o direito alternativo

58
GEIVIS ALVES DA ROCHA DIREITO ALTERNATIVO E A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS Projeto de Pesquisa apresentado em cumprimento aos requisitos da disciplina de Monografia I do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Processus. Orientadora: Profª. Samira Otto

Upload: geivis-avles-rocha

Post on 26-Jun-2015

1.217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Direito alternativo

GEIVIS ALVES DA ROCHA

DIREITO ALTERNATIVO E A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

Projeto de Pesquisa apresentado em

cumprimento aos requisitos da disciplina

de Monografia I do curso de Bacharelado

em Direito da Faculdade Processus.

Orientadora: Profª. Samira Otto

BRASÍLIA – DF2010

Page 2: O Direito alternativo

2

SUMÁRIO

RESUMO.....................................................................................................................3

INTRODUÇÃO.............................................................................................................4

1. O DIREITO COMO CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA.................................................7

2. O DIREITO ALTERNATIVO...................................................................................15

2.1. Direito Alternativo - Conceito...........................................................................15

2.2. Hermenêutica – Interpretação.........................................................................18

2.3.1 Método integrativo.....................................................................................20

2.3.2 Método concretista...................................................................................21

2.3.3 Método autêntico.......................................................................................21

2.3.4 Método doutrinário.....................................................................................21

2.3.5 Método evolutivo........................................................................................22

3. O PRINCIPIO DA IGUALDADE E A TEORIA DA JUSTIÇA EM JOHN RAWLS NA PERSPECTIVA DO DIREITO ALTERNATIVO..........................................................27

3.1 Principio da Igualdade......................................................................................30

3.2 Teoria da Justiça John Rawls..........................................................................32

3.3 O Direito Alternativo e a Perspectiva de Justiça..............................................33

4. CRITICAS AO DIREITO ALTERNATIVO...............................................................36

CONCLUSÃO............................................................................................................39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................41

Page 3: O Direito alternativo

3

RESUMO

O presente trabalho faz uma análise do direito alternativo como possibilidade de interpretação e aplicação da lei reconhecendo as transformações decorrentes do mundo histórico e social. A reflexão é feita a partir das contradições, ambigüidade e lacunas do oficialmente legislado, tendo por foco a visão democrática via interpretação qualificada, considerando as transformações e suas repercussões no conteúdo e na concreta no contexto histórico e social.

Palavras-Chave: Direito Alternativo, Teoria da Justiça, Ideologia, Igualdade, Justiça Social.

Page 4: O Direito alternativo

4

INTRODUÇÃO

O Estado é a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em

classes, portanto o Estado não é a superação das contradições, mas a vitória de

uma parte da sociedade sobre as outras. Como, o Estado não pode realizar sua

função apaziguadora e reguladora da sociedade tendo o privilégio de classes, ele

precisa se travesti numa forma muito especial de dominação impessoal e anônima, e

o faz por meio das leis ou do Direito.

Nessa lógica os acontecimentos históricos são explicados de modo invertido

possibilitando que a classe dominante justifique suas ações, onde se tem a

legitimação dos dominantes com uma atribuição de racionalidade histórica, na

medida em que a história é compreendida como um processo pelo qual os homens

em condições determinadas estabelecem relações sociais por meio das quais

transformam a Natureza por meio do trabalho e para isso se dividem em classes

proprietários e de não proprietários.

Nessa perspectiva o presente trabalho aborda a questão do direito

alternativo como possibilidade de interpretação e aplicação da lei reconhecendo as

transformações decorrentes do mundo histórico e social.

O movimento que envolve o direito alternativo gira, fundamentalmente em

torno de duas idéias básicas: a busca do justo e o resgate da dignidade humana. É

um movimento de origem européia, especialmente no que consiste a elaboração e a

prática judicial de magistrado italianos, onde se trabalha o ordenamento jurídico

estatal instituído. Sua lógica consiste em explorar lacunas, ambigüidades e

imprecisões do texto legal, e a partir daí construir uma formulação nova, em defesa

do fraco, do pobre, do desprotegido.

A relação do trabalho com a teoria de justiça de John Rawls se deve ao fato

da compreensão de justiça como um lógica social que possui um estreito vinculo

com a distribuição de direitos e deveres fundamentais e das oportunidades

econômicas vinculadas as condições sociais existentes nos diversos setores da

sociedade.

Page 5: O Direito alternativo

5

John Rawls tem uma concepção de justiça que generaliza e conduz para a

perspectiva da teoria do contrato social de Locke, Rousseau e Kant e sua principal

tarefa é a proposição de justiça como equidade é delimitar quais os princípios seriam

escolhidos pelos indivíduos na posição original. Esse estado de coisas está em

equilíbrio ponderado, tudo está em ordem, ainda que nem tudo esteja estável.

A teoria da justiça como equidade pretende traz em seu interior uma crítica

às teorias utilitaristas onde se tem a compreensão que a sociedade está organizada

quando as instituições se planejam e se organização para a obtenção da satisfação

de seus membros de maneira individual e coletiva. A escolha para uma associação

é fruto de uma escolha individual, ou seja, a característica da visão utilitarista da

justiça esta no modo como as satisfações se dispersa entre os indivíduos.

Para atingir os objetivos propostos o trabalho esta organizado da seguinte

maneira: no primeiro capítulo trata do direito como uma construção ideológica que

criam relações que por sua vez se organizam por meio de instituições que

representam suas vidas através das idéias, dissimulando interesses contraditórios

como se fossem interesses comuns, sendo assim um processo de dominação de

uma parte da sociedade sobre todas as outras.

No segundo capítulo tem-se o Direito Alternativo O Direito alternativo a

partir da interpretação do texto legal, ao justo, para a concretização da justiça, pois

sem ética e justiça não há direito. Essa possibilidade é tão real que em um mesmo

julgado diferentes magistrados e até o mesmo tribunal, aplicam o mesmo preceito

legal de forma diversa, de maneiras distintas. Além da questão da hermenêutica,

pois a interpretação da lei voltada para as lacunas sociais é o maior objetivo do

direito alternativo.

No terceiro capitulo é feita uma análise da teoria da justiça em John Rawls

na lógica da igualdade e da justiça.

No quarto e último capítulo é abordada as criticas ao direito alternativo e sua

vinculação ao modelo marxista se manifesta na interpretação do direito a história e

afirma que o direito não pode ser superior à estrutura econômica nem ao

desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionado. Na visão dos

Page 6: O Direito alternativo

6

alternativos o direito é uma economia, uma política, um modelo social, sem Estado e

sem direito.

Page 7: O Direito alternativo

7

1. O DIREITO COMO CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA

A lei é uma construção estatal e com vinculo estreito com a classe

dominante. Tal compreensão se deve ao fato do Estado ser composto por um

sistema de órgãos que coordenam a sociedade politicamente organizada. O mais

gravoso é que na construção da estrutura estatal existe o predomínio do poder

econômico tendo em vista que os cargos eletivos e a própria estrutura de governo

terminam se subordinando a interesses dos grandes empresários.

Essa lógica termina por repercutir na produção legislativa e manifesta os

interesses de classes. Portanto, não se pode acreditar ingenuamente que o Direito

seja autêntico, legítimo e indiscutível. A produção legislativa abrange, em maior ou

menor grau, o Direito e Antidireito, ou seja, o Direito na perspectiva reta e correta, e

negação do Direito, vinculado a interesses classistas e vontades do poder

estabelecido.1

A identificação entre Direito e lei pertence, aliás, ao repertório ideológico do Estado, pois na sua posição privilegiada ele desejaria convencer-nos de que cessaram as contradições, que o poder atende ao povo em geral e tudo o que vem dali é imaculadamente jurídico, não havendo Direito a procurar além ou acima das leis. Entretanto, a legislação deve ser examinada criticamente, mesmo num país socialista, pois, como nota a brilhante colega Marilena Chauí, seria utópico/ilusão) imaginar que, socializada a propriedade, estivesse feita a transformação social completa. 2

O Direito esta aprisionado a normas estatais, ou seja, a padrões de conduta

sob a égide de ameaça de sanções organizadas por meio repressivos via órgãos e

procedimento de aplicação. Para Gramsci, é preciso um alargamento do foco do

Direito por meio da visão dialética, considerando as pressões coletivas e normas

não-estatais de classe e grupos explorados e oprimidos decorrentes de demandas

da sociedade civil considerando as posturas de vanguarda, de sindicatos, partidos,

igrejas, associações.3

1 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.32 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.33 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.4

