ecos do liberalismo

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1 Edna Maria Resende ECOS DO LIBERALISMO: ideários e vivências das elites regionais no processo de construção do Estado imperial, Barbacena (1831-1840) Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em História. Área de concentração: História Tradição e Modernidade. Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas Orientadora: Professora Regina Horta Duarte Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG 2008

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Ensaio sobre o Liberalismo.

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1 Edna Maria Resende ECOS DO LIBERALISMO: iderios e vivncias das elites regionais no processo de construo do Estado imperial, Barbacena (1831-1840) TesedeDoutoradoapresentadaaoProgramadePs-Graduao em Histria da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Histria. rea de concentrao: Histria Tradio e Modernidade. Linha de Pesquisa: Histria e Culturas Polticas Orientadora: Professora Regina Horta Duarte Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da UFMG 2008 2 3 4 Para o Mrio e para a Ana, por compartilharmos sonhos e vivncias. 5 AGRADECIMENTOS Oprocessodeelaboraodeumatesemarcadopordescobertase amadurecimentos,mastambmporpercaloseangstias.Asdificuldadesampliam-se quandonopossveldedicar-seexclusivamenteatividadeque,porsuanatureza, extremamenteabsorvente.Realizarapesquisaemarquivosdispersos,nocontarcomo suporte financeiro de uma bolsade estudos e escrever a tese, tendo que me desdobrar na execuodeoutrasatividadesprofissionais,nofoitarefadasmaisfceis.Porisso,a colaborao das pessoas ao longo dessa caminhada foi fundamental para a finalizao do trabalho e no pode deixar de ser registrada. AprofessoraReginaHortaDuarteassumiuaorientaodateseemmomento delicado. Haviamuito a ser feito em curtssimo prazo. No entanto, sua orientao sria e competente, sua leitura criteriosa, suas palavras de estmulo e seu cuidado com os prazos viabilizaram a finalizao do trabalho. Preciso agradec-la muitssimo pela confiana. Os professores Douglas Cole LibbyeWlamirSilva fizeram sugestes valiosas no ExamedeQualificao.Almdisso,nopossodeixarderegistraracolaboraodo professor Douglas para minha formao acadmica. Desde que o conheci, no processo de orientaodeminhadissertaodemestrado,sempretenhopodidocontarcomoseu apoio. Com o professor Wlamir pude discutir algumas questes por ocasio da elaborao doprojetodatese.Alis,muitasdasinquietaesquelevarampesquisaforam despertadas nas suas aulas na Graduao e, principalmente, na Ps-Graduao lato sensu da UFSJ. AgradeoprofessoraCarlaAnastasiaporteraceitadoserminhaorientadora quando ingressei no Doutorado. Infelizmente, por motivos alheios a sua vontade, ela no pode me acompanhar at o trmino da pesquisa. AoColegiadodocursodePs-GraduaoemHistriadaUFMGagradeoa concesso de mais alguns meses para a finalizao dos trabalhos. Realizeipraticamentetodoocursosemcontarcom oauxliodebolsadeestudos. Por isso, a bolsa de pesquisa que me foi concedida pelo Instituto Cultural Amlcar Martins (ICAM),duranteosegundosemestrede2007,foifundamentalmenteestratgicaparaa 6 finalizao do curso. Oapoio financeiro do ICAM viabilizouo acesso e a reproduo de fontes dispersas. Arealizaodessapesquisa,priorizandocomorecorteespacialotermode Barbacena,nodeixadeestarinterligadasatividadesprofissionaisquedesenvolvinos ltimosanos.Em2000,poriniciativadaFundaoMunicipaldeCulturadeBarbacena (FUNDAC),inicieiumtrabalhodesalvamentodadocumentaodoPoderJudiciriode Barbacena,queculminounaimplantaodoArquivoHistricoMunicipalProfessor AltairSavassi,em2003.AgradeoMariadaGlriaBittardeCastroPereira,poca Presidente da FUNDAC, a oportunidade e a confiana. Estendo meus agradecimentos aos presidentes que a sucederam e continuaram apoiando o meu trabalho no Arquivo. OArquivoHistriconoapenasdeuacessosfonteslocais.Eletornou-seum espaodeencontrodepesquisadores.Assim,pudetercontatocomgenealogistasque, gentilmente, me ofereceram informaes sobre suas famlias: Sr. Wilton Xavier, D. Stela Abreu,Sr.ValterArajo.JooPauloFerreiradeAssis,comsuafabulosamemria genealgica,ajudou-meapuxarosprimeirosfiosdaemaranhadaredefamiliardemeus personagens. Erlaine Janurio, mais do que me repassar informaes de suas pesquisas em BarbacenaeMariana,maisdoquemecolocaremcontatocomLciaRibeiroFerreira Armonde, sempre se preocupou com a minha pesquisa. Obrigada pelo apoio e ateno. PercilianaSilva,CludiaFalcoeRenataBergamaschi,estagiriasvoluntriasdo Arquivo Histrico, trabalharam com dedicao no primeiro semestre de 2008, poupando-me de algumas atividades no Arquivo. LucyFontesHargreavespelapacinciaeinteressecomquesempremeouviu falar da pesquisa, especialmente em nossas andanas pelos arquivos de Barbacena. Alm das atividades no Arquivo Histrico, em2002, fui escalada paraministrar a disciplinaHistriaLocal,nocursodeHistriadaUNIPAC.Aincumbnciamostrou-se umgrandedesafio,poisnohaviahistoriografiasobreotema,apenasobrasde memorialistas.Assim,notiveoutraescolhaanoserestruturarumcursocentradona utilizaodefontesprimriasdaregioenolevantamentodepropostasdepesquisa.O objetivo era instrumentar os alunos para a realizao de pesquisas sobre a regio.Felizmente, alguns alunos compraram a idia. Agradeo ao Adriano, Carla, Ftima, Iriana,Roseli,SheldoneVilmara,queforamseduzidospeloofciodohistoriadore produzirammonografiasedissertaesdemestradoapartirdocontatocomasfontese 7 dasquesteslevantadasnasaulasdeHistriaLocal.Aoacompanharodesenvolvimento de suas pesquisas pude dimensionar melhor a histria do termo de Barbacena. Ao Adriano BragaTeixeiraagradeoaindatermerepassadoalgumasfontesdesuapesquisaepor trazer-me da UFRJ teses que tinham acabado de sair do forno. Finalmente,faoumtributominhafamlia.Mriotemcompartilhadocomigo todososprojetos.Nodolorosotrabalhodeelaboraodessapesquisa,foimeuprimeiro leitor,buscoufontesebibliografiasnainternet,digitoutabelasetextos,assumiutarefas domsticas. Ana, minha filha, h muito est impaciente com um trabalho que no acaba nunca. Mas sua alegria e bom humor tornam nossa vida mais divertida. Meus pais, embora no estejam presentes nesta conquista, foram exemplos de luta, de garra, de coragem, ensinando-me, principalmente, a acreditar nos sonhos e a lutar para realiz-los.AomeutioSavinho,porencorajarmeuspaisaromperemcomtradies, possibilitando-me construir outra trajetria. Por ltimo, uma lembrana da infncia: meus tios-avs, Bernadete e Joaquinzinho. SuashistriasdeescravosefazendasfaziamcrerqueosculoXIXhaviasidoontem. Talvez, por isso, o sculo XIX, em muitos aspectos, sempre me pareceu muito familiar. 8 SUMRIO Introduo ...............................................................................................................................14 PARTEI:BarbaCenas:camadasenhorialeelitepolticaemumasociedademercantilde abastecimento.................................................................................................................... 55 1.Os senhores do Caminho ......................................................................................... 56 2.Da vila de Barbacena Corte do Rio de Janeiro.......................................................... 81 3.Camadasenhorialeelitepolticaemumasociedademercantildeabastecimento..... .................................................................................................................................... 107 3.1 Barbacena: sociedade de tropeiros ............................................................................ 113 3.2 Negcios e negociantes em Barbacena ..................................................................... 126 3.3 Dos negcios de abastecimento ................................................................................ 137 PARTE II: Ecos do liberalismo ......................................................................................... 207 1.Espaos de atuao poltica......................................................................................208 2.Debates e Embates................................................................................................... 223 2.1 Clube dos Anarquistas ............................................................................................ 239 2.2 No Curso do Parahybuna .....................................................................................259 3.Em nome da vontade da nacional ................................................................... 291 Palavras finais ................................................................................................................ 303 Fontes ............................................................................................................................... 305 Bibliografia ...................................................................................................................308 Anexos ...........................................................................................................................317 9 LISTA DE TABELAS, QUADROS E DIAGRAMAS TABELAS -Tabela 1: Relao de Bens de Francisco Ferreira Armonde (1751) ........................71 -Tabela 2: Primeiros moradores da regio da Borda do Campo .................................74 -Tabela3:Crescimentodapopulaototaleporcentagemdeescravosdacapitaniade Minas Gerais por comarca (1767-1821) .................................................................... 86 -Tabela 4: Registro de Sesmarias do Termo de Barbacena ......................................... 87 -Tabela 5: Relao dos bens de Rita Mariada Conceio e de Francisco Ferreira Armonde (1775) .........................................................................................................................100 -Tabela6:RelaodosbensdeFranciscoFerreiraArmondeeFelizardaMariaFrancisca (1814) ......................................................................................................................... 103 -Tabela 7: Distritos e populao do termo de Barbacena ( 1834) ...............................114 -Tabela 8: Posse de escravos no termo de Barbacena (1830-1849) ............................115 -Tabela 9: Posse de escravos no termo de Barbacena (1850-1888) ........................... 115 -Tabela 10: Distribuio da riqueza por faixa de fortuna (1830-1849) ...................... 118 -Tabela 11: Distribuio da riqueza por faixa de fortuna (1850-1888) ...................... 118 -Tabela12:AtividadesdesenvolvidaspelosgrandesproprietriosdotermodeBarbacena (1830-1888) ............................................................................................................... 121 -Tabela 13: Relao dos bens do capito Pedro Teixeira de Carvalho (1834) ........... 127 -Tabela 14: Fundos da Sociedade Teixeira Gualberto & Companhia .................... 128 -Tabela 15: Balano da Sociedade Teixeira Gualberto & Companhia ................... 128 -Tabela 16: Dissoluo da Sociedade Teixeira Gualberto & Companhia .............. 128 -Tabela 17: Relao dos bens do comendador Joo Fernandes de Oliveira Pena (1862). 133 -Tabela 18: Relao dos bens de Faustino Candido de Arajo (1876) ...................... 137 -Tabela 19: Relao dos bens de Carlos de S Fortes (1876) .................................... 139 -Tabela 20: Relao dos bens de Manoel Ribeiro Nunes (1862) ............................... 