revista minas faz ciência

52

Upload: fapemig

Post on 31-Mar-2016

217 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Revista Minas Faz Ciência
Page 2: Revista Minas Faz Ciência
Page 3: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Ana Flávia de Oliveira, Ana Luiza Gonçalves, Marcus Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr., Vanessa Fagundes, Virgínia Fonseca e William FerrazDiagramação: Fazenda ComunicaçãoRevisão: Sílvia BrinaProjeto gráfico: Hely Costa Jr.Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Rona EditoraTiragem: 20.000 exemplaresCapa: Hely Costa Jr.

Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://fapemig.wordpress.com/Facebook: http://www.facebook.com/FAPEMIGTwitter: @fapemig

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Antonio Augusto Junho Anastasia

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli

AO

LE

ITO

R

EX

PE

DIE

NT

E

Na pesquisa “Percepção Pública da Ciência e da Tecnologia no Brasil – 2010: O

que o brasileiro pensa da C&T?”, organizada pelo Departamento de Popularização

e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inova-

ção (MCTI), constatou-se que os brasileiros estão visitando centros e museus de

ciência com maior frequência. Se em 2006, ano da enquete anterior, apenas 4%

dos entrevistados responderam que haviam, sim, visitado espaços desse tipo nos

últimos meses, em 2013, o número subiu para 8,3%.

O crescimento, mesmo que tímido, é um incentivo ao trabalho de pes-

quisadores e divulgadores da ciência. Novas linhas de apoio à divulgação científica

lançadas nos últimos anos tanto em âmbito nacional como estadual também pare-

cem ter contribuído para o resultado, pois possibilitaram o aumento do número de

museus espalhados pelo Brasil e a concretização de iniciativas que buscam ampliar

o acesso da população a esses espaços. Um exemplo são os museus itinerantes,

que percorrem cidades com aulas e experimentos interativos.

Atrair um público maior e diversificado e aumentar a frequência das vi-

sitas são apenas alguns dos desafios enfrentados por esses espaços de conheci-

mento. Eles também precisam se adaptar aos novos tempos e às novas tecnologias,

constituindo-se como espaços de preservação da memória, mas também de apren-

dizagem. Para conquistar públicos variados, devem trabalhar com novos conte-

údos, metodologias e tecnologias, aliando, a um só tempo, educação, cultura e

diversão. Na reportagem especial desta edição, é possível conhecer um pouco mais

sobre a história dos museus de ciência, que começam como espaços de “curiosi-

dades”, e suas conquistas e desafios para tornar o conhecimento mais acessível.

Entre os destaques está também um projeto da Universidade Federal de

Lavras, que utiliza os filmes do “mestre do suspense” Alfred Hitchcok como fer-

ramenta para a capacitação de docentes. Os medos e angústias vistos na tela são

o ponto de partida para uma reflexão sobre a sociedade e os papeis assumidos

pelos indivíduos. O projeto de extensão tem como objetivo incentivar os docentes a

trabalhar técnicas em outros espaços, enriquecendo sua formação. Na mesma Uni-

versidade, mas em área diferente, um grupo de pesquisadores busca desenvolver

um método para determinar o limite aeróbico de corredores sem que precisem ir ao

laboratório para fazer testes. Esse índice é importante para o melhor controle dos

treinos, evitando, por exemplo, lesões musculares. A identificação em campo, além

de prática e fácil, também evita a mudança de rotina do treino.

Esta edição, que é a última de 2013, traz muitas outras novidades: com-

bustíveis mais eficientes; preservação da cultura popular; microrganismos que aju-

dam a combater doenças inflamatórias. Vire a página e boa leitura! E, em nome de

toda a equipe envolvida na produção da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, um bom Natal

e um excelente 2014!

Vanessa Fagundes Diretora de redação

Page 4: Revista Minas Faz Ciência

ÍND

ICE

33

36

MEDICINAEstudiosos da UFMG investigam ação de probióticos contra doenças degenerativas e inflamatórias

39

FIsIOTERAPIATécnica do Pilates é usada no tratamento da osteoartrose e de outras doenças

43LEMBRA DEssA?Pesquisa investiga fungo responsável por eliminar microrganismos nocivos ao café

45

5 PERGUNTAs PARA...O neurocientista Sidarta Tollendal Gomes Ribeiro fala sobre memória, educação, Freud e drogas

46

hIPERLINkConfira o que rolou no blog Minas faz Ciência e saiba mais sobre pesquisa que usa poesia contra a depressão

4829

ENGENhARIA MECâNICA Modelo matemático é capaz de facilitar a identificação de tumor ocular

16

ENTREVIsTAMinistro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp comenta nuances da produção científica brasileira

12

CINEMAFilmes de Alfred Hitchcock são usados para auxiliar formação de professores em Lavras (MG)

19

EsPORTELimites físicos de corredores são mensurados por meio de protocolo desenvolvido na Universidade Federal de Lavras

23

ENGENhARIA Mistura de hidrogênio a óleo diesel e etanol produz eficiente combustível ecológico

26

6 EsPECIALDe que modo os museus de ciência buscam democratizar o conhecimento? Especialistas discutem a questão

AGRICULTURAPesquisadores da Ufop auxiliam agricultores familiares a comercializar seus produtos em escolas

EDUCAçãO Investigação busca compreender manifestações de educação e cultura presente nos versos e na prosa de populações tradicionais

ZOOTECNIAEstudo revela que barulhos ocasionados pela atividade mineradora prejudicam saúde de animais

Page 5: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 5

CA

RTA

s

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Como amante da Ciência, da Tecno-logia e da Inovação, agradeço por receber esta ótima revista em meu lar. Ela tem contribuído muito para o meu desenvol-vimento na área. A que eu mais li e reli foi a de nº 53, que explicava questões acerca da doação de corpos para pesquisa. Que projetos como este aumentem em nossa cidade, em nosso estado, em nosso País.Amador Madalena MaiaPor e-mail

Sou assinante da revista MINAS FAZ CIÊNCIA e gostaria de alterar o en-dereço de recebimento. Aproveito para parabenizar pelo excelente conteúdo da revista. Sou Engenheiro de Alimen-tos, formado pela Universidade Federal de Viçosa. Acompanho a revista desde a época de minha graduação (2003 a 2008) e sempre gostei bastante das in-formações contidas na publicação.Gustavo Greco GonçalvesPor e-mail

Fiquei encantada com a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Tive a oportunidade de ler alguns exemplares e gostaria de receber a revista em casa. Além de conhecer a pesquisa mineira, poderei usar em trabalhos escolares!Marcella MoreiraEstudante São Gonçalo do Rio Abaixo (MG)

Prazer em conhecê-lo, blog Minas faz Ciência. Estou seduzida por vossos encantos. Cientista e apaixonada pelas Letras, amei este espaço e esta matéria. Parabéns! [Sobre a reportagem “Poesia estimula a mente e é mais eficaz do que autoajuda”]Jane RaquelPelo blog Minas faz Ciência (http://fapemig.wordpress.com)

A equipe do Sistema Mineiro de Inovação (Simi) também está ligada na revista MINAS FAZ CIÊNCIA. O Simi (www.simi.org.br) busca promover a inovação por meio da articulação entre empresas, gover-no e instituições de pesquisa

Page 6: Revista Minas Faz Ciência

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

EsPE

CIA

L

Museus de grandes novidades

Espaços de ciência reinventaram-se ao longo dos séculos, de modo a ampliar o acesso e a interação do público à fascinante história da busca pelo conhecimento

Maurício Guilherme Silva Jr.

Page 7: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 7

“Metais, argilas, pluma de pássaro triunfam silenciosos no tempo. Só dá ri-sadinhas a presilha da jovem risonha do Egito”. Experimentais, os versos da escri-tora polonesa Wislawa Szymborska – no poema “Museu” – gracejam com algo fundamental à história da conservação e da difusão do saber: cada objeto exposto à apreciação dos indivíduos guarda, em si, vestígios de eternidade. À ilação metafísi-ca, some-se a evidência de que “risonhos” e/ou misteriosos ornamentos concentram significados para muito além de sua singe-la materialidade. Daí o obrigatório compro-misso social das (boas) políticas públicas de Museologia – em espaços de resgate da História da Ciência, principalmente – com a democratização do acesso às marcas (tangíveis e intangíveis) do passado, às evidências do presente e – por que não? – às possibilidades do futuro.

“Museus têm compromisso com o processo evolutivo da apreensão do co-nhecimento, que permanece como sím-bolo de poder”, destaca Fabrício Fernan-dino, professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ex-diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico (MHNJB) e co-ordenador do projeto de desenvolvimento do Espaço Interativo Ciências da Vida (veja relato de William Ferraz à página 10).

Tal discussão acerca das relações en-tre níveis de autoridade e iniciativas de exi-bição do conhecimento sempre esteve no cerne das teorias e práticas museológicas. Que o digam as ações ligadas à História da Ciência, cujas matrizes pretendem que a proliferação e a melhoria dos espaços de exibição da memória possam democratizar o ingresso ao universo da produção dos saberes. Apesar de atualíssimo, o debate em torno do assunto não nasceu há pouco. “Mesmo antes da Idade Média, quando o conhecimento restringia-se a grupos espe-cíficos, já se discutia e se almejava a de-mocratização das descobertas científicas”, destaca Fabrício.

Interessante lembrar, conforme des-taca o professor e gestor, que as nações capazes de conservar e exibir o conheci-mento que produzem apresentam melhores condições de se afirmar no atual contexto

geopolítico. “Afinal, é assim que os países terão capacidade de intervir em busca da preservação da vida. A necessidade de de-mocratizar o acesso ao conhecimento não é fruto de reivindicações diletantes, mas das obrigações do homem frente às ques-tões contemporâneas”, afirma.

Coordenadora da Rede de Museus e Espaços de Ciência e Cultura da UFMG – entidade ligada à Pró-reitoria de Extensão da Universidade –, Rita de Cássia Marques acredita que a disseminação do conheci-mento ocorre como fruto da democratiza-ção geral, fenômeno, que, a seu ver, atin-ge o Brasil e o mundo na atualidade. “O acesso aos museus é alvo de políticas que promovem a cultura para receber públicos variados. Tenho percebido grande investi-mento nos receptivos desses espaços, que desenvolvem ações educativas e buscam formas mais atraentes de apresentar o acervo a visitantes diversos”, destaca.

Neste cenário, segundo a professo-ra, a tecnologia auxilia os museus a se aproximar do modo de vida contemporâ-neo. “Além disso, se, antes, predomina-vam grandes espaços de exposição nas metrópoles, assistimos, hoje, à prolifera-ção de pequenos e médios museus que tratam de temáticas específicas”, explica, ao lembrar, por outro lado, que as maio-res instituições acabam por desenvolver parcerias com empresas, de maneira a viabilizar preços acessíveis a parcelas cada vez mais numerosas da população. “Por fim, nas últimas duas décadas, o go-verno brasileiro tem incentivado a criação de novos museus”, completa.

Para que se tenha ideia de tal cres-cimento, importante destacar que, apenas na primeira década do novo milênio, mais de 600 museus foram criados no País. Segundo Rita de Cássia, tais espaços con-solidaram-se como ambientes não formais de aprendizagem. Por isso atraem tanto público. “E não falo só de estudantes e pesquisadores. Todos os tipos de pessoas passaram a enxergar os museus como boa alternativa de lazer”, opina, ao sublinhar que o mundo vive a era da diversidade, marcada pela inclusão de grupos sociais tradicionalmente alijados da economia, da educação, do consumo, da cultura etc. “In-

Atualmente, a Rede é formada pe-los museus de Ciências Morfológicas, de História Natural e Jardim Botânico e da Escola de Arquitetura e Urbanismo, além dos Centros de Memória das fa-culdades de Farmácia, Medicina, Odon-tologia e Veterinária e das escolas de Enfermagem, Engenharia, Educação Fí-sica, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Por fim, integram o grupo os Centros de Referência em Cartografia Histórica e em Patrimônio Geológico, a Estação Ecológica, o Espaço do Conhecimento UFMG, o Centro Cultural da UFMG e o Laboratório de Estudos em Museus e Educação (Leme).

Page 8: Revista Minas Faz Ciência

8 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

clusão e diversidade são desafios para a so-ciedade brasileira, o que, é claro, também diz respeito aos museus de ciência”, completa.

A professora comenta, ainda, que os espaços para exposição das práticas científicas – geralmente, ligados a univer-sidades – apresentam-se, cada vez mais, como equipamentos interativos, que bus-cam atrair o público jovem ao aliar edu-cação, cultura, cidadania e diversão: “O grande desafio dos museus de ciência é conquistar públicos variados. Para isso, modernizam-se os espaços e os professo-res são incentivados a trabalhar com novos conteúdos, metodologias e tecnologias”.

Democratização?Na acepção de Silvania Sousa do

Nascimento, professora da Faculdade de Educação da UFMG e diretora de Divulga-ção Científica da Pró-reitoria de Extensão da Universidade, a democratização do conhe-cimento, por vezes, é analisada – e compre-endida – em comparação com o desenvol-vimento das ciências e das tecnologias no continente europeu. Desse modo, segundo a pesquisadora, usam-se como referência os processos de produção e circulação do saber relativos à expansão das ciências empíricas no século XVIII e as benesses resultantes da invenção da imprensa. “Ou-tra marca, também europeia, seria ‘maio de 1968’, responsável pelo grande processo de expansão da circulação do conhecimento científico e pela intensificação do uso de estratégias de mídia para a aproximação das ciências com o público”.

