aproximaçao ao direito alternativo na ibero-américa

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  • 8/19/2019 Aproximaçao ao Direito Alternativo na Ibero-América

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    Aproximacáo ao Direito Alternativo

    na Ibero-América'

    David Sánchez Rubio

    Universidade de' Sevilla

    Joaquín

      errete

    Flores

    Universidade Pablo de Olavide

    Sumário: 1.

    Origem pública

    do

    movimento;

    2. Detinicéo e

    conceitos fundamentais: os usas da direito; 3. Direito Alterna

    tivo:

    a

    luta contra

    o

    monismo

    e a

    neutralidade jurídica;

    APENDICE: a. Tipologia teórica doutrinária; b. Centros de aqao.

    1. Origem pública do movimento

    No dia 24 de outubro de 1990, o mundo jurídico brasi-

    leiro se agitava com a aparicáo de urna notícia publicada

    na imprensa.t O jornalista Luiz Maklouf divulgava, de

    forma sensacionalista e tendenciosa, um artigo intitulado

     Juízes gaúchos colocam Direito acima da Lei . Como

    resultado de urna série de entrevistas obtidas off the

    record assinalava, entre outras coisas, que, a alguns anos,

    aproximadamente uns quarenta magistrados do Estado do

    RioGrande do Sul formavam um grupo denominado Direito

    Alternativo

    que vinha a questionar, em suas sentencas, a

    forca da leí estatal. Fazia mencáo, como exemplo, de

    decisáo adotada por um de seus líderes, Amilton Bueno de,

    Traduzido do original por Salo de Carvalho (Mestre e Doutor em Direito,

    Professor dos Programas de Pós-qraduacáo da PUCRS, UNISINOS e

    Universidade Pablo de Olavide - Sevilha).

    1 Jornal

    Folha

    da

    Tarde

    de Sáo Paulo 

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    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproximacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    Carvalho.s A aparicáo deste trabalho deu rnargern a urna

    sucessáo de publicacóes - tendo seu clima rnais tenso entre

    os meses de outubro e dezembro daquele mesmo ano -, nas

    quais se debatiam os prós e os contras, as defesas, as acu-

    sacóes e as críticas

     l

    atividade deste coletivo de juízes.J

    O que rnais se destacou nesta polémica foi o fato de

    que outros profissionais do direito, com inquietudes aná-

    logas as dos alternativos, decidiram definitivamente se co-

    locarem de acordo, aglutinando-se aos magistrados gaú-

    chos, e assim formar e coordenar urna frente comum para

    defender suas posícóes, Adquiría caráter público e nacional

    um movimento que, sob o rótulo Direito Alternativo , re-

    cepcionava um amplo número de advogados populares,

    procuradores, promotores, magistrados e professores

    universitários - sobretudo filósofos e sociólogos do direito.

    Para dar maior consísténcia e estabilidade, logo iniciaram a

    orqanizacáo de fóruns, debates, seminários e encontros

    sobre os defeitos, a ineficácia e a insuñciécía do ordena-

    mento jurídico oficial vigente, assim como sobre a neces-

    sidade de interpretar mais amplamente a tradicional e re-

    duzida

    nocáo académica

    do direito. Também houve a

    preocupacáo de clarificar e sistematizar os diferentes apor-

    tes do grupo, editando, coletiva e individualmente, urna sé-

    ríe de livros monográficos. Neles foram expostos e descritos

    a maioria das linhas diretrizes e temáticas do movimento.?

    Como dissemos, os componentes do Direito Alterna-

    tivo náo sáo apenas operadores jurídicos, nem pertencem

    exclusivamente ao ámbito da magistratura. Sua compo-

    4

    No ano de

    1991

    desenvolveram-se urna multiplicidade de eventos: no

    més de julho, a Ordem dos Advogados (OAB) e a Associacáo dos Magis-

    trados Brasileiros (AMB) orqanizaram urn Encontro Nacional de Estu-

    dantes de Direito em Teresina; em Plorianópolis, entre os dias

    04

    e

    07

    de

    setembro, com caráter internacional, se celebrou o 1Encontro de Direito

    Alternativo com a participacáo de

    1.183

    assistentes; entre

    30

    de outubro

    e

    01

    de novembro se celebro u o 1Seminário Cearense sobre Direito Al-

    ternativo em Fortaleza; em Natal, nos dias 28, 29 e 30 de novembro, o 1

    Fórurn Regional sobre Direito Alternativo ; já no ano de

    1993,

    também

    em Florianópolis, se desenvolveu o Il Encontro entre os meses de se-

    tembro e outubro, com a assisténcia de profissionais do direito argen-

    tinos, espanhóis, chilenos, colombianos, etc.

    Com respeito as publícacóes, merecem destaque o trabalho de Elicio

    de Cresci Sobrinho Justica Alternativa , Sérgio Antonio Fabris Editores,

    Porto Alegre,

    1991;

    a Editora Académica, de Sáo Paulo, sob a dírecáo do

    professor Silvio Donizete Chagas, lancou a colecáo intitulada Biblioteca

    de Direito Alternativo , destacando, entre outros, os trabalhos coletivos e

    coordenados por Edmundo Lima de Arruda Jr., Li

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    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproximacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    sicáo é mais variada. Previamente

     

    aparicáo do artigo de

    Luiz Maklouf, já existía urna tendencia crítica nao

    organizada ao direito nacional cimentado e interpretado

    sobre a lógica positivista-liberal e composta por um

    conjunto de pessoas de forrnacáo jurídica nao uniforrne.f

    Neste sentido, Horácio Wanderlei Rodrigues destaca que o

     Direito Alternativo nao é urna escala jurídica, sequer um

    movimento

    homoqéneo.

