revolução cultural no direito: gramsci e o direito alternativo - mauro alves correa

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M  AURO  A LVES CORRÊA  R EVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO: GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito. Orientador: Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer. BRASÍLIA  2004

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8/14/2019 Revolução Cultural no Direito: Gramsci e o Direito Alternativo - Mauro Alves Correa

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M AURO A LVES CORRÊA  

R EVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO:GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO 

Monografia apresentada à Bancaexaminadora da Universidade Católica deBrasília como exigência parcial para obtençãodo grau de bacharelado em Direito.

Orientador: Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer.

BRASÍLIA  2004

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M AURO A LVES CORRÊA  

R EVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO:GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO 

Monografia apresentada à Bancaexaminadora da Universidade Católica deBrasília como exigência parcial paraobtenção do grau de bacharelado em Direitosob a orientação do Professor M. Sc. MarcosBemquerer.

  Aprovada, com louvor, pelos membros da banca examinadora em 19 de novembro de

2004, com menção 10,0 (dez).

PresidenteProf. M. Sc. Marcos BemquererUniversidade Católica de Brasília

IntegranteProf.ª Dr.ª Arinda Fernandes

Universidade Católica de Brasília

IntegranteProf. Dr. José Eduardo Sabo

Universidade Católica de Brasília

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Dedico a presente obra à Virgem do Bom Sucesso,de Quito, Equador....

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  Agradeço ao Procurador-Chefe do Estado de Goiás em Brasília, Dr. Ronald Bicca, pelo apoionesta reta final; 

ao Professor Dr. Luiz Fernando Witacker 

Kitajima e Ricardo Dip pela revisão do texto; e, pela orientação dispensada, ao Professor M.Sc.

 Marcos Bemquerer e Mário Jorge Panno.

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O erro capital na questão presente é crer que as 

duas classes são inimigas natas uma da outra.Como se a natureza tivesse armado ricos e pobres   para se combaterem mutuamente num dueloobstinado (Leão XIII ).

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  A BSTRACT 

CORRÊA, Mauro Alves. Revolução cultural no direito: Gramsci e o direito

alternativo. 2004. 91 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdade deDireito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2004.

 Through the last centuries, the western society was corroded on its principles by aseries of doctrines. It is a destructive process that shows unmistakable consequences,such as moral and social dissolution, the struggle among social classes and theexplotation of traditional institutions by political and ideological interests. AntonioGramsci conceived new methods of revoluctionary action. He proposed a large scale

psychological offensive, in order to reform mentalities and eliminate the existantcultural heritage, and replace them in the popular thinking by a socialist commonsense. Thus he believed that he was preparing remotely the terrain for a politicalpower overtaking. This strategy was hosted by a left hopeful in imprint new impulseon their advance for the power domination. The alternative law inserts itself in thisspinning wheel, with the incumbence of applying in the law field the Gramscianstrategies and convert the law spheres in a powerful tool for cultural revolution andanother way to seize the power.

Key words: law, alternative law, alternative usage of the law, civil society, hegemony,common sense, power overtaking, revolution, cultural revolution, revolutionary process, Gramsci.

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 SUMÁRIO 

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................. 10 

C APÍTULO 1  –  DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO .................................................................. 12 1.1 Das profundidades da Revolução ............................................................................................ 14 1.2 Do Humanismo e da Renascença ........................................................................................... 15

 1.3 Das Três Revoluções: Protestante, Francesa e Comunista. ............................................ 18 1.4 Do fenecimento e das mudanças de rumo do processo revolucionário ....................... 26 1.5 O gramscismo e as esquerdas no Brasil ................................................................................ 27 

C APITULO 2  –  D A REVOLUÇÃO CULTURAL GRAMSCIANA ................................................... 31 2.1 Linhas gerais sobre a vida de Antonio Gramsci .................................................................. 31 2.2 Da diferenciação entre sociedades ocidentais e orientais ................................................ 33

 2.3 Sociedade civil: arena da revolução cultural ........................................................................ 35 2.4 Da hegemonia................................................................................................................................ 37 2.5 Da distinção entre direção e domínio .................................................................................... 39 2.6 Da reforma do senso comum ..................................................................................................... 41 2.7 Dos intelectuais orgânicos ......................................................................................................... 45 2.8 Liberdade e democracia em Gramsci .................................................................................... 47 

2.8.1 Do conceito de liberdade ..................................................................................................... 48 2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do

intermezzo democratico.................................................................................................................. 49 2.9 Gramsci e Maquiavel .................................................................................................................. 51 2.10 Considerações gerais................................................................................................................. 52 

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C APÍTULO 3  –  D A DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO INTEGRAL DO DIREITO .............. 53 3.1 A concepção do direito na Idade Média ................................................................................ 54 3.2 A hipertrofia da vontade em Scot e Ockam .......................................................................... 56 3.3 Um novo personagem: o legista .............................................................................................. 57 3.4 A degenerescência representada por Maquiavel ................................................................ 57 3.5 O despotismo jurídico de Hobbes .......................................................................................... 58 3.6 Influências da Revolução Protestante.................................................................................... 59 3.7 Grotius: o direito como fonte de si mesmo .......................................................................... 60 3.8 A Escola moderna do Direito Natural ................................................................................... 60 3.9 O contratualismo de Rousseau ................................................................................................ 61 3.10 O individualismo jurídico de Kant ........................................................................................ 62 3.11 A desjurisdização do direito .................................................................................................... 63 

C APÍTULO 4  –  D A REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO ................................................... 66 4.1 Um movimento de essência ideológica ................................................................................. 66

4.2 A razão do rótulo direito alternativo ...................................................................................... 68

4.3 O direito: importante intrumento a serviço da revolução ................................................ 70

4.4 A linguagem alternativista e as categorias gramscianas................................................... 72

4.5 Sociedade civil : movimentos sociais e direito alternativo ................................................ 72

4.6 Reforma do senso comum: alterar a noção do justo............................................................ 76

CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 82 

R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 85

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 INTRODUÇÃO 

O número dos adeptos conscientes e declarados do gramscismo é pequeno, mas isto não impede que ele seja dominante. O gramscismo não é um partido

  político, que necessite de militantes inscritos e eleitores fiéis. É um conjunto de atitudes mentais,que pode estar presente em quem jamais ouviu 

  falar de Antonio Gramsci, e que coloca oindividuo numa posição tal perante o mundo que ele passa a colaborar com a estratégia gramsciana 

mesmo sem ter disto a menor consciência  (Olavode Carvalho). 

O jornalista e filósofo Olavo de Carvalho e o professor Carlos Nelson

Coutinho têm se notabilizado nos meios intelectuais como profundos conhecedores da

estratégia revolucionária de Antonio Gramsci. Mesmo embora divergentes em seus

pontos de vista, ambos concordam com o fato de que as teorias engendradas peloideólogo sardo vêm sendo aplicadas de forma bem sucedida no Brasil.

Não obstante, há uma parcela considerável da população instruída que sequer

faça idéia do tipo de assunto tratado por Gramsci. Nos meios jurídicos, o quadro não

é muito diferente, mas conta com a ressalva de um grupo que tem estudado a fundo a

estratégia gramsciana: os adeptos do direito alternativo.

  Ao longo da década de 90 o Movimento do direito alternativo foi alvo deacalorados debates, polêmicas e discussões. Objeto de simpatia e rejeição. Ainda hoje

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está cercado de inúmeras controvérsias, a respeito de sua essência, seus objetivos,

métodos. Adiciona-se agora a este mistifório mais um elemento: a aproximação de

Gramsci. Qual a justificativa dessa convergência?

No centro da teoria estratégica revolucionária proposta por Gramsci está a

idéia de realizar uma operação psicológica de grande envergadura. Que ao mesmo

tempo em que é sutil, também é dominadora, porque não deverá desprezar nenhuma

oportunidade, nenhuma aliança, nenhum canal de ação. Um recuo do debate aberto e

explícito, para a zona profunda da influência, em que as idéias são rebuçadas para

evitar possíveis reações. Gramsci afirma a necessidade de se amestrar o povo para o

socialismo antes mesmo da tomada do poder, por meio de uma revolução que seja

capaz suprimir o arcabouço cultural de uma sociedade e inserir em seu lugar um modo

de pensar, sentir e agir, que, além de não se opor, possa colaborar com o

estabelecimento do Estado socialista que se deseja implantar.

Por que os integrantes do direito alternativo se têm interessado tão vivamente

por essas idéias? Quereriam aplicá-las ao direito? Para descobri-lo, é que nos lançamos

à presente pesquisa. Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito. Mas este fatonão afasta a possibilidade de existência de um movimento jurídico de índole

gramsciana. A razão é simples: ele era enfático em apresentar sua tática como total, ou

seja, todos os meios possíveis devem ser utilizados.

Cremos na necessidade de um perfeito embasamento histórico e filosófico

para situar no tempo e no espaço o advento da estratégia gramsciana. Por esse motivo

foi redigido o primeiro capítulo, o qual constituirá praticamente uma segundaintrodução. Só então, analisar-se-á um pouco mais detidamente o fundo da estratégia

de Antonio Gramsci – objeto do segundo capítulo; as influências doutrinárias de que o

direito foi objeto, nos últimos séculos – terceiro capítulo. Finalmente, no quarto

capítulo, é que se poderá investigar a possível tentativa de inserção do gramscismo no

direito, pelos partidários do direito alternativo.

Realizando esta modesta empresa, acreditamos estar contribuindo para que se

melhor conheça as idéias que circulam nos bastidores e movem os personagens deste

nosso cenário jurídico.

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Capítulo 1DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO 

 As muitas crises que abalam o mundo hodierno – do Estado, da família, da economia, da cultura,etc. – não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental. Que tem como campo de ação o próprio homem  (Plinio Corrêa deOliveira).

SUMÁRIO:  1.1 Das profundidades da Revolução. 1.2 Do Humanismo eda Renascença. 1.3 Das três revoluções: Protestante, Francesa eComunista. 1.4 Do fenecimento e das mudanças de rumo do processorevolucionário. 1.5 O gramscismo e as esquerdas no Brasil. 

  Vistos superficialmente, os acontecimentos dos nossos dias parecem um

emaranhado caótico e inextrincável, e de fato o são sob muitos aspectos. Algum

observador desatento pode ser levado a considerar que se trata de conturbações isoladas

e desconexas, de um conjunto de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente

em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais ou menos relevantes.

Entretanto, podem-se discernir resultantes, profundamente coerentes e

 vigorosas, da conjunção de tantas forças desvairadas, desde que estas sejam analisadas

a partir da perspectiva ampla de um processo histórico. Por essa razão, configura um

equívoco tratar da revolução cultural e de seus efeitos no mundo jurídico, como umfato isolado, perdido e desprovido de causas remotas.

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Um traço essencial une o objeto da presente pesquisa a vários dos

acontecimentos históricos de grande relevância nos últimos séculos: a busca por uma

igualdade cada vez mais niveladora.

Essa tônica igualitária é que tem movido os grandes golpes que a civilização

ocidental sofreu nos últimos cinco séculos. Marcha igualitária de efeitos tão

avassaladores que, por exemplo, Aléxis de Tocqueville (1991), em várias de suas obras,

faz referência a esse processo igualitário, o qual ele considera inevitável.

Plinio Corrêa de Oliveira, professor catedrático de História Moderna e

Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em sua obra

Revolução e Contra-Revolução, descreve, com admirável capacidade de síntese, os

grandes acontecimentos históricos a partir do fim da Idade Média, evidencia o seu

nexo de continuidade e diagnostica as origens do conjunto de crises hodierno, o qual

ele denomina “Revolução”. Afirma na introdução de seu livro:

 A sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade queinspirou – não seria certo dizer um sistema – mas toda uma cadeiade sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundointeiro, decorreram as três grandes revoluções da História doOcidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e oComunismo.

O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação deque a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive eprincipalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É oaspecto igualitário da Revolução.

  A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela nãoaceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, sejadivina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal daRevolução.

  Ambos os aspectos, que têm em última análise um carátermetafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas seconciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que umahumanidade, altamente evoluída e “emancipada” de qualquerreligião, vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e emuma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquerdesigualdade ( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.13-14).

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1.1 D AS PROFUNDIDADES DA R EVOLUÇÃO 

Esse processo é feito de etapas. Mas não deve ser visto como uma seqüência

toda fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Ele

não se compõe apenas de episódios sucessivos, atingindo o campo religioso, político,

social e econômico. Em sua marcha, o processo revolucionário apresenta

profundidades diversas, afetando as tendências, as idéias, e as instituições: Explica o

Prof. Corrêa de Oliveira (1998, p.39):

Podemos distinguir na Revolução três profundidades, quecronologicamente até certo ponto se interpenetram. A primeira, istoé, a mais profunda, consiste em uma crise nas tendências. Essastendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam porrealizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisasque lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, osmodos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logotocar de modo direto – habitualmente, pelo menos – nas idéias.

Essa noção, de como a revolução nas tendências opera, será muito útil para

que se possa compreender especificamente a estratégia gramsciana. Com efeito,

Gramsci dedicou-se a disciplinar um método de ação que atuasse especialmente nessa

esfera. Bem consolidada a revolução tendencial, ter-se-ia pavimentado o caminho para

as etapas subseqüentes. Corrêa de Oliveira (Ibid.) explica como as realizações passarão

das tendências às idéias e aos fatos:

Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico.

Com efeito – como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebreobra le Démon du midi – “cumpre viver como se pensa, sob pena demais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”. Assim,inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinasnovas eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um modus vivendi  com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas umsimulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romperem luta declarada.

Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terrenodos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, atransformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto naesfera religiosa, quanto na sociedade temporal.

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sua verdadeira explicação.

Esta crise anunciava-se já desde há várias décadas. Mesmo nomundo cristão tão vigoroso e tão sólido do século XIII podiam já

observar-se sinais precursores do declínio. E, a partir de 1350, taissinais vão multiplicar-se. A crise afetará simultaneamente, nohomem, a consciência, a inteligência e a sensibilidade. Aquela forçade gravidade que tantas vezes, no decorrer dos séculos, puxou osbatizados para baixo, de novo se exerce agora e arrasta as suasnaturais conseqüências. Mas o pior é que já não há um Gregório  VII,nem um São Bernardo, nem um São Domingos, nem um SãoFrancisco de Assis para lançarem mão da alma oprimida e aforçarem a elevar-se de novo para o ideal. [...]

Estranha época é essa em que se realiza esta marcha para o abismo.

[...] Em todos os domínios, tudo se modifica e tudo se desmembra;os sistemas opõem-se aos sistemas, os dogmatismos novos aosdogmatismos antigos, e o rigor das fórmulas dificilmente esconde aincerteza e a angústia. Tudo se torna, cada vez mais, presa dumadolorosa fermentação. É no plano posterior destes obscuros dramasdos espíritos e das almas que é preciso ver desenrolar-se as grandescenas que a história reteve. ( DANIEL-ROPS, 1962, p.131).

Com efeito, não poucos historiadores vislumbram nessa época o prelúdio de

todo o paulatino processo de transformações que viria posteriormente. ORenascimento gerou uma série de disposições íntimas, que proporcionou uma

transição muito mais tendencial que ideológica. “Este novo estado de alma continha

um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de

coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos séculos XII e XIII”

( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27).

Em todos os campos da vida operou-se uma profunda transformação, na qual

se manifestaram os mais rudes contrastes, de modo que o político e o social, a

literatura e a arte, e os próprios assuntos eclesiásticos achavam-se em estado de

fermentação que pressagiava a aurora de um novo período ( PASTOR , 1905, v.5, p.49).

Não há dimensão da existência humana que se veja desafetada desse clima.

Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo crescente por

uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas

manifestações de sensualidade e moleza. A procura e o culto da riqueza, o

nacionalismo, o amor ao luxo e à carne se estendem por todas as classes sociais

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( FAURE, 1969, p.9-10, 107). Tudo o que se observa é um contínuo deperecimento da

seriedade e da austeridade dos antigos tempos.

  A cavalaria, uma das mais altas expressões da austeridade cristã, se tornaamorosa e sentimental. A figura feminina, a dama, é agora a sua motivação numa

época pacificada em que a maior preocupação está nas exibições em torneios. O ideal

cavalheiresco, que era servir a Deus, à Igreja, e àqueles a quem a desgraça perseguir, se

não foi totalmente esquecido, já não está muito na moda. A “defesa da justiça e do

direito”, trecho da oração rezada no dia da investidura de armas, tornara-se letra morta

( CLINCHAMPS, 1965, p.88-91).

Como não poderia deixar de ser, a intelectualidade não permanecera imune a

essa mentalidade nova:

  Tal clima, penetrando nas esferas intelectuais, produziu clarasmanifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas e

 vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições fátuas de erudição,e lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara aEscolástica, e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade daFé, renasciam em aspectos novos ( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27).