Page 8: O Direito alternativo

8

Como bem afirma Norberto Bobbio um Pluralismo de evocação positiva

sem a existência de um poder monolítico, mas sim de diversos centros de poder

distribuídos e funcionalmente organizados, com possibilidade de participação e de

deliberação que é a essência da democracia. Em oposição a essa visão se tem

um estado caracterizado, pela falta de um verdadeiro centro de poder e, pela

existência de inúmeros centros que se enfrentam com e o poder central, onde

prevalece os interesses particulares e setoriais em detrimento do interesse

geral.4

A concepção do Direito precisa considerar o processo histórico, caso

contrário fica reduzido à pura legalidade, e se transforma em dominação ilegítima, e

passa a funcionar numa perspectiva de castração, e numa pseudociência,

denominada dogmática.5

Sob o ponto de vista do socialismo, não é outro o posicionamento de Ernst Bloch, o filósofo marxista alemão, quando afirma que “a dignidade é impossível, sem a libertação econômica”, mas a libertação econômica “é impossível também, se desaparece a causa dos Direitos do Homem. Estes dois resultados não nascem, automaticamente, do mesmo ato, mas reciprocamente se reportam um ao outro. Não há verdadeiro estabelecimento dos Direitos Humanos, sem o fim da exploração; não há fim verdadeiro da exploração, sem o estabelecimento dos Direitos Humanos”. Daí a importância da revisão crítica, inclusive numa legislação socialista. Nosso objetivo.6

O Direito deve ser fruto de transformações constantes que repercutem em

seu conteúdo e se manifesta de forma concreta no mundo histórico e social.

Portanto, decorre da diversidade, baseado nos fenômenos.7 O Direito, mas amplo e

abrangente que a lei, não se esgota na norma legal. Situando-se além desta, ele

contém em si o sentido e o senso justo, do social, do humano, do legitimo, revestido

de conteúdo axiológico.8

Para Orlando Gomes o próprio Estado ficou surpreendido ante o

desenvolvimento de normas jurídicas, que modernamente , lotam o espaço social e

4 BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4ª.ed. Brasília : Editora Universidade de Brasília. 1999.p.215 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.46 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.47 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.68 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.17

Page 9: O Direito alternativo

9

na manutenção do seu prestigio se viu forçado a incorporar ao sistema legislativo

muitas normas do direito social complexo dos grupos menos.9

É um equivoco a redução do Direito à lei, como entendem os positivistas, e

os dogmáticos. A lei, fórmula abstrata, inanimada, é parte, e uma porção do todo,

que é o Direito. Ao direito escrito se tem a contraposição do direito em elaboração

social, o direito praticado, construído pela ação transformadora da sociedade.10

Na legitimidade da norma o julgador deve confrontá-la com os princípios

gerais do direito, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a Carta

das Nações Unidas, com a Constituição Federal, com o art. 5º da Lei de Introdução

do Código Civil, enfim com os preceitos que possam permitir a visão social do

Direito.11

A lei repressiva, particularmente no âmbito criminal, é forte para os fracos e

fraca para os fortes. É lugar comum dizer que o Código Penal destina-se a pretos,

pobres e prostitutas. De acordo com Rabelais “ as leis são como teias de aranha; as

simples moscas e as pequenas borboletas se prendem nelas, mas os grandes

trovoes malfazejos as rompem e passam através”12

A lei é apenas o ponto de partida, não de chegada. O juiz tem o poder/dever

de completar a lei no momento de sua aplicação ao caso concreto. A justiça

conduzida dessa maneira livra-se das tecnalidade e chega ao ponto essencial. No

desempenho de sua função cabe ao juiz o julgar considerando a realidade

circundante. 13

Ideologia num primeiro momento representou o estudo e funcionamento das

idéias considerando os signos que as representam e evoluiu para o conjunto de

idéias de uma pessoa ou grupo, e junto com essa evolução veio as deformações do

raciocínio, através de conteúdos e métodos, distorcidos pelos condicionamentos

sociais, ou seja, a imagem mental não é à realidade das coisas.14

9 GOMES, Orlando. GOMES, Orlando. A crise do direito - Coleção "Philadelpho Azevedo". Max Limonad: São Paulo, 1955.p.9610 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.1911 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.1212 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.1213 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.2114 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.7

Page 10: O Direito alternativo

10

Neste ponto é que surgem aquelas diferentes abordagens que já mencionamos. Desprezando matizes e sutilezas, é talvez possível reuni-las em três modelos principais: a) ideologia como crença; b) ideologia como falsa consciência; c) ideologia como instituição. Nos dois primeiros, ela é considerada em função dos sujeitos que a absorvem e vinculam; no terceiro é procurada na sociedade e independentemente dos sujeitos. A ideologia como crença mostra em que ordem de fenômenos mentais ela aparece. A ideologia como falsa consciência revela o efeito característico de certas crenças como deformação da realidade. A ideologia como instituição destaca a origem social do produto e os processos, também sociais, de sua transmissão a grupos e pessoas. 15

As idéias são fruto do esforço mental deliberado e tem por característica o

senso crítico. Diferentemente das crenças, que representam opiniões pré-

fabricadas, que são transmitidas pela educação e pelo lugar que se ocupa na

estrutura social. É preciso considerar a natureza subliminar ou inconsciente das

crenças, pois é por meio delas que constrói a ideologia. Portanto, nem toda a

crença é ideologia, mas toda ideologia se manifesta como crença. 16

A falsa consciência introduz-se nas análises da ideologia, sobretudo a partir das contribuições marxistas. Não se trata de má fé, assinalam Marx e Engels, de vez que a má fé pressupõe uma distorção consciente e voluntária; a ideologia é cegueira parcial da inteligência entorpecida pela propaganda dos que a forjaram. O “discurso competente”, em que a ciência se corrompe a fim de servir à dominação, mantém ligação inextrincável com o discurso conveniente, mediante o qual as classes privilegiadas substituem a realidade pela imagem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la aos demais, com todos os recursos de que dispõem (órgãos de comunicação de massas, ensino, instrumentos especiais de controle social de que participam e, é claro, com forma destacada, as próprias leis).17

De acordo com Marilena Chaui18 o termo ideologia surgiu em 1801 no livro

de Destutt de Tracy, Eléments d'ldéologie (Elementos de Ideologia), onde com os

médicos Cabanis, De Gérando e Volney, DeStutt de Tracy elaborou uma ciência

tendo pro foco a gênese das idéias, em que os fenômenos naturais exprimiam a

relação do corpo humano, com o meio ambiente. Para De Tracy o ensino das

ciências físicas e químicas formariam um bom espírito, com capacidade de observar,

decompor e recompor os fatos, sem especulações vazias. Os autores dessa teoria

15 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.816 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.917 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.1018 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.10.

Page 11: O Direito alternativo

11

pretendiam construir ciências morais dotadas de tanta certeza quanto as naturais,

capazes de trazer a felicidade coletiva e de acabar com os dogmas.

A expressão ideologia voltou a ser utilizada por Augusto Comte em seu

Cours de Philosophie Positive. Com um significado mais amplo, pois além de voltar-

se para a formação das idéias tendo por ponto de partida a observação das relações

entre o corpo humano e o meio ambiente, tendo por foco as sensações; por outro

lado, expande-se para uma perspectiva de conjunto de idéias de uma época, numa

visão de elaboração teórica dos pensadores de determinada época19.

Portanto, na perspectiva de comtiana a ideologia é sinônimo de teoria, e

vista como a organização sistemática de todos os conhecimentos científicos, que

parte das idéias mais gerais, até os particulares. Como teoria, a ideologia volta-se

para o conhecimento da formação das idéias, tanto numa perspectiva psicológica,

como social, e incorpora um papel de direcionamento d a prática dos homens, que

se submetem a critérios e mandamentos do teórico em suas ações. 20

Para Marilena Chauí 21a concepção positivista da ideologia como conjunto

de conhecimentos teóricos possui três conseqüências principais:

- define a teoria de tal modo que a reduz à simples organização sistemática e hierárquica de idéias, sem jamais fazer da teoria a tentativa de explicação e de interpretação dos fenômenos naturais e humanos a partir de sua origem real. Para o positivista, tal indagação é tida como metafísica ou teológica contrária ao espírito positivo ou científico; - estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de mando e de obediência, isto é, a teoria manda porque possui as idéias e a prática obedece porque é ignorante. Os teóricos comandam e os demais se submetem; - concebe a prática como simples instrumento ou como mera técnica que aplica automaticamente regras, normas e princípios vindos da teoria. A prática não é ação propriamente dita, pois não inventa, não cria, não introduz situações novas que suscitem o esforço do pensamento para compreendê-las.

