suplemento ecos

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Se a violência parecia ameaçar só os outros, agora já ronda a VIZINHANÇA. cada vez mais PERTO A VIOLÊNCIA

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Suplemento especial produzido para as disciplinas de Jornalismo Impresso II e Planejamento Gráfico Editorial II da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho", Unesp/Bauru - Novembro de 2011 Equipe de Reportagem:Ana Carolina Costa, Everton Sylvestre, Isabela Frushio, Kelly De Conti Rodrigues, Larissa Tomazini, Lucas Esteves, Marcela Antunes, Natã Crivari, Otávio Frabetti e Vania Cristianini Professores Responsáveis: Angelo Sottovia Aranha Renata Malta

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Page 1: Suplemento Ecos

Se a violência parecia ameaçar só os outros,

agora já ronda a vizinhança.

cada vez mais PertoA violência

Page 2: Suplemento Ecos

ECOS EspecialViolência

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Equipe de Reportagem:Ana Carolina CostaIsabela FrushioLarissa TomaziniMarcela Elizabeth AntunesOtávio C´ésar Frabetti

Everton Sylvestre Kelly De Conti RodriguesLucas EstevesNatã CrivariVania Daiana Cristianini

EditorialPalavras ou ações po-

dem machucar as pessoas. O uso abusivo ou injusto do po-der e da força lhes trazem fe-rimentos, sofrimento, tortura e, em casos extremos, a morte. A violência manifestada nessas práticas não se limita a um lu-gar ou a uma situação; ela está ao nosso redor, em nossas ci-dades, empregos, escolas e ca-sas. Isso significa que é muito superficial e limitante pensar nessa prática somente com base em um simples conceito. Afinal, algo muito mais com-plexo está envolvido; algo que envolve todos nós.

As relações e problemas sociais devem permear a dis-cussão em torno da violência, especialmente quando objeti-

vamos apontar meios de re-

cuperar os seres humanos que, por diversos motivos, passam a praticar atos ilícitos. Isso tam-bém vale quando nos pres-tamos a proteger as vítimas. Não podemos falar de vilões e mocinhos, mas de pessoas que precisam conviver com ou-tras de diversas classes sociais, crenças e ambições.

Seria muito simples, por exemplo, apenas debater a res-peito do tempo da pena que um indivíduo deve cumprir por determinado crime, ou julgá-lo por seus atos sem se levar em conta o contexto envolvido em cada caso. Isso não significa, no entanto, que devemos tirar a culpa dessas pessoas e colocá--las na posição de pobres sofre-dores que merecem a redenção. A questão é: o problema é mais

profundo, vai além do enfoque na índole desses indivíduos.

Sobre isso, podemos lembrar as péssimas condições econômicas em que se encon-tra grande parte da população brasileira, ou então situações particulares, como no caso de pessoas que foram criadas em ambientes violentos. Essas cir-cunstâncias podem motivar crimes e também influenciar a formação do caráter de cada indivíduo. Não se trata de uma tentativa de justificar as atitudes dos criminosos, mas de pensar o que os leva a tomá-las.

Tal reflexão por par-te da sociedade é de extrema importância, mas uma outra questão ainda deve estar pre-sente: como as vítimas devem agir? São inúmeros os casos de

pessoas que sofrem violência, mas não denunciam os autores. Isso ocorre pelos mais diver-sos motivos, como dependên-cia financeira, receio de correr o risco de não conviver mais com aquela pessoa, falta de in-formações sobre como realizar a denúncia e outros. Contudo, faz-se necessário apontar quem são os criminosos, uma vez que apenas dessa maneira existirá a possibilidade de se estudar e identificar os problemas sociais que levam à existência de deter-minada prática ilícita.

A partir disso, além de fa-cilitar a busca de alternativas de combate à violência e de recu-peração daqueles que cometem esse delito, a identificação dos crimes também permitirá que se saiba quais são os mais co-

muns em cada região. Contudo, criar uma gradação que coloque uma forma de violência em um nível superior a outra não se faz muito relevante. O que se deve analisar é o lado humano, tanto daqueles que praticam quanto de quem sofre essa prática.

É difícil precisar se a fre-qüência das agressões aumen-tou, já que nem todas entram nas estatísticas oficiais, ou se a facilidade de divulgação nos faz ter essa sensação. O certo é que o combate à violência deve ser uma prioridade. Com esse foco, será possível procurar as melhores maneiras de evitar que eles continuem a se repetir. Essa prevenção deve partir do governo, mas também da so-ciedade, na qual se incluem os veículos de comunicação.

Diagramação e design:Natã Crivari

Charges:José Eduardo Roberto

Jornalistas Responsáveis:Angelo Sottovia Aranha (MTB 12.870)Renata Malta (MTB 34.600)

Suplemento especial produzido para as disciplinas de Jorna-lismo Impresso II e Planejamento Gráfico Editorial II.Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

Unesp/Bauru - Novembro de 2011

Acesse: http://www.ecosdasociedade.blogspot.com

ÍndiceExpediente

Página 2

EditorialPágina 2

Charge do diaPágina 2

Um milhão e novecentos mil brasileiros são discriminados

Página 3

Nem sempre é BullyingPágina 4

Grosseria assusta professoresPágina 5

Toque de acolheré negado em Bauru

Página 6

Juiz recolhe jovens ereduz criminalidade

Página 7

Crianças brasileiras vivem realidades bem diferentes

do que prevê a ONUPágina 8

Um drama sem fimPágina 9

Modelo de gestãopode ser violento

Página 10

Pichadores usamcódigos para assaltar

Página 11

O que cada polícia fazPágina 12

Expediente

Char

ge: J

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ardo

Rob

erto

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Um milhão e novecentos mil brasileiros são discriminadosPreconceito mascarado esconde sociedade homofóbica

Larissa Tomazini

Era madrugada de sex-ta-feira. Pai e filho se divertiam em uma

festa agropecuária em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, quando um grupo de homens se aproximou dos dois e perguntou se eles eram gays. A desconfiança surgiu pelo fato de pai e filho estarem abraçados. O pai respondeu que não, eram gays, mas isso não foi suficiente. O grupo de homens começou a agredi-los. O pai teve parte da orelha de-cepada, enquanto o filho levou vários chutes e socos. Ao fim da sessão de espancamentos, os agressores fugiram e pai e filho foram levados ao hos-pital. Essa história tinha tudo para ser ficção, mas os perso-nagens são reais e a violência gratuita realmente aconteceu.

Nos últimos meses, fo-ram noticiados diversos ca-sos de homofobia em todas as regiões do Brasil. O estado de São Paulo lidera o ranking de denúncias de agressão contra homossexuais, se-guido pela Bahia e Piauí, confor-me pesquisa da Secretaria dos Direitos Humanos. O jauen-se Bruno Barros afirma que já sofreu preconceito por ser gay; “antes eu era mais ‘fraco’ e deixava as pessoas, que digo serem sem cérebro, me atingi-rem. Hoje, se existe preconcei-to, realmente não sei, porque o preconceito é tão ridículo que finjo que não vejo”. Bruno conta que comentários homo-

fóbicos sempre existem ao seu redor, mas ele não se deixa inti-midar com as brincadeiras.

Para a psicóloga Milena Oliveira, o preconceito contra homossexuais pode causar consequências graves. “A homofobia pode gerar desconforto e desequilíbrio emocional, além de inse-gurança, medo e retraimento. Em casos mais extremos, é comum o ímpeto de suicídio porque o indivíduo não suporta a pressão e o preconceito”. Como forma de protesto à homofobia, a 4ª Parada da Diversidade, com o tema “Eu amo a vida – Diga não à violência”, reuniu cerca de 40 mil pessoas em Bauru. O histó-rico das Paradas da Diversidade em Bauru mostra que a aceita-ção por esse tipo de manifestação tem aumentado; o número de participantes da quarta edição do evento ultrapassou em 10 mil o da edição anterior. “Bauru avançou muito nos últimos anos. Realizamos um grande movimento de luta pelos direitos civis dos LGBT, que acabou sendo a maior parada gay do interior do estado, só perdendo para a capital”, diz o professor João Winck, conselheiro da ONG Bauru pela Diversidade, responsável pela organização da Parada da Diversidade de Bauru.

Quando alguém assume que é homossexual, o apoio da fa-mília é primordial porque ainda vivemos em uma sociedade pre-conceituosa, como afirma Winck: “estamos longe de sermos um país tolerante e isso com relação a todas as populações vitima-das, além dos homossexuais, sobretudo as mulheres, os negros, os velhos e as crianças”. A reação de cada família varia, podendo ser positiva ou não, mas, conforme explica Milena Oliveira, so-mente com apoio e base familiar o indivíduo consegue superar seus medos relacionados ao assunto.

Para Bruno Barros, assumir sua opção sexual não foi um problema. “Contei primeiramente a minha mãe, já não aguentava mais guardar pra mim. Depois de um ano, contei ao meu avô. E depois de um tempo, ao meu irmão. Minha mãe chorou, disse que me respei-tava e que sempre iria me aceitar, que sempre soube.

Mas que tinha medo, pois eu iria sofrer. Meu avô ficou quieto. Meu irmão teve a melhor reação. Ele disse que sempre soube e que me apoiava 100%”. Já o estudante bauruense C.E.O., que não quis se identificar, não contou à sua família que é homosse-xual, embora acredite que já desconfiem. “Minha família ainda não sabe. Acho que se soubessem, a reação seria de preocupa-ção, pela grande violência e repúdio aos homossexuais”, explica.