“Procurando muitas vezes não colidir de frente com a velha tradição medieval,

o Humanismo e a Renascença tendera a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores

morais da Religião, a um segundo plano”  (Ibid.). A admiração exarcebada pela

 Antigüidade, que não raro beirava o ridículo, era apenas uma expressão do divórcio

entre a ordem medieval e as mentalidades e idéias agora imperantes. O escritor francês

Lucas-Dubreton (s.d., p.192-194) a esse respeito chegou a afirmar:

O que é verdade, é que, entre os humanistas e a Igreja, existe, se nãooposição aberta, pelo menos aversão tácita. Os florentinos,defensores da Antigüidade, imaginam ter renovado a face do mundo,arrancado a filosofia às divagações dos escolásticos, mas narealidade, apenas andam à roda noutro círculo; enfiam palavras,multiplicam as apóstrofes, as citações, incham os períodos, só sepreocupam com a forma e não contam com o fundo para nada; tudoé bom desde que cheire a grego ou latim. Tornaram-se escravos dosantigos, sujeitaram tão bem a liberdade da sua inteligência, que não

somente não querem afirmar nada que seja contrário aos pontos de vista dos antigos, como ainda não ousam avançar seja o que for quenão tenha sido dito por eles.

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  verificado em outros lugares. Ali fermentavam desde muito tempo elementos de

revolta religiosa. Isso fez com que a ruptura do Humanismo e do Renascimento com a

tradição medieval, nos povos germânicos, derivasse em rompimento com a Igreja e o

Papado ( ONCKEN, 1929, v.19, p.111).

Enquanto grassavam o paganismo e a amoralidade, estava ausente uma dessas

grandes personalidades capazes de interromper o colapso e retomar os rumos

originais. O resultado imediato foi a eclosão da Revolução Protestante.

Os esforços por uma Renascença cristã não lograram esmagar emseu germe os fatores de que resultou o triunfo paulatino do

neopaganismo.Em algumas partes da Europa, este se desenvolveu sem levar àapostasia formal. Importantes resistências se lhe opuseram. Emesmo quando ele se instalava nas almas, não lhes ousava pedir – deinício pelo menos – uma formal ruptura com a Fé.

Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a Igreja. Oorgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vidapagã, suscitaram o protestantismo.

O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame, à

interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreiçãocontra a autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pelanegação do caráter monárquico da Igreja Universal, isto é, pelarevolta contra o Papado. Algumas, mais radicais, negaram também oque se poderia chamar a alta aristocracia da Igreja, ou seja, osBispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio sacerdóciohierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor

 verdadeiro do poder sacerdotal.

No plano moral, o triunfo da sensualidade no protestantismo se

afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela introdução dodivórcio ( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27-28).

 A Revolta luterana, longe de ser meramente moral e religiosa, fez sentir seus

efeitos nos mais diversos campos. “No protestantismo nasceram algumas seitas, indo

mais longe, adotaram princípios que, se não se chamarem comunistas em todo o

sentido hodierno do termo, são pelo menos pré-comunistas” (Ibid., p.30).

O insuspeito historiador protestante Franz Funk-Brentano (1943, p.175) relata

a revolta luterana na Turíngia: liderado pelo Frade Thomaz Münzer, um bando de

mais de 300.000 homens armados começaram a tomar os bens dos conventos. A

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pilhagem se estendeu depois às propriedades leigas. 295 castelos e mosteiros foram

saqueados sob a ordem de se degolar todos os que se opusessem à partilha forçada.

“Que o alfanje, tinto de sangue, não tenha tempo de esfriar. Batei na bigorna: pink!

Ponk! Matai tudo!” ( FUNK -BRENTANO, 1943, p.176 et seq.) – era um dos brados da

revolta. Mais tarde Lutero, “esse reformador, que continuamente tem o evangelho nos

lábios, não fala senão em degolar, torturar, incendiar, matar esses mesmos que sua

obra precipitou na rebelião. Vozes autorizadas atiravam-lhe rudemente em face que ele

era o causador da rebelião” (Ibid.). O mesmo Funk-Brentano (Ibid.) narra o desfecho

das perturbações:

Os historiadores calcularam aproximadamente em 100.000 o númerode infelizes, que foram condenados à morte. Os fidalgotes

  vencedores achavam engraçado, pelo testemunho de um deles,divertir-se em jogar bola com cabeças de suas vítimas.

Lutero escrevia: “porque razão, pergunta-se, esmagar os camponesescom tal violência? – Que sejam todos mortos! Deus reconhecerá osinocentes, se os há entre eles” (Carta a Amsdorf, 30 de maio de1525). “também em circunstâncias semelhantes não é o próprioDeus que, por nossas mãos, enforca, tortura, fulmina e decapita?”

  A ação profunda do Humanismo e da Renascença entre os católicos não

cessou de se dilatar numa crescente cadeia de conseqüências, em toda a França.

Favorecida pelo enfraquecimento da piedade dos fiéis – ocasionadopelo jansenismo e pelos outros fermentos que o protestantismo doséculo XVI desgraçadamente deixara no Reino Cristianíssimo – talação teve por efeito no século XVIII uma dissolução quase geral doscostumes, um modo frívolo e brilhante de considerar as coisas, um

endeusamento da vida terrena, que preparou o campo para a vitóriagradual da irreligião. Dúvidas em relação à Igreja, negação dadivindade de Cristo, deísmo, ateísmo incipiente foram as etapasdessa apostasia.

Profundamente afim com o protestantismo, herdeira dele e doneopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou umaobra de todo em todo simétrica à Pseudo-Reforma. A IgrejaConstitucional que ela, antes de naufragar no deísmo e no ateísmo,tentou fundar, era uma adaptação da Igreja da França ao espírito doprotestantismo. E a obra política da Revolução Francesa não foi

senão a transposição, para o âmbito do Estado, da “reforma” que asseitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organizaçãoeclesiástica:

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mundo novo em “tudo, já e para sempre” – estava a ponto derealizar o que muito caracteristicamente, escrevera um dos seus maisdestacados precursores, Diderot: “As suas mãos, tecendo asentranhas do padre, fariam delas uma corda para [enforcar] o último

dos reis” ( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1993, p.229).

Um dos ardis mais bem sucedidos da Revolução Francesa consistiu

precisamente em lançar na confusão muitos espíritos simples e desprevenidos,

rotulando com palavras honestas e até louváveis uma congérie monstruosa de erros

doutrinários e de acontecimentos criminosos.

Dessa forma, muitos desses espíritos “eram levados a admitir que as doutrinas

da Revolução Francesa eram boas na sua raiz, se bem que, na maior parte, os fatos

revolucionários hajam sido duramente reprováveis” (Ibid., p.228). Outros, entendiam

“que as doutrinas geradoras de tais fatos não podiam ser menos reprováveis do que

estes, deduzindo daí que a trilogia inculcada como síntese dessas doutrinas perversas

era, ela também, digna da mesma repulsa”. Corrêa de Oliveira (Ibid., p.228-229)

continua sua explanação:

O modo de considerar a Revolução distinguindo diversos matizespressupõe, implícita ou explicitamente, que esta distinção só seja

 válida na apreciação do fenômeno revolucionário desde que se tomeem conta que na mente até dos mais dulçorosos analistas deste, aomesmo tempo em que havia reais desígnios de moderação, haviacontraditoriamente indulgências inexplicáveis e por vezes até nítidassimpatias para com os crimes e os criminosos da Revolução.

Esta presença simultânea de pendores de moderação e deconivências revolucionárias na mentalidade do “moderados” e ao

longo das diversas etapas da Revolução levou um dos mais fogososapologistas do fenômeno revolucionário – Clemenceau – a esquivaras acusações de contraditória que daí lhe advinham afirmandosumariamente que “la Revolution est um bloc ”, no qual fissuras econtradições não passariam de aparências.

Ou seja, a Revolução – fruto de uma miscelânea de propensões,doutrinas e programas – não pode ser louvada nem censurada se foridentificada tão-só com um dos seus matizes ou etapas, em vez deconsiderá-la sob este aspecto de miscelânea que salta aos olhos.

Em 1845, é o próprio Marx que encontra um predecessor em Babeuf, nasclássicas linhas da obra intitulada Sagrada  Família :

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O movimento revolucionário que teve início em 1789 no CírculoSocial, em que figuraram como representantes principais, em meio àsua evolução, Leclerc e Roux, e terminou sucumbindo logo com aconspiração de Babeuf, fizera florescer a ideologia comunista que

Buonarroti, o amigo de Babeuf, reintroduziu na França depois darevolução de 1830. Tal idéia, desenvolvida em todas as suasconseqüências, constituiu o princípio do mundo moderno (apudFURET, 1989, p.191).

 Assim, “da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista de Babeuf. E

mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da Revolução, irromperam as escolas do

comunismo utópico do século XIX e o comunismo dito científico de Marx” ( CORRÊA

DE OLIVEIRA, 1998, p.30):

Com a entrada em cena de Karl Marx, auxiliado por Engels, ascorrentes revolucionárias encontraram nas teorias de ambos umasistematização filosófica e um método de análise para iniciar umprocesso que levasse a utopia à prática. Foi o chamado socialismocientífico ou comunismo. Daí nasceu o movimento internacionalpara realizar a revolução socialista. De seu seio saíram os líderes dopartido bolchevique russo que, com Lenine à cabeça, fizeram arevolução que transformaria a Rússia, a partir de 1917, na Meca do

socialismo mundial. Em 1919 este movimento marxista teve suaprimeira grande divisão. Aglutinara-se na Internacional Comunista,fundada pouco antes por Lenine, aqueles que aderiram à tese detomada do poder pela violência, proposta pelo líder russo. Quemconsiderava impossível tomar o poder no Ocidente e derrubar aordem capitalista vigente com a rapidez e a violência da revoluçãobolchevique, passaram a chamar-se simplesmente socialistas . Estavadefinida assim a Internacional Socialista, distinta da InternacionalComunista dirigida por Lenine. Anos mais tarde, o dirigentesoviético Trotsky daria origem a uma terceira facção dentro do

marxismo: foi a corrente anarco-bolchevique, que acusava Stálin decaminhar muito lentamente para a meta comunista, isto é, a utopiarevolucionária. Meta que também é o objetivo das correntesanarquistas propriamente ditas, ou libertárias. Deste modo,socialistas, comunistas e anarquistas, compartindo uma origemdoutrinária comum, mas se diferenciando nos métodos de ação,mantiveram-se unidos na aspiração de uma mesma meta final,radicalmente igualitária e libertária [grifo do autor] ( SEDTFP  –  COVADONGA, 1988, p.143).

  A Revolução vitoriosa na Rússia em 1917, ultrapassou todas as suas

predecessoras em perversidade. De lá ela se irradiou para um sem-número de nações

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em todos os cantos do planeta, alcançando uma cifra extraordinária de 100 milhões de

 vítimas nos países em que se instalou. Número, aliás, minimizado, uma vez que tem

por base unicamente os registros oficiais de Moscou. O pesquisador Luis Dufaur

(2000, p.27), ao comentar o lançamento no Brasil do Livro Negro do Comunismo tece a

seguinte observação:

  A erudição é esmagadora, e a realidade retratada, estarrecedora.Segundo os cálculos, o comunismo é responsável por cerca de 100milhões de mortos. Só na China somam 63 milhões, e na Rússia 20milhões. E isso apesar de os autores minimizarem as cifras.Exemplos: a Comissão sobre Repressão do governo russo concluiuque os bolchevistas mataram pelo menos 43 milhões de pessoasentre 1917 e 1953. Na Coréia do Norte, segundo a agência católicaZenit, o comunismo matou de fome 3,5 milhões, sete vezes mais doque os autores informam.

Courtois (apud DUFAUR , 2000, p.28), coordenador da equipe de antigos

militantes socialistas, responsáveis pelo levantamento histórico do Livro Negro do

Comunismo, explica que a emulação com a Revolução de 1789 é que moveu os

revolucionários vermelhos. Robespierre abriu o caminho, Lenine e Stálin lançaram-se

nele, os Khmers Vermelhos do Camboja bateram recordes genocidas. Para todos eles,

a utopia igualitária e libertária tudo justificava. Exterminar milhões não importava, em

sua opinião, porque assim nasceria um mundo novo, fraternal, para um homem novo

liberto da canga da hierarquia e da lei.

No Camboja, por exemplo, “os guerrilheiros vermelhos exterminaram mais de

um quarto da população nacional. Logo após a conquista da capital, Phnom Penh,

metade dos habitantes do país foi impelida para as estradas” (Ibid., p.30). Ninguém erapoupado:

Doentes, anciãos, feridos, ex-funcionários, militares, comerciantes,intelectuais, jornalistas eram chacinados no local. 41,9% doshabitantes da capital foram eliminados nessa ocasião. Para pouparbala ou por sadismo, matava-se com instrumentos contundentes(Ibid.).

Lindenberg (1999, p.54), explica que o fundamento essencial do movimentosocialista é a crença de que o conceito de igualdade em si mesmo é metafisicamente

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superior ao conceito de desigualdade. O autor mostra ainda que, “entre liberdade e

igualdade há uma contradição ‘in terminis   ’  ”, porque subjacente ao conceito de

liberdade “está a manifestação de todas as diversidades inerentes à natureza humana

[...]. Na medida em que tal conceito de igualdade é coercivo, sugere-nos

implicitamente uma ação destinada a anular, à partida, todas as desigualdades entre

os homens.” ( LINDENBERG,  1999, p.54). E assim, vêm à memória, a série de atos

perpetrados sob os totalitarismos tendentes a eliminar essas desigualdades. O próprio

Lindenberg (Ibid., p.55) comenta:

Consideramos oportuno relembrar por exemplo as imagens trágicas

da ocupação do Cambodja pelos comunistas de Pol Pot, ou osexcessos cometidos durante a Revolução Cultural Chinesa. Sãoexemplos impressionantes do radicalismo marxista que revelam aface horrenda, mas no fundo verdadeira, da ideologia socialista,caracterizada pela aversão a tudo quanto é elevado, nobre, desigual.

 A humilhação trocista – a expressão não podia ser mais adequada – dos proprietários de terras, comerciantes, professores e profissionaisna China, veio mostrar a um mundo atônito e horrorizado que oobjetivo último da fúria revolucionária, não era o mero nivelamentosocial e econômico, mas sim uma total inversão de valores. Alguém

com uma situação econômica superior era humilhado e aviltado comum castigo quid pro quo em função da sua condição social anterior.

Em toda essa lógica, o que estaria pela frente? Corrêa de Oliveira (1998, p.30)

arrisca vaticinar o panorama vindouro:

E o que de mais lógico? O deísmo tem como fruto normal o ateísmo.  A sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio,tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda

superioridade, haveria de investir contra a última desigualdade, isto é,a de fortunas. E assim, ébrio de sonhos de República Universal, desupressão de toda autoridade eclesiástica ou civil, de abolição dequalquer Igreja e, depois de uma ditadura operária de transição,também do próprio Estado, aí está o neobárbaro do século XX ,produto mais recente e mais extremado do processo revolucionário.

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1.4  DO FENECIMENTO E DAS MUDANÇAS DE RUMO DO PROCESSO

REVOLUCIONÁRIO 

 Apesar de seu apogeu internacional, – tanto na extensão de seu domínio como

na expansão de sua doutrina – o comunismo começa a dar mostras de declínio no seu

poder persuasório e de proselitismo. Largos setores da opinião pública em todo o

Ocidente se tornam infensos à sua doutrinação explícita e categórica. Especialmente a

partir da segunda metade do século XX , vai tornando-se mais patente o decrescimento

do poder persuasivo da dialética e da propaganda comunista – integral e ostensiva

( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.163-166).

 A violência – método direto e fulminante, do qual os mentores do comunismo

esperavam obter, com o mínimo de riscos de fracasso, o máximo de resultados, no

mínimo de tempo – foi dando aos revolucionários vantagens cada vez menores.

Malogros sucessivos começavam a se acumular, como, por exemplo, o das guerrilhas

disseminadas por Cuba na América Latina ( ROLLEMBERG, 2001.).

  Tornava-se necessária uma mudança de estratégia. Começa então um

movimento de câmbio: mesmo embora nascido necessariamente da luta de classes, e

 voltado por sua própria lógica interna para o uso da violência exercida por meio de

guerras e revoluções, o socialismo recua, dissimula seu rancor, utiliza-se do sorriso.

Não extingue a violência, mas a transfere do campo de operações do físico e palpável,

para o das atuações psicológicas impalpáveis. Seu objetivo: “alcançar, no interior das

almas, por etapas e invisivelmente, a vitória que certas circunstâncias lhe estavamimpedindo conquistar de modo drástico e visível, segundo os métodos clássicos”

( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p. 163).

Essa mudança de método tem um marco simbólico: a rebelião estudantil da

Sorbone, em maio de 1968. É a partir de então que numerosos autores socialistas e

marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de revolução

prévia às transformações políticas e sócio-econômicas, que operasse na vida cotidiana,nos modos de ser, de sentir e de viver ( LOPES; URETA, 2002, passim). O Prof. Plinio

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Corrêa de Oliveira (1998, p.164) mostra os traços essenciais desse novo modo de agir:

Esta revolução, preponderantemente psicológica e tendencial, é umaetapa indispensável para se chegar à mudança de mentalidade que

tornaria possível a implantação da utopia igualitária, pois, sem talpreparação, a transformação revolucionária e as conseqüentes“mudanças de estrutura” tornar-se-iam efêmeras.

 As esquerdas começam a perceber em Gramsci um potencial renovador de

sua estratégia. Suas idéias, em princípio limitadas a restritos círculos locais italianos, só

alcançam difusão na própria Itália, mais de dez anos após a seu falecimento, quando

Palmiro Togliati terminou o projeto de organização temática dos Cadernos do Cárcere ,

em seis volumes que foram publicados sucessivamente entre 1948 e 1950 (  AVELLAR 

COUTINHO, 2002, p.15).