O Estado ao invés de ser poder distinto da sociedade, cuja função seria

ordenadora e reguladora do interesse geral estando acima dos interesses de classe

se transforma em instrumento de interesses particulares de classe e que se

19 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.1120 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.1121 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.12

Page 12: O Direito alternativo

12

manifesta na esfera da política as relações de exploração que existem na esfera

econômica. Portanto, para Marx o Estado é uma comunidade ilusória na medida em

que é assim percebido pelos sujeitos sociais que precisam dessa figura unificada e

unificadora para suportar as divisões sociais.

Para Marilena Chauí

A sociedade civil é o processo de constituição e de reposição das condições materiais de existência, isto é, da produção (trabalho, divisão do trabalho, processo de trabalho, forma de distribuição e de consumo, circulação, acumulação e concentração da riqueza), por meio das quais são engendradas as classes sociais (exploradores e explorados, isto é, a contradição entre proprietários e não proprietários). A relação entre as classes assim produzidas é contraditória porque a condição necessária e suficiente para que haja proprietários privados é a existência dos não proprietários. Ou seja, a existência da classe dos proprietários depende inteiramente da existência da classe dos não proprietários e esta última nasce do processo pelo qual alguns proprietários conseguem expropriar todos os outros e conseguem reduzir todo o restante da sociedade (escravos, servos, artesãos) à condição de assalariados. 22

A ideologia longe de ser um processo subjetivo consciente, se transforma

num fenômeno objetivo e subjetivo involuntário que se manifesta nas condições

objetivas de vida dos indivíduos. Portanto, no momento em que a relação do

indivíduo com a sua classe é a da submissão a condições de vida e de trabalho pré-

fixadas, essa submissão remete o indivíduo para uma ausência de identificação com

realizador em sua própria classe. 23

Logo, é impossível a compreensão do materialismo histórico e dialético, sem

a compreensão da luta de classes, pois a ideologia instrumentaliza a dominação de

classe, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados. Para

Marilena Chauí :

Por meio do Estado, a classe dominante organiza o seu aparelho de coerção e de repressão social que possibilita o exercício do poder sobre toda a sociedade, e a submissão às regras políticas. Portanto, o grande instrumento do Estado é o Direito, que através do estabelecimento das leis regula as relações sociais em proveito dos dominantes. O Direito oferece ao Estado o seu caráter legal, ou

22 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.2923 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.30

Page 13: O Direito alternativo

13

seja, como “Estado de direito”. O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja ti da como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para o dominante e dever para o dominado. Caso o Estado e o Direito fossem entendidos pelos dominados como instrumentos para o exercício consentido da violência, não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia é fazer com que o legal seja legítimo, isto é, portanto justo e bom. Para isso, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado, ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito e a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos.24

As formações ideológicas estão associadas a divisão de classes, e busca

favorecer uma em detrimento da outra. As contradições da estrutura são

manifestas permanentemente e carregam o peso da opressão. Engels dizia de

maneira enfática que o materialismo histórico é um caminho para a derivação da

estrutura social básica. 25

Em síntese, a formação ideológica (fato-instituição social), oriunda, em termos gerais, de contradições da estrutura sócio-econômica (mas não exclusivamente redutfvel a estas, pois, com relativa independência, aparece, subsiste ou se dissolve) cristaliza um repertório de crenças, que os sujeitos absorvem e que lhes deforma o raciocínio, devido à consciência falsa (isto é, a inconsciência de que eles são guiados por princípios recebidos como evidências e que, na verdade, constituem meras conveniências de classe ou grupo encarapitados em posição de privilégio). No esforço para nos libertarmos desses condicionamentos floresce, por outro lado, uma conscientização, favorecida, em seu impulso crítico, pelas crises que manifestam as contradições da estrutura social, onde primeiro surgiram as crenças, agora contestadas ou de contestação viável (se não nos acomodarmos na alienação, desligando a mente do que vai em torno). O grau desta conscientização, a sua própria coerência e persistência dependem sempre do nosso engajamento numa práxis, numa participação ativa conseqüente.26

A crise social se desenvolve a partir das contradições do sistema,

produzindo conscientizações que evidenciam os vícios estruturais que supera a

ideologia e faz avançar a ciência. 27

24 CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984, p.2925 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.1026 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.1227 LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.12

Page 14: O Direito alternativo

14

Page 15: O Direito alternativo

15

2. O DIREITO ALTERNATIVO

O Direito alternativo, também conhecido como Movimento do Direito

Alternativo, é um movimento de operadores do Direito com o objetivo de trazer a

reflexão sobre a percepção, interpretação e pratica da Ciência Jurídica. 28 Dentre os

operadores do direito que participaram do movimento tem-se Amilton Bueno de

Carvalho, Roberto Aguiar, José Geraldo de Sousa, Miguel Baldez, Miguel

Pressburger, José Reinaldo Lopes. Por ser um movimento de critica à ordem

estabelecida e havendo na época, ao final de uma ditadura militar, um forte espírito

de reivindicação social e de luta por liberdade.29

2.1. Direito Alternativo - Conceito

O direito alternativo vai de encontro a lei, não defende a livre interpretação

do juiz, e não despreza a teoria do direito. As criticas do Direito Alternativo são

voltadas para a teoria juspositiva, que descreve a realidade de forma falsa e a

ideologia juspositiva, que interfere na realidade, criando valores úteis às classes

mais favorecidas em detrimento da grande maioria da população. Trata-se de uma

critica fundada em um juízo axiológico, de valor. Quanto ao método, por ser o

científico, é aceitável, desde que não trabalhado dogmaticamente.30

Para Amilton Bueno de Carvalho o Direito Alternativo é a exercício de

comprometimento com a vida e a dignidade, e que busca a emancipação popular

com a construção de espaços democráticos. Portanto, é uma atitude critica, oposta,

de forma parcial ao direito considerado oficial e uma utopia onde a jurisprudência

seria um mecanismos de apoio e estimulo às transformações sociais. Não se trata

de negar o principio da legalidade, mas de negar a validade àquela lei considerada

28ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.p.729 ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.p.2530 ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.p.9

Page 16: O Direito alternativo

16

injusta. Desta forma, deve-se ter claro que não se está a negar em sua totalidade as

prescrições oferecidas pelos ordenamentos jurídicos vigentes, apenas parte delas.31

Para Lédio Rosa de Andrade, a aplicação da lei no Brasil já decorre de uma

atuação alternativa, pois existe um distanciamente intolerável entre o jurídico e o

social. A aplicação da lei pode significar o agravamento de injustiça. A opressão

econômica e política, na maioria das vezes não é feita com a violação do direito

objetivo ou das leis, mas precisamente aplicando-as. A normatividade

frequentemente legaliza a injustiça e a violação dos direitos humanos. 32

O direito alternativo apresenta uma fórmula uma mudança metodológica na

sistemática jurídica, numa compreensão de que a fonte jurídica oriundas de normas

abstratas positivas estatuídas ou costumeiras e formalizadas não teria a

compreensão moral dos problemas das classes desprivilegiadas.