    Amilton Bueno de Carvalho

    assinalou que deve-se entender o

     Direito

    Alternativo nao

    como uma teoría nava , mas como um movimento

    composto por urna multiplicidade de correntes.f

    É

    preciso ressaltar esta última afirmacáo. O

     Direíto

    Alternativo  nao é uma teoria que de conta do fenómeno

    jurídico; estamos diante de um movimento que aposta

    numa prática jurídica distinta da tradicional que parte do

    seguinte pressuposto: se toda solucáo judicial de um

    conflito supóe a irnposicáo de eleicóes prévias tomadas no

    ámbito político, a interpretacáo, a aplicacáo e todo

    processamento dos casos concretos acaba por ter

    implicacóes políticas. Por isso o movimento vem lutando

    para retirar da solidáo e do isolamento no qual trabalham

    os profissionais do direito comprometidos com as

    necessidades e aspiracóes sociais, e trata de integrá-los

    nas práxis políticas e intelectuais que exige a transicáo

    democrática que vive nao apenas o Brasil, mas todo o

    mundo latino-americano. Nao bastam mais atitudes éticas

    solidárias em favor dos pobres; é preciso uma acáo

    integrada que parta das seguintes prernissas: (a) urna

    visáo do direito nao compartimentalizada, frente ao saber

    tradicional que ve o direito como urna entidade indepen-

    dente da sociedade, necessita-se um posicionamento

    jurídico que assinale e postule os vínculos entre o jurídico,

    os interesses económicos e as expectativas sociais; (b)

    incluir na atividade do juiz, nao apenas os elementos de

    legalidade, mas os parámetros de legitimidade que

    relacionam os contextos nos quais se devem aplicar as

    normas e os princípios gerais do direito que em toda

    situacáo democrática devem primar sobre as meras

    subsuncóes fatos-normas; (e) um uso alternativo do direito

    que alcancou maturidade ao reconhecer a politizacáo

    (necessário sentido público) de toda atuacáo com

    relevancia jurídica, e que tende a ver a democracia e o

    direito como entes sociais em construcáo constante.

    Neste sentido, deve-se enfatizar as relacóes cada vez

    mais estreitas entre estes operadores jurídicos e a linha

    doutrinária latino-americana denominada Crítica Jurídica.

    8

    5 Assim ternos, adernais dos juízes gaúchos, outros como Lédio Rosa de

    Andrade, Flávio Araújo, Urbano Ruiz... Também os professores

    universitários e/ou advogados Antonio Carlos WOlkmer, Agostinho

    Rarnalho Marques Neto, Edmundo Lima de Arruda Jr., José Geraldo de

    Souza Jr., Celso F. Campílongo, José Eduardo Faria, Tarso Fernando

    Gemo, Miguel Pressburguer, Roberto Aguiar ... Quanto acs membros do

    Ministério Público, encontram-se os procuradores Jacques Távora

    Alfonsin, Clémerson Merlin

    Cléve 

    Jacinto Coutinho e Marco Aurélio

    Aydos Dutra ... Ver H. W. Rodrigues. idem p. 179 e Antonio Carlos

    Wolkmer,  Intrcducáo ao pensarnento jurídico crítico , Editora Acadé-

    mica. Sáo Paulo, 1991  p. 96.

    6 Ver H. W Rodrigues, Direito com que ...? .

    op. cit.

    p. 178 e A. B. de

    Carvalho,  Direito Alternativo na Jurisprudencia , cit., p.

    8.

    7 Cf. José E. Faria, Prefácio a Lédio Rosa de Andrade

     Juiz

    Alternativo e

    Poder Judiciário , cit.. p. 12, e em  As transforrnacóas do Judiciário em

    face de suas responsabilidades sociais , em

    Revista

    de

    Direito

    Alternativo

    nQ

    2. 1993 pp. 35 46.

    8 Em realidade, a Crítica Jurídica está conformada por um conjunto de

    teorías e práticas diversas entre si, sem que isto ímpeca a coincidencia

    de determinados aspectos. No interior de sta grande corrente, de urna

    vasta lista interminável de nomes que a conformam, destacariamos,

    aparte dos brasileiros, no México. o advogado e iusfilósofo Jesús Antonio

    de la Torre Rangel, destacando seu livro Del Pensamiento Juridico

    Contemporáneo. Aportaciones Críticas , Escuela Libre del Direito,

    Porrúa, 1992, junto ao argentino Oscar Correas, sediado no Instituto de

    Investigaciones Jurídicas da UNAM. autor, entre outros textos, de

    4

    5

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    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproximacáo ao Díreito Alternativo na Ibero-América

    Seus componentes

    tém

    em comum, entre outras coisas, o

    fato de que buscam uma nava racionalidade emancipatória

    que rompa com a estabelecida pela ordem legal vigente,

    sempre interpretada e aplicada em favor das classes

    dominantes, e que também permita urna defesa mais eficaz

    das expectativas e reívíndícacóes das classes ou grupos

    desfavorecidos. Ademais, todos retomam as premissas

    estabelecidas pelo movimento uso alternativo do direito

    italiano, e os aportes daquelas correntes jurídicas euro-

    péias mais progressistas.

    9

    2.Definicáo e conceitos fundamentais: os usos

    do direito

     Crítica de la Ideología Jurídica. Ensayo sociosemiológico , UNAM,

    México, 1993 e editor da revista intitulada Critica Jurídica ; na

    Argentina, Enrique Eduardo Marí, autor do recente Papeles de

    Filosofía . Buenos Aires, 1993, a juíza Alicia Ruiz e o advogado Carlos

    María Cárcova, autor entre outros textos de  Teorías jurídicas

    alternativas. Escritos sobre Direito

    y

    Política , Centro Editor de América

    Latina, Buenos Aires, 1993; em Colómbia Germán Palacios, Germán

    Burgos e os demais integrantes da orqanizacáo de defesa popular

     Servicios Legales Alternativos (ILSA); e no Chile Eduardo Novoa

    Monreal, autor de Elementos para una crítica y desmitíficacíón del

    díreito , Ediar, Buenos Aires, 1985, e Manuel Jacques, Diretor do Centro

    de Desarrollo y Estudios Jurídicos y Sociales 'Quercum ', vinculado com

    ILSA. Ver A. C. Wolkmer,

    op. cit.

    pp. 79 e ss. e Lédio Rosa de Andrade

    em seu JuizAlternativo e Poder

    Judiciárío ,

    op.

    cit.  nos faz urna clara e

    interessante exposicáo dos aportes teóricos do pensamento crítico

    contrapondo-os ao pensamento denominado dogmático.