Apesar dos avanços e conquistas dos homossexuais, como a permissão para união estável, ainda não há uma lei que ca-racterize a homofobia como crime. Contudo, a Associação Bra-sileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), juntamente com mais de 200 organizações afiliadas,

desenvolveram o Projeto de Lei 5003/2001, que mais tarde veio se tornar o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, propondo a criminalização da homofobia no Brasil.

Caso esse projeto seja aprovado no Congresso Na-cional, o PLC mudará a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, caracterizando crime a discri-minação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexu-al e identidade de gênero. Em outras palavras, qualquer pes-soa que sofrer discriminação por causa de sua orientação sexual poderá prestar queixa em qualquer delegacia policial e abrir um processo judicial. Um dos motivos que justifica essa lei, segundo a ABGLT, é o fato de que aproximadamen-te 10% dos brasileiros sofrem discriminação, como violência física e agressão verbal, e os agressores continuam impu-nes. Para o estudante C.E.O., a lei é importante, mas apenas isso não basta; “para o fim da homofobia teremos que ensi-nar, começando nas escolas, que deveriam tratar melhor os assuntos sobre diversidade. Mas, claro que os homofó-bicos deveriam receber uma punição pela discriminação, como qualquer outro crime que temos descritos no Códi-go Penal brasileiro”.

Ainda que o debate so-bre a homofobia na mídia es-teja crescendo e a aceitação do assunto seja cada vez maior, os índices mostram que falta mui-to para que a homossexualida-de seja aceita. De acordo com o Instituto Brasileiro de Ge-

ografia e Estatística (IBGE), 145 moradores de Bauru afir-maram viverem uniões ho-mossexuais em 2010. Essa é a primeira vez que o censo faz esse tipo de contagem e revela dados interessantes, mas não surpreendentes, uma vez que esse número foi considerado, pelos coordenadores do censo em Bauru, um resultado ainda tímido, se comparado ao de outras regiões. A psicóloga Mi-lena observa que a luta pela di-versidade e contra a homofo-bia existe há tempos e só agora vem tendo real importância. Talvez por isso, ainda sejam poucos os que assumem fazer parte de uma relação homosse-xual. “É realmente importante que essa luta continue crescen-do para que continue modifi-cando pensamentos ou abrin-do mentes”, acrescenta.

“Preconceito é tão sécu-lo passado que é ridículo ainda existir”. É assim que Bruno Barros define a homofobia. Em um país que passa a idéia de aceitação da diversidade, falta muito para o preconcei-to desaparecer, mas algumas mudanças já vêm ocorrendo. “Aprovamos a lei que institui a Semana de Combate ao Pre-conceito e à Violência, que se encerra com a Parada da Di-versidade. Além disso, apro-vamos na Câmara o Conselho Municipal de Atenção à Diver-sidade Sexual. Creio que avan-çamos bastante. Com certeza ainda não é o suficiente, mas o que já se fez coloca Bauru na vanguarda do movimento LGBT no estado de São Pau-lo”, finaliza Winck.

“Estamos longe de sermos um país tolerante”

PL 122 - CriminaLização da homofobiaO projeto de Lei número 122, de 2006, foi proposto pela então deputada Iara Bernardi e tem por objetivo criminalizar a Homofobia no país. Atualmente o PL está na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, sob relatoria da Sena-dora Marta Suplicy. Veja abaixo as inteções dos Gays e da bancada evangélica:

Querem que os agressores e repressores dos homossexuais

sejam julgados e punidos

Querem que os homofóbicos sejam punidos com o mesmo rigor que os

racistas e extremistas religiosos

Os gays querem a mesma liberdade que os heterossexuais em

constituir família e proteger seus direitos de cidadão

Os homossexuais só querem res-peito e liberdade

Querem o direito de expressar a sua opinião sobre a homossexuali-

dade sem serem punidos

Eles dizem que proibir a violência verbal contra gays é uma afronta à

liberdade de expressão

As lideranças políticas evangélicas defendem abertamente a tomada

do poder por outros da mesma religião

A bancada evangélica quer impor seu estilo de vida aos outros

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Nem sempre é BullyingSerá brincadeira ou agressão? Superproteção ou violência real?

isabeLa Frushio

Na manhã da quinta--feira, 7 de abril de 2011, um homem de

23 anos entrou em uma escola do Rio de Janeiro e atirou em alunos que assistiam à aula. Policiais chegaram ao local, um deles feriu o atirador que se suicidou logo em seguida. Wellington Menezes de Oli-veira foi ex-aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, onde ocorreu o atentado. Wellington deixou um total de 12 mortos e outros 12 feridos.

Colegas de trabalho e vizinhos foram entrevistados inúmeras vezes e sempre di-ziam que Wellington era um jovem calado e solitário. Bru-no Linhares, 23, ex-colega de escola do atirador, logo depois do ocorrido, afirmou que Wellington era motivo de piada entre os alunos, por sua personalidade introspectiva e pelo fato de mancar com uma perna. Durante as investiga-ções, foram encontradas cartas e vários vídeos no computa-dor de Wellington: “A luta pela qual muitos irmãos no passado morreram e eu morrerei não é exclusivamente pelo que é co-nhecido como bullying. A nos-sa luta é contra pessoas cruéis, covardes, que se aproveitam da bondade, da inocência, da fra-queza de pessoas incapazes de se defenderem”, disse em uma das gravações.

O caso de Realengo, como ficou conhecido o epi-sódio no Rio de Janeiro, nos remonta a outros casos seme-

lhantes. No ano de 1999, a ci-dade de Littleton no Colorado assistiu a uma das cenas mais assustadoras dos Estados Uni-dos. Dois alunos, Eric Harris e Dylan Klebold, atiraram con-tra os colegas de escola, contra o professor e em seguida co-meteram suicídio. No total, 15 pessoas morreram e outras 23 ficaram feridas. O psiquiatra americano Timothy Brewerton tratou alguns alunos que foram vítimas dos atiradores e, em maio, ele apresentou no Rio de Janeiro um estudo do Serviço Secreto sobre atentados em es-colas do mundo todo. Ele con-cluiu que de 66 ataques ocorri-dos de 1966 a 2011, 87% deles foram promovidos por alunos que sofriam bullying e deseja-vam vingança.

O Bullying é caracteriza-do como um comportamento agressivo físico ou psicológi-co intencional do agressor, deno-minado bully. As agressões são mo-tivadas por dispu-tas de poder e esse desequilíbrio pode ser motivado pela aparência física, diferença de idade ou de classe social, entre outros motivos. Apelidar, fazer piada, o que há alguns anos era visto como uma brincadeira, hoje pode ser diagnosticado como bullying. “Quanto mais agres-siva for a ‘brincadeira’, quanto mais tempo ela durar e fre-quente for, piores as possíveis sequelas psicológicas”, explica a psicóloga Karolini Rossini.

A criança que sofre bullying apresenta alterações em seu comportamento, tor-na-se agressiva, irrita-se com facilidade, apresenta queda no rendimento escolar, adoe-ce e perde o ânimo. O grupo isola, agride e humilha um in-divíduo mais fraco para se exi-bir e mostrar que tem poder. Outras vezes, um indivíduo faz de tudo para se inserir em um grupo, procura se vestir da mesma forma ou se interessar pelas mesmas bandas, mas o grupo utiliza esse desejo do in-divíduo de se integrar para fa-zer piada ou exigir favores. Ca-sos assim já foram retratados nas telas do cinema, como é o caso da série “Gossip Girl” , que também mostra o esforço da jovem Jenny (Taylor Momsen) para se aproximar da garota mais popular do colégio. Ela faz favores, é humilhada e obedece a tudo o que Blair (Leighton Meester) lhe impõe, mas tudo é em vão. “Meninas Malvadas”, o longa é pro-tagonizado por Cady (Lindsay Lohan), que começa a estudar em uma nova cidade, lá encontra o grupo mais popular de meninas e

faz de tudo para se tornar parte dele. Uma professora do colégio percebe que as notas de Cady estão bai-xas e uma mudança brusca em seu comportamento e procura ajudá-la. Na vida real, a ajuda de educa-dores também é fundamental para auxiliar crianças e jovens que enfrentam situação semelhante. A co-ordenadora pedagógica Anne Kariny Lemos Rocha

já notou comportamento semelhante entre os alunos da escola estadual Rubens Pietrarróia, de Lençóis Paulista - SP, onde tra-balha: “você acompanha o aluno há anos e percebe quando ele está diferente, conversamos com ele, ele conta o que fez achando que será aceito, parece que ele implora por isso”. Anne também ressaltou que o bullying que mais preocupa é aquele cometido entre os bons alunos, os considerados nerds, os demais enxer-gam o fato de alguns alunos terem notas mais altas como um defeito e fazem disso um motivo para isolá-los.

Por outro lado, há os psicólogos e educadores que acredi-tam que há um exagero ao se considerar certos comportamentos como bullying. Eles afirmam que, muitas vezes, crianças colo-cam apelidos ou fazem piadas das outras, mas tudo não passa

de uma brincadeira. O comer-ciante Felipe Tosi, 21, foi uma criança gordinha. Por volta dos 10 anos de idade, iniciou um tratamento para a redução de peso, com o apoio de uma nutricionista e prática de exer-cícios físicos. O fato de estar bem acima do peso nunca foi problema em seu relaciona-mento com outras crianças: “as pessoas brincavam, mas nada de mais”. Mesmo sem ter sofrido bullying, contou com o apoio de uma psicólo-ga no período de reeducação alimentar. Anne procura sem-pre conversar com seus alunos, eles fazem uma roda de discus-são em que são apontados os problemas de relacionamento na escola, eles relatam à edu-cadora as brincadeiras que os colegas fazem, os adolescen-tes, principalmente, não levam a sério: ”eles colocam apelidos nos colegas, muitas vezes eles não ligam mesmo. Acho que bullying é aquilo que incomo-da, que deixa a pessoa triste, que você percebe que a afeta de algum jeito”. A educadora acredita que alguns fatos e o modo com que são relatados fazem com que as pessoas con-fundam o conceito de bullying: “eu acho que é algo que sem-pre existiu, mas agora, como está sendo muito divulgado na mídia, todo mundo presta mais atenção”, observa.