144 10 -Tabela 21: Relao de bens de Felizarda Francisca de Assis e Francisco Ferreira Armonde (1845) ........................................................................................................................ 148 -Tabela 22: Escravos enviados do Rio de Janeiro pelos irmos Armonde (1809-1830).. 153 -Tabela 23: Relao de bens dos irmos Armonde (1837-1871) ............................... 155 -Tabela 24: Relao de bens de Mariano Procpio Ferreira Lage (1867-1872) ........ 169 -Tabela 25: Relao de Bens do Conde de Prados (1882) ..........................................176 -Tabela 26: Relao de escravos e ingnuos do Conde de Prados (1882) ..................177 QUADROS -Quadro 1: Relao de personagens da pea Club dos Anarchistas (1838) ................243 -Quadro2:RelaodosproprietriosdoTermodeBarbacenacomriquezasuperiora 50:000$000 ris ........................................................................................................... 318 -Quadro3:OcupaodoshabitantesdoTermodeBarbacenaporsexoecondio,1831-1832. ...........................................................................................................................323 -Quadro 4: Relao dos documentos do AHMPAS.....................................................326 DIAGRAMAS -Diagrama 01: Famlia Ferreira Armonde .............................................................. 184 -Diagrama 02: Famlia Rodrigues Pais .................................................................. 187 -Diagrama 03: Famlias Lopes de Oliveira/ Dias de S ......................................... 188 -Diagrama 04: Famlias Vidal Barbosa/ Gonalves Lage ...................................... 189 -Diagrama 05: Famlia Aires Gomes .......................................................................191 -Diagrama 06: Famlias Aires Gomes/ Lima Duarte .............................................. 192 -Diagrama 07: Famlia Rodrigues da Costa ..........................................................194 -Diagrama 08: Famlia Vale Amado ...................................................................195 -Diagrama 09: FamliaMaquieiro de Castro ...................................................... 196 -Diagrama 10: Famlia Rodrigues de Arajo ........................................................197 -Diagrama 11: Famlias Carneiro Leo/Canedo/ Oliveira Pena ........................... 198 -Diagrama 12: Famlia Ferreira da Fonseca ......................................................... 200 -Diagrama 13: Famlia Ribeiro Nunes ..................................................................201 -Diagrama 14: Famlia Teixeira de Carvalho ........................................................202 -Diagrama !5: Famlia S Fortes ............................................................................ 204 11 ABREVIATURAS AEAM Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana AHMPAS Arquivo Histrico Municipal Professor Altair Savassi/Barbacena AMRSJDR Arquivo do Museu Regional de So Joo del-Rei APM Arquivo Pblico Mineiro CC Casa dos Contos RAPM Revista do Arquivo Pblico Mineiro 12 RESUMO Estateseumestudodaatuaoedascaractersticasdaselitespolticasregionais mineirasnoprocessodeconstruodoEstadoimperial,entre1831e1840.Pararesgataro papeldesempenhadopelaselitesregionaiseassuasescolhasevivnciasnoprocessode formaodoEstadoedanaobrasileira,buscou-sereconstruirateiaderelaespolticas, econmicasefamiliaresquedavasustentaoaessaelite.Investigou-setambmaatuao poltica dessa elite, suas identidades, projetos e posicionamentos no debate poltico do perodo regencialesuasapropriaesdoiderioliberal.Almdisso,tratou-sedecircunscrevera atuaopolticadoscidados,contextualizando-aapartirdastransformaesdoespao pblico e das diversas formas de sociabilidade vivenciadas no momento. As novas vivncias, marcadas pelo iderio liberal, estavam sendo experimentadas nas ruas, nas festas, no teatro, na imprensa,naseleies.Pretendeu-se,assim,perscrutarasmodificaesdoperodoquanto construoeaafirmaodeumespaopblico,destacandoaformaoeaimportnciada opiniopblica,discutindoopapeldaimprensaedaparticipaopolticanesseprocesso. Dessaforma,espera-sedemonstrarasdiversasformasdeatuaodaselitespolticasnas esferas de poder local/provincial/central. Para a consecuo de tais objetivos foi utilizado um corpodefontesconstitudoporinventrios,testamentos,mapasdepopulao,jornais,pea teatral, correspondncias oficiais, atas de eleio e listas de cidados ativos. PALAVRASCHAVES:Elitespolticas,liberalismo,construodoEstadoimperial,sculo XIX, Barbacena. 13 ABSTRACT Thisthesisisastudyabouttheactingandthecharacteristicsofthepoliticalregionalelite groups in the state of Minas Gerais during the building process of the imperial State between 1831 and 1840.In order to rescue the role of the regional elite groups and their choices and experiences in the process of formation of the Brazilian State and nation, we tried to rebuild thepolitical,economicalandfamilyrelationstructureswhichsupportedthoseelite.Wealso analyzedthepoliticalactuationfromthoseelite,theiridentities,projectsandpositionin publicdebatesintheregencyperiodandtheirappropriationoftheliberalideology. Furthermore,wecircumscribedthecitizenspoliticalactuation,contextualizingitfromthe transformationsinthepublicspaceandfromthevariousformsofsociabilityoccurringthat moment.Thosenewexperiences,signaledbytheliberalideology,werebeingexperimented on the streets, in parties, in the theater, by the press and on the elections. Our intention, thus, was to scrutinize the modifications in that period regarding the construction and confirmation of a public space, highlighting the formation and importance of the public opinion, discussing theroleofthepressandthepoliticalparticipationonthatprocess.Therefore,weintendto demonstratethevariousformsofactuationofthepoliticalelitesinthelocal,provincialand centralspheresofpower.Inordertoachievesuchobjective,itwasusedasetofsources composedofinventories,testaments,populationmaps,newspapers,dramaticplays,official mails, minutes of the elections and lists of actives citizens. Keywords:Politicalelites,liberalism,constructionoftheimperialState,XIXcentury, Barbacena. 14 INTRODUO I Estapesquisaprope-seaanalisaraatuaoeascaractersticasdaselitespolticas regionaisnoprocessodeconstruodoEstadoimperial,entre1831e1840.Trata-sede investigar a atuao das elites regionais e locais, identificando seus posicionamentos em torno dos projetos polticos em embate no processo de construo do Estado imperial, esclarecendo suaidentidade,suasorigens,composio,suarepresentatividadeemrelaoclasse senhorial,bemcomoasposiespolticasqueocupavamnaesferalocal,provinciale nacional.Pararesgataropapeldesempenhadopelaprovncia,emaisespecificamenteporsuas elites regionais, e as suas escolhas e vivncias no processo de formao do Estado e da nao brasileira,entre1831-1840,buscou-sereconstruirateiaderelaespolticas,econmicase familiares que dava sustentao a essa elite. Procurou-se investigar tambm a atuao poltica dessaelite,suasidentidades,posicionamentosnodebatepolticodoperodoregenciale apropriaesdoiderioliberal.Almdisso,tentou-secircunscreversuasvivnciasnonovo contextodetransformaodosespaospblicosedasdiversasformasdesociabilidadeem construonoperodo.Paraaconsecuodetaisobjetivosfoiutilizadoumcorpodefontes constitudoporinventrios,testamentos,mapasdepopulao,jornais,peateatral,atase correspondncias oficiais. AmotivaoparaoestudosurgiuquandomedepareicomafiguradeCamiloMaria Ferreira, Conde de Prados1. O Conde de Prados era um homem no seu tempo, um homem do sculoXIX,emtodosossentidos2.Eleconstituiumcasomodal3,imbudodas 1Noanode2000,trabalhavanaorganizaodoArquivoHistricoMunicipaldeBarbacenaeidentificavaos documentos produzidos pelo Poder Judicirio local. Por acaso, caiu emminhasmos o inventrio do Conde de Prados, datado de 1882. Na poca, tinha pouqussimas referncias e informaes sobre a histria de Barbacena e de seus habitantes. Ocorreu-me apenas que, atualmente, o Conde de Prados d nome a uma das principais praas dacidadedeBarbacena.Ento,movidaporumacuriosidadeingnua,abriodocumentoemesurpreendi. Emboraregistrasseavultosafortunade720:673$828deris,oinventrionoarrolavanenhumescravo.Tal constataoaguoumeuinteresseporessapersonagem.Passeiainvestig-laesuatrajetriatrouxe-mea percepodopapeldaselitesregionaisnoprocessodeconstruodoEstadoimperialedassuasvivnciasdo iderio liberal. 2GiovanniLevi,aopropor-secomoobjetodeestudoapequenaebanalaldeiadeSantenaeotoscopadre exorcistaGiovanBattistaChiesa,justifica-sedaseguinteforma:[...]exatamenteestacotidianidadedeuma situaovividaporumgrupodepessoasenvolvidasemacontecimentoslocaismas,aomesmotempo, interligadasafatospolticoseeconmicosquefogemaoseucontroledireto,anoscolocarproblemas 15 caractersticasdeseugrupoedesuapoca.NascidonafreguesiadeBarbacena,batizadona capeladoRegistroVelho,em14deagostode1815,erafilhonaturaldeMarcelinoJos Ferreira,BarodePitangui,edePossidniaLeodoradaSilva.Entre1832e1837,cursou MedicinaemParis.RegressouaoBrasilem1838,passandoaatuarcommdicoem Barbacena. Alm da atividade profissional, foi juiz de paz e presidente da Cmara Municipal de Barbacena. A partir da sua atuao polticafoi constante, sempre ligada aos liberais. Em 1839, fundou e redigiu o jornal O Echo da Raso at 1842, quando o peridico desaparece em meio ao Movimento Liberal de 1842. Em 1841, foi eleito deputado Assemblia Geral, mas no tomou posse em virtude da dissoluo da mesma. Em 1842, teve participao ativa no movimento armado deflagrado em Barbacena,inclusiveutilizandoaspginasdeseujornalparamobilizaraopiniopblicaa favordomovimento.Em1848,elegeu-senovamentedeputadoAssembliaGeral, permanecendo no cargo durante quatro legislaturas4. Foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo em 1855, com o ttulo de baro de Prados em 1861 e de visconde de Prados, em 1871. Em 1856, redigiu seu testamento, no qual declarouqueboapartedosseusescravosfosselibertadaporocasiodesuamorte.Defato, em 1882, data de seu falecimento, todos os 299 escravos foram libertos. EmsuatrajetriapolticatambmexerceuocargodepresidentedaprovnciadoRio de Janeiro, em 1878. Em 1879, foi nomeado conselheiro de Estado e, em 1881, foi promovido a conde de Prados. Comamortedeseupai,em1850,Dr.Camiloassumiuosnegciosdafamliae deixoudeexercerrotineiramenteamedicina.Nessemomento,osnegciosdafamlia Armondejestavamligadosagriculturacafeeira.Noentanto,aorigemdafortunaedo poder de Marcelino Jos Ferreira Armonde encontrava-se no comrcio5. NascidoemBarbacena,em1785,deorigemaoriana,Marcelino,quenoassinava Armonde,destacou-senoexercciodasatividadescomerciais.Juntamentecomseusirmos,

