquer ato do qual se possa deduzir a vontade de remitir a dívida.175

O perdão da dívida é ato de disposição de um valor patrimo­nial atual. O remitente desfaz-se de um bem. Dessa forma, para que a remissão tenha validade, não basta ter capacidade de agir, mas é necessário que possa dispor do crédito a que se pretende renunciar.

O perdão da dívida pode ocorrer por negócio inter vivos ou mortis causa. Na última hipótese, o perdão dá-se por legado ( lega- tum liberationis).

Vale dizer que a remissão pode ser expressa ou tácita. A pri­meira decorre de manifestação explícita da vontade do credor, exteriorizada por instrumento público ou particular, perdoando a dívida ( inter vivos ou mortis causa). A segunda, por sua vez, decor­re do comportamento do credor, que não se compatibiliza com sua qualidade de credor, resultando, por exemplo, da devolução voluntária do título da obrigação ao devedor (arts. 386 e 387, CC).

A remissão pode ser total ou parcial. Com esse perdão, extin- gue-se o vínculo obrigacional, pois o credor não pode mais exigir a entrega da prestação ou da parte perdoada.

Não requer forma especial, mas como todo negócio jurídico, deve atender aos requisitos de validade deste (agente capaz, obje­to lícito e forma prescrita e não defesa em lei).

Lembre-se que a garantia real é acessório do principal, que é o débito. O penhor é acessório da obrigação. A remissão da obri­gação principal atinge a acessória, mas a remissão do penhor, que é acessório, não atinge o débito, que simplesmente não terá mais garantia real.

Somente as obrigações patrimoniais de caráter privado com­portam o perdão. Não se cogita, conseqüentemente, de remissão de dívidas que envolvam um interesse de ordem pública. Assim, é impossível a renúncia do pai ao pátrio poder ou do filho ao res­

175 G O M E S, Orlando. Op. cit., p. 125.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

pectivo status, mas é possível a remissão das conseqüências patri­moniais dos direitos irrenunciáveis. Se o filho não pode renunciar à sua qualidade de filho, pode contudo fazê-lo à herança de seu pai, assim como o credor de alimentos pode conceder perdão das prestações já vencidas.

O perdão concedido ao devedor principal extingue a obriga­ção dos fiadores e liberta as garantias reais, mas se o credor con­cede perdão ao fiador, extingue-se a fiança, mas sobrevive a obri­gação principal.

Aduz o art. 388, CC, que se vários forem os devedores, a remissão concedida a um deles extingue a obrigação na parte que lhe corresponde, de modo que o credor não mais poderá acionar os demais coobrigados pelo todo, mas sim com a dedução da parte remitida (“extingue a dívida na parte a ele correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida”).

Preceitua o art. 262 que, sendo vários os credores, e um deles fizer a remissão, sendo indivisível a obrigação, esta não ficará ex­tinta em relação aos outros, que poderão exigir o pagamento, mas com desconto da quota do credor que perdoou.

O principal efeito da remissão é a extinção do crédito. Por conseqüência natural, junto com ele desaparecem os acessórios e as garantias.

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23Outros modos

não-satisfativos de extinção

das obrigações

Como tais, podemos ainda incluir a prescrição, a im­possibilidade de adimplemento sem culpa do devedor e o advento de condição resolutiva ou de termo extintivo.

Sabe-se que a prescrição é a perda da ação, atingin­do por via oblíqua o próprio direito (v.g. o não-exercí- cio da ação de cobrança de eventual crédito de que somos titulares, no prazo legal, o próprio direito de que somos titulares será atingido, uma vez que não mais poderemos atingir sua satisfação). Conseqüentemente, extingue-se o vínculo que sujeitava o devedor à entre­ga da prestação.

Dessa forma, a pretensão do credor perde sua vir- tualidade pelo decurso do tempo fixado na lei. Extin­gue-se, portanto, o crédito, pois cessa a responsabilida­de do devedor.

A impossibilidade do cumprimento também libera o devedor quando decorre de acontecimento alheio à

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sua vontade, cujo efeito não possa evitar ou impedir, vale dizer, de caso fortuito ou de força maior.

Finalmente, o advento de condição resolutiva ou de termo extintivo também importa em liberação do devedor.

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

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OUTROS MODOS NÀO-SATISFATIVOS DE EXTINÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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24Do inadimplemento

das obrigações

2 4 .1 . D a m o r a

► 24.1.1. Conceito e espécies

Verificou-se, em ocasião pretérita, que adimple­mento é sinônimo de cumprimento da obrigação. Ao contrário, inadimplemento eqüivale ao descumprimen­to obrigacional.

O descumprimento da obrigação pode ser absoluto ou relativo. O primeiro surge quando o inadimplemen­to é total, ou seja, quando é total o descumprimento da obrigação (v.g. quando o bem alienado é destruído cul- posamente pelo devedor). O segundo (relativo) é o ina­dimplemento em que a obrigação chega a ser cumpri­da, mas com atraso. A esse atraso, denominamos mora.

Mora é, pois, o retardamento na execução da obrigação. É o retardamento culposo que não decorre

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

de caso fortuito ou força maior. Todavia, seu emprego nem sem­pre se faz corretamente, uma vez que muitos utilizam-na para designar toda espécie de impontualidade e a aplicam para signi­ficar até o atraso no cumprimento da obrigação, por parte do credor. Verifica-se a mora quando o devedor não efetua o paga­mento no devido tempo por fato, ou omissão, que lhe seja imputável.

O elemento objetivo da mora é o retardamento. Lembre-se que mora é demora, atraso, impontualidade, violação do dever de cumprir a obrigação no tempo devido.

Esse retardamento pode ser imputado tanto ao devedor como ao credor. Na primeira hipótese, tem-se a mora debitoris ou mora solvendi. No segundo, a mora creditoris ou mora accipiendi.

Nesse sentido, preferem alguns que mora deve ser entendida como o retardamento na execução da obrigação, quer por parte do devedor que não paga a tempo o compromisso, quer por parte do credor, que não recebe a prestação oferecida, no tempo, lugar e forma convencionados, ou, por qualquer modo, a embaraça ou a impede.

O art. 394, CC, identifica as situações que exteriorizam a mora do devedor e do credor.

24.1.1.1. Mora solvendi

Moroso é o devedor que não efetua o pagamento no tempo, no lugar e do modo a que se obrigara.

O art. 389, CC, estabelece que em não cumprindo a obriga­ção, responderá o devedor por perdas e danos. Estão aí incluídas as duas hipóteses de inadimplemento: o absoluto e o relativo. Em ambas, o credor é prejudicado, mas parece evidente que na segunda o prejuízo é menor. De qualquer forma, o devedor, nos dois casos, responde pelos prejuízos decorrentes.

Por isso, o art. 395, CC, estabelece, no caput, que “responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros,

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regu­larmente estabelecidos, e honorários de advogado”.

Vale mencionar que, por vezes, o inadimplemento relativo transforma-se em absoluto, em função do desinteresse do credor em receber sua prestação a posteriori (v.g. o vestido de noiva que não é entregue pelo costureiro no dia do casamento; o serviço de buffet que não cumpre as exigências contratuais firmadas para a data da festa do casamento, não oferecendo aos convidados as bebidas e comidas contratadas).

A propósito, estabelece o parágrafo único do art. 395, CC, que “se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos”.

Tem-se, nesses casos, a ocorrência de inadimplemento abso­luto da obrigação e, não, simplesmente relativo.

O contrário também pode acontecer, ou seja, o inadimple­mento absoluto converter-se em relativo (v.g. o devedor que é compelido judicialmente a cumprir a prestação que descumprira integralmente). Nessa hipótese, o inicial descumprimento abso­luto transforma-se em relativo, uma vez que o pagamento dar-se- á por determinação do poder judiciário.

Distingue-se, pois, o inadimplemento absoluto da mora; esta difere daquele pelo simples fato de não tirar do devedor a possibilidade de cumprir mais tarde a obrigação, ou seja, de emendar a mora, o que não acontece com o inadimplemento absoluto. A distinção está, em suma, na possibilidade ou impos­sibilidade do devedor em cumprir a obrigação no futuro, ainda que tardiamente.176

A mora do devedor pode ser de duas espécies: mora ex re (em razão de fato previsto na lei) e expersona.

A teor do que dispõem os arts. 390, 397 e 398, CC, a mora resulta do próprio fato do descumprimento da obrigação, inde­

176 DOWER, Nélson Godoy Bassil. Op. cit., p. 172.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

pendendo de qualquer provocação do credor (interpelação, noti­ficação ou protesto). É o que se denomina mora ex re, por apli­cação da regra dies interpellat ab homine (“o termo interpela em lugar do homem”).

Pelo teor do disposto no art. 390, C C ,“o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster”. Neste caso, a mora se confunde com o próprio inadimple­mento obrigacional.

A mora ex re também surge nos casos de inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu termo, conforme aduz o art. 397, CC. O simples vencimento do prazo, se a dívida for líquida, é suficiente, portanto, para que o devedor esteja constituído em mora. Caso o devedor, sendo a dívida portável, não procure o cre­dor para o pagamento, no dia do vencimento, sua mora fica auto­maticamente caracterizada. O advento do termo final (dies) já vale, automaticamente, como interpelação.