Segundo João Mauricio Adeodato

Uma variável menos radical aceita a atuação do direito alternativo como direito praeter legem, ou seja, para preencher lacunas ou inconsistências no ordenamento jurídico. Uma terceira perspectiva oferece ênfase a expressão direito alternativo, como uso diferenciado do direito estatal, onde o movimento alternativo consiste em uma uitlização critica das normas jurídicas e dos órgãos do Estado, de um ponto de vista mais intra-sistemático do que externo. Essa critica compreende a recusa de princípios basilares do positivismo dogmático, como a imparcialidade do juiz, a cientificidade da aplicação do direito, a neutralidade da lei. 33

Essas críticas ao positivismo dogmático dominante receberam

denominações como: novo direito, teoria critica do direito, zetética jurídica, direito

alternativo, uso alternativo do direito. O direito dogmático de forma grosseira pode

ser definido como um direito normativamente organizado que toma por base a

pretensão, por parte do Estado, de monopólio na produção e legitimação das

normas jurídicas, dentro de determinada circunscrição. A popularidade de teorias

31 CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Lumen Juris, 2004. p.732ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. 33 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo. Saraiva, 2002,p.22

Page 17: O Direito alternativo

17

alternativas à oficial parece ter ligação direta com o grau de competência do Estado

que se arvora no monopólio do direito.34

De acordo com Amilton Bueno de Carvalho o tradicional uso alternativo do

direito consiste na atividade cuja margem de ação se desenvolve no seio do próprio

ordenamento jurídico positivo, no instituído. Neste sentido, a forma de trabalhar o

direito estatal pode ser realizar de duas maneiras; com a utilização das contradições,

ambigüidade e lacunas do oficialmente legislado, partindo sempre de uma ótica

democrática; ou buscando, por via de uma interpretação qualificada, os

direcionamentos obtidos pelas lutas populares e permitindo, por meio da critica

constante, que os efeitos da norma sejam cada vez mais democráticos. Tanto os

juízes, como os promotores, advogados, professores, etc, serão os encarregados de

realizá-lo. 35

Miguel Pressburguer entende que o Direito Alternativo é uma frente de luta

através da qual se intentam fazer efetivas as disposições normativas que

reconhecem uma série de conquistas históricas e democráticas que, muito embora

tenha sido promulgadas e reconhecidas oficialmente, não se aplicam. Neste nível, o

operador jurídico necessita o apoio da mobilização popular para poder lograr seus

objetivos.36 Na visão de Amilton Bueno Carvalho

O direito oficial é um instrumento bastante útil de recepção e aplicação das conquistas humanas. A sociedade é a fonte que dinamiza a gênese, o desenvolvimento, e a finalização dos excedentes axiológicos. Estes ficam representados como parâmetros de orientação universal, pelos princípios gerais do direito.37

Outro conceito é o que tem por perspectiva do direito alternativo em sentido

estrito, tem uma perspectiva de insurgente. É compreendido como conjunto de

normas não estatais, situadas no plano do instituinte, que pretendem coexistir como

34 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo. Saraiva, 2002,p.2435 CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Lumen Juris, 2004.p. 936 CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Lumen Juris, 2004.p. 937 CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Lumen Juris, 2004.p. 16

Page 18: O Direito alternativo

18

o direito positivo. Parte de uma posição pluralista do direito, onde o Estado não é o

único titular na criação das normas jurídicas.38

2.2. Hermenêutica – Interpretação

A palavra hermenêutica tem sua origem no grego, Hermeneúden, que quer

dizer interpretar, e deriva de Hermes, deus da mitologia grega, filho de Zeus e de

Maia, percebido como o intérprete da vontade divina. Em Roma o vocábulo interpres

manifestava o expressava o interprete ou adivinho, o lia o futuro pela entranhas da

vítima. Daí dizer-se que interpretar consiste em desentranhar o sentido e o alcance

das expressões jurídicas.39

Interpretar algo, em qualquer área do conhecimento, consiste numa

atividade criadora, na medida em que ao intérprete compete a função de atribuir

sentido ao objeto examinado, de forma a fazer parte nas operações interpretativas.40

Para Paulo Nader a palavra interpretação possui amplo alcance, não se limitando à

Dogmática Jurídica.

Interpretar é o ato de explicar o sentido de alguma coisa, é revelar o significado de uma expressão verbal, artística ou constituída por um objeto, atitude ou gesto. A interpretação consiste na busca do verdadeiro sentido das coisas e para isto o espírito humano lança mão de diversos recursos, analisa os elementos, utiliza-se de conhecimentos da lógica, psicologia e, muitas vezes, de conceitos técnicos, a fim de atingir o âmago das coisas e identificar a mensagem contida.41

Esse mesmo enfoque é utilizado no Direito, pois quando uma norma, uma

lei, ou ato ou negócio jurídico, por sua natureza de comandos permissivos

manifestos por palavras, terminam por gerar sentidos diversos, cabendo ao agente

da interpretação o poder de eleger um dentre aqueles distintos significados

compatíveis com a situação a ser regulada. “Por não ser um raciocínio formal e

dedutivo, o raciocínio jurídico é quase sempre controvertido ou problemático. Logo a

38 CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Lumen Juris, 2004.p. 1739 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro : Forense, 1982. p.31440 ANDRADE, Cristiano J. O Problema dos Métodos da Interpretação Jurídica. São Paulo : RT, 1992, p.1441 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Op cit. p.317

Page 19: O Direito alternativo

19

inferência desse raciocínio argumentativo não é uma conclusão obrigatória, mas

uma decisão, um ato de poder, visto que se trata de uma decisão para outrem”.42

Para Hans Kelsen

a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas várias soluções na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar, têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito, no ato do tribunal, especialmente.43

Interpretar uma norma contida na Constituição é atribuir-lhe significado

mediante a utilização de métodos e princípios próprios, desenvolvidos e

cientificamente sistematizados pela hermenêutica constitucional.44

Para Canotilho a finalidade da hermenêutica é a obtenção de uma decisão

para problemas práticos, normativos-constitucionalmente fundada, devendo ser

analisada nas dimensões de busca do direito contido na lei constitucional escrita;

tradução na adscrição de um significado a um enunciado ou disposição lingüística e

dar um significado à interpretação dada.45

Karl Loewenstein observa

que toda constituição escrita, como toda obra humana não é somente incompleta, senão que aqui a deficiência é maior, já que cada constituição não é mais do que um compromisso entre as forças sociais e grupos pluralistas que participam em sua conformação, tornando imperiosa a compreensão do sentido de suas normas através da atividade interpretativa.46

Ainda nessa perspectiva de conformação Paulo Bonavides destaca que :

as relações que a norma constitucional, pela sua natureza mesma, costuma disciplinar são de preponderante conteúdo político e social e por isso mesmo sujeitas a um influxo político considerável, senão essencial, o qual se reflete diretamente sobre a norma, bem como sobre o método interpretativo aplicável.

42 ANDRADE, Cristiano J. O Problema dos Métodos da Interpretação Jurídica. Op Cit , p.1443 KELSEN, Hans Teoria Pura do Direito. São Paulo : Martins Fortes, 1991.p. 366.44 BUECHELE, Paulo Armínio Tavares. O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição.45 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992.46 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1976.

Page 20: O Direito alternativo

20

Todo processo de interpretação de uma norma jurídica e

conseqüentemente da norma constitucional envolvem um juízo de valoração

efetuado pelo operador, isto é pelo sujeito da operação interpretativa; ou seja, é feita

por um ser humano determinado e, se socializa porque é compartida coletivamente,

por isso não deve ser subjetiva no sentido de responder exclusivamente à

subjetividade relativa do operador, senão “objetiva” enquanto compute e confira

prevalência aos valores que contém o sistema jurídico a que pertencem às normas e

aos princípios gerais que, em mancomunação com os valores, expressam um

conjunto cultural próprio do mesmo sistema.47

2.3 Métodos de interpretação

O que se busca com a interpretação de uma norma é preenchimento do

seu sentido. A doutrina traz uma diversidade de classificações quanto aos métodos

de interpretação jurídica, notadamente em sede de direito constitucional. A seguir

comentaremos, rapidamente, alguns métodos e suas principais características.

2.3.1 Método integrativo

Também denominado científico-espiritual. Parte do pressuposto de que a

constituição é a síntese do ordenamento jurídico do Estado, e como tal traz em seu

bojo os diversos fatores que integram a conformação do Estado.

Desta forma, segundo o método integrativo a constituição não deve ser

interpretada em tiras, em pedaços ou porções isoladas do todo. Isto porque o Direito

Constitucional possui a índole integrativa, configurando um Direito Político ou Direito

do Estado. É, portanto, um Direito Síntese e cumpre ser observado em suas

múltiplas conexões, em seus aspectos teleológicos e materiais, pois consigna

expressão da vida, dos fatos concretos que circunscrevem a realidades da

existência humana.48

2.3.2 Método concretista

Tem por base os ensinamentos de Konrad Hesse no sentido de que a

interpretação da constituição tem um caráter criativo, e na medida em que se realiza

47 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 198448 BULOS, Uadi Lammêgo. Manual de interpretação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.

Page 21: O Direito alternativo

21

sua interpretação – da norma – em face dos casos concretos o conteúdo da norma

vai sendo preenchido pelo intérprete a partir de sua pré-compreensão. Hesse lança

o termo “programa normativo”, o qual contempla o texto normativo e o caso

concreto.