    9 P. ex., na Itália, as obras de Pietro BarcelIona, Giovanni Coturri, Luigi

    Ferrajoli. Na Franca, os trabalhos da Association Critique du Droit

    formada, entre outros, por Andre-Jean Arnaud e Michel Miaille. É de

    destacar a recepcáo que estáo tendo no ámbito latino-americano as teses

    do grupo de intelectuais franceses e italianos reunidos em torno da

    revista Actuel Marx ; cf. o texto de Jacques Bidet  Teoría de la

    Modernidad recentemente traduzido ao castelhano pela editora

    bonaerense El Cielo por Asalto (1993) e as Actas del Coloquio

    Internacional: El futuro del socialismo celebrado na Sorbonne em junho

    de 1991 e auspiciado por Actuel Marx e o Instituto Italiano per gli

    studi filosofici , publicadas por El Cielo por Asalto (1992). Assim

    mesmo, deveríamos destacar o trabalho realizado pelo professor de

    Saarbrücken Alessandro Baratta. Em Portugal (Coimbra), destaca-se a

    figura de Boaventura de Souza Santos, empenhado a muito tempo no

    trabalho de teorizacáo do pluralismo jurídico contemporáneo, Noque diz

    Em que pese sua variedade e heteregeneidade, Amil-

    ton Bueno de Carvalho assinala o perigo de uma definícáo

    sobre o que é Direito Alternativo . Assim, o conceitua de

    forma ampla, como aquela atuacáo comprometida com a

    busca de vida e da dignidade para todos, e que ambiciona a

    ernancípacáo

    popular com a abertura de

    espacos

    democrá-

    ticos, tornando-se instrumento de

    defesa/Iíbertacáo

    contra

    a dominacáo imposta_ 10 No seio dos operadores alterna-

    tivos nos encontramos, portanto, com urna atitude crítica,

    opa sta, de forma parcial, ao direito considerado oficial.

    Mas, por

    outro

    lado, com urna atitude utópica: a ju-

    risprudencia como um mecanismo de apoio e estímulo as

    transformacóas

    sociais. Da

    uniáo

    entre ambas, nascem

    posicionamentos que intentarn ultrapasar os obstáculos

    ocasionados pelo choque entre a realidade e o idealismo

    dos conceitos de justica, direito, leí, ordenamento juridico,

    norma, democracia, funcáo judicial, criacáo, interpretacáo,

    aplícacáo do direito ...

    respeito   Espanha, alguns dos posicionamentos de Perfecto Andrés

    Ibáñez, Modesto Saavedra López, Nicolás López Calera e Juan Ramón

    Capella entre outros. Ver A. C. Wolkmer,

    op. cit. 

    pp. 61-79; também

    Clémerson Merlín Cléve, Uso alternativo do direito e saber jurídico

    alternativo , em

     Lícóes

    de direito ... ,

    01,

    op. cit. p. 114; Luiz Fernando

    Coelho, DoDíreito Alternativo , em Revista de Direito

    Alternativo

    nQ02,

    pp. 14e ss.; Roberto Bergalli, Usos y riesgos de categorías conceptua-

    les: éconvíens seguir empleando la expresión uso alternativo del direito?,

    idem  pp. 19-36;J. A. Muñoz Gómez, Reflexiones sobre el uso alternativo

    del Direito , em

    El otro

    dimito, I l 01, Editorial Temis, ILSA, Bogotá,

    agosto 1988,pp. 59 e ss.

    10  Magistratura e Direito Alternativo ,

    op. cit. 

    p. 89; Direito Alternativo

    na Jurísprudéncía ,

    op. cit.

    p. 08; e também Atuacáo dos juízes alter-

    nativos ... , cit., pp. 02-03.

    6

    7

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    David Sánchez Rubio e Joaquin Herrera Flores Aproxímacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    Urna das muitas dificultades que o movimento encontra-

    rá em sua recente caminhada é aquele que o acusa de negar

    o plano da legalidade. Como indicou Amilton Bueno de

    Carvalho, nao se trata de negar o princípio da legalidade,

    mas de negar validade áquela lei considerada injusta. Desta

    forma, deve-se ter claro que nao se está a negar em sua

    totalidade as prescricóes oferecidas pelos ardenamentos

    jurídicos vigentes, apenas parte delas. Em realidade, duas

    sáo

    as respostas interpretativas dadas sobre o uso do direito,

    estando ambas muito correlacionadas entre si. Por urn lado, o

    direito oficial, ademais de possuir instítuícóes defensoras de

    determinados interesses de classe, também apresenta

    margens de ínterpretacáo que possibilitarn

    a

    defesa dos

    pobres.

     

    parte da possível eficácia das normas, o problema

    radica na ideologia subjacente em toda interpretacáo das

    normas. Por outro lado, há simultanearnente uma atitude de

    criacáo

    de navas perspectivas, de navas enfoques, inclusive

    de reconhecimento de navas prescricóes mais harmónicas

    com a realidade cambiante das suas

    nacóes.i

    t

    Para Lédio Rosa de Andrade, aplicar a lei no Brasil já

    resulta de per si urna atuacáo alternativa, pois existe um

    distanciamento intolerável entre o jurídico e o social. Como

    o normativo, em que pese reconhecer direitos, nao se

    executa, cumprir a lei se torna um processo revolú-

    cíonário.ts Todavia, como nos diz J. A de la Torre Rangel,

    aplicar a lei supóe, na maioria dos casos, acentuar urna

    situacáo

    de

    injustica,

    A

    opressáo

    económica e política, na

    maioria das vezes, nao se faz violando o direito objetivo ou

    as leis, mas precisamente aplicando-as. A normatividade

    freqüentemente legaliza a ínjustíca e a víolacáo dos direitos

    humanos. 13 Entre essa margem de um direito

    náo

    efetivo

    e um direito injustamente efetivo, encontra-se urna ampla

    gama de possibilidades do uso jurídico.

    Amilton B. de Carvalho oferece um curioso e interes-

    sante marco herrnenéutico de ínstrumentalízacáo jurídica.