Apesar de reconhecer a importância de tais acontecimentos, a professora frisa a necessidade de os pesquisadores locais debruçarem-se sobre as estratégias usadas nos contextos americano e asiático. “Mais do que em qualquer outra época, temos, hoje, relações de forte poder, que dificul-tam a circulação de conhecimentos ao desqualificá-los, exatamente como foi feito pelos europeus, que destruíram o conheci-mento superior em áreas como Tecnologia naval, Astronomia e Matemática, encontra-do na Índia, na China e na América Cen-tral”, relembra Silvania, ao citar, por fim, o

aniquilamento, pelos portugueses, dos sa-beres da Medicina Tradicional, desenvol-vidos pela população autóctone brasileira.

“Precisamos romper com um glorio-so passado imperial para começarmos a conceber as estratégias de produção e cir-culação do conhecimento científico na con-temporaneidade, de modo a enfrentar toda a fluidez da inovação e a solidez do processo de produção do saber científico”, afirma. Para tal, segundo a professora, o Brasil pre-cisa enfrentar sérios problemas de alfabeti-zação e letramento científico e tecnológico.

Também no que diz respeito à própria ideia de “democratização”, a professora Sil-vania Sousa revela-se bastante crítica. “Não considero que estamos mais próximos da democratização do conhecimento. Aproxi-mamo-nos mais da ampliação do acesso às informações. Nenhum dos processos de produção ou de circulação do saber científi-co, do meu ponto de vista, está na pauta das grandes discussões públicas da sociedade civil organizada”, ressalta.

A pesquisadora cita a 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, realizada em 2010, para reafirmar que muito pouco do que se discute acerca do assunto apa-rece na pauta das mídias tradicionais. “A produção de conhecimento novo é extra-ordinária em nosso tempo, mas também é imenso o descompasso entre a produção nos países pós-industriais e em nossas economias emergentes. As estratégias de produção e circulação de conteúdos são ainda precárias para nossa população, ávida por consumir o conhecimento como produto, e não como processo”, conclui.

Museus versus tradiçãoConforme dados apresentados em

artigo pelo biólogo e museologista Je-ter Jorge Bertoletti, fundador do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), existem, hoje, no mundo, mais de 50 mil centros, museus, parques e casas de ciências, tecnologia e artes. Trata-se de instituições a abranger temas como “fotografia, objetos antigos, arqueo-logia, etnologia, minerais, rochas, fósseis, ossos, cera, vidros, madeiras, exsicatas de vegetais inferiores e superiores, zoologia,

O título do artigo é “Filosofia de centros e museus de ciências”.

Confira algumas das conclusões do evento no endereço eletrônico http://www.cgee.org.br/publicacoes/livroazul.php.

Page 9: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 9

insetos, aranhas, animais marinhos, ser-pentes, moedas, bicicletas, ferramentas e implementos rurais, automóveis, literatura, medicina, armas e munições e quase tudo que se possa imaginar”.

A maioria desses espaços de pre-servação e exposição do conhecimento é visitada apenas pela comunidade local, que habita os arredores do estabelecimen-to, e, em menor proporção, por pessoas residentes em cidades vizinhas. “Outros são conhecidos regionalmente, às vezes por uma boa parte da população do país, e, em alguns casos, de países vizinhos. São raros aqueles conhecidos mundialmente e

Dos copistas aos “velocistas”

Ao longo da história da humanidade, diversas foram as práticas de conservação do conhecimento. O professor Fabrício Fernandino lembra, por exemplo, o ofício dos freis copistas, que se dedicavam a realizar o maior número possível de cópias de obras, no sentido de preservar o saber adquirido. Já os museus surgem, como espaços de “curiosidade”, repletos de coisas peculiares sobre o novo mundo, a partir do século XIX. “Eles continham coisas fantásticas sobre a Terra e a vida”, esclarece o professor, ao lembrar que, no mesmo período, disseminam-se as figuras dos colecionadores, que passam a reunir objetos para promover grandes bazares.

Com o passar das décadas, cresce a demanda por curadorias temáticas. “Surgem, então, os museus com estrutura curato-rial, cujos acervos passam a ser planejados segundo critérios bem definidos. A começar pela ideia de que não se deve colecionar tudo”, afirma. Tais instituições aprendem a aglutinar acervos e publicações e as pessoas começam a frequentá-las como espaços de conhecimento. “Naqueles ambientes, além de espectadores de obras, os visitantes tornam-se leitores das detalhadas informa-ções sobre os objetos e os temas”, explica.

Em seguida, os museus ampliam-se e se sofisticam. “Nascem, a partir daí, questões relativas a preservação e conserva-ção”, resume Fabrício Fernandino. Hoje, como fruto da revolução tecnológica, a noção de aprofundamento do saber convive com os desafios da vasta quantidade de narrativas e imagens. “Aquele homem que tinha tempo de se aprofundar na investigação de um tema encontra-se perdido diante do enorme volume de informações. Há necessidade, portanto, de preservação da própria memória”, comenta.

Neste panorama, a própria velocidade do mundo faz com que os indivíduos tenham que aprender a lidar com as novas tempo-ralidades para apreensão do conhecimento. “A maneira de perceber e sentir o mundo está em processo de mudança. Por isso é que não podemos abrir mão da possibilidade de promover o saber, adequando os museus às novas tecnologias”, conclui o professor.

este privilégio é das pessoas mais esclare-cidas”, escreve o pesquisador.

A investigação de Jeter Bertoletti re-vela, ainda, que os centros e museus não estão distribuídos homogeneamente pelos continentes e nações. “A maioria situa-se no Hemisfério Norte, onde estão os mais importantes, os mais famosos. Tal fato é de fácil compreensão. Dentre diversos fatores, os países mais ricos, no passado ou no presente, são detentores dos mais renomados museus e centros. Talvez seja possível afirmar que a cultura de um povo é proporcional ao número e qualidade de seus museus”, completa.

Page 10: Revista Minas Faz Ciência

10 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

O leitor conseguiria imaginar-se numa galeria de arte cujas obras abando-nassem sua própria inércia em nome de certa didática hipermidiática, responsável por combinar recursos visuais e sonoros, movimento e interatividade com o público? Pois essa é a proposta dos espaços intera-tivos, conceito que começou a se difundir, no Brasil, em meados dos anos 1980, e tem se reinventado a cada dia. Hoje, tais ambientes apresentam potencial para refle-tir o futuro da museologia e dos espaços culturais nesta sociedade informatizada. O aprendizado se dá por meio da comunica-ção direta entre visitante e museu.

Em Belo Horizonte, um antigo porão foi transformado no lugar ideal para que a ciência e a tecnologia se fortalecessem na capital mineira. Inaugurado em se-tembro, no coração do Jardim Botânico e Museu de Histórias Naturais da UFMG, o Espaço Interativo Ciências da Vida (EICV) tem como tema central os sistemas fisio-lógicos e biofísicos humanos. A ideia da iniciativa foi dos professores José Israel Vargas, ex-ministro de Ciência e Tecnologia e professor emérito da UFMG, e Mario Neto Borges, presidente da FAPEMIG, que leva-ram a proposta ao conhecimento do então reitor da Universidade, Ronaldo Pena.

No Espaço Interativo Ciências da Vida, a intercomunicação do indivíduo com o ambiente tem apelo ainda mais atrativo quando considerada a temática do museu: a proposta é fazer da visita uma viagem pelas veredas do corpo humano. O museu conta com estrutura e ambientação estrategicamente planejadas para estimular os sentidos do visitante, por meio de recur-sos físicos e sensoriais que se manifestam de maneira ora objetiva, ora subliminar. O lugar ainda conta com a incorporação de jogos interativos. Por meio deles, o corpo e os movimentos do visitante transferem-se para a condição de objeto de estudo, em um misto de aprendizado e entretenimento.

Exclusiva com o coraçãoEm visita ao Espaço Interativo Ciências da Vida (EICV), repórter de MINAS FAZ CIÊNCIA interage com o órgão vital e outros tantos aparelhos do corpo humano

Repórter em interaçãoPortas deslizantes se abrem tão logo

o visitante se aproxima, revelando o que pretende ser uma minuciosa jornada pelo universo da biofísica humana. Os primei-ros passos ao interior do EICV já oferecem certa projeção da experiência que nos aguarda. Luzes multicoloridas de inter-mitência e uma ressonância vibrante, que mais parece ecoar das paredes, dividem espaço com modelos da anatomia humana e réplicas de órgãos das mais diferentes escalas, dispersos em ambiente que mes-cla elementos de arte e ciência. O cenário beira a psicodelia. Estímulos sensoriais permeiam os sentidos e disputam a aten-ção do cérebro, enquanto um guia virtual descreve o conteúdo de cada um dos sete nichos temáticos pelos quais a aventura há de se desenrolar.

Um golpe de vista para a direita e o espectador se defronta com o mais vigi-lante dos olhares: do interior de um salão com nuances azuis, um globo ocular de aproximadamente 1,5 metro de diâmetro fita-o com intensidade. Ao fundo, uma lín-gua de proporções similares projeta-se da parede, como a zombar nossa bisbilhotice. À esquerda, um humanoide em escala real, despido de pele, exibe seus músculos – e o realismo se pronuncia em cada uma das fibras. Logo ao lado, outra réplica humana, dividida em dezenas de peças horizontais, revela ricos detalhes do interior de órgãos e tecidos fatiados.

Comecei minha peregrinação pelo universo do corpo humano, a partir da sala à esquerda da porta de entrada. Aquele era o nicho “Corpo e movimento”, dedicado às minúcias do sistema locomotor. De perto, tudo se revela mais interativo e envolvente. Atrás do modelo musculoso, uma figu-ra descarnada dá ao público uma visão detalhada do esqueleto humano. Placas explicativas e peças a representar ossos, articulações, fibras, ligamentos e outras

William Ferraz

Page 11: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 11

curiosidades ornamentam as paredes. Nos quatro cantos da sala, pessoas de todas as idades se desafiam nos jogos interati-vos. Diante de sensores, os visitantes dão seus melhores saltos, enfrentam desafios em exercícios de alongamento e tentam se equilibrar sobre uma corda bamba virtual.

O visitante segue viagem pelo trato digestivo. No nicho “Digestão e nutrição”, hospedado em sala de cor laranja, o indi-víduo se depara com intrigantes curiosi-dades sobre o sistema. Dentes em grande escala se enfileiram nas paredes, como se prontos para morder quem ousar tocá-los. Dentre eles, um imenso molar corroído pela cárie se destaca.

Ao centro da sala, um manequim es-conde longa corda, que reproduz a exten-são do intestino humano. O aparato, com algo em torno de 11 metros de extensão, desperta o ceticismo de quem o manipu-la, enquanto olhares surpresos se voltam para a corda, à medida que ela se de-senrola. O ambiente conta com divertida animação gráfica, que representa as aven-turas de um pequeno brócolis pelo tubo digestivo humano e a gradativa absorção de seus nutrientes pelo organismo. A caracterização dos personagens e o tom descontraído com que o tema é aborda-do conquistam o gosto do público. Antes de deixar a sala, o visitante é desafiado em mais um jogo: nele, o usuário guia os passos de um personagem por um labirinto. O objetivo é alimentar-se sau-davelmente. Ganha aquele que preencher, devidamente, as lacunas de uma pirâmide nutricional exibida no monitor, dentro de tempo proposto. A tarefa não é nada fácil: guloseimas calóricas cruzam o caminho o tempo todo, dificultando a missão.

No salão seguinte, o visitante se vê cercado por paredes vermelho-sangue. Sonoras pulsações retumbam e atraem sua atenção para o protagonista desse nicho: um coração oito vezes maior que o tama-nho natural. Estamos no ambiente “Cora-ção e circulação”. Nele, a interação é física e vigorosa: um aparelho de step – como aqueles vistos em academias desportivas –, acoplado a um monitor cardíaco, intera-ge com o órgão gigante, que irá reproduzir a frequência de batimentos do coração do

usuário por meio de luzes de Led, que se acendem dentro de cada ventrículo e átrio, seguido pelas peculiares pulsações, que repercutem pela sala.

O brinquedo é um dos mais disputados: em duas horas dentro do museu, não conse-gui encontrá-lo vago. A sala conta, também, com divertido vídeo educativo, que represen-ta a odisseia da oxigenação do corpo humano realizada pelas hemácias, que tomam a forma de figuras sorridentes na telinha.

Em “Reprodução”, a decoração ga-nha destaque. A sala cor de rosa conta com representações, em macroescala, das células reprodutoras, órgãos dos sistemas de ambos os sexos e representações das diferentes fases da gestação – desde o pequeno zigoto até um bebê de 9 meses, em destaque, no centro da sala –, que se dispersam por todas as partes, propondo certa cronologia em sua disposição. O ambiente é suave e bem harmônico. Sua animação sonora sugere a experiência do feto no interior do útero. No ambiente, mais interatividade. Desta vez, o jogador relembra a primeira contenda emplacada por um ser vivo, na “corrida pela vida”. Esgueirando-se por territórios sinuosos do corpo humano, os desafiantes, em forma de gametas masculinos, disputam o me-lhor tempo na procura pelo óvulo.

