silveira melo almeida 2002 abelhas brasileiras

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ABELHAS BRASILEIRASSistemtica e Identificao

Fernando A. Silveira Gabriel A. R. Melo Eduardo A. B. Almeida

Ilustraes M. Ftima Seleme Zagonel

APOIO: MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE PROBIO - PNUD FUNDAO ARAUCRIA

1a edio Belo Horizonte 2002

CAPA As ilustraes das abelhas em nossa capa foram extradas de prancha do Ensaio sobre as Abelhas Solitrias do Brazil de Curt Schrottky, publicado h cem anos no volume 5 da Revista do Museu Paulista. Essa nossa homenagem ao primeiro tratamento taxonmico abrangente da fauna melissolgica brasileira.

Copyright 2002 by Fernando A. Silveira, Gabriel A. R. Melo e Eduardo A. B. Almeida

1a edio 2002

Ficha Catalogrfica

595.799 S587a

Silveira, Fernando A. Abelhas brasileiras : sistemtica e identificao / Fernando A. Silveira, Gabriel A. R. Melo, Eduardo A. B. Almeida. Belo Horizonte : Fernando A. Silveira, 2002. 253 p. : il. ISBN. 85-903034-1-1 1. Abelha classificao Brasil. I. Melo, Gabriel A. R. II. Almeida, Eduardo A. B.

ISBN: 85-903034-1-1 Depsito Legal na Biblioteca Nacional Impresso no Brasil Printed in Brazil 2002

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NDICEPrefcio .......................................................................................................................... 5 Propsito .......................................................................................................................... 7 Agradecimentos .......................................................................................................................... 8 A. INTRODUO SISTEMTICA DAS ABELHAS ....................................................... 11 1. Morfologia ......................................................................................................................... 13 1.1. Integumento ................................................................................................................ 13 1.2. Tagmatizao .............................................................................................................. 13 1.3. Cabea ........................................................................................................................ 14 1.4. Mesossoma ................................................................................................................. 15 1.5. Metassoma .................................................................................................................. 19 2. Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo ............................................. 21 2.1. Coleta ......................................................................................................................... 21 2.2. Montagem ................................................................................................................... 22 2.3. Informaes associadas aos espcimes ...................................................................... 25 2.4. Preservao de abelhas alfinetadas ............................................................................ 25 2.5. Remessa de abelhas para identificao ...................................................................... 26 2.6. Espcimes testemunhos .............................................................................................. 27 2.7. Coleta e remessa de abelhas e a legislao brasileira ............................................... 27 3. Origem, Filogenia e Biogeografia ..................................................................................... 29 3.1. Origem ........................................................................................................................ 29 3.2. Filogenia e evoluo .................................................................................................. 32 3.3. Biogeografia ............................................................................................................... 34 3.3.1. Padres de distribuio da diversidade e abundncia de abelhas ................. 34 3.3.2. Origens dos elementos componentes da fauna brasileira .............................. 37 3.3.3. Disjunes nas distribuies geogrficas das abelhas ................................... 40 3.3.4. Impactos do homem sobre a biogeografia das abelhas brasileiras ................ 41 4. Classificao ....................................................................................................................... 43 4.1. Classificaes ............................................................................................................. 43 4.2. Nomenclatura .............................................................................................................. 44 4.3. Uma classificao para as abelhas ............................................................................. 45 5. Conhecimento Taxonmico sobre as Abelhas do Brasil ................................................... 47 B. OS GRUPOS DE ABELHAS PRESENTES NA FAUNA BRASILEIRA ......................... 49 6. Classificao e Identificao das Abelhas presentes no Brasil ........................................ 51 7. Andrenidae ......................................................................................................................... 57 7.1. Oxaeinae ..................................................................................................................... 57 7.2. Panurginae .................................................................................................................. 59 7.2.1. Calliopsini ....................................................................................................... 59 7.2.2. Protandrenini ................................................................................................... 61 7.2.3. Protomeliturgini .............................................................................................. 64 8. Apidae ......................................................................................................................... 65 8.1. Apinae ......................................................................................................................... 68 8.1.1. Anthophorini ................................................................................................... 72

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8.1.2. Apini ................................................................................................................ 72 8.1.2.1. Apina .................................................................................................. 73 8.1.2.2. Bombina ............................................................................................. 73 8.1.2.3. Euglossina .......................................................................................... 73 8.1.2.4. Meliponina ......................................................................................... 79 8.1.2. Centridini ......................................................................................................... 92 8.1.4. Emphorini ...................................................................................................... 103 8.1.5. Ericrocidini .................................................................................................... 106 8.1.6. Eucerini ......................................................................................................... 111 8.1.7. Exomalopsini ................................................................................................. 125 8.1.8. Isepeolini ....................................................................................................... 126 8.1.9. Osirini ............................................................................................................ 126 8.1.10. Protepeolini .................................................................................................. 129 8.1.11. Rathymini ..................................................................................................... 129 8.1.12. Tapinotaspidini ............................................................................................. 130 8.1.13. Tetrapediini .................................................................................................. 137 8.2. Nomadinae ................................................................................................................ 139 8.2.1. Brachynomadini ............................................................................................ 140 8.2.2. Caenoprosopidini .......................................................................................... 140 8.2.3. Epeolini ......................................................................................................... 140 8.2.4. Nomadini ....................................................................................................... 145 8.3. Xylocopinae .............................................................................................................. 145 8.3.1. Ceratinini ....................................................................................................... 146 8.3.2. Xylocopini ..................................................................................................... 147 9. Colletidae ....................................................................................................................... 153 9.1. Colletinae .................................................................................................................. 154 9.2. Diphaglossinae ......................................................................................................... 155 9.2.1. Caupolicanini ................................................................................................ 155 9.2.2. Dissoglottini .................................................................................................. 157 9.3. Hylaeinae .................................................................................................................. 158 9.4. Paracolletinae ........................................................................................................... 160 9.5. Xeromelissinae ......................................................................................................... 165 10. Halictidae ....................................................................................................................... 167 10.1. Halictinae ................................................................................................................ 167 10.1.1. Augochlorini ................................................................................................ 169 10.1.2. Halictini ....................................................................................................... 182 10.2. Rophitinae ............................................................................................................... 188 11. Megachilidae .................................................................................................................... 189 11.1. Megachilinae ........................................................................................................... 189 11.1.1. Anthidiini ..................................................................................................... 190 11.1.2. Lithurgini ..................................................................................................... 199 11.1.3. Megachilini ................................................................................................. 201 PARTE C. GLOSSRIO ........................................................................................................ 217 PARTE D. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 223 PARTE E. NDICE TAXONMICO ..................................................................................... 235

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PREFCIO com grande satisfao que abro as pginas deste trabalho que vem facilitar o estudo da nossa riqussima apifauna. Merecem os maiores elogios o Ministrio do Meio Ambiente e a Fundao Araucria, do Estado do Paran, pelo fornecimento da cobertura necessria para que o mesmo viesse a pblico. Um dos problemas mais srios para estudar nossa Fauna e nossa Flora est na falta de bibliografia adequada. Nossas Universidades comearam com essa falha que j tive oportunidade de comentar com o Prof. Ansio Teixeira nos anos quarenta quando o auxiliava nessa tarefa, por outro lado absolutamente necessria para dotar todos os Estados das possibilidades de uma estruturao mais completa na formao de nossa juventude se aspirssemos a uma melhor representao no meio das Naes Desenvolvidas. Foi uma tarefa herica e hoje, meio sculo depois vejo-as florescer e cada vez mais ampliando a cobertura de todas as possibilidades de que capaz o Brasil. Certos campos so de maior dificuldade, como o estudo da nossa Fauna e da nossa Flora. No bastante a literatura atual, moderna. necessrio o acesso antiga se quisermos interpretar com segurana o que pensaram os proponentes dessas espcies. O nosso pas foi alvo de muitas coletas por parte de pesquisadores estrangeiros dada a sua riqueza e variedade em formas de excepcional beleza. Ainda h um trabalho rduo a realizar com a cobertura de fotos desses exemplares e de uma atualizao de mtodos e equipamentos adequados para tal fim. Coleta e estudo das faunas e floras regionais ainda so extremamente precrios e pouco compreendidas e restam imensas reas quase virgens sem estudo e sem levantamentos. As Estaes Biolgicas, comeadas pelo Dr. Paulo Nogueira Neto, poderiam ser uma fonte inesgotvel de informaes para a cobertura dessas reas imensas, comeando pelas prprias colees regionais e ligao s colees de nossos Museus e Universidades como fontes preciosas de material de estudo. A iniciativa do grupo encabeado pelo Prof. Fernando A. Silveira, do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Minas Gerais e Chefe do Laboratrio de Sistemtica e Ecologia de Abelhas dessa Universidade, merece todo apoio e incentivo para a formao de Sistematas nessa rea, pois todos compreendem a importncia desses insetos como polinizadores no s das plantas cultivadas, mas na manuteno e desenvolvimento de nossas florestas. Como fruto principal espero ver surgir uma pliade de jovens entusiastas pelo levantamento de nossa apifauna. Ele e seu colaborador imediato so frutos da grande escola americana desenvolvida e encabeada pelo Prof. Charles D. Michener, a quem auxiliamos na sua primeira tentativa de estudo da apifauna neotropical no levantamento do Panam. Outros setores, como o dos insetos-praga da agricultura e de interesse mdico na transmisso de determinadas doenas j tem cobertura razovel. Esperamos agora acontea o mesmo com os polinizadores e no futuro com obras equivalentes sobre as diferentes classes de insetos como nossas fantsticas borboletas e belssimos colepteros.