    Para ele, existem tres frentes possíveis do uso do direito:

    14

     1)

    Em primeiro lugar, o tradicional uso alternativo do

    direito que consiste naquela atividade cuja mar-

    gem de acáo se desenvolve no seio do próprio

    ordenamento jurídico positivo, no instituído. Neste

    sentido, a forma de trabalhar o direito estatal pode

    se realizar de duas maneiras: (a) utilizando as con-

    tradicóes, ambigüidades e lacunas do oficialmente

    legislado, partindo sempre de urna ática democra-

    tizante, e/ou (b) buscando, por via de urna inter-

    pretacáo qualificada, os direcionamentos obtidos

    pelas lutas populares e permitindo, por meio da

    crítica constante, que os efeitos da norma sejam

    cada vez mais democráticos. Tanto os juízes, como

    os promotores, advogados, professores, etc. seráo

    os encarregados de realizá-lo.

    15

    11

    O advogado mexicano Jesús de la Torre Rangel nos fala de urna apro-

    príacáo das leis vigentes. e de urna reapropríacáo do poder normativo

    para criar leis navas em favor das classes menos favorecidas. Parte de

    Direi to existente é válido. O único que deveria ser feito seria desideo-

    logizá-lo, em quanto defensor dos grupos dominadores, aproveitando o

    dado, e provocar atraca qualitativa necessária ern funcáo do projeto

    jurídico alternativo. Jesús de la Torre Rangel, El Direito como arma de

    liberación en América Latina , Centro de Estudios Ecurnénicos,

    Aguascalientes, 1984, pp. 79 e ss.

    12 Proceso social alternativo ,

    op. cit.

    pp. 83-84.

    13

     Del pensamiento jurídico contemporáneo. Aportaciones crít icas , op.

    cit. 

    283.

    14 Ver Direi to Alternativo na

    Jurisprudéncia ,

    op. cit.

    pp.

    11-15.

    15 Náo há umúnico discurso sobre o direito, mais muitos discursos.  Direito

    Alternativo na .Iurisprudéncia ,

    op. cit.

    pp. 11-12. Como indica Luis

    Edson Fachin, se trata de fazer urna auténtíca busca da normatividade

    utilizável em favor dos menos favorecidos. Da Represeritacáo Constitu-

    cional: Pequeno Remédio contra abusos e

    ínjustícas ,

    em Direito

    Insurgente

    Anais de Fundacáo, Insti tuto Apoio Jurídico Popular, 1987-

    1988, Rio de Janeiro, p. 22.

    8

    9

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    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproxirnacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    (2) Em segundo lugar, A. B. de Carvalho utiliza o

    conceito de positivismo de combate formulado

    por Miguel Pressburguer. Tratar-se-ia de urna

    frente de luta através da qual se intentam fazer

    efetivas as disposícóes normativas que reco-

    nhecem urna série de conquistas históricas e de-

    mocráticas que, muito embora tenha sido

    promulgadas e reconhecidas oficialmente, nao se

    aplicam. Neste nível, o operador jurídico neces-

    sita o apoio da mobilizacáo popular para poder

    lograr seus objetivos. O direito positivo é utili-

    zado como instrumento de combate.

    Para Bueno de Carvalho, o direito oficial é um

    instrumento bastante útil de recepcáo e aplicacáo

    das conquistas humanas. A sociedade é a fonte

    que dinamiza a genese, o desenvolvimento e a

    fínalizacáo

    dos excedentes axiológicos. Estes

    ficam representados, como parámetros de orienta-

    cáo universal, pelos princípios gerais do direito.

    Para que nao fiquem no mundo do ideal e do

    abstrato, deve-se

    positívá-los,

    concretizá-Ios em

    normas jurídicas. Desta forma passam

    a

    vida

    diária. Através da lei, e urna

    interpretacáo

    orienta-

    da a sua eficácia plena, se consegue que os ideais

    humanos de líberdade, de vida em abundáncia

    etc., se convertam em realidade.16

    tendem coexistir com o direito positivo. Partindo

    de urna

    posícáo

    pluralista do direito, se postula

    que o Estado nao é único titular na

    críacáo

    das

    normas jurídicas. O pOYO, em sua caminhada

    histórica, constrói e destrói os direitos que lhe

    servem como solucáo aos seus problemas. A so-

    ciedade, por meio dos sujeitos coletivos - sin-

    dicatos, partidos políticos, corporacóes, setores

    da Igreja, movimentos sociais etc. -, ao encon-

    trar-se em um contínuo processo de

    acáo,

    gera

    su as próprias normas.

    O

    Estado nao outorga os

    direitos; é a sociedade que os cria. O Estado se

    encarrega de canalizar um modo, entre outros,

    de torná-los efetivos.1

    7

    Por outro lado, para evitar a defesa irracional e cega

    de um direito paralelo, que carregue implícitas conse-

    qüéncias nefastas para a sociedade, os principios gerais

    do direito servem como mecanismos que previnem a

    arbitrariedade das decisóes judiciais. Desta forma,

    apenas será reconhecido como direito alternativo aquele

    conjunto de normas que respeitem o ser humano, que

    possuam efeitos plenamente democráticos e que real-

    mente neguem as relacóes de opressáo/domínacáo hu-

    manas.

    1B

    (3) Em terceiro lugar, temas o que denomina

    direito

    alternativo em sentido estrito, também definido

    como direito insurgente, paralelo, emergente,

    etc. Seria aquel e conjunto de normas nao esta-

    tais, situadas no plano do instituinte, que pre-

    17 Idem pp. 14-15.

    18 Idem. Amilton Bueno de Carvalho, neste livro, recorre a urna série de

    sentenc;:as que servem corno exemplo daqueles casos em que a lei, para

    evitar que sua interpretacáo literal tenha conseqüéncias sociais injustas,

    foi corrigida grac;:asaos critérios contidos nos principios gerais do direito.

    Tanto nos casos de jurisprudencia criminal (pp. 23 e

    ss.)

    corno civil

    (pp. 90 e ss.) - sendo extensivel a outras ordens jurisdicionais -, a lega-

    lidade aterrisa nos principios gerais, e persegue incessantemente a

    utopia de urna vida democrática e em abundancia para todos.

    6 Idem pp. 12-13.

     

    11

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    7/11

    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproximacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    3.Direito Alternativo: a luta contra omonismo e

    a neutralidade jurídica

    e/ou atuacáo com relevancia jurídica.