Entretanto, as novas proposições não repercutiram largamente desde logo.

Grande parte dos meios revolucionários ainda estava inebriada do desejo de uma

revolução armada ao estilo da de Outubro de 1917. Empecilhos de ordem prática

proporcionaram que, nas mais variadas partes do ocidente, a idéia de uma revolução

gradual fosse adotada em substituição aos artifícios até então utilizados (os quais nãoforam inteiramente abandonados; veja-se, nesse sentido, o exemplo colombiano).

1.5 O GRAMSCISMO E AS ESQUERDAS NO BRASIL 

No Brasil, as primeiras iniciativas para a publicação de uma tradução dos

Cadernos do Cárcere  têm início em 1962, mas só em 1966 e 1968 foram publicados

quatro dos seis volumes da edição temática italiana. “Reeditados no final da década de

1970, foi esta publicação que introduziu Gramsci à intelectualidade do país, ‘uma 

contribuição muito importante para a formação de um novo espírito revolucionário da 

esquerda brasileira ’ ” [grifo do autor] (Ibid.).

Essa obra foi muito lida, mas, numa atmosfera em que dominava a obsessão

pela tomada violenta do poder, não exerceu influência prática imediata ( CARVALHO,

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O., 1994, p.44). Seu potencial ficou retido até a derrota da luta armada, que provocou,

como não poderia deixar de ser, um impulso generalizado às teses do combate pacífico

e aliancista.

Em busca de uma estratégia pela qual se orientar, não sendo capaz de criar

uma nova e não encontrando no repertório mundial uma outra à sua disposição,

restou àqueles desejosos de realizar uma revolução, aderir a Gramsci. Fizeram-no

“quase que por automatismo, sonambulicamente, levados pela carência de opções”

( CARVALHO, O., 1994, p.44).

Um dos acontecimentos mais significativos no cenário político e da história

nacional nos últimos tempos foi “a conversão formal ou informal, consciente ou

inconsciente da intelectualidade de esquerda à estratégia de Antonio Gramsci” (Ibid.,

p.18). O filósofo e articulista Olavo de Carvalho (Ibid., p.17) relata, em que

circunstâncias ocorreu essa guinada:

 A geração, derrotada pela ditadura militar, abandonou os sonhos dechegar ao poder pela luta armada e se dedicou, em silêncio, a umarevisão de sua estratégia, à luz dos ensinamentos de AntonioGramsci. O que Gramsci lhe ensinou foi abdicar do radicalismoostensivo para ampliar a margem de alianças; foi renunciar à purezados esquemas ideológicos aparentes para ganhar eficiência na arte dealiciar e comprometer; foi recuar do combate político direto para azona mais profunda da sabotagem psicológica. Com Gramsci elaaprendeu que uma revolução da mente deve preceder uma revoluçãopolítica; que é mais importante solapar as bases morais e culturais doadversário do que ganhar votos; que um colaborador inconsciente esem compromisso, de cujas ações o partido jamais possa serresponsabilizado, vale mais que mil militantes inscritos. ComGramsci ela aprendeu uma estratégia tão vasta em sua abrangência,tão sutil em seus meios, tão complexa e quase contraditória em suapluralidade simultânea de canais de ação, que é praticamenteimpossível o adversário mesmo não acabar colaborando com ela dealgum modo, tecendo, como profetizou Lênin, a corda com que seráenforcado.

É possível de se afirmar que o marco da adoção oficial e definitiva de Gramsci

pelas esquerdas no Brasil foi a desmoronamento da Cortina de Ferro. Entretanto, não

nos interessa a discussão a respeito do momento em que a aceitação de Gramsci

torna-se generalizada. O fato é que os mais diversos autores estudiosos do tema,

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adeptos ou não do pensamento gramsciano, são praticamente unânimes em

reconhecer, na atualidade brasileira, a adesão das esquerdas às idéias do ideólogo

italiano. Carlos Nelson Coutinho, professor titular de Teoria Política na Universidade

Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente da International Gramsci Society (IGS) por

exemplo, afirma:

Começa a emergir também no Brasil uma esquerda moderna,disseminada em diferentes partidos e organizações, mas que tem emcomum o fato de ter assimilado uma lição essencial da estratégiagramsciana: o objetivo das forças populares é a conquista dahegemonia, no curso de uma difícil e prolongada “guerra deposições”. Ora, no caso brasileiro, isso significa que a consolidaçãoda democracia pluralista [...], deve ser considerado ponto de partidae, ao mesmo tempo, condição permanente de nosso caminho paraum socialismo democrático [ver item 2.7.2, infra] [grifo do autor]( COUTINHO, 1999, p.218).

Gramsci está atualíssimo no cenário nacional. Presume-se de que, para cada

três teses acadêmico-educacionais, uma faz referência ao pensador sardo (  TAVARES DE

 JESUS, 1989, p.14). “Mas Gramsci está na moda também fora da academia, sendo

reivindicado intensamente no espaço político partidário” (   ARRUDA JÚNIOR , 1995b,p.29). A esse respeito, diz bastante a declaração abaixo, recolhida da página principal

do site Gramsci e o Brasil  dedicado ao pensamento gramsciano e organizado por

nomes como o do Prof. Carlos Nelson Coutinho:

Depois da queda de todos os muros, descobrimos que Gramsci está vivo. Ficamos ainda mais convencidos de que o Brasil é um enormelaboratório político, no qual as categorias gramscianas – e da

esquerda em geral – devem voltar a mostrar sua força analítica e seupoder de convencimento ( COUTINHO; HERIQUES; NOGUEIRA, 2004).

  A afirmação não é de pouca relevância. Indica um rumo, uma direção já

adotada de forma assaz ampla nos cenários intelectual e político pátrios. Digna de

passagem é a opinião de Carvalho (1994, p.18-19) concernente a esse fato:

[...] O Brasil, de fato, tem um descompasso crônico em relação aotempo da História universal. O reconhecimento mundial da débâcle  

do comunismo ecoou neste país – paradoxalmente, segundo a lógicahumana, mas coerente, segundo a linha constante da Histórianacional – como um toque de esperança: chegou a nossa vez de

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conquistar aquilo que já ninguém mais quer.

[...] A geração que atingiu a idade adulta no momento em que aditadura fechava as portas de acesso à vida política está agora com

cinqüenta anos. Ao longo dos últimos trinta ela esperou, planejou,[...] e, sobretudo, leu muito Antônio Gramsci. Que a Revoluçãosocialista já tenha mostrado ao mundo sua verdadeira face, que ela játenha provado cabalmente que não vale a pena , isto pouco interessa.

 A geração dos guerrilheiros fará o que longamente se preparou parafazer. Pouco importa que, pelo relógio do mundo, tenha passado ahora [grifo do autor].

Edmundo Lima de Arruda Júnior (1995c, p.8), um dos corifeus do

alternativismo jurídico, na apresentação da obra que leva o sugestivo título Gramsci: 

Estado, direito e sociedade, afirma estar convencido “de que o marxismo deve ser

revisto, não substituído. Deve ser atualizado, não abolido”. Adiante, esclarece que isso

significa ter o marxismo “como fonte de inspiração e horizonte para ações práticas, e

[para alcançar tal escopo] nada mais vigoroso que o aporte da   filosofia da praxis de

  Antonio Gramsci” [grifo do autor]. Por fim, confiante na eficácia da estratégia

gramsciana, o autor propõe uma difusão mais acelerada do pensamento de Gramsci

junto ao público jurídico. A essa aplicação do gramscismo no direito, nos dedicaremosmais adiante.

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Capítulo 2D A REVOLUÇÃO CULTURAL

GRAMSCIANA  

O gramscismo propõe uma revolução cultural que subverta todos os critérios admitidos doconhecimento, instaurando em seu lugar um “historicismo absoluto”, no qual a função da inteligência e da cultura já não seja captar a verdade objetiva, mas “expressar” a crença coletiva, colocada assim fora e acima da distinçãoentre verdadeiro e falso (Olavo de Carvalho). 

SUMÁRIO:  2.1 Linhas gerais sobre a vida de Antonio Gramsci. 2.2 Dadiferenciação entre sociedades ocidentais e orientais. 2.3 Sociedade   civil :arena da revolução cultural. 2.4 Da hegemonia. 2.5 Da distinção entredireção e domínio. 2.6 Da reforma do senso comum . 2.7 Dos intelectuais orgânicos. 2.8 Liberdade e democracia em Gramsci. 2.8.1 Do conceitode liberdade. 2.8.2 Da democracia  radical , do socialismo democrático e dointermezzo democratico. 2.9 Gramsci e Maquiavel. 2.10 Considerações gerais. 

2.1 LINHAS GERAIS SOBRE A VIDA DE A NTONIO GRAMSCI 

De acordo com dados colhidos do prólogo da obra de Avellar Coutinho

(2002, p.13-16)   A Revolução Gramscista no Ocidente , Antonio Gramsci (1891-1937),

marxista e intelectual italiano, foi na sua mocidade socialista revolucionário e membro

do Partido Socialista Italiano, no seio do qual fez sua iniciação ideológica. Fez-se

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imediato simpatizante da revolução bolchevista de 1917. Em dezembro de 1920

participou do congresso que constituiu a fração comunista do Partido Socialista

Italiano e já em janeiro de 1921, os delegados dessa facção decidiram fundar o Partido

Comunista Italiano. Gramsci, um dos fundadores, vem a fazer parte do Comitê

Central do recém criado partido.

Em outubro de 1922, o PCI entra na ilegalidade, ocorrendo a prisão de vários

dirigentes do partido. Gramsci se encontrava então em Moscou, escapando de ser

detido. Entre 1923 e 1926, apesar das condições adversas na Itália, Gramsci

desenvolveu intensa atividade política no país e na Europa até quando, em novembro

de 1926, os fascistas endureceram o regime a pretexto de um alegado atentado contra

a vida de Mussolini. Na execução de “Medidas Excepcionais”, Gramsci é preso e

processado do que resultou sua condenação, em junho de 1928, a mais de 20 anos de

reclusão.

 Apesar do rigor da Casa Penal de Turim, para onde finalmente fora mandado

para cumprimento de pena, o prisioneiro veio a conseguir cela individual (tendo em

 vista a sua frágil saúde) e recebeu permissão para escrever e fazer leitura regularmente. A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci começa a redigir suas primeiras notas e

apontamentos que vieram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e três cadernos

do tipo escolar. Escreveu até 1935, enquanto sua saúde o permitiu.

Não se tratava de um diário, mas de anotações que abrangiam os mais

  variados assuntos: exercícios de tradução, Filosofia, Sociologia, Política, Pedagogia,

Geopolítica, crítica literária e comentários de diversificados temas. O trabalho nãosegue um esquema prévio, ao contrário, os temas são apresentados fragmentariamente

e sem seqüência lógica, algumas vezes reescritos ou retomados de forma melhorada e

ampliada. Apesar disso, há enorme coerência ao longo dos escritos.

 A redação dos cadernos foi interrompida em 1935, quando o precário estado

de saúde de Gramsci se agravou, do que resultou a sua transferência para clínicas

médicas onde pôde tratar-se em liberdade condicional. Em abril de 1937, já em fase

final de vida, lhe é concedida a plena liberdade, recurso de que se vale o regime fascista

para que o líder comunista não viesse a morrer na prisão, tornando-se um mártir.

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  Após sua morte, Tatiana Schucht, sua cunhada e destinatária de

correspondência no período de prisão, remeteu os Cadernos para Moscou, onde

chegaram às mãos de Palmiro Togliati, líder comunista italiano que se tornou o

responsável pela primeira edição dos Cadernos.

2.2 D A DIFERENCIAÇÃO ENTRE SOCIEDADES OCIDENTAIS E ORIENTAIS  

  A formulação gramsciana nasce da constatação do fato de que a estratégiamarxista-leninista de tomada do poder, vitoriosa na Rússia, “não obteve êxito nos

países europeus (entre 1921 e 1923 na Alemanha, Polônia, Hungria, Estônia e

Bulgária) de economia capitalista e sociedade democrática” (  AVELLAR   COUTINHO,

2002, p.19; GRAMSCI, 2000,  v.3, p.24). As próprias dificuldades de êxito da Revolução

Russa também serviriam de inspiração para Gramsci:

Gramsci estava particularmente impressionado com a violência dasguerras que o governo revolucionário da Rússia tivera de empreen-der para submeter ao comunismo as massas recalcitrantes, apegadasaos valores e praxes de uma velha cultura. A resistência de um povoarraigadamente religioso e conservador a um regime que se afirmavadestinado a beneficiá-lo colocou em risco a estabilidade do governosoviético durante quase uma década [...] ( CARVALHO, O., 1994, p.36).

Isso o levou a criar uma distinção entre sociedades orientais  e ocidentais. 

Denominação que não têm propriamente significado geográfico, mas relação com o

estágio de avanço político, econômico e social em que se encontram os países. Essa

diferenciação permitiu lhe responder à questão do malogro da revolução nos países

ocidentais:

Esse fracasso ocorreu, supõe Gramsci, porque não se levou nadevida conta a diferença estrutural que existe entre, por um lado, asformações sociais do “Oriente” (entre as quais se inclui a da Rússiaczarista), caracterizadas pela debilidade da sociedade civil em

contraste com o predomínio quase absoluto do Estado-coerção; e,por outro, as formações sociais do “Ocidente”, onde se dá umarelação mais equilibrada entre sociedade civil e sociedade política, ou

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seja, onde se realizou concretamente a “ampliação” do Estado( COUTINHO, 1999, p.147).

  Tendo em vista essas diferenças, Gramsci (2000, v.3, p.255-256) identifica

como   guerra de posição, o conjunto de estratégias a serem seguidas em um processo

revolucionário eficaz nas sociedades ocidentais. Diferente da   guerra de movimento 

termo utilizado para designar o método clássico de assalto ao poder, adequado às

sociedades orientais:

O ataque frontal ao Estado para a tomada imediata do poder, com oemprego da violência revolucionária, foi comparada por Gramsci à“guerra de movimento”. É a concepção estratégica leninista que teveêxito na Rússia em 1917 e que se tornou o modelo revolucionáriouniversal da Internacional Comunista Soviética. Esta estratégia teveêxito em países de tipo oriental (Rússia em 1917) e fracassou emoutros de tipo Ocidental (Alemanha em 1923).

Para as sociedades do tipo ocidental, mais complexas e protegidas porforte sistema de “trincheiras” e de “defesas políticas e ideológicas”, a“guerra de movimento” não se mostrara adequada. Nestas sociedades,a luta teria que ser semelhante à “guerra de posição”, longa eobstinada, conduzida no seio da sociedade civil para conquistar cada

“trincheira” e cada defesa da classe dominante burguesa. [...]Esta visualização estratégico-militar transposta para a política,Gramsci foi buscar na experiência da Primeira Guerra Mundial derecente e marcante lembrança, em que as operações, diante doequilíbrio de forças, evoluíram para a desgastante guerra detrincheiras que só seria decidida pela exaustão física e moral de umdos contendores [grifo nosso] (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.34).

 A grande invenção contida na concepção revolucionária da  guerra de posições ,

está na mudança da direção estratégica da tomada do poder. O eixo do plano de açãoconsiste em preparar remotamente as mentalidades para a aceitação das mudanças

futuras, ou nas palavras de Olavo de Carvalho (1994, p.37):

 Amestrar o povo para o socialismo antes de fazer a revolução. Fazercom que todos pensassem, sentissem e agissem como membros deum Estado comunista enquanto ainda vivendo num quadro externocapitalista. Assim, quando viesse o comunismo, as resistênciaspossíveis já estariam neutralizadas de antemão e todo mundo

aceitaria o novo regime com a maior naturalidade.

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  voluntariamente (e, por isso, são ‘privados’)” (  AVELLAR   COUTINHO, 2002, p.125).

Gramsci entende que todas essas instituições têm um nexo qualquer com a elaboração

e a difusão da cultura ( BOBBIO, 1999, p. 68). Dito de outra forma:

São os organismos sociais coletivos voluntários, relativamenteautônomos ante a sociedade política (Estado) como, por exemploclubes, sindicatos, corporações, partidos, Igrejas, órgãos decomunicação de massa, editora, expressões artísticas, movimentospopulares, sociais etc (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.22).

O grupo social que exerce a hegemonia no âmbito da sociedade   civil  (classe

dirigente) pode ser a burguesia dominante na fase histórica econômico-corporativa  do

país (para Marx, sociedade burguesa), ou as classes subalternas que se tornaram

sujeitos ativos e organizados e que conquistaram a hegemonia sobre a inteira sociedade,

subtraindo-se da influência da burguesia (Ibid., p.20).

É no interior da sociedade civil – e através dela – que o grupo revolucionário

promoverá uma longa batalha pela conquista da   hegemonia  (Ibid., p.135). E sua

importância está no fato de que ela é a arena mesma da luta de classes:

 A luta de classes se desenvolve na sociedade civil e com ela se buscaa eliminação da burguesia e do estado liberal-democrático (ou daditadura totalitária) porque este sistema representa a sociedadefundada na divisão de classes.