Finalmente, quanto às obrigações provenientes de delito, estabelece o art. 398, CC, que o devedor considera-se em mora desde o momento em que o praticou. Nessas hipóteses, tem-se a mora ex re, que se configura desde logo, independentemente de qualquer atividade do credor. Os juros da mora são devidos desde a data do fato. A Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça esta­tui que “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

Quando, no entanto, não houver estipulação de termo certo para a execução da obrigação, será imprescindível, para a confi­guração da mora, uma atividade do credor, “avisando” o devedor que deseja ver cumprida a prestação.

Esse aviso se faz por interpelação, notificação ou protesto, admitindo a jurisprudência em certos casos, a própria citação na ação judicial como a forma mais enérgica de interpelação. Nesse contexto, define o art. 397, parágrafo único, CC, que “a mora se constitui mediante interpelação, judicial ou extrajudicial”. A mora, quando caracterizada dessa forma, diz-se mora ex persona.

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

24.1.1.2. Mora accipiendi

A mora também pode ser do sujeito ativo da obrigação, ou seja, do credor (mora creditoris ou mora accipiendi). Incide em mora, outrossim, o credor que se recusa a receber o pagamento no tempo e no lugar indicados no título constitutivo da obriga­ção, exigindo-o por forma diferente ou pretendendo que a obri­gação se execute de modo diverso.

O propósito do devedor de cumprir tempestivamente a obri­gação pode ser obstado pelo credor. Às vezes, nega-se a aceitar a prestação que lhe é oferecida. Em não havendo justo motivo para a recusa, frustra, com ela, o legítimo interesse do devedor em des- vencilhar-se do vínculo obrigacional.

Trata-se de hipótese mais incomum, tendo-se como pressu­posto que é interesse do credor receber a prestação que lhe é de­vida, da forma pactuada. Caracteriza-se pela real oferta de cum­primento, pelo devedor, seguida de recusa, expressa ou tácita, do credor.

Oferta real significa a conduta indicativa do propósito since­ro de cumprir a obrigação. Não basta demonstrar que a oferta é efetiva, devendo, ainda, corresponder ao conteúdo do crédito. É necessário que se proponha a pagar consoante as condições esti­puladas a respeito do objeto da prestação.

Argumenta-se que o credor não tem o dever de receber no tempo certo. Não se pode, entretanto, recusar ao devedor a facul­dade de liberar-se do vínculo obrigacional, ao invés de manter-se jungido indefinidamente ao credor.

Quando existe, para o credor, em virtude das circunstâncias, uma obrigação quanto ao recebimento oportuno tempore, está em mora quando retarda o recebimento. Nos demais casos, quando não há obrigação de receber, existe ao menos um dever negativo, de não se opor a que o devedor se desvencilhe da obrigação.

O retardamento injustificado eqüivale à recusa, que constitui requisito conceituai da mora accipiendi.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A via judicial a seguir é a ação de consignação em pagamen­to; não é, porém, necessária para que ocorra a mora do credor. Caso o devedor seja impedido de pagar no tempo devido, tornan­do-se impontual por fato ou omissão do credor, diz-se que este incorre em mora (mora accipiendi).

A mora do credor pode constituir-se independentemente de oferta do devedor. Tal situação surge nos casos das obrigações quérables, ou seja, quando o credor se obrigou a recolher a pres­tação, devendo, para esse fim, procurar o devedor.

Os efeitos da mora accipiendi consistem em vantagens atri­buídas ao devedor, tais como:

- abrandamento da culpa na guarda da coisa;- transferência dos riscos;- pagamento, pelo credor, das despesas efetuadas pelo devedor

com a guarda e conservação da coisa.

Purga-se a mora do credor se este se oferece a receber o paga­mento e, conseqüentemente, se sujeita aos efeitos da mora até a mesma data. Caso manifeste a intenção de receber e o devedor não cumpra, passa este a incorrer na mora (debitoris).

A par disso, colocam-se como pressupostos da mora do cre­dor o estado de solvência do devedor e a constituição do credor em mora, o que, geralmente, ocorre através da consignação em pagamento.

24.1.1.3. M ora bilateral

Pode acontecer, ainda, a hipótese de mora bilateral. É certo que, em princípio, podem coexistir a mora solvendi e a mora acci­piendi (v.g. caso nenhuma das partes compareça ao local ajustado para o pagamento).

Quando as moras (do credor e devedor) são simultâneas, dá- se a compensação das moras, forrando-se ambas as partes a seus

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

efeitos. As situações permanecem como antes, como se nenhuma das partes houvesse incorrido em mora.

No caso de existirem moras sucessivas, permanecem os efeitos pretéritos de cada uma. Dessa forma, cada parte responde pelo dano que tenha causado à outra, não se cancelando seus efeitos pela mora superveniente da outra parte.

► 24.1.2. Requisitos da mora

Para que se caracterize a mora, devem concorrer os seguintes requisitos:

- vencimento da dívida;- culpa do devedor; e- viabilidade do cumprimento tardio.

Sendo, por definição, atraso no cumprimento da obrigação, a mora pressupõe a existência de crédito vencido e judicialmente exigível.177

177 Seguem alguns julgados sobre a mora: “COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Imóvel - Atraso do comprador no pagamento de prestações - Constituição deste em mora - Ação de rescisão contratual - Pedido de purgação da mora, pelo com­prador, no prazo da contestação - Possibilidade - Sentença que acolhe a ação anulada de ofício - Determinação para que o saldo devedor seja calculado pelo contador do Juízo” (RT 684/152); “COMPRA E VENDA - Rescisão - Atraso na entrega da unida­de autônoma - Impugnação, porém, pelo autor somente após ter sido constituído em mora - Falta de pagamento do restante do preço a ser financiado - Perda de parte das quantias pagas - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, posto que vigeu após a celebração do contrato” (RT 723/332); “COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Rescisão - Obra entregue no prazo contratual - Promitente comprador constituído em mora - Cláusula penal prevendo perda total das quantias já pagas - Legalidade - Inaplicabilidade do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor - Lei posterior não pode retroagir no tempo alcançado alcançando cláusula contratual livremente pactuada - Voto vencido” (RT 694/92); “Se a mora é do credor, em qual­quer ocasião o devedor pode consignar, porque perfeitamente dentro do tempo para pagar” (RT 442/261); “Não há inadimplemento do cessionário devedor, em face de adimplemento ruim do cedente ao credor. O devedor interpelado não incorre em

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Assim, é necessária a existência de dívida líquida, certa e exi- gível. Em se tratando de obrigação condicional, será impossível a caracterização da mora antes do implemento da condição sus- pensiva na obrigação a termo, antes do termo final.

O retardamento na entrega da prestação constitui o elemen­to objetivo da mora. Prende-se o conceito à idéia de tempo.

Para que se determine o exato momento em que o devedor incorre em mora, é da maior importância saber quando ocorre o vencimento. Nas obrigações que devem ser cumpridas dies certus an certus quando, não há dificuldade: o vencimento se verifica com a superveniência do termo (v.g. boleto bancário com data prefixada).

O direito brasileiro admite a constituição automática da mora, ao dispor que o inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu termo constitui de pleno direito em mora o deve­dor. A regra dies interpellat pro homine aplica-se apenas nas obri­gações contratuais,178 pois somente o vencimento em dia certo fixado no contrato faz presumir o interesse do credor de receber nesse momento.

Naquelas em que não é fixado mediante tal cláusula, exige-se aviso ao devedor pelo credor, denominado interpelação ( interpel- latio). Trata-se da notificação do credor ao devedor para que efe­tue o pagamento. Não tem natureza de negócio jurídico, tratando- se de ato jurídico meramente lícito, cujos efeitos da manifestação de vontade já estão corroborados pelo ordenamento jurídico.

A interpelação não é sujeita à forma especial. Tanto pode ser judicial como extrajudicial. No entanto, exige-se, para certas

mora se ficar decidido que dele se exigiu pagamento antes do vencimento, ou que se exigiu mais que o devido” (RT 488/157); “Mora é impontualidade culposa do deve­dor” (RT 478/149); “Não havendo data certa para pagamento de preço restante e outorga da escritura definitiva de imóvel, faz-se mister a notificação premonitória ao comprador devedor” (RT 491/143); “Considera-se em mora o credor ou sucessor que não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados” (RT 484/214).

178 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 170.

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

obrigações, que se promova por intermédio do juiz. Embora não seja ato formal, é preciso que expresse inequivocamente o propó­sito do credor.

A eficácia da interpelação depende da observância de requisi­tos intrínsecos. Além de dever ser dirigida ao devedor ou a quem o represente, tem de se efetuar onde o credor exija precisamente a prestação a que tem direito.

Para a caracterização da mora solvendi, há de existir um ele­mento humano, intencional ou não, gerador da demora na exe­cução da obrigação: o elemento subjetivo.

Elementar à noção de inadimplemento é a noção de culpa. Sabe-se que se a prestação vier a se impossibilitar sem culpa do devedor, a obrigação se extingue, sem perdas e danos.

CLÓVIS BEVILÁQUA ensina que culpa,

em sentido lato, é toda violação de um dever jurídico. Se é intencio­

nal, com ânimo de prejudicar, toma o nome particular de dolo. Se,

porém, não é praticada de má-fé, no intuito de prejudicar, é culpa

em sentido próprio, restrito. Se se reduz à falta de diligência no cum ­

primento das obrigações convencionais, é culpa contratual. É culpa

aquiliana quando consiste na violação do dever, que todos têm, de

respeitar o direito alheio. A culpa aquiliana corresponde ao ato ilíci­

to, no sentido particular da expressão.