interessantesnoqueconcernesmotivaeseestratgiasdaaopoltica.LEVI,Giovanni.Aherana imaterial: trajetria de um exorcista no Piemonte do sculo XVI. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000. p. 46-47. 3LEVI,Giovanni.Usosdabiografia.In:FERREIRA,MarietadeMoraes,AMADO,Julieta(Orgs.).Usose abusos da histria oral.Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1998. 4 ALBUQUERQUE. Antnio Luiz Porto e.Formao e apogeu da aristocracia rural em Minas Gerais, 1808-1888.Rio de Janeiro: Xerox do Brasil, 1988.5 ALBUQUERQUE, AntnioL. P. e.Ibidem.; PINHEIRO,FbioW.Otrficoatlnticodeescravos naformaodosplantismineiros,ZonadaMatac.1809-c.1830.Dissertao(MestradoemHistria) IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, 2007. 16 inicialmentenegociavacomasreasmineradoras.ApsachegadadaCorteportuguesaao RiodeJaneiro,travoucontatocomoscomerciantesdessapraacomercial,comosquais negociavafazenda,vesturio,metais,sal,ferramentas,bacalhaueescravos,almdedebater asquestespolticasdaIndependnciaedogovernoregencial6.Almdasatividades comerciais, Marcelino exercia a atividade de banqueiro, emprestando dinheiro a juros. Marcelino, embora circunscrito esfera local e provincial, participava da vida poltica regional, ligando-se aos moderados e, depois, ao Partido Liberal. Integrava tambm a Guarda Nacional, ocupando o posto de coronel. Em 1848, dois anos antes de sua morte, sua trajetria foi coroada com o ttulo de Baro de Pitangui. Segundo Mattos, a trajetria de Marcelino liga-se ao desenvolvimento da vila de Barbacena, expressando seu crescimento: OscaminhosdaviladeBarbacenaCorteforamoscaminhosda transformaodeMarcelinoJosFerreiraArmond.Docomrciode abastecimentoaosnegcioscafeeiros;dasemoescomasnotciasdos sucessosdePortugaledoRiodeJaneiropocadaIndependncia colaboraocomoGovernoprovincialmineiroduranteasRegnciase incorporao na oficialidade da Guarda Nacional; da participao imprecisa no movimento liberal de 1842 adeso Ordem representada pelo Imprio, quenoscombatiaascrescentesinsurreiesnegrascomoresistias presses inglesas contra o trfico internacional de escravos; do comerciante Marcelino ao Baro de Pitangui. Uma transformao que percorria o mesmo caminho,emcontrrio,daCorteviladeBarbacena(...),ondeoBarode Pitangui representava exemplarmente os valores imperiais.7 CamiloMariaFerreira,aoprojetar-senocenrionacional,complementouatrajetria deseupai.OfuturoCondedePradosnoselimitouadministraodesuasfazendase negcios,nemaoexercciodaatividadepoltica.Interessou-setambmpelacincia, dedicando-sebotnica,correspondendo-secomcientistasestrangeiros,comoVonMartius, preocupando-seemacumularumavolumosabiblioteca.Dedicou-se,nareacientfica, sobretudoastronomia,assessorandoEmanuelLiais,fundadordoObservatrioNacional,a quem sucedeu na direo do mesmo8. OcondedePrados,bemcomoseupai,insere-seemumgruposocial,chamadopor Mattos9deboasociedade.Aconvivnciacomessaspersonagensserprofcuaparaa reconstituiodatrajetriadacamadasenhorial,noprocessodeconstruodoEstado imperial. De acordo com Mattos, as vidas de Camilo e Marcelino, 6 ALBUQUERQUE, Antnio L. P. e. Ibidem. 7MATTOS,IlmarR.de.Vidasexemplares,arquivosnotveis.In:ALBUQUERQUE.AntnioLuizPortoe.Formao e apogeu da aristocracia rural em Minas Gerais, 1808-1888.Rio de Janeiro: Xerox do Brasil, 1988.p. 12. 8 ALBUQUERQUE, Antnio L. P. e. Ibidem. 9 MATTOS, Ilmar R. de.O tempo saquarema.So Paulo: HUCITEC, Braslia: INL, 1987. 17 [...]Mesmotomadasemsuasindividualidades,possibilitamreconstituira trajetriadeumsegmento socialque,emmeios expectativaseincertezas, sonhoserealizaesqueassinalavamorompimentocomadominao coloniallusitanaeanunciavamumtempodiferente,acabariaporencontrar no Estado imperial [...] o elemento necessrio continuidade de uma Ordem que, em no raras oportunidades, parecia querer lhes escapar. [Alm disso], [...]tornampossvelcompreendercomo,emcircunstnciasdeterminadas, ocorreuaprogressivaconvergnciaentreaexpansodeinteresses particulareseainstitucionalizaodeumaordemestatal,eassimrevelam como os destinos individuais acabavam por se confundir com os destinos do Imprio.10 CamiloeMarcelinoestoinseridosemseutempoecompartilhamavisodemundo de seugrupo social. Poroutro lado, contudo, no se pode negligenciarassingularidades dos caminhospercorridosporeles.Afinal,emboraatuassemdentrodascondieshistricasde suapoca,CamiloeMarcelinotiveramtrajetriasnicas,marcadaspelaambigidade,mas, aomesmotempo,profundamentebemsucedidas,sejanasestratgiaseconmicassejapela suaimensacapacidadedenegociaopoltica.Portudoisso,asvidasdesseshomensdo sculoXIXpodemconduzir-nosatravsdascontradiesquemarcaramoprocessode construo do Estado imperial. Compreendera atuaodas elites locaise regionais nos debates do perodo regencial implica na discusso sobre os liberalismos postulados pelos atores sociais da primeira metade do sculo XIX. As circunstncias que marcaram a atuao poltica desses homens permitem-noscompreenderasespecificidadesdoliberalismobrasileiro,entendendo-onocomouma ideologiaimportada,semvnculoscomanossarealidade,mascomoummodeloterico utilizado como referncia pelos homens da poca. Dessaforma,cumpre-nosabordaroliberalismocomoumideriovivenciado concretamente pelos atores sociais, procurando apreender suas especificidades, seus limites e contradies, na tentativa de traduzir os significados que os conceitos liberais adquiriram para os homens inseridos no contexto histrico do perodo regencial11. AelitedotermodeBarbacena,ligadaeconomiamercantildeabastecimento,nas suasandanaspeloscaminhosprovinciais,nassuaslidascotidianas,tangendotropase transportandomercadorias,seguramente,perceberam,apartirdesuaexperinciaprtica,o sentidodaliberdade.Anecessidadedepalmilharcomseguranaoterritriofezcomque 10 MATTOS, Ilmar R. de. Vidas exemplares, arquivos notveis. 1988. p. 11. 11COSTA,EmiliaViottida.Liberalismobrasileiro:umaideologiademuitascaras.FolhadeSoPaulo,So Paulo, 24 fev. 1985.Folhetim. 18 vivenciassem empiricamente o valor da liberdade. Essa experincia prtica abriu as condies histricasparaanecessidadedeseeliminarosentravesedeperceberem-secomo responsveis pela construo do seu mundo. Poroutrolado,estapesquisa,aoproporoestudodaatuaodaselitespolticasda regio de Barbacena no contexto da construo do Estado nacional (1831-1840), insere-se na perspectiva de uma Histria Poltica renovada. Sabemos quea Histria Poltica, coroada por todoosculoXIX,poralgumasdcadasestevecondenadaaoesquecimento.Algumas geraesdehistoriadoresquesucederamomovimentodaEscoladoAnnales,em1929, criticaramosestudosemHistriaPolticaporconsider-losrepresentantesdosinteressesda elite. Um movimento recente dentro da historiografia tem mostrado novas possibilidades para as anlises sobre os fatos polticos12. Dessaforma,tornou-seumacertezanosomenteacompreensodequeopoltico umlegtimoobjetodoconhecimentocientfico,comotambmasinvestigaesnessarea podem explicar outras dimenses que compem os fatos sociais. ORetornodaHistriapoltica,comofoichamadoporRenRemond13,demarca tambmumaampliaodosobjetosdapesquisahistrica,assimcomoointercmbioda Histriacomoutrascincias,comoaSociologia,aAntropologiaeaCinciaPolticaentre outras. Os estudos sobre a participao poltica, sobre os processos eleitorais, sobre a opinio pblica,tornaram-secadavezmaisrecorrentes.Autilizaodefontesvariadastambm contribui para o aprimoramento dos estudos sobre o poltico. Na verdade, ao analisarmos as circunstncias e motivaes que levaram a elite poltica do termo de Barbacena a participar da construo dos diferentes projetos polticos em disputa na primeira metade do sculo XIX, estamos entendendo a histria poltica como o estudo dos sistemas de representaes que comandam a maneira pela qual uma poca, um pas ou grupos sociais conduzem sua ao e encaram seu futuro.14 Nesse sentido, aproximamo-nos da linha de pesquisa que aborda as Culturas Polticas, namedidaemqueestaremostrabalhandocomumconjuntodediscursoseprticas 12Somenteapartirdofinaldadcadade1980queopreconceitoemrelaoaosestudosemHistriaPoltica comeou a ser desfeito. 13 RMOND, Ren. (org.) Por uma Histria Poltica.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. 14 ROSANVALLON, Pierre. Por uma histria conceitual do poltico. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 15, n.30, p. 9-22, 1995. p. 16. 19 construdos historicamente por um grupo social e que, ao mesmo tempo, pauta a atuao e a atitude desse grupo 15. II Orecortecronolgicodessapesquisa,delimitadoentre1831e1840,apresentaa possibilidadedeobservarmos,dentrodocontextolocal,osprojetospolticosdebatidos duranteasRegncias(1831-1840).Talrecortepermiteacompanhar,ainda,oscaminhose escolhas dos Liberais Moderados durante o Regresso.AAbdicaodeD.PedroI,emsetedeabrilde1831,inaugurouoperodoregencial (1831-1840), comumente entendido pela historiografia como um interregno entre o Primeiro e oSegundoReinado.AsRegncias,atmuitorecentemente,nomereceramaatenodos historiadores. O perodo das Regncias apresentado como catico, desordenado, anrquico e turbulento16. Noobstantetratar-sedeummomentohistricocomplexo,fundamentalparaa construo do estado e da nao brasileira, o perodo regencial apresentado como um grande labirinto.TalimagemlabirnticadasRegncias,apropriadadosdiscursosdosgrupos dirigentesdapoca,foiperpetuadapelahistoriografia,preocupadaemapresentaruma explicaoesquemticaecristalizada,semlevaremcontaosparadoxos,ariquezadas possibilidades e as dissonncias dos processos em curso no perodo. As rebelies do perodo, emborasejammaisestudadas,muitasvezes,sofocalizadasapartirdeumaperspectiva preocupadaemdenunciarsituaesdaatualidade,ressaltandooconflitoearesistnciada sociedade brasileira, correndo-se o risco de uma interpretao anacrnica17. Operodoregencial,noentanto,foiummomentodegrandesdisputaspolticas,de acirramento das paixes e de definio de posicionamentos no interior do grupo dos liberais, divididos em moderados e radicais. Nesse contexto, foram debatidas questes decisivas para a definiodoprojetopolticodeconstruodoEstadonacional,taiscomofederalismo, 15 NEVES, Lcia M. B. Pereira.Corcundas e constitucionais: a cultura poltica da Independncia (1820-1822).Rio de Janeiro: Revan, FAPERJ, 2003. p. 25. 16MOREL,Marco.OperododasRegncias(1831-1840).RiodeJaneiro:JorgeZahar,2003.p.7.Estaobra apresentaumexcelentepanoramadoperodoepartedasconsideraessobreasRegncias,discutidasneste trabalho, baseiam-se nessa obra. 17 MOREL, Marco. O Perodo regencial. p. 8. 20 centralizao, o papel do Imperador, a participao popular, a proeminncia do Legislativo ou do Executivo18. Segundo Morel,Operodoregencialpodeservistocomoumgrandelaboratriode formulaesedeprticaspolticasesociais,comoocorreuempoucos momentos na histria do Brasil. Nele foram colocados em discusso (ou pelo menostrazidostona):monarquiaconstitucional,absolutismo, republicanismo,separatismo,federalismo,liberalismosemvriasvertentes, democracia,militarismo,catolicismo,islamismo,messianismo,xenofobia, afirmaodenacionalidade,diferentesfrmulasdeorganizaodoEstado (centralizao,descentralizao,posiesintermedirias),conflitostnicos multifacetados,expressesdeidentidadesregionaisantagnicas,formasde associaoatentoinexistentes,vigorosasretricasimpressasoufaladas, tticas de lutas as mais ousadas ...19