Difere, pois do método integrativo, pois não consideram a constituição

como um sistema hierárquico-axiológico. É um método casuístico voltado para

interpretar a norma frente ao caso concreto.49

2.3.3 Método autêntico

É a interpretação ofertada pelo órgão que elaborou a lei. Em sede de

direito constitucional brasileiro este método é controvertido, pois é juridicamente

inadmissível que o legislador ordinário edite diploma legal com força de dar

interpretação à constituição, pois está em posição hierárquica inferior frente à

constituição. Também não seria o caso de o constituinte originário ou derivado

fazerem interpretação, pois a atuação de qualquer um deles seria produtora de

norma, e não atividade interpretativa. Uadi Lammêgo arremata a questão afirmando

que “no Brasil, por exemplo, por força dos arts. 102, I e III, 5º, XXXV, e 97 da

Constituição de 1988, é o Judiciário, através dos seus juízes e tribunais e, em última

instância, o Supremo Tribunal Federal, a quem compete, tipicamente, essa

importantíssima tarefa”.50

2.3.4 Método doutrinário

Advém da atuação científica dos juristas, que por sua autoridade,

embasamento técnico-jurídico, e sistemático, tem o condão de influenciar o processo

de interpretação constitucional.

Para Inocência Mártires Coelho este método pressupõe a interpretação

segundo as regras de hermenêutica, valendo-se o intérprete dos “elementos

filológico, lógico, histórico, teleológico e genético”.51

49 BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. Op cit. p. 323.50 BULOS, Uadi Lammêgo. Manual de interpretação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.51 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 89.

Page 22: O Direito alternativo

22

2.3.5 Método evolutivo

Este método está intimamente ligado ao método concretista, pois apregoa

que quando da interpretação de uma norma deve ser considerado o contexto social,

histórico, político e econômico, a fim de que o preenchimento do conteúdo da norma

seja realizado em consonância a realidade vigente no momento da ocorrência do

fato social ao qual se pretende aplicar a norma.

O mestre Inocêncio Mártires relaciona, em seu livro Interpretação

Constitucional sete princípios, os quais se coadunam com os métodos de

interpretação elencados nas seções anteriores. Por ser muito didática e clara a

exposição do mestre tomamos a liberdade de fazer sua transcrição na íntegra,

conforme se segue:

“princípio da unidade da Constituição: as normas constitucionais devem ser consideradas não como normas isoladas, mas sim como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios;

princípio do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política, posto que essa é uma das finalidades primordiais da Constituição;

princípio da máxima efetividade: na interpretação das normas constitucionais devemos atribuir-lhes o sentido que lhes empreste maior eficácia ou efetividade;

princípio da conformidade funcional: o órgão encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a resultados que subvertam ou perturbem o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, como o da separação dos poderes e funções do Estado;

princípio da concordância prática ou da harmonização: os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício do outro, o que só se alcança na aplicação ou na prática do texto;

princípio da força normativa da Constituição: na interpretação constitucional devemos dar primazia às soluções que, densificando as suas normas, as tornem eficazes e permanentes;

princípio da interpretação conforme a Constituição: em face de normas infra-constitucionais polissêmicas ou plurissignaficativas, deve-se dar prevalência à interpretação que lhes confira sentido compatível e não conflitante com a Constituição, não sendo permitido ao intérprete, no entanto – a pretexto de conseguir essa conformidade – contrariar o sentido literal da lei e o objetivo que o

Page 23: O Direito alternativo

23

legislador, inequivocamente, pretendeu alcançar com a regulamentação”.52

Por força da denominada supremacia das normas constitucionais no

ordenamento jurídico, e em decorrência da presunção de que as leis, e os atos

normativos baixados pelo poder competente, dentro do referido sistema normativo

devem guardar conformidade com a constituição, no exercício da atividade

hermenêutica é preciso que sempre seja buscado, prioritária e preferencialmente,

um sentido para a norma, de forma que ela – a norma – esteja adequada à

Constituição Federal.

Quando da ocorrência de uma norma que comporte vários significados, a

tarefa do intérprete será encontrar um significado que esteja conforme as normas

constitucionais. Trata-se, pois de uma técnica utilitarista que evita a declaração de

inconstitucionalidade da norma, e a conseqüente retirada do ordenamento jurídico.

2.4 O Direito Alternativo e a Interpretação

Os atos humanos envolvem juízo, ou seja, ato de interpretação teórica com

a qual se expressa uma imagem ou se julga uma realidade. No caso das leis é

natural que sofram desgaste e sua interpretação seja vencida sem que se tenha

alterada formalmente a norma. É fato que no transcorrer dos anos transmudam os

fatos e as condições de vida, mudem tanto no contexto econômico, como político

como cultural, com alteração de valores.

Portanto, se as normas não atendem à realidade, cumpre aos interpretes

ajustá-las às novas situações. O direito é dinâmico, deve traduzir a realidade social,

e não pode ficar apegado à literalidade da lei. Moura Bittencourt entende que se a

lei é destinada aos homens, em suas relações entre si e a sociedade, negar o

sentido de humanidade na exegese jurisprudencial corresponde a negar também a

razão final da própria lei e, portanto o esquecimento do homem desumaniza o

Direito.53

52 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 91.53 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.92

Page 24: O Direito alternativo

24

Ao interprete cabe captar, na norma, o interesse coletivo, as solicitações

sociais, ainda que ela não esteja expressa. Não pode desconsiderar a lei, mas

também não pode se deixar a ela se escravizar. A lei, estática é elaborada tendo

em vista uma determinada realidade social e econômica da época. Com o curso do

tempo, mudam as circunstâncias, os fatos se alteram e com eles a moral e o

costume.54

Interpretar significa tomar partido por uma concepção de direito, por uma

concepção de vida. Interpretar é dar vida a uma norma. A atividade de hermenêutica

não é um puro exercício de lógica, feita com isenção e neutralidade, racional e

assepticamente, sem que nesse empreendimento não interfiram interesses pessoas,

pressões sociais, preconceitos que marcam a personalidade. Um juiz por mais que

se esforce, haverá sempre um componente ideológico em suas decisões, até

porque não existe conhecimento inteiramente neutro.55

O Ministro Adhemar Ferreira Maciel do Superior Tribunal de Justiça

expressão essa lógica da seguinte maneira56:

Na verdade, o juiz moderno, sobretudo em país como o Brasil, nAo pode aceitar mais aquele papel passivo de exegeta da lei, de pesquisador da "vontade do legislador". Tem, se quiser cumprir o papel que a nação lhe confiou constitucionalmente, de resolver os casos concretos, procurando sempre por soluções justas e úteis, sem necessidade -frise-se -de subverter a segurança jurídica. Toda norma geral, abstrata, impessoal, quando é aplicada ao caso concreto, acaba por ensejar, por parte de seu aplicador, a criação de direito que não foi prevista pelo legislador.

Ao considerar que toda norma jurídica comporte varias interpretações, deve

o julgado optar pela inteligência daquela que melhor atenda aos fins sociais e os

princípios de justiça social.

2.4 O Pensamento Jurídico Critico e o Direito Alternativo

Para os juristas tradicionais o saber jurídico se manifesta pelo respeito às

leis e às formas e estão impregnados do conhecimento prático voltado para a

54 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.9255 BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.9456MACIEL, Adhemar Ferreira. O Papel jurídico, político e social do magistrado. http://bdjur.stj.gov.br. Acesso em 01.10.2010

Page 25: O Direito alternativo

25

realização da Justiça. No caso dos teóricos do direito alternativo a perspectiva de

justo enquanto método explicativo ou descritivo é insuficiente, sendo necessário um

saber jurídico participante, histórico e político por meio da instrumentalização da luta

democratizante cotidiana sem desconsiderar a dimensão técnica e a práxis

jurídica.57

O pensamento jurídico crítico é a busca de outra direção ou de outro

referencial epistemológico que atenda as demandas da sociedade moderna, pois os

atuais paradigmas são insuficientes para fazer frente as transformações sociais e

econômicas. Essa crise se estende ao saber sacralizado e hegemônico das

estruturas lógicos-formais da normatividade jurídica. A razão do pensamento jurídico

critico é o de confrontação de um discurso oficial , inerte, vazio e desatualizado e a

construção de uma teoria jurídica que permita viabilizar os reais interesses da

experiência social com implementação de mudanças e transformações.58

Esse processo implica a reflexão e o questionamento de uma linguagem

normativa ritualizada e a emancipação de sujeitos históricos que se encontram na

condição de dominados e excluídos. 59

Para Javier Hervada quando se analisa a justiça, o justo, o fato e as coisas

é preciso ter a compreensão que as coisas estão atribuídas a sujeitos distintos, ou

seja, elas estão repartidas. Nem todo é de todos nem tudo é da coletividade

humana. 60

Os teóricos alternativos entendem existir uma armadilha no conceito de

justiça fruto da dominação classista e da divisão da sociedade em classes com

interesses nitidamente opostos, onde a classe dominante no caso a burguesia tem,

e a classe dominada proletariado dá, ou seja, a lei é direito para o dominante e

dever para o dominado.