Dessa forma estabelece o art. 396, CC: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.

Depreende-se, portanto que não há que se imaginar mora quando o descumprimento decorreu de caso fortuito ou força maior.

Finalmente, como terceiro requisito para a configuração da mora, tem-se a viabilidade do cumprimento tardio. É necessário, como já mencionado, que se trate de impossibilidade provisória, pois, se definitiva, não mais ter-se-á mora, mas inadimplemento absoluto da obrigação.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

► 24.1.3. Efeitos da mora

O Código Civil disciplina as conseqüências ou efeitos jurídi­cos da mora.

Em se tratando de mora solvendi, responde o devedor pelos prejuízos a que a sua mora der causa (art. 395, CC). Trata-se da responsabilidade ordinária do devedor. O credor pode exigir também juros moratórios, correção monetária, cláusula penal e a reparação de qualquer outro prejuízo que houver suportado. Pode, ainda, optar por enjeitá-la, no caso de haver se tornado inú­til, reclamando perdas e danos (art. 395, parágrafo único).

Finalmente, subsiste a responsabilidade do devedor moroso pela impossibilidade da prestação, mesmo decorrente de caso for­tuito ou força maior, se estes ocorreram durante o atraso, salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, ainda que a obrigação fosse oportunamente adimplida (art. 399, CC).

A parte final do art. 399, CC, aparentemente, estaria anulan­do a primeira, pois se não houve culpa e se no fortuito ou força maior o dano sobreviria de qualquer forma, não haveria respon­sabilidade indenitária.

Há de se entender, então, a parte final do art. 399, CC, de forma que se mesmo sem a mora o dano sobreviria, não há que se falar em indenização. Se, pelo contrário, sem a mora não che­garia a haver dano, haverá obrigação de indenizar. Nesse caso, a alegação de ausência de culpa no perecimento da coisa não aproveita ao devedor, porque sua responsabilidade decorre pre­cisamente do fato de não ter cumprido a obrigação em tempo oportuno.

Percebe-se, portanto, que o principal efeito que a lei atribui à mora é a responsabilidade do devedor, que responde pelos prejuí­zos que causa ao credor.

Ao se verificar a impontualidade, o credor pode exigir a pres­tação devida e a indenização do dano sofrido em conseqüência do atraso na execução.

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

Os prejuízos advindos da mora apuram-se conforme as regras da liquidação das perdas e danos. Nas dívidas de dinheiro, as perdas e danos consistem nos juros convencionais ou legais, por essa razão denominados moratórios.

Nos casos em que, mesmo diante da impontualidade, a pres­tação ainda for útil ao credor, pode ele responsabilizar o devedor pelos prejuízos dela decorrentes, incluindo-se o dever de indeni­zar o lucro cessante, isto é, aquilo que o credor deixou de auferir em decorrência do atraso, compreendidos os frutos, rendimentos e outros proveitos que poderia tirar da coisa, inclusive com a obrigação de reembolsar eventuais despesas suportadas pelo cre­dor em conseqüência da mora.

Vale lembrar que o devedor moroso responde, nesse período, pelo caso fortuito (perpetuatio obligations). Trata-se de dever decorrente do fato de que houve inexecução culposa por parte do solvens e que, se houvesse cumprido a tempo a obrigação, a coisa não teria sido destruída, ou, em termos gerais, a prestação não se tornaria impossível.

Comprovando-se que o objeto da prestação ter-se-ia destruí­do do mesmo modo se já estivesse em poder do credor, o devedor não responde pelo fortuito, tratando-se da regra excepcional do “dano inevitável”, não se transferindo, nesse caso, o risco.

As perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro não consistem tão somente nos juros da mora. Compreendem as custas do processo, outras despesas judiciais e honorários advo- catícios.

Em se tratando de mora accipiendi, suas conseqüências jurí­dicas estão disciplinadas nos arts. 335 e 400, CC.

Pelo disposto no art. 335, CC, a mora do credor enseja a con­signação judicial do objeto da obrigação, pelo devedor.

A teor do art. 400, CC, a mora do credor

subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conserva­

ção da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao

devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o paga­

mento e o da sua efetivação.

O credor arcará com o ressarcimento das despesas decorren­tes de sua conservação. Procede com dolo o devedor que, diante da mora do credor, abandona a coisa. Exige o legislador que tenha o mínimo de cuidado com a sua conservação, pois lhe assegura o direito ao reembolso das despesas que efetuar. Nessa situação, a lei ainda lhe faculta a consignação do pagamento.

Vale dizer que perecendo ou deteriorando-se o objeto, o cre­dor em mora sofre-lhe a perda ou tem de recebê-lo no estado em que se encontra, sem a faculdade de eximir-se da prestação que lhe caiba, e sem direito a qualquer indenização ou abatimento.

O credor em mora ainda responde pela oscilação do preço, se existir. Deverá receber o objeto pela estimação mais favorável ao devedor. Tal princípio decorre do fato de que o credor não pode ser beneficiado por sua culpa, caso exista desvalorização da coisa no período da mora.

► 24.1.4. Purgação da mora

Quando a prestação ainda é aproveitável, tanto a mora sol­vendi como a mora accipiendi podem ser purgadas.

Emenda ou purgação da mora179 é o ato do contratante mo­roso, que visa remediar a situação por ele causada, evitando os efeitos decorrentes do retardamento. É o cumprimento espontâ­neo da obrigação, embora com atraso, por qualquer das partes. É, enfim, a neutralização de seus efeitos.

179 Sobre purgação da mora: “Alienação fiduciária - A purga da mora só é admis­sível quando ocorre, pelo menos, a hipótese de pagamento de 40% do preço” (RT 481/194); “Não se configura o abuso do direito na hipótese de reiteradas purgações da mora pelo locatário” (RT 474/158); “Se o devedor purgou a mora no prazo da contes-

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

Assim agindo, o inadimplente purga-se de sua falta. Purgar é livrar, desembaraçar, purificar, redimir-se.

Para emendar a mora solvendi, o devedor deverá oferecer a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta (art. 4 0 1 ,1, CC), abrangendo os juros moratórios, a cor­reção monetária e o dano emergente para o credor, acrescido daquilo que ele razoavelmente deveria ganhar, caso a solutio hou­vesse ocorrido tempestivamente.

Discute-se se a purga da mora exige ou não a concordância do credor, entendendo alguns ser ela dispensável e outros que não existe regra absoluta.

Parece mais razoável o entendimento sobre a necessidade de se distinguir se o termo a que está sujeita a obrigação é essencial ou não-essencial, ou seja, se as circunstâncias autorizariam o pagamento da prestação e o recebimento, mesmo depois de escoado o termo. Em se tratando de termo essencial, não vale a emenda da mora sem o acordo do credor; se o termo for não- essencial, a purgação é aceita independentemente da anuência.

Para purgar sua mora, o credor deve se oferecer para receber o pagamento, sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data (art. 401, II, CC), entre eles as despesas com a conservação da coisa e o recebimento pela mais alta estimação (art. 400, CC).

tação, em face da tolerância do credor que o não notificou, compensam-se as parcelas de honorários em que ambos deveriam ser condenados” (RT 470/267); “O devedor por contrato de alienação fiduciária só pode purgar a mora quando pagos 40% da dívida. A purgação se refere ao restante da dívida e não só às prestações vencidas” (RT 459/166); “O abuso de direito não se caracteriza apenas pelo fato de purgações suces­sivas. A má-fé, a malícia e o espírito de emulação por parte do locatário são elemen­tos essenciais à sua caracterização e, só quando provados, autorizam a rescisão da loca­ção'’ (RT 445/229); “Havendo exigência de aluguel maior que o devido, o locatário não está obrigado a purgar a mora” (RT 439/159); “O instituto da purgação da mora foi criado pela eqüidade em favor de dificuldades momentâneas do locatário, que não devia ficar sujeito ao rigor da lei ou do contrato. Essa benevolência perde a sua razão de ser desde que o locatário use do favor legal como meio de vexar o senhorio” (RT 434/239).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A purgação ou emenda à mora é a oferta real para o cumpri­mento de obrigação vencida, se esta não já se tiver tornado inútil para o credor. Deve abranger a pena prevista para o inadimplemen­to oportuno da obrigação ou os juros nas dívidas pecuniárias.180

Não pode ser purgada a mora quando a prestação se tenha tornado inútil ao credor em virtude da impontualidade.

Predomina, atualmente, o entendimento de que a mora pode ser purgada a qualquer tempo, contanto que não cause dano à outra parte. Mesmo a mora do devedor não afasta a possibilida­de de consignação, se ainda não produziu conseqüências irrever­síveis. Tem-se entendido, portanto, que a ação consignatória tanto pode destinar-se à prevenção da mora como à sua emenda.

Não se pode confundir purgação com cessação da mora. Esta independe de um comportamento ativo do contratante faltoso, destinado a sanar sua falta ou omissão. Decorre da extinção da obrigação (v.g. anistia de dívidas fiscais), ou seja, não mais per­manece a mora sem que o devedor tenha cumprido a prestação e indenizado os prejuízos causados à outra parte.

A cessação da mora produz efeitos pretéritos, afastando os já produzidos, isentando o devedor de qualquer responsabilidade pelos efeitos já produzidos; ao passo que a purgação somente produz efeitos futuros, mantendo os já produzidos.