Os pais e professores devem ficar atentos a mudan-ças bruscas de comportamento das crianças e adolescentes, o grau de sofrimento é determi-nado pelas características psi-cológicas da vítima e o bullying pode agravar e até mesmo cau-sar danos no futuro.

uma saída

Escolas da cidade de Kansas, nos Estados Uni-dos, adotaram um novo programa, o No More

Bullies. O projeto proporciona, durante uma hora, cinco vezes por semana, o contato de crianças com cachorros. O programa foi desenvolido há cinco anos pela ex-professora Jo Dean Hearn, e utiliza os animais, pois, estudos mostraram que as crianças se identificam facilmente com eles e são capazes de reconhecer quando os bichinhos sentem dor ao se-rem maltratados, assim como seus colegas. Os vo-luntários tentam passar aos alunos lições de com-paixão, autocontrole e responsabilidade. O projeto deu tão certo que há uma longa fila de escolas a espera para a implantação do No More Bullies no ano que vem.

A pesquisa “Bullying no ambiente escolar”, realizada nas 5 regiões do país no ano de 2009, reuniu uma amostra em 20 instituições municipais de ensino e 5 particulares. Ao todo, foram ouvidos 5.168 alunos. Veja abaixo:

70% dos alunos já pre-senciaram algum tipo de agressão.

A incidência é maior entre alunos de 11 a 15 anos.

Em 2009, meninos víti-mas de bullying soma-ram 12,5%. As meninas totalizam 23,9%.

35% dos alunos já viram colegas serem maltrata-dos uma ou duas vezes. 10,1% viram colegas se-rem maltratados todos os dias

19,1% dos entrevistados já maltrataram algum colega pelo menos uma vez. 2,7% admitiram já ter maltratado colegas todos os dias

“Bullying é aquilo que

deixa a pessoa triste, que afeta de algum jeito”

Fonte: Plan Brasil

Porcentagem de alunos entre-

vistados que já sofreram algum tipo de Bullying:

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ECOS EspecialViolência

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Grosseria assusta professoresProfessores se dividem sobre nova lei e querem

mais segurança no ambiente escolarmarceLa anTunes

Bullying é o assunto do momento. Nunca se viu tantas discussões sobre o tema. O assunto é urgente, mas outro de igual importância acaba sendo deixado à sua

sombra: a situação de professores submetidos diariamente à agressões verbais, físicas e psicológicas. Casos de violência con-tra professores são cada vez mais comuns. Os atos violentos são praticados por alunos de todas as idades e tipos de instituições, o mais comum é a agressão verbal.

Professores vítimas de violência nas escolas entram em depressão, tiram licença ou abandonam a profissão. A Lei de Di-retrizes e Bases (LDB) afirma em seu Título VI, Artigo 67, que “os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissio-nais da educação” e que lhes devem ser asseguradas condições de trabalho. E o que seria dar aula sem se sentir ameaçado, se não uma condição básica de trabalho? O que seria um professor se sentir à vontade e realizado, se não a valorização do que faz?

Pensando nesse outro lado da escola e inspirada por e--mails e depoimentos de professores, a deputada Cida Borghetti propôs o Projeto de Lei 267/11, que acrescenta um artigo à Lei que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a fim de estabelecer deveres e responsabilidades à criança e ao adolescente estudante. Se for aprovado, o novo artigo “sujeita-rá a criança ou adolescente à suspensão por prazo determinado pela instituição de ensino e, na hipótese de reincidência grave, ao seu encaminhamento a autoridade judiciária competente”.

Não confio mais neles Há 18 anos leciono Artes. Neste ano, em uma sala de 1ª série do Ensino Médio, estava explicando a matéria quando chegaram três alunos atrasados. En-traram sem pedir licença, rindo, mexendo com outros alunos e fazendo comentários irônicos. Adverti sobre o comportamento e disseram que estavam tomando água. Saí da sala para me acalmar e pegar um formulário de advertência. Depois dos envolvidos assinarem o formu-lário, peguei minha garrafa de água e bebi. Um aluno que não tinha nada com o ocorrido, rindo, me pergun-tou se a água estava gostosa. Ignorei o comentário e dei sequência à aula. Na saída para o intervalo, uma aluna me disse que achava que haviam colocado algo em mi-nha água, ela me parecia satisfeita. Quando a questio-nei, disse não ter visto nada. Após o intervalo, perguntei sobre o ocorrido. Todos se calaram, por isso disse que faria uma ocorrência policial da sala toda. Aí, uma menina contou que um aluno cuspiu em minha água, o mesmo que achava que a água devia estar gostosa. Fiz uma nova ocorrência, um boletim de ocorrência policial e pedi encaminhamento para o Promotor de Justiça, exigi a presença da mãe na escola e o aluno foi suspenso três dias. Depois disso, entro naquela sala toda sema-na consciente de que minha aula é uma porcaria, não consigo ter prazer em estar ali. Minhas angústias já co-meçam no domingo após o almoço, me sinto traída pela sala toda, acho que os outros alunos foram coniventes. Procuro ser justa e dar explicações como profissional, mas não sinto carinho por eles. No início, eu faltava nas segundas-feiras. Hoje, estou de licença-prêmio, volto na próxima semana e penso três vezes por dia em tirar uma licença-saúde. Não sinto saudade da escola. Acho que o fato me afastou de outros alunos, não consigo confiar mais neles. Parece que, se tiverem uma oportunidade de prejudicar um professor, eles o fazem. Meu trabalho nessa sala é muito diferente do que nas outras salas da mesma série. Para essa turma, me limito a transmitir o proposto no currículo, e para as outras elaboro mais

trabalhos práticos, além do caderno de atividades.

Cida Borghetti admite que o problema não será resolvido apenas com esse artigo. Entretanto, o objetivo seria criar uma consciência coletiva de cidadania e bom relacionamento na escola. “Outro objetivo do projeto é identificar o alu-no agressivo, conhecer sua história e ajudá-lo, inclusive com previsão de tratamento psicológi-co, se necessário”, afirma a deputada.

Nilma Renildes da Silva, professora dou-tora do curso de Psicologia da UNESP, acha esse projeto de lei abusivo. O ECA já trata das relações sociais de crianças e adolescentes. “Não precisamos de mais leis, essa deputada é que deve cumprir sua função e legislar para efe-tivar o real cumprimento das questões postas há 20 anos no ECA. Além do mais, quem tem que criar regras para a Educação são os traba-lhadores da área”, explica Nilma.

A professora e diretora Ana Carolina Garcia Alves, que já foi vítima de violência ver-bal e psicológica e viu outros professores sendo agredidos, concorda que o Projeto de Lei proposto não irá ajudar efe-tivamente nas salas de aula: “o pro-jeto está na contramão da legislação vigente, da Constituição Federal, do ECA, da LDB, acredito até que seja inconstitucional. A criança, o adolescente e o jovem – estamos aguardando a aprovação do Estatuto da Juventude – têm direito à educação, além do mais, as medidas punitivas constam do Regimento das Escolas, e são aplicadas de acor-do com a gravidade do ato”.

Mas como deve agir um professor ao ser agredido? Em geral, é feita uma ocorrência por escrito, o aluno é enviado à direção para ser orientado, advertido e, em alguns casos, suspenso, além dos pais serem chamados na escola. Em casos extremos, o professor faz um boletim de ocorrência. Entretanto, muitos optam por não prestar queixa do estudante, por medo ou por pena.

Para tentar amenizar os problemas, algu-mas escolas contam com professores-mediado-res, que ajudam na solução de impasses e na formação do aluno. A professora Ana Carolina se mostra satisfeita com essa proposta da Secre-taria Estadual de Educação. Para ela, a presença do mediador nas escolas faz diferença. O am-biente fica muito mais agradável. “Mas é funda-mental que esse educador tenha perfil, acredite

na resolução de conflitos pela mediação e seja estudioso”, observa a professora. Já Nilma da Silva afirma que educação, aluno e professor são tratados como mercadorias; “se as políticas educacionais tivessem a intenção de socializar o conhecimento, nada disso seria necessário”.

Agressões verbais e desentendimentos muitas vezes soam apenas como desrespeito, mas podem se tornar agressões mais sérias e, eventualmente, tragédias como a do menino de 10 anos que, em setembro, atirou em sua pro-fessora no interior de São Paulo. A professora Ana Alves lembra que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento e que é dever dos professores e funcionários – os adultos da relação – evitar conflitos. “O dia-a-dia de uma escola não é fácil, os conflitos são muitos e lidar com diferentes pessoas é um desafio. Acima de tudo, é preciso respeitar e se colocar no lugar do outro, que sofre, agride, enfrenta e que, mui-tas vezes, é indiferente. Assim fica bem mais

fácil conviver”, completa a docente.Outro fator importante é a fa-

mília. O que a criança ouve, obser-va e o modo como é tratada em casa pode influenciar seu comportamento escolar. Apesar disso, a professora

Nilma da Silva lembra que a violência tem suas raízes na estrutura social e é desencadeada por instituições, no caso, a escola. Para a professora Ana Alves, o melhor método para evitar agres-sões em sala de aula é se aproximar dos alunos. Segundo ela, quando um professor trata seus alunos com respeito, ele será respeitado, pois o respeito pelo outro não se impõe, se conquista.