    20

    Desta maneira, se

    considera que sáo os valores, as necessidades e o conceito

    de [ustíca os melhores elementos para interpretar urna

    norma jurídica.

    21

    Mas náo se tratam de palavras vazias: a

    idéia de justica se relaciona com as demandas de

    reconhecimento e satisfacáo das necessidades expressas

    pela maioria dos cidadáos submetidos él pobreza e él

    marginalidade. E inerente a isto, é o social. o popular, a

    fonte que marca o caminho da hermenéutica jurídica.

    22

    Através do direito, junto com outras técnicas e outros

    omovimento do Direito Alternativo realiza um feroz

    ataque contra a concepcáo formalista kelseniana, e contra

    toda aquela teoria, identificada sob o rótulo dogmatismo

    jurídico, que pretende aplicar o Direito através de um

    método técnico, formal, buscando a ínterpretacáo científica

    da lei na resolucáo dos casos concretos e impede indagar

    os pressupostos ideológicos e valorativos subjacentes a

    toda norma.

    19

    O movimento rompe com a tradicional idéia de

     neutralidade da leí, a qual concebe o ordenamento

    jurídico como mero mecanismo asséptico de requlacáo

    social. Contrário a esta idéia, ressaltam-se os ineludí veis

    componentes ideológicos que fundam toda norma,

    reflexáo

    Colocar em prática o principio da presuncáo de inocencia, buscar

    urna ínterpretacáo ampla do conceito de furto famélico, a flexibilidade na

    apreciacáo dos delitos sexuais nao violentos, reconhecer o direito

    a

    ocupacáo de áreas improdutivas por parte dos sem-terra, considerar o

    principio da boa-fé como principio universal do direito, reconhecer o

    direito a greve corno conquista da humanidade etc. sáo alguns dos

    parámetros com os quais os juízes alternativos atenuam a existencia de

    um ordenamento que sempre está a favor dos mais fortes. Ver

    igualmente, Atuacáo dos [uízes alternativos gaúchos no processo de

    pós-transícáo democrática (ou urna préxis em busca de urna teoria) ,

    conferencia apresentada em Oñati, julho de 1993, mimeo, pp. 14-15.

    19 ...

    0

    Direito através de um método técnico, formal, buscando a

    interpretacáo científica da lei quando na aplicacáo aos casos concretos. 

    Lédio Rosa de Andrade, Juiz alternativo e poder ... , op. cit. p. 25; Luis

    Alberto Warat, Sobre a dogmática jurídica , em Sequéncie

    Florianópolis, v. 1, ns 2, 1980, pp. 34e ss.

    Isto nao significa dizer que se tenha que cair no equívoco de

    confundir dogmática jurídica com dogmatismo. Clémerson Merlín Cléve

    indica a utilidade desta técnica de conhecimento. Ademais é necessário

    conhecer as normas positivas para poder criticá-las. Ver  Uso alternativo

    do direito.... , op. cit. p. 107.

    20 Edmundo Lima de Arruda,  Apresentacáo  das Licóes de Direito

    Alternativo, 02, op. cit.  p.

    7;

    o Direito Alternativo nao é neutro,

    é

    parcial e

    está comprometido comos pobres. Representa urna opcáo contra a opressáo

    estabelecida pelo direito oficial. É urna opcáo contra o direito usualmente

    predominante. VerA. B.de Carvalho, Magistratura ... . cit., p. 89.

    Para J. A. de la Torre Rangel, a prática diária que experimenta por

    seu trabalho corno advogado, demonstra que o direito possui, pelo

    menos, duas faces. Dependendo da capacidade ou da incapacidade de

    protecáo que tenha com os grupos menos favorecidos: urna das facetas é

    de utilidade, corno instrumento de luta, enquanto que a outra é de

    inutilidade, como instrumento legitimador do sistema estabelecido. Pois

    bem, de ambas resulta que predomina a segunda sobre a primeira,

    porque o Direito vigente

    é

    muito mais expressáo de injustifta e

    opressáo que de justic;:a (...). A injustic;:a instalada ern nossa sociedade

    latino-americana nao

    é

    porque nao se aplica o direito, mas resulta da

    própria aplícaeáo do Direito vigente. O fato da injustica que todo

    aparato jurídico reúne - legalidade da injustica -, ao ser um mecanismo

    de expres sáo das classes ou grupos dominantes provoca que se intente

    buscar conceitos que déern um sentido progressista ao sistema jurídico,

    para que assim seja benéfico em relacáo áqueles que ficam constante-

    mente prejudicados, porque posto a servíeo do povo, o Direito pode

    chegar a ser urna efetiva ferramenta de Iíbertacáo.

    r

     El direito

    corno arma de liberación , cit., pp. 23 Y13 a 15.

    21 Ver J08.0 Batista Moreira Pinto, Aacáo instituinte dos novos movimentos

    sociais frente

    a

    lei , em

    Lir;:6e s de

    Direito Alternativo  02, op.

    cit

    p. 18;

    Lédio Rosa de Andrade,  Processo social alternativo , op. cit. p. 92.

    Jesús Antonio de la Torre assinala que o campo de referencia no

    exercício da advocacia nao sáo tanto as normas jurídicas, como as

    necessidades e as pretensóes sociais.  O direito que nasce do povo ,

    Centro de Investigaciones Regionales de Aguascalientes, 1986, p . 142.

    22 Lédio Rosa de Andrade, idem.

    12

    13

  • 8/19/2019 Aproximaçao ao Direito Alternativo na Ibero-América

    8/11

    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproxímacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    mecanismos político-eco nomicos, se pretende subverter a

    ordem social vigente por outra mais justa e solidária.

    Contra o monismo jurídico, que percebe o Estado como o

    único sujeito criador de direitos, se insiste que estes sáo

    gerados pela sociedade mesma, por todos os individuos,

    por grupos humanos ou sujeitos coletivos, emergindo no

    seio dos conflitos sociais.

    23

    A reivindícacáo e a defesa do pluralismo jurídico, hoje

    no Brasil, se dá em dois níveis:  a a instancia teórica repre-

    sentada pelo  pluralismo jurídico comuni tário participati 

    vo , que tem como príncipal expoente Antonio Carlos

    Wolkmer; e

     b

    a perspectiva prática, configurada no movi-

    mento denominado  Direito achado na rua , coordenada por

    José Geraldo Souza Jr.