180 G O M E S , Orlando. Op. cit., p. 173.

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DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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25Inexecução

das obrigações

Observamos, anteriormente, que se cumpre a obri­gação por meio da entrega da prestação pelo devedor ao credor, no tempo e no lugar determinados. Por essa entrega, dissolve-se o vínculo estabelecido entre os su­jeitos passivo e ativo da relação jurídica obrigacional, extinguindo-se a obrigação.

Mencionamos, da mesma forma, que adimplemen­to é sinônimo de cumprimento da obrigação. Contra­riamente, o inadimplemento eqüivale a descumprimen- to obrigacional, e pode ser absoluto e relativo.

Diz-se inadimplemento absoluto o descumpri- mento total da obrigação. Nessa hipótese, a inexecução é definitiva, fixando de modo irreversível a posição do devedor inadimplente perante o credor.

Por outro lado, o inadimplemento é relativo quan­do a obrigação chega a ser cumprida, mas com atraso (mora).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Neste momento, passa a nos interessar a análise das conse­qüências do inadimplemento obrigacional.

A inexecução da obrigação acarreta, evidentemente, prejuízos para o credor, que deixa de receber a prestação a que tem direito. Assim dispõe o art. 389, CC:

Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e

danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais

regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Percebe-se claramente que ao descumprir uma obrigação, de modo absoluto ou relativo, o devedor fica obrigado a reparar os prejuízos decorrentes desse inadimplemento.

Essa reparação ou ressarcimento eqüivale à substituição, no patrimônio do credor, do correspondente à utilidade que ele teria obtido com a entrega da prestação a que tinha direito.

M 2 5 .1 . P e r d a s e d a n o s

A expressão perdas e danos, que segundo alguns doutrinado- res não se apresenta com a felicidade de exprimir seu exato con­ceito, nada mais significa do que os prejuízos, os danos causados ante o descumprimento obrigacional.

Para que se desenhe o direito à reparação ao dano gerado, é indispensável que concorram os seguintes requisitos:181

- o inadimplemento da obrigação. Ou seja, é indispensável que haja violação de uma obrigação preexistente;

- um erro de conduta do agente. O fundamento da indenização do dano é um fato ilícito no sentido mais amplo. Não é o con-

181 VIANA, M arco Aurélio S. Op. cit., p .307-8.

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INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

trato que a justifica, mas a conduta do agente que contraria o que foi determinado pelas partes. É necessário que o não-cum- primento seja imputável ao devedor por dolo, culpa ou mora;

- a ofensa a um bem jurídico. O prejuízo ou dano consiste em sofrer um sacrifício, tenha ou não conteúdo econômico. Não se limita à verificação de um dano patrimonial. Pode, tam­bém, o inadimplemento de uma dada obrigação provocar ao credor uma dor ou sofrimento apreciável. Nessa linha é que a expressão ofensa a um bem jurídico é mais adequada, pois envolve o dano patrimonial e o dano moral. O ressarcimento dos danos morais na órbita contratual é perfeitamente possí­vel, e tem sido admitida. A Lei Maior (art. 5°, X) tutela a inde­nização pelo dano moral.

O dano moral é, indubitavelmente, o conceito jurídico que tem evocado maiores problemas e discussões na atualidade. O dano moral é aquele que consiste na dor, a dor abstrata, emocio­nal, resultante de uma lesão decorrente da inexecução de uma obrigação ou dever jurídico. A dor não precisa ser limitada à inte­gridade moral da pessoa, embora certamente também a abranja. A dor diz respeito a todo o espectro de sentimentos negativos resultantes da lesão ou da perda; são sentimentos de humilhação, medo, angústia, tristeza, depressão, ansiedade, fobia etc., resultan­tes da lesão ou da perda relativa, por sua vez, ao inadimplemento da obrigação legal ou contratual.182

À vista da inexistência de parâmetros legais quanto a quanti­ficar o dano moral,183 os juizes no Brasil e no exterior se vêem

,8J ANDRADE JR., Attila dc Souza Leão. Comentários ao novo Código Civil: Direi­to das Obrigações, v. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.261.

183 Sobre dano moral: “Apelação cível e recurso adesivo. Indenização por danos morais. Protesto indevido de títulos. Registro do nome do autor na SERASA. Pelo princípio da adstrição (art. 460 do CPC), não se conhece do pedido de indenização por danos materiais. Dano moral configurado, pois incontestável que a pessoa com o nome indevidamente lançado em cartório de protesto e órgãos de proteção ao crédito,

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

diante de uma tarefa quase impossível de ser levada a cabo. Tal situação é que permite que um juiz possa conceder 50 (cinqüen­ta) salários-mínimos para uma pessoa cujo filho foi brutalmente assassinado por engano pela força pública do Estado, a título de indenização para a família da vítima, ou conceder uma indeniza­ção milionária por dano moral decorrente de devolução, pela ins­tituição bancária, de cheque emitido por correntista, que tinha provisão de fundos;

- nexo de causalidade. É necessário que exista uma relação de cau­salidade entre a antijuridicidade da ação e o dano causado, de

sofre com a injustiça. Ação julgada procedente. A quantificação do dano moral deve ter caráter punitivo e compensatório, o que se verifica no caso concreto. Ônus sucum- benciais redimensionados. Apelo provido em parte. Recurso adesivo prejudicado” (Apelação Cível n. 70001426725, 6a Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Cacildo de Andrade Xavier, julgado em 18.04.2001); “Responsabilidade civil. Ins­crição indevida SPC. Dano moral. Responde a empresa pelos danos morais impingi­dos ao autor, em decorrência de indevido cadastro em órgão de restrição de crédito SPC, mormente quando a prestação que dera causa ao aludido registro já havia sido paga, antes do vencimento. Quantum indenizatório reduzido, para adequá-lo aos cri­térios da câmara. Apelo parcialmente provido” (Apelação cível n. 70001709286, 10a Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Luiz Ary Vessini de Lima, julga­do em 29.03.2001); “Responsabilidade civil. Erro médico. Implantação de prótese peniana. Danos materiais e morais. 1. Culpa do médico: comprovação pela perícia téc­nica da ocorrência de erro de diagnóstico ao ser recomendada, desde logo, a colocação de prótese peniana, em homem jovem de apenas 23 anos sem antes intentar outras medidas terapêuticas contra a impotência. 2. Dano material: havendo certeza acerca da existência do dano material, é possível a postergação para apuração do seu mon­tante, consistente nas despesas efetuadas com consultas médicas, prótese implantada e remédios ministrados, para liquidação de sentença. 3. Dano moral: manifesta a ocor­rência do dano moral pela imposição da utilização precoce e desnecessária de prótese peniana. Manutenção do valor arbitrado na sentença a título de indenização pelos danos morais. Sentença de procedência modificada.” (Apelação do autor provida. Ape­lação do réu desprovida (14 fls.). Apelação Cível n. 70001992056, 9a Câmara Cível, TJRS, Relator Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, julgado em 28.03.2001); “Inde­nização por dano moral. Veiculação de notícia jornalística que equivocadamente atri­bui ao autor a prática de crime de tentativa de estupro, enseja reparação de danos morais. Redução do valor da indenização. Apelo provido em parte.” (Apelação Cível n. 70001927490, 5a Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Sergio Pilla da Silva, julgado em 21.12.2000).

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INEXECUÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

tal sorte que se possa assentar ter havido o dano, pois o agente procedeu contra o direito. Faz-se necessária a existência de um nexo causai entre a inexecução da obrigação e os prejuízos. Estes devem decorrer daquela. O devedor fica obrigado a indenizar o credor se os prejuízos derivarem da falta de cumprimento.

A palavra dano tem extensão ilimitada de sentido, represen­tando o resultado de qualquer espécie de lesão (moral, religiosa, econômica, política etc.), entretanto, no prisma jurídico, o dano circunscreve-se à detrimência econômica.184

O patrimônio da pessoa se compõe de bens materiais (um imó­vel, um animal etc.) e imateriais (a honra, a vida, a liberdade etc.). Dessa forma, quando, pelo ato ilícito de quem não seja seu titular, ele vier a perder-se, em uma parte ou totalmente, ocorrendo uma diminuição pecuniária, em dinheiro, o prejuízo concretiza-se.

Toda vez que qualquer desses bens sofre admoestação, por atitude nociva de outrem, no campo civil, procura-se saber qual a conseqüência econômica advinda.

Caso o ataque dirija-se ao bem material, o dano será material, chamado pela doutrina de patrimonial; se ao bem imaterial, o dano será imaterial, cognominado moral.

Os prejuízos, ou “perdas e danos”, sofridos pelo credor que não tem seu direito satisfeito desde logo podem ser positivos ou negativos. Assim, a par de uma efetiva redução no patrimônio do credor (positivos), eles podem consistir na privação de um ganho que o credor tinha o direito de esperar (negativos).