Muito ainda deve ser feito para melho-rar as condições de trabalho dos professores, para, assim, poderem formar jovens bem pre-parados. De acordo com Alves, apesar de al-guns investimentos em materiais pedagógico e escolar, na manutenção de prédios e na forma-ção continuada, é preciso melhorar a carreira do magistério, torná-la mais atrativa. Para os professores vítimas de agressões, lembra que é direito do professor se afastar de suas funções, caso necessário, e que os professores estaduais recebem atendimento médico através do Insti-tuto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE). Sindicatos e Associações também oferecem apoio ao docente, como as-sistência médica e jurídica.

O respeito pelo outro

não se impõe, se conquista

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J.P., professora

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ECOS EspecialViolência

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Toque de acolher é negado em BauruMedida que visa proteger adolescentes é indeferida pelo Juiz MaintinguernaTã crivari

18º lugar. Essa é a posição que a cidade de Bauru

ocupa no Índice de Desenvol-vimento Municipal, estipulado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), no ano de 2011. O índice abrange 5.564 municí-pios nas cinco regiões do país. Bauru, com seus 115 anos, re-cebeu nota 0,8882, numa esca-la de zero a um, onde quanto mais próximo de um é a nota do município, maior seu de-senvolvimento. A pesquisa analisa três indicadores, sendo eles o da Saúde, da Educação e do Emprego & renda, porém, um dos índices que deveria ser analisado para o cálculo das notas é o de violência, em especial, o que se refere à vio-lência infantil. Pensando justa-mente nas crianças, o Coman-dante do 4º Batalhão da Polícia Militar, Ten. Cel. Nelson Gar-cia Filho, elaborou a proposta do “Toque de Acolher” para menores de idade. A análise do pedido foi uma verdadeira “novela” em que, no capítulo final, o Coronel viu a medida

ser indeferida pelo juiz Ubirajara Maintinguer. A Firjan é vin-culada ao Centro Industrial do Rio de Janeiro (CIRJ), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Instituto Euvaldo Lodi (IEL).

O toque de acolher ou toque de recolher é uma medi-da que restringe a permanência de jovens e adolescentes, me-nores de 18 anos, nas ruas e praças da cidade após as 23 ho-ras. Depois desse horário, os menores poderão, sim, transitar por ruas, praças e estabelecimentos, porém, acom-panhados dos pais ou responsáveis. Segundo o Co-mandante do 4º batalhão da PM, a medida foi pen-sada justamente para proteger esses jovens contra o assédio da violência, seja pelo tráfico, consumo de álcool e drogas ou ainda a prostituição.

O Coronel Nelson Garcia ingressou na polícia militar em 1982 e aponta que os maiores motivos do assédio aos jovens e adolescentes são o tráfico de drogas e a prostituição. Segundo ele, a estrutura familiar mudou ao longo dos anos e se antigamente o pai era arrimo do lar, trabalhava enquanto a mãe ficava em casa cuidando dos filhos, hoje é diferente. “O que aconteceu na sociedade mundial, e isso não poderia ser di-ferente no Brasil, é que a mulher precisou fazer o trabalho fora de casa e as crianças acabaram não tendo uma aproximação com a mãe”, diz o coronel. Esse não é, claro, o único motivo para que as crianças estejam mais vulneráveis ao crime. Hoje, não só na classe C, mas também nas classes A e B, o jovem sofre uma forte influência, por meio da propaganda, sobre a necessidade de estar enriquecendo rapidamente ou demonstrar determinada posição social.

Em Bauru o Comandante defende o teste da medida; “a nossa proposta poderia ser adotada por seis meses para verificar o resultado e, depois, ser prorrogada por mais seis meses para uma nova avaliação. Não tem a necessidade de ser a vida toda”.

A medida, segundo o Coronel, não foi testada em nenhuma cidade grande, apenas em ci-dades pequenas, como Fer-nandópolis/SP.

a deCisão do JuizNo último dia 14 de se-

tembro, o juiz da 4ª Vara Cri-minal e Anexo da Infância e Juventude de Bauru, Ubirajara Maintinguer, indeferiu a pro-posta do Comandante do 4º Batalhão da PM, Nelson Gar-cia Filho, que previa limitar o horário para a permanência de crianças e adolescentes nas ruas da cidade, “o que se con-vencionou chamar de Toque de Recolher ou Acolher”, se-gundo palavras do próprio juiz Maintinguer.

Segundo o procedimen-to verificatório 10/2010, para chegar à decisão pelo indeferi-mento da proposta, o Ministé-rio Público requereu que fos-sem colhidas informações de diversos órgãos municipais e estaduais. Além disso, foi reali-zada audiência pública e foram colhidas informações também

junto à OAB. Em documento envia-do ao Cel. Garcia, o juiz aponta que a Constituição Fede-ral atribui proteção integral à criança e

ao adolescente pela família e pela sociedade. Já ao Estado cabe assegurar os direitos à vida, saúde, alimentação, edu-cação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, li-berdade e à convivência.

No mesmo documen-to, o juiz entende como legal a medida, diferentemente do parecer dado pelo Promotor da Infância e Juventude Lu-cas Pimentel. “Quanto à le-galidade da restrição, em que pese o parecer do Ministério Público em sentido contrário, somo a corrente doutrinária e jurisprudencial que a entende possível nos termos do artigo 149 do ECA, cujo rol não me

Natã Crivari Na imagem, adolescentes se aglomeram em frente a um dos pontos de encontro da cidade, próximo à Praça da Paz

Antes do Toque, outras alternatiavas

devem ser testadas

”“

Primeiro a família deve assumir o seu papel. O pai e a mãe devem saber onde o filho vai, controlar a presença do filho na

rua. Os comerciantes também têm que ter responsabilidade, não podem deixar menor entrar, não podem vender bebida alcoólica pra menor. O Conselho tutelar tem que fiscalizar, tem que es-tar na rua, evitando que crianças cometam atos infracionais e estejam em situação de risco. O toque de acolher é uma medida genérica. Por ele pode-se, inclusive, impedir que uma criança que esteja em uma praça em condições sem risco algum, por

exemplo em frente da sua casa, tenha esse momento de lazer, de convívio com a comunidade. Não vivemos uma guerrilha.Lucas Pimentel, promotor da Vara da Infância e Juventude de Bauru

PesquisaUma pesquisa realizada por alunos da Unesp, câmpus

de Bauru, sob a supervisão da professora Doutora Célia Hetz, revela várias questões sobre os jovens bauruenses.56,7% dos adolescentes saem de 2 a 3 vezes por semana, e

41,5% deles prefere sair aos sábados. Os lugares mais frequentados são os cinemas (32,9%) e as

boates (21,5%).45,1% dos jovens afirmam que ficam apenas até as 24h00

nas ruas. Já 30,7% ficam além desse horário nas ruas.A mesma pesquisa verificou a aceitação da medida do

toque de acolher entre os adolescentes e adultos.61,5% dos jovens disseram ser contra o Toque de Acolher.

Já entre os adultos, 69,3% dos que moram na periferia são a favor da medida. A aceitação é maior ainda entre os adultos que moram no centro, com 72,8% de concordância.

parece taxativo e nem se tra-tar de medida genérica porque atende a situação determina-da”, escreve o juiz.

Em seguida, o juiz expli-ca que, antes de se deferir uma medida desse tipo, deve-se, primeiro, utilizar todas as ou-tras alternativas para a solução do problema e aponta as me-didas que devem ser adotadas; “no entanto, tenho que deve ser observada a excepcionali-dade da medida, esgotando-se os recursos existentes, antes de determiná-la. Assim, acre-dito que devem ser mapeados os pontos de vendas de dro-gas, bebidas alcoólicas e de aglomeração de menores para que seja intensificado o poli-ciamento. O Conselho Muni-cipal deve ser comunicado da deficiência estrutural quanto aos espaços de cultura e la-zer (...).Todas as Conselheiras Tutelares devem trabalhar no horário do expediente e em plantões apenas à noite e nos finais de semanas para que possam visitar diariamente os locais a que me referi”.

Ao fim, o juiz volta a rei-terar que, referente às famílias, cabe aos pais a educação dos filhos, a limitação de horários para saírem e controle de fre-quência a locais públicos e es-paços comunitários. Os filhos devem aos pais obediência e respeito. Em casos em que os filhos não cumpram essas obri-gações, podem ser submetidos a medidas de proteção socio-educativas, a serem aplicadas pelo Conselho Tutelar e Poder Judiciário. Os pais podem so-frer sanções caso descumpram seus deveres, sendo que a guar-da dos filhos pode até ser-lhes suspensa ou tirada.

“Se cada um cumprir a sua parte, com certeza, o re-sultado será mais satisfatório e não será preciso a adoção da medida de exceção que, por agora, fica indeferida”, finaliza o documento.

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Juiz recolhe jovens e reduz criminalidadeÍndice de furtos cai 87% em Fernandópolis, depois de decisão polêmicaoTávio FrabeTTi

Julho de 2005. O então recém-chegado juiz da infância e ju-ventude de Fernandópolis (SP), Evandro Pelarin, hoje com 39 anos, recebe uma missão de alguns populares: conter

o abuso desenfreado de menores de idade que ficavam soltos nas ruas de madrugada consumindo bebidas alcoólicas. O juiz pediu ajuda à PM e realmente as reclamações batiam. Em um plantão numa madrugada de domingo, 50 a 60 menores che-garam ao fórum com evidências de terem bebido, e alguns de terem usado entorpecentes. Logo após o fato, a polícia emite um estudo (parecer) alegando que a rua era um local perigo-so para os jovens à noite. Era preciso proteger e prevenir es-ses jovens dos riscos noturnos. E Pelarin assim o fez. Reco-mendou prudência e cuidado aos pais para evitarem que seus filhos ficassem nas ruas sozinhos depois das 23 horas. Estava instituído o Toque de Recolher. Embora não faça escolha por nomenclaturas, Evandro prefere Toque de Acolher. Segun-do ele, é isso que é feito. Acolher jovens em perigo e mandá--los em segurança para seus lares.