Universo celularMergulhamos, então, no último am-

biente à esquerda. Na sala “Célula ao al-cance da mão”, a proposta é transportar o visitante ao universo do “muito pequeno”. No total, 64 peças, com representação de diferentes tecidos, tornam detalhes do mundo microscópio observáveis a olho nu. As peças possibilitam, ainda, uma nova e inclusiva interatividade: o tato é explorado como metodologia educacio-nal. As peças, texturizadas e ricas em detalhes – com pelos ampliados e reen-trâncias –, também dão oportunidade aos deficientes visuais de desfrutar a interati-va didática do Espaço.

Nos bastidores da sala, surge a peça de maior escala: uma célula partida ao meio permite a observação de suas orga-nelas. Ainda no mesmo nicho, é momento de sentir-se um pesquisador. A sala oferece

um microscópio ótico para que o visitante possa observar microrretalhos de tecidos orgânicos. Na parede, ao fundo, um pai-nel em Led exibe imagens capturadas por meio de um microscópio eletrônico.

A viagem se completa pelos nichos situados à direita do salão de entrada. Mo-mento de conhecer os segredos da sala “Sentidos”, uma das mais interativas. O grande olho é equipado com pequena câ-mera, posicionada onde seria a pupila. Em monitores espalhados pela sala, observa--se a reprodução das imagens capturadas pelo dispositivo. Diversos equipamentos do salão, que podem ser manuseados, demonstram como os olhos capturam e reproduzem as imagens. Um deles mostra como o cristalino ajusta o foco das ima-gens, por meio da regulagem de volume de líquido à frente da pupila. O toque na língua revela o sabor detectado em cada extremidade do órgão.

No último nicho, é hora de “Sentir, lembrar e agir”. Em tons de violeta, a sala é, talvez, a mais abstrata de todas. Um impo-nente cérebro em grande escala destaca-se no centro. Um aparelho cheio de válvulas giratórias envia sinais luminosos por uma tubulação emaranhada, enquanto emite um conjunto de sons típicos de tramas de ficção científica. A proposta é transportar o visitante ao misterioso mundo das sinap-ses. Os sinais correspondem à intensidade com a qual o indivíduo aciona as chaves giratórias. Nas paredes, estruturas se ra-mificam em todas as direções, como se o visitante estivesse dentro do sistema ner-voso do corpo humano. As cores se alter-nam, do azul ao vermelho, gradativamente, intrigando os sentidos.

Em cada um dos modelos, realça-se o contraste entre o realismo e a arte. Des-se modo, os modelos garantem fidelidade científica à anatomia humana e se conso-lida como boa estratégia para a formação de jovens cientistas. O fato se comprova ao longo da visita: vozes mirins ecoam por toda parte. Gargalhadas, comentários vi-brantes, “enxames” de perguntas voam em direção às monitoras, enquanto súplicas chorosas perseguem pais à saída do Espa-ço. E permanecem do lado de fora.

Page 12: Revista Minas Faz Ciência

12 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

ENTR

EVIs

TA

sem fronteiras para o conhecimentoQuase dois anos à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp faz balanço de sua gestão e aponta os rumos da ciência no Brasil

Dany Starling

Em janeiro de 2012, ao assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inova-ção (MCTI), o físico gaúcho Marco Antonio Raupp tinha como principal desafio esta-belecer parcerias com o setor produtivo para dar mais consistência à pesquisa tec-nológica brasileira. Hoje, quase dois anos depois, o ministro se revela, ao mesmo tempo, cauteloso e alvissareiro. Ele vê mo-tivos para comemorar, mas também sabe que, no País, os resultados estão sempre aquém das carências.

Nesta entrevista, Raupp fala dos avanços obtidos em sua gestão – princi-palmente, por meio de programas como Ciência sem Fronteiras, Inova Empresa e Embrapii – e comenta as exigências para que o país siga a toada do crescimento e enfrente os percalços a barrar, há décadas, o estímulo às práticas científicas.

No último dia 19 de outubro, cele-brou-se o Dia da Inovação no Brasil. Te-mos motivos para comemorar?

Vamos deixar bem claro: inovar é um dos pré-requisitos para se chegar à eco-nomia do conhecimento, assim como o é um bom sistema de ensino. Focando na inovação, tenho certeza de que há motivos

para comemorar. O Plano Inova Empresa é a base dessa comemoração. Em 2012, os aportes da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] para inovação foram de cerca de R$ 5 bilhões. Neste ano, até agora, os editais do Inova Empresa somaram mais de R$ 19 bilhões. Há, ainda, um dado adicional muito importante: as propostas apresentadas pelas empresas foram de R$ 56 bilhões. Ou seja, o Governo ofereceu montante elevado de recursos para ino-vação e as empresas mostraram que têm projetos para além disso. Saímos das ex-pectativas e fomos para um cenário real e bastante positivo.

A partir da criação de programas como Inova Empresa e Embrapii, é possí-vel traçar uma agenda para a ciência brasi-leira referente aos próximos dez anos?

A agenda já está posta, baseada em dois pontos fundamentais. Nosso sistema de produção científica já tem bom desempenho quantitativo. Precisamos melhorá-lo quali-tativamente, de modo a aumentar o impac-to da ciência brasileira na ciência mundial. Além disso, o sistema precisa se expandir. Já fazemos bastante ciência com viés aca-dêmico, mas precisamos fazer mais pes-

quisa com viés empresarial: ciência para a inovação, para a produção de riquezas. Ciência, enfim, para o desenvolvimento sustentado.

A meta do Governo Federal é aumen-tar para 1,8% do PIB os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) até 2015. Se compararmos com outros países, não é muito pouco?

O Brasil tem inúmeras prioridades, como saúde, educação, habitação etc. C,T&I figura entre essas prioridades – não é a primeira, ainda que o dispêndio nacional, tanto público como privado, para C,T&I, venha aumentando de ma-neira constante e dentro da capacidade de o sistema absorver esse aumento. Ou seja, temos de reconhecer que o sistema de produção científica e tecnológica está razoavelmente bem servido em termos de recursos financeiros, e que, se houver au-mento, de um ano para o outro, digamos, de 20% ou 30% em nossos orçamentos, o sistema não terá como absorvê-lo.

De que modo o Ministério tem lida-do com a questão do apoio à divulgação científica, por meio do estímulo a entida-

Page 13: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 13

Divu

lgaç

ão/A

gênc

ia Br

asil

Page 14: Revista Minas Faz Ciência

14 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

des como CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]?

A divulgação científica é uma ques-tão que cabe a todos os atores do sistema nacional de C&T. Podem se dedicar às ati-vidades de divulgação científica todos que fazem ciência ou que a financiam. Se é bom para a cidadania que as pessoas tenham alguma dose de cultura literária, artística, musical, esportiva etc., é bom, também, que as pessoas tenham doses de cultura científica. Uma das maneiras de conseguir isso é por meio da divulgação científica. Nesse campo, o Ministério pegou para si duas ordens de responsabilidade: promo-ver uma atividade de âmbito nacional – a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia – e financiar iniciativas que resultam em divulgação, como eventos científicos e centros e museus de ciência.

O currículo Lattes possui uma aba destinada a atividades de divulgação cien-tífica, mas ainda restam dúvidas sobre mensuração. Artigo publicado em jornal comum deve ter o mesmo peso de texto publicado em revista de cunho acadêmico?

Qualquer atividade, para ser reconhe-cida e valorizada, precisa, antes de tudo, ser registrada. Neste sentido, as novas abas do Lattes oferecem os campos ade-quados ao registro das atividades de divul-gação científica, bem como de inovação. Quanto ao peso ou valor que os comitês de assessoramento dão a cada tipo de pro-dução, depende do objeto do julgamento. Ou seja, em uma chamada por projetos de divulgação científica, talvez os artigos pu-blicados em jornais de grande circulação tenham mais peso que um artigo científico. Se a chamada for para temas específicos de ciência e tecnologia, a produção cien-tífica deverá ser priorizada. Cada Comitê de Assessoramento estabelece os critérios gerais para cada área do conhecimento, os quais são divulgados no site do CNPq.

Qual a importância do programa Ciência sem Fronteiras (Csf) para o de-

senvolvimento científico brasileiro? As metas têm sido cumpridas? Quais os principais desafios e problemas?

O CsF será um marco na vida científi-ca brasileira. Num período de quatro anos, é um salto significativo a possibilidade de introduzir, no sistema, cem mil pessoas que passaram por experiência acadêmica intensiva no exterior. Ao estudar em uni-versidades de classe mundial, os bolsistas do programa terão referência elevada em termos de prática científica e trarão isso ao Brasil, especialmente no que diz respeito a atividades de pesquisa voltadas ao de-senvolvimento tecnológico, à inovação. Em termos de envio de estudantes para o exterior, estávamos caminhando. Com o CsF, passamos a correr. Ele inaugurou uma nova formulação política, mais ousada e apropriada para o objetivo do Governo Federal de colocar C,T&I como eixo do de-senvolvimento sustentado do Brasil.

Ainda sobre o Ciência sem Frontei-ras: das 101 mil bolsas oferecidas, 64 mil destinam-se à graduação. Por que essa escolha?

As metas originais do programa previam proporção maior de bolsas para a pós-graduação. Porém, estritamente por falta de demanda qualificada para as mo-dalidades de doutorado-sanduíche, douto-rado pleno e pós-doutorado no exterior, o comitê executivo reviu as metas, de forma a prever número maior de bolsas para a graduação-sanduíche, que segue com alta demanda qualificada.

O mercado está pronto para receber os profissionais formados pelo CsF?

As empresas que já fazem P&D, ob-viamente, demandam profissionais forma-dos pelo CsF, e as que pretendem começar a fazer P&D terão, nos egressos do programa, excelente oportunidade de encontrar recur-sos humanos qualificados. Para facilitar a colocação, criamos o Portal de Empregos e Estágios, que está cumprindo seu papel.

Uma crítica recorrente ao CsF é que ele exclui as Ciências Humanas das áreas

“A agenda já está posta, baseada em dois pontos

fundamentais. Nosso sistema de produção científica já

tem bom desempenho quantitativo. Precisamos

melhorá-lo qualitativamente, de modo a aumentar o

impacto da ciência brasileira na ciência mundial”

Page 15: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 15

prioritárias do programa. Isso pode ser re-visto nos próximos anos?

Pode, desde que a realidade mos-tre essa necessidade. O CsF foi feito para atender carências do País nas áreas das Ciências Naturais, nas engenharias e nas tecnológicas. Para incrementar e qualificar o seu ritmo de desenvolvimento econômi-co, o Brasil precisa, urgentemente, de pro-fissionais preparados nessas áreas.

Como é o diálogo entre o MCTI e o Ministério de Minas e Energia, no que diz respeito a pesquisas que contemplem o desenvolvimento de novas formas de ener-gia, principalmente as chamadas energias renováveis?

Temos não só bom diálogo, mas, também, ótima prática com o Ministério de Minas e Energia. Isso decorre da vi-são do governo da presidenta Dilma, de que precisamos desenvolver e dominar as novas formas de produção de energia. No Plano Inova Empresa, por exemplo, o MME está conosco. Vale registrar que, atualmente, temos atividades em comum com 20 ministérios. Nosso objetivo é levar a ciência e a tecnologia a todas as áreas do Governo Federal.

Ao pensar da base à pesquisa em alto padrão, de que maneira a educação (ensi-nos fundamental e médio) e a produção científica se relacionam?

Creio que há duas maneiras de iden-tificar essa relação. Uma é formal, linear; a outra, tácita. A formal ocorre por meio de uma lógica linear: quanto melhor o ensino fundamental, mais e melhores alunos tere-mos no pós-doutorado. Já a maneira tácita ocorre na dinâmica da sociedade, no dia a dia da vida nacional. Estamos falando, aqui, de cidadania e de uma questão es-trutural do País. Ou seja: educação básica e produção científica devem fazer parte de um mesmo ambiente, pautado pela oferta de oportunidades para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade, e pela fruição dos benefícios da educação e da ciência para todos os indivíduos. Os investimen-tos feitos na base já surtem efeito no topo,

pois o nosso topo mostra bons resultados – a exemplo da boa posição que temos al-cançado no ranking mundial de produção científica. Porém, nossa base de qualidade é ainda muito estreita. Ela precisa ser alar-gada, e muito, para fortalecer e ampliar a relação com o topo.

O jovem brasileiro do século XXI está mais interessado em temas como inova-ção, empreendedorismo e pesquisa do que em outras gerações? De que forma isso ajuda no processo de desenvolvimento da ciência no País?

Acho que a melhor maneira de me-dir o interesse concreto por alguma coisa é quando há oferta real de oportunidades. Sabemos que o Brasil nunca foi próspero em oferecer oportunidades para jovens, principalmente aos de família de menor poder aquisitivo. Por isso, fica difícil fazer comparações entre as gerações atuais e as anteriores. Contudo, é possível observar, claramente, que os jovens respondem sa-tisfatoriamente ao que se oferece hoje para eles. O Brasil Mais TI, programa de capa-citação profissional a distância do nosso Ministério para a área de tecnologias da informação, por exemplo, teve participação de 103 mil jovens em 2013. O número é formidável! O Pronatec [Programa Nacio-nal de acesso ao Ensino Técnico e Empre-go] foi criado pelo Governo Federal, em 2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tec-nológica. Neste ano, chegamos a 4,6 mi-lhões de alunos matriculados, residentes em 3.200 municípios. Mais um exemplo: o Ciência sem Fronteiras. Até agora, foram concedidas mais de 50 mil bolsas. Portan-to, mais da metade das 100 mil planejadas anteriormente. Fica claro, pois, que nossos jovens estão, sim, interessados em ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo. Isso ajuda no processo de desenvolvimen-to da ciência porque a inovação e o empre-endedorismo exigem a geração de conhe-cimentos que sejam aplicados em áreas de interesse da sociedade e do País. Isso é muito bom para a ciência.