Curitiba, 28 de agosto de 2002. Padre Jesus Santiago Moure

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PROPSITOAs abelhas so dos organismos mais bem estudados no Brasil; nosso pas abriga um grande contingente de pesquisadores, vrios deles internacionalmente reconhecidos, que estudam os mais variados aspectos da biologia desses insetos: comportamento social, biologia de nidificao, fisiologia, morfologia, gentica, ecologia, manejo, sistemtica. Este fato, entretanto, est longe de significar que o conhecimento sobre nossas abelhas seja grande h muito, muito, por ser descoberto. Ns, autores deste livro, representamos as duas mais novas geraes de melitlogos brasileiros: aquela que acabou de se formar e se instalar em nossas universidades e aquela que ainda est se formando nos cursos de ps-graduao. Por isso, tomar para ns a tarefa de escrever esta obra pode parecer uma deciso pretensiosa e talvez seja. Entretanto, foi das nossas limitaes como novos pesquisadores que se originou este livro: do esforo que fazamos para juntar, atualizar, adaptar e, freqentemente, traduzir as chaves de identificao dispersas na literatura para nosso prprio uso; do trabalho de catalogao das espcies de ocorrncia constatada no Brasil e sua distribuio geogrfica, para embasar as discusses dos resultados de nossos projetos de pesquisa; do esforo de entender os vrios sistemas classificatrios, freqentemente contraditrios, propostos para as abelhas e o relacionamento entre os vrios txons. medida em que este trabalho foi ganhando corpo e que outros estudantes e pesquisadores de nosso crculo mais prximo foram tomando conhecimento de sua existncia e utilizando o nosso material improvisado, foi ficando evidente que ele poderia ser til a um pblico bem mais amplo, alm das paredes de nossos laboratrios e dos laboratrios de nossos amigos mais prximos. Obviamente, pouco do que se encontra nas pginas que se seguem contribuio original; nosso objetivo foi principalmente o de compilar o vasto conhecimento produzido pelas geraes de pesquisadores que nos antecederam e coloc-lo disposio daqueles que, como ns mesmos, lutam para compreender melhor a sistemtica de nossas abelhas. Por outro lado, a edio deste livro pode parecer suprflua, dada a recente publicao da obra monumental de Charles D. Michener, The Bees of the World. Realmente, o trabalho de Michener ser referncia obrigatria para os melitlogos de todo o mundo por dcadas (a exemplo de seu trabalho de 1944, Comparative external morphology, phylogeny, and a classification of the bees). Entretanto, alguns fatores nos encorajaram a dar continuidade ao nosso projeto: 1) Por tratar de toda a fauna mundial de abelhas e por ser uma obra publicada no exterior, o livro de Michener muito grande e caro. Devido a seu preo e barreira representada pela lngua inglesa, prevemos que ele estar inacessvel para muitos daqueles que potencialmente poderiam vir a precisar dele no Brasil. 2) Reduzindo a abrangncia geogrfica ao Brasil e, portanto, reduzindo o nmero de txons discutidos, as chaves de identificao puderam ser simplificadas, tornando-as de uso mais fcil. Alis, isto notado pelo prprio Michener em seu livro (pg. 115). 3) A classificao adotada por Michener para vrios dos grupos de abelhas representados no Brasil no corresponde quela tradicionalmente utilizada em nosso pas e/ou quela que julgamos mais adequada. Algumas dessas diferenas dizem respeito adoo de diferentes princpios classificatrios: enquanto Michener (e outros melitlogos) admite a formao de txons parafilticos, ns preferimos adotar apenas txons monofilticos (holofilticos). O nmero de txons afetado por essa diferena de princpios, entretanto, no muito grande, em decorrncia da prpria falta de informaes sobre a filogenia dos vrios grupos de abelhas.

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4) Alm disto, sempre que em dvida sobre os limites de determinados grupos aparentemente interrelacionados, Michener adota a postura de junt-los todos em um nico txon, para enfatizar as suas provveis afinidades. Como faltam estudos sobre a filogenia da grande maioria dos grupos de abelhas, ns adotamos a postura contrria: quando em dvida, preferimos manter os grupos separados, para evitar a possibilidade de misturar, em um nico txon, representantes de linhagens no relacionadas. Como conseqncia, nossa classificao (principalmente no nvel genrico) freqentemente vai se parecer mais com as de outros autores brasileiros, como Jesus S. Moure e Danncia Urban, que tendem a reconhecer grupos menores. 5) Por outro lado, em sua maior parte, as diferenas entre os esquemas classificatrios que apresentamos aqui e aqueles utilizados por Michener devem-se apenas colocao dos mesmos grupos em diferentes nveis da hierarquia lineana. Como o prprio Michener enfatiza em diversas passagens de seu livro, essas diferenas devem-se a decises subjetivas em que no h posio correta ou errada. Um excelente exemplo destas diferenas a classificao dos gneros de nossas abelhas indgenas sem ferro: muitos dos grupos que, no Brasil, costumamos tratar como gneros seguindo a opinio de taxnomos como o padre Jesus Santiago Moure e o professor Joo Maria Franco de Camargo so considerados como subgneros por Michener. Assim, por exemplo, Geotrigona, Tetragona e Tetragonisca so considerados, por ele, com subgneros de Trigona. Independentemente de todos os aspectos abordados acima, com a intensificao dos estudos sobre a filogenia dos diversos grupos de abelhas, de se esperar que mudanas (algumas das quais possivelmente profundas) ocorram nos esquemas classificatrios em uso atualmente. Temos conscincia de que o resultado final de nosso trabalho conter muitas falhas; talvez muito mais do que nossos leitores estejam dispostos a tolerar e perdoar. Esperamos, contudo, que ele contribua para facilitar nossa comunidade de melitlogos a continuidade e aprofundamento de seus estudos. Muito nos alegrar, tambm, se este livro contribuir para despertar o interesse de novos cientistas brasileiros pelos maravilhosos organismos que so as abelhas. Os autores

AgradecimentosEste livro nunca teria sido completado sem a ajuda e apoio de inmeras pessoas e instituies. Ele dependeu, antes de mais nada, daqueles que se dedicaram, antes de ns, taxonomia das abelhas brasileiras. Entre eles, agradecemos especialmente queles que contriburam diretamente com o nosso aprendizado, compartilhando pessoalmente conosco o seu conhecimento e nos incentivando a seguir os seus caminhos: Padre Jesus S. Moure, Dr. Charles D. Michener, Dr. Byron A. Alexander, Profa. Danncia Urban, Dr. Joo Maria F. de Camargo e Dr. Jos Ricardo Cure. Devemos muito aos estagirios do Laboratrio de Sistemtica e Ecologia de Abelhas (Departamento de Zoologia da UFMG), especialmente (em ordem alfabtica), Alexsander Arajo Azevedo, Ana Cristina de Morais Lara, Carolina Ferreira Cardoso, Glucia de Sousa, Juliana de Cssia Moreira, Jnio Damasceno de Souza, Maurcio dos Santos Pompeu, Reisla

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Silva Oliveira, Roderic Breno Martines, Rodrigo de Loyola Dias e Roselaini Mendes do Carmo que foram as cobaias das primeiras verses de muitas das chaves de identificao aqui apresentadas. Tambm a boa vontade dos alunos dos vrios cursos de Taxonomia de Abelhas que ministramos nas Universidades Federais de Minas Gerais, de Viosa e da Bahia foram fundamentais ao aperfeioamento de nossas chaves. Somos gratos ao Padre Moure, Profa. Danncia Urban, Favzia Freitas de Oliveira e Antnio Jos Camillo Aguiar por terem disponibilizado material de estudo sob seus cuidados e fornecido referncias bibliogrficas. Profa. Danncia Urban por ter, tambm, gentilmente permitido que reproduzssemos vrias das ilustraes publicadas em sua reviso de Thygater. Aos doutores Beatriz W. T. Coelho, Charles D. Michener e Michael Engel por informaes sobre a distribuio geogrfica de alguns grupos de Halictidae, e ao doutor Fernando C. V. Zanella pelo acesso a seus trabalhos no prelo. Ftima Zagonel dedicou mais que profissionalismo confeco dos desenhos, contribuindo consideravelmente para que a utilizao deste livro se tornasse muito mais fcil. A ela, nosso reconhecimento. Agradecemos, ainda, Fundao Araucria que financiou a confeco das ilustraes deste livro e ao Ministrio do Meio Ambiente/ Secretaria de Biodiversidade e Florestas, por meio do Projeto de Conservao e Utilizao Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasileira PROBIO e ao Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, por meio do Projeto BRA/00/021, que apoiaram a impresso e encadernao deste livro.

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PARTE

A

INTRODUO SISTEMTICA DAS ABELHAS

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CAPTULO 1

MorfologiaO objetivo deste captulo no um tratamento extensivo da morfologia das abelhas. Procura-se apenas apresentar suas principais estruturas externas, de forma a facilitar a leitura dos demais captulos e a utilizao das chaves de identificao. Um tratamento extensivo da morfologia externa das abelhas pode ser encontrado em Michener (1944). A anatomia externa e interna de Apis mellifera discutida detalhadamente por Snodgrass (1956), a morfologia de Melipona marginata foi estudada por Camargo et al. (1967), a de Thygater analis por Urban (1967a) e a de Pseudaugochlora graminea por Eickwort (1969). Instrues ilustradas para a disseco das abelhas so fornecidas por Dade (1962). 1.1. Integumento. A camada externa do corpo das abelhas (integumento) a cutcula, como em todos os artrpodes tambm seu esqueleto e secretada pela epiderme. Esta parede no uma camada contnua, mas constitui-se de placas rgidas (escleritos) de espessura varivel, fundidas umas s outras ou conectadas por reas membranosas que conferem elasticidade e flexibilidade ao corpo. A rigidez dos escleritos conseguida atravs do processo de esclerotinizao deposio de protenas sobre a matriz de quitina. A percepo dos estmulos do ambiente pelas abelhas feita atravs de estruturas sensoriais que se originam na epiderme e atravessam a cutcula (sensilas e plos sensoriais). Os escleritos podem sofrer dobras que produzem sulcos e fossas na superfcie externa e cristas ou hastes internas (apdemas). Estas dobras conferem maior resistncia aos escleritos e, internamente, servem de ponto de insero para a musculatura. A superfcie externa do integumento pode variar bastante em caractersticas que, em conjunto, so chamadas de escultura ou microescultura. Ela pode ser brilhante ou mate (fosca); pode ser lisa ou apresentar uma srie de diferentes padres: reticulado, rugoso ou estriado, por exemplo. Outro elemento importante na definio da aparncia externa do integumento o seu padro de pontuao. Os pontos, em geral, so os locais de insero de plos ou cerdas. Eles variam em dimetro, profundidade e densidade. O integumento pode variar, tambm, em sua colorao. Geralmente ele negro, podendo apresentar reas mais claras, desde castanho-escuras at ferrugneas. No incomum, entretanto, que determinadas reas sejam vivamente coloridas com pigmentos amarelos, alaranjados, vermelhos ou brancos. Alm disto, em muitos grupos, o integumento pode apresentar-se verde, azul, violeta, vermelho ou acobreado com brilho metlico. O brilho metlico no se deve a pigmentao, mas refrao da luz devido ao padro de deposio da quitina na cutcula. 1.2. Tagmatizao. (Fig.1.1) O corpo das abelhas, como o de todos os insetos, constitui-se de trs partes principais (tagmas ou tagmata): cabea, trax e abdome. Cada uma destas partes, por sua vez, constituda por vrios segmentos a cabea por pelo menos quatro, o trax por trs e o abdome por 10. No caso das abelhas (e outros himenpteros Apocrita, como as formigas e as vespas), o primeiro segmento do abdome fundido ao trax, recebendo o nome de propdeo. A estrutura originada desta fuso chamada de mesossoma; a poro restante do abdome (segmentos dois a 10 na fmea e dois a 11 no macho) chamada metassoma.