VioLênCiaApesar da diminuição de muitos atos infracionais (crime

cometido por menores), Pelarin se antecipa ao afirmar que a fun-ção do toque não é combater o crime. Para ele, a diminuição é lógica; ao se retirar das ruas pessoas em potencial risco de come-terem um ato, as estatísticas diminuirão. E reitera. Sua função é proteger o menor.

TrabaLhoEssa é a palavra chave para entender o pensamento do

juiz Evandro. Repetida várias vezes durante a entrevista, o juiz parece tratar o toque com muito carinho, como se fosse uma mãe mostrando o quarto arrumado do filho que regressa após tempos fora de casa. Ele frisa que o trabalho não é fácil, e nem perfeito, mas a diferença é que ele abraçou a causa e trabalha para valer. Quando o acusam de ser um homem midiático, o que segundo ele acontece sempre, Pelarin responde que quando hou-ver mais atitudes similares à dele em outras localidades, a medida deixará de ser novidade. Para ele, o trabalho começou, está no meio, e poderá nunca ter fim. Não à toa, usa uma frase de Barack Obama, que parece ser seu lema. “Ao invés de combater nosso esforço, junte-se a nós”.

o JuizO juiz é um homem muito respeitado e benquisto na ci-

dade. Com uma linha pop (mantém contas no Twitter e no Fa-cebook) conversa com jovens a respeito da medida e sempre quando há shows na cidade é perguntado se menores poderão ir sozinhos. A resposta é bem divertida: “se estiver acompanhado do papai e da mamãe, sem problema”. [É permitida a permanên-cia com outros responsáveis, como avós e tios]. A única exceção é a Expo Fernandópolis, tradicional festa da cidade, quando o toque deixa de ser cumprido até o término dos shows. No resto, não tem choro. Ou está acompanhado de responsáveis, ou fica em casa. Sozinho não. Os dois filhos do juiz, de 2 e 4 anos, tam-bém terão que se acostumar quando chegarem à adolescência.

O pai acha que terão problema para se adequarem. Mas, terão que seguir a lei.

aPoio“Quanto ao apoio, não

somos hipócritas. Queremos sempre apoio. Mas não é nos-so objetivo. Trabalhamos para cumprir a lei. Ficamos envai-decidos, mas também recebe-mos críticas pesadas, até calu-niosas, e se fôssemos pesar os elogios e as críticas, entraría-mos em uma crise existencial psicológica. Estamos aqui para trabalhar. Se a sociedade bate palma, ótimo. Se não bate, nós vamos continuar a trabalhar. Não tem saída”. Assim, Pe-larin define o apoio dos pais, que na maioria das vezes, vão assustados ao conselho tutelar saber dos filhos.

Quem não gosTa“Estamos em um país

de críticos. As pessoas mal leem, não sabem como fun-ciona nosso trabalho, não co-nhecem as leis e mal querem conhecer e já se acham dou-tores para criticarem”. É essa sua resposta para críticos que consideram sua medida totali-tária e que infringe o direito de ir e vir, assegurado pela cons-tituição. Ao que ele responde: “Ninguém tem liberdade ab-soluta. Eu não posso entrar no banco agora (16h30). Não posso pegar meu carro e parar em qualquer lugar. Os menores são submetidos ao poder dos pais. Eles não têm condições para decisões complexas da vida. Não podemos deixar que um menino de 10,11 anos faça escolhas duas horas da manhã na rua”. Ele explana que não é ele quem faz restrições e sim a própria lei. E demonstra essas restrições apelando para um exemplo extremo: “Imagine

uma criança de 11 anos que queira ir sozinha à Votuporanga (30 km de Fernandópolis) para ver a vó e o vô. Ela não pode. A lei impede o amor de avós e netos? Claro que não.”

E assim o jovem juiz vai trabalhando, seguindo as leis, cumprindo as regras e se mantendo forte com seu toque, que não é uma novidade no Brasil (há atitude semelhante em 72 ci-dades brasileiras espalhadas por São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e mais 14 outros estados) e muito menos no Mundo (Grande parte dos Estados Unidos possui res-trições similares).

As operações são sempre aos finais de semana, sem

dia definido, em uma média de três operações mensais. A PM age em companhia de conse-lheiros tutelares. O tratamen-to é respeitoso aos jovens em situação de risco. Dr. Evandro espera compor um quadro de voluntários para aumentar a frequência das blitzes e deso-nerar a polícia, que não tem como função vigiar menores e sim manter a ordem pública. A fiscalização acontece perto de bares, casas noturnas e lu-gares com potencial de risco. O objetivo não é realizar uma “caça às bruxas”. A fiscaliza-

ção é treinada para não levar estudantes uniformizados ou adolescentes saindo do cinema e voltando para casa. Apenas menores portando bebidas e entorpecentes, ou em situação de risco, que estão desacompa-nhados de seus responsáveis. Eles serão abordados, levados ao conselho tutelar ou à casa dos pais. Estes são advertidos na primeira vez, e podem re-ceber multas de 3 a 20 salários mínimos e perda ou suspensão do poder familiar se os filhos reincidirem. Pelarin salien-ta que o Código Civil impõe a guarda e a companhia das crianças aos pais.

Respeito marca atuação das operações antirrisco de menores

Em Fernandópolis há tam-bém o toque escolar. Dr.

Evandro explica que todos têm direito à educação. Todavia, se pressupõe a frequência escolar. Ou seja, a falta de responsabili-dade escolar fere um direito do próprio indivíduo. Dessa ma-neira, um estudante encontra-do nas ruas em horário escolar será imediatamente recolhido pela PM e devolvido à esco-la, local em que ele deve estar “por bem, ou por um modo mais incisivo”, de acordo com o magistrado. Quanto ao tra-balho infantil, Dr. Evandro Pelarin também se posiciona contrariamente. Sua opinião é que há incongruências grandes na lei, já que quando um menor comete um ato infracional ele pode ser condenado a prestar serviços à comunidade como medida sócio-educativa. Se ele

não cumprir, pode ser conde-nado a uma internação. “E o menor que não cometeu crime e quer trabalhar?”, questiona o juiz. Para Pelarin, é preciso acabar com a ideia de que o trabalho infantil é exploratório ou agressivo (como pensam o Ministério do Trabalho e o Ministério Público Estadual, nas palavras de Dr. Evandro); “nós tentamos mostrar o tra-balho não como castigo, mas como prêmio. Se vai bem na escola, respeita professores, e quer trabalhar, é encaminhan-do ao mercado de trabalho com salário correto, sem ser um emprego insalubre, além de ser diurno”. Desde 2005, mais de 2000 autorizações foram dadas para adolescen-tes trabalharem, embora mui-tos nem comecem e outros parem no meio do caminho.

Toque escolar e trabalho infantil são propostas válidas

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Crianças brasileiras vivem realidades bem diferentes do que prevê a ONUConselheiras falam sobre o aumento dos casos de abuso sexual e da importância da denúncia

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Conforme a Declaração Universal dos Direitos da Criança, elas devem ser protegidas “contra toda for-ma de abandono, crueldade e exploração”. O Es-

tatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que “têm direito a proteção à vida e à saúde”, bem como a “in-violabilidade da integridade física, psíquica e moral”. Mas, na realidade, as coisas são bem diferentes.

Todos os dias, em torno de 18 mil crianças sofrem vio-lência no Brasil, de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Cerca de cem crianças morrem no país, por dia, vítimas de violência, segundo pesquisa do La-boratório de Estudos da Criança da USP.

Para mudar os rumos dessa história, o Unicef atua a fim de garantir às crianças “o direito a sobreviver, a ter uma certidão de nascimento, a receber cuidados e proteção e a desenvolver-se integralmente”. Os Conselhos Tutelares também dão importan-te contribuição para garantir esses direitos.

Em Bauru, há quatro conselheiras na ativa. Isabel Dias Moita, que foi conselheira tutelar há uma década e está de volta para a presente gestão, constata: “há dez anos, havia uso de dro-gas entre adolescentes, hoje essas pessoas continuam usando e seus filhos também usam”.

“Fazemos visitas domiciliares constantes, cada conselhei-ra faz em média três por semana”, conta Isabel, lem-brando que o Conselho faz, por mês, em torno de cem atendimentos caracterizados como orientação, mas atende também casos de maus tratos, omissão, negligência, advertência escolar e de abuso sexual. “O aumento dos casos de abuso me impressiona. Em Bauru, temos, em média, quatro casos por mês”, rela-ta. A conselheira diz que, na maioria dos casos, quem pratica a violência é o padrasto, mas nem sempre. “Existem alguns casos em que é o pai, inclusive tendo filho com a pró-pria filha. O que me deixa chateada é o abuso acompanhado de omissão”, afirma. Isabel diz que, ao descobrir, há pessoas que solicitam a polícia imediatamente; outras, no entanto, continu-am convivendo com a situação.

A conselheira ressalta ainda que depois que o Conselho

intervém, há pessoas que se dispõem a colaborar, mas di-zem que não denunciaram antes porque o agressor é vio-lento e tinham medo. Outro problema que relata são brigas entre parentes ou vizinhos que resultam em denúncias falsas, além de casos em que a pró-pria criança liga, fazendo a denúncia. “Tem que realmen-te tomar a decisão de ligar. A pessoa que é omissa também é penalizada. Se não denuncia, é cúmplice”, conclui.