“Se é bom para a cidadania que as pessoas tenham alguma dose de cultura literária, artística, musical, esportiva etc., é bom, também, que as pessoas tenham doses de cultura científica. Uma das maneiras de conseguir isso é por meio da divulgação científica”

Page 16: Revista Minas Faz Ciência

16 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

ENG

ENh

AR

IA M

ECâ

NIC

A

Estudante de Engenharia desenvolve modelo matemático capaz de auxiliar a

detecção de tumor ocular

Sob o olhar das Ciências Exatas

Virgínia Fonseca

Arqu

ivo M

athe

us S

ilvei

ra

A imagem do voluntário, obtida por meio da termocâmera, é tratada em software e os dados referentes à área de medição são comparados àqueles obtidos pelo modelo construído no estudo

Page 17: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 17

Condução, radiação e convecção. Existem três mecanismos de transferência de calor, cujo entendimento está na base de diversos experimentos especialmente desenvolvidos e aplicados por estudiosos das Ciências Exatas. Especialmente, mas nunca “exclusivamente”. Em tempos de práticas científicas cada vez mais dinâmi-cas e interdisciplinares, a intercessão entre as áreas é comum – e, sobretudo, provei-tosa. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o aluno Matheus Silveira Rodrigues, do 10º período de Engenharia Mecânica, usou conhecimentos de con-dução de calor para chegar a um modelo aplicável na Medicina, com vistas a detec-tar tumores oculares.

Sob orientação da professora Adria-na Silva França, do Departamento de En-genharia Mecânica, Matheus desenvolveu um modelo que pode facilitar o diagnósti-co do melanoma de coroide, tumor intra-ocular que ocorre em adultos, e, em casos graves, pode levar à cegueira. A partir de padrões computacionais, o estudante construiu o “modelo do olho” que pos-sibilita avaliar a transmissão calórica no interior do órgão, para comparação com padrões de normalidade.

O estudante conta que sempre teve interesse em trabalhar com transferência de calor e simulações computacionais. Assim, ao procurar a professora Adria-na França – que leciona a disciplina de transferência de calor em tecidos vivos no Programa de Pós-Graduação – para orientá-lo no trabalho de conclusão de curso, ouviu a sugestão de estudar, na monografia, aplicações médicas para o tema. “Abracei instantaneamente a ideia e comecei a revisão de literatura para di-versas partes do corpo humano”, lembra. O empenho em privilegiar o estudo do olho veio da dificuldade de medir a tem-peratura interna do referido órgão, devido à fragilidade de elementos próximos. A impossibilidade de realizar experimentos invasivos tornava relevante e instigante a aplicação de modelos computacionais.

Modelo diferenciadoEstabelecido o foco no diagnóstico

oncológico, o primeiro passo foi a defini-

ção de um modelo matemático que descre-vesse as transferências de calor no olho humano. A seguir, o estudante construiu, com auxílio de um programa de desenho em computador, o domínio da simulação, no qual constam todos os elementos e a geometria do órgão. Os modelos matemá-tico e geométrico foram unidos no software de simulação, onde Matheus determinou as condições de contorno do problema. Para verificar se o padrão elaborado iria se aproximar das temperaturas reais do corpo, modelou-se, inicialmente, apenas o olho sadio.

“Nesta fase, surgiram entraves: em-bora o modelo teórico apontasse o calor e a temperatura em toda a extensão do olho, eu só poderia medir, experimentalmente, a temperatura superficial da córnea. Mesmo assim, teria de ser sem contato direto”, re-lata. Para solucionar a questão, optou-se pelo uso da termografia – mecanismo já existente e amplamente usado em diversas aplicações de Engenharia. O método pro-porciona o registro do espectro infraver-melho da luz em fotos, por meio das quais o pesquisador pode mensurar a temperatu-ra de toda a superfície da córnea.

Somente após a validação desse pri-meiro protótipo, prosseguiu-se à inserção do modelo de tumor no fundo do olho. Os estudiosos optaram por focar no melano-ma de coroide, tipo de câncer ocular mais comum entre pacientes adultos. Como as propriedades térmicas da doença não são bem definidas na literatura, devido às suas diversidade e singularidade, estabe-leceu-se uma faixa de variações considera-da pertinente. Da mesma forma, Matheus trabalhou com diferentes tamanhos e posi-ções de tumor no globo ocular.

AplicaçãoDetectada a suspeita de tumor, o re-

gistro do globo ocular, por meio da termo-câmera, proporciona a captação dos dados do espectro infravermelho. A imagem é, então, submetida a um programa de com-putador que compara o calor captado com as temperaturas consideradas habituais para o interior do órgão. O local onde se detecta temperatura mais elevada do que se imaginava é chamado de “ponto quente”.

Camada vascular da parede do globo ocular, que fica entre a parte branca (esclera) e a membrana visual (retina).

Matheus ressalva que diversos trabalhos já estudam o uso do dispositivo no diag-nóstico de doenças. “A grande novidade de nossa pesquisa foi o desenvolvimento de modelo computacional específico para o olho humano, que reproduz as condições e medidas geométricas do órgão”, detalha.

Embora não possibilite definir a locali-zação exata do tumor ocular, o método pode apontar a necessidade de exames aprofun-dados. Cada pessoa possui seu padrão ter-mográfico particular, que não muda com o tempo, de modo similar ao que ocorre com a impressão digital. A presença de um tumor desencadeia aumento de temperatura em te-cidos vizinhos, devido à alta vascularização e à maior produção de calor metabólico. As-sim, independentemente da localização, há alteração no padrão. Tal variação em relação à temperatura sadia esperada para a córnea – e detectada nos termogramas – permitiria ao médico avaliar investigações mais deta-lhadas do caso.

O diagnóstico da doença, hoje, é feito pelo mapeamento de retina, com aplica-ções periódicas de colírios para dilatação da pupila. Tal procedimento pode durar até duas horas. Matheus ressalta que a técnica estudada atuaria como ferramenta adicio-nal, e não como substituta, do diagnóstico tradicional. Afinal, não é viável determi-nar, efetivamente, apenas pela elevação de temperatura, se o paciente possui câncer ou não. A despeito dessa constatação, o estudante visualiza, no pré-diagnóstico por termogramas, uma alternativa promissora, por permitir que inclua ou descarte outras possibilidades, como hemorragias e in-flamações. “A praticidade da medição, em que a captura é instantânea e não invasiva, é algo extremamente atraente e pode auxiliar o médico a decidir se ou qual outro exame oftalmológico é necessário”, pondera.

Matheus acrescenta que, por meio da mensuração de temperaturas superficiais, a termografia pode auxiliar o diagnóstico em

Page 18: Revista Minas Faz Ciência

18 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

qualquer outro tipo de câncer superficial, como o de mama e o de pele. “Por meio do desenvolvimento de novas pesquisas, outros modelos podem ser construídos vi-sando este objetivo”, informa o estudante. Apesar disso, ainda não há previsão para aplicação clínica do modelo.

Dobradinha pela ciênciaDiscussões travadas com um oftal-

mologista especialista no tipo de tumor estudado, logo no início do trabalho, foram decisivas para que se definisse o foco. De acordo com Adriana, esse tipo de parceria é imprescindível, pois o engenheiro possui o conhecimento do fenômeno do ponto de vista da física e de como trabalhar a questão sob a ótica da matemática. “São necessá-rias, portanto, informações complemen-tares, que possam ser fornecidas, apenas, por um profissional com conhecimento do problema, do ponto de vista médico”, avalia

Para a continuidade do trabalho, Adriana explica que seria necessário aprofundamento nos aspectos práticos. Segundo a professora, embora se tenha obtido boa concordância entre resultados experimentais e de simulação, no caso de olhos sadios, há grande variabilidade nas medições empíricas, decorrentes de diferenças normais de temperatura entre indivíduos, ou da própria pessoa. “Seria necessário estabelecer outros pontos de referência para medições de temperatura, como forma de minimizar tais variações”, opina. Matheus acrescenta que os resulta-dos encontrados podem servir de incentivo

O equacionamento matemático do processo de transferência de calor no olho humano baseou-se em modelo proposto, em 1948, por H.H. Pennes, para simular a transferência de calor no antebraço humano. As descobertas resultaram em método aplicado com sucesso, de modo a simular a transferência de calor em diversas outras situações, o que inclui uma série de estudos recentes.

a outros pesquisadores, que decidam focar nessa linha e aprimorar a investigação.

Os estudos iniciaram-se há, apro-ximadamente, um ano e meio. Embora Adriana já tenha orientado trabalhos re-ferentes à simulação de transferência de calor em tecidos vivos, a pesquisa de Ma-theus foi conduzida de forma independen-te, sem vínculo a outros projetos. No artigo Simulation of temperature variations in the human eye affected by the presence of a tu-

Antes das medições nos voluntários, Matheus Silveira construiu protótipo em esfera de gelatina balística para simular o aquecimento interno do olho

A partir de dados fornecidos pela captura da imagem do protótipo por termocâmera, parâmetros do modelo computacional foram ajustados

mor, [Simulação de variações de tempera-tura em olho humano afetado pela presen-ça de tumor] o estudante propõe o modelo computacional para diagnóstico do tumor por meio da temperatura, diferente daquela observada em outras partes do globo ocu-lar. A pesquisa foi apontada como a melhor apresentação oral em análises térmicas e aplicações da 4ª Conferência Internacional de Engenharia Mecânica e Aeroespacial, realizada em Moscou, na Rússia.

Do antebraço aos olhos

Arqu

ivo M

athe

us S

ilvei

ra

Page 19: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 19

ED

UC

ãO

Em Lavras (MG), a obra cinematográfica de Alfred Hitchcock abre novos horizontes ao olhar e à formação de professores da educação básica

Jane

la in

disp

ensá

vel

Ana Luiza Gonçalves

Page 20: Revista Minas Faz Ciência

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

O que seriam os filmes do inglês Al-fred Joseph Hitchcock (1899-1980) senão sonhos gravados? Sonhos esses a sofrer pequenos choques de realidade, para, en-tão, adquirir tom de pesadelo. Assustam, no cinema do mestre, a elasticidade do tempo, a imprevisibilidade dos dias, o tiquetaquear do relógio, o vai-e-vem de amores, a excen-tricidade da vida. Se, nos idílios, há toques de solidão e repressão, transposição de tempo e de lugar, regras rompidas e tabus quebrados, também nos filmes – mesmo que lineares – destacam-se grandes trans-formações, capazes de surpreender o es-pectador. Gravar fazia parte dos devaneios diurnos do cineasta, e, por isso, sentia-se tão à vontade naquele universo.

Ao longo de sua vida, dividida entre Inglaterra e Estados Unidos, Hitchcock tal-vez não previsse que sua vasta obra fosse contribuir, até mesmo, para os sonhos de conhecimento de uma série de professores de educação básica no “distante” Brasil. A sétima arte, afinal, também se revela uma porta aberta à formação dos espectadores. Com linguagem peculiar – capaz de tra-duzir o medo, o suspense e o humor de forma natural –, as obras de Hitch, como ele gostava de ser chamado, estão inseri-das, de modo inusitado, em projeto coor-denado pela professora Luciana Azevedo, pesquisadora da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Trata-se de uma mostra que investe, justamente, na compreensão dos filmes como ferramentas aptas a produzir modificações na percepção humana.

A proposta resultou de trabalhos an-teriores, desenvolvidos dentro do projeto “Cinema com vida”, realizado entre 2008 e 2009, que inicialmente, voltava-se à sétima arte, tomando-a como veículo para discutir temas relacionados ao processo educativo. Os pesquisadores perceberam, porém, que trabalhar com filmes apenas para ilustrar conteúdos específicos limitaria o potencial formativo do produto. Além disso, a forma-ção de professores não poderia se restringir a metodologias e técnicas de ensino. O cor-po docente também teria que pensar sobre si mesmo. “Aquele que educa precisa pen-sar em sua própria formação. Essa capa-cidade não está dada, nem é natural, mas precisa do relacionamento efetivo com os bens culturais dos tempos passado e pre-sente”, destaca Luciana.

Se estivesse vivo, Hitchcock teria completado, em agosto, 114 anos. O diretor começa a mostrar parte de seus atributos cinemato-gráficos, em 1925, com o tímido The pleasure garden. Mesmo não sendo considerado uma obra--prima, o filme construiu seu nome como cineasta e serviu de marco às principais características do cinema do autor. Ali, já dava para sentir que o suspense seria sua zona de con-forto. E que o menino nascido em Londres, e educado de forma reli-giosa, viria a se tornar o mestre do gênero. De lá até sua morte, em abril de 1980, foram mais 53 filmes.

Page 21: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 21

Com base na ampliação de tais rela-ções, equipe formada por cinco professo-res da Ufla, uma pesquisadora convidada, estudantes do mestrado profissional em Educação, licenciandos-bolsistas de ex-tensão e pesquisa, além de um técnico--administrativo da universidade, reúne-se, às quartas-feiras, no Museu de História Natural da Universidade, para discutir os temas trabalhados pelo diretor. Nessas oca-siões, os participantes comentam a lingua-gem cinematográfica usada por Hitchcock e o modo como suas inovações contribuem para a expressão de angústias e medos – em especial, de professores e licenciandos.