OSetedeAbrilde1831,qualificadoeglorificadoposteriormentepelosModerados comoumarevoluoencerrada,pertencenteaopassado,foiapresentadopelahistoriografia como um inevitvel divisor de guas na cena pblica20. A Abdicao inaugurou uma poca vertiginosa,descortinandoaosdiversossetoressociaisamplaspossibilidadesparaa construo de uma ordem nacional. AsRegnciasforammarcadasporumcontextodelutasinternas,emqueexplodiram as rivalidades entre os defensores do poder centralizador, bastante enfraquecido no momento, eosgruposquedefendiamreformasfederalistas.Nessemomento,emergiramtrspartidos: Exaltado, Moderado e Restaurador21.NotarefafcilclassificarastendnciaspolticasnoBrasildosculoXIX.Nose podeterumavisorgidadessasidentidadespolticas,nemesperarqueopertencimento poltico desses agrupamentos seja marcado por uma coernciaexemplar, com a formao de grupospolticosrestritosemonolticos.Noentanto,segundoMorel,asfronteiraspolticas entreosRestauradores,osExaltadoseosModeradospodemserdemarcadasapartirda 18SILVA,Wlamir.LiberaisePovo:aconstruodahegemonialiberal-moderadanaProvnciadeMinas Gerais (1830-1834). 2002. 387 f. Tese (Doutorado em Histria) IFCH/UFRJ, Rio de Janeiro, 2002. p. 15. 19 MOREL, MARCO. O perodo regencial. p. 9. 20 MOREL, M. Ibidem. p. 20. 21MOREL,Marco.Astransformaesdosespaospblicos:imprensa,atorespolticosesociabilidadesna cidadeimperial(1820-1840).SoPaulo:Hucitec,2005.p.62.SegundoMorel,atofimdosculoXIXno havia,nemmesmonaEuropaOcidental,partidospolticosorganizadosnacompreensoatualdepartido-mquina.Almdisso,ospartidoseramassociadossfaces,tidascomodivisionistasecomprometedorasda ordemnacional.Da,apartidarizaoservistademodopejorativonocontextodeconsolidaoda Independncia e da unidade nacional. O partido poltico, no entanto, constitua-se, na primeira metade do sculo XIX,emformasdeagrupamentoemtornodeumlder,ouatravsdepalavrasdeordemedaimprensa,em determinados espaos de interesses e motivaes especficas, alm de se delimitarem por lealdades ou afinidades (intelectuais,econmicas,culturaisetc)entreseusparticipantes.Taisgruposeramidentificadosporrtulosou nomeaes ou no. MOREL, Marco. As transformaes dos espaos pblicos.p. 67. 21 tripartiodesoberaniascorrenteemprincpiosdosculoXIX:asoberaniadorei,a soberania do povo e a soberania da nao 22. OsExaltados,tambmchamadosdejurujubasoufarroupilhas,noparticiparamdo podercentral.Profissionaisliberais,militares,padres,funcionriospblicosealguns proprietriosruraisagrupavam-seemassociaescomoasSociedadesFederaiseaGrande LojaBrasileira,entreoutras.Emboraapresentassemdivergnciasentreseusintegrantes,seu iderio,pautadonavalorizaodasoberaniapopular,conseguiualcanarascamadaspobres dapopulaourbanaerural.Oslderesdessacorrentepolticaposicionavam-secontraa opressoeconmica,socialetnica,defendiamofederalismoeadescentralizao administrativaecondenavamaescravido.Nadefesadesuasidiasutilizaramtantoaluta armada quanto a imprensa. OsModeradosrepresentavamosinteressesdosproprietriosecomerciantesdas provncias do Rio de Janeiro, de So Paulo e de Minas Gerais, embora tivessem ramificaes portodasasprovncias.Tambmchamadosdechimangos,guiavam-sepelolemado equilbrio,daponderaoerazo23.Amoderaoassociava-seidiadejustoequilbrio, liberdadelimitada,monarquiaconstitucional,soberanianacional,almdarecusado absolutismo e do despotismo e ambigidade diante da idia de revoluo24. O grupo poltico dosmoderadosformouosgovernosdasRegncias,agrupando-seemtornodaSociedade DefensoradaLiberdadeeIndependnciaNacional.Expressava-sepormeiodedezenasde jornais e no incorporou ao jogo poltico, sob a bandeira da Moderao, as camadas pobres da populao. EmoposioaosExaltadoseLiberaisModeradoscolocavam-seosRestauradores. Estegrupopoltico,conhecidotambmporCaramurus,agrupava-senaSociedade Conservadora, expressava-se atravs de jornais e fazia apelo luta armada. Os Restauradores defendiamumEstadocentralizador,absolutista,eoreforodopoderdeantigoscorpos sociais,comosenhoreslocais,oligarquias,cleroesuasclientelas 25.Chamadosde corcundas, por securvarem ao despotismo geral, os Restauradores, aps 1831, passaram a 22MOREL,Marco.Transformaodosespaospblicos.p.63.SegundoMorel,afaltadecoerncia parlamentarounoscomportamentos,noimplica,necessariamente,ausnciadeoutroslaosslidos,queem geralsoconstrudosforadosParlamentosenemsempresesubmetemaumdogmapr-definido:ligaes pessoais, de parentesco, de compadrio, interesses sociais, afinidades intelectuais, econmicas ou regionais, sem falar de alianas em questes pontuais. 23SegundoMorel,amoderaoeratidacomosinnimoderazo.Moderaoseriaumcomportamento,uma espcie de viso de mundo que permitiria posicionar-se sobre qualquer assunto, um critrio para distinguir o que sbioecivilizado,emharmoniacomoscostumeseobomsenso.MOREL,Marco.OPerodoregencial, p. 35. 24 MOREL, Marco.O perodo Regencial.p. 35-36. 25 MOREL, Marco. O perodo Regencial.p. 36. 22 defenderoretornodeD.PedroIaotrono.Enfim,valorizavamasupremaciamonrquica, enfraquecida durante as Regncias26. AchamadaRevoluodeSetedeAbrilrepresentouumareafirmaoda Independnciaedosprincpiosliberaisemprejuzodastendnciasabsolutistasedos interesses portugueses, associados a D. Pedro I27. Com a Regncia iniciou-se um processo de reviso da estrutura institucional vigente. J no ano de 1831, aps a eleio da Regncia Trina Permanente,foramcolocadasemdiscussoalgumaspropostasdereformaconstitucional bastante ousadas. Tais propostas se contrapunham ao modelo centralizador da Constituio de 1824.OprojetodereformaconstitucionalaprovadopelaCmaradosDeputadospreviao estabelecimentodeumamonarquiafederativa,acriaodeAssembliasLegislativas provinciais bicamerais, a extino do Poder Moderador e do Conselho de Estado, determinava o fim da vitaliciedade do Senado e a realizao de eleies parlamentares bienais28. AsemendasinterpostasaoprojetopeloSenadoeliminaramseucarterradical, resultando na lei de 12 de outubro de 1832, que lanou as bases para o Ato Adicional de 1834. EstaprimeirareformadaConstituiodeunovaconfiguraoestruturapolticae administrativadoImprio.OAtoAdicionalConstituiode1834aboliuoConselhode Estado e estabeleceu a Regncia Una eleita para uma gesto de quatro anos. As provncias, de simplesunidadesadministrativas,ganhavamstatuspoltico,comacriaodeAssemblias LegislativasProvinciaispoderosas,comapossibilidadedelegislarsobreempregose ordenados dos funcionrios provinciais e municipais, alm de escolher os vice-presidentes de provncias e ter ascendncia sobre os municpios. Emboraanomeaodopresidentedeprovnciafosseprerrogativadoimperador,os empregos gerais e a partilha dos recursos financeiros permanecessem nas mos do governo central,aprimeirareformadaConstituiocontemplavaalgumasdemandas descentralizadoras e, desta forma, os poderes regionais. NessecontextodedefiniosobreotipodeEstadoqueseriaconstrudo,asreformas dosistemapoltico-administrativoreforaramaautonomiadospodereslocais.OCdigodo ProcessoCriminalde1832fortaleceuopoderlocaldojuizdepaz,alterandoaorganizao jurdica do pas. A nova legislao instituiu o habeas-corpus e o jri popular, alm de regular 26 MOREL, Marco. Ibidem.p. 36-38. 27 FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralizao e descentralizao no Imprio: o debate entre Tavares Bastos e o Visconde de Uruguai. So Paulo: Departamento de Cincia Poltica da Universidade de So Paulo; Ed. 34, 1999, p. 25-26; NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Imprio. 5.ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. v. 1. 28MOREL, Marco. O perodo regencial. p.27-28; FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralizao e descentralizao no Imprio.p. 26-27. 23 oprocessoeleitoraleorecrutamentodaGuardaNacional.Naprtica,foramconcedidos amplospoderesaojuizdepaz.Essecargo,criadoem1827,eraocupadoporpessoas escolhidas diretamente pelos eleitores locais. Esses juzes eleitos tinham atribuies policiais ejudicirias,comopoderdeformaraculpa,prender,julgar,almdeconvocaraGuarda Nacional e a fora policial. O juiz de paz, o proco e o presidente da Cmara Municipal eram responsveispelaelaboraodalistadejuradosdotermoepelaqualificaodoseleitorese votantes. A criao da Guarda Nacional, em 1831, para garantir a ordem interna ameaada pelas turbulnciaseinstabilidadesquemarcaramaAbdicao,tambmsignificouumamedidade fortalecimentodosproprietriosedossenhoreslocais.Emboraestivessesubordinadaao presidentedeprovncia,aGuardaNacionaleraumamilciaorganizadapormunicpio,cujo funcionamentoeraregulamentadopelasAssembliasProvinciais.Suaautonomiaera garantida ainda pelo fato do alistamento militar ser conduzido pelo juiz de paz. Em 1835, Feij foi escolhido, por eleio direta, o primeiro Regente Uno. No entanto, nem as reformas jurdicas, nem o governo de Feij foram capazes de garantir a estabilidade e a ordem. Motins, sedies e inmeras revoltas em diversas provncias, exploso de ataques da imprensa, disputas entre os grupos dirigentes levaram renncia de Feij, em 183729. A crise poltica e as rebelies provocaram a ciso interna entre os Moderados que, at ento,haviamatuadodeformahegemnica30.PartedogrupoModerado,convencidada necessidadedemedidasparapacificaropasegarantiraordemsocialescravista, aproximou-sedosRestauradoreseorganizouoPartidoConservador.Osdefensoresdas reformas do perodo regencial passaram a integrar o Partido Liberal. A posse de Pedro Arajo Lima, em 1837, inaugurou o Regresso, que abriu espao para ofortalecimentopolticodosgrandesproprietriosdeterraseescravos.Temendouma participaomaisampladapopulaoeaperdadaunidadeterritorialdoImprio,ogrupo RegressistarestabeleceuoEstadocentralizador,restaurandoaautoridademonrquicae desmontando a legislao liberal, responsabilizada pela situao catica em que se encontrava o pas. 29Entre1833-1838,ocorreramtrsrevoltasescravasdeimpacto:CarrancasemMinasGerais(1833),Mals (Bahia,1835)edeManoelCongo(RiodeJaneiro,1838).Em1835,emborachegueaofimaCabanada (PernambucoeAlagoas,1832-1835),tm-senotciadasrevoltasdaCabanagem(Par,1835-1836)ea Farroupilha (1835-1845), no Sul do Brasil. Em 1837, ocorre a Sabinada, na Bahia e, em 1838, o Maranho e o Piau rebelaram-se no movimento conhecido por Balaiada (1838-1842). MOREL, M. O perodo regencial.30 preciso lembrar que os Exaltados no participaram do poder central e que os Restauradores, aps a morte de Dom Pedro I, em 1834, perderam sua principal bandeira. 24 OAtoAdicionalde1834deuaosgruposprovinciaisumpoderdecisrioreal, produzindo um acirramento das disputas entre as foras locais. Tais conflitos foram agravados pela instrumentalizao do posto de juiz de paz e do sistema de jurados pela elite local31. As atribuies dadas ao juiz de paz pelo Cdigo do Processo Criminal de 1832 transformaram os juzes em homens poderosos, capazes de manipular e interferir nas disputas pelo poder dentro dalocalidade.Afinal,afacoquecontrolasseamagistraturacontrolavaapolticalocal. Almdisso,porsereleitolocalmenteojuizdepazpoderiaescapardocontroledogoverno central. Aps exaustiva batalha, foi aprovada em 12 de maio de 1840 a Lei de Interpretao do Ato Adicional. A principal modificao proposta pela Lei negava s Assemblias Provinciais o direito de legislar sobre empregos gerais e sobre a polcia judiciria. Tais medidas abriram caminho para a reforma do Cdigo do Processo em 1841, promovendo o controle centralizado dasautoridadesjudiciriasepoliciais.Comanovalei,inspiradaemprojetodeBernardo Pereira de Vasconcelos, de 1839, Ojuizdepazperdeusuasatribuiespoliciais,transferidasparaos delegadosesubdelegadosdepolcia,submetidosaochefedepolciaeao MinistriodaJustia.Dojuizdedireitoaoinspetordequarteiro,todos estavamsubordinadosCorte.Osjuzesmunicipaiseospromotores pblicospassaramasernomeadospeloImperadoreaslistasdejurados foramorganizadaspelosdelegados,ampliando-seaspossibilidadesdeum controle efetivo do poder central sobre os municpios.32