Em última instância, o objetivo será o fim do estado e da própriaclasse na sociedade comunista.

 A luta de classes para Gramsci tem dois momentos importantes:

  – A conquista da hegemonia das classes subalternas sobre a inteira

sociedade civil; – A destruição ou absorção da burguesia eliminando-a como classe[...] (Ibid., p.28).

 As classes em confronto, a burguesia e proletariado, receberam novas bases de

composição. Fala-se em um  proletariado  ampliado, do qual, por exemplo, um

homossexual milionário, ativista de seus direitos, poderá ser representante, com muito

mais legitimidade inclusive, que um operário avesso a agitações.

Gramsci, por um lado, assumiu as lutas do que ele denominou de classes 

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subalternas , em cuja composição entram muitos outros elementos além do proletariado

a que Marx se dirigia. Ofensivas antipatriarcais do feminismo, a defesa de pseudo-

direitos das minorias  sexuais , a promoção de estilos de vida alternativos , a liberalização

da droga, a defesa da legitimidade do banditismo como  protesto social ; enfim, as causas

de todos os chamados excluídos , aos quais Marx denominava de lumpen proletariat e

desaconselhava veementemente a aproximação com tais elementos ( CARVALHO, O., 

1994, p.44.; AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.29; LOPES; URETA, 2002 p.39).

Por outro, incluiu sob a designação de burguesia uma mixórdia bem variada de

setores da sociedade designados por ele como classe média. Entram nessa classificação

“  ‘camadas intelectuais, os profissionais liberais empregados’ (pequena e média

burguesia). A classe média alta corresponde à burguesia capitalista e aos executivos

empresariais, não-empregados. A classe média é o ‘não-povo’  ” [grifo do autor]

(  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.29).

2.4 D A  HEGEMONIA 

É interessante observar que os termos hegemonia  e sociedade   civil  aparecem

sempre juntos. Este é mais um dos pontos em que cabe uma reflexão mais detida.

Resta então esclarecer: em que consiste essa hegemonia a ser conquistada? De antemão,

podemos dizer que se trata de um dos conceitos fundamentais explicitados por

Gramsci ( BOBBIO, 1999, p.65).

 A luta pela hegemonia é a visão atualizada que Gramsci tem de ummomento da luta de classes. Mas é importante reconhecer que nãose trata de um processo reformista, mas de um processo trans-formador, revolucionário, conduzido numa longa e original transiçãopara o socialismo [grifo nosso] (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.28).

Segundo Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.154), “um grupo social pode e

mesmo deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (é essa umadas condições principais para a própria conquista do poder)”.

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  Avellar Coutinho (2002, p.22) resume o entendimento gramsciano de

hegemonia como “condição ou capacidade de influência e de direção política e cultural

que, por intermédio de organismos sociais voluntários, um grupo social exerce sobre

[o restante da] sociedade civil [...]”. A vanguarda empenhada em fazer a revolução

deverá adquirir paulatinamente essa supremacia. Ou, em outras palavras, “conquistar

progressivamente para si a hegemonia” ( COUTINHO,1999, p. 155).

  Avellar Coutinho (2002, p.22) explica que essa conquista progressiva do

exercício da hegemonia ocorre em três planos distintos:

 A hegemonia é exercida em três esferas diferentes, simultaneamente,embora em graus diferentes em cada etapa da luta pela hegemonia.Primeiramente, a de um grupo social sobre a inteira sociedade civil,disputando-a com o grupo dominante.

Depois, a da sociedade civil, “já conquistada” sobre a sociedadepolítica, influindo sobre ela pela direção política e cultural.Finalmente, a do partido sobre todo o processo revolucionário,inclusive sobre outros partidos e organizações políticas e privadas dehegemonia.

 A hegemonia é portanto uma etapa necessária e preparatória para a obtençãodo poder. A sua conquista pelas classes subalternas  (retirando-a das mãos da classe 

dominante no seio da sociedade civil) e a formação do consenso (livre da coerção) são o

centro da concepção estratégica gramscista de transição para o socialismo, significando

construir as bases do socialismo, mesmo antes de tomar o poder.

Na construção da hegemonia não se desprezará as alianças e colaborações

com elementos centristas. Gramsci (apudCOUTINHO

, 1999, p.56-57) afirma:Para vencer nosso inimigo de classe, que é poderoso, que temmuitos meios e reservas à sua disposição, devemos aproveitarqualquer rusga em seu seio e devemos utilizar todo aliado possível,ainda que incerto, vacilante e provisório.

[...] Na guerra dos exércitos, não se pode atingir o fim estratégico,que é a destruição do inimigo e a ocupação de seu território, sem teratingido antes uma série de objetivos táticos tendentes a desagregaro inimigo antes de enfrentá-lo em campo aberto.

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2.5 D A DISTINÇÃO ENTRE DIREÇÃO E DOMÍNIO 

Há uma distinção que se não pode desconsiderar: a que Gramsci faz entre

dominar e dirigir . Os detentores da hegemonia exercem o  poder  de  direção. Este último

difere substancialmente do  poder  de   domínio ou controle . Avellar Coutinho (2002, p.23)

explica que classe   dominante  é aquela que detém o  poder , exercendo o domínio e a

coerção por intermédio da sociedade    política . Ao passo que,  grupo  dirigente  ou

hegemônico é aquele que tem a hegemonia , ou seja que tem capacidade de influir e de

orientar a ação política, sem uso da coerção.Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.130) em seus Cadernos  esclarece que a

supremacia de um grupo social manifesta-se de dois modos:

Como “domínio” [coerção] e como “direção intelectual e moral”[hegemonia]. Um grupo social é dominante dos grupos adversáriosque tende a “liquidar” ou submeter também mediante a forçaarmada; e é dirigente dos grupos afins ou aliados.

Em circunstâncias históricas estáveis, o grupo dominante é também dirigente . O

aparelho de coerção estatal ( sociedade    política   ) é o instrumento legal do grupo

dominante que assegura a conformidade social e política daqueles que dissentem e

que, por ação ou omissão, podem gerar uma crise de comando ou de direção

(  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.23).

Daí decorre a idéia de Estado para Gramsci: como articulação da sociedade  

 política  ( Estado em sentido estrito  ) com a sociedade   civil  ( organizada   ) exercendoconcomitantemente as funções de dominação (poder pela força) e direção (poder

consentido). Este é o fundamento do Estado ampliado.

Olavo de Carvalho (1994, p.37) também reconhece a importância da distinção

gramsciana entre as duas espécies de poder. Acredita que não se trata apenas de uma

conceituação abstrata, mas de um dos fundamentos da estratégia de tomada do poder:

[O domínio é o poder] sobre o aparelho de Estado, sobre aadministração, o exército e a polícia. A hegemonia é o domíniopsicológico sobre a multidão. A revolução leninista tomava o poder

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para estabelecer a hegemonia. O gramscismo conquista a hegemoniapara ser levado ao poder suavemente, imperceptivelmente.Não épreciso dizer que o poder, fundado numa hegemonia prévia, é poderabsoluto e incontestável: domina ao mesmo tempo pela força bruta e

pelo consentimento popular – aquela forma profunda e irrevogávelde consentimento que se assenta na força do hábito, principalmentedos automatismos mentais adquiridos que uma longa repetição tornainconscientes e coloca fora do alcance da discussão e da crítica. Ogoverno revolucionário leninista reprime pela violência as idéiasadversas. O gramscismo espera chegar ao poder quando já nãohouver mais idéias adversas no repertório mental do povo.

O Prof. Carlos Nelson Coutinho (1999, p.155) afirma, coincidindo em larga

medida com a afirmação de Carvalho, que essa conquista da hegemonia , atransformação da classe   dominada em classe   dirigente antes  da tomada do poder, é o

elemento central da estratégia gramsciana de transição ao socialismo; uma estratégia

que além de imposta pela maior complexidade das sociedades ocidentais , tem ainda a

 vantagem de oferecer resultados mais estáveis e seguros, “pois – segundo Gramsci – ‘a

 guerra  de   posição, uma vez vencida, é decidida definitivamente’ ” [grifo do autor].

No fundo da distinção entre essas duas “categorias” ( dirigir e dominar  ), está aidéia de uma nova mentalidade:

O socialismo é também a criação de uma nova cultura, sem o que nãopoderá realizar plenamente suas potencialidades: e essa é uma idéiaque Gramsci jamais abandonará, como podemos ver em suasreflexões carcerárias sobre a importância de uma “reforma intelectuale moral”, da luta pela hegemonia ( COUTINHO, 1999, p.20).

Há entretanto que se evitar equívocos com o uso gramsciano da palavra

reforma. Com efeito, Bobbio (1999, p.67) explica que o pensador sardo não atribui a

esse termo o sentido “fraco”, de uso corrente em nossos dias:

Gramsci entende a introdução de uma “reforma” no sentido forteque esse termo possui quando se refere a uma transformação doscostumes e da cultura, em antítese ao sentido fraco que ele adquiriuna linguagem política.

Hegemonia compreende assim em toda a amplitude o momento decisivo do

processo gramsciano. A sua conquista pressupõe um longo percurso já percorrido,

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durante o qual se logrou êxito em reformar o senso  comum e alcançar o consenso. A

conseqüência direta e última é o domínio político baseado duplamente, na força e no

assentimento, que dirige ao mesmo tempo em que domina. 

2.6 D A REFORMA DO SENSO COMUM  

O senso comum é o conjunto de valores, história, tradições, hábitos e costumes,

conceitos e expectativas (culturais, religiosas, cívicas, sociais, filosóficas etc.) aceitoconsciente ou inconscientemente e praticado pelos membros de uma sociedade em

geral. Constitui uma “cultura” ou “filosofia” generalizada que se enraíza na consciência

coletiva e que se expressa numa concepção de vida, de homem e do mundo ( GRAMSCI, 

2000,   v.2, p.209). Gramsci, entretanto, constatava que o senso  comum  não coincidia

com a ideologia  de   classe . Considerava esse fato como um complicado obstáculo para

sua estratégia:

É precisamente aí que está o problema. Na maior parte das pessoas,o senso comum se compõe de uma sopa de elementos heteróclitoscolhidos nas ideologias de várias classes. É por isto que, movidopelo senso comum, um homem pode agir de maneiras que,objetivamente, contrariam o seu interesse de classe, como porexemplo quando um proletário vai à missa.

Nesta simples rotina dominical oculta-se uma mistura das maissurpreendentes, onde um valor típico da cultura feudal-aristocrática,

reelaborado e posto a serviço da ideologia burguesa, aparecetransfundido em hábito proletário, graças ao qual um pobre coitado,acreditando salvar a alma, comete, na realidade, [uma “traição”]contra seus companheiros de classe e contra si mesmo ( CARVALHO,O., 1994, p.38).

  A sua reforma consiste em apagar certos valores tradicionais e uma parte

significativa da herança cultural (intelectual e moral) da sociedade dita burguesa .

Concomitantemente, substituí-las por conceitos novos e pragmáticos, capazes de criar

no imaginário coletivo a idéia de inevitabilidade e modernidade da futura sociedade

sem classes (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.53; MACCIOCCHI, 1977, p. 198-199). É essa

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a razão pela qual a estratégia gramsciana não fica limitada aos embates ideológicos e

doutrinários:

  A luta pela hegemonia não se resume apenas ao confronto formaldas ideologias, mas penetra num terreno mais profundo, que é odaquilo que Gramsci denomina — dando ao termo uma acepçãopeculiar — “senso comum”. O senso comum é um aglomerado dehábitos e expectativas, inconscientes ou semiconscientes na maiorparte, que governam o dia-a-dia das pessoas. Ele se expressa, porexemplo, em frases feitas, em giros verbais típicos, em gestosautomáticos, em modos mais ou menos padronizados de reagir àssituações. O conjunto dos conteúdos do senso comum identifica-se,para o seu portador humano, com a realidade mesma, embora não

constitua de fato senão um recorte bastante parcial e freqüentementeimaginoso. O senso comum não “apreende” a realidade, mas operanela ao mesmo tempo uma filtragem e uma montagem, segundopadrões que, herdados de culturas ancestrais, permanecem ocultos einconscientes ( CARVALHO, O., 1994, p.38).

 A superação do senso  comum é um empreendimento de profunda e demorada

transformação cultural e psicológica da sociedade   civil  como um todo e das classes  

subalternas em particular. No novo senso comum , “podem ser preservados alguns velhos

conceitos que possam ser ‘instrumentais’, bastando aprimorá-los para também

contribuírem para a formação da nova mentalidade” (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.53).

 Trata-se de elaborar uma filosofia que torne o senso comum renovado, coerente

com a filosofia popular e com os fins buscados no processo político-ideológico no

qual tudo deve estar inserido. Para isso, será necessário estabelecer um amplo sistema

de difusão do senso comum ( GRAMSCI, 2000,  v.2, p.205):

É preciso ainda estabelecer um amplo sistema orgânico e também“espontâneo” no interior da sociedade civil, abrangendo variadoscanais informais, desligados das organizações políticas (partidos eestado), por meio do qual se fará a penetração dos novos sentimentos,conceitos e expectativas. Dentre os canais de difusão do novo sensocomum, em primeiro lugar estão os meios de comunicação social(imprensa, rádio e televisão), mas não excluindo, como igualmenteimportantes, o setor editorial, a cátedra, o magistério, a expressãoartística e o meio intelectual tradicional (  AVELLAR  COUTINHO, id.).

Essa renovação deve conter ares de espontaneidade, decorrência natural da

“evolução das consciências”. Por isso mesmo, “são indispensáveis os multiplicadores,

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‘ampliando’ e ‘orquestrando’ os novos conceitos sociais, ‘universalizando’ a sua

difusão e construindo a aparência de espontâneo desenvolvimento intelectual e moral

da sociedade moderna” (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.54; GRAMSCI, 2000, v.2, p.21).

 As alterações que se pretende não se circunscrevem ao campo das convicções

políticas, mas tem em vista especialmente as reações espontâneas, os sentimentos de

base, às cadeias de reflexos que determinam inconscientemente a conduta. Condutas

sedimentadas no inconsciente humano há séculos ou milênios devem ser

desarraigadas, para ceder lugar a uma nova constelação de reações ( CARVALHO,

O.,1994, p.40). A Igreja, por seu considerável poder de influência sobre o pensar,

sentir e agir da sociedade, não poderia de forma alguma ser negligenciada. A sua

participação nessa reforma é imprescindível:

[Gramsci] considerava o cristianismo o principal inimigo dosocialismo. Sonhava com um mundo em que toda transcendênciafosse abolida em favor de uma “terrestrialização absoluta”, na qual asimples idéia de Deus e de eternidade se tornasse inacessível.

Mas não queria destruir a igreja como instituição, e sim usá-la comofachada. Para isso, propunha que os comunistas se infiltrassem nela,substituindo a antiga fé por idéias marxistas enfeitadas de linguagemteológica. Assim, a pregação comunista chegaria às massas sob outronome, envolta numa aura de santidade (Id., 2003).

Por essa razão, o pensador sardo, a exemplo de August Comte, propõe a

criação de um novo calendário dos santos, que pudesse desbancar, na imaginação

popular, o prestígio do hagiológio católico – já que a Igreja, na visão dele, era o maior

obstáculo ao avanço do comunismo. A idéia é varrer do imaginário popular figuras

tradicionais de heróis e de santos que expressem determinados ideais, pois esses

personagens estão imantados de uma força motivadora que dirige a conduta dos

homens num sentido hostil à proposta gramsciana.

O novo panteão seria inteiramente constituído de líderes comunistascélebres, e baseado no critério segundo o qual ‘Rosa Luxemburgo eKarl Liebknecht são maiores do que os maiores santos de Cristo’ – palavras textuais de Gramsci (Id., 1994, p.36).

 A reforma cultural não se dirige apenas às classes subalternas mas também à

classe dominante , à burguesia, com a finalidade de assimilá-la ou, pelo menos, de levá-la

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a aceitar as mudanças intelectuais e morais como parte dessa natural e moderna

evolução da sociedade, explorando sua passividade, indiferença e permissividade

(  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.52).

Quando uma pessoa supera criticamente o senso comum e aceita novos valores e

conceitos culturais e sociais, terá aceitado a filosofia nova e estará em condições de

compreender a nova concepção do  mundo e contribuir para a sua concretização

( COUTINHO, 1999, p.172). Uma expressão bastante didática para designar essa

mudança do senso comum  é “inversão de valores”. Olavo de Carvalho (1994, p.39)

explica a adequação do termo:

É quase impossível que, a esta altura, a expressão “inversão de  valores” não ocorra ao leitor. Essa inversão é, de fato, um dosobjetivos prioritários da revolução gramsciana, na fase da luta pelahegemonia. Mas Gramsci é, neste ponto, bastante exigente: nãobasta derrotar a ideologia expressa da burguesia; é preciso extirpar,junto com ela, todos os valores e princípios herdados de civilizaçõesanteriores, que ela de algum modo incorporou e que se encontramhoje no fundo do senso comum. Trata-se enfim de uma gigantescaoperação de lavagem cerebral, que deve apagar da mentalidade

popular, e sobretudo do fundo inconsciente do senso comum, toda aherança moral e cultural da humanidade, para substituí-la porprincípios radicalmente novos, fundados no primado da revolução eno que Gramsci denomina “historicismo absoluto”.