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Clula marginal Asa anterior Clulas submarginais

Asa posterior

Tgula

Gena

Antena

Clpeo Tbia Perna posterior Espores tibiais Garra Fmur Coxa Trocanter Esporo tibial Basitarso Labro Perna anterior

Tarsmeros

Fig. 1.1 - Fmea de Thygater analis, vista lateral (pilosidade omitida).Vrtice Ocelos Vrtice rea parocular superior Olho composto Alvolo antenal Gena Sutura subantenal rea parocular inferior Sutura epistomal Labro Fossa tentorial Carena hipostomal Mandbula Labro Formen magno Occipcio

Fronte

rea malar Clpeo Mandbula

Fig. 1.2 - Cabea de Thygater analis (&), vista frontal.

Fig. 1.4 - Cabea de Thygater analis (&), vista posterior.Flagelmeros

Vrtice

Flagelo Pedicelo Carena pr-occipital Gena Escapo

Fig. 1.3 - Cabea de Thygater analis (&), vista dorsal.

Fig. 1.5 - Antena de Thygater analis (%, acima, &, abaixo).

1.3. Cabea. (Figs. 1.1-1.5) Externamente, a cabea das abelhas contm os dois olhos compostos laterais, trs ocelos dorsais, um par de antenas, um par de mandbulas e o aparelho bucal (descrito adiante). Ela pode ser dividida em diversas regies, geralmente delimitadas por suturas. A regio dorsal, entre os olhos compostos e contendo os ocelos, chamada vrtice; a regio anterior, acima da insero das antenas, a fronte; a regio situada entre a margem inferior dos olhos e a base das mandbulas a rea ou espao malar. Abaixo das antenas, delimitado pela sutura epistomal, est o clpeo; acima dele e abaixo da insero das antenas, geralmente com formato triangular, est a rea supraclipeal; a regio entre o clpeo, a rea malar e os olhos compostos a rea parocular inferior; a rea da fronte adjacente aos olhos compostos chamada rea parocular superior. Ligando cada alvolo antenal (orifcio

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Captulo 1: Morfologia

onde se insere a antena) sutura epistomal, encontra-se uma ou, em alguns casos, duas suturas subantenais. Nestas ou nos ramos laterais da sutura epistomal encontra-se, de cada lado, um pequeno orifcio a fossa tentorial anterior. A fossa tentorial marca o ponto onde o tentrio (uma haste que refora a cabea por dentro) funde-se parede interna da cabea. Abaixo do clpeo e articulando-se com ele, est o labro (freqentemente escondido sob as mandbulas, quando estas esto fechadas). Lateralmente, a rea posterior aos olhos compostos chamada de gena. Posteriormente, a cabea possui um orifcio central chamado formen occipital ou formen magno. A rea acima e aos lados do formen o occipcio, que normalmente diferencia-se das regies em torno pela textura do integumento e que, s vezes, separa-se do vrtice pela carena pr-occipital. Algumas vezes, h a formao de uma elevao no vrtice, atrs dos ocelos, porm nitidamente anterior ao occipcio, que chamada comumente de carena pr-occipital. Aqui, adotamos, para esta elevao, o nome de crista psocelar. As antenas (Fig. 1.5) so divididas em trs artculos servidos por msculos internos: o escapo, basal, o pedicelo e o flagelo. O flagelo, por sua vez, composto por vrias unidades, os flagelmeros 10 nas fmeas e, com raras excees, 11 nos machos.Loro Glossa

Mento

Premento

Flabelo

Premento Palpo labial Cardo

Paraglossa

Fig. 1.6 - Base do aparelho bucal de Thygater analis (&), vista anterior.Lacnia

Fig. 1.7 - pice do aparelho bucal de Thygater analis (&), vista anterior.

Estpite

Palpo maxilar Glea

Fig. 1.8 - Maxila de Thygater analis (&).

O aparelho bucal (Figs. 1.6-1.8), ou lngua, inclui dois conjuntos de estruturas intimamente associados: um par de maxilas e o lbio. Cada maxila composta pelo cardo (que se articula com a parede da cabea), pela estpite e pela glea. O palpo maxilar origina-se na estpite e composto por um nmero varivel de palpmeros (originalmente, seis). O lbio pode ser dividido em duas partes: uma basal composta pelo loro (que articula-se com a maxila), mento e premento e outra apical composta pela glossa e pelas paraglossas. O palpo labial, constitudo quase sempre por quatro palpmeros, insere-se no pice do premento. A forma e o tamanho relativo das vrias partes do aparelho bucal varia bastante entre os diversos grupos de abelhas. A glossa pode ser curta e bilobada, curta e acuminada, longa e bfida, ou longa e acuminada. Os palpos labiais podem ser constitudos por palpmeros cilndricos e curtos ou, algumas vezes, longos e achatados ou cncavos. 1.4. Mesossoma. (Figs. 1.9-1.12) Os quatro segmentos que constituem o mesossoma so, alm do propdeo, o protrax, o mesotrax, e o metatrax. As pores dorsais dos trs ltimos so, respectivamente, o pronoto, o mesonoto e o metanoto. O pronoto constitui a maior

Captulo 1: Morfologia

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Mesoscuto Escutelo Metanoto Metaposnoto

Pr-episterno

Prosterno Pronoto

Mesepisterno Propdeo Lobo pronotal Sulco mesepisternal Regio omaular Metepisterno Mesepisterno Escrobo

Fig. 1.9 - Mesossoma de Thygater analis, vista lateral.

Fig. 1.10 - Mesossoma de Thygater analis, vista ventral.

Pronoto

ngulo dorsolateral

Escutelo Metanoto

Lobo pronotal Metaposnoto Mesoscuto Espirculo propodeal

Metepisterno Axila Propdeo

Escutelo

Metanoto Propdeo

Fig. 1.11 - Mesossoma de Thygater analis, vista dorsal.

Fig. 1.12 - Mesossoma de Thygater analis, vista posterior.

parte do protrax, sendo um anel que circunda a regio anterior do trax. Dorsalmente, uma zona elevada tangenciando a margem dorsal anterior do mesotrax, s vezes formando uma crista ou carena, constitui o colar pronotal; freqentemente, o colar pronotal limitado, lateralmente, pelos ngulos dorso-laterais do pronoto e, anteriormente, por uma crista, carena ou lamela pronotal que, normalmente, prolonga-se at os lobos pronotais. Os lobos pronotais so expanses laterais que avanam para trs e encobrem, a cada lado, a abertura de um espirculo torcico. Ventralmente, o pronoto articula-se com uma pequena placa, o prepisterno, que se projeta para frente e articula-se com a cabea; posteriormente, o prepisterno, juntamente com o prosterno, articula-se com as coxas das pernas anteriores. O mesonoto dividido em dois escleritos: o mesoscuto ou escuto, formando um grande disco anterior, e o escutelo, formando uma placa posterior; as pores a cada lado do escutelo so chamadas axilas. Dorso-lateralmente, protegendo a insero das asas, encontra-se um pequeno esclerito chamado tgula. O metanoto, situado imediatamente atrs do escutelo, constitui

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Captulo 1: Morfologia

um pequeno esclerito com o formato de um arco. As pores laterais do mesotrax e do metatrax so respectivamente o mesepisterno (s vezes chamado mesopleura) e o metepisterno. Elas so separadas pela sutura meso-metepisternal. A regio onde as superfcies anterior e lateral do mesepisterno se encontram chamada de omaulo ou regio omaular; a regio lateral do mesepisterno cortada verticalmente pela sulco mesepisternal e horizontalmente pelo sulco escrobal. Sobre o sulco escrobal encontra-se uma pequena fossa chamada escrobo (ou escroba). O metaposnoto, que nos Apoidea encontra-se bastante desenvolvido, ocupa a rea central do propdeo, dividindo-o em duas reas laterais e formando o chamado tringulo propodeal. Dois pares de asas inserem-se, um no mesotrax e outro, menor, no metatrax. Cada asa constitui-se de uma lmina membranosa reforada por veias alares. O sistema de veias alares define clulas na superfcie das asas. Tanto as veias como as clulas recebem nomes especficos que esto discriminados na Figs. 1.13 e 1.14. As diversas veias e clulas podem estar ausentes ou apresentar diferentes tamanhos e/ou formas em diferentes grupos de abe-

R

Rs Rs

2a r-rs Rs Rs M Rs + M Sc + R

C

3a rs-m

2a rs-m M M

M + Cu

2a m-cu

1a m-cu Cu Cu1

cu-a 1A

Clulas submarginais

Marginal Radial 1a 2a Veia basal 1a Medial 2a Medial 2a Cubital

3a

1a Cubital

Fig. 1.13 -

Asa anterior de Thygater analis.

Captulo 1: Morfologia

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Hmulos Rs rs-m

Radial

Cubital Tbia

M + Cu M + Cu (1a abcissa) a abcissa) M (2 cu-a Cu A Esporo Lobo jugal Lobo vanal Basitarso

Fig. 1.14 - Asa posterior de Thygater analis.

Fig. 1.15 - Estrigilo de Thygater analis (&).

T2 T3 T4 T5 T6 Garra Arlio T7 E6 E5 E4 E3 E2 E1

T1

Fig. 1.16 - Pr-tarso de Thygater analis (&).