AchamadareaocentralizadorafoicompletadaapsamaioridadedeDomPedro II, com o restabelecimento do exerccio do Poder Moderador, com a recriao do Conselho de EstadoecomamanutenodoSenadovitalcio.AreorganizaodaGuardaNacional,em 1850,finalizouaobradecentralizaodoEstadoimperial.Esseprocessocentralizador, contudo, sofreu reveses na dcada de 1840, quando os liberais de So Paulo e Minas Gerais, em1842,pegaramemarmaspordiscordaremdasmedidascentralizadoras.Operodode instabilidade poltica foi encerrado em 1849, quando a Praieira foi sufocada em Pernambuco. OImpriodoBrasil,nadcadade1850,encontrava-seslido,comumaestrutura poltica e administrativa centralizada, tendo sido afastado o risco de fragmentao territorial e 31FLORY,Thomas.EljuiezdepazyeljuradoenelBrasilImperial,1808-1871:controlsocialeestabilidad polticaenelnuevoEstado.Mxico:FondodeCulturaEconmica,1996.p.189-190./FERREIRA,G.N., Centralizao e descentralizao.. p. 32. 32RESENDE,EdnaMaria.Entreasolidariedadeeaviolncia:valores,comportamentosealeiemSoJoo del-Rei,1840-1860.1999.153f.Dissertao(MestradoemHistria)FaculdadedeFilosofiaeCincias Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999. 25 preservadaaordemsocialescravista.Apolticadeconciliaorepresentouoaugeda estabilizao, em que os conflitos entre osgrupos puderam ser dirimidos e os representantes dosgruposvencidos,nopodendosimplesmenteserignoradosouexcludos,foram incorporados. Nemsemprefoipossvelrespeitarumacronologiargida.Naverdade,osmarcos cronolgicossocomobalizasquenospermitemolhardetidamenteparaumperodo, marcadoporsuatemporalidadeprpria.Assim,considerando-seatemporalidadeea historicidade de uma poca, eventualmente houve necessidade de fazer incurses em perodos anterioreseposterioressdatasespecificadas.Acompreensodaatuaopolticadas personagensenvolvidasexigiuquefossemfeitosrecuosaoprocessodeIndependncia.Por outro lado, fontes, como os inventrios, por exemplo, situam-se em perodos posteriores, pois representam a culminncia de uma vida. III Quanto ao recorte espacial, fundamental destacar que se a histria mineira provincial e,particularmenteasuahistriapoltica,aindacarecedeestudosqueelucidemseu desenvolvimentohistricotopeculiarediversificado,osestudossobreahistriade Barbacenaencontram-seemestgioincipiente.Enquantoahistoriografiamineirasobreos Setecentos e os Oitocentos experimenta, desde a dcada de 1980, um vigoroso revisionismo, enormealacunaexistentearespeitododesenvolvimentohistricodeBarbacenaemseus mltiplos aspectos33. Noentanto,Barbacenateveimportnciadestacadanahistriapolticabrasileira, participandoativamentedemomentosdecisivosdenossahistria.NosculoXVIII,alguns inconfidenteseramproprietriosdefazendasnaregio34.NosculoXIX,seusmoradores 33OstrabalhosdeCARVALHO,JosMurilode.Barbacena:afamlia,apolticaeumahiptese.Revista BrasileiradeEstudosPolticos,BeloHorizonte,n.20,jan.1960.;RIBEIRO,AlexandreMuzzidePaula.Avantes,Liberais:oimaginriodaRevoluode1930emBarbacena.1996.Dissertao(Mestradoem Histria) UFRJ, Rio de Janeiro, 1996; OLIVEIRA, Mnica Ribeiro de.Negcios de famlias: mercado, terra e podernaformaodacafeiculturamineira,1780-1870.1999.Tese(DoutoradoemHistria)UFF,Niteri, 1999 e TEIXEIRA, Adriano Braga. Populao, sistema econmico e poder na transio do sculo XVIII para o sculoXIXemMinascolonial-1791-1822.2007.189f.Dissertao(MestradoemHistria)Institutode FilosofiaeCinciasSociais,UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro,RiodeJaneiro,2007;CARVALHO, Sheldon Augusto Soares. A Abolio da escravatura em Barbacena, 1771-1888. 2008. Dissertao (Mestrado em Histria) UFF, Niteri, 2008, so pioneiros no estudo dahistria de Barbacena. 34 Podemos citar os Padres Manoel Rodrigues da Costa e Jos Lopes de Oliveira, Jos Ayres Gomes e Joaquim SilvriodosReis.Almdesses,Tiradentestambmvisitavaaregio.Seuirmo,opadreAntniodaSilva Santos,residianaFazendadoCastelo.MASSENA,Nestor.Barbacena:aterraeohomem.BeloHorizonte: Imprensa Oficial, 1985. 26 posicionaram-seafavordoPrncipeRegenteacercadosacontecimentosquemarcaramo processo de independncia. A Cmara Municipal enviou um Manifesto de apoio a D. Pedro II, obtendo,comessegesto,ottulodeNobreemuilealVilaparaBarbacena.Em1842, Barbacena,maisumavez,destacou-senocenriopolticoimperial,reagindosmedidas tomadaspeloMinistrioConservador,queextinguiuasprerrogativasliberaisconquistadas pelas provncias com o Ato Adicional de 1834, deflagrando a Revoluo Liberal. Almdessesepisdiosamplamenteconhecidos,Barbacenasempreesteve representada na poltica imperial por eminentes polticos, como Camilo Maria Ferreira, conde Prados,eJosRodriguesdeLimaDuarte,viscondedeLimaDuarte,ambosdeputados Assemblia Geral e conselheiros do Imprio35. DuranteosculoXIX,Barbacena,aoladodeSoJoodel-Rei,eraumplo comercial, centralizando o fluxo de mercadorias de diversas regies. Situadas numa regio de entreposto, So Joo del-Rei drenava a maior parte das exportaes de subsistncia mineira, ao passo que Barbacena concentrava principalmente as exportaes de algodo 36 Estavocaoparaentrepostomanifestou-sedesdeaorigemdaregiodeBarbacena, ligadaincorporaodoCaminhoNovoporGarciaRodriguesPais,em169837.OCaminho Novo,queencurtouadistnciaentreoRiodeJaneiroearegiomineradora,permitiua incorporao do alto da serra da Mantiqueira, local genericamente identificado por Borda do Campo. O Caminho Novo cortava a fazenda da Borda do Campo, passando pelo Registro e, depois pela fazenda da Caveira, onde mais tarde, foi construdo o arraial da Igreja Nova38. Ao longo do Caminho Novo estabeleceram-se inmeras fazendas, fundamentais para o provimentodosviajantes.DurantetodaaprimeirametadedosculoXVIII,apaisagemda regiofoimarcadapelaexistnciadessasfazendas,quetinhamsuarazodeserno fornecimentodevveresparaosviajantesedegnerosdesubsistnciaparaomercado minerador. AsededafreguesiadeNossaSenhoradaPiedadedaBordadoCampo,inicialmente situada na capela de Nossa Senhora da Borda do Campo (1711), foi transferida, em 1730, para acapeladeNossaSenhoradoPilardoRegistroVelho.Apartirde1843,seguindoa orientaodobispoD.FreiAntniodeGuadalupe,quefezumavisitapastoralBordado 35 MASSENA, Nestor. Barbacena: a terra e o homem. 36 LENHARO, Alcir.As tropas da moderao: o abastecimento da Corte na formao poltica do Brasil, 1808-1842.So Paulo: Smbolo, 1979. p. 89-90. 37 VENNCIO, Renato Pinto.Caminho Novo: a longa durao.Varia Histria, Belo Horizonte, n. 21, p. 181-189, jul. 1999. MASSENA, N. Barbacena: a terra e o homem. 38 MASSENA, N. Barbacena: a terra e o homem. V. 2, p. 268. 27 Campoem1726,foiiniciadaaconstruodanovaigrejamatriz,nafazendadaCaveirade Cima, que passou a abrigar, a partir de 1750, a sede da freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo39. Datade1747odespachodeGomesFreiredeAndradeconcedendolicenaparaa ereodeumarraialnaIgrejaNovadoCuratoEpiscopaldeNossaSenhoradaPiedadeda Borda do Campo. A construo das primeiras casas ocorreu somente em 1753, quando foram solucionadas as disputas travadas pelos fazendeiros da regio em torno da posse das terras em queselocalizavamaigrejaeoarraial.Obviamente,oarraialdaIgrejaNovadaBordado Campofoiconstrudoemummomentoemqueapopulaojhaviasefixadonacapitania, dedicando-se ao comrcio e s atividades agropastoris40. OarraialdaIgrejaNovaestavasobajurisdiodaviladeSoJosdel-Rei, pertencendo,portanto,comarcadoRiodasMortes.Diantedasenormesdificuldadesdos moradoresemvenceremasgrandesdistnciasparatrataremdosnegciosforenses,105 representantesdasfreguesiasdaBordadoCampo,deNossaSenhoradaAssunodo Engenho do Mato e de Nossa Senhora da Glria de Simo Pereira dirigiram ao Visconde de Barbacena,governadorecapito-generaldacapitaniadeMinas,umalongapetio, solicitando a criao da vila do Arraial da Igreja Nova da Borda do Campo, separada de So Josdel-Reiecompelourinhoprprio.Assim,oarraialdaIgrejaNovafoielevado categoria de vila a 14 de agosto de 1791.Devido sua posio geogrfica estratgica, localizada s margens do Caminho Novo e dando acesso ao Caminho Velho a partir de So Joo del-Rei, cabea da comarca do Rio das Mortes e importante entreposto comercial, a vila de Barbacena destacava-seenquanto centro de abastecimento da regio, tornando-se parada obrigatria para viajantes e tropas.Barbacenaintegravaaregiodeocupaomaisantiga,que,duranteosculoXVIII, estavaassociadaextraoaurferaousatividadeseconmicasestimuladasporesta atividade nuclear41. No final dos Setecentos, o declnio da minerao era evidente, levando a um reordenamento econmico da capitania de Minas Gerais. Dessa forma, no incio do sculo XIX,aeconomiamineirabaseava-senasatividadesligadassubsistncia,marcadaporum forte carter mercantil. 39 MASSENA, N. Ibidem. p.271. 40 MASSENA, N. Ibidem. ; ALBUQUERQUE, Antnio L. P. E. I Formao e apogeu da aristocracia rural em Minas Gerais.41 PAIVA, Clotilde Andrade.Populao e economia nas Minas Gerais do sculo XIX.1996.Tese (Doutorado em Histria Social) USP, So Paulo, 1996. p. 125. 28 AregiodeBarbacenapassava,nestemomento,porumprocessodeampliaode fronteiras,comaocupaodenovasreaseaconstituiodeumsistemaagrrioque mesclava grandes e pequenas propriedades. Com a vinda da Corte e a implantao da poltica deinteriorizaodametrpole,consolidaram-seostraosestruturaisdosistemaeconmico dotermodeBarbacena.Houvemaiordinamizaodaeconomiaregional,que, progressivamente,articulou-secomoscircuitosmercantis,apartirdodesenvolvimentode uma economia mercantil de alimentos42. O crescimento econmico e demogrfico da regio de Barbacena teve como reflexo a conquista da autonomia poltica com a elevao do arraial da Igreja Nova categoria de vila, comadenominaodeviladeBarbacena.Maistarde,em1833,otermodeBarbacenafoi desmembrado da comarca do Rio das Mortes, passando a integrar, juntamente com os termos de Baependi e Pomba, a comarca do Rio Paraibuna43. A vila de Barbacena permaneceu como cabea da comarca do Paraibuna at 1873, quando, ento, foi criada a comarca de Barbacena, desmembrada da comarca do Rio Paraibuna44. ArealizaodepesquisasquetenhamcomorecorteespacialotermodeBarbacena, certamente, delinear com mais clareza a importncia econmica, poltica e estratgica dessa regionocontextodahistriamineiraebrasileira.Obviamente,aopoporumrecorte regional,pautadoporfontesprimrias,poderevelaracomplexidadedossistemasscio-econmicosepermitirquestionargeneralizaesereformularoconhecimentodeuma histria geral45. Dentro dessa perspectiva, o estudo da atuao das elites polticas locais, no perodoregencial,contribuiparaumamelhorcompreensodoprocessodeconstruodo Estado imperial. IV A histria daconstruo do Estado brasileiro, na primeira metade do sculo XIX, foi marcadapelatensoentreaunidadeeafragmentao,aautonomiaeacentralizao46.Nos 42 OLIVEIRA, Mnica R.Negcios de famlia.Em sua pesquisa, a autora trabalha a estrutura agrria do termo deBarbacenasomentecomosubsdioparacompreenderaformaodosistemaagrrio-cafeicultor,quese desenvolveunaZonadaMatamineiraapartirdemeadosdosculoXIX.Naverdade,otermodeBarbacena carece de pesquisas mais especficas. 43 GRAA FILHO, Afonso de Alencastro. Jogando caxang: notas sobre as divises jurdico-administrativas na comarca do Rio das Mortes durante o sculo XIX. Vertentes, So Joo del-Rei, n. 7, p. 29-37, jan./jun. 1996. 44 SAVASSI, Altair.Barbacena: 200 anos.2. ed.Belo Horizonte: Lemi, 1991. v. 1. 45AMADO,Janana.Histriaeregio:reconhecendoeconstruindoespaos.In:SILVA,MarcosA.(org.).Repblica em migalhas: histria regional e local.So Paulo: Marco Zero, 1990. 