Pode-se, então, dizer que perdas e danos são representados por dois elementos: o dano emergente (damnum emergens) e o lucro cessante ( lucrum cessans).'65

184 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Op. cit., p.268.185 Sobre dano emergente e lucros cessantes: “Acidente do trabalho. Indenização

de direito comum. Perda da visão do olho direito. Culpa concorrente. Abatimento de seguro privado pago pela empresa. Indeferimento de prova pericial. Reiteração de pe­dido de má-fé. Culpa concorrente da empresa demonstrada. Pagamento devido. Pen-

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Dano emergente é o prejuízo efetivamente sofrido pelo credor em decorrência do ilícito, vale dizer, o desfalque patrimonial por ele experimentado. Persegue-se a recomposição do patrimônio

são a ser paga mensalmente e de forma vitalícia, proporcional a invalidez parcial e permanente do autor, reduzida por metade ante a culpa concorrente, assim atendidos0 dano emergente material e o lucro cessante. Indenização por dano moral e estético arbitrada em 75 salários-mínimos, em se tratando do comprometimento da visão de um dos olhos que, além de ser função essencial, afeta os valores de cunho psicológi­co afetivo, comprometendo a auto-estima, já considerando a culpa concorrente. Aba­timento do seguro acidente particular providenciado pela empresa e pago pelo obrei­ro, do montante da indenização. Possibilidade. Indeferimento de prova pericial. Se o juiz, segundo o princípio informador do CPC, art. 131, conclui, à luz dos fatos e cir­cunstâncias refletidos nas provas dos autos, que a perícia é desnecessária, não há falar em cerceamento de defesa ou contrariedade ao art. 420, parágrafo único, incisos II e III, do CPC. Mas, se o direito da parte postular a perícia, mesmo além da contesta­ção, mormente diante dos fatos concretos destes autos, não incorrendo em má-fé por fazer o pedido, após interpor agravo retido não recebido, do que devidamente inti­mada sem recurso, deixando precluir o direito de realizar a prova, ao reiterá-lo, inci­de nas penas do litigante de má-fé, procedendo de modo temerário. Limitação da condenação por má-fé ao disposto no caput do art. 18, a falta de pedido relativamen­te às perdas e danos mencionados no parágrafo segundo do mesmo dispositivo. Ape­lações parcialmente providas (19 fls.)”. (Apelação Cível n. 70001042522, TACRS, Relator Juíza Rejane Maria Dias de Castro Bins); “Ação de reparação de dano. Aciden­te de trânsito. Culpa concorrente. Imprudência ao efetuar o retorno. Velocidade excessiva. Lucros cessantes. A prova leva à conclusão inarredável de que o acidente ocorreu em virtude de culpa dos condutores dos veículos envolvidos no evento. E caso de repartição de reconhecimento de culpa recíproca e do dever de indenizar os prejuízos, na proporção de 80% para os réus e 20% para o autor. Falta de prova segu­ra sobre os lucros cessantes. Recursos de apelação e adesivo não providos (6 fls.)” (Apelação Cível n. 598518314, 1 Ia Câmara, TJRS, Relator Des. Marcelo Cezar Muller, julgado em 28.03.2001); “Perdas e danos. Lucros cessantes. Dissolução de sociedade. Cabível a condenação em lucros cessantes do sócio retirante que age de má-fé ao se apropriar de maquinário que não lhe coube na dissolução da sociedade, sim aos autores, que devem ser ressarcidos dos prejuízos pelo não-uso do bem, por mais de01 (um) ano, nos termos estipulados pela sentença, os quais não foram impugnados pelo recorrente. Discussão acerca da posse e propriedade do referido bem refoge da competência do juízo da causa e desta câmara. Apelo improvido” (Apelação Cível n. 70001618891,5a Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Sergio Pilla da Silva, julgado em 30.11.2000); “Responsabilidade civil. Trailer para venda de cachor- ro-quente. Perda total. Lucros cessantes. Apuração do quantum. Danos morais. Os lucros cessantes defluem da paralisação do pequeno negócio, até que fosse liberado o seguro e adquirido novo trailer, desimportando, para o deslinde da questão, se o autor cometia irregularidades funcional ou fiscal. A apuração do quantum indeni-

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INEXECUÇÂO DAS OBRIGAÇÕES

lesado de forma cabal, mas a apreciação se faz in concreto, tendo em vista a situação particular da vítima. O prejuízo deve ser real e concreto, não podendo considerar o valor afetivo.

O dano emergente constitui-se justamente desse prejuízo real, efetivo, concreto que o credor experimentou. Deve-se ter uma efetiva diminuição do patrimônio do lesado. A recomposi­ção do prejuízo corresponde, então, ao que o credor efetivamen­te perdeu.

Lucro cessante é a remuneração que o credor deixou de aufe­rir, por não dispor da coisa em virtude do inadimplemento do devedor. Trata-se de vantagem patrimonial, que não chega a ingressar no patrimônio do que sofreu a lesão. É, portanto, repre­sentado pela frustração do ganho.

É importante notar que a indenização do lucro cessante se faz em vista do provado, do que existe realmente, e não pelo razoá­vel. Fica banida qualquer idéia de lucro hipotético, devendo con­correr um juízo de probabilidade. Deve haver uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas, e das circunstân­cias especiais do caso concreto.186

A essas duas classes de prejuízos, que podem coexistir, refere- se o art. 402, CC:

Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e

danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente

perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

zatório, por sua vez, foi procedida dentro do critério da razoabilidade, pois obteve a média da receita bruta, a partir de declaração contábil, deduzindo 30%, a título de des­pesas. Danos morais. Para que estes restassem caracterizados seria imprescindível que o evento danoso tivesse causado significativo abalo no íntimo do ofendido, ou em seu conceito social, o que, no caso, dependeria de comprovação, aqui, porém, não alcan­çada. Apelação e recurso adesivo improvidos” (Apelação Cível n. 70000980888, 114 Câmara Cível, TJRS, Relator Des. Luiz Ary Vessini de Lima, julgado em 31.08.2000).

186 VIANA, Marco Aurélio S. Op. cit., p.311.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Nesse sentido, caso um táxi venha a ser abalroado por um outro veículo, por culpa deste último, deve o motorista culposo e causador do dano ressarcir todos os prejuízos efetivamente sofri­dos por seu proprietário, incluindo-se as despesas com os reparos do veículo (dano emergente), bem como o que o taxista deixou de receber no período em que o táxi permaneceu na oficina (lucro cessante).

Quando o Código se utiliza da palavra “efetivamente”, quer ele patentear que o dano emergente não pode ser presumido, de­vendo existir material e numericamente. Assim, se alguém alega ter sofrido prejuízo, não basta a simples asserção, sendo necessá­rio comprová-lo, em seu quantum, em seu exato valor, que, vindo ao seu patrimônio, suprirá o déficit causado pelo ato ilícito. Tam­bém, esta idéia preside à comprovação do lucro cessante. Não basta, por exemplo, alguém dizer que perdeu o crédito nos ban­cos, sendo preciso provar qual crédito perdeu, quanto em dinhei­ro. A prova da existência do dano é essencial, como, depois, a extensão de seu exato valor.187

Para figurar ainda melhor a distinção entre o dano emergen­te e o lucro cessante, agora especificamente na hipótese de ina­dimplemento da obrigação pecuniária, lembremo-nos que atual­mente quem deixa de pagar uma dívida em dinheiro deve fazê-lo, posteriormente, acrescida de correção monetária, custas, juros e honorários advocatícios, sem prejuízo da pena convencional, se existir (art. 404, CC).

Nesse caso, podemos afirmar que a correção monetária, re­presentando a recomposição do capital, sendo mesmo o próprio capital com seu valor expresso hoje, serviria à reparação do dano emergente, pois corresponde à diferença entre o que o dinheiro valia (quando deveria ser entregue) e o que vale, em virtude de inflação, quando feita a efetiva entrega.

187 A ZEV ED O , Álvaro Villaça. Op. cit., p .2 7 1.

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INEXECUÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

A palavra custas tanto envolve as judiciais como as extrajudi­ciais. Se o credor não necessitar ingressar em juízo para forçar o recebimento de seu crédito, o devedor pagará, além da multa, se houver, os juros moratórios e as custas extrajudiciais (despesas com cartório de protesto ou de títulos e documentos). Se, entre­tanto, o credor mover a máquina judiciária para satisfazer sua pretensão, neste caso, o devedor arcará, ainda, com as custas pro­cessuais, além dos honorários advocatícios da parte contrária, conforme estabelecido, também, no art. 20, CPC.

Os juros, por seu turno, eqüivalem aos rendimentos (frutos civis) do capital, vale dizer, àquilo que o credor deixou de auferir por não haver recebido seu crédito a tempo. No caso dos juros de mora, há uma presunção legal de que o credor auferiria rendi­mentos relativos a seu capital. Bem por isso, estabelece o art. 407, CC, que “ainda que se não alegue prejuízo, é obrigatório o deve­dor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitra­mento, ou acordo entre as partes”.

Não se objetiva, com a indenização, qualquer enriquecimen­to suplementar da vítima do dano, mas a eliminação do prejuízo sofrido, através da recomposição de seu patrimônio, mesmo por­que na esfera civil o objetivo da lei não é punir, como ocorre na penal.

A existência de prejuízo pressupõe, pois, o ressarcimento. Dispõe, com efeito, o art. 403, CC, que

ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos

só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela

direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Vale dizer que só os prejuízos decorrentes direta e indireta­mente do inadimplemento é que ensejam indenização, não os hipotéticos, duvidosos ou remotos, dele indireta ou reflexamente

261

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

derivados. Assim, o devedor responde unicamente pelos danos que se prendem a seu ato por um vínculo de necessariedade, não pelos resultantes de causas estranhas ou remotas.

Essa regra comporta exceções. A uma delas já nos reportamos, quando mencionamos o art. 407, CC, (o devedor está obrigado aos juros de mora, ainda que não se alegue prejuízo). Outra está no art. 416, caput, CC (“para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”). Outras exceções encon- tram-se nas hipóteses contempladas nos arts. 773 e 940, CC.