Fig. 1.17 - Metassoma de Thygater analis (%), vista lateral.

lhas. As asas posteriores so dotadas de pequenos ganchos (hmulos) em sua margem anterior. Os hmulos prendem-se a uma bainha existente na margem posterior das asas anteriores e possibilitam que ambas as asas movimentem-se como uma nica estrutura durante o vo. Trs pares de pernas originam-se na superfcie ventral do trax, cada qual em um segmento (Fig. 1.1). Elas podem ser chamadas respectivamente de pernas anteriores, mdias e posteriores ou pernas protorcicas, mesotorcicas e metatorcicas. Todas elas so constitudas pelos mesmos seis artculos: coxa, trocanter, fmur, tbia, tarso e pr-tarso. As tbias anteriores e mdias so dotadas de um nico esporo tibial apical em sua face interna ou ventral. As tbias posteriores, em geral, possuem dois espores. O esporo da tbia anterior modificado e utilizado juntamente com uma reentrncia na base do tarso, para a limpeza das antenas. Juntas, estas estruturas constituem o estrigilo (Fig. 1.15). As tbias posteriores, na maioria das fmeas das abelhas, possuem modificaes utilizadas para o transporte de plen das flores para os ninhos. A adaptao mais comum uma escova de plos chamada escopa. Em alguns grupos de abelhas, como Halictidae e Colletidae, a escopa pode desenvolver-se, tambm, no fmur posterior. Na tribo Apini, que contm as abelhas melferas e nossas abelhas indgenas sem ferro, a superfcie externa da tbia posterior cncava e margeada por uma franja de plos, um arranjo que denominado corbcula. Modificaes adicionais do metatarso e metatbia destas abelhas so o rastelo e a aurcula, arranjos de plos que auxiliam no processo de carregamento da corbcula com plen. Os tarsos so divididos em cinco unidades, os tarsmeros. O primeiro, sempre maior que os demais, chamado de basitarso

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(na literatura mais antiga, s vezes, chamado metatarso este termo, entretanto, utilizado atualmente em referncia a todo o tarso do metatrax). Os demais tarsmeros so chamados, em conjunto, de distitarso. O pr-tarso contm as garras tarsais e o arlio (Fig. 1.16). Os diversos artculos das pernas apresentam inmeras modificaes nos diferentes grupos de abelhas. Estas modificaes incluem projees, pentes e escovas de plos, fossas e glndulas que podem desempenhar importantes papis no acasalamento e/ou coleta de alimento. 1.5. Metassoma. (Fig. 1.17) O metassoma, como j foi dito, constitudo pelos ltimos nove dos 10 segmentos abdominais da fmea (ltimos 10 dos 11 segmentos abdominais do macho). Destes, seis esto expostos nas fmeas e sete nos machos, sendo chamados segmentos pr-genitais. Cada segmento metassomtico formado por um esclerito dorsal, o tergo, e um esclerito ventral, o esterno. O primeiro desses segmentos possui uma constrio anterior que forma o pecolo e que d flexibilidade de movimento ao metassoma. O segundo tergo e segundo esterno e os seguintes possuem, cada um, uma linha transversal claramente demarcada em suas superfcies externas prximo s suas margens basais. Estas linhas so chamadas grdulos (pequenos degraus). Em alguns grupos de abelhas, parte dos esternos metassomticos pode estar reduzida ou ausente, principalmente nos machos. Nas fmeas no parasitas da famlia Megachilidae e em alguns grupos da famlia Colletidae, os esternos so dotados de pilosidade especializada que constitui a escopa ventral, utilizada para coleta e transporte de plen.

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CAPTULO 2

Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para EstudoEmbora pessoas experientes possam determinar muitos dos gneros de abelhas com uma simples inspeo a olho nu, a identificao da maioria das espcies de abelhas impossvel de ser feita no campo. Na maioria dos casos preciso que as abelhas estudadas sejam capturadas, mortas e convenientemente montadas para, ento, serem identificadas sob lupa de disseco. 2.1. Coleta. O modo como as abelhas so capturadas depende dos objetivos do estudo que se tem em mente. Nos levantamentos faunsticos e nos estudos sobre polinizao, por exemplo, as abelhas normalmente so capturadas enquanto coletam alimento nas flores. Para isto empregam-se as redes entomolgicas (pus). O tecido empregado no pu no deve ser o fil (tule), pois abelhas pequenas so capazes de fugir atravs de sua malha. O organdi (de algodo) e a organza de nylon so tecidos adequados. Dependendo de seus objetivos o coletor pode postar-se diante de uma planta florida, capturando as abelhas medida em que elas pousem nas flores, ou pode deslocar-se lentamente ao longo de uma transeo ou rea amostral, coletando as abelhas na medida em que elas forem avistadas. Exemplos de levantamentos faunsticos realizados no Brasil, utilizando-se de variaes destes mtodos, so os de Sakagami et al. (1967), Camargo & Mazzucato (1984) e Silveira & Campos (1995). Nas florestas, a grande maioria das abelhas forrageia no alto das rvores, permanecendo fora de alcance do coletor. Por isto, poucos so os levantamentos realizados das faunas de abelhas de reas florestais; nos que foram feitos, as coletas, em geral, foram limitadas vegetao mais baixa, nas margens de clareiras e trilhas e nas bordas de mata (p. ex., Cure et al., 1992). Mais recentemente, levantamentos da fauna de abelhas no dossel das matas vm sendo realizados com pus de cabo longo (Wilms et al., 1996) e com escalada das rvores pela tcnica de rapel (p. ex. Aguilar, 1999). Algumas abelhas, especialmente as nossas indgenas sem ferro (Meliponina), podem ser atradas, em alguns locais, por soluo de sal e/ou iscas de feijo com farinha de mandioca ou fatias de goiabada espalhadas no sub-bosque (E. F. Morato, inf. pessoal). Machos de Euglossina podem ser atrados por substncias aromticas especficas depositadas em papel ou chumao de algodo e expostas sobre troncos ou pedras (p. ex. Reblo & Garfalo, 1991) ou em armadilhas (p. ex. Campos et al., 1989). Bacias coloridas (especialmente azuis e amarelas) contendo gua e um pouquinho de detergente atraem e capturam abelhas (alm de uma variada gama de outros insetos) (p. ex., Laroca, 1980). Armadilhas de interceptao de vo (como as de Malaise), embora mais eficientes para a captura de outros insetos, sempre coletam abelhas, algumas das quais de espcies bem raras nas colees, como por exemplo cleptoparasitas obrigatrias e espcies restritas a ambientes florestais. Frascos sugadores podem ser utilizados para coleta de abelhas pequenas. Ninhos-armadilha feitos com gomos de bambu abertos em uma extremidade, blocos de madeira perfurados ou tubos de papel cartonado so utilizados por fmeas de algumas espcies de

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gneros como Centris, Tetrapedia, Euglossa, Xylocopa e vrios Anthidiini (tambm vespas e formigas), em busca de local para nidificao (p. ex., Garfalo et al., 1993; Morato & Campos, 2000). Uma boa amostragem da fauna de abelhas de um dado local s obtida com coletas em vrios horrios do dia e ao longo de todo o ano. Isto porque diferentes abelhas esto ativas em diferentes horas e em diferentes pocas do ano. Quanto maior a diversidade de mtodos de coleta empregados e de ambientes amostrados, maior ser o nmero de espcies de abelhas encontradas. Sakagami et al. (1967) e Silveira & Godinez (1996) discutem vrios problemas relacionados obteno de amostras padronizadas para comparao de parmetros faunsticos entre diferentes amostragens. Ao serem capturadas, as abelhas devem ser transferidas para um frasco mortfero. Os dois agentes mortferos mais comumente utilizados nestes frascos so o cianeto (de sdio ou potssio) e o acetato de etila. Cada um tem vantagens e desvantagens. Um frasco mortfero carregado com cianeto pode permanecer eficiente at por meses. Por outro lado, abelhas mortas com cianeto tendem a tornar-se quebradias e, se mantidas por muito tempo dentro do frasco, perder detalhes de sua colorao devido ao desbotamento de faixas e manchas pigmentadas (manchas amarelas, por exemplo, tornam-se avermelhado-esmaecidas). Alm disto, o cianeto extremamente txico ao homem, podendo causar a morte em caso de inalao acidental. Abelhas mortas com acetato de etila, por outro lado, tendem a ficar menos quebradias, alm de morrerem com suas lnguas distendidas (o que facilita o seu estudo e identificao). O acetato de etila, alm do mais, no to txico para o homem quanto o cianeto. A desvantagem do acetato sua volatilidade, que faz com que se tenha que recarregar o frasco com alguma freqncia no campo. Deve-se ter o cuidado de no deixar as abelhas muito tempo dentro dos frascos mortferos (principalmente em dias de calor e quando as abelhas forem muitas), para evitar que elas sejam encharcadas pela condensao de gua dentro do frasco. Isto faz com que seus plos colem-se ao corpo, dificultando a identificao posterior dos espcimes. Alm disto, aumenta a probabilidade de que os espcimes mofem. 2.2. Montagem. As abelhas capturadas precisam ser montadas para que possam ser manuseadas mais facilmente na hora da identificao ou estudo e para que possam ser armazenadas de forma segura nas colees. Para isto elas devem ser alfinetadas. Agulhas e alfinetes de costura no devem ser utilizados porque enferrujam, quebrando-se e danificando os espcimes. Alm disto, no possuem dimetro, comprimento, nem ponta adequados para as colees entomolgicas. Alfinetes entomolgicos so comercializados em diferentes dimetros que so identificados por nmeros. A maioria das abelhas pode ser montada em alfinetes nmero 1. Apenas abelhas grandes (1,5 cm ou mais de comprimento) devem ser montadas em alfinetes nmero 2 ou 3. Algumas firmas produzem alfinetes entomolgicos de ao comum pintados de negro. Eles so mais baratos mas tambm terminam por enferrujar e quebrar, danificando os espcimes, principalmente em regies midas. Por isto, deve-se preferir, sempre que possvel, os alfinetes de ao inoxidvel. Tambm a cabea dos alfinetes produzida de diferentes maneiras. Os melhores so os alfinetes de cabea batida (como os alfinetes de costura); infelizmente eles so raros. Uma alternativa muito boa, so os alfinetes com cabea de nylon. Alfinetes com cabeas de lato devem ser evitados, porque elas se soltam, tornando o manuseio dos alfinetes difcil (e, muitas vezes, doloroso). Deve-se introduzir o alfinete perpendicularmente superfcie dorsal da abelha, na regio anterior direita do mesoscuto, junto tgula. Desta forma preservam-se os detalhes de escultura e pilosidade da regio central do mesoscuto (freqentemente importantes para a identificao das espcies). Os detalhes estragados pelo alfinete no lado direito do mesoscuto podem ser, ainda, observados no lado esquerdo. As abelhas devem ser posicionadas no alfi-