Ao todo, 19 filmes de Hitchcock serão exibidos, com a finalidade de contribuir com a formação de docentes, para que se tornem capazes de compreender o cinema como signo das modificações sociais e perspec-tivas produzidas ao longo do século XX e neste princípio de novo milênio. A escolha do cineasta como foco do projeto deu-se em função da importância das obras e de sua genialidade em filmar a humanidade. A mostra busca discutir a contribuição do di-retor para a reflexão de emoções que muitos professores têm desconsiderado. Segundo Luciana Azevedo, de acordo com autores da Teoria Crítica da Sociedade, os sentimentos ambivalentes vividos pelas pessoas só po-dem deixar de atuar contra a formação quan-do reconhecidos e trabalhados nas relações entre mestres e alunos.

A herança do expressionismo e a capacidade de lidar com o universo ob-jetivo, características trabalhadas pelo di-retor por meio de imagens que dialogam com sensações de medo, culpa, angústia e outros tantos conflitos internos, são re-conhecidas no processo educativo. “Hoje, o professor sofre ações imediatistas, além de urgentes demandas que, talvez, o im-peçam de se expressar e lidar de forma segura com questões internas, inerentes ao homem. Dessa forma, docente e aluno acabam por suprimir o reconhecimento do medo, por exemplo, como algo nega-tivo ao processo de ensino e aprendiza-gem”, explica a pesquisadora.

AutoconhecimentoPor meio dos filmes de Hitch, por-

tanto, o projeto auxilia a compreensão do “universo” interno dos indivíduos e permite

que o professor transponha essa experiên-cia para o aluno. “Os filmes contribuem com tal entendimento, pois o professor pode se voltar a suas referências, expressando-as na construção do próprio trabalho. Assim, ajudará os estudantes a reconhecer que é no seu ofício, na criação e na construção de algo, que tais expressões encontram espaço para existir”, destaca Luciana.

Professor de Educação Física do Ensino Médio na Escola Estadual João Batista Hermeto, Fernando Cardoso Montes participa do projeto desde 2010. E confessa ter se aproximado das obras de Hitchcock por meio da mostra. Para ele, o projeto contribui para a formação cultural do professor devido à aproxima-ção com as produções cinematográficas e pela possibilidade de percepção das contradições sociais. “As atividades nos possibilitam refletir sobre nossa própria percepção acerca do cinema, e, conse-quentemente, acerca da sociedade na qual estas obras são produzidas”, comenta.

Por meio do projeto, Fernando passou a ter contato com uma série de diretores clás-sicos, a exemplo de Charles Chaplin, Luis Buñuel, Orson Welles e Ingmar Bergman – cineastas que, hoje, auxiliam-no a compre-ender melhor a realidade social e a refletir, criticamente, sobre sua própria relação com a cultura. Outro ponto destacado pelo professor relaciona-se a indagações internas dos alunos. “Nos dias de hoje, nos apegamos muito às questões imedia-tamente aparentes. Olhamos para nossos alunos de maneira rápida, prática, deixa-mos de lado importantes questões simbó-licas, o que nos leva a um entendimento superficial da realidade em que estamos envoltos”, completa.

DesafiosEm função do sucesso dos filmes co-

merciais, cujas temáticas parecem sempre tão iguais e rendem enormes bilheterias, há grande preocupação, por parte dos pesqui-sadores, em inserir obras clássicas – em especial, as de Hitchcock – na vida profis-sional de um professor. Luciana Azevedo ressalta que, por não haver circuito alter-nativo de cinema em Lavras, e para que se obtenham bons resultados na iniciativa, é importante investir em trabalho contínuo, que só pode avançar lenta e coletivamente.

Page 22: Revista Minas Faz Ciência

22 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

Para além das obras de Hitchcock, as discussões do projeto são subsidiadas pelo referencial da Teoria Critica da Socie-dade e se fundamentam em artigos e outros tantos trabalhos acadêmicos dedicados ao cinema hitchcockiano. Para a coordena-dora do programa, faltam iniciativas como essa nos processos educativos. “Afinal, os professores precisam vivenciar a relação entre ensino, pesquisa e extensão, além de ter mais tempo para se dedicar à própria formação e aprender a olhar mais vagaro-samente para o mundo. Falo de olhar com os outros e de construir um estilo próprio de trabalhar e construir conhecimento”, afirma, ao ressaltar que os docentes não podem se fechar na educação básica. “As-sim como não é se fechando em si mesma que a universidade se fortalecerá”, destaca.

Na visão de Fernando Montes, é im-prescindível a expansão, em instituições de ensino superior e de educação básica, de projetos que levem o docente a desenvol-ver técnicas trabalhadas em outros “espa-ços”. Para o professor de Educação Física, a dificuldade está no entendimento sobre as obras cinematográficas, principalmente, no que tange a questões relacionadas às técnicas de filmagem, também carregadas de sentidos. “Importante ressaltar que essa

dificuldade é impulsionada pela quantida-de de atividades para as quais somos de-mandados nos dias de hoje. Outro desafio é alcançar mais professores da educação básica para participar do projeto, o que en-riqueceria ainda mais nossa experiência”, alega o professor.

Luciana Azevedo espera que a mos-tra consiga alcançar maior número de professores, de modo a sensibilizá-los, no sentido de que valorizem a própria formação cultural. Muitos, afinal, estão acostumados a ler e estudar cada vez menos, por meio de cursos rápidos, su-perficiais ou vinculados a progressões funcionais e a elevações de salário.

Para a equipe de pesquisadores responsável pelo projeto, o maior desafio é obter apoio das escolas, e de suas di-reções, para que os professores interessa-dos possam destinar parte de seu tempo de trabalho à própria formação. “Com este apoio, o envolvimento dos professores seria muito mais efetivo. Desse modo, os professores poderiam, por exemplo, des-construir a ideia de entretenimento aplica-da ao cinema e reconhecer os limites da perspectiva instrumentalizada da sétima arte”, conta a pesquisadora.

PRoJETo: Cinema como uma experi-ência inovadora de formação cultural docenteCooRDEnADoRA: Luciana Azevedo RodriguesMoDALIDADE: Apoio a projetos de extensão em interface com a pesquisaVALoR: R$ 16.632,00

Page 23: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 23

EsP

OR

TE

Protocolo desenvolvido na Universidade Federal de Lavras facilita mensuração de limites físicos para corredores

Velocidade controlada

Virgínia Fonseca

Page 24: Revista Minas Faz Ciência

24 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

O ano era 776 a.C., a cidade, Olím-pia, na Grécia. A modalidade, uma velha conhecida do homem: a corrida. A prática desse esporte encontra-se na origem dos jogos que, de quatro em quatro anos, en-volvem o planeta. E, se o mundo, tal qual o formato dos aros olímpicos, é cíclico, isso ajudaria a explicar por que a atração do homem por essa atividade agora volta a crescer. A corrida tornou-se uma das mo-dalidades que mais conquistam adeptos, atualmente, no Brasil. “Logo ali”, em um dos cartões postais da capital mineira, os dados atestam: de 2008 a 2012, aumentou em mais de 30% o número de pessoas que participaram e – dado importante – con-cluíram a Volta Internacional da Pampulha.

Tais informações integram investi-gação conduzida pelo professor Sandro Fernandes da Silva, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Integrante do Grupo de Pesquisa e Estudo em Respostas Neuro-musculares, o docente analisou o fenôme-no da corrida de rua, e, mais recentemente, coordenou projeto especialmente interes-sante para os adeptos dessa modalidade, intitulado “Criação de um protocolo de campo para identificar o limiar anaeróbi-co em corredores”. A iniciativa teve como foco determinar o limite aeróbico dos pra-ticantes, sem que precisem ir ao laborató-rio para fazer os testes.

Por Limiar Anaeróbico (LAn), enten-de-se aquela carga de trabalho a partir da qual a concentração de lactato no sangue

de um indivíduo incrementa-se de maneira exponencial, durante a atividade física. Tal ponto marca a transição nos sistemas de energia, de aeróbico para anaeróbico. A partir deste nível, ainda que se mantenha uniforme a intensidade, o lactato muscular e sanguíneo aumenta progressivamen-te, ocasionando acúmulo de hidrogênio no organismo. Como resultado, ocorrem modificações significativas nas variáveis ventilatórias – principalmente, aumento da ventilação pulmonar e da produção de dió-xido de carbono. Esses valores tornam-se desproporcionalmente maiores em relação à elevação linear da potência de consumo de oxigênio correspondente.

Sandro Silva explica que existem di-ferentes modelos para determinar em que momento da atividade ocorre este fenôme-no fisiológico. Por meio da avaliação do lactato sanguíneo, pode-se determinar o Limiar Anaeróbico de um atleta, e, assim, prescrever o treinamento em intensidades ideais para controle de seu desenvolvi-mento. “A prática de exercícios acima des-se limite provoca grande esgotamento nas reservas de energia, e, se as atividades fo-rem recorrentes, levam a sobretreinamento (overtraining) e a lesões musculares”, ex-plica o professor.

O projeto desenvolvido em Lavras conseguiu estabelecer um protocolo para definir o Limiar Anaeróbico em testes de campo. Ou seja, validou-se um método de avaliação em que os corredores não neces-sitem ir ao laboratório para conhecer sua capacidade aeróbica – determinante para o bom desempenho na corrida. “Dessa for-ma, os praticantes realizariam testes, sob a supervisão de um profissional de edu-cação física, sem a necessidade de mudar sua rotina de treinamento, pois as avalia-ções podem ocorrer em pista de atletismo e na rua”, explica o professor, que também coordena o Laboratório de Estudos do Mo-vimento Humano da Ufla. Os resultados são aplicáveis a todos os tipos de corre-dores. A pesquisa, inclusive, foi realizada com atletas amadores.

No limiteUsualmente, a avaliação do LAn se dá

por meio de teste progressivo em esteira, cicloergômetro e ergômetros específicos, respectivamente, para corredores, ciclistas e outras modalidades esportivas. O exame é iniciado com baixa velocidade ou carga de trabalho, que é gradativamente elevada, em ciclos de dois ou três minutos, até a fadiga voluntária do sujeito. A cada aumento de

Produzido pelo organismo a partir da glicólise – queima da glicose –, para o fornecimento de energia sem presença de oxigênio (metabolismo anaeróbico láctico).

O acúmulo de hidrogênio durante o exercício de alta intensidade é um dos vários fatores associados à ocor-rência de câimbras.

Características dos voluntários da pesquisa

25353015Nº

Grupo Quantidade Idade (Anos) Massa Corporal (Kg) Percentual de Gordura (%)

Corredores 17 34,46 ± 10,68 68,28 ± 6,78 12,27% ± 4,97

Page 25: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 25

estágio, realiza-se coleta de material para avaliar o nível de lactato sanguíneo.

No projeto em questão, as amostras são extraídas em pista de atletismo, o que permite ao corredor fazer sua avaliação no dia a dia de treinamento. Os estudiosos realizaram, ainda, testes nos quais se de-terminou o LAn sem a utilização de coleta sanguínea, por meio de um parâmetro in-direto: a velocidade crítica. Dezessete pra-ticantes de corrida amadores, com idades entre 24 e 44 anos, participaram da inves-tigação (veja quadro na página 24). Para avaliar o limiar de lactato, os corredores voluntários realizaram seis séries de mil metros, com esforços de 75 a 100% do melhor tempo do período, com intervalo de um minuto. Imediatamente após tal etapa, fez-se coleta de 25 microlitros de material no lóbulo da orelha, para verificar o com-portamento do lactato sanguíneo.

De modo a identificar o LAn, uti-lizou-se equipamento específico para o método visual de fotometria de reflexão, cujo critério baseia-se nas diferenças de aumento de lactato entre valores iniciais e finais. “Esta técnica simples possibilita identificar o limiar anaeróbico individual, apontando os valores para velocidade e frequência cardíaca em cada estágio”, de-talha Sandro Silva.

Já na avaliação pautada em velocida-de crítica – à qual o professor dá destaque, por não precisar de coleta sanguínea –, foram executados dois testes em pista de atletismo de carvão com 400 m, um de 3

mil metros e outro de 5 mil metros, com in-tervalos de 24 horas entre eles. Os partici-pantes deveriam percorrer essas distâncias no menor tempo possível. A velocidade crítica foi determinada a partir da relação de regressão linear entre as distâncias e os respectivos tempos.

As investigações também se desdo-braram em novos projetos, nos quais a equipe identificou parâmetros de distância

capazes de aferir melhor a velocidade crí-tica e avaliou as alterações do LAn em di-ferentes momentos do dia. Em trabalho re-lacionado, os pesquisadores determinaram o Limiar Aeróbico e a velocidade crítica em nadadores. “Verificamos que essa medida modifica-se de acordo com a modalidade, mostrando-se como excelente parâmetro para avaliação e controle do treinamento”, infere o professor.

Popular e saudável

O Brasil ainda corre atrás de dados sobre o número de praticantes da ativi-dade existentes, oficialmente, no País. A popularização dos circuitos e a inexis-tência de informações consolidadas sobre o perfil do público e a frequência da prática do esporte dificultam o consenso a respeito. Quanto ao quesito “benefí-cios”, porém, impera a unanimidade.