Fernanda Sorrilha, tam-bém conselheira, enfatiza o papel do Conselho no comba-te ao trabalho infantil e ao uso de drogas; “são feitas fiscaliza-ções na região do shopping e em casas noturnas”. Destaca ainda o Programa de Erradi-

cação do Trabalho Infantil e a impor-tância da oferta de atividades culturais e esportivas, o que dá às crianças outras oportunidades e as aproxima; “fica mais

fácil conhecer sua situação”.Ambas lembram que

são feitas palestras em esco-las, geralmente sobre o ECA, e que um material educati-vo para conscientização está sendo produzido. Fernanda

ressalta que qualquer colaboração para edição desse material é bem-vinda. O Conselho Tutelar de Bauru fica na Rua Cus-sy Júnior, 13-55; denúncias podem ser feitas pelo telefone (14) 3227-3339 ou, em todo o país, pelo Disque 100. Não é preciso se identificar.

a esCoLa Também Pode CoLaborar

A psicopedagoga Luciana Vecchi, professora de Educação Especial em Bauru, afirma que a escola sempre tem que estar atenta a sinais de violência. “Se notamos mudança de compor-tamento, chamamos os pais para conversar. A gente pergunta se ocorre algo, eles sempre negam”, conta. A escola encaminha o caso à assistente social, mas o processo é burocrático; “estamos frente a frente, mas o pai mascara. Até pegar, demora; às vezes, mais de ano e não há outra maneira”.

Quanto às mães omissas, Luciana lembra que muitas vez-es elas mostram marcas nelas também. “Às vezes, é melhor tirar a criança. Às vezes, tira-se o agressor e tem que dar assistência a mãe”, diz.

Na escola, a criança recebe atendimento diferenciado; “com jogos, um ambiente lúdico, estimulador, para avançar e não pensar em tudo o que ocorreu. Tem adaptações, mas con-tinua com o grupo para aprender e evoluir”, explica.

“O que me deixa muito

chateada é o abuso

acompanhado de omissão”

A doméstica Creusa Lopes Fagundes, 49 anos, viveu maus momentos ao

lado do marido, com quem se casou aos 13 anos de idade por imposição do pai. O casal teve cinco filhos: quatro meni-

nas, uma delas falecida, e um menino. Os sete primeiros anos de casamento foram harmoniosos e o casal tinha uma vida financei-ra estável. Mas, a partir desse momento, o marido, que já bebia, passou a beber mais e tornou-se muito violento. “Eu sabia que ele bebia, mas não sabia que ele era violento”, lembra.

As agressões foram muitas e não se limitavam a Creusa, estendiam-se aos filhos. Ameaças e ferimentos com faca, chutes no rosto e nas costas, puxões de cabelo, intimida-ção verbal, proibição para sair de casa e trabalhar, inclu-sive agressões enquanto estava grávida são algumas das situações relatadas. Certa vez, o marido tentou cometer suicídio e colocar a culpa na esposa. “Ele não me deixa-va pentear o cabelo, tomar banho e escovar os dentes para sair de casa”, diz.

O casal perdeu uma filha com seis anos de idade; “ela mor-reu de fome porque ele não me deixava trabalhar. Se eu estivesse trabalhando minha filha não teria morrido, ela estaria hoje junto com as outras”. Além disso, a criança teve complicações com pro-blemas de saúde. A outra filha, o pai agrediu na cabeça e no mesmo instante a menina expeliu sangue pelo nariz e pelos ouvidos. Pas-sou a ter dificuldade para ler, relata Creusa.

Em outro fato marcante o marido tenta enterrar viva uma

das filhas. Creusa conta que foi avisada no trabalho e que deveria ir rapidamente para casa. “Ele tinha cavado uma cova”, lembra. A po-lícia foi chamada, mas o agressor fugiu na ocasião e ficou impune.

Creusa conta que um dia foi trabalhar com um hematoma no rosto e mentiu dizendo que havia caído na rua, mas não conseguiu enganar os colegas de trabalho. O marido trabalhava, mas todo o dinheiro que conseguia usava para beber. Creusa chegou a pedir esmolas na rua e pegar restos de alimentos na feira e conta que sentia medo e vergonha.

A doméstica procurou a polícia em diversas ocasiões. “Briga de família, de marido e mulher, não tem nada não”, era a respos-

ta que ouvia das autoridades para as suas denúncias. Na escola, os professores observavam os sinais de violência visíveis nos filhos do casal, mas não interferiam. “A escola e a polícia podiam ter ajudado e orientado mais”, ressalta.

Certo dia, alertada pelos vizinhos, Creusa notou um olhar estranho do marido para uma das filhas e percebeu

sua intenção maliciosa. Foi a gota d’água. Creusa e seus quatro fi-lhos saíram de casa e contaram com a ajuda de amigos que os aco-lheram até que arrumassem um lugar para viver.

Ao sair de casa, Creusa perdeu o medo que sentia do marido e reconstruiu sua vida. Nunca mais sofreu nenhuma agressão e é uma mulher independente. Já estão separados há vinte anos.

“Eu estava dormindo, eu estava morta”, relata Creusa quando questionada sobre os anos que conviveu com a violência do marido.

“Sou super feliz”, diz ao terminar seu depoimento, com um sorriso no rosto, após ter retomado sua vida.

Menino faz malabarismo em esquina de Bauru;Conselho Tutelar tenta mudar essa realidade

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“Me sinto uma

heroína”

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Um drama sem fimA violência contra a mulher é um ato covarde e deixa marcas físicas e psicológicas

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As mulheres foram consideradas sexo frágil por muito tempo e seus direitos foram conquistados de forma lenta e

gradual. Elas migraram para uma posição com direitos semelhantes aos dos homens. Contudo, ainda vivem situações de desrespeito e a vio-lência é uma delas. Muitas ainda são vítimas de truculência inclusive dentro de casa.

Segundo a titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Bauru, Flávia Regina dos Santos Ueda, os crimes mais praticados contra a mulher são os de injúria, lesão corporal e ameaça.

De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública do Governo do Estado de São Paulo, de janeiro a agosto deste ano, já foram registradas na DDM de Bauru 890 ocorrências de lesão corporal e 69 de estu-pro. Muitos dos casos de violência ocorrem no âmbito doméstico ou familiar e podem ser enquadrados na Lei Maria da Penha. “A lei traz aspectos conceituais e educativos que a qualifi-cam como uma legislação avançada, cuja ideia principal foi caracterizar a violência doméstica e familiar como violação dos direitos humanos. Enquadra-se na lei qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patri-monial à vítima”, explica a delegada. A lei prevê que a vítima, no âmbito doméstico ou familiar, pode requerer medida protetiva para afastar o agressor do lar e proibí-lo de se aproximar ou mesmo manter qualquer contato com ela a dis-tância determinada judicialmente.

Um fator que dificulta a precisão dos dados sobre violência é que nem sempre as vítimas dão queixa contra seus agressores. “O

número de ocorrências ainda não corresponde fielmente à violência contra a mulher, seja por medo, dependência emocional ou financeira ou mesmo por consideração aos filhos”, informa a delegada. Muitas retiram as acusações e soli-citam o arquivamento dos autos, o que faz com que o criminoso fique impune.

Bauru deu um passo significativo na aju-da a mulheres que sofrem violência. Em 26 de novembro de 2010, com o apoio da Secretaria Municipal do Bem Estar Social, foi inaugura-do o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. “Cessar a situação de violência vivenciada pela mulher

atendida, sem ferir o seu direito à autodeterminação, mas promo-vendo meios para que ela fortaleça sua autoestima e tome decisões re-lativas à situação de violência por ela vivenciada”, são os objetivos pretendidos, segundo a psicólo-ga e coordenadora do Centro de

Referência, Cláudia Zanandrea. O Centro de Referência oferece aten-

dimento psicológico, social e jurídico, por meio de parceria com a Defensoria Públi-ca, além de desenvolver atividades de pre-venção e qualificação de profissionais. Des-de o início do serviço até setembro deste ano, 499 mulheres foram atendidas.

A psicóloga explica que o serviço recebe mulheres de toda a rede de atendimento públi-co e as que procuram espontaneamente, mas a maioria delas chega ao Centro encaminhada pela DDM.

Outro ponto importante no enfrenta-mento à violência contra a mulher é o Serviço de Acolhimento Institucional para Mulheres

em Situação de Violência, ou Casa-Abrigo, inaugurada em Bau-ru em 2009. A Casa-Abrigo oferece moradia protegida para as mulheres, acompanhadas ou não de seus filhos, vítimas de vio-lência doméstica, que estão ameaçadas de morte. “O serviço é de caráter sigiloso, temporário e visa auxiliar a mulher no processo de reorganização de sua vida e no resgate de sua autoestima”, esclarece a psicóloga. Somente neste ano, até o mês de setembro, 24 mulheres já foram acolhidas pela Casa-Abrigo.