Quem pleiteia indenização deve provar a existência efetiva dos prejuízos. Tal demonstração deve se realizar no curso do pro­cesso, pois o que pode ser relegado para a fase de execução é ape­nas o montante desses danos, vale dizer, o quantum debeatur, não o art debeatur.

O inadimplemento pode surgir por culpa ou dolo do deve­dor. Não haverá ressarcimento se o dano resultar de negligência do próprio credor.

A apuração dos prejuízos é feita por meio da liquidação, na forma determinada na lei processual.

Na obrigação de pagamento em dinheiro, as perdas e danos consistem nos juros de mora, correção monetária (que na verda­de nada mais é do que a simples atualização do capital) e as cus­tas, sem prejuízo da pena convencional. É o que define o art. 404, CC, que aduz que

as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão

pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regular­

mente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advo­

gado, sem prejuízo da pena convencional.

Acrescenta o parágrafo único do referido art. 404, CC, que “provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor inde­nização suplementar”. Trata-se de inovação do novo Código Civil

2 6 2

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INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

que atende reclamo da doutrina, que considerava insuficiente o pagamento de juros.

O devedor moroso também responde pela correção monetária do débito segundo índices oficiais (art. 404, CC). Trata-se de regra que busca impedir o enriquecimento sem causa do devedor em detrimento do credor, em razão de eventual desvalorização cambial.

A Súmula 562, do Supremo Tribunal Federal, a esse despeito define que

na indenização por danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a

atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros

critérios, dos índices de correção monetária.

Finalmente, o art. 405, CC, proclama que “contam-se os juros de mora desde a citação inicial”. Evidente que essa regra somente alcança as hipóteses de responsabilidade contratual, uma vez que nas obrigações extracontratuais (provenientes de ato ilícito), “con­sidera-se o devedor em mora, desde que o praticou” (art. 398, CC).

2 5 .2 . J u r o s l e g a i s

A nova regulamentação dos juros legais imposta pelo Código Civil de 2002 ensejou alguns comentários negativos por parte dos doutrinadores, que defendem a idéia de que num código de direi­to privado não deveria haver qualquer confusão entre conceitos e mecanismos financeiros inerentes ao direito público, uma vez que remete a taxa de juros para o pagamento em atraso dos impostos devidos à Fazenda Nacional. Entendem que deveria simplesmen­te inserir a taxa legal de juros que entendesse pertinente.188

Juros são os frutos civis produzidos pelo dinheiro. Represen­tam o pagamento pela utilização do capital alheio. Podem ser

188 ANDRADE JR., Attila de Souza Leão. Op. cit., p.307.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

compensatórios ou moratórios. Os primeiros (compensatórios ou remuneratórios) correspondem aos frutos do capital empregado, a eles referindo-se o art. 591, CC. Os segundos (moratórios) constituem indenização pelo atraso no cumprimento da obriga­ção. A esses refere-se o art. 406, CC.

Os compensatórios devem ser previstos no contrato, não po­dendo exceder a taxa que estiver em vigor para a mora do paga­mento de impostos devidos à Fazenda Nacional (arts. 406 e 591, CC), sendo permitida somente a sua capitalização anual (art. 591, CC, parte Fmal).

Os juros moratórios podem ser legais ou convencionais. Legais são aqueles a que se refere a lei, no caso o art. 406, CC, a teor do qual “serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Preceitua o art. 407, CC, que

ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da

mora em que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às pres­

tações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecu­

niário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

Convencionais sã o aqueles de comum acordo estipulados pelas partes, e correm a partir do momento da constituição em mora, sem que para isso exista limite previamente estipulado pela lei.

Os juros ainda podem ser simples e compostos. Os simples são sempre calculados sobre o capital inicial. Os compostos são capi­talizados anualmente, calculando-se juros sobre juros, ou seja, os que forem computados integrarão o capital.

M 2 5 .3 . C l á u s u l a p e n a l

A cláusula penal, denominada de forma menos técnica “multa contratual”, consiste numa penalidade estabelecida num

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INEXECUÇÀO DAS OBRIGAÇÕES

contrato para o caso de inadimplemento, absoluto ou relativo, da obrigação. Trata-se de cláusula acessória do contrato, pelo que segue a sorte do pacto principal. Dessa forma, sendo nulo o con­trato, igualmente nula será a cláusula penal.

É, portanto, uma cláusula acessória e secundária, em que se estabelece uma prestação determinada, em dinheiro ou outro bem pecuniariamente estimável, para o caso de haver inexecução da obrigação. Assim, a sanção será em dinheiro, ou, ainda, uma coisa, um fato ou uma abstenção, imperando o princípio da auto­nomia da vontade.

Seu caráter de pacto acessório, de cláusula secundária, signi­fica que não é um fim em si mesmo, senão meio de conseguir um fim. Ela se põe somente na hipótese de o devedor não atender à obrigação.

Sua sede por excelência é o contrato, em especial aquele cuja execução pontual é necessidade absoluta para os contratantes, mas nada impede que venha em outros negócios jurídicos, como o testamento, como forma de estimular o herdeiro a fiel satisfa­ção do legado.189

De acordo com o art. 408, CC, “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.

A sua estipulação pode ser feita de maneira conjunta ou em ato posterior à obrigação principal, sob forma de adendo (art. 409, CC).

Destina-se, inicialmente, a assegurar o cumprimento da obri­gação. Trata-se, na realidade, de um meio de coerção (intimida­ção) para compelir o devedor a cumprir a obrigação. O devedor, sabendo que pagará uma multa no caso de inadimplemento, refletirá com mais cautela sobre as conseqüências de seu descum­primento.

189 VIANA, M arco Aurélio S. Op. cit., p. 139.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Outra função da cláusula penal é a de servir como cálculo antecipado da indenização devida pelo descumprimento obriga­cional. Representa ela, pode-se assim dizer, uma prefíxação de perdas e danos (ressarcimento).

Dessa forma, basta que o credor prove o descumprimento para que tenha direito a multa, consoante estatuído pelo art. 416, CC, que reza que “para exigir a pena convencional, não é neces­sário que o credor alegue prejuízo”.

O parágrafo único do art. 416, CC, estabelece que

ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o

credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado.

Se o tiver sido, a pena vale como m ínim o da indenização, competindo ao

credor provar o prejuízo excedente.

A cláusula penal é fixada de comum acordo pelas partes, o que impossibilita que o devedor, por exemplo, alegue que não a hon­rará por entendê-la demasiada. Da mesma forma, não pode o cre­dor pretender aumentar seu valor por entendê-la insuficiente para a devida reparação. A sua única alternativa, neste caso, é ignorar a cláusula penal e pleitear perdas e danos, assumindo o ônus da prova em juízo.

Distinguem-se dois tipos de cláusula penal: a moratória (que se destina à reparação dos prejuízos decorrentes do simples atra­so, como ocorre com o pagamento do aluguel além da data ajus­tada) e a compensatória190 (que decorre do inadimplemento abso­luto da obrigação, que acarreta a rescisão contratual, como no caso de quebra do contrato de locação em curso).

190 Sobre a cláusula penal compensatória: “CLÁUSULA PENAL - Natureza com- pensatória - Inexecução do contrato - Condenação do devedor ao cumprimento da obri­gação e ao pagamento da multa - Inadmissibilidade - Exclusão desta - Inteligência do art. 918, CC” (RT 591/151); “Tratando-se de pena compensatória, bem assim, de cláusu­la penal em que as partes estabeleceram a irredutibilidade, impõe-se a aplicação da regra da limitação ipsu jure, na conformidade do art. 920 do Código Civil” (RT 453/141).

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INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Sendo a cláusula penal simplesmente moratória, não se dis­pensará o cumprimento da obrigação principal. O devedor, além de pagar a multa, deverá cumprir a obrigação principal. É o que estabelece o art. 411, CC:

Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou

em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor

o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntam ente com

o desempenho da obrigação principal.

Em se tratando de cláusula penal compensatória, contudo, a situação é diversa, sendo facultado ao credor exigir o valor da multa, a própria prestação ou as perdas e danos, se excederem o valor da cláusula penal. Nesse sentido o art. 410, CC, dispõe: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor”.

O valor da cláusula penal compensatória não poderá superar o da obrigação principal, conforme previsto no art. 412, CC: “O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.

Explica-se essa regra porque, inadimplida a obrigação, as per­das e danos não podem exceder o valor da obrigação, já que se destinam a substituí-las. Caso seu valor superasse o da prestação, o credor, ao receber a multa, teria um enriquecimento sem causa, recebendo mais do que haveria de perceber na hipótese de adim­plemento. Evidenciando-se tal situação, ao juiz compete determi­nar sua redução, não declarando a ineficácia da cláusula, mas somente o excesso.

No que concerne à cláusula penal moratória, nosso Código Civil não estabeleceu limite quanto a seu valor, mas a posterior Lei de Usura, em seu art. 9o, veio a dispor que não é válida a cláu­sula penal superior à importância de 10% (dez por cento) do valor da dívida. A jurisprudência, no entanto, veio a entender que a limitação aplica-se apenas aos contratos de mútuo.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

Ressalte-se, contudo, que, em outros casos, a lei igualmente impede a multa de valor superior a esse percentual de 10% (dez por cento), como sucede, por exemplo, com o art. 11, letra “f ”, do Decreto-lei n. 58/37.