Segundo dados do Ministério da Saúde, a prática regular de corrida ajuda a controlar a pressão arterial, reduzir o “mau” colesterol (LDL) e aumentar o “bom” (HDL), ocasionando claros benefícios para o sistema cardiovascular. Classifica-da como aeróbica, a atividade conquista os adeptos da boa forma por contribuir com a ampliação da taxa metabólica de repouso e tonificar os músculos. Ganho de força, resistência, equilíbrio e flexibilidade também são mencionados. Os be-nefícios se estendem, ainda, ao campo psicológico, já que tal esporte libera neu-rotransmissores como a serotonina e a endorfina, capazes de levar à sensação de relaxamento e reduzir a ansiedade.

Na Ufla, a Coordenadoria de Esportes e Lazer, coordenada pelo professor Sandro Silva, criou o circuito de corridas da Universidade, que consiste em qua-tro etapas, correspondentes às letras do nome da instituição. Ao final, quem fizer todas as fases completa a palavra “Ufla”, com a junção das medalhas conquista-das. “O circuito está no primeiro ano e temos, em média, 500 inscritos por etapa, confirmando a importância da corrida como meio de prática de atividade física e de promoção de saúde”, comemora o docente. O pesquisador destaca, contudo, a necessidade de que toda atividade esportiva seja praticada sob aconselhamen-to de profissionais da área de saúde, para garantir benefícios e evitar riscos.

Métodos de mensuração do Limiar Anaeróbico

Os procedimentos de mensuração do LAn podem se basear no comporta-mento da ventilação ou dos equivalentes ventilatórios de O2 e CO2. Ou, ainda, confrontando-se o VO2 extraído (consumo de oxigênio pelo organismo em de-terminada intensidade de exercício) e o CO2 produzido. Outros modelos empre-gam a determinação do lactato sanguíneo no sangue arterial, a partir da verifica-ção de seu comportamento durante o esforço. É possível comparar, também, o lactato apresentado ao longo do esforço com os níveis da substância detectados durante a recuperação.

PRoJETo: Criação de um protocolo de campo para identificar o limiar anaeróbico em corredoresCooRDEnADoR: Sandro Fernandes da SilvaMoDALIDADE: Edital UniversalVALoR: R$ 19.559,00

Page 26: Revista Minas Faz Ciência

26 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

ENG

ENh

AR

IA Q

UÍM

ICA

Pesquisadores da PUC Minas misturam hidrogênio ao óleo diesel e ao etanol para produção de combustíveis mais eficientes e, ao mesmo tempo, menos poluentes

Energia limpa e do bem

Diogo Brito

Page 27: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 27

Nos últimos séculos, a humanidade enfrentou diversas mudanças, que cul-minaram com sua evolução intelectual, social e econômica. Uma das principais revoluções já vividas pelo homem, ocorri-da na Inglaterra do século XVIII – período marcado pela evolução das máquinas e dos sistemas de transporte –, criou uma burguesia industrial sedenta por lucros e custos diminutos. A descoberta da energia a vapor e o desenvolvimento dos gigantes teares alteraram os modos de produção. Além disso, houve grande crescimento po-pulacional, assim como aumento da oferta de empregos, das demandas e das escalas de produção.

Nos transportes, as novas tecnolo-gias de locomoção conseguiam encurtar as distâncias. Além disso, os princípios da Modernidade começavam a enraizar, na ci-vilização, a cultura da exploração de com-bustíveis fósseis. Na Europa, a abundância do carvão mineral fez com que o produto se tornasse ingrediente fundamental ao funcionamento das máquinas a vapor. Passados três séculos depois da eufórica Revolução Industrial, todos os países de-senvolvidos buscam soluções alternativas para minimizar a emissão de poluentes, por meio, principalmente, do uso de novas fontes de energia.

Qual a possibilidade, porém, de existir um combustível de fonte renová-vel, inesgotável, e, ainda por cima, não poluente, capaz de representar benefícios a todos? Curioso pensar que esse produto já existe – e é chamado, por muitos, de “combustível do futuro”. Trata-se do hi-drogênio, elemento químico que merece tal título por suas características únicas. Além de abundante – sendo o terceiro mais presente na Terra, atrás apenas do oxigênio e do ferro –, possui característi-cas fantásticas.

Do ponto de vista técnico, o hidro-gênio possui grande capacidade de arma-zenar energia. Por essa razão, é utilizado como combustível de propulsão de fogue-tes e de cápsulas espaciais. Em seu estado natural, e em condições normais, o ele-mento químico é um gás incolor, inodoro e insípido. Some-se a isso o fato de que os únicos elementos emitidos a partir da

queima junto ao oxigênio puro são a água e o próprio calor, o que o torna o combus-tível perfeito. Contudo, o que aconteceria se esse mesmo hidrogênio fosse utilizado, como aditivo, para queima de óleo diesel?

Um grupo de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) desenvolve, há três anos, uma técnica que busca, por meio da mistura de pequena quantidade de hidro-gênio e etanol, uma maneira eficiente de melhorar o desempenho de motores es-tacionários que operam com óleo diesel. Além de render excelentes resultados, a pesquisa se desdobrou em cinco disser-tações de mestrado, além de dois artigos em periódicos internacionais e de um sistema de injeção de hidrogênio, já em processo de patenteamento.

De acordo com José Ricardo Sodré, professor do curso de Engenharia Química da PUC Minas e coordenador da pesquisa, a ideia era criar um “kit” simples – similar ao usado, atualmente, em veículos adapta-dos a gás –, a ser adaptado por qualquer motor gerador de energia – incluindo-se aqueles que já estivessem em operação. A escolha pela mistura de hidrogênio ao óleo diesel surgiu a partir de projetos desenvol-vidos por meio de parceria entre a univer-sidade, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Hidrogênio?O pesquisador explica que o fator de-

cisivo para a escolha do elemento químico foram os períodos de queda na demanda de energia diurna, por parte da população, durante o dia, e a manutenção do elevado ritmo de produção de energia nas hidroe-létricas. “Em função disso, logo foi suge-rido usar tal período do dia para produzir hidrogênio, já que não há possibilidade de redução da fabricação de energia nas usi-nas”, comenta.

O hidrogênio produzido nas hidro-elétricas, mas sem utilidade, foi dispo-nibilizado para a pesquisa. Desse modo, o grupo desenvolveu um sistema capaz de injetá-lo, nos motores, paralelamen-te ao óleo diesel. Após várias tentativas, descobriu-se, então, a quantidade exata

Page 28: Revista Minas Faz Ciência

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

PRoJETo: Geração de energia uti-lizando motores diesel abastecidos com etanol, hidrogênio e óleo diesel CooRDEnADoRA: José Ricardo SodréMoDALIDADE: Programa Pesquisa-dor MineiroVALoR: R$ 48.000,00

a ser utilizada na mistura – que, hoje se sabe, chega a 5% do total do combustível usado no veículo. Cumprida tal etapa, con-tudo, identificou-se o primeiro problema: no motor a diesel, em que não há variação na rotação, ficou inviável obter economia para a queima do combustível, assim como melhor desempenho.

Para tal, seria necessária uma série de mudanças, que tornariam a aplicabili-dade do projeto economicamente desfavo-rável. Sodré explica que isso se verificou porque, no gerador de energia, não há aumento nem redução da velocidade no motor. Afinal, ele opera em frequência úni-ca, e, de acordo com a demanda de energia elétrica, seria exigida quantidade elevada de combustível. “Para obter melhoria sig-nificativa desses resultados, é preciso fazer modificação no motor. Neste caso, adaptar um kit de hidrogênio não seria tão vantajo-so assim”, explica o professor.

Entretanto, apesar de o investimento não ser elevado, Sodré justifica a economia do uso em geradores de energia, ao afirmar que “as empresas que possuem atividades em lugares remotos consomem, por vezes, grandes quantidades de combustível apenas para manter sua frota de máquinas abaste-cida. Neste cenário, o uso do hidrogênio se mostra altamente viável”, comenta.

Se, por um lado, a aplicação de hidro-gênio nos motores estacionários não é van-tajosa, isso não inviabiliza o uso da mesma técnica em motores diesel para caminhões e ônibus que, atualmente, circulam na cida-de. A aplicação do kit, nessa situação, traria benefícios não apenas financeiros, mas, principalmente, ao meio ambiente. Hoje, os componentes emitidos diariamente na atmosfera – hidrocarbonetos, monóxido e dióxido de carbono –, causadores do efei-to estufa, são reduzidos significativamente, por meio do uso da porcentagem de 5% de hidrogênio ao óleo diesel.

A mistura melhora as características de combustão do motor, que passa a operar com menor quantidade de combustível para transportar a mesma carga – numa compa-ração com o mesmo equipamento, mas sem a adição de hidrogênio. “A expectativa é de redução de todos os poluentes, com exce-ção dos óxidos de nitrogênio”, esclarece.

Outros testesParalelamente ao estudo com equi-

pamentos estacionários, a equipe aplicou a mesma técnica em motores automo-tivos. Os resultados foram animadores. Apontou-se redução de até 15% no con-sumo de combustível dos veículos, as-sim como diminuição das emissões de poluentes. José Ricardo comenta que o uso em carros seria um sucesso, pois uma das grandes vantagens é que o hidrogênio usado não precisa, necessariamente, ser engarrafado, ocupando parte importante do veículo – como hoje é feito com o gás natural. “O hidrogênio pode ser produzido a bordo do próprio veículo, por um método chamado de hidrólise. A partir da água, é possível a produção do elemento químico em um sistema fechado, de autoalimenta-ção”, explica o pesquisador.

Diferentemente do primeiro teste com os geradores de energia, a economia é alcançada, justamente, porque ocorre oscilação na operação do motor. “Normal-mente, os motores atuais operam na faixa de 4 mil rotações por minuto (RPM), em ruas e estradas. Nessas condições, portan-to, o hidrogênio mostra-se uma alternativa viável”, diz.

Em outra etapa da pesquisa, preten-de-se recorrer à mesma técnica, mas o hidrogênio será misturado ao etanol. Se-gundo o pesquisador, o estudo ainda está em andamento, mas já é possível observar redução – em quase sua totalidade – da emissão de poluentes. O ponto negativo está no consumo elevado do etanol, se comparado ao diesel. Características pró-prias do combustível o fazem ser mais consumido durante o processo de queima. “Temos testado quatro técnicas, da mistu-ra do etanol com óleo diesel a um sistema mais robusto, de alta pressão”, afirma.

O kit para uso do hidrogênio em motores a diesel está criado. Espera-se, agora, comprovação do pedido de paten-te. José Ricardo destaca que, para que o método chegue à população, não existem mais restrições técnicas. “Há necessidade, apenas, de empresas que tenham interesse em comercializar o produto”, completa o coordenador das pesquisas.

Page 29: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 29

EDU

CA

çã

O

Estudos buscam compreender significados subjacentes às

práticas culturais e educativas de povos tradicionais

Versos diversos

Virgínia Fonseca

Page 30: Revista Minas Faz Ciência

30 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

“Senhor e dono da casa, vai chegando a folia / Vem beijar a nossa bandeira e es-cutar a cantoria”. A origem é europeia, mas os brasileiros já conferiram, há séculos, identidade local aos festejos, por meio de músicas, danças e orações que variam, até mesmo, de uma região a outra do País. Entre os dias 1º e 6 de janeiro, comunidades de todo o Brasil celebram a Folia de Reis, em homenagem aos nobres visitantes que leva-ram presentes ao Menino Jesus, segundo a tradição católica. Essa foi uma das mani-festações estudadas pela professora Valéria Oliveira de Vasconcelos, junto ao programa de Mestrado em Educação da Universidade de Uberaba (Uniube). Entre 2008 e 2012, a pesquisadora conduziu investigação acerca dos modos como a educação e a cultura popular manifestam-se nos cantos, nos versos e na prosa das populações tradi-cionais.

A docente também analisou a ma-neira como essas pessoas educam – e se educam – em suas distintas práticas so-ciais. Durante o pós-doutorado, concluído em 2012, Valéria realizou pesquisa híbrida, expandindo o foco às comunidades extra-tivistas da Amazônia. “Em minha trajetória acadêmica, busco identificar diferentes práticas e experiências educativas ocor-ridas em diversas formas de expressão da cultura, conceito que compreendo, ao seguir o antropólogo americano Clifford Geertz, como uma teia de significados, – tecida por homens e mulheres – e sua análise”, detalha. A ideia dos estudos, por-

tanto, é entender alguns desses sentidos e refletir sobre eles, coletivamente, a partir do reconhecimento e do respeito à diver-sidade cultural.

Outra busca do grupo é auxiliar a for-mação continuada de professores e profes-soras em exercício, ou em formação inicial, a partir dos resultados alcançados com a pesquisa. Ao trabalho interessam, princi-palmente, as manifestações de resistência, que se expressam da cultura popular – fala, escrita, rimas, cantigas, educação e cultu-ra. Essa resistência pressupõe diferença: história interna específica, modo peculiar de existir no tempo histórico e no tempo subjetivo. Daí o interesse pelos povos tra-dicionais, denominação dada a grupos que preservam cultura diferenciada – similar à de seus antepassados – e possuem formas próprias de organização social.