    A proposta do pluralismo jurídico nos coloca frente

     l

    evídéncía - nao isenta de contradicóas - de um sujeito pro-

    dutor de normas: a sociedade em sua complexa pluralidade;

    e um sujeito reconhecedor - nao outorgador - e garantidor

    das mesmas: o Estado de direito. Somente assim o jurídico

    servirá como mecanismo de mudanca social.24

    Ante a existencia de urna realidade rniserável e frente a

    inoperancia de um sistema normativo interpretado sempre

    de forma contrária as classes menos favorecidas, os inte-

    grantes do movimento edificam, utilizando e descartando,

    segundo os casos concretos, parte do sistema jurídico, para

    tomar mais justas suas atividades tanto de ensino como de

    defesa, representacáo e/ou decisáo judicial.25 Seguindo a

    tradicional tendencia de quase todos os intelectuais latino-

    americanos por atender

     l

    realidade, pretendem contex-

    tualizar o direito para

    ínserí-lo

    no processo social.

    É

    impensável que, diante da crua realidade vivida

    pela sociedade brasileira, extensível a todos os países

    latino-americanos, o pensamento jurídico nao se preocupe

    em analisar, e em saber refletir, aqueles conceitos de

    justica que os cídadáos sustentam. A dogmática jurídica,

    ao negar todo conhecimento possível dos valores inerentes

    as normas, e ao cimentar-se sobre um irrebatível cientíñ-

    cisma, preserva as correlacóes de toreas sociais, buscando

    sempre manter a arde m estabelecida pelos grupos

    dominantes, trabalhando continuamente em favor dos

    detentores do poder.

    26

    É como se viessem a impar um

    critério oculto de injustica, opasto áquelas diretrizes de

    justica favoráveis as classes mais necessitadas. Tércio

    Sampaio Ferraz Júnior reconhece que urna das facetas

    negativas da dogmática

    é

    a de ser um agente estabilizador

    que evita o conflito social, e que monopoliza a interpre-

    tacáo das normas, sem dar opcáo a outras visóes.

    27

    Lédio Rosa de Andrade, referindo-se ao movimento

    Crítica Jurídica, afirma que dois sáo seus objetivos. Por um

    lado, perseguir a mudanca social para criar justica ma-

    terial; por outra, desmitificar o discurso dogmático tradicio-

    nal, mostrando sua ideologia, desmascarando suas opcóes

    e seu próprio uso alternativo do jurídico e do político.

    28

    A

    opcáo pela sociedade é clara. Daí a importancia que tem a

    criacáo de um instrumental adequado com o qual se possa

    interpretar as diversas e variadas demandas que os grupos

    e individuos oprimidos possuem, para que assim se possa

    23

    J.

    B. Moreira Pinto. op. cit. pp. 21-22; Lédio Rosa de Andrade. op. cit. 

    p.93.

    24 Para um maior aprofundamento da questáo do pluralismo jurídico no

    Brasil, verificar a obra de seus dos principais representantes: Antonio C.

    Wolkrner, Pluralismo juridico: fundamentos de urna nova cultura no

    Direito , Alía-Omega, Sáo Paulo, 1994, José Geraldo de Souza Jr., Para

    urna crítica da eficácia do Direito , Sérgio Fabris, Porto Alegre, 1984.

    25 Lédio Rosa de Andrade, idem p. 82.

    26 Lédio Rosa de Andrade, Juiz alternativo ..; , op. cit.  p. 24.

    27 Ver Tércio Sarnpaio Ferraz .Júníor, Funcáo social da dogmática jurídica ,

    Revista dos Tribunais,

    Sáo

    Paulo, 1980,p. 96.Referencia extraída de

    Lédio Rosa de Andrade, Juiz alternativo ... ,

    op. cit. 

    pp. 30-31.

    28 Iciem p. 33.

    14

    15

  • 8/19/2019 Aproximaçao ao Direito Alternativo na Ibero-América

    9/11

    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproximacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    realizar urna interpretacáo do direito ao seu favor - um uso

    alternativo comprometido com os menos favorecidos -

    sem que recaia no dogmatismo, no imutável, no absoluto.

    Como ponto central, os operadores jurídicos brasilei-

    ros, e com eles todos os que de um modo ou outro com-

    partilham da perspectiva da Crítica Jurídica na América

    Latina,

    dáo

    maior importancia ao conceito de

    justica

    que

    ao conceito de direito, pois com ele conhecem as

    preferáncias que a maioria das pessoas querem que se

    estabelecam como critérios de hierarquia na satisfacáo

    das suas necessidades.

    29

    A pobreza afeta quase

    cinqüenta porcento da populacáo latino-americana;

    estatística da qual o Brasil nao escapa. Se os ordena-

    mentas jurídicos vigentes nao atendem as suas

    demandas, a alternatividade  pugna para que, de urna

    maneira ou outra, tenham efetividade. Posto isto, a idéia

    de legitimidade, apoiada sobre o consenso do coletivo

    social e, no terreno jurídico, sobre os princípios gerais do

    direito e os direitos humanos, prima sobre a legalidade,

    sobre as simples regras que determinan os critérios de

    validade formal das normas. Buscam-se pautas, instan-

    cias nas quais se possam fundamentar, se possam ex-

    plicar estes posicionamentos que rompern com as

    teorias jurídico-formais positivistas, as quais associam a

    norma exclusivamente com o que diz a lei, com o que

    prescreve o Estado.

    30

    Frente a elas, os conceitos de sobe-

    rania popular e de

    participacáo

    adquirem urna dimensáo

    maís radical, mais extensiva. Os novos sujeitos sociais,

    na maioria dos casos relacionados com o mundo da

    pobreza, exigem um conceito de direito mais flexível e

    mais plural. Nao se trata de recair na ilicitude ou na

    anomia. Pelo contrário, postula-se a positivacáo jurídica

    de tais expectativas, abandonadas no terreno da margi-

    nalidade.31 E aqui reside o interesse e a necessidade de

    buscar o apoio dos principais protagonistas na críacáo do

    direito: os movimentos populares, apoiados no ideal de

    urna utopia democrática na qual os princípios de liber-

    dade, igualdade e vida digna sejam acessíveis a todos.