46 DOLHNIKOFF, M. O pacto federativo, So Paulo: Global, 2005, p. 11 29 anos 1850, o risco da fragmentao do territrio e do separatismo estava afastado. Era clara a opodopasporumregimemonrquicoepoliticamentecentralizado47.Noentanto,o processodeformaodoEstadoedanaobrasileirafoimarcadopelaexistnciade alternativas variadas quanto organizao da nova nao. A Independncia colocou o desafio deconstruiroEstadoedesedefiniranao.Humconsensonahistoriografiaquantoao legadodacolonizaoportuguesa48.Daexperinciacolonial,naqualprevaleceuainiciativa privada,emergiramregiesetnograficamentedistintas,comdificuldadesdecomunicao entre si e com frouxos vnculos econmicos e polticos. Os proprietrios de terras e escravos, oschamadoshomensbons,ligavam-sesualocalidade,suaptria49.ACmara Municipaleraolugardopoderlocal50.Nessecontexto,aseliteslocais,acostumadasagerir seus interesses e negcios sem a interferncia das autoridades do Rio de Janeiro e de Lisboa, reivindicavamamanutenodaautonomiadomunicpio.Aheranacolonialpsem movimentoforascentrfugascapazesdelevarafragmentao.DeacordocomSrgio Buarque de Holanda,[a] unidade, que a vinda da Corte e a elevao do Brasil a Reino deixar de cimentar em bases mais slidas, estar ao ponto de esfacelar-se nos dias que imediatamenteantecedemesucedemproclamaodaIndependncia.Da pordianteirfazer-seapassolento,desortequesemmeadosdosculo pode dizer-se consumada.51 Embora a perspectiva da autonomia se apresentasse como a mais atraente para as elites locais e a desintegrao fosse uma possibilidade real, tambm existiam razes que apontavam paraaalternativadaunidadedasprovncias,sobumaautoridadecentral.Descartadaa soluounionista,setoresdaelitebrasileiraapostaramnamonarquiaconstitucionalcomo alternativa capaz de evitar a fragmentao do Pas, garantir o controle social e a manuteno da ordem escravocrata. Acreditava-se que a soluo republicana colocaria em risco a unidade 47 HOLANDA,Srgio Buarque de. A herana colonial: sua desagregao. In: ______.(Org.). Histria Geral da Civilizao Brasileira, t. II, v. 1.6 ed. So Paulo: Difel, 1985. p. 09 39. 48Sobreotemaver:DOLHNIKOFF,M.Opactofederativo,p.11;GRAHAM,R.Construindoumanaono BrasildosculoXIX:visesnovaseantigassobreclasse,culturaeEstado.Disponvelem: http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/v0l05-mesa1.html.Consultadoem:18/01/2007; NEVES,LciaMariaPereiradasNeves,MACHADO,Humberto.OImpriodoBrasil.RiodeJaneiro:Nova Fronteira, 199.p. 97; CARVALHO, Jos Murilo de. Federalismo e centralizao no Imprio brasileiro: histria eargumento.In:______. Pontosebordados:escritosdehistriaepoltica.BeloHorizonte: Ed.UFMG,1998. p.155-188. 49 GRAHAM, Richard. Construindo uma nao no Brasil do sculo XIX. 50 Sobre o papel das cmaras na Amrica Portuguesa ver: RUSSEL WOOD, A. J. R. O governo local na Amrica Portuguesa: um estudo de divergncia cultural.Revista de Histria, So Paulo, v. 55, n. 109, p. 25-79, jan.-mar 1977.; BICALHO, MariaFernanda Baptista.As cmarasultramarinas e ogoverno do Imprio. In:FRAGOSO, Joo,BICALHO,MariaFernandaB,GOUVA,MariadeFtima(Orgs.).OAntigoRegimenosTrpicos:a dinmica imperial portuguesa (sculos XVI-XVIII).Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. 51 HOLANDA, Srgio Buarque de. A herana colonial. p. 16 30 territorialetrariaaameaadadesordemsocial,abrindoespaoparamovimentossociais envolvendo homens livres pobres e escravos. Se por temor do caos e da desordem as elites locais aceitaram a autoridade central, por outrolado,aausnciadelaosdeunioentreasprovnciaseoespritolocalistadaselites regionaissugeremqueoprocessodeconstruodoEstadoimperialnopodesertratadode formasimpleseesquemtica,naturaleinexorvel.Acompreensodesseprocessorequer enxerg-lo em seus mltiplos aspectos, considerando as permanncias e transformaes que o permearam52. Areorganizaodasestruturasdepoder,visandoconstruoeaconsolidaode uma autoridade central, no podia prescindir de um esforo de conciliao entre a herana das estruturas de poder coloniais e as concepes polticas e administrativas portuguesas entre as novasdemandasdoiderioliberal,queinspiravamasprticaspolticasnoinciodosculo XIX53. A linguagem do iderio liberal abstrata. Os enunciados do liberalismo, ao postularem o princpio do governo representativo, a primazia das leis, a soberania da nao, as liberdades individuais do cidado, no esclarecem quem a nao ou quem so os cidados. Somente a prtica poltica pode estabelecer os limites e as possibilidades da apropriao do credo liberal. Daresultaaexistnciadosliberalismos.Ospostuladosliberaisacabaramassumindo mltiplasfeies,deacordocomascircunstnciashistricaseosgrupossociaisaeles identificados54. OsnovosventossopradosapartirdaRevoluoIndustrialedasheranasda RevoluoFrancesa55,vista,estaltima,comoparadigmadamodernidadepoltica, acabaramporsedepararcomaculturapolticaremanescentedoabsolutismoportugus, compartilhadapelaintelectualidadebrasileiraatravsdaUniversidadedeCoimbra.Dessa forma,a atuao da elite brasileira, herdeira doreformismo ilustrado portugus, foi marcada pelapersistnciadeprticasdoAntigoRegime.Asociedadeaindaerafortementearraigada aos velhos hbitos, com uma estrutura social bastante rgida. Da, a importncia das redes de 52Concebe-seaformaodoEstadoNacionalcomoumprocessocontnuo,permanente,dinmico,enfim, histrico, cujo sentido no pode ser dado a priori. MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar: umestudosobrepolticaeelitesapartirdoConselhodeEstado(1842 1889).2005. 403f..Tese(Doutorado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.53 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar.54 GUIMARES, Lcia. Liberalismo moderado: postulados ideolgicos e prticas polticas no perodo regencial (831-1837)In:GUIMARES,LciaM.Paschoal,PRADO,MariaEmlia.(Orgs.).OLiberalismonoBrasil imperial: origens, conceito e prticas.Rio de Janeiro: Revan, UERJ, 2001. 55 MOREL, Marco. As transformaes dos espaos pblicos, 2005, p. 40.. 31 relacionamentoedamanutenodosvnculosentrefamliaseoligarquiasregionais, elementos remanescentes da hipertrofia do poder privado na colnia portuguesa. O Conselho deEstado,recriadoem1841,tambmoutroexemplodapermannciadeinstituies associadas ao Antigo Regime56. NocontextodeconstruodoEstadoimperial,marcadopelasresistnciase persistnciasdoAntigoRegime,asnovasidiasformuladasnaEuropaequeaqui desembarcaramatravsdocomrciopolticodacultura57(realizadoporlivreiros,editores, jornalistasemplenaatividadeapartirdo1Reinado,etambmviaPennsulaIbrica), passaram por um processo de mediao. O tema Revoluo, especialmente Revoluo Francesa, assunto central dos debates ao longodosculoXIX,eracontempladoemgrandenmerodasobrasquecirculavampelas livrarias do Rio de Janeiro58. As leituras sobre as Revolues, seja das vrias interpretaes da RevoluoFrancesa,passandopelaRestauraoMonrquicaoupelatrajetriadasnovas idiasviaPennsulaIbrica,pelapluralidadedeliberalismosoupeloslivrosingleses,eram mediadaspelapreocupaocomaconstruonosdeumaordemnacional,mastambm constitucional, de uma ordem, por assim dizer, ps-revolucionria59. Morel chama a ateno, assim, para o fato de no ter ocorrido um processo retilneo e homogneo entre a entrada de novas idias e o eclodir de movimentos que se pretendiam revolucionrios. Havia mediaes entre a leitura e a realidade60. A despeito das permanncias doAntigoRegimeedasmediaesemetamorfosesporquepassouoiderioliberal,noh dvidasqueasnovasidias,osdiversosliberalismos,introduziamnoBrasilinmeras possibilidadesdiantedasdiscussestravadasemtornodoarcabouodoEstadonacionalem 56DeacordocomMARTINS,MariaFernandaVieira.Avelhaartedegovernar.p.19,oConselhodeEstado seguia o modelo dos velhos conselhos ulicos europeus, com membros vitalcios, sofrendo a influncia de uma prtica poltico-administrativa do regime monrquico europeu. 57 MOREL, Marco. As transformaes dos espaos pblicos. p. 25 58 Morel aponta a existncia de uma significativa rede comercial e cultural francesa, por meio das editoras (p. 37)encontradasnaslivrariasdoRiodeJaneiro,sobretudonasestantesdaLivrariaPlancher,deumlado, testemunhosdiversos,masligadospelomesmosentimentoderecusaRevoluoFrancesa.Memriasparaa elaboraodeumamemria.Deoutro,autoresiluministasrelidospelapercepops-revolucionria.Eram encontrados autores como Abade Raynal, De Pradt, Edmundo Burke, Montesquieu, Benjamin Constant, Guizot, Madame de Stel, entre outros. MOREL, M. As transformaes dos espaos pblicos, p. 43. 59 MOREL, M. Ibidem. p. 55. 60 As Revolues, portanto, estavam presentes nas prateleiras da Rua do Ouvidor e diziam respeito diretamente ouindiretamenteaoBrasil.PresentesnocomoLuzesfulguranteselinearmentetransformadoras,maspor mediaes,leiturasereleituras,comdeslocamentoscronolgicosegeogrficos.ARevoluoFrancesapelo filtrodaRestauraomonrquica,estapelavisodoliberalismopoltico,oParlamentarismoeaEconomia Polticainglesespassandopelosliberaisfranceses,aRevoluoFrancesaintermediadapelaIlustraoe liberalismosibricos,osliberalismospolticoslidosatravsdesuasprpriasdiversidades,aconstruode naes e organizaes de Estados nacionais recebendo o crivo do constitucionalismo e sofrendo redefinies de outros (contra) exemplos emodelos, como as independncias dos Estados Unidos ou do Haiti. MOREL, M. As transformaes dos espaos pblicos. p. 56-57. 32 construo.Questesatentoignoradaspelapopulaopassaramaocentrododebate poltico,discutidasluzdasnovasbalizaspolticaseculturais 61.Agramticaliberal colocouempautaquestescomorepresentaes,eleies,soberania,partidos,liberdadede circulaodasidiasemercadorias,emergnciadaopiniopblicaedenovasformase espaos de sociabilidade62. O processo de formao do Estado brasileiro no passou inclume pela modernidade, inauguradanomundoocidentalpelosacontecimentosdaRevoluoIndustrialedas Revolues Americana e Francesa. As idias e prticas postas em marchaa partir de fins do sculo XVIII abalaram os alicerces do Antigo Regime e inauguraram novas formas de pensar, secularizadas,pautadasnasLuzesenarazohumana,confiantesnoprogresso63.OBrasil recm-independentetambmvivenciouessapocamarcadaporestabuscadalegitimidade constitucional que no representasse nem um retorno ao Antigo Regime nem aprofundamento do processo revolucionrio64. AapropriaodatradioedorepertrioeuropeupelaselitesdoBrasilps-Independncia pode ser observada tambm na utilizao dos mecanismos e aspectos clssicos que envolveram a formao dos Estados nacionais como princpios norteadores da construo de uma autoridade central65.Aselitesdosestadosamericanos,aolanarem-setarefadecriarEstadosnacionais, apropriaram o modelo europeu. No entanto, no tiveram condies de colocar em prtica um modelofechado.Asespecificidadeslocaislevaramopobrasileirapelamonarquia, elaboraodeumaconstituioqueconciliavapressupostosliberaiscomaadoodoPoder Moderador e a presena da escravido. A construo do governo monrquico constitucional e centralizado precisou superar a ameaaseparatista,lidarcomosgrandespotentadoslocaiseacessarpoderosasredesde relacionamentoqueossustentavam.Esseprocessoenvolveuaadoodeestratgiaspara alcanaroconsensobemcomoexigiuousodacoeroedomonopliodaforamilitare 61 MOREL, M. Ibidem. p. 51 62 MOREL, M. Ibidem. 63 NEVES, Lcia M. P.; MACHADO, H. O Imprio do Brasil. P. 21-29 64 MOREL, M. A s transformaes dos espaos pblicos.p. 49. 65DeacordocomMariaFernandaVieiraMartins,acentralizaodopoderengloba:aunificaoterritorial;a superao de conflitos via controle de poderes paralelos e manuteno de hierarquias sociais pr-estabelecidas, a constituiodeumaparatojurdicovisandoanormatizaodesuaaolegal;aformaodeumaestrutura burocrticaparagarantiraadministraoeatransfernciadosserviosbsicosdopoderprivadoparaopoder pblico.MARTINS,MariaFernandaVieira.Avelhaartedegovernar.p.40.Aautorabaseia-seemCharles Tilly. Coero, capital e estados europeu, 1990 1992. So Paulo: EDUSP, 1996. 