Como o que interessa não é tanto a convicção política expressa, maso fundo inconsciente do “senso comum”, Gramsci está menosinteressado em persuasão racional do que em influência psicológica,em agir sobre a imaginação e o sentimento. Daí sua ênfase naeducação primária. Seja para formar os futuros “intelectuaisorgânicos”, seja simplesmente para predispor o povo aossentimentos desejados, é muito importante que a influênciacomunista atinja sua clientela quando seus cérebros ainda estãotenros e incapazes de resistência crítica.

Uma operação dessa envergadura transcende infinitamente o planoda mera pregação revolucionária, e abrange mutações psicológicas deimensa profundidade, que não poderiam ser realizadas de improvisonem à plena luz do dia. O combate pela hegemonia requer umapluralidade de canais de atuação informais e aparentementedesligados de toda política, através dos quais se possa ir injetando

imperceptivelmente na mentalidade popular toda uma gama denovos sentimentos, de novas reações, de novas palavras, de novoshábitos, que aos poucos vá mudando de direção o eixo da conduta.

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Daí que Gramsci dê relativamente pouca importância à pregaçãorevolucionária aberta, mas enfatize muito o valor da penetraçãocamuflada e sutil. Para a revolução gramsciana vale menos umorador, um agitador notório, do que um jornalista discreto que, sem

tomar posição explícita, vá delicadamente mudando o teor donoticiário, ou do que um cineasta cujos filmes, sem qualquermensagem política ostensiva, afeiçoem o público a um novoimaginário, gerador de um novo senso comum. Jornalistas, cineastas,músicos, psicólogos, pedagogos infantis e conselheiros familiaresrepresentam uma tropa de elite do exército gramsciano. Sua atuaçãoinformal penetra fundo nas consciências, sem nenhum intuitopolítico declarado, e deixa nelas as marcas de novos sentimentos, denovas reações, de novas atitudes morais que, no momento propício,se integrarão harmoniosamente na hegemonia comunista.

Milhões de pequenas alterações vão assim sendo introduzidas nosenso comum, até que o efeito cumulativo se condense numarepentina mutação global (uma aplicação da teoria marxista do “saltoqualitativo” que sobrevem ao fim de uma acumulação de mudançasquantitativas).

 Ao esforço sistemático de produzir esse efeito cumulativo Gramscidenomina, significativamente, “agressão molecular”: a ideologiaburguesa não deve ser combatida no campo aberto dos confrontosideológicos, mas no terreno discreto do senso comum; não pelo

avanço maciço, mas pela penetração sutil, milímetro a milímetro,cérebro por cérebro, idéia por idéia, hábito por hábito, reflexo porreflexo.

2.7 DOS INTELECTUAIS  ORGÂNICOS  

 Aos intelectuais incumbirá a tarefa de reformar  o senso comum . Por esse motivo,

lhes cabe uma posição de destaque para a consecução da estratégia definida por

Gramsci: são o elemento dinâmico do sistema de difusão, como educadores,

transformadores da cultura e elaboradores de uma consciência coletiva homogênea

( GRAMSCI, 2000, v.2, p.52-53).

Existem – segundo o pensador sardo – dois tipos de intelectuais: os orgânicos e

inorgânicos . Estes últimos seriam elementos deslocados, baseados em critérios e valores

oriundos de outras épocas; sem uma ideologia de classe; ignorados pela massa e cujas

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idéias não exercem qualquer influência no processo histórico (  AVELLAR  COUTINHO,

2002, p.49; CARVALHO, O., 1994, p.37-38; COUTINHO, 1999, p.175).

Os orgânicos seriam aqueles conscientes de sua posição de classe. Podem ou nãoestar vinculados formalmente a movimentos políticos. Não gastam uma palavra sequer

que não seja para elaborar, esclarecer e defender sua ideologia de classe ( CARVALHO, O.,

1994, p.38). “A missão do intelectual   orgânico é compreender e realizar a reforma

intelectual e moral que leva toda a massa a ascender ao status de intelectual, rompendo

com a antiga subordinação do povo à cultura tradicional” ( MALISKA, 1995, p.86).

O conceito gramsciano de intelectual é bastante amplo. Para ele todos os

homens são intelectuais, mas nem todos desempenham a função de intelectuais. Isso

se dá por uma razão: em Gramsci há uma identificação funcional do termo. Qualquer

diferença entre um filósofo e um homem do povo seria meramente quantitativa e

acidental, e não qualitativa e essencial (  ADAMS, 1995, p.52;  ARRUDA  JÚNIOR , 1995b,

p.33; GRAMSCI, 1989, p.34; Id., 2000, v.2, p.18).

O conceito gramsciano de intelectual funda-se exclusivamente na

sociologia das profissões e, por isto, é bem elástico: há lugar nelepara os contadores, os meirinhos, os funcionários dos Correios, oslocutores esportivos e o pessoal do show business . Toda essa genteajuda a elaborar e difundir a ideologia de classe, e, como elaborar edifundir a ideologia de classe é a única tarefa intelectual que existe,uma vedette  [...] num espetáculo de protesto pode ser bem maisintelectual do que um filósofo, caso se trate de um inorgânico [grifodo autor] ( CARVALHO, O., 1994, p.38).

Nesse sentido amplo, os intelectuais são o verdadeiro exército da revolução

gramsciana. Encarregado de realizar a primeira e mais decisiva etapa da estratégia:

reformar o senso comum , para conquistar a hegemonia – um processo longo, complexo e

sutil de mutações psicológicas graduais e crescentes, no qual a tomada do poder é

apenas conseqüência e corolário ( BOBBIO, 1999, p.68; CARVALHO, O., 1994., 39).

O resultado prático desse entendimento de Gramsci a respeito da atividade

intelectual é sua redução a mera propaganda ideológica. Nas origens dessa concepção

está a idéia de que a verdade não corresponde a um estado objetivo, mas àquilo quecontribui para realização de um fim desejado:

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Uma lavagem cerebral de tão vasta escala não poderia, certamente,limitar-se a extirpar da cabeça humana crenças religiosas, imagens,mitos e sentimentos tradicionais: ela deveria também estender-se àsgrandes concepções filosóficas e científicas. [...] Para Gramsci, as

tradições filosóficas devem ser todas varridas de uma vez, e juntocom elas a distinção entre “verdade” e “falsidade”.

 Através de seu mestre Antonio Labriola, ele recebeu uma poderosainfluência do pragmatismo, escola para a qual o conceito tradicionalda verdade como uma correspondência entre o conteúdo dopensamento e um estado de coisas deve ser abandonado em proveitode uma noção utilitária e meramente operacional. Nesta, “verdade”não é o que corresponde a um estado objetivo, mas o que pode teraplicação útil e eficaz numa situação dada. Enxertando o

pragmatismo no marxismo, Labriola e Gramsci propunham que sejogasse no lixo o conceito de verdade: na nova cosmovisão, todaatividade intelectual não deveria buscar mais o conhecimentoobjetivo, mas sim a mera “adequação” das idéias a um determinadoestado da luta social. A isto Gramsci denominava “historicismoabsoluto”. Nesta nova cosmovisão, não haveria lugar para adistinção — burguesa, segundo Gramsci — entre verdade e mentira.Uma teoria, por exemplo, não se aceitaria por ser verdadeira, nem serejeitaria por falsa, mas dela só se exigiria uma única e decisiva coisa:que fosse “expressiva” do seu momento histórico, e principalmente

das aspirações da massa revolucionária. Dito de modo mais claro:Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza àmera propaganda política, mais ou menos disfarçada. A “filosofia”de Gramsci resolve-se assim num ceticismo teorético que completa anegação da inteligência pela sua submissão integral a um apelo deação prática; ação que, realizada, resultará em varrer a inteligência daface da Terra, por supressão das condições que possibilitam o seuexercício: a autonomia da inteligência individual e a fé na busca da

 verdade. Substituída a primeira pela arregimentação de “intelectuaisorgânicos”, e a segunda pela concentração de todas as energias

intelectuais no nobre mister da propaganda revolucionária, quêsobrará da aptidão humana para discernir entre verdade e mentira?( CARVALHO, O., 1994, p.40).

2.8 LIBERDADE E DEMOCRACIA EM GRAMSCI 

É fato não muito raro, falar-se em um “Gramsci democrático”. Tal equívoco

muito provavelmente é resultado de leituras superficiais e de entendimento enganoso

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de certas expressões utilizadas pelo autor sardo: transição pacífica para o socialismo,

 pluralismo socialista, via democrático-consensual, socialismo democrático, democracia radical  

etc. Avellar Coutinho (2002, p.29) explica que um dos pontos mais obscuros e de mais

difícil tradução do pensamento político de Gramsci é o que se refere aos conceitos de

liberdade e de democracia:

O assunto é delicado, pois os conceitos gramscianos nãocorrespondem àqueles do senso comum na sociedade civil ocidental.Não correspondem ao entendimento generalizado de liberdadecomo “prerrogativa individual de ser, agir e pensar segundo opróprio arbítrio” [...] [grifo nosso].

2.8.1 Do conceito de liberdade

“Na leitura de Gramsci, o conceito de liberdade vai sendo formado aos

poucos, quase sempre adjetivado ou cercado de muitos condicionamentos particulares.

  Assim: a liberdade individual é um aspecto da liberdade coletiva” (  AVELLAR  COUTINHO, 2002., p.29) aquela do grupo social que se libertou da opressão do “grupo

dominante burguês”. Esse conceito de liberdade está intimamente ligado ao consenso

obtido pela reforma do senso comum:

  A liberdade como expressão do arbítrio pessoal, especificamente aliberdade política e civil, é posta em termos restritos. Mas é exercidasim nas “opções livres” no âmbito da organização coletiva, em

sucessivos momentos. As expressões desta liberdade são o consensoe a vontade coletiva.

  A liberdade também é aceitação voluntária, por convicção (opçãolivre) de certos princípios que se propõem com vista a certos finsdesejados. No grupo social, os arbítrios são múltiplos mas a partehomogênea (coletiva) prevalece. Em cada momento do processoativo, é feita pelo indivíduo uma escolha nova e livre, de acordo coma direção dada ao conjunto de pessoas, tornando homogêneas asopções de todos, num clima ético-político [grifo nosso] (Ibid., p.30).

Essa idéia particular de liberdade está em oposição à acepção corrente entrenós. E só pode ser entendido, se colocada em termos de adesão aos fins almejados e

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segue à tomada do poder na transição para o socialismo, não énecessariamente representativo nem propriamente participativo.

 A manifestação política das massas é feita no âmbito e por meio dos

organismos privados, voluntários e homogêneos. (algo como foramos sovietes, mas de natureza diversificada), não como referendo, mascomo expressão do consenso e da vontade coletiva. Além do mais, opartido orgânico da classe exerce também sua hegemonia nasociedade civil e na sociedade política (Estado), cumprindo suafunção dirigente e educadora.

Esta concepção de “socialismo democrático” (não confundir comsocial-democracia) entende que não está em contradição com aconcepção de estado altamente centralizado para conduzir astransformações necessárias para a edificação do socialismo após a

tomada do poder [grifo do autor].

  A democracia em sua acepção moderna, Gramsci também a admite,

entretanto, não a considera como um bem em si mesmo, mas como meio necessário à

passagem para o socialismo. A esse período democrático em que se realizará a luta pela

hegemonia, o pensador deu o nome de “intermezzo democratico” ( COUTINHO, 1999,

p.59).

  Até a tomada do poder, a vanguarda revolucionária se submeterá às regras

institucionais vigentes, realizará alianças, em suma, apresentar-se-á como mais um dos

elementos integrantes do jogo democrático, sem maiores pretensões:

  Antes da tomada do poder, há fases do processo político detransição que se desenvolvem ainda no seio da sociedade burguesa.

  As iniciativas conduzidas nestes momentos exploram ou se valemdas franquias do regime democrático vigente na sociedade burguesae, por isto, assumem feições democráticas. Esta realidade em certasações ou aparência em outras são freqüentemente formasdissimuladas que induzem convenientemente à impressão geral deque o processo político tem caráter “consensual-democrático”.Principalmente, garante o respaldo de legalidade evitando eafastando eventuais resistências e reações da sociedade e do aparelhocoercivo do estado.

  Ainda nas fases que antecedem à tomada do poder, as relaçõespolíticas do partido das classes subalternas com os outros partidos,particularmente com os de linha socialista, sugerem a aceitação do

pluralismo partidário e, em especial, o “pluralismo das esquerdas”,como modernamente tem sido sugerido pela intelectualidadepolítica. Realmente, Gramsci admite as alianças dos partidos e das

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organizações de massa, principalmente na luta pela hegemonia e parao enfraquecimento e neutralização das “trincheiras” da sociedade edo Estado burgueses. Admite até as alianças com partidosadversários em certas circunstâncias que contribuam para o êxito do

movimento (  AVELLAR  COUTINHO, 2002, p.31-32).

Parece-nos, portanto, que qualquer pretensão de um Gramsci plural e

democrático não se sustenta. O quadro conceitual de um chamado socialismo- 

democrático poderia “fazer crer em um processo ‘consensual-democrático’, algo com

feições liberais e implicações positivas nos planos individual e institucional, o que é um

equívoco” (Ibid., p.32). Colleti (apud  ARRUDA  JÚNIOR , 1995a, p.17-18), nesse sentido,

é incisivo:

O pluralismo, o pluripartidarismo, a alternância de maioria eminoria, o governo parlamentar e tudo mais não estão presentes emGramsci. O tema da “hegemonia” em Gramsci não significa nadadisso. E significa ainda menos a superação do abandono da ditadurado proletariado de Lênin.

2.9 GRAMSCI E M AQUIAVEL 

Da leitura dessas rápidas linhas a propósito do pensamento estratégico de

Gramsci, é bem possível de que seja suscitada uma indagação: não há algo de

maquiavélico na doutrina proposta por Gramsci? Carvalho (1994. p.37) acredita que

sim, e chega a ressaltar algumas analogias existentes entre os dois estrategistas

políticos. Para ele a distinção reside apenas em uma “coletivização do príncipe”:

[Que sua estratégia era maquiavélica], o próprio Gramsci oreconhecia, mas fazendo disto um título de glória, já que Maquiavelera um dos seus gurus. Apenas, ele adaptou Maquiavel às demandasda ideologia socialista, coletivizando o “Príncipe”. Em lugar docondottiere  individual que para chegar ao poder utiliza os expedientesmais repugnantes com a consciência tranqüila de quem está salvandoa pátria, Gramsci coloca uma entidade coletiva: a vanguarda

revolucionária. O Partido, em suma, é o novo Príncipe. [...]O Novo Príncipe tem uma consciência ainda mais tranqüila que a doantigo. O condottiere  da Renascença não tinha apoio senão de si

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mesmo, e nas noites frias do palácio tinha de suportar sozinho osconflitos entre consciência moral e ambição política, encontrandono patriotismo uma solução de compromisso. No Novo Príncipe, aprodução de analgésicos da consciência é trabalho de equipe, e nas

fileiras de militantes há sempre uma imensa reserva de talentosteóricos que podem ser convocados para produzir justificações doque quer que seja.

2.10 CONSIDERAÇÕES GERAIS 

Não pretendemos nessas escassas linhas fazer um apanhado minucioso da

estratégia proposta por Antonio Gramsci. Quiséramos tão somente ressaltar suas

etapas mais gerais assim como seu modo de operar, afim de que se entenda mais

facilmente – como tentaremos demonstrar no último capítulo – que está em plena

operação uma tentativa – pequena, diga-se de passagem – de se utilizar o direito como

mais um tentáculo a serviço do gramcismo.

  Vale a pena ainda ressaltar que o fenômeno que se observa no direito não

constitui a totalidade de um projeto gramsciano de tomada do poder. Conclui-lo seria

mais que um equívoco, um erro. É, antes disso, a tentativa de inserir mais um campo

da atividade humana nesse vastíssimo plano engendrado pelo pensador sardo: nada

deve ser descartado ( CARVALHO, O., 1994, p.17). E se bem que seja verdade que

Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito, por outro, dava-lhe muita

importância. Por essa razão, seus seguidores não têm sido negligentes na tentativa deinserir o direito em sua estratégia.

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Capítulo 3D A DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO

INTEGRAL DO DIREITO 

  Na Idade Média [...] variavam os códigos jurídicos;  porém o código moral para toda a Europa era uniforme.Ora a partir do século  XIV  , operou-se uma inversão de todas as condições (Lewis Mumford).

SUMÁRIO:  3.1 A concepção do direito na Idade Média. 3.2 Ahipertrofia da vontade em Scot e Ockam. 3.3 Um novo personagem: olegista. 3.4 A degenerescência representada por Maquiavel. 3.5 Odespotismo jurídico de Hobbes. 3.6 Influências da RevoluçãoProtestante. 3.7 Grotius: o direito como fonte de si mesmo. 3.8 AEscola moderna do Direito Natural. 3.9 O contratualismo de Rousseau.3.10 O individualismo jurídico de Kant. 3.11 A desjurisdização dodireito.

O processo revolucionário, em sua marcha, produziu uma série de doutrinas

e filosofias que, ante as quais, o Direito não permanecera incólume. Afinal, a

Revolução é “um processo de tanta profundidade, de tal envergadura e tão longa

duração [que] não pode desenvolver-se sem abranger todos os domínios da atividade

do homem, como por exemplo, a cultura, a arte, as leis, os costumes e as

instituições” ( CORRÊA DE OLIVEIRA, 2002, p.15).