    32

    Apéndice

    Na continuidade, oferecemos um quadro representa-

    tivo tanto das distintas correntes teóricas que conformam

    o movimento como de algumas das entidades de

    acáo

    que

    foram criadas. Para tanto, seguiu-se o trabalho realizado

    pelo iusfilósofo A. C. Wolkmer em seu livro  Introducáo ao

    Pensamento Jurídico Crítico :

    29 Ver A. B. de Carvalho, Direito Alternativo na Jurisprudencia , cit., pp.

    13-14.

    Segundo Plauto Faraco de Azevedo, a seguranqa jurídica é o valor

    fundamental do direito, mas é sabido que náo há seguranqa que se

    possa manter se náo estiver imantada pela Justiqa.  Ver  Do Método

    Jurídico. Reflex6es em torno de Francois Gény , Ajuris, nz 51, marga de

    1991, p. 19. Luiz Fernando Coelho assinala que ao juiz náo lhe cabe

    aplicar a lei, mas fazer justica,  Lógica Jurldica e Interpretacáo das

    Leis , Forense, 1981, 2ª edicáo, p. 324.

    30

    Ver Miguel Alves Lima,

     O

    direito alternativo e a dogmática jurídica , em

    Lir;óes de Diieito

    Alternativo

    02,op. cit.  pp. 44 e ss.

    31  E é o explorado, o marginalizado, o oprimido, o único que pode ter a

    idéia da

    auténtica [ustica,

    Apenas aquele que está fora da Totalidade

    jurídica do sistema, e aquele outro que náo ve desde a legalidade do

    sistema, mas que tem a ética do marginalizado, pode nascer a

    consciencia da justica 'legal' fora da Totalidade opressora.  Jesús

    Antonio de la Torre Rangel, El Direito como arma de liberación en

    América Latina , op. cit., p. 28.

    32 O objetivo de criar ummodelo de sociedade mais democrática é decisivo.

    VerE. L. de Arruda Jr.,  Direito Alternativo. Notas ... ,

    op. cit.

    pp. 94 e

    SS

    e Antonio C. Wolkmer,  Pluralismo jurídico ... , cit., pp.

    222-233.

    16

    17

  • 8/19/2019 Aproximaçao ao Direito Alternativo na Ibero-América

    10/11

    David Sánchez Rubio e Joaquin Herrera Flores

    Aproximacáo ao Direito Alternativo na Ibero-América

    a, Tipologia teóríco-doutrináría

    (1) Epistemologias de Pluralismo Sistémíco-Funcío-

    nal ,33 com as obras de Tércio Sampaio Ferraz e

    José Eduardo Faria.

    O

    primeiro, influenciado pelos

    aportes teóricos de Niklas Luhmann e Theodor

    Viehweg; e o segundo, além de Luhmann, por Max

    Weber, pelo mesmo Tércio Sampaio e pela tradicáo

    funcional-liberal norte-americana.34

    Mencáo

     

    parte, e dentro deste bloco, merece

    o denominado iusnaturalismo dialético de cami-

    nhada, defendido por alguns setores dos juízes

    gaúchos, como perspectiva ética e utópica que re-

    cepciona as sucessivas conquistas axiológicas

    populares e humanas obtidas ao longo do tempo.s?

     2) Epistemologias histórieo-soeiais de perspectivas

    dialétieas.

    35

    Formadas por quatro subgrupos: (a)

    em primero lugar, o humanismo dialético de raiz

    neo-hegeliana de Roberto Lyra Filho, fundador da

    Nava Escala Jurídica Brasileira (NAIR) e criador da

    revista Direito   Avesso , junto com José Geraldo

    de Souza e Agostinho Ramalho Marques Neto;

     b)

    o neomarxismo jurídico de Roberto A. R. de

    Aguiar; (e) o marxismo ortodoxo de Tarso Fernando

    Genro, também discípulo de Roberto Lyra Filho; e

    (d) a fenomenologia do normativismo dialético de

    Luiz Fernando Coelho.

    36

     3)

    Epistemologia de perspectiva semiológico-psieana-

    lítiea,38 com a obra de Luis Alberto Warat, sob as

    influéncías de Bachelard, Lyotard, Castoriadis,

    Barthes e Deleuze.

    39

    Por último, o autor acrescenta um quarto grupo que

    qualifica de Teoria crítica de perspectiva psícanalíríca,

    tratando de urna orientacáo relativamente recente, que náo

    constituí um grupo nem tampouco possui urna forrnulacáo

    tico, com Roberto Lyra Filho e José Geraldo de Souza Jr.; b) Crítica

    jurídica como instrumental político de transformaeáo, com Roberto

    AR. de Aguiar, Tarso F.Gemo e Edmundo Lima De Arruda Jr.; e e) Crítica

    jurídica como fenomenologia de normativismo dialético , com Luiz

    Fernando Coelho.

    Algumas das obras de Roberto Lyra:  Para um Direito sem Dogmas ,

    Sérgio Fabris, Porto Alegre,

    1980

    e O que é Direito , Sáo Paulo:

    Brasiliense, 1982;de Geraldo de Souza, Para uma Crítica de Eíicácia do

    Direito , Sérgio Fabris, Porto Alegre,

    1984;

    de A R. Marques Neto, ''A

    Ciéncia do Direito: Conceito, objeto, método , Forense, Río de Janeiro,

    1982; de Roberto A R. de Aguiar,  Dimito, Poder e Opressáo , Alfa-

    Omega, Sáo Paulo, 1980 e  O Que é Justic;a: urna Abordagem Dialética ,

    Alía-Omega, Sáo Paulo, 1982; de Tarso Gemo,  Introducáo Crítica ao

    Direito , Sérgio Fabris, Porto Alegre, 1988; e de Luiz F. Coelho, Teoría

    Crítica do Direito , HDV;Curitiba, 1986.

    37 Ver A B. de Carvalho, capitulo III intitulado Jusnaturalismo de

    caminhada: urna visáo ético-utópica da lei , no livro Magistratura e

    Direito...''. cit., pp.

    54-61.

    38 Idem pp. 133 a 139. Teoría Crítica de Perspectiva Semiológica , 22

    edición.