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nete de forma a no ficarem to altas que sejam danificadas quando este tomado entre os dedos, nem to baixas que no haja espao para se introduzir, sob elas, as etiquetas de procedncia e identificao. O ideal que haja uma distncia de oito a 10 mm entre a superfcie superior do trax da abelha e a cabea do alfinete. Abelhas muito pequenas para serem espetadas com os alfinetes nmero um devem ser preferencialmente coladas. Para isto, pode-se utilizar o mtodo sugerido pelo Padre Moure: circunda-se o alfinete com um anel de cola de cerca de 1 mm de espessura, repousando-o com a cola sobre o lado direito do mesossoma da abelha (a cola se soltar depois de seca, se for depositada apenas em um lado do alfinete). Deixa-se secar por alguns minutos. Montagens duplas (em tringulos de papel ou com micro-alfinetes) so recomendadas por alguns autores. No entanto, elas consomem mais tempo e mais material, alm de tornarem o manuseio dos espcimes sob a lupa mais difcil. O uso de alfinetes 0 e 00 deve ser evitado, uma vez que eles tendem a se entortar ao serem enfiados em superfcies mais duras (espuma de polietileno, por exemplo). Depois de espetadas, as abelhas devem ser arrumadas no alfinete. Trs fatores devem ser considerados neste momento: 1) exposio de estruturas importantes para a identificao; 2) reduo do risco das abelhas serem danificadas durante o manuseio e 3) economia de espao nas colees. Qualquer parte da abelha potencialmente utilizvel para sua identificao. Em alguns grupos, determinadas estruturas sero mais importantes do que em outros. Se o coletor no tem conhecimento suficiente sobre quais caracteres so ou no necessrios para a identificao de um dado espcime, prefervel que ele exponha o maior nmero possvel de caractersticas na hora de mont-lo. Abaixo seguem algumas informaes sobre como dispor os apndices das abelhas: O aparelho bucal deve estar distendido e, se possvel, suas partes devem estar ligeiramente separadas para que possam ser melhor observadas. No se deve, entretanto, distender a lngua e partes anexas para a frente, deixando-as expostas e aumentando o risco de que sejam quebradas durante o manuseio. O aparelho bucal deve ficar, especialmente no caso de abelhas grandes e de lngua longa, distendido para trs, protegido entre a etiqueta e a cabea e o corpo da abelha. O nmero, tamanho relativo e disposio dos dentes nas mandbulas das abelhas de alguns grupos, como as da tribo Anthidiini (Megachilidae) e as dos gneros Megachile (Megachilidae) e Centris (Apidae) so importantes para a determinao dos gneros ou subgneros a que pertencem as espcies. Em Halictidae, caractersticas do labro e da mandbula podem ser necessrios para a identificao dos exemplares. Em tais grupos, as mandbulas devem ser abertas enquanto o espcime est ainda flexvel. Para isto, pode-se introduzir uma pina de ponta fina (pina de relojoeiro) fechada entre as mandbulas, por baixo e por trs da cabea, deixando-a abrir-se em seguida. Deve-se tomar cuidado para que o labro da abelha no seja danificado nesta operao. Todos os demais apndices (antenas, pernas e asas) devem ser ligeiramente afastados do corpo para que possam ser convenientemente observados e para evitar que escondam outras estruturas na cabea, mesossoma e metassoma. Eles no devem, entretanto, ficar distendidos muito longe do corpo para no se exporem ao risco de quebrarem durante o manuseio e para que no ocupem muito espao na coleo. As pernas devem estar ligeiramente flexionadas e no devem ficar dobradas sob o corpo. As asas freqentemente ficam coladas umas s outras e ao metassoma por umidade condensada, nctar regurgitado, leos florais ou resinas. Isto deve ser corrigido, uma vez que dificulta muito a observao de veias e clulas alares. Ao se montar as abelhas, deve-se passar um estilete entre as asas e o metassoma e entre a asa anterior e posterior de cada par. Isto deve ser feito com cuidado para evitar que as asas se rasguem. O principal cuidado que se deve tomar com o metassoma das abelhas no deixar que eles fiquem cados. Isto especialmente importante quando se montam abelhas grandes.

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Neste caso, o metassoma rouba espao das etiquetas quando fica inclinado para baixo. Alm disto, nesta posio ele mais facilmente quebrado, quando a etiqueta acidentalmente empurrada contra ele. Pode-se cruzar dois alfinetes em sob o metassoma, para mant-lo na posio horizontal at que a abelha montada esteja seca. Deve-se cuidar, entretanto, para que o metassoma no fique elevado demais, impedindo a observao do propdeo. Depois de montadas, as abelhas devem ser colocadas em estufa a cerca de 40C por 24 a 48 horas. Isto possibilitar que todos os tecidos do corpo sequem convenientemente, evitando que as abelhas mofem. Por outro lado, a permanncia na estufa por tempo muito prolongado (vrios dias) torna as abelhas ressecadas e excessivamente quebradias. Nem sempre possvel montar as abelhas imediatamente aps a captura. Para que sejam conservadas, elas podem ser mantidas em sacos de papel absorvente flexvel, dentro de recipientes rgidos hermeticamente fechados. Deve-se colocar, dentro destes recipientes, junto com as abelhas, um chumao de algodo embebido em acetato de etila. O acetato ajuda a conservar os espcimes, inibindo o crescimento de fungos e mantendo a flexibilidade das abelhas durante algum tempo. Caso o intervalo entre a captura das abelhas e sua montagem for de mais que dois dias, recomendvel mant-las em congelador ou freezer. Desta forma elas permanecem maleveis at serem montadas. Se as abelhas chegam a se enrijecer, necessrio relax-las antes de se proceder montagem. Para isto, as abelhas devem ser mantidas por algum tempo (em geral de 24 a 48 horas) em uma cmara mida. A cmara mida um recipiente de vidro ou plstico, hermeticamente fechado, em cujo fundo se coloca papel ou tecido encharcado em gua com um pouco de cido fnico (fenol). A funo deste cido inibir o crescimento de fungos. As abelhas no devem ser colocadas em contato direto com a gua, mas dentro de recipientes abertos (tais como placas de Petri). Deve-se evitar que as abelhas fiquem encharcadas, pois desta maneira seus plos se colaro ao corpo, tornando a identificao do espcime mais difcil. Abelhas de colorao verde ou azul-metlica tendem a ficar avermelhadas quando expostas umidade. Quando a exposio se d por pouco tempo, a colorao volta ao normal quando as abelhas secam. Entretanto, ela se altera permanentemente, ficando mais avermelhada ou amarelada definitivamente, caso as abelhas sejam expostas umidade por tempo prolongado. Os procedimentos acima so os indicados para as abelhas coletadas e mantidas a seco, at o momento da montagem. Abelhas capturadas em lcool (por exemplo em armadilhas de interceptao de vo, como a de Malaise) precisam de cuidados especiais antes de serem alfinetadas. Se elas so retiradas do lcool diretamente para o alfinete, seus plos ficam grudados, as asas retorcidas e partes do corpo (principalmente os olhos) podem murchar. Uma tcnica de preparao de insetos conservados em lcool, antes de serem alfinetados, apresentada abaixo: Os espcimes em lcool 70% ou 80% so transferidos para lcool absoluto onde ficam por 15 a 20 minutos. Aps este tempo, eles so removidos para uma mistura de lcool absoluto e clorofrmio na proporo de 1:1. Eles devem permanecer a por mais 15 ou 20 minutos. Em seguida eles so postos para escorrer em papel absorvente. Os plos das abelhas devem ser pincelados periodicamente com um pincel fino enquanto secam. Depois de adquirirem seu aspecto normal, as abelhas devem ser colocadas em estufa de secagem por 24 a 48 horas. Estes procedimentos so especialmente importantes para abelhas grandes e pilosas. s vezes as abelhas esto muito sujas e/ou com plos grudados por substncias oleosas ou resinas. Indivduos especialmente valiosos (pela raridade ou pela dificuldade de identificao) podem ser lavados, recuperando sua aparncia natural. O seguinte procedimento pode ser empregado: O espcime (com o alfinete mas sem as etiquetas, se j estiver montado) colocado em xilol por cerca de 15 minutos. O xilol dissolve massas de plen e/ou resina ressecada que agarram-se pelo corpo e grudam os plos. A abelha , ento, enxaguada em gua corrente. Depois de enxaguado o xilol, as reas mais pilosas da abelha so ensaboadas com detergente, sabo neutro ou sabonete, com auxlio de um pincel fino. O espcime enxaguado nova-

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mente e posto para secar em papel absorvente. A eficincia da secagem pode ser aumentada encostando-se pontinhas do papel absorvente em reas mais pilosas, onde se acumula mais gua. Esta operao, entretanto, deve ser feita observando-se a abelha sob a lupa. Enquanto secam, os plos da abelha devem ser pincelados com pincel fino, para se soltarem. A secagem pode ser feita, tambm, utilizando-se de um secador manual de cabelo. Depois que a abelha recuperou sua aparncia normal, ela deve ser posta em estufa a 40C, por cerca de 24 horas. Espcimes muito velhos ou enfraquecidos (por ataque de fungos ou dermestdeos, por exemplo) no devem passar por este processo, por correrem o risco de serem danificados. 2.3. Informaes associadas aos espcimes. Existem vrias informaes relativas aos espcimes coletados que devem ser guardadas junto com eles. Estas informaes podero auxiliar no processo de identificao, na determinao da distribuio geogrfica das espcies e de sua variao ao longo do tempo; podero sugerir quais as fontes de alimento utilizadas pelas vrias espcies etc. Praticamente toda informao guardada junto com o espcime em uma coleo potencialmente til. Em colees de insetos, informaes so guardadas de duas formas: em etiquetas espetadas no alfinete, junto com o espcime, ou em cadernos ou fichrios (modernamente, em bancos de dados em computador). Neste caso, os espcimes devem receber um nmero que identifica as informaes relativas a eles no registro da coleo. importante que pelo menos algumas informaes bsicas estejam em uma etiqueta, junto de cada espcime: o municpio, estado e pas onde o mesmo foi coletado, a data de coleta e nome do coletor. As etiquetas no devem ser muito grandes para evitar desperdcio de espao nas colees. Etiquetas grandes tendem tambm a soltar-se mais facilmente do alfinete, girando e quebrando outros espcimes prximos. Um tamanho mximo apropriado seria em torno de 1 cm 2 cm, mas as etiquetas podem ser menores quando as abelhas forem pequenas. conveniente, tambm, que o papel utilizado seja grosso (120 g/m2, por exemplo) e, de preferncia, neutro (papis cidos amarelam-se e decompem-se mais rapidamente e contribuem, tambm, para a oxidao dos alfinetes). As etiquetas tm de ser absolutamente legveis. Deve-se ter em mente que os espcimes coletados podero ser teis a inmeros outros pesquisadores, desde que as informaes mnimas sobre localidade e data de coleta estejam legveis. As etiquetas devem ser preenchidas com tinta durvel. Se manuscritas, deve-se utilizar preferencialmente tinta nanquim (ou outra tinta base de pigmento coloidal). Se forem impressas a partir de arquivos de computador, deve-se utilizar, se possvel, impressoras a laser. A tinta das impressoras matriciais e a jatode-tinta so solveis em gua e tendem a borrar com a umidade. Uma soluo alternativa imprimir-se as etiquetas com tinta solvel e, depois, fazer-se fotocpia em mquina de boa qualidade ou recobri-las com verniz fixador na forma de aerossol. Se as abelhas forem parte de algum projeto de pesquisa especfico, bom que cada uma receba uma pequena etiqueta que a identifique como espcime testemunho do projeto. Esta etiqueta deve ser a primeira a ser colocada no alfinete (ficando, portanto, em posio superior) e pode ser colorida, para chamar ateno. No se devem utilizar, entretanto, as cores vermelha e amarela pois estas so tradicionalmente utilizadas, nas colees, para distinguir holtipos e partipos. 2.4. Preservao de abelhas alfinetadas. As abelhas montadas como explicado acima podem ser guardadas por centenas de anos, desde que se tomem alguns cuidados. Um dos principais problemas para a conservao de insetos em geral, e das abelhas em particular, o excesso de umidade. Em ambientes midos, h grande proliferao de fungos (mofo) que acabam por destruir completamente os espcimes. Para evitar que isto acontea, deve-se secar bem as abelhas montadas, como explicado acima, e guard-las em local seco. Caso cheguem a mofar, as abelhas podem ser limpas com xilol, com o auxlio de um pincel fino e postas a secar em estufa.