Gilberto Callado de Oliveira (2002, p.41-42) constata esse fato, distinguindo

como principal conseqüência desses influxos no Direito, a perda da noção do justo:

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Claro está que a Revolução também atinge o mundo do direito, ondese apresenta como revolução jurídica, pois vem fomentando atravésdos erros doutrinários disseminados pelos séculos precedentes aperda do sentido do justo e do injusto. E principalmente no terreno

das idéias, em que ela atua como agente destrutor das instituiçõesjurídicas tradicionais [grifo do autor].

3.1  A CONCEPÇÃO DO DIREITO NA IDADE MÉDIA  

  Alceu Amoroso Lima – mais conhecido pelo pseudônimo de Tristão de  Athayde – em sua Introdução ao Direito Moderno faz um apanhado da história da

Filosofia do Direito. Explica que ao analisar a desagregação da concepção integral do

direito, “convém partir do momento histórico em que o direito se nos apresenta em

toda a sua plenitude” ( LIMA, 2001, p.79). Segundo o autor, “esse momento, com as

devidas reservas históricas e intelectuais, é em síntese: a Idade Média do século IX ao

século XIII” (Ibid.). E justifica a afirmação:

Durante esses quatro séculos, integrou-se numa concepção geral eharmoniosa da vida todo o corpo jurídico elaborado pelos Romanose pelos Padres da Igreja, marcando o direito, por assim dizer, oslimites mais remotos de seu âmbito de alcance, tanto na sociedadecomo na doutrina (Ibid., p.80).

Lagarde (1926, p.14) corrobora a explicação de Lima ao afirmar que “de

todas as épocas é a Idade Média aquela que mais amplitude deu à teoria do Direito”.

Com efeito, – é Maurice de Wulf (1924, v.1, p.5-7) quem o afirma – “o descrédito da

Idade Média data dos humanistas do século XV  [...]. Hoje, o descrédito que por tanto

tempo pesou sobre a Idade Média está dissipado”. Lima prossegue em seus

comentários desse “direito integral”:

O princípio que, na sociedade medieval, forma a sua unidade políticaé justamente: a supremacia da Lei. A vida social estava minuciosa-mente sujeita a toda sorte de regras e preceitos, que a presidiam emseus mínimos detalhes. Vida política, vida social, vida literária, vidaeconômica – tudo era objeto da mais estrita subordinação a

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preceitos legais, a tradições, a costumes. O direito, a organizaçãojurídica da sociedade, penetrava-lhe todos os recantos. O direito eraa coordenação da sociedade [...]. A ordem medieval era o direitoinserindo-se em todas as modalidades da vida. Era a limitação, a

regra, por toda a parte, em vez da licença e do arbítrio. [...]

Por toda parte, o princípio da supremacia jurídica é o que dáunidade ao corpo social. E se a economia medieval era tudo menosarbitrária e competitiva, o mesmo se dava com a vida política. Nadamais estranho a esses séculos de plenitude medieval do que aautoridade arbitrária. Se abusos houve – pois não pretendemos deforma alguma apresentar da Idade Média um quadro ideal eromântico – a discordância entre a realidade e a legalidade ocorriaentão como hoje ocorre [...]. A Lei era superior ao Estado. Este

devia obediência à lei, porque o direito era nascido e não feito [...].Se a supremacia   do   direito era o princípio de unidade da vida social,hierarquia do direito era o princípio de unidade da doutrina jurídicade então. E a soma de um e de outra é que dá, a esse momentosupremo do direito na história, o caráter de integralidade que lhecomunica uma força vital, um equilíbrio e uma solidez de base, quedevem servir de modelo a todas as sociedades desejosas de evitar osmales do unilateralismo jurídico [grifo do autor] ( LIMA, 2001, p.89).

Longe de ser verdade que o medieval concebia a autoridade como qualquer

coisa de arbitrário e caprichoso, concebiam-na como coisa muito agudamente

definida e muito severamente limitada ( CARLYLE, 1928, v.3, p.31). O rei ou legislador

era concebido não como senhor, mas como servo da lei; a noção de um rei absoluto

não era medieval, e só se desenvolveu durante o período de declínio da civilização

política da Idade Média (Ibid.). Lima (2001, p.125) relata como os fatos se

desencadearam nesse sentido:

Se a Idade Média, sempre dentro da sua relatividade histórica,representou, doutrinariamente ao menos, a integralização do Direito

 – assistimos com a Reforma e o Renascimento à desagregação dessegrandioso edifício de idéias. Aparecem então os primeiros elementosdaquilo que, em nosso tempo, viria a constituir o racionalismo edepois o materialismo jurídico. Como sempre, porém, os germes demovimentos como esses se encontram nos períodos anteriores. Ecomo a Idade Média não é qualquer coisa de maciço e de único, masuma era de intensa vibração intelectual, em que conviveram as mais

 variadas tendências, é no seio dela que vamos encontrar os primeirossinais das fendas que mais tarde iriam destruir o harmonioso edifíciodo direito integral.

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3.2  A HIPERTROFIA DA VONTADE EM SCOT E OCKAM 

Duns Scot foi o primeiro a sustentar, contra Santo Tomás, uma doutrina que

ia ser fonte de todo o relativismo jurídico. É o que podemos chamar o voluntarismo

legal   ( LIMA, 2001, p.126). Mais tarde surgiria o nominalismo ou “terminismo”, de

Marcílio de Pádua e Guilherme de Ockham, que apesar de ter nascido em parte

como reação contra a filosofia de Scot “não fez mais nesse ponto do que acentuar o

voluntarismo scotista” [grifo do autor] (Ibid., p.127).

Oliveira (2002, p.44) explica que os nominalistas é que introduziram o poder

absoluto da vontade contra a realidade objetiva e substancial do direito. Uma

perspectiva na qual se suprimem as relações de dependência da vontade à razão. O

justo não encontra qualquer necessidade racional, e “depende inteiramente da

 vontade ou do arbítrio do jurista (e, antes dele, do próprio legislador)”.

O nominalismo “transforma a vida moral e portanto jurídica em domínio do

acaso” ( LIMA, 2001, p.128). Isto porque equipara a necessidade e a contingência,“converte o bem e o mal em palavras, tornando-os dependentes apenas da vontade,

divina ou humana, e não mais da razão” (Ibid.). Uma vez assumida como legítima

essa hipertrofia da vontade, seria ingenuidade imaginar inócuas as suas

conseqüências. Oliveira (2002, p.45) esclarece:

  A justiça – enquanto ato de virtude de dar a cada um o seu – transforma-se naquilo que agrada o jurista; o justo e o injusto nãoexistem em si, residindo a diferença entre um e outro sobre umdecreto do legislador, que poderia determinar o oposto. Estavaassinalado o ponto de ruptura com a tradição escolástica anterior einstaurado o gérmen do positivismo e do materialismo posteriores.

Lewis Mumford, professor de Humanidades na Universidade de Stanford,

Estados Unidos, assinala o termo em que essas idéias começam a ter aplicação: “na

Idade Média [...] variavam os códigos jurídicos; porém o código moral para toda a

Europa era uniforme. Ora, a partir do século XIV , operou-se uma inversão de todasas condições” ( MUMFORD, 1956, p.192).

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3.3 UM NOVO PERSONAGEM: O LEGISTA  

Coincidentemente, trata-se do mesmo momento histórico em que aparece a

figura do legista:

 Ao lado do rei justo e bom que julga segundo a Lei, mas não julga aLei, os juristas que invadiram os órgãos governamentais na segundametade do século XIII impõem a todo o ocidente, da Itália àEscandinávia, o ideal abstrato e frio do príncipe legislador, do “ rex 

lex animata ” ( GUENÉE, 1971, p.140).

 A historiadora francesa Régine Pernoud, renomada medievalista francesa, há

pouco falecida, indigita o perfil desse personagem novo: “todos esses legistas

defendem com ardor, até com paixão, o interesse do Estado. São os seus zelosos

servidores, e todos os meios lhes parecem bons quando está em causa defender o

Estado” ( PERNOUD, 1926, p.33). Continua sua explanação, tratando dos métodos,

nem sempre ortodoxos, utilizados por esses especialistas:

Surpreende mesmo a ausência de escrúpulos com que, em caso denecessidade, praticam fraudes. A questão de Bonifácio  VIII, a dostemplários, dão ocasião a uma verdadeira avalanche de falsificações[...]. Mentiras, injúrias, ameaças, falsos testemunhos, a tudo serecorre, quando a razão de Estado – por eles inventada muito antesde Maquiavel aparecer – parecia estar em jogo. Este estado, tal comoeles o concebem nada tem a ver com o Estado feudal, com suahierarquia e com a repartição do poder que o caracteriza [...] (Ibid.,p.36-37).

3.4  A DEGENERESCÊNCIA REPRESENTADA POR M AQUIAVEL 

“O Renascimento representou, com o Humanismo, o início da secularização e

da nacionalização do direito. E uma figura primordial poderíamos apontar como típica

desse movimento nos seus primórdios: Maquiavel” ( LIMA, 2001, p.133). Pastor (1905,

 v.3, p.50) descreve a amplitude da degenerescência naquele momento histórico:

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Na segunda metade do século XV , aparece cabalmente, aoobservador atento, uma terrível corrupção nas relações políticas daItália. De mão em mão, a arte de governar tinha degenerado numsistema de perjúrios e traições, segundo o qual não se dava

importância ao cumprimento dos contratos; por toda parte temia-sea astúcia e a violência; a suspeita e a desconfiança envenenavam otrato entre os príncipes e os Estados.

Com assombroso cinismo, Maquiavel recomendou esta ciência degoverno, esta política de força, a qual, sem a menor consideração ecomo se não existisse nenhuma sanção coercitiva, calcavabrutalmente as leis da justiça e da moral, e admitia como lícita todaespécie de meios desde que servissem à consecução do fim desejado.

Para Lima (2001, p.134), Maquiavel não opõe, mas separa, a política do direitoe o direito da ética. E em vez de ser a ética “a regra e a medida das ciências e

atividades sociais, passa a política, no seu campo, a ser independente e reguladora de

todas as demais”. Mais adiante, o mesmo autor afirma a importância de se aproximar

Maquiavel de outro escritor de significativa influência “que embora tendo vivido

mais de um século mais tarde e revelando uma influência profunda da Reforma, em

seu ramo puritano, também se distingue pelo impulso que deu à secularização do

direito: Thomas Hobbes” (Ibid., p.139).

3.5 O DESPOTISMO JURÍDICO DE HOBBES 

“Só um nome convém para designar o sistema de Hobbes: o de despotismojurídico. Foi o que lhe deu a História” (Ibid.). Hobbes altera radicalmente o estatuto

ontológico da pessoa humana deixando-a à mercê de suas paixões mais desregradas,

num estado natural de guerra, de todos contra todos, em que não existe a noção de

justiça ou de injustiça, mas apenas a noção de força. Direito e poder se confundem

( OLIVEIRA, 2002, p.47; LIMA, 2001, p.140).

Sobre a concepção de direito natural em Hobbes, Lima (2001, p.142) define-a como individualismo jurídico. Isto porque o direito passa a ser considerado como

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que é Deus, fonte primeira de toda moralidade e de todo direito, paraser colocados sobre a frágil e movediça vontade do homem,reaparecendo assim a ominosa estatolatria e o estado onipotente,fonte e origem de todos os direitos, entre os antigos romanos. Quatro

escolas engendradas pela idéia racionalista do protestantismopretendem explicar a origem do direito, a saber: a utilitária , deHobbes, de Bentham e dos materialistas em geral; a individualista , deRousseau, de Kant e dos liberais, a  panteísta , de Schelling, Hegel eKrause e a histórica , de Savigny e Stahl, e todas elas por distintoscaminhos vieram a dar na mesma conclusão de que o Estado é a únicafonte de Direito’ [grifo do autor] ( OLIVEIRA, 2002, p.47).

3.7 GROTIUS: O DIREITO COMO FONTE DE SI MESMO 

Grotius libertou-se do pensamento escolástico e marcou, definitivamente, o

fim da Idade Média, e o início do mundo moderno, para a ciência do direito. Elaborou

esta em bases novas, inteiramente livres e autônomas. Muito embora Hobbes tenha

sido o precursor de uma nova concepção do direito natural e da sua autonomianaturalista, a obra De jure belli ac pacis de Grotius é apontada como o primeiro tratado

de direito natural digno do pensamento moderno ( LIMA, 2001, p.157-158).

Para ele, o direito “tem sua fonte em si mesmo [sic!] e é imutável como a

natureza e a razão” (apud LIMA, 2001, p.157). Oliveira (2002, p.48) explica que já

“não é mais o justo como entendia a escolástica – o direito das pessoas no

significado de res justa , rigorosamente ininteligível sem o Criador – mas um direito

imanente dos indivíduos e entregue nas mãos do Estado” [grifo do autor].

3.8  A  ESCOLA MODERNA DO DIREITO N ATURAL 

Grotius exerceria grande influência no conjunto de pensadores formado por

Puffendorf, Thomasio, Wolff e Vattel, os quais formariam depois a Escola Moderna

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do direito natural. “Em vez de dar ao direito natural uma preeminência absoluta,

parecerá subordiná-lo aos interesses políticos e às condições locais, acentuando que

o direito natural dos Estados é outro que não o dos indivíduos” ( LIMA, 2001, p.184-

185).

Prepararam assim francamente o individualismo jurídico de Rousseau (1712-

1778), e o racionalismo de Kant (1724-1804). Rousseau e Kant representam os

primeiros e grandes precursores imediatos das concepções niilistas, materialistas e

negativistas presentes nas mais diversas escolas jurídicas contemporâneas.

3.9 O CONTRATUALISMO DE R OUSSEAU 

O amoralismo de Spinoza e de Hobbes começa a dar frutos e manifesta-se

em Rousseau pelo predomínio da vontade soberana e arbitrária na confecção do

direito. “Spinoza não fez senão acentuar a amoralidade da idéia jurídica de Hobbes ea eficácia obrigatória da vontade soberana, que prega o filósofo britânico. O que

Rousseau acresce a essa concepção de origem do direito é a exaltação do elemento

individual e o estabelecimento da lei da maioria” (  ARAMBURO, 1924, v.1, p.61). Lima

(2001. p.188-191) completa a explicação:

Em Rousseau atinge sua repercussão mais pura e adquire a suarepercussão mais ampla a teoria do consensualismo, que Grotiuslançara [...]. Em Rousseau a idéia de contrato Social se tornafundamental. O estado de liberdade natural, em que o homem erafeliz, desconhecia as regras de justiça. [...]

Rousseau baseia o direito no consenso das vontades e dá o grandeimpulso, teórico e prático, ao individualismo jurídico que estavalatente [até então] [...]. Mas que só ele deu expressão iniludível.

O “direito natural” que explodiu na Revolução Francesa a partir da“declaração dos direitos do homem” [...] não é direito naturalobjetivo, que fomos encontrar na antigüidade greco-romana e naIdade Média [...]. O direito natural de Rousseau é um direitosubjetivo, baseado na vontade individual e a que o Estado emprestaapenas a força para sua defesa.

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Rousseau representa uma encruzilhada jurídica no início do mundo

moderno, da qual se originam os caminhos mais contraditórios do terreno do direito.

É aí em que irão abeberar-se tanto os partidários do individualismo, como aqueles

desejosos de uma ciência jurídica penetrada de princípios socialistas. Trata-se apenas

de adaptar essa “ascendência absoluta da vontade popular” aos gostos

revolucionários mais em voga ( LIMA, 2001, p.192).

3.10 O INDIVIDUALISMO JURÍDICO DE K  ANT 

Esse predomínio do indivíduo manifestar-se-á também, de modo patente, no

racionalismo de Kant. Este representará na história do direito um papel muito mais

importante que Rousseau. Foi ele o verdadeiro sistematizador de todas as idéias

novas, sobre a matéria, que andavam esparsas desde a Reforma e o Renascimento.

Henri Ahrens (1852, p.30), em seu Curso de Direito Natural , o confirma:

Em toda a doutrina filosófica de Kant, o espírito novo, nascido daReforma religiosa e desenvolvido durante três séculos, é pelaprimeira vez elevado à altura de um princípio metafísico. É oespírito de exame, de crítica, partindo da liberdade pessoal echegando no fim à consagração da personalidade e da liberdadeindividuais.

Para Kant, direito e moral se dividem, conforme regulam a liberdade internaou externa. Legalidade e moralidade dirigem respectivamente os atos exteriores e

interiores do homem. E só a moral implica para o homem a idéia de dever. O direito,

já então radicalmente separado da moral, é apenas um “princípio de restrição”. O

direito não leva à ação. Limita-se a proteção exterior, à tarefa coercitiva, pois o

direito e a faculdade de coagir são duas coisas idênticas ( LIMA, 2001, 191-195).