57 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.22 58 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.8059 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.8160 Apud OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.25

Page 26: O Direito alternativo

26

Page 27: O Direito alternativo

27

3. O PRINCIPIO DA IGUALDADE E A TEORIA DA JUSTIÇA EM JOHN RAWLS NA PERSPECTIVA DO DIREITO ALTERNATIVO.

O art 5º da Constituição Federal brasileira diz que “todos são iguais perante

a lei”. Uma assertiva tão singela traz em seu conteúdo reflexões profundas sobre o

Estado e a Sociedade na medida em que a desigualdade parece determinante na

natureza humana e é promotora de injustiças.

Conforme José Afonso da Silva é difícil definir um conceito sintético e

preciso de direitos fundamentais, pois a ampliação e transformação desses direitos

no processo histórico, e as diversas expressões empregadas para designá-los,

dificultam uma conceituação. 61

Entendem-se como direitos fundamentais aqueles direitos que formalmente

foram inscritos na Constituição como elementares para manter a unidade política e

integração da sociedade, constituindo uma categoria especial do direito

constitucional.62

Os direitos fundamentais são relevantes para a existência de uma

sociedade mais livre e igual, onde os valores em torno da preservação da vida e da

dignidade da pessoa humana tornam-se elementares para uma comunidade justa.63

Para Carl Schmitt, os direitos fundamentais, são os nomeados no instrumento

constitucional e que receberam deste um grau mais elevado de garantia ou de

segurança.64 Manoel Messias Peixinho entende que:

Os direitos fundamentais constituem-se em alicerce dos Estados de Direito. Preordenam-se a assegurar proteção na esfera de liberdade do particular diante da intervenção do poder público e, outrossim, pretendem implantar uma ordem de valores objetivando a preservação da dignidade da pessoa humana ao traduzir-se como

61 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 174.62FABRIZ, Daury César. A estética do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 187.63 FABRIZ, Daury César. A estética do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 189.64 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 515.

Page 28: O Direito alternativo

28

principal sustentáculo de um Estado Democrático e vinculado hermenêutica e axiologicamente todo ordenamento jurídico.65

Para Canotilho, os direitos fundamentais devem ser estudados como direitos

positivamente constitucionalizados. “Sem esta positivação jurídico-constitucional, os

direitos do homem são esperanças, aspirações, ideais, impulsos, ou até, por vezes,

mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e

princípios) do direito constitucional”.66 Ingo Sarlet expõe que “os direitos

fundamentais nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram

reconhecidos e assegurados”.67

Os direitos fundamentais da pessoa humana não são apenas aqueles

inseridos na Constituição, são direitos supra-estatais, não sendo criação da lei no

sentido jurídico, mas sim revelação das leis eternas e imutáveis que dirigem a

humanidade, ou seja, não decorrem da vontade do Estado, porque antecedem a

este, que apenas os reconhece e garante, no cumprimento de sua missão de

harmonizar as situações fáticas com os imperativos das leis divinas.68

A norma de direito fundamental, no seu sentido material, reafirma princípios

e valores que estruturam e legitimam um Estado.69

Os princípios levam quem os interpretam a valores e a diferentes

percepções de resultados. É comum o entendimento de que os valores estão

vinculados a uma avaliação.70

Miguel Reale71 entende que os princípios fundamentam o sistema de

conhecimento, ou por serem admitidos ou por terem sido comprovados, mas

também por motivos de ordem prática de caráter emocional, isto é, como 65 PEIXINHO, Manoel Messias. Teoria Democrática dos Direitos Fundamentais. In: VIEIRA, José Ribas (Org.). Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 119.66 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992, p. 507.67 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 35.68 MALUF, Sahid. Direito constitucional. 19ª ed. rev. e atual. São Paulo: Sugestões Literárias, 1986, p. 396.69 PEIXINHO, Manoel Messias. Ob. cit., p. 123.70 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 64.71 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social: custeio da seguridade social, benefícios, acidente do trabalho, assistências social, saúde. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 69.

Page 29: O Direito alternativo

29

pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. José Afonso da

Silva72 diz serem os princípios, ordenações que se irradiam e imantam os sistemas

de normas constitucionais. Juarez Freitas73 leciona:

Por princípio ou objetivo fundamental, entende-se o critério ou a diretriz basilar de um sistema jurídico, que se traduz numa disposição hierarquicamente superior, do ponto de vista axiológico, em relação às normas e aos próprios valores, sendo linhas mestras de acordo com as quais se deverá guiar o intérprete quando se defrontar com antinomias jurídicas.

Para Josef Esser74,

princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção baseada no grau de abstração da prescrição normativa, a diferença entre princípios e as regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão.

Para Karl Larenz75 os princípios seriam pensamentos diretivos de uma

regulação jurídica existente ou possível, mas que ainda não são regras susceptíveis

de aplicação, na medida em que lhes falta o caráter formal de proposição jurídica,

isto é, a conexão entre uma hipótese de incidência é uma conseqüência jurídica.

Para Manoel Messias Peixinho76 a palavra princípio designa o ponto de

partida, o princípio do processo. Os princípios são pontos de partida privilegiados e

não podem ser fonte de privilégios, mas um regulador da vida social para o

tratamento equânime dos cidadãos.

72 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 21 ed. São Paulo: Malheiros , 2002. p. 92.73 FREITAS, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito, 3. ed. São Paulo, Malheiros, 1995. p. 56.74 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios : da definição à aplicação dos princípios jurídicos.6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 35.75 ÁVILA,Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 35-36.76 PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os princípios fundamentais. LúmenJúris. Rio de Janeiro, 1999

Page 30: O Direito alternativo

30

Essa igualdade, de cunho humanitário e idealista não se concretizou em

nenhuma sociedade humana e isso em virtude da debilidade da natureza humana,

da diversidade da estrutura psicológica, das estruturas políticas e sociais. No campo

político-ideológico, a manifestação mais aproximada deste tipo de igualdade foi o

ideário comunista , que buscou a tradução da realidade empírica , nas chamadas

democracias populares.77

2.1 Principio da Igualdade

O principio da igualdade apresenta-se sobre dois aspectos: o formal onde o

princípio busca garantir que a lei alcance equitativamente todas as pessoas. Não

podem criar preferências, privilégios, vantagens.

Na perspectiva da materialidade, o princípio da igualdade remete a redução

de desigualdades entre pessoas. No sentido material o princípio vincula-se à

aplicação, pois não basta a previsão normativa para que se alcance igualdade entre

os homens.78

Como afirma Joaquim Barbosa Gomes79,

O cerne da questão reside em saber se na implementação do princípio constitucional da igualdade o Estado deve assegurar apenas uma certa “neutralidade processual” (procedural due process of law) ou, ao contrário, se sua ação deve se encaminhar de preferência para a realização de uma “igualdade de resultados” ou igualdade material. A teoria constitucional clássica, herdeira do pensamento de Locke, Rousseau e Montesquieu, é responsável pelo florescimento de uma concepção meramente formal de igualdade – a chamada igualdade perante a lei. Trata-se em realidade de uma igualdade meramente «processual» («process-regarding equality»).As notórias insuficiências dessa concepção de igualdade conduziram paulatinamente à adoção de uma nova postura, calcada não mais nos meios que se outorgam aos indivíduos num mercado competitivo, mas nos resultados efetivos que eles podem alcançar. Resumindo singelamente a questão, diríamos que as nações que historicamente se apegaram ao conceito de igualdade formal são aquelas onde se verificam os mais gritantes índices de injustiça social, eis que, em última análise, fundamentar toda e qualquer

77 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.22.ed. São Paulo: Saraiva,2001.p.18878 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.11.ed. São Paulo: Malheiro,1996,p.21979 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Instrumento e métodos de mitigação da desigualdade em direito constitucional e internacional. http://lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0095.pdf. Acesso em 20.09.2010

Page 31: O Direito alternativo

31

política governamental de combate à desigualdade social na garantia de que todos terão acesso aos mesmos «instrumentos» de combate corresponde, na prática, a assegurar a perpetuação da desigualdade. Isto porque essa «opção processual» não leva em conta aspectos importantes que antecedem a entrada dos indivíduos no mercado competitivo. Já a chamada «igualdade de resultados» tem como nota característica exatamente a preocupação com os fatores «externos» à luta competitiva – tais como classe ou origem social, natureza da educação recebida -, que têm inegável impacto sobre o seu resultado. Vários dispositivos da Constituição brasileira de 1988 revelam o repúdio do constituinte pela igualdade «processual» e sua opção pela concepção de igualdade dita «material» ou «de resultados». Assim, por exemplo, os artigos 3º, 7-XX.º, 37-VIII e 170.