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Outro problema srio para a manuteno das colees de insetos secos o ataque por insetos daninhos, principalmente os pequenos insetos das famlias Psocidae (ordem Psocoptera ou Corrodentia) e Dermestidae (ordem Coleoptera). Para evitar que isto acontea, as abelhas montadas devem ser mantidas em recipientes (caixas ou gavetas) hermeticamente fechados, sem frestas ou rachaduras, e contendo naftalina ou creosoto. A naftalina inibe a entrada dos insetos daninhos, mas no mata aqueles que porventura cheguem a penetrar nas caixas. J o creosoto tem ao inseticida. Uma forma segura e eficiente de se controlar a infestao dos espcimes por psocpteros e dermestdeos o tratamento alternado com frio e calor. As abelhas, espetadas dentro de caixas com tampa, so colocadas em freezer, onde so mantidas durante trs dias. Durante este tempo, larvas e adultos de insetos so mortos pelo frio. Em seguida, elas so transferidas para estufa de secagem a 40C por um ou dois dias. A esta temperatura novas larvas eclodiro dos ovos que porventura existirem no material a ser preservado. As abelhas so novamente colocadas no freezer, onde as larvas recm emergidas dos insetos-praga sero mortas. Depois deste tratamento, as abelhas so postas a secar em estufa e podem retornar coleo. Insetos mortos devem ser mantidos no escuro, uma vez que a exposio prolongada luz provoca sua descolorao, dificultando sua identificao correta no futuro. As gavetas devem ser mantidas em armrios prprios, bem fechados, para melhor garantir a conservao das abelhas. Os armrios e gavetas devem ser inspecionados periodicamente. Espcimes contendo sinais de infestao por mofo ou de ataque por insetos daninhos devem ser imediatamente retirados para tratamento. Pesquisadores que possuam colees grandes de abelhas devem se preocupar com o controle microclimtico do ambiente. Os armrios contendo as abelhas secas devem estar em ambiente seco e, preferencialmente, fresco. Este controle pode ser alcanado por intermdio de desumidificadores de ambiente e/ou condicionadores de ar. 2.5. Remessa de abelhas para identificao. Abelhas coletadas em projetos de pesquisa freqentemente tm que ser mandadas a especialistas para identificao. Como o nmero de taxnomos capazes de identific-las muito pequeno, preciso entrar em contato previamente com eles, para verificar sua disponibilidade. Deve-se estar ciente que identificao de material alheio no a nica tarefa a que se dedicam os sistematas. conveniente, tambm, que se proceda a uma triagem prvia do material, tentando-se a separao dos espcimes em grandes grupos (subfamlias, tribos ou gneros) e em morfoespcies. Isto facilita o trabalho do especialista, permitindo que ele gaste o tempo disponvel na identificao das espcies e no na triagem inicial do material. Quando se consegue uma identificao prvia at o nvel de subfamlia ou tribo, deve-se mandar os espcimes de cada txon para o especialista naquele grupo. Dificilmente um nico pesquisador vai ser capaz de reconhecer bem as espcies de todos os grandes grupos de abelhas. De qualquer forma, deve-se ter em mente que a taxonomia da maioria dos grupos de abelhas neotropicais necessita de reviso e que no possvel conseguir a identificao de todas as espcies. As abelhas podem ser remetidas aos especialistas pelo correio. Esta uma forma corriqueira de se enviar insetos secos, mas os espcimes devem ser convenientemente embalados para que no sejam danificados. Primeiramente as abelhas devem ser espetadas ao fundo de uma caixa forrada com isopor, cortia ou, preferencialmente, espuma de polietileno expandido. Abelhas grandes devem ser contidas com alfinetes espetados lateralmente, junto aos seus corpos. Etiquetas grandes ou frouxas no alfinete tambm devem ser contidas da mesma forma. Para economizar espao, as abelhas devem estar prximas umas das outras mas, para evitar danos durante o transporte ou ao serem desembaladas, elas no devem estar em contato umas com as outras ou com as laterais da caixa. O tamanho da caixa deve ser proporcional ao nmero de abelhas a serem acondicionadas e alfinetes entomolgicos devem ser espetados com espaamento regular (2-3 cm de distncia uns dos outros) no espaos vazios. Sobre os alfinetes, deve ser colocada uma folha de papelo rgido para distribuir eventuais com-

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presses de fora. O espao entre o papelo e a tampa da caixa deve ser preenchido com isopor ou espuma, por exemplo, para que os alfinetes no fiquem soltos. Esta caixa deve, ento, ser acondicionada dentro de outra, em meio a flocos de isopor (devem-se evitar os flocos de amido, que podem atrair insetos potencialmente daninhos aos espcimes). A caixa interna, contendo as abelhas, no deve ficar a menos do que 10 cm de distncia da outra, externa, em nenhum dos lados. Tanto a caixa interna quanto a externa devem ser de papelo grosso ou outro material resistente, pois, de outra maneira, a presso exercida por fora seria facilmente transmitida para o interior da caixa com as abelhas, o que pode levar quebra dos espcimes. Por fora, alm dos endereos do destinatrio e remetente, devem ser fixadas etiquetas com dizeres como: Insetos secos para estudo cientfico sem valor comercial e Frgil (em ingls, se o material estiver sendo enviado para o exterior: Dry insects for scientific study no commercial value e Fragile). 2.6. Espcimes testemunhos. Uma questo importante que resta a ser discutida onde manter colees de espcimes testemunhos. Quando se faz qualquer trabalho, sobre qualquer organismo, produzem-se informaes que ajudam a entender melhor a sua biologia. As informaes obtidas, entretanto, so importantes apenas na medida em que possam ser associadas com certeza a um determinado txon. Como as identificaes esto sempre sujeitas a dvida, imprescindvel que haja material testemunho depositado em colees pblicas. Desta forma a identidade do material poder ser conferida, em qualquer poca, por outros pesquisadores. Outro ponto a ser levantado o do destino geral das abelhas capturadas. Abelhas de grande interesse para a cincia, coletadas a duras penas e em locais s vezes nunca antes amostrados, so freqentemente perdidas por estarem guardadas em locais inadequados. Cada pesquisador deve sempre contrapor a utilidade que suas abelhas tm para si, quela que elas teriam para outros pesquisadores, caso fossem depositadas em uma coleo pblica. Espcimes sem utilidade imediata devem, preferencialmente, ser enviadas para colees universitrias ou museus. Nestes locais elas recebero o cuidado necessrio para que sejam conservadas para as geraes futuras. Informaes gerais sobre tcnicas de coleta, montagem e conservao de insetos podem ser encontradas, por exemplo, em Almeida et al. (1998) e Borror & Delong (1988 captulo 32). 2.7. Coleta e remessa de abelhas e a legislao brasileira. O ritmo acelerado de destruio que vem sendo imposto aos nossos ambientes vem levando um nmero crescente de espcies ameaa de extino. Em conseqncia da preocupao da sociedade com este fato, vrias leis e normas que visam garantir a preservao da biodiversidade brasileira tm sido promulgadas recentemente. Embora leis e portarias quase sempre sejam criadas tendo como preocupao central a conservao de animais vertebrados, plantas ou ambientes, muitas delas tm implicaes sobre as atividades de estudo, conservao e criao de nossas abelhas e outros invertebrados nativos. Aqui discutiremos brevemente a legislao federal em vigor. Os princpios bsicos que regulamentam a coleta de espcimes nativos da fauna silvestre brasileira foram definidos pela Lei dos Crimes Ambientais (lei no 9.605 de 12 de fevereiro de 1998). Nela (artigo 29), so definidos como crimes os atos de matar, perseguir, caar, apanhar e utilizar espcimes da fauna silvestre brasileira sem a devida permisso, licena ou autorizao da autoridade competente ou em desacordo com a licena obtida. As penas previstas para este crime so a deteno por seis meses a um ano e multa. Segundo a lei, a mesma pena vlida para quem a) modifica, danifica ou destri ninhos e b) vende, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou transporta ovos, larvas ou espcimes da fauna silvestre brasileira, bem como produtos e objetos dela oriundos, sem autorizao. A pena aumentada em 50% se o crime for praticado a) contra espcie rara ou considerada ameaada de extino, ainda que somente no local da infrao; b) durante a noite; c) com abuso de licena e d) em unidade de conservao.

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Dessa forma, a coleta de abelhas (vivas ou mortas) crime se efetuada em desacordo com as exigncias legais. At o momento, a coleta de espcimes da fauna silvestre para fins didticos e cientficos regulamentada pela Portaria 332 de 31 de maro de 1990 do IBAMA. O artigo primeiro desta portaria estipula que a captura de animais para pesquisa cientfica ou fins didticos s pode ser executada por membros de equipes de cientistas e profissionais qualificados pertencentes a instituies cientficas brasileiras, pblicas ou privadas, credenciadas pelo IBAMA ou por elas indicadas. O artigo quinto desta mesma portaria, dispensa de licena a coleta de invertebrados (e, portanto, de abelhas) para fins de pesquisa, exceto quando: a) ela for executada em unidades de conservao de proteo integral federais, estaduais e municipais (neste caso, o coletor dever obter consentimento prvio das autoridades responsveis pelas unidades) e b) para a coleta de espcies que constem da Lista Oficial de Espcies da Fauna Ameaada de Extino (neste caso a licena dever ser obtida diretamente no IBAMA). preciso ressaltar, portanto, que, embora a captura de abelhas seja dispensada de licena (excetuando-se, obviamente, as espcies ameaadas de extino e/ou coletas em unidades de conservao), ela s pode ser efetuada por cientistas e profissionais pertencentes a instituies cientficas credenciadas pelo IBAMA. Desta forma, esto fora da lei os colecionadores e colees particulares de insetos. At recentemente, a concesso de licenas para a coleta de espcimes da fauna silvestre para fins didticos e cientficos era atribuio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA). Isto foi alterado, uma vez que a Medida Provisria (MP) n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, instituiu, em seu artigo 10, o Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico, no mbito do Ministrio do Meio Ambiente, com atribuies deliberativa e normativa. Discutida em um novo frum e sob novas perspectivas, a regulamentao da coleta de material biolgico para estudos sofreu mudanas considerveis. Por enquanto, ao regulamentar o acesso ao patrimnio gentico nacional, essa MP, imps novas restries coleta e transporte de material biolgico no pas, trazendo novas preocupaes aos taxnomos brasileiros. Aps sua edio, alguns incidentes j foram registrados, envolvendo material coletado e/ou remetido pelo correio para estudos taxonmicos. Maiores detalhes a respeito da legislao em vigor podem ser encontrados na Internet na pgina do Ministrio do Meio Ambiente (http://www.mma.gov.br/). A MP 2.186-16 estipula que patrimnio gentico da fauna silvestre seria a informao de origem gentica, contida em amostras do todo ou de parte de espcime animal, na forma de molculas e substncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos. Portanto, espcimes mortos de abelhas, preservados a seco ou em meio lquido, so portadores de amostras do patrimnio gentico (na forma, por exemplo, de molculas de DNA) que podem, em tese, ser extradas para fins comerciais. Entretanto, medidas esto sendo estudadas, no mbito do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico, para evitar que a aplicao da lei impea o desenvolvimento de estudos cientficos bsicos sobre a biota brasileira.