33 policial.Precisou tambm desenvolver a administrao e a burocracia como mecanismo para a consolidao da ao pblica do governo central66. fundamentalenfatizarqueaconstruodoEstadocomoumartefatoculturale legtimo,precisacombinaraameaadaforacomoconsentimento67,porqueexpressaos interesseseconflitosexistentesnasociedade.OpactosocialquefundaoEstadonose constri independente da sociedade 68; resulta da ao dos grupos sociais69. Tal pressuposto desdobra-senaquestocentraldarelaoentreEstadoeelitenoprocessodeconstruodo Estado imperial. Afinal, qual o papel das elites na constituio e direo desse Estado? O papel da sociedade e das elites polticas na construo do Estado nacional brasileiro comumentedesconsideradoouesmaecidopelasabordagenshistoriogrficasquetratamda poltica imperial. A historiografia enfatiza diferentes aspectos e destaca diversos protagonistas que atuaram no processo. A grande maioria das interpretaes enxerga o processo a partir de umacentralizaoedeumunitarismoinexorveis.Deummodogeral,estasinterpretaes orapautam-senaeconomia,oraatribuemaoEstadoopapeldefundadordasociedade,ou negamaimportnciadoorganismopolticoadministrativo,valorizandoexclusivamenteo poderdospotentadoslocais70.Umainterpretaomaisrecentedefendeavitriadoarranjo institucional federalista71. Ainterpretaoeconomicistanovalorizaasaesdaselitesproprietriasesuas articulaes em torno de um projeto poltico por considerar que a naturalidade do seu domnio dispensa um projeto de dominao. As crises polticas so explicadas como reflexo imediato de um movimento da estrutura econmica. Asinterpretaescomumvisestatistaenfatizamocarterautnomodopoltico, valorizandooEstadocomoatorpoltico.Estalinhainterpretativatomacomorefernciao conceitodepatrimonialismo,afirmando,assim,aautonomiaestruturaldopolticoque 66 MARTINS, Maria Fernanda Vieira.. A velha arte de governar. p. 40 49. 67 GRAHAM, R. Construindo uma nao no Brasil do sculo XIX. p. 10. 68 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. Ibidem. p. 43. 69 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo saquarema: a formao do Estado imperial. Rio de Janeiro: ACCESS, 1994.SILVA,Wlamir.Liberaisepovo:aconstruodahegemonialiberal-moderadanaProvnciadeMinas Gerais(18301834).2002.387fls.Tese(DoutoradoemHistria).InstitutodeFilosofiaeCinciasSociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. 70WlamirSilvaanalisaasvertenteshistoriogrficasacercadaformaodoEstadobrasileiro,noperodo imperial,sobaticadadinmicadasociedadeedaatuaodasclassespolticasnesseprocesso.Minhas observaes baseiam-se, emgrande parte, neste artigo. SILVA, Wlamir.Desafiando Leviat: sociedade e elites polticas em interpretaes do Estado imperial brasileiro.Vertentes, So Joo del-Rei, n. 11, p. 15-22, jan./jun. 1998.71DOLHNIKOFF,Miriam.Opactoimperial:origensdofederalismonoBrasildosculoXIX.SoPaulo: Globo, 2005. 34 subordinaasaeseprojetospolticosaumcontextodepodersecular,dofenmeno histrico portugus-brasileiro72. J na perspectiva do mandonismo, a importncia do Estado ofuscada pelo poder e pelocontroleexercidospelaseliteslocais.Nosetrata,contudo,deumaaopoltica articulada em torno de um projeto de construo do Estado. Sua ao limita-se a estender ao poder central os mecanismos de controle exercidos na esfera local. AatuaodaelitenoprocessodeformaodoEstadobrasileironosculoXIX enfatizada nos trabalhos de Jos Murilo de Carvalho73. Para o autor, a existncia de uma elite polticahomogneapossibilitouaadoodeumasoluomonrquicanoBrasilea manutenodaunidadeterritorial.Essahomogeneidadesocial,ideolgicaedetreinamento, alcanadapelaeducaoformaluniversitria,pelaocupaoepelacarreirapoltica, reproduzida na Colnia, reduziu os conflitos intra-elite e possibilitou a implementao de um modelo de dominao poltica. SegundoJosMurilodeCarvalho,aimportnciadaeliterelaciona-seaopesomaior doEstadoemforjaranao.OEstadoagiriaatravsdaburocracia,treinadanastarefasde administrao e do governo, socializada pela formao jurdica em Coimbra. O Estado seria, assim,oatorpolticoexclusivonatarefadeconstruodaordem74.Essaperspectiva evidencia a filiao de Jos Murilo de Carvalho concepo patrimonialista de Estado. A relao entre a elite, que conduzia o Estado e confundia-se com ele, com os outros setoresdasociedadeocorriadeformaambguaecontraditria.OEstado,pordependerdo apoiopolticoedasrendasdosproprietrios,precisavaassumircompromissoscomos poderes locais, cooptando-os atravs do oferecimento de cargos e privilgios75. Percebe-se,nainterpretaodeJosMurilodeCarvalho,queaseliteslocaisso passivas no processo de construo do Estado Imperial, apenas sujeitando-se ao das elites centrais.DeacordocomWlamirSilva,estainterpretaodaconstruodaordemimperial noofereceespaoparaaanlisedaseliteslocaiseprovinciaisenquantoagentesdeuma ao/formulao poltica prpria, configuradora, em alguma medida, de projetos polticos em conflito e da construo do Estado 76. 72 SILVA, W. Ibidem. p.16.73CARVALHO,JosMurilode.Aconstruodaordem:aelitepolticaimperial.Braslia:Universidadede Braslia, 1981. ______.Teatro de sombras: a poltica imperial.So Paulo: Vrtice, Ed. Revista dos Tribunais; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988. 74 SILVA, W. Desafiando Leviat.p. 19 75 CARVALHO, J. M. A construo da ordem.p. 180 76 SILVA, W. Desafiando Leviat. p. 19 35 AvertenteinterpretativapropostaporIlmarRulhoffdeMattos77,aoredimensionara autonomiadopoltico,possibilitaresgataropapeldesempenhadopelaseliteslocaisno processodedefiniodoEstadoimperialbrasileiro78.Mattosrompecomacaracterizao dicotmicapropostapelahistoriografiaacercadoelementoproeminentenoprocessode construo do estado. Segundo ele, o fundamental no definir se, nesse processo, prevaleceu umEstadoforteeumasociedadefracaouumEstadofracoeumasociedadeforte.O importanteconceberarelaoentreogovernodacasaeogovernodoEstadocomouma relao dialtica, preocupando-se com o que se passa, o que acontece79. Mattos,orientando-sepelaspremissasacima,apontaaindissociabilidadeentreos processoscomplementaresdeconstruodoEstadoImperialedeconstituiodaclasse senhorial.Dessaforma,oautor,aodiscutirassemelhanasediferenasentreliberaise conservadores,abreadiscussoarespeitodasvisesdemundoeossistemasde classificao que lhes correspondem e que se impem ao conjunto da sociedade 80 e enxerga oprocessodeconstruodoEstadomonrquicobrasileirocomoodoconfrontoentre projetospolticosformuladosnoseiodasociedadeoitocentista,recuperandoadinmica centro/provncia e o papel da sociedade enquanto elemento constitutivo do projeto poltico que consolidou o Imprio 81. RichardGraham82procurafocalizarasrelaesentreopoderlocaleogoverno central,objetivandocompreenderosmecanismosquepossibilitarammanterereforara unidadebrasileira,aolongodosculoXIX,apsoperodocrucialdaIndependncia.Para Graham, a manuteno da unidade nacional s foi possvel a partir da participao quotidiana daselitesregionaisnacomunidadepolticacriadaporelas.Segundooautor,ogoverno central no foi imposto classe proprietria. Ao contrrio, a centralizao do poder decorreu deumanecessidadedessegrupodeumsistemaemquepudessemresolversuasdiferenas sem por em perigo a ordem83. Essa unidade, no entanto, s se manteria na medida em que o Estadoassegurassepostosefavoresaseusseguidores,objetivandoocontroledopodernos diversos nveis do aparato estatal. De posse desses postos, que lhes conferiam uma autoridade 77 MATOS, I. R. de.O tempo saquarema. 78 SILVA, W. Desafiando Leviat. p. 20 79MATTOS, I. R. de. O tempo saquarema. p. 138 80MATTOS,Ibidem. p. 112 81 SILVA, W. Desafiando Leviat. p. 20-21 82 GRAHAM, Richard.Clientelismo e poltica no Brasil do sculo XIX.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. ______.MecanismosdeintegracinenelBrasildelsigloXX.In:ANNINO,Antonio,LEIVA,LuisCastro, GUERRA, Franois-Xavier (Dir.).De los imperios a las naciones: Iberoamerica.Zaragoza: Ibercaja, 1994. 83 GRAHAM, Mecanismos de integracin em el Brasil del siglo XIX. p. 530 36 legtima, a boa sociedade tratava de construir uma clientela, estabelecendo slidos laos de lealdade que garantiriam o exerccio de seu poder. Assim, O detentor do poder no Rio de Janeiro alcanaria seu posto graas ao firme apoio com que contava entre as elites provinciais e locais. Para conseguir seu fim comprar a lealdade de seus colegas potentados. Foi deste modo que a capital se converteu no centro. E ao aceitar a capital comocentrodopoderaseliteslocaiseregionaischegarama considerar-se brasileiras84. Se, por um lado, Graham afirma o papel do Estado enquanto mecanismo utilizado pela elite proprietria para integrar a nao, por outro, ele enfatiza a indeterminao entre o poder central e o poder local, sustentado por uma rede clientelista85. Diante da predominncia do clientelismo nas relaes polticas, os partidos, enquanto gruposquecongregavaminteressesopostosedividiamumaideologia,perdemsuarazode ser. De fato, para Graham, o partido significava apenas uma afiliao de deputados, e no um compromisso duradouro com um programa ou uma poltica. Em decorrncia disso, no havia diferenasentreospartidos,eaprincipalpreocupaododeputadoeraobterpostoseno legislar86. Tambm Ricardo Arreguy Maia87, ao abordar a poltica partidria em Minas Gerais na segunda metade do sculo XIX, preocupa-se com a articulao entre o poder local e o poder polticoprovincial.Filiando-seperspectivaterico-metodolgicadeJosMurilode Carvalho,oautorvnoEstadooagenteconformadordasorganizaesdepoderlocal, atuandoatravsdospartidospolticos,apartirdoestabelecimentodeextensasredesde clientela e compromissos locais quanto distribuio de recursos pblicos88.Ospartidospolticosimperiais,noentanto,nopossuemumaestruturaideolgica clara nem propem projetos distintos de sociedade. Sua atuao poltica no passa de jogos de compadre89.Mesmonosepreocupandocomoideriopolticodessespartidos,RicardoArreguy Maia prope-se a identificara opo partidria dos polticos mineiros, relacionando-a com a 84 GRAHAM, Ibidem. p. 530 85 Segundo GRAHAM, R. Mecanismos de integracin p. 536 Las relaciones entre la Corte y los pueblos eran ntimas, directasy recuentes,a pesar de la existencia de diversos niveles de autoridad formal. Por esta razn es equivocado distinguir demasiado entre gobierno central y caciques locales. 86 GRAHAM, R. Ibidem. p. 198. 87MAIA,RicardoArreguy.Jogodecompadres:apolticapartidrianaProvnciadeMinasGerais.1991. Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica) UFMG, Belo Horizonte, 1991. 88 MAIA, Ricardo Ibidem. p. 5 89 MAIA, R. Ibidem. p. 6 37 ocupaoecomaorigem.AdaptandoosprocedimentosutilizadosporJosMurilode Carvalho,oautorconcluiquenaprovnciadeMinasGeraispredominouopartido Conservador.OsConservadorestambmconstituamamaiorianasocupaesligadas diretamenteao Estado eentre os comerciantes, embora ogrupoProfisses se apresentasse equilibrado.Outroresultadoapontadopelapesquisaindicaapequenarepresentaodas ocupaesligadasaosetorEconomia.Isso,paraopesquisador,demonstraumabaixa representatividade daqueles setores ou das categorias sociais responsveis pela produo dos excedentes econmicos90. Algumasdessasconcluses,noentanto,podemserquestionadas.Emprimeirolugar, os critrios para se definir os grupos ocupacionais no do conta da complexidade do contexto estudado.AnoinclusodoscomerciantesnogrupoEconomia,porexemplo,gerouuma sub-representaodomesmo.Outroproblemarefere-seduplicidadedeocupaes.Assim, umpolticopodeseridentificadocomomdicoouadvogado,mastercomoatividade principaladireodeumafazenda.Dessaforma,descobriraidentidadeeaorigemdaelite poltica deve ir alm de levantamentos estatsticos que associem a filiao partidria ao perfil ocupacional. Buscar essas informaes como fim ltimo pouco acrescenta compreenso da dinmica poltico-social. AcontribuiohistoriogrficamaisrecentesobreadinmicapolticadoBrasil imperial advm do livro de Miriam Dolhnikoff, sobre as origens do federalismo no Brasil do sculoXIX91.Aautora,ancoradaemumadocumentaoextensaevariada,contrape-sea algunspressupostosdahistoriografiabrasileirasobreahistriadaconstruodoEstadoea participao das elites nesse processo. A interpretao de Miriam Dolhnikoff prope que [...]aunidadedetodooterritriodaAmricalusitanasoba hegemoniadoRiodeJaneirofoipossvelnopelaneutralizaodas elites provinciais e pela centralizao, mas graas implementao de um arranjo institucional por meio do qual as elites se acomodaram, ao contar com a autonomia significativa para administrar suas provncias e, ao mesmo tempo, obter garantias de participao no governo central atravs de suas representaes na Cmara dos Deputados. Desse modo aselitesprovinciaistiverampapeldecisivonaconstruodonovo Estadoenadefiniodesuanatureza.Participaramativamentedas decises polticas, fosse na sua provncia, fosse no governo central. E ao faz-lo constituram-se como elites polticas92. 