Os pesquisadores escolheram ma-nifestações como a Folia de Reis e o Congado, por tratar-se de representantes legítimas da cultura e das expressões artísticas populares. Também foram estu-dados povos de reservas extrativistas da Amazônia e comunidades quilombolas. Para tanto, coletaram-se “histórias de vida”, por meio de audição sistemática dos moradores mais antigos das regiões analisadas, a fim de aprofundar a com-preensão sobre as práticas de educação cotidiana. Segundo a pesquisadora, tais narrativas são potencializadas como pro-cessos de formação e de conhecimento, já que se baseiam na experiência.

Um pouco dessa históriaQuando perguntados a respeito

do nome da comunidade quilombola ali remanescente, os moradores mais antigos narram a história que conhe-ceram por meio de seus tataravós, bisavós, avós e pais. Há cerca de 200 anos, chegou à localidade uma mu-lher chamada Justina, que morava, com a irmã, nas matas. Eram escravas fugidas de uma fazenda do estado da Bahia. Em seguida, outros fugitivos começaram a chegar e a se instalar na região, em busca de lugar para plantar. Eis a origem do quilombo.

No Norte de Minas, pesquisadores estudaram a preservação de tradições dos remanescentes quilombolas Manifestações culturais surgem como forma de resistência da cultura de povos tradicionais

arqu

ivo p

esso

al Ro

sana

Lac

erda

Mon

te A

lto

Page 31: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 31

A metodologia em que se pauta o grupo soma pesquisa e reflexão, histó-rias de vida e práxis, teias e interpretação de significados. O modelo implica ver a população estudada como sujeitos ativos do conhecimento de sua própria realida-de – uma forma de pesquisa feita “com as pessoas, e não por elas”. Por sua vez, o ponto de partida e o horizonte dos pesqui-sadores ancoram-se na educação popular. Em outras palavras, procura-se, de modo coerente e de forma a respeitar a diversi-dade, a conceitualização organizadora das distintas dimensões da realidade.

ResultadosValéria Vasconcelos explica que,

pelo fato de ter a educação popular como base, a pesquisa, além de envolver os ato-res a partir de suas demandas, apresenta resultados que emergem, principalmente, como aprendizados comuns. Ao refletir so-bre sua própria posição, e ao se reconhe-cer como sujeitos históricos e políticos, os participantes passam a intervir mais asser-tivamente nessa realidade – ou “tomam seu destino nas mãos”, segundo palavras do educador Paulo Freire. Os resultados obtidos, explica a professora, devem ser encarados como conquista coletiva, e não como algo produzido externamente. Em certas localidades da Reserva Extrativis-ta Arapixi, na Amazônia, por exemplo, as pessoas se mobilizaram e organizaram tur-mas de alfabetização de adultos. “Quando perguntados sobre essa ‘novidade’, uma

moradora me disse: ‘Vocês vieram aqui e botaram fogo’”, lembra a pesquisadora.

A partir da realidade constatada nos estudos, Valéria defende que, quan-do pessoas sofrem cotidianamente com a opressão, faz-se necessário que sejam propostas práticas dialógicas pautadas em seu cotidiano e baseadas no respeito mú-tuo, na valorização e no compartilhamento de saberes e na busca contínua por formas mais dignas e humanas de viver. “Esses caminhos, seguramente, também condu-zem à inclusão social, que se expressa na garantia de que os direitos humanos, bási-cos e universais, se concretizem”, afirma. A máxima se aplica, com maior ênfase, àqueles que possuem formas de vida tra-dicionais.

Do projeto emergiram duas pesqui-sas de Iniciação Científica, que trataram a questão do ponto de vista dos aspectos ligados ao meio ambiente e à Pedagogia, além de dissertações de mestrado. Em todos os trabalhos, o referencial teórico remete à Educação Popular – que se pauta, segundo Paulo Freire, na responsabilidade ética de desvelar e superar situações de opressão. Valéria Vasconcelos também dá sequência aos estudos da temática. “Sigo no encalço de pesquisas que contribuam, efetivamente, para a busca de emancipação e de fortalecimento comunitário, assim como de formas mais justas e humanas de viver, ensinar e aprender”.

Práticas e saberes repassados entre gerações marcam o modo de vida das comunidades

PRoJETo: Educação e cultura de populações tradicionais cantadas em verso e prosaCooRDEnADoRA: Valéria Oliveira de VasconcelosMoDALIDADE: Demanda UniversalVALoR: R$ 6.100,00

arqu

ivo p

esso

al Va

léria

Vas

conc

elos

Page 32: Revista Minas Faz Ciência

32 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

Resgatar a cultura quilombola nos processos educativos destas populações, de modo a valorizar seus múltiplos co-nhecimentos e práticas sociais. Com tal objetivo, a professora Rosana Lacerda Monte Alto, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), desenvolveu seu projeto de mestrado, sob orientação de Valéria Vasconcelos. O estudo partiu da premissa de que a educação do campo tem conquistado espaço em debates e políticas educacionais brasileiras e não se concreti-za sem reconhecer a existência do próprio ambiente, de sua realidade histórica e dos sujeitos que nele vivem.

“A Educação do Campo busca manter e legitimar a identidade desses habitantes, além de valorizar os diferentes saberes já construídos, a partir de suas histórias de vida”, destaca Rosana. No trabalho em questão, a professora baseou-se nas expe-riências da comunidade quilombola Justa I, situada no município de Manga, ao Norte de Minas Gerais, para perceber como se cons-trói a educação informal nessa realidade e como a Educação do Campo dialoga com as práticas já constituídas.

Uma das principais dificuldades encontradas no campo, neste contexto, refere-se à capacitação inadequada dos profissionais responsáveis pelo ensino, que desconhecem a realidade dos alunos. “É necessário considerar a vivência dessas pessoas e atrelar outros valores a ela, bus-cando traçar novas diretrizes para nortear o processo de ensino-aprendizagem e cons-truir ações como cidadãos ativos e partici-pativos”, detalha.

Os resultados da pesquisa apontam para o Programa Nacional de Reforma Agrá-ria (Pronera), que, no município, contribuiu para fortalecer a Educação do Campo, a par-tir da formação de profissionais capazes de desenvolver um ensino voltado ao diálogo e à construção própria do conhecimento das comunidades. “Os quilombolas, por sua vez, consideram ‘saber’ o conhecimento for-mal adquirido na escola, embasam seus va-lores no trabalho, na família e no território”, atesta a pesquisadora. E o processo educati-vo – formal ou não – mostra-se presente no cotidiano dos remanescentes quilombolas de Justa I, impresso em suas atividades.

Em Manga, existem dez assentamen-tos do Pronera, assistidos pelo Incra. As atividades desenvolvidas – visitas, capaci-tações aos alfabetizadores das comunida-des, seminários, oficinas, encontros com

No campo, educação e sabedoria

monitores – têm o objetivo de assistir peda-gogicamente, acompanhar e avaliar ações. A Unimontes atua em parceria com o progra-ma, desenvolvendo três projetos na região do Norte de Minas Gerais, com turmas de Ensino Fundamental (Alfacampo), de Ensi-no Médio grau (Magicampo) e de Gradua-ção (Educampo).

Vidas em históriaAs sete histórias de vida recolhidas

para pesquisa observaram certos critérios: sujeitos com idade acima de 60 anos, resi-dentes no campo de estudo, interessados em participar da pesquisa e auto-declarados remanescentes de quilombola. Ao longo das investigações, a professora comprovou a importância atribuída à preservação do modo de vida entre os idosos participantes, que procuram transmitir seus valores e vi-vências por meio da oralidade, não deixan-do que as tradições se percam no tempo. “Os antepassados sentem-se valorizados quando são ouvidos e contam suas histó-rias, trazendo boas e más recordações, jus-tificando os comportamentos do cotidiano e reavivando os antigos costumes”, explica. Fotografias e filmagens feitas durante as vi-sitas, bem como cedidas por entrevistados, ajudaram a compor a contextualização sobre

a vida dos participantes e da comunidade.Os sujeitos da pesquisa – remanes-

centes quilombolas – são reconhecidos como populações tradicionais, que vivem e lutam pela terra e pela preservação de seus direitos. A comunidade Justa I se organiza social, política e culturalmente, de modo a desenvolver ações coletivas, com grau de afetividade e de parentesco bastante pre-sentes na vida dos moradores. Os grupos se identificam, a partir de uma noção de que “são dali mesmo”, “de uma mesma família”.

As entrevistas permitiram caracterizar os participantes da pesquisa: quem são, como trabalham, como vivem, quais suas crenças, como se comunicam. Ficou evi-denciado, ainda, que os laços afetivos reve-lam-se muito fortes entre eles, assim como grande importância é atribuída ao trabalho, à terra – como alicerce de suas vidas – e à religião, desenvolvida por meio de crenças e espiritualidades individuais.

“Considerada por muitos como a única maneira de adquirir conhecimento, a escola não deve se distanciar da cultu-ra das populações quilombolas, de suas tradições”, alerta Rosana, para quem a cultura ainda resiste no cotidiano destas populações. “Acredito na possibilidade de sobrevivência dos povos, com respeito aos costumes, à cultura do passado e aos valo-res ancestrais”, ressalta a pesquisadora, ao concluir que o que move a comunidade são elementos básicos do cotidiano: o trabalho, presente na vida de todos; a família, base e estrutura a uni-los por meio dos vínculos afetivos, e o território, lugar onde vivem desde que nasceram e que representa o passado, o presente e o futuro.

Lamentavelmente, porém, os rema-nescentes quilombolas “aprenderam” que “são fracos”. “Trata-se de resquício do ró-tulo colonial, segundo o qual o ‘forte’ era o senhor das fazendas, seus filhos ‘estuda-dos’, seus casarões e seu saber institucio-nalizado das escolas, que era (e ainda é) valorizado e reconhecido pelas elites, pe-los intelectuais, pelo patrão, pela filha do senhor e pelo escravo, pelo remanescente quilombola de Justa I, no século XXI”, ar-remata Rosana. Segundo a pesquisadora, é necessário inverter o processo de apren-dizagem, já que vários outros saberes e fazeres aparecem como aqueles fundantes da tradição desses povos.

No Brasil, o direito universal à educação tem como principal referên-cia a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Por sua vez, o decreto 6.040/2007 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimen-to Sustentável dos Povos e Comunida-des Tradicionais (PCT), contemplando as especificidades para uma Educação do Campo. Também a Resolução nº 02, de 28 de abril de 2008, estabelece normas complementares para Políticas Públicas de atendimento à Educação Básica do Campo.

Criado pelo Governo Federal, de-senvolve atividades educacionais em assentamentos assistidos pelo Institu-to Nacional de Colonização da Reforma Agrária (Incra), com vistas a elevar a escolaridade de jovens e adultos inclu-ídos em projetos de assentamento.

Page 33: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 33

ZOO

TEC

NIA

Expostos a sons provenientes da atividade mineradora, animais têm a saúde prejudicada e, por vezes, são obrigados a fugir de seu habitat

Do canto ao silêncio

Ana Luiza Gonçalves

Page 34: Revista Minas Faz Ciência

34 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

Eu e a bióloga Marina Duarte, mestre em Zoologia de Vertebrados, conversá-vamos, numa sala do Museu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), sobre o projeto coordenado por ela – em parceria com Nilo Bazzoli, dou-tor em Biologia Celular –, quando fomos quase interrompidas por um barulho no céu. “Se esse avião estivesse mais próximo, poderia atrapalhar nossa conversa, pois sua passagem ocorreu ao mesmo tempo em que nossa comunicação. Se atrapalhasse, ocor-reria o que chamamos de mascaramento. A mesma coisa acontece com os animais na natureza”, explicou a pesquisadora.

Como se pode perceber, durante a entrevista para esta reportagem surgiria o exemplo ideal para que Marina pudes-se iniciar a conversa sobre seu projeto de estudo, que busca gerar protolocos para sons produzidos por ações antropogêni-cas – provocadas por interferência humana – e que agridem áreas onde estão abriga-das diversas espécies da fauna. O referido mascaramento ocorre quando um som in-terfere no outro, dificultando a recepção e a decodificação sonora por “sujeitos” em processo de comunicação – no caso da pesquisa, os animais.

De acordo com o art. 3 da Lei Federal do Meio Ambiente 6.938/81, poluição é a degradação da qualidade ambiental resul-tante de atividades que, direta ou indireta-mente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômi-cas; afetem desfavoravelmente a biota e as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e/ou lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Importante ressaltar, neste sentido, que também a energia provocada por ruídos, sons e/ou vibrações deve ser interpretada como agente poluidor.

Neste cenário, os impactos causados pelo processo de extração e transporte de minérios são vistos como formas de po-luição, por provocar ruídos e vibrações no ambiente. Para que uma mineradora seja implantada, a legislação exige a realiza-ção de um estudo. Embora se saiba que a carga sonora afete a comunicação entre os animais, quando se realizam medições, apenas a população humana – que vive próxima às áreas afetadas – é considerada “receptora”. Exclui-se, assim, o impacto dos sons sobre a fauna silvestre. Ou seja: não há especificações e valores acerca das

Fundamental para o desenvol-vimento econômico de um país, a mineração é conhecida por produzir altos índices de frequência sonora nas regiões onde é executada. So-mam-se, a esse fato, atividades rea-lizadas paralelamente, como tráfego de caminhões e abertura de estradas. Em Minas Gerais, a extração de mi-nério de ferro é amplamente desen-volvida – especialmente, no Quadri-látero Ferrífero, região localizada no Centro-Sul do Estado, estendendo-se de Ouro Preto a Belo Horizonte, com, aproximadamente, sete mil quilô-metros quadrados. Além de ser um dos principais locais de execução da atividade mineradora no mundo, com cerca de 70% do trabalho sendo ali desempenhado, a área também é prioritária à conservação da biodiver-sidade mineira.Song meter – ou “medidor de som” – instalado no bioma Cerrado

Marina Duarte

Page 35: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 35

ameaças ao bioma e às espécies morado-ras dessas regiões.

tétrade de discussõesA análise da interferência da polui-

ção sonora na comunicação animal está sendo feita, desde agosto de 2012, no Quadrilátero Ferrífero. Trata-se de regiões marcadas pelas vegetações de Cerrado, Campos rupestres sobre canga e rema-nescentes de Mata Atlântica. Segundo os coordenadores, há quatro tipos de proble-mas a serem discutidos em tais áreas. Em primeiro lugar, está a preservação. Neste quesito, o projeto analisa o comportamen-to das espécies no que diz respeito a seus sistemas particulares de comunicação, que precisam se adaptar às exigências impos-tas pelo ambiente.