Para Carmen Lúcia Antunes Rocha80 no sentido de que:

a Constituição Brasileira de 1988 tem, no seu preâmbulo, uma declaração que apresenta um momento novo no constitucionalismo pátrio: a idéia de que não se tem a democracia social, a justiça social, mas que o Direito foi ali elaborado para que se chegue a tê-los(...)O princípio da igualdade resplandece sobre quase todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase todos os outros princípios que informam e conformam o modelo constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá a servir: o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição da República (...).Verifica-se que todos os verbos utilizados na expressão normativa – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo. O que se tem, pois, é que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte quando da elaboração do texto constitucional. E todos os objetivos contidos, especialmente, nos três incisos acima transcritos do art. 3º, da Lei Fundamental da República, traduzem exatamente mudança para se chegar à igualdade. Em outro dizer, a expressão normativa constitucional significa que a Constituição determina uma mudança do que se tem em termos de condições sociais, políticas, econômicas e regionais, exatamente para se alcançar a realização do valor supremo a fundamentar o Estado Democrático de Direito constituído.

Para José Afonso da Silva81 o princípio de que os homens nascem e

permanecem iguais em direitos, e que tem por fundamento o art. 1º da Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), firmou a igualdades jurídico-formal no

plano político. Esse fato não impediu a geração de desigualdades econômicas e

sociais.

80 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa : O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica», in Revista Trimestral de Direito Público nº 15/85, p. 1081 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.11.ed. São Paulo: Malheiro,1996,p.210

Page 32: O Direito alternativo

32

2.2 Teoria da Justiça John Rawls

Para John Rawls a democracia constitucional tem como fundamento o

dever de coerência entre as leis estatuídas e determinados direitos e liberdades

fundamentais. Isso significa que existe uma Constituição, que não estará

necessariamente escrita, e que será utilizada como modelo interpretativo pelos

tribunais, atuando, também, como um limite constitucional à legislação.82

Na concepção de Rawls, os direitos fundamentais são de tamanha

relevância que não podem sofrer modificações na Constituição nos moldes da

maioria parlamentar. Isto se dá porque os direitos e liberdades básicas assegurados

constitucionalmente surgem através de um consenso entre os cidadãos, e todos os

princípios estabelecidos por este processo são aceitos como justos e são condição

da cooperação entre os homens83.

Para tanto, Rawls imagina uma situação, denominada por ele de “posição

original”, onde um grupo de indivíduos se reúne com a finalidade de elaborar um

contrato social. Estas pessoas estariam envoltas por um véu de ignorância, sem a

necessária percepção da situação concreta de cada um na sociedade e agindo de

acordo com o que acham ser o melhor para si, e chegariam a uma atitude moderada

em relação à comunidade baseada em dois princípios:

1 – Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para as outras; 2 – As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.84

A partir da constatação da importância dos princípios da Liberdade e da

Igualdade, Rawls sustenta que existe uma regra de prioridade que deve ser

respeitada, onde “sempre que esses dois princípios pareçam entrar em conflito, o

82 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2.ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2005.p.20583 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2.ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2005.p.205,p.20584 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2.ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2005.p.205,p.278

Page 33: O Direito alternativo

33

primeiro deve sobrepor-se ao segundo. Dito de outro modo, as liberdades são mais

importantes que as eventuais desigualdades econômicas”85.

Para John Rawls “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais como

a verdade é o dos sistemas de pensamento”. Portanto, se percebe uma convicção

intuitiva da prevalência da justiça nas organizações sociais, e como repercussão

uma sociedade justa, onde as liberdades de cidadania são consideradas invioláveis.

Sociedade na compreensão de Rawls, é “associação mais ou menos

autosuficiente de pessoas que em suas relações mútuas reconhecem certas regras

de conduta como obrigatórias e que, na maioria das vezes, agem de acordo com

elas”. Para Rawls a ordem na sociedade é expressa pela idéia de justiça e se

caracterizava pela aceitação de todos quanto aos princípios de justiça e de que as

instituições possuem consciência desse fato e internaliza em seus princípios.86

Rawls ressalta a absoluta necessidade de que as decisões das instituições

sociais devem ser adotadas levando em consideração não somente motivos

econômicos, mas os políticos e morais. A teoria da justiça de John Rawls não

pretende ser a única, nem a melhor das teorias da justiça, mas sim a mais razoável

entre as possíveis teorias da justiça.

2.3 O Direito Alternativo e a Perspectiva de Justiça

O Direito alternativo busca a resolutividade de problemas e/ou conflitos,

tendo por foco a aplicação à justiça, nem que para isso tenha que desprezar a

norma jurídica. Diante de um conflito entre lei e justiça, os juízes, advogados,

promotores, utilizam à dogmática jurídica, e restringem-se à letra rígida da norma,

desconsiderando os problemas sociais, econômicos e políticos.

É preciso uma releitura dos textos, a partir da releitura do princípio

axiológico. O direito alternativo surge da incompatibilidade entre a lei e o direito,

entre os códigos e a justiça.

85 DALL'AGNOL, Darlei. Bioética: princípios morais e aplicações. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.86 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2.ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2005.p.205.

Page 34: O Direito alternativo

34

O que ele busca é a aplicação da lei em função do justo, tendo por

perspectiva o interesse social e o bem comum. De acordo com Benedito Calheiros

Bonfim:

O descompasso entre o ordenamento jurídico, em sua imobilidade, e a vida, que é movimento e transformação, gera desencontro entre aquele e esta, fazendo com que a última sobrepuje o primeiro. E a função de ajustar a norma vigente ao fato novo, às mudanças sociais, cabe ao intérprete, ao jurista. A lei, estática, não acompanha o pluralismo da vida, com suas mutações sociais, econômicas e culturais. Dá lugar, em conseqüência, ao inevitável conflito entre o novo, que nasce, e o velho, que resiste e persiste em sobreviver. E como a vida, estuante e renovadora, é criativa, mutável, forma-se um direito não escrito, paralelo ao estatal, regulando situações emergentes, não previstas, ditadas pela realidade das relações sociais, embora, não raro, vedadas na lei. É o direito não oficial construído pelas circunstâncias e reconhecido pela comunidade.87

Uma análise do Direito Alternativo evidencia que em sua lógica não existe

uma ideologia, mas aspectos como o combate as desigualdades sociais, decorrente

da distribuição desigual da renda e sua repercussão na vida social; a solidariedade

humana contrapondo ao liberalismo econômico desenfreado que promove a

desigualdade e as injustiças sociais; combate as desigualdades sociais e promoção

das liberdades individuais materializadas nas igualdades de condição mínima e

digna humana; alteração da técnica-formal-legalista, com o desapego à lei por meio

do combate a neutralidade ou avaloratividade e do formalismo jurídico ou anti-

ideológica do Direito; a Interpretação mecanicista das normas efetuadas através de

um método hermenêutico formal/ lógico /técnico/ dedutivo.

Para os defensores do direito alternativo o direito é político, parcial e

valorativo e o formalismo jurídico, é um meio ideológico para encobrir o conteúdo

perverso da legislação e de sua aplicação no seio da sociedade com diversas

contradições e lacunas.

Entre a segurança jurídica e a justiça o Direito Alternativo fez sua opção

pela justiça e em específico dos pobres considerando as necessidades desses. A

opção por justiça desnuda a ideologia, e se existe a necessidade de coexistência da

justiça e segurança com suas tensões é preciso que a justiça tenha preponderância.

87BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998.