90 MAIA, R. Jogo de compadres. p. 60 91DOLHNIKOFF,Miriam.OPactoimperial:origensdofederalismonoBrasildosculoXIX.SoPaulo: Globo, 2005. 92DOLHNIKOFF,Miriam.OPactoimperial:origensdofederalismonoBrasildosculoXIX.SoPaulo: Globo, 2005. p. 14. 38 MiriamDolhnikoffanalisadoisdosprincipaisprojetosque,desdeapocada Independncia,polarizaramodebatepolticoacercadaorganizaoinstitucionaldonovo Estado.Taisprojetosrefletiamadiversidadedeinteressesedeconcepesdaselites brasileiras.Oprojetofederalista,implantadocomaAbdicaodeDomPedroI,em1831, apoiadoporliberaisdediversasprovncias,propeadefesadafederaocomoinstrumento capazdeacomodaraselitesprovinciaisnointeriordonovoEstado,garantindoaelas iniciativa poltica e participao efetiva no processo decisrio93. Outro projeto intensamente debatidopeloscontemporneos,oprojetounitarista,foiaopodosherdeirosdailustrao pombalina.Osrepresentantesdoliberalismoiluministapropugnavamumprojetodenao inspiradosnospadreseuropeusdecivilizao,quecontemplasseumapropostadeincluso dosvariadossetoressociais.Paraeles,somenteumEstadoforteecentralizado,capazde garantir aogovernocentral o monoplio da iniciativa poltica e deassegurar elite brancae letradaascondiesdedireoadministrativa,poderiaempreenderasreformasdesejadase forjar a identidade nacional. Noconfrontoentreosdoisprojetos,oprojetofederalistasaiuvencedor94.As reformasliberaisdadcadade1830,emespecialoAtoAdicionalde1834,deramumnovo perfilinstitucionalaoImprio.Combinava-seautonomiaprovincial,comadivisode competncias entre os governos central e provincial95. Propunha-se um regime representativo quegarantisseainclusodaselitesprovinciaiseamonarquiafederativa,capazdeoferecer representatividade apenas para os grupos dominantes. Tal arranjo, para Miriam Dolhnikoff,no foi anulado com a reviso conservadora da dcadade1840,promovidapelapolticadoRegresso.Segundoaautora,asalteraes implementadaspelaLeideInterpretaodoAtoAdicionalde1840nosignificaramofim das franquias provinciais, uma vez que se conservaram intactas a maior parte das atribuies dasassembliasprovinciais,nemexcluramaparticipaodaselitesregionaisnogoverno 93 DOLHNIKOFF, Miriam.Ibidem. p. 23. 94 DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto imperial. p. 14. 95Nestemodelo,ogovernocentralrespondiapelasquestesnacionaiseosgovernosprovinciaisconduziama polticadaprovncia.Almdisso,adivisoterritorialemprovnciascorrespondeuexistnciadegovernos autnomos em relao a matrias de grande importncia, sobre as quais esses governos atuavam unilateralmente, compoderesirrevogveispelogovernocentral.Aautonomiaprovincialincidiasobreatributao,asdecises referentesaempregosprovinciaisemunicipais,obraspblicas,forapolicial,demodoqueosgovernosdas provncias dispunham de capacidade financeira para autonomamente decidir sobre investimentos em reas vitais paraaexpansoeconmica,oexercciodaforacoercitivaeocontroledepartedamquinapblica. DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do sculo XIX. So Paulo: Globo, 2005. p. 18. 39 central.Arevisoconstitucionallimitou-seaoaparelhojudicirio,preservando,segundoa autora, os pontos centrais do arranjo liberal vigente.AanlisedeMiriamDolhnikoff,semdvida,reabreodebatesobreaformaodo EstadonacionalaopropornovosencaminhamentosparasepensaranaturezadoEstado imperial.Taisperspectivasmerecemserdiscutidas.Emprimeirolugar,ainterpretaode Dolhnikoff inova ao evidenciar a participao das elites provinciais no processo de construo do Estado imperial no Brasil, at ento subestimada pela historiografia. Defato,oAtoAdicionalde1834deunovaconfiguraoaomodelopoltico-institucionaldoBrasilrecm-independente,garantindoqueosgruposprovinciais preservassemocontrolesobresuasprovnciasaomesmotempoemqueestivessem comprometidos com a poltica nacional. Reconhecer a atuao das elites provinciais significa, portanto, repensar as interpretaes historiogrficas que defendem o fato da unidade nacional ter sido forjada atravs da centralizao poltica e administrativa, imposta com mos de ferro pelaCortedoRiodeJaneirosdemaisprovncias.Entenderoprocessodeconstruodo Estado centralizado como um processo que irradiou da Corte para as provncias enxerg-lo de forma unilateral. fundamental compreender essa construo como uma via de mo dupla. O processo decentralizaodopoderquemarcouaconstruodoEstadoimperialnopodeservisto comoumordenamentoimpostodecimaparabaixo.OEstadocentralizadoresultoudeum embate entre propostas de organizao do poder,que passaram pelo controle do poder local. Noperodoregencial,prevaleceuumarranjoemtornodaautonomiadasprovncias,que passaram a controlar os municpios. OAtoAdicionalde1834consagrouaautonomiaprovincial,criandoasAssemblias Legislativas.EmboraoAtoAdicionalrepresenteumasignificativamudananaorganizao poltico-institucional,nopodeserentendidocomoumavitriadoprojetofederalista. ConformeadmiteMiriamDolhnikoff,oAtoAdicionalresultoudeumdifcilprocessode negociaoparlamentar,iniciadoem1831.Paraaprovaraemendaconstitucional,muitas concesses foram feitas: a expresso monarquia federativa foi retirada do texto, manteve-se a vitaliciedade do Senado, no foi aprovada a eleio do Regente pelas assemblias provinciais e aceitou-se queo presidente de provncia fosse nomeado pelo governo central96. Como se observa, o Ato Adicional no contemplou de forma ampla os interesses regionais. Alm disso, na diviso de competncias entre o governo central e o provincial, em 96 DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto imperial. p. 93 118. 40 relao diviso dos impostos, o governo central arrecadava os impostos sobre importao e ficava com a parte do leo. Assim, a concentrao dos recursos financeiros permaneceu nas mosdogovernoimperial,cabendoadministraocentralapartilhadosrecursos.Tal medidaesvaziavaosavanosdescentralizadores,pois,dessamaneira,asprovnciasno tinham meios necessrios para desenvolver seus projetos97. importanteressaltarque,apesardosesforosemseresguardarosinteresses provinciais,asdiversidadesregionaiscontinuavamvindotona,comaeclosodecrises polticas,dedisputasentreosgruposdirigentesecomasrevoltasseespalhandoportodaa parte.TaiscircunstnciascolocavamemriscoaunidadedoImprioeaordemsocial escravista. Diante disso, tornava-se premente que o governo central pudesse chegar s regies. Osucessodacentralizaodependiadocontrolepolticodaslocalidades.Areviso conservadoradadcadade1840,naprtica,anulouosaspectosmaisdescentralizadoresdo CdigodoProcessoCriminaledoAtoAdicionalde1834.Comatransfernciadospoderes penaisepoliciais,pertencentesaojuizdepaz,parafuncionriosnomeadospelaCorte pretendeu-sesubordinarospodereslocais.Alegislaorevisionistafixou,tambm,a nomeaodosvice-presidentesdasprovnciaspelogovernocentral,semindicaodas Assemblias98.Comasleiscentralizadoras,ogovernoimperialpdeinterpor-secomo administrador dos conflitos privados. Asalteraesrealizadasnalegislaoliberalindicamumatendnciacentralizadorae sua importncia, ao do que prope Miriam Dolhnikoff, no deve ser desconsiderada. Segundo a autora, a reviso conservadora no alterou profundamente o arcabouo institucional erigido pelosliberais,mantendoasfranquiasprovinciaisepreservandoaparticipaodaselites regionais. Tratava-se apenas da realizao de alguns ajustes, no aparelho judicirio99. 97 MOREL, Marco. O perodo das Regncias, (1831 1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 30. 98SegundoMiriamDolhnikoff:Noerararoqueumdeputadogeralviesseaexercerumapresidncia,oque acabavaporimpedirquesededicasseaosassuntosprovinciais,poisnembemseinstalava,erachamadoa atendersexignciasdeseumandatoparlamentar,deslocando-separaacapitaldoImprioquandodaabertura dostrabalhosnaCmaratemporria.Almdisso,faltadequaisquervnculoscomaprovnciapresidida, abandonavam-nadebomgrado,deixando-aaoscuidadosdovice-presidente.Ovice-presidenteacabaria naturalmente por assumir uma grande importncia no jogo poltico provincial, pois era a ele que cabia governar a provnciaduranteamaiorpartedotempo.DOLHNIKOFF,Miriam.OPactoimperial:origensdofederalismo no Brasil do sculo XIX. So Paulo: Globo, 2005. p. 102 103. 99Ousodomodelonorte-americanocomojustificativaparaaInterpretaodoAtoAdicionalfaziasentido porque o objetivo era adequar determinados itens, com a inteno de preservar a diviso de competncias entre centroeprovncias,cernedopactofederativo.Talfoioverdadeirosentidodarevisoconservadora:a centralizao do aparato judicirio, garantindo ao governo central exclusividade nas decises sobre os empregos gerais, enquanto ao governo provincial ficavam reservadas as decises sobre empregos provinciais e municipais. No se tratava de redesenharos fundamentos da organizao institucionalvigente.Afirmar isso seria creditar revisoconservadoraumaabrangnciamaiordoquerealmenteteve.Pornoseconfrontarcomomodelo adotado pelo Ato Adicional e apenas fazer alguns ajustes que o movimento conservador contou com o apoio e 41 Contudo, a questo sobre a prevalncia da centralizao ou do federalismo no arranjo institucionaldoEstadoimperialtalvezpossaseresclarecidaatravsdacompreensodesses conceitos. Afinal, o que os contemporneos entendiam por centralizao? Paulino Jos Soares de Souza, visconde do Uruguai, em seu Ensaio sobre o direito administrativo, publicado em 1862,propeadiferenciaoentrecentralizaopolticaeadministrativa,noobstantea inter-relaoentreasduas.Segundoele,acentralizaopolticaimplicaemconcentrarnas mesmas mos o poder de dirigir os interesses que so comuns a todas as partes da Nao. A centralizao administrativa consiste em concentrar o poder de dirigir os interesses especiais a certas partes da Nao100. Na concepo do visconde do Uruguai, a centralizao poltica fundamental, pois o poder executivo deve ter em suas mos todo o poder necessrio para bem dirigirosnegcioscomuns.Poroutrolado,nosepodeabrirmodaadministrao, complemento indispensvel do poder poltico, espao da neutralidade e da eficincia. OviscondedoUruguaitambmtratoudoconceitodedescentralizao,atribuindo-o dois sentidos: Apalavradescentralizaotemdoissentidosquemuitoimportadistinguir. Descentralizarnoprimeirosentidoconsisteemrenunciaraqueaaodo centroestejatodaconcentradaemumponto,nacapital,porexemplo; dissemin-lapelasprovnciasemunicpiosentregando-aaospresidentese outrosagentesdogovernoqueorepresentem.Nessecaso,pormaisgeral que seja a descentralizao, h sempre uma nica vontade. [...] Pela segunda espcie de descentralizao o governo do Estado, em lugar de entregarumapartedasuaaoaseusagentes,restitui-aasociedade.Em lugar de tratar dos negcios do povo, convida-o a tratar por si mesmo deles. A sociedade entra na confeco das leis, na administrao e na justia, como entraentrenspormeiodasassembliaslegislativasgeraiseprovinciais, pelas municipalidades, pelo jri, etc. OviscondedoUruguaiconsideravaqueaprovnciaeraumaunidademais administrativaquepoltica,ouseja:aprovnciaerauminstrumentoparaexecutaro pensamentodogoverno.Aofun