Maria da PenhaA Lei 11.340/06, a popular Lei Maria da Penha, foi san-cionada pelo presidente da República em 7 de agosto de 2006 e está em vigor desde 22 de setembro do mesmo ano.A lei recebeu esse nome em homenagem à farmacêuti-ca cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que pro-tagonizou momentos terríveis de violência praticados por seu marido, o então professor universitário Marco Antônio Heredia Viveiros.Em 1983, Maria da Penha levou um tiro do marido enquanto dormia e, em decorrência disso, ficou para-plégica. A farmacêutica ficou internada por um longo período e, ao voltar para casa, o marido a submeteu a mais episódios de violência, chegando a mais uma ten-tativa de assassinato. Dessa vez, Marco Antônio tentou eletrocutar a esposa, o que a levou a sair de casa e pro-curar a ajuda da família. Em 1984, inicia-se um longo processo de busca por jus-tiça. Anos depois, seu marido foi julgado e condenado a 15 anos de prisão, mas a defesa apelou da sentença e a condenação foi anulada. Em 1996, um novo julgamen-to condenou Marco Antônio a 10 anos, sendo que des-ses anos só dois foram cumpridos em regime fechado.Maria da Penha, juntamente com órgãos e ONGs, tra-vou uma longa e trabalhosa luta até ser encaminhada uma proposta ao Congresso Nacional. Mais debates ocorreram até que o Congresso Nacional aprovou a lei por unanimidade.

Mais que redu-zir o número de ocorrências, lei Maria da Penha valoriza direitos

das mulheres

A pedagoga Lygia Bovo, 55, foi outra vítima da violência contra a mulher. Casou-se aos 25, contrariando a família. Filha única, de

um casal que se amava incondicionalmente, nunca presenciou dis-cussões entre os pais. Em seu casamento, a relação tomou outro rumo.

Tudo ia bem até o primeiro filho. A princípio, agressões ver-bais; depois, espancamentos. “Ele me diminuía muito quando es-távamos sozinhos”, conta. O casal teve três filhos; “o segundo, ele rejeitava”. Antes da mais nova nascer, ele engravidou outra mu-lher. “Ele mesmo contou, na boa”, observa.

A partir daí, viveu momentos de horrores; “foram anos, culmi-nando com ele pondo fogo em mim na frente dos filhos”. A vítima ficou quatro meses internada, mas não o de-nunciou. Com medo de ficar longe dos filhos, voltou para casa. “Teve época que virava contra as crianças”, conta.

O homem levou a mãe do outro filho para morar com eles. “Ele achava lindo ter duas mulheres”, ressalta. Foram dez anos de casamento e mais dois até ficar livre. Do alto do prédio em que morava, ele conseguia enxergar Lygia na locadora em que foi trabalhar e ligava para intimidá-la.

Lygia cuidava do outro menino. Uma vez, foram buscá-lo no apartamento dela e ele agrediu a outra; “bateu tanto nela, na mi-nha frente, na minha casa. Eu encolhida no sofá, ele falava ‘não abre a boca senão sobra pra você’. Quebrou as duas mãos dela. Ba-teu da meia-noite às quatro. Meu apartamento ficou cheio de san-gue. Só conseguia ter medo”. O homem levou todos para o aparta-mento dele. Lá, obrigou Lygia a se sentar no chão, via-a da cama e

a proibiu de ajudar a outra. De manhã, trancou-os e foi trabalhar. “Ficamos lá o dia inteiro, sem avisar ninguém”, relata.

Quem despertou Lygia foi o filho mais velho; “me chacoalhou literalmen-te e disse ‘a gente tá sofrendo, você não faz nada?’”. Ela ligou para o pai que, com a polícia, salvou-os.

Na polícia, Lygia diz que a aconselharam a arranjar uma arma, ofereceram serviços à parte para dar um jeito nele. “Uma vez entregaram intimação a uma mulher arrebentada, pra

ela levar pro marido”, relata. Lygia propôs tirar to-das as queixas desde que o ex-marido não pertur-basse mais e ouviu: “Impossível, agora é o Ministé-rio Público contra ele”. No entanto, segue impune.

Lygia acredita que ele usava drogas. “As agressões independiam de ter bebido. Dizia-se arrependido, mas voltava a cometê-las”, conta.

A escola ofereceu ajuda psicológica; “meus filhos ainda fazem terapia, mas têm uma vida normal”.

Lygia é enfática quanto a não rotular a mulher que apanha. “Não é que não queira sair. O medo é tanto. A gente vira um robô”, afirma. Ela acredita que se tivessem ajudado, teria saído antes. “Nenhum vizinho fez nada. A sociedade é omissa”, observa.

A pedagoga refez sua vida, agora exerce sua profissão e quer desenvolver um projeto para amparar vítimas de agressão. “Tem que ter alguém para recorrer, pra apontar saída a elas”, finaliza.

“A sociedade é omissa”

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Modelo de gestão pode ser violentoA violência no ambiente profissional se manifesta nas condições precárias, acidentes, doenças e relações degradantes de trabalhocaroL cosTa

Os suicídios de vários trabalhadores de uma fábrica em Shenzhen,

na China, propriedade da empresa tailandesa Foxconn, ganharam o noticiário inter-nacional em 2010. Maior fa-bricante de componentes ele-trônicos e de computadores do mundo e empregadora de 400 mil pessoas, a empresa se viu obrigada a instalar redes de segurança em torno de suas instalações e a contratar psi-cólogos para prevenir novas tragédias. O que há por trás dessa situação é um cenário de violência no trabalho, que não está restrito a um país, um es-tado ou uma cidade.

O caso da Foxconn é um retrato da degradação que as péssimas condições de traba-lho, como as longas jornadas e a alta exigência em termos de produtividade, impõem aos trabalhadores. Mas essa é ape-nas uma das faces da violên-cia no ambiente profissional, como explica a psicóloga Maria Dionísia do Amaral Dias, que atua na área de Saúde do Tra-balhador: “o trabalho no capi-talismo constitui-se como uma violência e engendra diversas formas de manifestações co-tidianas dela nos ambientes de trabalho, podendo ser citadas a manutenção de condições precá-rias e acidentes de trabalho, doenças do trabalho, rela-ções de trabalho degradantes, dis-criminações di-

versas, além de violências psi-cológicas e morais”.

As consequências são inúmeras. Maria Dionísia aponta que essas formas de agressão se refletem na saúde do trabalhador, expressando-se no sofrimento, nas doenças físicas e mentais e, inclusive, na morte, acarretada por sui-cídios, acidentes fatais ou do-enças graves. Tal situação já é tratada, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como uma realidade que afeta milhões de trabalhadores.

Os dados mais atuais da Gerência Regional do Tra-balho em Bauru, referentes a 2010, mostram como a violên-cia manifestada na negligência em relação à saúde e seguran-ça dos trabalhadores está pre-sente na região. Em uma área que abrange 55 municípios e cerca de 2 milhões de pesso-as, foram realizadas 146 ações fiscais rurais, a maioria em frentes de corte de cana, in-forma o Gerente Regional do Trabalho, José Eduardo Rubo. O resultado foram 319 autua-ções referentes à segurança e 139 relativas à proteção dos trabalhadores. As principais

infrações en-contradas estão

ligadas às irre-gularidades

nos refeitórios, no uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e na utiliza-ção de agrotóxicos.

Também existem casos que não entram para as esta-tísticas oficiais, mas se caracte-rizam como agressão. Foi isso o que aconteceu com Carolina Matsuzaki, auxiliar administra-tiva em um escritório localiza-do na cidade de Lençóis Pau-lista. Ao sair do prédio onde trabalha, a funcionária teve seu dedo prensado por uma por-ta, o que acabou ocasionando uma lesão e perda parcial de mobilidade. As despesas com radiografias e remédios para o tratamento, no entanto, não foram assumidas pelo empre-gador, nem quando solicitado pela funcionária, que, inclusi-ve, trabalha sem registro.

O assédio no ambiente profissional é outra situação que atinge os trabalhadores como uma forma de violên-cia, mas que nem sempre é vista com seriedade. A técnica em radiologia Maria passou por isso há cerca de três anos, no hospital onde trabalha. Ela prefere não divulgar seu nome. Tudo começou quando foi chamada durante seu plan-tão para fazer uma radiografia na Unidade de Terapia Inten-siva (UTI). Ao passar pelo pronto-socorro a caminho da UTI, notou certo comporta-mento estranho de um médico

residente e isso se confir-mou quando ele passou a encará-la e a perguntar, sem motivo aparente, se a radiologista poderia ajudá-lo. O que se se-guiu foi uma persegui-ção: “percebi que ele não estava normal, a pupila dele estava di-latada e sua atitude era

estranha. Com muito custo, consegui sair do local e me di-rigi até a secretaria. Ele me se-guiu, veio para meu lado e me deu um beijo no rosto, mesmo eu tentando me esquivar. Sai correndo e me tran-quei na sala de exa-mes”, conta.

O episódio, no entanto, não acabou aí. Depois de passar cerca de vinte minutos escondida den-tro da sala, ao sair, a técnica se deparou novamente com o re-sidente, acompanhado de uma paciente, que continuava insis-tindo se ela não iria ajudá-lo: “Tremendo muito, respondi que o médico ali era ele e que eu era uma simples técnica em raios-X; perguntei o que ele

Eu morria de medo dele fazer alguma

coisa para mim

queria que eu fizesse para aju-dá-lo com a paciente. Ele ficou totalmente possesso e come-çou a me agredir verbalmen-te”, relata Maria. Nas sema-nas seguintes, a frequência do

médico no setor de radiologia e sua ati-tude estranha torna-ram-se assíduas, as-sim como a angústia da funcionária: “eu morria de medo dele

fazer alguma coisa para mim. Quando ia dar plantão, eu saia de moto e ficava olhando em volta, desviava o caminho de casa, fazia outros trajetos”. O sofrimento só acabou meses depois, quando o médico foi afastado pelo hospital, graças às sucessivas reclamações so-bre seu comportamento.

Você fica se sentindo culpada, procurando um motivo, se questionando se fez ou falou alguma

coisa. Mas não, os culpados são eles.