Para evitar situações injustas, o Código permitiu que em alguns casos, quando a obrigação foi ao menos em parte cumpri­da, o juiz reduza eqüitativamente a multa. É o que dispõe o art. 413, CC:

A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a

obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante

da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a

natureza e a finalidade do negócio.

A disposição é de ordem pública, podendo a redução ser determinada pelo juiz, de ofício. Trata-se de norma que guarda proximidade com o art. 924, do antigo Código Civil. A diferença relevante trazida à baila pelo legislador moderno é exatamente o dever do magistrado de reduzir a multa, em contraposição à pos­sibilidade contida no texto da antiga lei civil.

Assim, por exemplo, a rescisão antecipada de contrato de locação não acarretará como multa o valor total da penalidade estipulada pelas partes, porém, somente aquele correspondente à proporcionalidade do descumprimento.

A cláusula penal pressupõe, como visto, a culpa no não- cumprimento da obrigação. Em ocorrendo essa falta do deve­dor, a cláusula penal desempenha o mesmo papel das perdas e danos, com a diferença de que ela, por si só, dispensa a prova do dano. Assim, tornando-se moroso o devedor, quer pelo descum­primento parcial, quer pelo descumprimento integral, a cláusu­la penal passa a ser exigível por meio de ação. Do fato de se exi­gir, como elemento fundamental, a culpa, segue-se que a obrigação desaparece e com ela, a cláusula penal, se o fato carac- terizador da inadimplência foi conseqüência de um aconteci­

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INEXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

mento não-imputável ao devedor, como a força maior e o caso fortuito.191

Ressalte-se, enfim, que o credor não está obrigado a exigir a cláusula penal, variando suas possibilidades, dependendo de cada caso.

191 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 165.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

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26Das arras

ou sinal

A nova denominação referente ao capítulo que dis­põe sobre a temática no Código Civil moderno (“Das arras ou sinal”) já evidencia que houve alteração em relação ao Código Civil de 1916, que o denominava, simplesmente, “Das arras”; além de estar disposta como Capítulo III do Livro dos Contratos.

Arras ou sinal é a quantia ou coisa entregue por uma das partes à outra, como forma de exteriorizar o acordo de vontade e o princípio do pagamento. É per­mitida somente nos contratos bilaterais translativos do domínio, dos quais constitui pacto acessório.

O novel diploma legal aborda o tema dos arts. 417 ao 420, CC. O primeiro dispositivo trata expressamente do momento de conclusão do contrato, portanto, da gênese dele, como do momento da entrega das arras à outra parte, para atribuir conseqüência sobre esta já na fase de execução ou inexecução do contrato. Dessa forma, dispõe que

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a

título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em

caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devi­

da, se do mesmo gênero da principal.

Portanto, identifica, desde logo, duas finalidades diversas, ou seja, para firmar a presunção de acordo final, isto é, de que o con­trato é firme, ou para assegurar às partes o direito de arrependi­mento, do que decorre a diversa denominação dada a cada qual: arras confirmatórias e arras penitenciais.192

As arras representam, também, como visto no teor do art. 417, CC, início de pagamento. Vale mencionar suas advertências, no sentido de que a coisa entregue deve ser do mesmo gênero do restante que falta. Caso assim não seja, a coisa entregue inicial­mente deve ser interpretada como uma garantia, devendo ser res- tituída na ocasião do cumprimento total da obrigação.

As espécies de arras são: confirmatórias e penitenciais. As pri­meiras têm como principal função confirmar o contrato, que se torna obrigatório após a sua entrega. A partir de então, não mais é possível ou lícito a qualquer dos contraentes rescindi-lo unila- teralmente, sob pena de responder por perdas e danos, nos ter­mos dos arts. 418 e 419, CC.

Segundo dispõe o art. 418, CC:

Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a

outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem

recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito,

e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetá­

ria segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e

honorários de advogado.

A parte inocente, caso não se conforme com o sinal dado pela outra, pode, ainda, “pedir indenização suplementar, se provar

192 LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: obrigações: parte geral (arts. 233 a 420). v.2, São Paulo: Saraiva, 2003. p.485.

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DAS ARRAS OU SINAL

maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima”. Pode, tam­bém, “exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, va­lendo as arras como o mínimo da indenização” (art. 419, CC).

Caso o contrato firmado estipule o direito de arrependimen­to, as arras passam a denominar-se penitenciais, pois atuam como sanção à parte que se valer dessa faculdade. Tal situação é previs­ta no art. 420, CC:

Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para

qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente inde-

nizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra

parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em

ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.

Dessa forma, a lei estipula danos prefixados em favor da parte inocente, que se consubstanciam em perda do sinal dado ou res­tituição devidamente acrescida.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A n o t a ç õ e s im p o r t a n t e s

2 7 4

Page 289: Livro Teoria Geral Das Obrigações

27Transmissão

das obrigações

Como etapa final do estudo da Teoria Geral das Obrigações, resta-nos analisar um fenômeno acidental no desenvolvimento dessa relação, mas que se reveste modernamente de grande importância prática: a trans­missão das obrigações.

Referido assunto é abordado pelo Código Civil, de forma concentrada, no Título II, do Livro I, da Parte Especial, que se compõe por dois capítulos, um dedica­do à disciplina da cessão de crédito, e outro, à assunção de dívida.

A transmissão das obrigações assume papel rele­vante entre os meios usuais de pagamento. Grande parte das obrigações de natureza pecuniária é atual­mente paga não mais com dinheiro, mediante a entre­ga de moeda corrente, mas com cheques, promissórias, duplicatas e letras de câmbio, que circulam de credor para credor, por meio de simples ato de endosso, que opera a transmissão de crédito.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

A palavra transmissão sugere a idéia de um “deslocamento”. O direito transmitido “desloca-se” da esfera jurídica do primiti­vo titular para a do novo sujeito, ativo ou passivo, da relação jurídica obrigacional. Desloca-se, porque apesar da mudança operada num elemento fundamental da relação, o direito é o mesmo.

Essa mesma idéia revela-se na palavra cessão (do crédito), a indicar que o credor “entregou” o crédito cio cessionário.

A transmissão de uma obrigação representa a idéia de uma sucessão. No sentido comum, sucessão significa o fato de se postar alguém em lugar de outrem a respeito de algo; no senti­do jurídico, suceder é colocar outrem no lugar do sujeito de direito, quer ativa, quer passivamente, de modo tal que o direi­to deixa de permanecer no patrimônio de um (antecessor ou cedente) e passa a ingressar no outro (sucessor ou cessionário). Por essa razão, SAVIGNY acentuou que uma sucessão não pas­sava da transformação meramente subjetiva de uma relação jurídica. É necessário, porém, que tal alteração subjetiva não ofenda a substância da relação jurídica, que deve permanecer intacta, impondo-se, além disso, que o novo sujeito (cessioná­rio) derive do precedente sujeito (cedente) a relação jurídica transmitida.193

A transmissão da obrigação distingue-se da novação subjeti­va, na medida em que na transmissão, a mudança de sujeitos não prejudica a identidade da obrigação, ao passo que, na novação subjetiva, a mudança de sujeitos acarreta a extinção da antiga obrigação e a criação de outra. A subsistência da obrigação, que caracteriza a transmissão, significa que o novo titular não sucede apenas na prestação, mas também nos acessórios, ações, exceções e meios de defesa que cabiam ao transmitente.

193 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p.423.

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Page 291: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

M 27.1. C e s s ã o d e c r é d i t o

O crédito constitui um bem incorpóreo, portanto, de nature­za patrimonial, suscetível de transferência.

A cessão de crédito é o negócio jurídico em virtude do qual o cre­dor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, isto é, seus direitos na relação obrigacional, recebendo o cessionário o direito respectivo com todos os seus acessórios e garantias.

O credor, que transmite o crédito, denomina-se cedente, o ter­ceiro para quem é transmitido é o cessionário; o devedor, que passa a ficar vinculado ao cessionário, é o devedor cedido.

Por essa transmissão o credor originário é substituído pelo adquirente do crédito, enquanto este permanece objetivamente inalterado, como inalterada, subjetivamente, a posição do deve­dor, como tal.

A sucessão ativa verifica-se, no direito moderno, mortis causa ou inter vivos. A sucessão pelo direito hereditário sempre foi admitida, uma vez que a morte do credor coloca, em seu lugar, os herdeiros, ocorrendo, nesta hipótese, sucessão a título universal. Nas situações em que é transmitida por meio de legado, embora mortis causa, a sucessão se dá a título singular.

O Direito das Obrigações estuda os princípios da sucessão inter vivos, que é sempre a título particular.

Leciona ORLANDO GOMES19,1 que

o direito rom ano não conheceu esta modalidade de sucessão. A

natureza personalíssima do vínculo entre devedor e credor consti­

tui obstáculo irremovível à substituição de qualquer deles na obri­

gação. Não era admitida, por ato entre vivos, a sucessão ativa ou

passiva. Ninguém podia tom ar o lugar do credor, ou do devedor,

permanecendo a relação obrigacional. Para se obter o mesmo resul­

194 GOMES, Orlando. Op. cit., p.203.

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Page 292: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

tado econôm ico da substituição do credor, recorriam os romanos à

novação subjetiva, que consistia na criação de uma obrigação nova,

ficando o devedor quite com o credor antigo. A primeira obrigação

extinguia-se, sendo indispensável o consentim ento do devedor para

que nascesse a segunda. O manifesto inconveniente desse processo

levou à criação de outro meio técnico, admitido pelo jus gentium,

que eliminava a cooperação do devedor, imprescindível na novação.