Page 35: O Direito alternativo

35

Page 36: O Direito alternativo

36

4. CRITICAS AO DIREITO ALTERNATIVO.

Uma das criticas mais ferozes ao direito alternativo é sua lógica marxista

manifesta na exacerbação das diferenças existentes entre as classes sociais onde

os juristas alternativos buscam a superação da realidade jurídica atual, por meio da

critica histórica das instituições jurídicas tradicionais para submeter o direito ao

poder dos indivíduos associados, que seria o proletariado autogestionário. O Direito

alternativo surge como uma função ideológica das argumentações que se

desenvolve tanto nos trabalhos doutrinários, como nas decisões processuais com a

intencionalidade de construir uma utopia socialista autogestionária 88.

Os pressupostos do Direito alternativo são fundados no materialismo

histórico ou materialismo dialético, na visão de que toda a sociedade é a historia das

lutas de classes. Portanto, uma fusão teórico-prática dos pensamentos de Hegel e

Feuerbach, onde a ascensão da burguesia não eliminou os antagonismos de classe

existente no modelo feudal mas construiu novas condições de opressão, e novas

modalidades de lutas. O Direito nessa visão é uma manifestação da ideologia

dominante e da superestrutura do Estado-burguês. 89

Dessa análise decorre a análise critica dos alternativos, de que o sistema

dominante carece de legitimidade, por ser injusto e contraditório. É injusto por ser

manipulado pela classe dominante, que apresenta o direito como se fosse de todos,

enquanto o produzem e o aplicam na defesa de seus interesses. Nessa perspectiva

um dos teóricos que tem contribuído para o modelo alternativista é Gramsci que

entendia ser impossível operar uma revolução cultural, sem uma doutrinação

intelectual de caráter unitário, disseminando modos de pensar em toda a sociedade

civil, com suas instituições educativas, religiosas e culturais, de forma que fosse

aceita .90

88OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.54 89 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.5990 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.81

Page 37: O Direito alternativo

37

Gramsci por meio da ação hegemônica do novo direito alternativo promover

por meio da transformação do espírito dos hermeneutas, a construção de métodos

persuasivos para desvinculá-los dos valores tradicionais, e implantar os valores

ateus e materialistas. Portanto, alterando a forma com que os jurista atuam no

mundo jurídico , de forma passiva em face de determinada ordem, agindo de forma

prudente com regra de ação, e dando lugar ao comprometimento com o mundo

cultural do seu tempo, e com a cultura antropocêntrica e ateia do seu tempo. 91

O alternativismo busca a destruição da noção de justo, negando-o em si

mesmo e de acordo com as condições ideológicas. Para isso busca a melhora dos

conceitos para a condução mais eficaz da argumentação contrária ao ser do direito e

utiliza a semiótica com contribuições lingüísticas e lógicas para o enriquecimento da

contribuição marxista.92

O debate ideológico alternativo, transcende o caráter especulativo e se volta

para o imperativo de tornar alternativos todos os juristas, com vistas a um novo

modelo de sociedade. Um dos objetivos perseguidos é criar condições teóricas

dando consistência e verdade a uma nova prática jurídica. Nesse contexto de

infiltração doutrinária o único compromisso é com a dialética. Portanto, é uma

teoria critica como instrumento de conscientização. Uma teoria que acompanhe a

evolução dialética do direito, surgindo como momento da práxis emancipatória dos

movimentos sociais. 93

Para Wolkmer o direito é o instrumento de luta a favor da emancipação dos

menos favorecidos e injustiçados numa sociedade de classe como a brasileira, com

isso se descarta a imparcialidade, a neutralidade dos operadores e das instâncias de

jurisdição. Dentre os principais objetivos do movimento esta a construção de uma

sociedade caracterizada como socialista e democrática. A metodologia de uma

parcela expressiva de seus adeptos é pelo método histórico-social dialético, por

91 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.8192 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.p.8993 WOLKMER, Antônio Carlos. Contribuição para o projeto de juridicidade alternativa. In: lições de Direito Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1991.

Page 38: O Direito alternativo

38

meio da interpretação jurídico-progressista, cujo o objetivo é a exploração das

contradições, omissões e incoerência da legalidade vigente. 94

94WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.80

Page 39: O Direito alternativo

39

CONCLUSÃO

Existe um conflito permanente entre os dogmáticos que subordinam a lógica

jurídica ao universo dos valores da ordem em nome da segurança social e assim

buscam a certeza do direito. Já os antidogmáticos, buscam a concretização da

democracia social e a plenitude do estado de direito.

No transcorrer do trabalho ficou claro que o direito não é algo cristalizado,

inerte, estanque, apartado da realidade social. E para que a justiça ocorra é preciso

que haja a flexibilidade e plasticidade das normas, para se ajustar a evolução e as

mutações sociais. Nessa perspectiva cabe a jurisprudência pela interpretação da

norma e a adequação do texto à realidade.

É preciso ter a compreensão de que o centro do direito não são os códigos,

mas o homem concreto. Para que se proporcione uma justiça justa, é necessária

uma visão tridimensional, na perspectiva de norma, fato e valor. A ciência jurídica é

dinâmica e é preciso a necessidade de adequação da norma ao Social e ao Justo

dentro das demandas populares.

O fato é que o direito, tomado no sentido de norma escrita, é conservador, e

resiste às inovações e mudanças. Existe um fosso entre o Direito e a realidade

social, e retratam a incapacidade histórica da dogmática jurídica.

O sentido do Direito é ser prática social e cabe ao juiz a promoção e a

transformação da sociedade sob a perspectiva superior de justiça. A lei,

dependendo de quem a interpreta e aplica pode ser utilizada para oprimir e para

libertar. Por isso o direito enquanto expressão de Poder , e manifestação do Estado

é ideológico e portanto parcialmente interessado e orientado para o beneficio de

determinadas camadas sociais.

Page 40: O Direito alternativo

40

Cabe ao juiz adaptar o direito as exigências da sociedade, utilizando as mais

diversas técnicas, e os espaços democráticos na busca de um direito libertário e

promotor da dignidade humana.

Page 41: O Direito alternativo

41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo. Saraiva, 2002,p.21

ANDRADE, Lédio Rosa de. Introdução ao Direito Alternativo Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 64.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.22.ed. São Paulo: Saraiva,2001.p.188

BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4ª.ed. Brasília : Editora Universidade de Brasília. 1999.p.21

BOMFIM, B. Calheiros. A Crise do Direito e do Judiciário. Rio de Janeiro: Destaque, 1998,p.17

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 251.

BONFIM, Benedito Calheiros. O uso do Direito Alternativo. Disponível em http://www.solar.com.br/~amatra/cb-37.html. Acesso em outubro de 2010.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992, p. 507.

CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo em movimento. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo na Jurisprudência. São Paulo: Acadêmica, 1993

CARVALHO, Amilton Bueno de. Direito alternativo teoria e prática. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1992.

CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO, Salo de. Direito alternativo brasileiro e pensamento jurídico europeu. Lumen Juris, 2004.

Page 42: O Direito alternativo

42

CHAUÍ,Marilena.S. O que é ideologia?.São Paulo: Ed. Brasiliense, São Paulo, 1984.

DALL'AGNOL, Darlei. Bioética: princípios morais e aplicações. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

FABRIZ, Daury César. A estética do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

FREITAS, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito, 3. ed. São Paulo, Malheiros, 1995. p. 56.

GOMES, Joaquim B. Barbosa. Instrumento e métodos de mitigação da desigualdade em direito constitucional e internacional. http://lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0095.pdf. Acesso em 20.09.2010

GOMES, Orlando. GOMES, Orlando. A crise do direito - Coleção "Philadelpho Azevedo". Max Limonad: São Paulo, 1955.p.96

LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 12ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.p.4

MALUF, Sahid. Direito constitucional. 19ª ed. rev. e atual. São Paulo: Sugestões Literárias, 1986, p. 396.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social: custeio da seguridade social, benefícios, acidente do trabalho, assistências social, saúde. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 69.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade.3.ed. São Paulo: Malheiros,1997.p.12

OLIVEIRA, Gilberto Callado de. A verdadeira face do direito alternativo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2004.

PEIXINHO, Manoel Messias. A Interpretação da Constituição e os princípios fundamentais. Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 1999

PEIXINHO, Manoel Messias. Teoria Democrática dos Direitos Fundamentais. In: VIEIRA, José Ribas (Org.). Temas de constitucionalismo e democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 119.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2.ed. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa : O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica», in Revista Trimestral de Direito Público nº 15/85.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

Page 43: O Direito alternativo

43

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 21 ed. São Paulo: Malheiros , 2002.

WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.80