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CAPTULO 3

Origem, Filogenia e Biogeografia.3.1. Origem. As abelhas so vespas (Hymenoptera, Aculeata) cujas fmeas, em vez de capturarem outros artrpodes como alimento, coletam plen e nctar diretamente nas flores para alimentarem suas larvas. Embora as abelhas paream, primeira vista, muito distintas de outros grupos de himenpteros aculeados, elas guardam estreita relao com um grande conjunto de vespas tradicionalmente chamadas de vespas esfecides (Sphecidae sensu Bohart & Menke, 1976). Estes grupos esto reunidos em uma superfamlia Apoidea (Brothers, 1975; Brothers & Carpenter, 1993). Em um estudo recente das relaes filogenticas desta superfamlia, Melo (1999) reconheceu, alm das abelhas, quatro grandes grupos de vespas em Apoidea: Heterogynaidae, Ampulicidae, Sphecidae s.str. e Crabronidae. Dentro de Apoidea, o grupo mais prximo das abelhas (seu grupo-irmo) Crabronidae. De fato, as abelhas guardam muitas semelhanas morfolgicas e comportamentais com estas vespas, o que sugere um perodo relativamente longo de evoluo comum antes de sua divergncia. Os membros de Apoidea podem ser distinguidos de outras grupos de vespas aculeadas pelas seguintes caractersticas morfolgicas (Melo, 1999): a. Extenso do pronoto, atravs de um par de projees ltero-ventrais que circundam ventralmente o trax, logo atrs das coxas anteriores. O pronoto apresenta-se firmemente encaixado ao mesotrax, formando um anel sua frente, e tem sua poro dorso-posterior reduzida, fazendo com que os lobos pronotais tornem-se mais individualizados do restante do pronoto. Alm disso, o pronoto apresenta um par de carenas internas, situadas em posio oblqua a cada lado, que normalmente so visveis externamente como um par de sulcos. Na maioria das abelhas, estas carenas encontram-se ausentes ou muito obsoletas, sendo mais desenvolvidas apenas nos grupos basais. b. Prepecto completamente fundido ao mesepisterno. Nesse aspecto, os Apoidea assemelham-se aos pompildeos. Nestes, porm, a sutura ainda bastante evidente, enquanto nos apideos a sutura encontra-se completamente obliterada. c. Fuso completa entre o meso e o metatrax ao longo da poro ventral do trax. Na maioria dos Apoidea, a sutura entre o meso e o metepisterno encontra-se completamente obliterada ventralmente. Internamente, essa fuso corresponde perda do msculo unindo as furcas meso e metatorcicas. d. Expanso pstero-medial do metaposnoto. Nas abelhas e na maioria dos Crabronidae, o metaposnoto forma um longo tringulo separando o propdeo em duas pores laterais. Vrias outras caractersticas morfolgicas (sinapomorfias), indicando a estreita relao entre esfecdeos, crabrondeos e abelhas (p. ex. o sulco mesepisternal), ou apenas entre as abelhas e os crabrondeos (p. ex., a placa pigidial) so apresentadas em Melo (1999). Em termos comportamentais, as abelhas assemelham-se s vespas apideas pelo fato de construrem um ninho que vo aprovisionar, onde vo ovipositar e onde suas larvas vo se desenvolver. Como entre as vespas, tambm as abelhas adultas se alimentam nas flores, principalmente de nctar.

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Apesar de todas essas semelhanas, no h nenhuma razo para suspeitar que diferentes grupos de abelhas possam ter evoludo independentemente a partir das vespas apideas. Existe ampla evidncia de que as abelhas constituam um grupo monofiltico (ou seja, tenham se originado, todas, de uma nica espcie ancestral e reunam todas as espcies descendentes deste ancestral). Michener (2000) faz uma listagem das principais sinapomorfias que comprovam a monofilia do grupo. Abaixo so apresentadas algumas delas, referentes morfologia externa de adultos e ao comportamento: a. Consumo de plen por larvas e fmeas adultas. Em Hymenoptera, alm das abelhas, o uso de plen como alimento larval surgiu, independentemente, somente na linhagem ancestral que deu origem aos Masarinae, uma subfamla de Vespidae, e em Krombeinictus nordenae Leclercq, uma espcie de vespa crabrondea recentemente descoberta (Krombein & Norden 1997). H evidncias de que tanto os Masarinae quanto as abelhas originaram-se aproximadamente no mesmo perodo do Cretceo, porm, diferentemente dos Masarinae que contm apenas cerca de 300 espcies (Gess 1996), as abelhas representam uma das maiores radiaes dentro de Hymenoptera, com mais de 16.000 espcies descritas (Michener, 2000). b. Presena de plos ramificados, freqentemente plumosos. Tradicionalmente, esses plos tm sido considerados como adaptaes para a coleta de plen, por auxiliarem tanto na reteno, quanto na atrao eletrosttica dos gros de plen (p. ex., Thorp, 1979). Atualmente, entretanto, esta idia tem sido contestada (p. ex., Michener, 2000; Engel, 2001). Segundo estes autores, esses plos talvez tenham sido selecionados no ancestral das abelhas, por auxiliarem a reteno de gua e, sendo normalmente claros, por refletirem a luz solar (mantendo a temperatura corporal do inseto mais baixa) e camuflarem as abelhas nos ambientes desrticos onde elas possivelmente originaram-se (ver abaixo). Contudo, esta hiptese no explicaria porque outros grupos de insetos vivendo em tais ambientes no teriam desenvolvido pilosidade plumosa. c. Basitarso posterior mais largo que os tarsmeros seguintes. O alargamento do basitarso mais acentuado nas fmeas de abelhas que transportam plen nas pernas posteriores. Alguns grupos, principalmente as que transportam plen no papo e as cleptoparasitas obrigatrias, apresentam o basitarso apenas um pouco mais largo que os outros tarsmeros. d. Presena da placa basitibial. Esta uma caracterstica presente em quase todas as abelhas que escavam ninhos no solo (principalmente nas fmeas). Embora seja uma caracterstica derivada que, certamente, surgiu no ancestral de todas as abelhas, ela foi perdida vrias vezes em diferentes grupos, mais notavelmente em muitos dos grupos de abelhas cleptoparasitas. Vrios cenrios evolutivos tm sido apresentados para descrever as possveis etapas na diferenciao das abelhas a partir das vespas apideas. Michener (1944) comenta brevemente que um exame dos vrios grupos atuais de vespas esfecideas sugere que as abelhas no teriam surgido a partir de nenhum deles. Malyshev (1968) props um cenrio que ganhou certa popularidade: as abelhas teriam se originado a partir de um ancestral comum com vespas da subfamlia Pemphredoninae (Crabronidae). A hiptese de Malyshev foi baseada nas supostas semelhanas entre os ninhos de vespas do gnero Psenulus e abelhas dos gneros Hylaeus e Colletes. Naquele grupo de vespas, as paredes dos ninhos so revestidas com secrees glandulares que conferem um aspecto semelhante ao revestimento encontrado nos ninhos de Hylaeus e Colletes. Malyshev especulou, tambm, que o uso de afdeos como presa por Psenulus (e por outros Pemphredoninae) poderia ter facilitado a transio para uma dieta de nctar e plen uma vez que estes insetos tem o corpo mole e cheio de lquidos aucarados. As semelhanas observadas por Malyshev so, contudo, superficiais: as secrees empregadas por Psenulus so derivadas de glndulas epidermais (Melo, 1997), ao passo que aquelas de Hylaeus derivam de uma mistura de produtos da glndula de Dufour e das glndulas salivares (Espelie et al., 1992). Alm disso, as anlises filogenticas conduzidas por Melo (1999) no corroboraram a hiptese de Malyshev, favorecendo a posio de Michener