Kant também aceita a origem consensual da sociedade, e o estado pré-jurídico, como Rousseau e a escola moderna do direito natural, mas não atribui ao

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direito uma origem apenas consensual e sim racional. Essa racionalização do direito

representa uma forma de individualismo voluntarista porque para ele “o fundamento

de toda legislação prática é a idéia de vontade de cada ser racional como vontade

legisladora universal” ( BOUTROUX ,  1926,  p.301). A conseqüência será uma

exteriorização do direito. Sua redução a um simples corpo de regras, capaz de conter

as liberdades individuais em choque, na sociedade.

Lima (2001, p.195) afirma que o próprio Kant reconhecera que “esse

formalismo jurídico perdia toda ligação profunda com a inclinação natural da alma

humana e convertia o direito em um caso de mero policiamento social”. Com efeito,

o que se observa é um deperecimento da noção do justo natural.

Concomitantemente, o Estado paulatinamente é erigido em única fonte do direito.

Oliveira (2002, p.49), assim sintetiza essa nova rotura:

Rousseau e Kant, nos fins do século XVIII, representam uma novaruptura: aquele com a teoria do consensualismo jurídico; este com opredomínio absoluto da razão subjetiva. Ambas as idéias – ocontrato e a razão individual – conduzem à concentração de poderes

de criação do justo nas mãos do Estado, este mesmo Estadodivinizado por Hegel, para quem os direitos individuais são apenasum reflexo dos direitos do Estado. Para Hegel a liberdade doindivíduo é o fundamento do direito, cujo conceito só tem realidadeefetiva na sociedade estatal.

Kant foi quem submeteria o direito natural a uma última transformação,

ainda mais profunda que a de Rousseau: declararia o direito imanente ao homem e

não mais transcendente, o que o tornaria conseqüentemente mera criação humana, e

não algo superior que se lhe impõe ( LE FUR , 1928, p.332).

3.11  A DESJURISDIZAÇÃO DO DIREITO 

 As grandes teorias do século subseqüente partiriam – todas elas – do marcoestabelecido por Kant e Rousseau. Algumas acentuando a ação do espírito impessoal

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na formação do direito, como o idealismo jurídico de Hegel. Outras reduzindo a

história do direito à história do espírito nacional dos povos, como a escola histórica

de Savigny. Haveria ainda aquelas que, negando toda a metafísica do direito, o

reduziriam a um produto da evolução social da humanidade, como no positivismo

jurídico de Spencer e Ihering. Finalmente, apareceriam as que iriam combater a

própria idéia do direito, ora em nome do socialismo, como Fourier ou Louis Blanc,

ora em nome da sociologia, como Augusto Comte ( LIMA, 2001, p.187 et seq.).

  As idéias desintegradoras do direito situam-se no contexto de umaRevolução filosófica global – do homem, da cultura, da civilização edo próprio universo. A reforma diluiu a base metafísica do justo

desligando-o da lei eterna. E na busca de uma nova ordem jurídicafundada na Razão, a Revolução Francesa transportou para o Estadoa tarefa de plasmar em códigos um direito pré-concebidocerebrinamente em laboratórios ( OLIVEIRA, 2002, p.49).

 A Revolução Francesa é sem dúvida o momento, a partir do qual, o Estado

torna-se adminículo e fonte de todo direito. Cambacérès em um discurso sobre a 

ciência   social afirmará que “todo direito há de emanar da autoridade pública” (apud

 JOUVENEL, 1978, p.151). Posicionamentos assim se sucederam, de requinte em

requinte. Assim já se admitia que o indivíduo só vale através do Estado; que os

direitos individuais são apenas um reflexo do direito do Estado, afinal de contas, os

deveres que o Estado impõe devem necessariamente confundir-se com os direitos

dos seus membros ( HEGEL, 1928, p. 82, 196, 251).

Os desdobramentos mais extremados desse legalismo (comumente

denominado por nossos juristas de positivismo jurídico, ou legalismo positivo – 

expressões ao nosso ver bastante vagas) consubstanciaram-se nos ordenamentos

jurídicos elaborados pelos Estados totalitários do século XX , notadamente, os de

orientação nacional-socialista e comunista.

Entretanto, em nações de normalidade democrática, tal positivismo jurídico

foi capaz de assegurar por muito tempo, a segurança jurídica, a paz interna, e a

mantença das instituições. Ocorre que no decorrer de mais de dois séculos,

transcorridos desde a Revolução Francesa, o organismo jurídico continuara a serbuído em sua integridade. Já desprovido de seus fundamentos metafísicos, o que

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sobrará ao direito? Lima (2001, p.23) acredita que, a continuar nesta marcha,

estaremos à mercê de um incerto relativismo jurídico, negador de toda juridicidade,

corolário do materialismo filosófico que pervadiu todas instâncias da atividade

humana:

Chegamos, finalmente, com o relativismo e o materialismo jurídicos,à supressão final de toda independência e de toda dignidade dodireito e sua subordinação servil a outros valores históricos, decaráter político, econômico ou técnico. Em suma: o absolutismo

 jurídico do Renascimento levou-nos ao negativismo jurídico dos temposmodernos [grifo do autor].

  Adiante, veremos como o alternativismo jurídico encaixa-se perfeitamentecomo um dos agentes desta desvirtuação extremada que sofre o direito. Para

descrever a essência do direito alternativo é que se burilou o capítulo seguinte,

derradeiro da presente pesquisa.

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Capítulo 4D A REVOLUÇÃO CULTURAL 

NO DIREITO 

Criar um sistema jurídico proletário; trazer à superfície aquilo que Marx e Lenine escreveram acerca da sobrevivência do direito burguês e sobre odesenvolvimento da sociedade comunista no seio da sociedade capitalista; renunciar à compreensãoobjetiva do direito e afirmar o ponto de vista normativo ou da vontade subjetiva (Paschukanis).

SUMÁRIO:  4.1 Um movimento de essência ideológica. 4.2 A razão dorótulo direito alternativo. 4.3 O direito: importante intrumento a serviçoda revolução. 4.4 A linguagem alternativista e as categorias gramscianas.4.5 Sociedade civil : movimentos sociais e direito alternativo. 4.6 Reformado senso comum : alterar a noção do justo.

4.1 UM MOVIMENTO DE ESSÊNCIA IDEOLÓGICA  

Quando o primeiro grupo de magistrados se reuniu na sede da Associação de

  Juízes do Rio Grande do sul, para “pensar o direito comprometido com o novo

modelo de sociedade” ( CARVALHO,  A., 1993, p.30), foram convidados apenas juízessocialistas. Era uma exigência ideológica ser juiz socialista.

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Esse aspecto ideológico não é acessório, mas faz parte da essência mesma do

Movimento do direito alternativo. Rodrigues (1992, v.2, p.184) dá prova disso ao

afirmar que “o movimento defende a construção de uma sociedade democrática  [Cf.

item 2.8.2, supra] e socialista. Assume-se como dialético e parte da constatação de

uma luta de classes que não pode ser negada” [grifo nosso].

  Arruda Júnior (1991, v.1, p.86) complementa esse entendimento

reconhecendo que os alternativos “assumem em grande medida, o referencial

marxista como ponto de partida para a compreensão do fenômeno jurídico”, ou

como afirma em outro de seus escritos:

O marxismo continua sendo um referencial importantíssimo para aanálise do direito e, mais do que isso, da sociedade que pretendemostransformar, transformando a superestrutura jurídico-política (Id.,1993, p.91).

“O Direito é a vontade, feita Lei, da classe dominante”, ou seja, o Direito é

um instrumento de dominação. Após o exame de extensa bibliografia, pôde-se

 verificar que essa informação básica é nela fornecida com bastante clareza, e até com

certa insistência, com as mesmas palavras ou com semelhantes.

É, realmente, o ponto de máxima insistência. Tomada assim, como se lê nos

autores alternativos, a frase parece um truísmo (em nenhuma das obras, havia a

referência bibliográfica, citando sua fonte). A conseqüência imediata desse

pressuposto é que a estrutura jurídica vigente careceria de plena legitimidade. Pois, se

o direito é mero instrumento de dominação “que defende os intentos de grupos

privilegiados e de minorias elitistas” (  WOLKMER , 1991, v.1, p.138), não pode ter

legitimidade plena. Junqueira (1992, v.2, p.105-106) confirma a idéia ao fixar um dos

traços centrais do pensamento alternativo:

[No alternativismo jurídico] em qualquer de suas vertentes, omodelo de transformação da ordem estatal constrói-se a partir deum movimento de subversão do ordenamento jurídico existente – percebido, a partir de uma leitura marcadamente marxista, como um

instrumento de dominação e de proteção dos interesses da classedetentora do poder econômico e político.

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Nessa lógica, seria preciso refazer a realidade histórica, satisfazer às

exigências de emancipação de uma classe social: “o proletariado portador da

consciência da transformação social, na concepção marxista clássica” ( SOUZA 

 JÚNIOR , 1991, v.1, p.133). Trata-se de uma concepção, segundo a qual, o direito já

não é aceito como objeto da Justiça ( CATHREIN, 1958, p.51 et seq.). O que se tem é

uma “proposta tanto de caráter prático, quanto teórico, de utilizar e consolidar o

direito e os instrumentos jurídicos numa direção emancipadora [...] como fator de

mudança social” ( GOMEZ, 2001, p. 82).

O direito fica assim reduzido a mero uso por parte daqueles juristas

empenhados em construir o socialismo, convertendo-se em uma prática

revolucionária  processual – a qual Gramsci denominou   guerra de posições (  ANDRADE,

1996, p. 127):

 À dominação deve preceder um conjunto de direções culturais eminstituições (na sociedade civil  mas também no Estado), que possamdar consistência ao novo, desconstruindo o velho e apontando ossinais de perda da hegemonia global. Por conseqüência, a crise orgânica

e a crise do bloco histórico que lhe acompanha, ao expressarem umnovo rearranjo de forças no Estado, redefinem também o direitopositivo [grifo nosso] (  ARRUDA  JÚNIOR , 1997c, p.104).

Por essa razão, o ordenamento jurídico vigente é rejeitado não por seus

defeitos e vicissitudes – afinal de contas, isso não lhe implicaria a perda da

legitimidade, visto no seu conjunto. “Consideram-no injusto em si mesmo porque

está a serviço da classe dominante, contrário à emancipação igualitária” ( OLIVEIRA,

2002, p.126).

4.2  A RAZÃO DO RÓTULO DIREITO ALTERNATIVO 

Essas posições adotadas pelos membros do alternativismo jurídico sãosuficientemente diáfanas para esclarecer uma questão que já foi posta por vários

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autores: qual o sentido do termo “alternativo” adotado como auriflama? Tratar-se-ia

de uma alternativa à ordem jurídica vigente? Em que sentido? Deseja-se outra ordem

jurídica? As duas ordens – a odiada e a desejada – se alternariam como se alternam as

estações do ano? Ou coexistiriam pacífica e simultaneamente, no sentido em que se

pode dizer, que o peixe e a carne bovina são duas alternativas de que dispõe o

freguês? Ou haveria incompatibilidade entre ambas, sendo sua alternatividade a

mesma que existe, por exemplo, entre a vida e a morte, a saúde e a doença, o

trabalho e o roubo?

Eis aí vários tipos de alternatividade bem diversos: sucessão,

complementação, oposição. Não nos parece tarefa custosa concluir qual delas

convém ao termo direito alternativo. Adeodato (1992, p.164) explica que a palavra

“alternativo” “reclama um complemento nominal: alter (outro)nativo a que? A

resposta é simples [...]: ao direito dominante, oficial, dogmático”. O que se “exige é a

criação de um direito paralelo, este sim – pretendem – com plena legitimidade, em

função do qual sempre se julgariam os feitos, aproveitando-se ou não os preceitos do

direito posto, conforme certas conveniências” ( DANIELE, 1995, p.318). Entende-seportanto que, “na sociedade dividida existem dois direitos, o Direito da Dominação e

o direito alternativo da Libertação” ( BOLETIM..., 1992, p.3).

O direito alternativo concorrerá com o direito vigente, ao mesmo tempo em

que se integrará a ele. Nisto consiste a alternatividade:

  A simultaneidade de duas ordens jurídicas, de dois poderes, sendo

um o “insurgente”. Dá-se a corrosão de um em benefício do outro,como se pode imaginar que acontecesse com dois irmãos siameses.Um (o Poder paralelo) iria crescendo e se nutrindo do outro (oPoder oficial), até lhe exaurir toda a seiva vital ( DANIELE, 1995,p.324).

Nesse sentido, tem muito valor a explicação de Tarso Genro (1991, v.1,

p.26) ao se referir ao direito alternativo: “uma ordem dominante não está isenta nem

descontaminada de uma outra ordem, potencialmente existente, que concorre com

ela e ao mesmo tempo a integra”. Andrade (1992b, v.2, p.92) define muito

claramente como isso se dará em termos práticos:

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4.4  A LINGUAGEM ALTERNATIVISTA E AS CATEGORIAS GRAMSCIANAS 

O pensamento alternativo é expresso em uma “linguagem recheada de

neologismos, quase impenetrável para quem não se acostume com ela” ( OLIVEIRA,

2000, p.63). Por outro lado, é quase impossível de se decifrar, o verdadeiro sentido

dos textos alternativos sem um conhecimento prévio das categorias Gramscianas.

 Termos como, por exemplo, sociedade  civil , transição  pacífica   para  o socialismo, 

democracia, via democrático-consensual, socialismo democrático, pluralismo socialista, estado

ampliado, democracia radical, emancipação das classes subalternas devem ser entendidos

em sua acepção gramsciana. Não se pode, portanto, tomá-los em seu significado

corrente, sob pena de lhes retirar seu sentido autêntico e original.

4.5 S OCIEDADE CIVIL: MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITO ALTERNATIVO 

Um dos aportes essenciais da estratégia gramsciana é a luta pela conquista da

hegemonia  no seio da sociedade civil  como condição para a tomada do poder.

Resulta desse pressuposto a necessidade de uma perfeita sincronia entre sociedade civil  

e direito alternativo – entre as entidades privadas responsáveis pela conquista da

hegemonia e seus coadjutores nos meios jurídicos. Isso se explica porque “o processo

social de mudança é um movimento que tem na sociedade civil uma fonte originária e

redefinidora da esfera estatal” [grifo nosso] (  ARRUDA  JÚNIOR , 2001, p.45).

Como já se afirmou antes [Cf. item 2.3, supra], o conceito de sociedade civil  

não coincide com o de povo, nação ou sociedade nacional, mas compreende – 

tomando as palavras de Roberto Lyra Filho, um dos pioneiros do alternativismo

jurídico – aquele conjunto de grupos que “adotam posições vanguardeiras, como

determinados sindicatos, partidos, setores de igrejas, de associações profissionais e

culturais e outros veículos de engajamento progressista” ( LYRA FILHO, 1996, p.10).

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geral “o poder onipresente e invisível de uma lei natural, de umimperativo categórico, de um mandamento divino” [grifo nosso].

  A difusão da estratégia de Antonio Gramsci nos meios alternativos foi um

forte elemento orientador de rumos e objetivos. Da análise das posições do

movimento ao longo do tempo, pôde-se observar, gradativamente, um movimento

migratório para as “categorias” gramscianas, ainda que nem todos os autores façam

referência expressa a Gramsci. A linguagem marxista clássica foi em larguíssima

medida substituída. Até mesmo as expressões “direito alternativo” e “uso alternativo

do direito”, passaram a ser utilizadas mais escassamente. No último Congresso

Internacional de Direito Alternativo, elas não apareciam em nenhuma das tesesaprovadas ( OLIVEIRA, 2002, p.11). Tudo isso representa um aparente recuo

estratégico, que permite a continuidade da marcha do processo revolucionário, com

mais força inclusive.

  A gradualidade defendida por Gramsci não descarta o uso da violência em

um momento decisivo. Quer dizer que para os alternativistas, “aceitar a tese da

revolução processual não significa abandonar, por considerar fora de questão, o‘momento explosivo’ que não deve ser descartado, afinal, difícil crer que a burguesia

recuará [...]” (  ARRUDA  JÚNIOR ., 1991, p.97).

  A relação de simbiose com movimentos organizados não chega a ser uma

postura caritativa ou humanitária por parte dos adeptos do direito alternativo, como

poderia parecer, à primeira vista (Cf.  ANDRADE, 1992b, p.82). Interessam-se por

esses grupos porque a base desse direito são “os novos  movimentos   sociais  enquanto

sujeitos coletivos capazes de produzir Direito” [grifo nosso] (Id., 1996, p.312).

Quando essas “coletividades” mostram-se avessas à luta de classes ou não estão

“conscientizadas” tornam-se incapazes de “produzir direito”. Isso cria um problema

para a teoria do direito alternativo, na medida em que, sua fonte é justamente a

sociedade civil .

Henri Lefèbvre (1970, p.56), conceituado interprete da teoria da luta de

classes, na célebre obra O marxismo, elucida o fenômeno ao censurar com escárnio

àqueles que assumem posições humanistas e caritativas, classificando sua atitude

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como “humanismo sentimental e choraminguento”. Ressalta que “o marxismo vê no

proletariado seu futuro e possibilidade” e por isso é preciso interessar-se por ele

“não enquanto é fraco, mas enquanto é forte”.

Gramsci soube ampliar imensamente a massa de manobra a serviço da

revolução. Quando cunhou a expressão classes subalternas  tinha em mente uma

zurrapa bem heteróclita, a qual não se limitava meramente ao proletariado [Cf. item

2.3, supra]. Isso explica a aparente contradição de que a sociedade civil  não seja

constituída unicamente de “explorados”, guardando em suas fileiras não pequeno

número de pessoas que ostentam uma cornucópia invejável.