    39 L. A. Warat, ''APureza do Poder , UFSC, Florianópolis, 1983; A Ciencia

    Juridica e seus Dois Maridos , FISC, Santa Cruz do Sul, 1985 e Maní-

    festo do Surrealismo Juridico , Académica, SáoPaulo,

    1988.

    33 Idem pp. 114-120.Na segunda edícáo do livro, noanexo 01, altera o título

    por Teoria Critica de Perspectiva Sisternica.

    34 Alguns dos trabalhos publicados por Tércio Sampaio sáo, Conceito de

    Sistema no Direito e  Funcáo Social da Dogmática Jurídica , ambos pela

    Revista dos Tribunais, Sáo Paulo, 1976 e

    1980;

    e sua Introducáo ao

    Estudo do Direito , Sáo Paulo: Atlas, 1988.

    De J. E. Faria, ver Sociología Jurídica: Crise do Direito e Práxis

    Política , Forense, Rio de Janeiro, 1984;  Retórica Política e Ideología De-

    mocrática , Graal, Río de Janeiro, 1984; Eficácia Jurídica e Violéncia Sim-

    bólica , EDUSP.SáoPaulo, 1988; e  Justica e Conflito. Osjuízes em facedos

    novos movimentos sociais , Editora Revista dos Tribunais, Sáo Paulo, 1992.

    35 Idem  pp. 121-133. Na segunda edicáo denomina Teoria Crít ica de

    Perspectiva Dialética.

    36 Estes quatro grupos, na última edicáo do livro, sáo reduzidos a tres: a)

    Crítica jurídica como expressáo do pluralismo e do humanísmo díalé

    18

    19

  • 8/19/2019 Aproximaçao ao Direito Alternativo na Ibero-América

    11/11

    David Sánchez Rubio e Joaquín Herrera Flores

    Aproxírnacáo

    ao Direito Alternativo na Ibero-América

    acabada, e que tem como principal exponente Agostinho

    Ramalho Marques Neto.

    - Em relacáo ao primeiro grupo, ternos, entre outros, o

    Grupo de Trabalho Direito e Sociedade da Associacáo

    Nacional de Pós-qraduacáo (ANPOCS), no qual colaboram

    José Eduardo Faria, Eduardo K.Carrion e Gisele Cittadino; o

    já mencionado Grupo de Magistrados Gaúchos, ligados a

    Assocíacáo dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS); o

    Centro de Estudos Direito e Sociedade da Universidade de

    Sáo Paulo; e o Instituto de Direito Alternativo (IDA) da

    Uní-

    versidade Federal de Santa Catarina, com Edmundo Lima de

    Anuda, A. C. Wolkmer e Horácio Wanderlei Rodrigues.

    - No que tange as entidades de assessoria jurídica,

    estáo, entre outras, o Instituto de Apoio Jurídico Popular

    (IAJUP), no Ríode Janeiro, coordenado por Miguel Pressbur-

    guer; o Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos

    (NEP), constituído pelos integrantes da Nova Escala Jurídica

    Brasileira, da Universidade de Brasília, sob a

    coordenacáo

    de

    José Geraldo de Souza Jr.

    É

    de se destacar o mesmo Curso

    de Extensáo Universitária a Distancia que realizam sob o

    título Direito achado na Rua e

     Introducáo

    Crítica ao

    Direito ;41 o extinto Setor de Orientacáo e Assisténcia

    Jurídica (SOAJ) no Rio de Janeiro; o Gabinete de

    Assessoria Jurídica das Orqanizacóes Populares (GAJOP)

    de Olinda, Pernambuco; e o Núcleo de Assessoria Jurídica

    Popular (NAJUP) , de Porto Alegre.

    42

    b. Centros de acáo

    Muito além do propósito de reunir esforcos em nível

    profissional, e em que pese os distintos enfoques doutri-

    nários, os membros do Direito Alternativo consideram

    necessário, para poder interpretar e aplicar um direito

    justo, atuar solidariamente com aqueles movimentos

    populares que estáo criando livres e democráticos espacos

    de

    atuacáo.

    Para tanto, dois

    sáo

    os tipos de frentes de

    acáo

    sobre os que se organizam. Um mediante a criacáo de

    centros ou entidades de estudo, de lnvestíqacáo e pesquisa.

    O outro mediante a criacáo de centros de assessoria,

    educacáo e pedagogia jurídico-popular.

    40

    40 A. C. WoIkmer,

    op. cit.

    pp. 101 a 105. Veja-se também E. L. de Anuda,

     Direito

    Alternativo no Brasil: Alguns informes e

    balances

    preliminares ,

    em Licóes de Direito ...  ,

    op. cit. 

    pp. 159 e ss.: Horácio Wanderlei Rodri-

    gues,

    op. cit. pp.

    178 e ss.

    Jesús Antonio de la Torre Rangel, comentando experiéncias foren-

    seso e escritos dos brasileiros Vanderley Caixe e Miguel Pressburguer,

    assinalam que a aproxímacáo do profissional do direito com o povo -

    neste caso, o advogado -,

    náo

    deve realizar-se com a

    pretensáo

    de repre-

    sentar as reclamacóes portadas pelos campesinos ou pelos indígenas,

    pois pode adquirir um protagonismo que nao deve nunca possuir. A

    relacáo deve direcionar-se no sentido de que sejam os mesmos grupos

    populares que se representem. J. A. de la Torre, El direi to que nace del

    pueblo , cit., pp, 147 e ss. e 162.

    No caso da atividade judicial , Amilton B. de Carvalho apela a um

    total abandono da visáo compartimentalizada dodireito que o desliga do

    que é o seu inicio e seu fim: a sociedade mesma. Ver, Atuacáo dos

    juízes ... , cit., p. 10.

    41 Ver o artigo de J. G de Souza Jr.  ODireito achado na rua: ccncepcáo e

    prática , em

    Introduqao Crítica

    ao

    Direito

    vol   Universidade de Brasilia,

    4l  edícáo,

    pp. 7-10.

    42 Para maiores detalhes sobre estes centros de acáo, ver Antonio C.

    Wolkmer,  Introducáo ao pensamento ...''. cít., pp. 101-105.

    2

    21