Modernamente, a cessão de crédito é tratada como negócio jurídico abstrato, que se completa independentemente da indaga­ção de sua causa, que pode ser a venda, a doação ou mesmo a deixa testamentária. É relevante notar que ela é sempre distinta do negócio jurídico anterior, que a originou e, por outro lado, é um ato jurídico não criador, mas simplesmente transmissor do crédito. Tem natureza jurídica negociai, sendo, portanto, um negócio jurídico bilateral.

Dessa forma, cedente e cessionário devem ser pessoas no gozo da capacidade plena. Para o primeiro é um ato dispositivo, impli­cando, pois, o poder de disposição, o que supõe titularidade de crédito. Para o segundo, a cessão importa aquisição de um direi­to, sendo necessário, pois, que possa tomar o lugar do cedente.

A cessão de crédito pode ser onerosa ou gratuita, na medida em que o cedente a realize ou não mediante uma contraprestação do cessionário. Pode ser voluntária, necessária ou judicial, confor­me se origine da manifestação de vontade dos interessados, deri­ve da imposição da lei ou ocorra por força de sentença. Pode, ainda, dar-se pro soluto ou pro solvendo, conforme o cedente transfira seu crédito em solução de obrigação preexistente, fican­do dela exonerado, ou subsista aquela, sem a quitação do cessio­nário, subsistindo as duas obrigações, a cedida e a primitiva.

A alienação onerosa do crédito assemelha-se a uma venda, não podendo ser considerada como tal pelo fato de o crédito ser bem incorpóreo, sendo a compra e venda instituto típico para a alienação de bens corpóreos (que têm massa, são tangíveis).

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Page 293: Livro Teoria Geral Das Obrigações

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

Como vimos, o credor que transfere seus direitos denomina- se cedente; o terceiro, para quem são transmitidos, é o cessionário. O terceiro integrante da relação, que dela não participa direta­mente, é o devedor ou cedido. Em relação a este último, não há a necessidade de sua anuência para a efetivação da respectiva ces­são, uma vez que a sua obrigação permanece inalterada, qual seja, solver a dívida anteriormente contraída.

Por outro lado, é necessário que dela seja comunicado, para que possa solver a obrigação ao legítimo detentor do crédito.

A cessão de crédito195 constitui um negócio jurídico e como tal deve conter todos os seus elementos essenciais e respectivos requisitos de validade. Para ser efetuada por mandato, deve o mandatário ter poderes especiais e expressos (art. 661, §1°, CC).

É comum a ocorrência da confusão conceituai entre a cessão e outros institutos jurídicos como, por exemplo, a novação subje­tiva ativa. A diferença transparece na medida em que ambas são analisadas sob seus efeitos. Na novação, além da substituição do credor também é imprescindível a extinção da obrigação anterior, que é substituída por novo crédito. Na cessão, subsiste o crédito primitivo, que é transferido ao cessionário, com todos os seus acessórios (art. 287, CC).

Da mesma forma, a cessão não se confunde com a sub-rogação, embora sub-rogação convencional, na hipótese apresentada pelo legislador no art. 347 ,1, CC, deva ser tratada como cessão de crédito.

193 Sobre a cessão de crédito: “O cessionário de crédito de financiadora com garantia fiduciária não tem legitimidade para requerer busca e apreensão” (RT 484/148); “O endosso de cambial posterior ao vencimento, valendo como cessão civil, só amplia o âmbito da defesa do réu. Admite-se o processo executivo para a cobrança de cambial endossada após o vencimento. A falta de registro do endosso não acarreta a carência de ação contra avalista e emitente” (RT 472/144); “O cessionário somente poderá demandar o cedente depois de ter agido contra o devedor” (RT 427/205); “O pagamento feito pelo devedor insciente da cessão é eficaz, ainda que tenha sido ao cedente do crédito” (RT 430/156); “Se o avalista pagou a cambial e, em seguida, cede o seu crédito a terceiro é parte ilegítima ad causam para cobrar do co-avalista a meta­de do prejuízo. O direito de avalista sub-rogado passou ao cessionário” (RT 469/55).

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇOES

Quanto ao objeto, é necessária sua idoneidade, que resulta:

- de disposição legal;- da natureza do crédito;- de cláusula contratual.

Proíbe a lei a cessão de certos créditos. É o caso do crédito decorrente de salários, por exemplo. O empregado não pode cedê-lo por proibição legal inspirada no intuito de protegê-lo. Do mesmo modo, o crédito de alimentos.196 No particular, a regra aplicável, em geral é a de que não pode ser cedido o crédito impe- nhorável.197

Os créditos consistentes em prestação cujo conteúdo se alte­raria, se não fosse satisfeita ao credor originário, também não admitem cessão. Como exemplo dessa situação, ORLANDO GOMES198 refere-se à pretensão derivada de mandato, na qual o ato do mandatário não pode interessar a outra pessoa que não ao mandante.

A possibilidade de ceder o crédito admite exclusão mediante acordo de vontades entre o credor e o devedor. Nada obsta que insiram no contrato a proibição, ou a estipulem, posteriormente, em ato separado.

Dessa forma, o credor sempre pode ceder seu crédito (art. 286, CC), só não o podendo por exceção. Essas vedações decor­rem da natureza da obrigação, da vontade da lei ou de convenção entre as partes. Assim, como exemplo da primeira hipótese (natu­reza da obrigação), não poderiam ser objeto de cessão aqueles que derivam de obrigações personalíssimas e os de direito de

196 Alimentos são as prestações devidas para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. De acordo com o disposto 110 art. 1.920, CC, abran­gem o necessário para o sustento, assistência médica, vestuário, habitação e instrução.

197 GOMES, Orlando. Op. cit., p.206.198 Ibidem.

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TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

família (v.g. alimentos). Exemplo da segunda hipótese (da vonta­de da lei) é o das pessoas a quem a lei veda a aquisição de bens de outras, como por exemplo o curador relativamente aos bens do curatelado ou, até mesmo, o benefício da justiça gratuita (Lei n. 1.060/50, art. 10). Finalmente, podem as partes ajustar a vedação da transferência, como no caso do contrato que veda ao locatário a transferência da locação sem a autorização do locador.199

Como visto, o devedor é estranho à cessão do crédito, mas de acordo com o que dispõe o art. 290, CC, a cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada.

Essa notificação é necessária para que o devedor não se veja prejudicado, porque poderia pagar ao credor primitivo, por igno­rá-la. A falta de notificação, contudo, não pode ser alegada pelo devedor a não ser que tenha efetuado o pagamento ao cedente.

Admitem-se duas formas de notificação: a expressa e a presu­mida. Pela primeira, o cedente toma a iniciativa de comunicar ao devedor que cedeu o crédito a determinada pessoa. Pode partir igualmente do cessionário. O normal é, porém, que cedente e ces­sionário se dirijam ao devedor para lhe dar ciência do contrato que celebraram. A segunda resulta da espontânea declaração de ciência do devedor, em escrito público ou particular. Declara a lei que, nessa hipótese, por notificado se tem o devedor.200

A notificação não está sujeita a forma especial, mas deve ser feita por escrito para facilitar a sua prova. Pode a notificação ser judicial ou extrajudicial, e a citação inicial para a ação de cobran­ça eqüivale à notificação da cessão.

Em se tratando de créditos representados por títulos ao porta­dor, ações nominativas das sociedades anônimas e títulos à ordem, transferíveis por endosso, desnecessária é a notificação.

199 A Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, estatui em seu art. 13, que: “A cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador”.

:°° g o MES, Orlando. Op. cit., p.210.

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TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES

O devedor pode opor tanto ao cessionário como ao cedente as exceções que lhe competirem no momento em que tomar co­nhecimento da cessão (art. 294, CC). Isso significa que o devedor pode opor ao cessionário todos os fatos impeditivos (falta de for­ma do negócio, incapacidade das partes, vício do consentimento, falta de vontade, indisponibilidade ou ilegitimidade), modificati- vos (moratória no pagamento, pagamento parcial etc.) ou extin- tivos (pagamento, novação, remissão etc.) do direito que o ceden­te lhe transmitiu.

No que diz respeito à solvência do devedor (bonitas nominis), na cessão a título oneroso, o cedente fica responsável perante o cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lho cedeu, o mesmo ocorrendo na cessão a título gratuito, se tiver procedi­do de má-fé (art. 295, CC). Salvo estipulação em contrário, con­tudo, o cedente não responde pela solvência do devedor (art. 296, CC). Em outras palavras, o cedente responde pela existência e legitimidade do crédito cedido, mas não pela solvência do deve­dor, a não ser que por convenção assuma tal responsabilidade.

Caso o cedente seja responsável pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respecti­vos juros. Deve ressarci-lo, ainda, das despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança (art. 297, CC).

A responsabilidade do cedente em relação ao cessionário, quando, por convenção, assegura a solvência do devedor, fica cir­cunscrita ao preço e às perdas e danos, estas restritas às despesas com a cessão e com a cobrança improfícua.201

Nas cessões a título gratuito, só é responsável se houver pro­cedido de má-fé. Trata-se de uma liberalidade, o que justifica e explica que a responsabilidade apresente conotação mais rígida.

Crédito penhorado não pode ser transferido pelo credor que tem conhecimento da constrição, mas o devedor que o pagar,

:o1 VIANA, M arco Aurélio S. Op. cit., p.321.

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