Há uma relação umbilical entre o alternativismo jurídico e os chamados

movimentos sociais, porque, aqui no Brasil, tais grupos constituem o mais

preponderante elemento daquela lista de organizações privadas pertencentes à

sociedade  civil. Por esse motivo, os partícipes do direito alternativo devotam tamanha

importância a esses movimentos.

Na realidade o alternativismo jurídico é um direito concorrente e antagônico

ao Direito vigente ( DANIELE,  1995,  p.319). Por isso seus partidários consideram o

MST e seus congêneres não só como fonte, mas também uma manifestação típica

desse direito na ordem dos fatos. As invasões, rurais e urbanas, consubstanciam um

momento impar: é quando o poder paralelo sai dos livros, e enfrenta o Estado

(Ibid.).

Com o respaldo que se confere a esses movimentos, se está a favorecer a

conquista da hegemonia através de “novas práticas de cunho emancipatório” (  ARRUDA

 JÚNIOR ,  1997b, p.66). José Moreira Pinto não deixa dúvidas ao afirmar que os

alternativistas vinculam “a proposta de justiça nesses movimentos à utopia

comunista” ( PINTO, 1992, p.53).

Importante também é destacar que em um detalhe os alternativistas

ultrapassaram a estratégia gramsciana. Gramsci concebera que a  guerra   de   posições  

seria travada unicamente no âmbito da sociedade   civil . Os líderes do movimentoalternativo têm movido essa guerra na esfera da sociedade política  ( Estado em sentido

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todas elas, um meio perfeitamente distinto dos fins. Por isto mesmoa atuação do leninismo, ou do maoismo, é sempre delineada e

  visível, mesmo quando na clandestinidade. No gramscismo, aocontrário, a propaganda não é um meio de realizar uma política: ela é

a política mesma, a essência da política, e, mais ainda, a essência detoda atividade mental humana. O gramscismo transforma empropaganda tudo o que toca, contamina de objetivospropagandísticos todas as atividades culturais, inclusive as maisinócuas em aparência.

O gramscismo é menos uma filosofia do que uma estratégia de ação

psicológica “destinada a predispor o fundo do ‘senso comum’ a aceitar a nova tábua de

critérios proposta pelos comunistas, abandonando, como ‘burgueses’, valores eprincípios milenares” [grifo nosso] ( CARVALHO, O., 1994, p.45). Uma das funções

primordiais do direito alternativo será suprimir, do senso comum , a idéia tradicional de

justiça ( OLIVEIRA, 2002, p. 69).

Gramsci enfatizava a importância de ter às mãos a educação primária. É que

seu plano de ação é extremamente “pedagógico”. É difícil delimitar a exata

concepção gramsciana do direito, mas há nela um traço fundamental: a  função 

 pedagógica   do  direito. Arruda Júnior (1997b, p.65) explica que Gramsci ao mesmo

tempo em que “enfatizava o caráter negativo, admitia a   função pedagógica do direito. Ao

mesmo tempo em que se referia aos técnicos do direito como zonas de indiferença , propõe

a construção de uma concepção do direito essencialmente inovadora ” [grifo do autor]. 

Essa chamada “função pedagógica do direito” é a chave para se entender a

razão de existir um movimento jurídico revolucionário, fundado em métodos

gramscianos. Gramsci acredita que o direito desempenha função idêntica à da escola,

só que de maneira coativa. Os tribunais seriam instrumentos pelos quais se

processaria, de forma negativa, o exercício pedagógico da hegemonia  [grifo nosso]

( GRAMSCI,  2000, v.3, p.284; SOARES, 2000, p.161). Dessa forma, ter-se-ia um

eficiente meio de educação e assimilação das massas:

[...] é um problema de educação das massas, de sua “conformação”

segundo as exigências do fim a alcançar. Esta é precisamente a função dodireito no Estado e na sociedade; através do “direito”, o Estado torna“homogêneo” o grupo dominante e tende a criar um conformismo social

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que seja útil à linha de desenvolvimento do grupo dirigente ( GRAMSCI, 2000,  v.3, p.240).

Há uma “preocupação de Gramsci com o novo senso comum. Ele acreditava

na possibilidade de transformação social construída a partir da ampliação de

expectativas morais indicadas em princípios jurídicos” (  ARRUDA   JÚNIOR , 1997a,

p.36). Conseqüentemente, alterando-se os princípios jurídicos, criando-se um “novo

direito” se estará dando mais um passo para a substituição do senso  comum . E nos

meios jurídicos, “o direito alternativo é o projeto mais próximo da redefinição do

senso comum ” [grifo nosso] (  ARRUDA  JÚNIOR , 1997c, p.103). Gomez (2001, p.11-16)

explica mais detalhadamente:

Nos encontramos frente à emergência de um novo “senso  comum ”jurídico e político, a partir do qual é possível fundamentar uma novateoria da democracia e da emancipação. [...]

O ponto de chegada de nosso largo caminho será a conclusão daimperiosa necessidade de entender o direito alternativo, seus limitese possibilidades, no marco de uma redefinição do papel dajuridicidade, de mãos dadas com os “atores não-convencionais”, sem

os quais o novo “senso  comum ”, ao qual fazíamos referênciaanteriormente, não poderia ser sequer imaginado [grifo nosso].

Os operadores do direito ficam investidos do status de intelectuais orgânicos .

Uma de suas tarefas mais essenciais será a de extirpar do senso comum a noção natural

de justiça. Para tanto, vêm realizando um árduo trabalho de “desconstrução”

(   ARRUDA JÚNIOR ,  1997b, p.66) do ordenamento jurídico existente, por meio de

diversos canais e práticas.

Não nos lançaremos à empresa de analisar, de forma pormenorizada, proble-

mas como segurança jurídica ou limites interpretativos do julgador sob pena de extra-

 vasar os limites da pesquisa. Mas cabem algumas considerações em face das investidas

alternativistas contra o senso comum jurídico que – acreditam – deve ser substituído.

Os alternativistas adentram no terreno da aplicação da lei por entender que o

processo legal existente é uma “farsa” (  ANDRADE,  1992a, p.102). Admitido esse

pressuposto, a lei atual poderá ser frontalmente desobedecida, já que “em

determinados casos há que se romper os limites da legalidade” ( CARVALHO, A., 1991, 

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 v.1,  p.57); ou simplesmente manipulada, por meio de uma operação de “guerrilha

interpretativa” (Id., 1992, p.89).

Há quem afirme que essas duas visões a respeito dos limites de interpretaçãoconstituem duas correntes do movimento, sendo uma radical, por defender as

decisões contra legem , e outra moderada, por contentar-se apenas em praticar

guerrilha interpretativa. Entretanto, ambas pressupõem logicamente o mesmo

fundamento: o direito vigente careceria de plena legitimidade, da qual seria detentor

o Direito achado na rua, insurgente e alternativo.

Essa diferenciação entre moderados e radicais não se sustenta, tendo em

  vista o escopo revolucionário e utópico que rege o movimento. Interpretar ou

desobedecer à Lei de frente, não passam de dois matizes que dependem de tática ou

de paladar, dentro de um mesmo sistema. Nada mais que uma divisão interna,

quanto aos métodos.

Entretanto, é preciso ponderar que a corrente intitulada de “moderada” tem

suscitado menos reações e possibilitado, com muito mais eficiência, a difusão de suas

idéias, inclusive entre pessoas infensas aos “radicais”. Isso se deve não só à proposta

de manipular a lei em vez de afrontá-la, mas também à adoção de um discurso muito

mais sentimental do que contestatário, à escamoteação dos objetivos mais

extremados, além de outros tantos pequenos pontos que fazem muita diferença na

hora angariar simpatias e conquistar adeptos.

Esse modo de agir está muito mais adequado à estratégia gramsciana, por sua

capacidade de influenciar, sem levantar oposições. Mas, não quer dizer que os

radicais não tenham o seu papel: a aparente divisão entre moderados e radicais é um

dos elementos daquela miscelânea de propensões [Cf. item 1.3, p.23] ínsita a

qualquer processo revolucionário:

  A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria umponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo osmoderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando.

 Assim, o socialismo repudia o comunismo mas o admira em silêncioe tende para ele. Mais remotamente o mesmo se poderia dizer docomunista Babeuf e seus sequazes nos últimos lampejos da

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Revolução Francesa. Foram esmagados. Mas lentamente a sociedade vai seguindo o caminho para onde eles a quiseram levar. O fracassodos extremistas é, pois, apenas aparente. Eles colaboram indireta,mas possantemente, para a Revolução, atraindo paulatinamente para

a realização de seus culposos e exacerbados devaneios a multidãoincontável dos “prudentes”, dos “moderados” [grifo nosso]( CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.47).

 A atitude de rejeição do direito alternativo não se limita ao direito positivo.

Inclui também uma série de princípios jurídicos admitidos como válidos desde as

primeiras fímbrias de civilização. É o caso da segurança jurídica. Amilton Bueno de

Carvalho está convicto de que é um instituto que deve ser abolido, chegando a afirmar

que “quem precisa de segurança jurídica é conservador” (apud DANIELE, 1993, p.8).

Por conseguinte, o próprio direito alternativo fica transformado em uma

“roda-viva”, permanentemente cambiante, uma vez que a segurança jurídica é conde-

nada in totum , e enquanto princípio. E a despeito de alguns autores afirmarem que o

direito alternativo seja também a construção de um “novo direito” já no seio da

sociedade burguesa (  ANDRADE, 1992b, v.2, p.92;  ARRUDA JÚNIOR , 1992a, p.173; Id.,

1997c, p.104; CARVALHO,  A., 1993, p.30), a negação do princípio basilar da seguran-ça jurídica o torna apenas um direito de “negação” ou “desconstrução” ( GOMEZ,

2001, p. 82;  JUNQUEIRA, 1992, v.2, p.105-106) do ordenamento jurídico vigente e da

sociedade atual. Não passa de um mero instrumento de revolução, que será

descartado no momento oportuno, quando já tiver cumprido o seu papel.

  A segurança jurídica é um elemento indispensável para a subsistência e

manutenção de qualquer sociedade minimamente organizada. Ao admitir a hipótesede uma “justiça insegura”, o direito alternativo mostra, mais uma vez, que tem em

  vista apenas o esboroamento do direito instituído. Porque, se por um lado, a

hipótese de uma “segurança in- justa é inadmissível, não menos o será – e aqui até

inclusive, se supõe, como impossível de fato – uma justiça in-segura , uma justiça in-

certa ” [grifo do autor] ( DIP,  2003). O Prof. Ricardo Dip (2003)  esclarece mais

detalhadamente:

Os homens precisamos saber em que nos fiar, a que nos ater, quaissão as regras do jogo, as regras da vida jurídica em concreto. Isto é

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indispensável para que possamos exercitar o direito de observânciade nossos deveres  de justiça e de exigir que, a nosso respeito, seobservem também os deveres jurídicos que lhes correspondam [grifodo autor].

Na verdade, para o intelectual orgânico operador do direito, defensor do

direito alternativo, essa discussão não tem o menor interesse, já que esse tipo de pro-

cedimento desestabilizador objetiva criar um “caos criativo” ( GOMEZ,  2001,  p.57),

armando conflitos, para possibilitar que o próprio direito alternativo entre em cena

com suas “soluções” (Ibid.). Assim é que se considera que as invasões rurais e urbanas

constituem verdadeiro direito, válido contra a Lei que as proíbe ( DANIELE, 1993, p.8).

  Todo esse conjunto de disposições atesta o reduzido caráter jurídico

presente no direito alternativo. Mas isto não preocupa seus asseclas. Seguindo dessa

forma, o direito alternativo vai realizando sua missão de reformar o senso comum, por

meio de seus adeptos – os intelectuais orgânicos , operadores do direito.

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 CONCLUSÃO 

Os Romanos, inspirados filosoficamente nos gregos,criam o Direito como arte autônoma, relativamente livre da álea fugaz da sorte política. E concebem- no com parte natural e parte positiva.Compreendendo que a aspiração humana à Justiça nunca se deixará enclausurar no papel das leis.Daí que o Direito Natural seja o grande inspirador e o grande julgador do Direito positivo(Paulo Ferreira da Cunha). 

Uma das maiores realizações da civilização foi ter arrancado o direito ao

império dos caprichos pessoais, dos interesses políticos, da submissão servil a toda

ordem de interesses responsáveis por desviá-lo daquela razão única que é a de ser

objeto da justiça. Essa conquista, entretanto, não duraria para sempre. Por volta do

século XIV ,  o direito começaria a ser corroído lenta e sucessivamente. De ciênciaindependente e autônoma foi paulatinamente se submetendo à política, à economia,

e a um vazio tecnicismo.

 Apesar de tudo isso, difícil era conceber que viria o dia em que se defenderia

o uso do direito como elemento desagregador do tecido social. A instrumentalização

do direito proposta pelos alternativistas jurídicos ultrapassa em grande medida todo

tipo de desvirtuação que essa ciência sofrera até então. O direito alternativo ao

mesmo tempo em que defende uma espécie de negativismo jurídico, não reconhecendo

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a validade do sistema jurídico vigente, prega a utilização do direito para fins

declaradamente ideológicos.

 A sua idéia de justiça já não passa pelo suum cuique , mas adquire legitimidadeem vista dos fins almejados. O que se tem em vista é a realização de uma estratégia

revolucionária, a qual não se desenvolve unicamente na seara do direito: a estratégia

gramsciana. O interesse pelo direito, reside simplesmente na sua importância para a

realização utópica. Tudo o mais se desenvolve em torno dessa idéia principal – 

inclusive a noção do justo.

  A confrontação com a ordem estabelecida repousa na escusa de que o

ordenamento jurídico vigente não passaria da vontade, feita Lei, da classe dominante.

Quem detém o poder faz as leis. Estas por sua vez refletem a vontade de seus

autores. Nisso não há qualquer descoberta. Ocorre que pela glosa alternativista

acredita-se que as Leis são feitas exclusivamente de acordo com os interesses

econômicos da classe que prepondera na sociedade.

Não se nega aqui a possibilidade de haver abuso de poder, por parte de

quem o detém. Lamentavelmente, pode ocorrer que a elite responsável, por exemplo,pela criação das leis, faça-o em favor próprio. O que não é possível de se admitir é a

inevitabilidade determinista de que isto se dê, como querem os alternativistas. Da

mesma forma, não se pode acolher nem a legitimidade de um projeto que passe pela

eliminação de uma classe social – por meio de uma longa   guerra de posições – nem

tampouco o direito dos adeptos do direito alternativo em coadjuvar esta guerra.

É preocupante observar como os alternativistas voltam o mais completodesprezo a quem não concorde com seus pontos de vista. Isso se deve à condição de

intelectuais orgânicos ocupada pelos juristas partidários do direito alternativo dentro da

estratégia proposta por Antonio Gramsci. Aos outros juristas, intelectuais tradicionais, 

que não aceitem a tábua do “direito novo”, restará duas opções: aderir aos intelectuais 

orgânicos , ou se conformar a perder o bonde da história ( GRAMSCI, 2000,  v.2, p.16, 20).

Fazemos nossas as palavras de Avellar Coutinho (2003, p.42), para descrever

esse fenômeno intrigante: a convicção dos gramscistas de que são arautos da

modernidade, encobertos por um manto de legitimidade que tudo justifica:

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[Os intelectuais orgânicos] assimilando ou tomando os intelectuaistradicionais adesistas ou ingênuos por aliados, “inocentes úteis” ou“companheiros de viagem”, constituem uma oligarquia autoritáriaque, fazendo censura de fato e assumindo o monopólio do discurso,

exercem a direção cultural e política da sociedade civil e do próprioEstado. O projeto gramsciano de superação do senso comumburguês é um elemento desencadeador de um fenômeno em cadeia,criando um clima de mudanças, naturalmente estimulador, queelimina a estabilidade dos valores e conceitos da sociedade,enfraquecendo suas convicções culturais e suas resistências morais ecívicas.

Os adeptos do direito alternativo são pouco numerosos, para se falar em

censura de fato, como ocorre em outras áreas do saber. Mas já é de causar espécie amassa de operadores do direito que, de forma incauta, faz coro a fragmentos do

pensamento alternativista, mesmo sem o saber. Em geral, simpatizam com aspectos

acessórios desse movimento, sem contudo ter noção da estratégia revolucionária aí

existente. Chega a ser estranho notar como é desconhecido esse aspecto essencial do

alternativismo jurídico, uma vez que não haveria razões para isso, já que seus autores

dizem-no abertamente.

 A continuar ignota a verdadeira face do alternativismo jurídico, a penetração

sutil de suas doutrinas não cessará. A substituição do senso comum jurídico realizar-se-

á, sem que para isso o direito alternativo, enquanto movimento distinto do restante

dos juristas, seja preponderante, afinal, militância declarada não era a preocupação de

Gramsci, e os seguidores do direito alternativo sabem disso. Talvez quando nossos

juristas se derem conta de que o Movimento do direito alternativo não é

simplesmente um grupo de aventureiros, mas parte de uma matizada estratégia

revolucionária, possa ser tarde demais.

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