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de que pouco seria aprendido sobre a evoluo inicial das abelhas a partir do estudo dos grupos atuais de vespas apideas. A origem da relao estreita entre abelhas e angiospermas tem tambm despertado bastante interesse. J foi sugerido vrias vezes que as abelhas talvez tenham se originado no Jurssico, antes do surgimento das angiospermas. Neste caso, elas talvez coletassem o plen de estruturas reprodutivas de outras plantas florferas, como as extintas Bennettitales, que antecederam as angiospermas. Dessa forma, as abelhas estariam pr-adaptadas ao forrageamento nas flores quando as angiospermas se diferenciaram e ter-se-am beneficiado grandemente desta nova fonte de alimentos, quando as plantas florferas tornaram-se dominantes no planeta. Estas hipteses, entretanto, no tm qualquer sustentao no registro fssil de Hymenoptera. Uma detalhada refutao das hipteses postulando uma origem anterior ao Cretceo para as abelhas pode ser encontrada em Engel (2001). A idia mais aceita que as abelhas tenham surgido aps a origem das angiospermas, h, no mximo, cerca de 125 milhes de anos, no final da primeira metade do Cretceo. Se esta hiptese correta, a primeira grande diversificao das abelhas teria ocorrido concomitantemente grande radiao das plantas florferas, que se deu aproximadamente entre 130 e 90 milhes de anos de anos atrs (p.ex. Crane et al., 1995; Wing & Boucher, 1998). Uma importante evidncia disto a mais antiga abelha fssil conhecida Cretotrigona prisca (Michener & Grimaldi) cuja idade estimada em cerca de 65 milhes de anos (Grimaldi, 1999). Cretotrigona um meliponineo tpico e, como os meliponineos so um dos grupos de abelhas mais derivados, presume-se que grande parte da diversidade morfolgica e comportamental exibida pelas abelhas, hoje, j havia surgido ao final do Cretceo. A idia corrente que as abelhas teriam se diferenciado em uma regio com clima semirido temperado (Michener, 1979; Engel, 2001). Esses autores suportam esta hiptese com base nas seguintes constataes e hipteses auxiliares: a. As abelhas (e os Apoidea, em geral) so muito mais diversificadas em regies semidesrticas temperadas do que em regies temperadas ou tropicais midas. b. As linhagens basais da maioria das famlias de abelhas so mais abundantes e diversificadas nesses ambientes. Engel (2001) sugere que, por isso, uma reconstruo cladstica da preferncia por hbitats pelas abelhas provavelmente indicaria que o seu ancestral tinha distribuio restrita a regies xricas. c. Considerando a hiptese de que as angiospermas tenham se originado e se restringido, nas fases iniciais de sua evoluo, s regies xricas no oeste do supercontinente de Gondwana, esta seria, tambm, a regio onde as abelhas teriam se originado. Esta regio corresponderia, atualmente, ao sul da Amrica do Sul, frica e pores da Antrtida. interessante ressaltar, ento, que muitos dos grupos basais da maioria das famlias de abelhas apresentam sua maior abundncia e diversidade nos continentes ao sul do Equador, principalmente Amrica do Sul, sul da frica e Austrlia. Dois aspectos importantes precisam ser considerados com relao hiptese de Michener. Realmente, parece plausvel supor que as abelhas tenham se originado em uma regio temperada semi-rida. Porm, como assinalado por Melo (1999), os padres de distribuio e diversidade observados para os grupos basais de abelhas no podem ser estendidos a todos os Apoidea. Apenas Crabronidae, dentro de Apoidea, apresenta padro semelhante ao das abelhas. Tal padro no evidente entre os Sphecidae s.str., o grupo irmo dos crabrondeos e abelhas, cujos grupos basais parecem ocorrer preferencialmente em ambientes msicos. Mas, ainda mais relevante, so as evidncias para o tipo de ambiente ocupado pelas primeiras angiospermas. Ao contrrio dos cenrios postulados por Axelrod & Raven (1974), em que tanto Michener (1979) quanto Engel (2001) se baseiam, as evidncias correntes apontam para o aparecimento das angiospermas em ambientes msicos das regies equatoriais do incio do Cretceo, seguido de uma gradual migrao em direo aos plos (Wing & Boucher,

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1998). Todos os grupos basais (p. ex., Qiu et al., 1999) de angiospermas viventes esto restritos a ambientes msicos das regies subtropicais e tropicais do mundo, o que constitui evidncia adicional contra hipteses que postulam uma origem em ambientes semi-ridos. Portanto, um cenrio mais refinado para a origem das abelhas seria que vespas apideas, vivendo em ambientes semi-ridos temperados, teriam abandonado o hbito predador e passado a utilizar o plen de grupos mais derivados de angiospermas que, neste perodo, j tinham desenvolvido adaptaes que as permitiam ocupar regies com clima mais rido e frio. Toda a primeira radiao das abelhas ter-se-ia passado neste tipo de ambiente e, apenas mais para o fim do Cretceo, aps a diferenciao dos principais clados de abelhas, incluindo aquelas de lngua longa, que teria havido uma ocupao dos ambientes midos das regies equatoriais. A presena de faunas de abelhas bastante distintas nas regies neotropical e paleotropical sugere uma ocupao independente destas regies a partir das faunas de reas temperadas e subtropicais de cada uma destas grandes regies. 3.2. Filogenia e evoluo. Embora, j em 1944, Michener tenha proposto uma rvore filogentica para as abelhas a partir de seus estudos de morfologia comparada, apenas recentemente que as relaes entre os principais clados de abelhas (famlias, subfamlias e tribos da classificao de Michener) foram investigadas com a aplicao de mtodos modernos de anlise cladstica. Dois estudos, principalmente, trouxeram luz novas idias e apontaram uma srie de pontos cujo esclarecimento exige estudos mais aprofundados. Estes estudos so o de Roig-Alsina & Michener (1993), sobre as relaes entre as abelhas de lngua longa, e o de Alexander & Michener (1995), sobre as relaes entre as abelhas de lngua curta. Nesse segundo estudo, Alexander & Michener propuseram uma classificao para as abelhas em que 9 famlias so reconhecidas: Colletidae, Stenotritidae, Andrenidae, Halictidae, Melittidae s.str., Dasypodaidae, Meganomiidae, Megachilidae e Apidae. Os principais resultados desses dois estudos, incluindo suas diversas implicaes classificatrias, so resumidos abaixo, considerando-se cada uma das famlias de abelhas separadamente: a. Colletidae: embora apaream como um grupo monofiltico em algumas das hipteses filogenticas apresentadas por Alexander & Michener (1995), estas abelhas formam um grupo bastante heterogneo e, talvez, artificial, principalmente por causa da posio ambgua de Euryglossinae. Contudo, alguns detalhes da morfologia da glossa fornecem suporte para a monofilia da famlia e para o posicionamento de Euryglossinae prximo a Hylaeinae e Xeromelissinae. Internamente, a classificao atual em subfamlias permanece questionvel. Alexander & Michener foram conservadores com relao utilizao dos seus resultados quando discutiram a classificao de Colletidae. A subfamlia Colletinae sensu Alexander & Michener parece ser a mais problemtica. Como no h evidncias para uma estreita relao entre Colletini (isto , Colletes e formas proximamente relacionadas) e os Paracolletini, decidimos ento elevar estes dois txons a subfamlias para acentuar a distino entre eles. O mesmo deveria ser feito com o gnero Scrapter, um grupo restrito ao sul da frica, tradicionalmente colocado dentro de Paracolletini sensu Michener que, claramente, parece mais relacionado aos Hylaeinae e Xeromelissinae. b. Stenotritidae: a posio deste txon mostrou-se bastante instvel nas anlises filogenticas de Alexander & Michener, o que levou estes autores a classific-lo como um grupo parte. Este pequeno grupo, contendo apenas dois gneros restritos Austrlia, tem sido tradicionalmente considerado como parte de Colletidae (p.ex. Michener 1944). Algumas caractersticas, como a presena de duas suturas subantenais, sugerem uma possvel relao mais prxima com os Andrenidae, um arranjo encontrado em muitas das anlises de Alexander & Michener, em particular naquelas baseadas nos planos bsicos das famlias, onde Stenotritidae aparece dentro de Andrenidae, como grupo-irmo de Oxaeinae. c. Andrenidae: de acordo com as anlises de Alexander & Michener, trata-se de um grupo monofiltico, desde que Oxaeinae, um grupo por muito tempo tratado como uma famlia

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parte, seja tambm includo. Como comentado acima, Stenotritidae talvez devesse ser tambm includa aqui. d. Halictidae: as anlises confirmaram a monofilia desta famlia que, de certo modo, j era considerada bem estabelecida. e. Melittidae s.str., Dasypodaidae, Meganomiidae: estas trs famlias tinham sido, at ento, tratadas como um nico grupo, Melittidae s. lato. Apesar de possurem lngua curta, vrias outras caractersticas morfolgicas apontam sua relao estreita com as abelhas de lngua longa (Megachilidae e Apidae) e, de fato, nas anlises de Alexander & Michener (1995), estes grupos formaram um grado na base do ramo das abelhas de lngua longa, o que os levou a colocar cada um dos subgrupos em uma famlia parte. Mais recentemente, Michener (2000) voltou atrs, por achar prematura a adoo de um nmero elevado de famlias para um grupo to pequeno, e passou novamente a adotar uma classificao em que estes trs grupos aparecem subordinados a Melittidae s. lato. f. Megachilidae: a composio desta famlia foi pouco alterada com as anlises de RoigAlsina & Michener, exceto por fornecer ampla evidncia para a incluso de Fideliinae, at ento tratada como uma famlia parte, como o grupo mais basal de Megachilidae s. lato. g. Apidae: at pouco tempo considerada como contendo apenas as abelhas corbiculadas (isto , a tribo Apini deste livro), o escopo de Apidae foi bastante alterado pelas anlises de Roig-Alsina & Michener. Na verdade, as anlises revelaram, com poucas excees, um arranjo muito semelhante ao proposto por Michener (1944). Anthophoridae, por muito tempo reconhecida como um grupo parte, foi novamente subordinada a Apidae. A tribo Ctenoplectrini, anteriormente tratada como parte de Melittidae ou um grupo isolado (Ctenoplectridae) por causa de sua lngua curta, foi corretamente reconhecida por RoigAlsina & Michener como parte de Apidae. Como exposto acima, as investigaes conduzidas por Roig-Alsina & Michener e Alexander & Michener permitiram uma ampla reavaliao da classificao dos grandes grupos de abelhas, bem como a proposio, em bases mais seguras, de txons com composio mais natural. Por outro lado, as anlises de Alexander & Michener, de maneira geral, contriburam pouco para resolver as relaes filogenticas entre as principais linhagens de abelhas. Conseqentemente, uma discusso mais aprofundada e menos especulativa dos padres de evoluo e diversificao das abelhas fica comprometida pela baixa resoluo obtida por eles e algumas das hipteses relacionadas diversificao das abelhas no podem ser adequadamente avaliadas. Este o caso da hiptese segundo a qual Colletidae ocuparia uma posio mais basal por ser o nico grupo de abelhas a preservar a glossa bilobada. Este um carter plesiomrfico, substitudo em todas as demais abelhas por lnguas pontiagudas (p. ex. Michener, 1944, 1974). Entretanto, no estudo de Alexander e Michener, todos os grupos de abelhas de lngua curta, com exceo de Andrenidae, apareceram como a linhagem mais basal em pelo menos uma das anlises. H tambm dificuldade para testar outra hiptese, amplamente aceita entre os melitlogos, de que as abelhas teriam passado por duas grandes radiaes adaptativas (p.ex. Michener, 1974): durante a primeira, contempornea s primeiras angiospermas portadoras de flores de corola rasa e ampla, ter-se-iam originado as famlias de lngua curta (Colletidae, Stenotritidae, Halictidae, Andrenidae, Dasypodaidae, Meganomiidae e Melittidae); na segunda, associada a uma possvel coevoluo com plantas de flores tubulares, teriam surgido as famlias de lngua longa (Megachilidae e Apidae). Entre os quatro arranjos alternativos que Alexander & Michener (1995) encontraram para as relaes entre os grupos basais de abel