Maria, vítima de assédio noambiente de trabalho

as eMPresas deveM oferecer:

Equipamentos de Proteção Individual (EPI) em bom estadoInstruções sobre prevenção de acidentes e doenças do trabalho

Serviços especializados em seguran- ça e em medicina do trabalho

Estratégias preventivas contra práti-cas discriminatórias A eliminação ou neutralização da

insalubridade no ambiente profissional

Como abrir um Comunicado de Acidente de Trabalho?

O próprio trabalhador acidentado pode formalizar o comunicado de acidente de trabalho à Previdên-cia Social, caso a empresa não o faça.

A quem recorrer no caso de assédio?As vítimas de assédio devem recolher evidências e procurar aliados, assim como o sindicato e outras organizações de defesa de direitos do trabalhador, como o Ministério Público do Trabalho.

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Pichadores usam códigos para assaltarRecurso identifica rotina dos moradores e facilita a ação dos criminosos

KeLLy de conTi rodrigues

Ver pichações em muros é algo que não causa mui-to espanto. Até por esse motivo, a presidenta Dil-ma Russeff aprovou uma lei que permite a venda de

spray apenas com a identificação do comprador. Contudo, es-sas pichações podem representar perigo para a população. Isso acontece quando tais marcas funcionam como códi-gos para assaltantes. Alguns deles foram decifrados por meio de estudos das Secretarias de Segurança Pública.

Algumas marcas indicam, por exemplo, o melhor período para assaltar. Uma seta para cima significa que de manhã é mais fácil, enquanto na direção oposta quer dizer que o local está mais vulnerável à noite. Já uma seta para um dos lados mostra que à tarde é o melhor momento. Indicar o mês em que a residência fica vazia através de números é outro recurso dos assaltantes. Por exemplo, se uma casa fica fazia em agosto, o numeral oito seria pi-chado. Outros dois símbolos comuns são o asterisco (*) e o cifrão ($). O primeiro indica que pode haver arma na residência ou que o assaltante deve entrar armado. Já o cifrão mostra a eles que há dinheiro na casa.

Segundo o diretor do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) de Agudos (13 Km de Bauru), José Christino, há vários tipos de marcações, e algumas atitudes devem ser tomadas quando houver uma pichação na residência. Entre elas, Christino destacou que, apesar de algumas pessoas acharem que não cabe denúncia, é importante comunicar a ocorrência à Polícia Militar. Além dessa medida, o diretor afirmou que os moradores não devem deixar os sinais por muito tempo na parede. “É preciso apagar imediata-

mente. A pessoa deve pintar para tirar esses sinais”, aconselhou.

Lei ConTra PiChaçõesA fim de ajudar a diminuir

as pichações, a presidenta Dilma Rousseff sancionou, em maio deste ano, a Lei 12.408, que pro-íbe a comercialização de tintas em embalagens aerossol a menores de 18 anos. O texto ainda prevê que o comerciante identifique o comprador na nota fiscal.

Para José Christino, tal medida não será muito efi-caz para reduzir o número de pichações. “Um maior pode comprar o spray e repassar para um menor. Na verdade, é tudo uma questão de educa-ção. Falta conscientizar a po-pulação”, opina.

O que pode fazer a di-ferença no combate a esse de-lito, segundo Christino, é “a fiscalização e a denúncia. A polícia não adivinha onde está o crime”, orienta.

Polícia espera ajuda para diminuir pichaçõesMesmo sabendo se tratar de um crime, muitas pessoas cos-

tumam não denunciar quando têm suas propriedades pi-chadas. Isso atrapalha o trabalho da polícia, a qual busca os pontos onde elas mais ocorrem e aposta na conscientização para diminuir esse ato de vandalismo. “A polícia age, nos casos de crimes graves, pelo acionamento, pelo trabalho de emergência. Nos menos graves, nós trabalha-mos pela quantidade. Ou seja, onde há uma incidência, uma cultura negativa, a polícia fica sabendo e começa a atuar”, ex-plicou o major do 4º Batalhão de Polícia Militar do Interior Flavio Jun Kitazume.

Ele ainda afirmou que as denúncias ocorrem geralmente quando o pichador é pego em flagrante. “Por isso a policia ouve os trabalhadores noturnos, como taxistas e vigilantes, que conhecem a vida daquela região. Então, eles podem nos ajudar a identificar. E são eles que, muitas vezes, acionam a polícia. Os nossos flagrantes são em cima dessas denuncias”, contou.

Por não se tratar de um caso emergencial, Kitazume re-comenda que a polícia comunitária seja acionada. “Esse tra-balho é muito mais ligado à base. É um trabalho de polícia comunitária. O 190 (telefone usado para contato com a PM

em caso emergência) é para os crimes que podem causar risco à vida e à integridade física das pessoas. E a picha-ção é algo mais de cunho so-cial, comunitário”.

Além de uma forma de facilitar assaltos (vide matéria aci-ma), as pichações são maneiras de alguns grupos mar-carem território. Segundo o major Kitazume, “quanto maior o grau de dificuldade para pichar, o marco para eles é maior. Então, isso só serve de estimulo”, explicou. Outro problema relaciona-se ao fato de que “o crescimento desor-

denado das cidades, a falta de emprego e oportunidade geram delinqüência juvenil, que leva à marginalidade e deixa o jovem vulnerável ao assédio dos marginais. Começa com pequenos

vícios (bebidas, cigarros, pichações) e depois passa para furtos”, contou o major.

A punição prevista em lei para os pichadores é de seis meses a um ano de prisão e multa. Contu-do, Kitazume afirma que prender esses criminosos não é a medida mais adequada para o caso. “Hoje, vemos que as penas restritivas de liberdade vão na contramão do que pensa a justiça”. Um possível ca-

minho, segundo ele, relaciona-se à educação e conscientização dos cidadãos. “Nós vimos que atuar repressivamente é quase como enxugar gelo. Esse é um trabalho de convencimento, de descobrir o que leva as pessoas a fazerem, porque isso é uma maneira de se manifestar. Então, é preciso atacar a causa prin-cipal”, destacou o major.

As penas restritivas de liberdade vão na contramão do que pensa a

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O que cada polícia fazÉ muito fácil alguém se enganar e errar ao chamar a polícia

Lucas esTeves

A cidade de Bauru tem sido palco de situações de vio-lência que se tornam cada

vez mais freqüentes e trazem à tona a discussão em torno do tema Segurança. Só que essa discussão é pouco produtiva se as pessoas não tiverem as informações bási-cas sobre o funcionamento desse setor da esfera pública. Informa-ções sobre as diferentes funções das polícias Federal, Civil e Mili-tar, por exemplo.

O artigo 144 da Consti-tuição Federal atribui o dever de manutenção da segurança públi-ca ao Estado. Entre os órgãos do governo que exercem tal função estão as polícias militar, civil e federal. Segundo a Cabo da Polí-cia Militar, Fabiana Piffanelli, “as funções são descritas na própria constituição”. A maioria das pes-soas não sabe que funções cabem a cada tipo de órgão. A Polícia Ci-vil é a que investiga atos ilícitos que já ocorreram, buscando cons-tatar a autoria e as circunstâncias do crime. Essa atuação em nível da União, por outro lado, é res-ponsabilidade da Polícia Federal. Em sua esfera de atuação estão as infrações que interessem à União ou que tenham repercussão inte-restadual ou internacional. “Tam-bém realiza funções de polícia

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“ Eu saí de casa por volta das cinco e meia, seis horas, para ir para o ponto de ônibus, para ir para a Unesp. O dia estava claro ainda. Eu fui descendo pela

Henrique Savi, a rua do shopping.De repente, três pessoas vieram me cercando, me colo-cando contra o muro. Eram três caras. Me pergunta-ram se eu tinha celular. Eles foram focados no celular mesmo, não queriam outra coisa. Eles foram me em-purrando e pegaram minha mochila. Eles não acharam porque eu tinha esquecido o celular em casa. Pergunta-ram quanto que eu tinha de dinheiro e me ameaçaram de agressão física. No fim, acabaram levando só trinta

reais que eu tinha comigo naquela hora.O que eu achei mais estranho foi ter acontecido naquela rua, que é muito movimentada. E durante o dia, no fim da tarde. Eram bandidinhos, mesmo. Até perguntaram

se eu tinha dinheiro pro ônibus.Eu acho um absurdo a gente ter que passar por isso, ainda mais durante o dia, em uma rua tão movimenta-da. Um amigo meu havia sido assaltado no dia anterior. A gente registrou boletim de ocorrência, mas não deu

em nada.

Guilherme Henrique, vítima de assalto à luz do dia

de fronteira, aeroportuária e ma-rítima e de polícia judiciária, no âmbito da união”, acrescenta Pi-ffanelli. Assim, fica com a Polícia Militar a responsabilidade de agir diariamente de modo a prevenir, coibir, reprimir ou dissuadir qual-quer forma de eventos que per-turbem a ordem pública. A cabo Piffanelli lembra que “quando há a eclosão de um ato contrário à norma, a Polícia Militar tem, por meio da repressão imediata, o de-ver de agir naquele momento a fim de coibir tal conduta para que a ordem pública seja preservada”.

Apesar de a Constituição delimitar bem as funções das três instituições policiais, existem também órgãos responsáveis por fiscalizarem sua atuação. A Secre-taria de Segurança Pública é res-ponsável pela fiscalização da Po-lícia Militar e da Polícia Civil. Já a fiscalização da Polícia Federal fica por parte do Ministério da Justiça.

Em contextos em que a segurança pública enfrenta situa-ções que comprometem a ordem, esse tipo de informação é extre-mamente útil. Só a Secretaria de Segurança Pública pode investigar uma denúncia contra a PM, por exemplo, e não adianta procurar a Delegacia em casos de emergên-cia. Aí quem atende é a PM.