Nessas regiões, é imprescindível caracterizar a paisagem acústica natural com base na representatividade e na im-portância da fauna, assim como da loca-lização e da viabilidade. Para coletar os dados, foram escolhidas doze áreas, onde se instalaram três sensores, programados para gravar sons durante 24 horas, a uma frequência de, no mínimo, 20 kHz. As me-dições duraram 30 dias consecutivos. Em seguida, os sensores foram retirados para serem avaliados, e, 30 dias após as análi-ses, os medidores foram reinstalados.

A segunda discussão diz respeito ao impacto da mineração nesses ambientes. Os pesquisadores visam identificar como os sons produzidos provocam o mascara-mento das vocalizações dos animais. Por meio dessa caracterização, verifica-se, em seguida, a sobreposição de espaços acús-ticos com a comunicação da fauna. A par-tir do estudo feito em paisagens naturais, chega-se aos resultados dos efeitos res-ponsáveis por “agredir” a interação entre as espécies.

O terceiro problema refere-se à ma-neira de medir o impacto sonoro. Com o estudo do mascaramento, previu-se o desenvolvimento de protocolos para avaliação de como o ruído antropogêni-co atingiria a paisagem acústica natural. Para tal, foram selecionadas quatro minas em produção dentro dessa mesma região. Por fim, como quarto item de discussão,

o projeto busca medir o alcance dos efei-tos da mineração por meio de alto-falantes instalados nas mesmas áreas e, também, a abrangência do impacto em si.

Terminadas as quatro vertentes de análise, o que se propõe é a criação de estratégias de mitigação dos impactos so-bre a fauna. Conforme exemplifica Marina Duarte, o ruído de um caminhão dependerá tanto do peso e da quantidade de material carregada pelo veículo, quanto de sua na-tureza técnica, do modelo ao motor e à po-tência. Além disso, seria importante iden-tificar o horário da “perturbação”, para, em seguida, pensar em soluções eficientes. “Se o maior número de caminhões trafega perto da mata entre 5h e 7h, sugeriremos mudança de horário, pois todos sabem que é de manhã que as aves cantam mais”, destaca a pesquisadora.

Da fuga à doençaEspécies de primatas, como guigó

e mico-estrela, de aves – bem-te-vi, sa-biá, tico-tico e pica-pau –, além da irara e do lobo-guará, animais difíceis de serem encontrados e gravados, interagem no Quadrilátero Ferrífero. O bem-estar das espécies expostas a esses estímulos é alta-mente prejudicado e as consequências vão do deslocamento para áreas que favorecem a sobrevivência a modificações no apare-lho auditivo dos animais.

Marina explica que as gravações realizadas nessas áreas, e depois ana-lisadas em laboratório, revelam índices de grande complexidade acústica. Além disso, pode-se saber a região com maior intensidade de vocalização. “Estamos tes-tando se as áreas próximas de mineração têm mais ou menos biofonia – os sons dos animais –, do que em áreas mais distantes de ruídos humanos. Desse modo, verifica-remos quais espécies estão perto e longe dessas regiões para saber quais se adap-tam à mineração e quais se deslocam”, explica a coordenadora do projeto.

Doenças como hipertensão e es-tresse, ou enfermidades relacionadas ao coração e à respiração, tornam-se mais propícias a aparecer quando o animal está exposto a frequências e intensidades sono-ras impactantes. Os sons também podem

PRoJETo: Análise dos impactos potenciais do ruído proveniente de atividade mineradora e acessos viários sobre a comunicação acústica da fauna silvestreMoDALIDADE: Chamada de propostas 01/2010 - FAPEMIG/Fapesp/Fapespa/Vale S.A.CooRDEnADoR: Nilo Bazzoli VALoR: R$ 1.623.125,97

alterar comportamentos associados à re-produção, à locomoção, à alimentação, à defesa e à saúde dos animais – atividades desenvolvidas por meio da comunicação acústica.

A pesquisadora explica que o mas-caramento das vocalizações ocorre quando o ruído é produzido na mesma frequência em que a comunicação da fauna. “Em áre-as ruidosas, quando os filhotes vocalizam porque sentem fome e os pais não escu-tam, há entrega menor de quantidade de alimentos, o que pode até levá-los à mor-te”, ressalta. O dos ruídos, porém, varia de espécie para espécie, pois há diferenças na capacidade de recepção de sons: cer-tos animais estão aptos a ouvir ultrassons, enquanto outros captam infrassons. Com o efeito do mascaramento, além de doenças, muitas espécies não poderão transmitir si-nais de sobrevivência, relativos a situações de alarme, perigo, defesa de território e aproximação de predadores.

Page 36: Revista Minas Faz Ciência

36 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

AG

RIC

ULT

UR

A F

AM

ILIA

R

Pesquisadores da Ufop auxiliam agricultores familiares a vencer obstáculos para comercialização de seus produtos junto a instituições de ensino

Mesa farta e saudável

Ana Flávia de oliveira

Page 37: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 37

As terras férteis da região central de Minas Gerais são, hoje, fontes de alimentos para mais de mais de dez mil estudantes locais. É que, em Congonhas e Ouro Branco, um programa de extensão, realizado por pesquisadores do curso de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), transmitiu know how e me-lhorou as condições de produtividade de cerca de 50 agricultores residentes nos dois municípios.

Sob coordenação da professora Olívia Maria de Paula Alves Bezerra, pro-fessores e alunos da Ufop desenvolveram pesquisa – que contou com apoio da FAPEMIG – dividida em cinco etapas: na primeira, identificou-se o potencial de co-mercialização dos produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar. Pos-teriormente, houve diagnóstico participa-tivo das dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares para comercializar seus produtos junto ao Programa Nacio-nal de Alimentação Escolar (PNAE).

A fase seguinte consistiu na elabo-ração de uma cartilha contendo instruções

aos agricultores familiares. Na quarta eta-pa, promoveu-se visita técnica orientada a uma unidade de produção orgânica e agro-ecológica. Por último, ocorreu a consoli-dação das estratégias para superação das dificuldades enfrentadas pelos trabalhado-res do campo.

O projeto buscou proporcionar quali-dade de vida aos agricultores por meio da identificação das dificuldades enfrentadas para inserção de seus produtos na ali-mentação escolar. “Por isso, propusemos estratégias para a mudança deste cenário, a partir da organização dos agricultores fa-miliares e de metodologias participativas”, esclarece Olívia Bezerra”, ao lembrar que, em panorama de mercado institucional se-guro, representado pelas escolas públicas municipais, seria mais fácil que o agricul-tor familiar diversificasse e aumentasse a produção. “Desse modo, poderia atender às demandas das escolas, e, com isso, aumentar a renda e a qualidade de vida”.

Economicamente, o trabalho mos-trou-se bastante positivo, tanto para as escolas quanto para os fornecedores. Os

Os pesquisadores encontraram vários impedimentos para a realiza-ção da negociação entre fornecedores e escolas. Dentre as mais frequentes, estão a organização dos agricultores em associações ou cooperativas, a determinação dos preços dos ali-mentos e a logística de entrega nas escolas. Outras dificuldades dizem respeito à obtenção de insumos e de financiamento, ao pouco conhe-cimento da lei e ao modo de lidar com o pagamento de impostos, além do desconhecimento das técnicas de plantio agroecológico ou orgânico.

A cartilha foi elaborada com o objetivo de facilitar a compreensão do processo de compra dos gêneros alimentícios para o PNAE. O material contém o passo a passo do processo de compra e venda dos produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar. Dessa forma, cada um dos en-volvidos na ação conheceu seus direi-tos e deveres. A cartilha foi entregue a agricultores familiares e nutricionistas que participaram do projeto.

Anelise Andrade

Os agricultores participaram de um dia de campo para aprender técnicas de manejo nas lavouras

Page 38: Revista Minas Faz Ciência

38 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

agricultores familiares produzem alimen-tos com a garantia de que os produtos serão vendidos às instituições de ensino pelo preço de mercado e com a garantia de pagamento – já que os recursos finan-ceiros são repassados, aos municípios, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com a finalidade de adquirir gêneros alimentícios. Outro fator que contribui para a redução dos custos é a distância. Afinal, os valores que seriam pagos com fretes, transporte, embalagens e refrigeração foram eliminados.

No fim das contas, as escolas ga-nham qualidade e o custo dos alimentos e os gastos com logística de abastecimento são bem menores. O índice de perda de produtos também cai, em virtude da re-dução do tempo de estocagem e forneci-mento. “Além disso, o uso de alimentos produzidos localmente, de forma agro-ecológica – respeitando os hábitos ali-mentares e a cultura da região –, fazem com que os alunos se habituem a ingerir alimentação saudável”, destaca a coorde-nadora da iniciativa.

Merenda reforçadaDe acordo com o PNAE, todos os es-

tudantes matriculados na rede pública para a educação básica têm direito a alimenta-ção na escola. Por isso, foram beneficia-dos desde alunos do ensino fundamental até participantes dos programas de Educa-ção para Jovens e Adultos (EJA). Todos os matriculados na rede pública municipal de Ouro Branco (20 instituições e 4.790 alu-nos) e de Congonhas (29 escolas e mais de 7 mil estudantes) tiveram acesso aos alimentos produzidos pelos agricultores familiares.

O trabalho foi executado com a preocupação de manter as quantidades nutricionais necessárias, considerando alimentos regionais. A agricultura familiar dos dois municípios é capaz de fornecer, em quantidade e regularidade, os produ-tos necessários, com melhor qualidade nutricional – posto que produzidos sem agrotóxicos, aproveitando-se a safra e respeitando-se a cultura alimentar local – e, por fim, com menor custo.

PRoJETo: Ações para inserção dos produtos da agricultura familiar na alimentação escolarCooRDEnADoRA: Olívia Maria de Paula Alves BezerraMoDALIDADE: Apoio a projetos de extensão em interface com a pesquisaVALoR: R$ 24.360,00

O projeto revelou-se financeiramente viável para agricultores e escolas

Page 39: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 39

IMU

NO

LOG

IAPesquisadores comprovam ação de probióticos no combate a doenças degenerativas e inflamatórias

Bactérias pró-saúde

Virgínia Fonseca*

*Colaborou Vanessa Fagundes

Page 40: Revista Minas Faz Ciência

40 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

Enfermidades autoimunes são causadas por distúrbios na tolerância imunológica aos autocomponentes. A esclerose múl-tipla (MS) é uma das que tem apresentando grande incidência no Brasil: recente estimativa dos registros em São Paulo e Belo Horizonte supera o número absoluto de vários países europeus. Trata-se de doença autoimune inflamatória desmielinizante do sistema nervoso central (SNC), que possui, como alvos, os neurônios. Em função de as células não se regenerarem, ocorrem perdas permanentes às funções neurológicas.

Na esclerose múltipla, a ação inflamatória de linfócitos T auto-reativos incide contra a bainha de mielina – camada de prote-ína e lipídeos que envolve as células nervosas e atua como isolamento elétrico, de forma a aumentar a velocidade de propagação do impulso ao longo dos axônios. Atualmente, o tratamento restringe-se ao uso de imunossupressores que, além do alto custo, apresentam efeitos colaterais graves. Certos agentes imunomoduladores têm sido testados, embora sem eficácia nas formas graves. Outro problema no tratamento é a impossibilidade de se administrar essa última terapia em situações como gestação, lactação, depressão, insuficiência cardíaca e hepática.

Inimigo íntimo

Sabe-se que o intestino humano di-vide-se em duas porções: delgado e gros-so. Responsável por etapas importantes do processo digestivo, a primeira parte mede cerca de quatro metros de comprimento e se acomoda, enovelada, no abdômen. Já o intestino grosso, que mede mais ou menos um metro e meio, processa, especialmente, a absorção da água e do sódio. Na tota-lidade, são quase seis metros de compri-mento, que fazem do órgão um dos maio-res do corpo humano. E, também, o local onde temos o maior número de bactérias. Nessa microbiota, pesquisadores da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG) prospectam a chave para o tratamento de doenças inflamatórias crônicas.

Atualmente, as enfermidades mais pre-valentes no mundo são aquelas de origem in-flamatória crônica, que abrangem tanto aler-gias quanto doenças autoimunes (veja box abaixo) e degenerativas, explica a coordena-dora do estudo, professora Ana Maria Caeta-no Faria, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFMG). Os países em desenvolvimen-to, especialmente, têm apresentado aumento nas ocorrências – descrito, pela pesquisado-ra, como “preocupante”. O rol inclui diabetes tipo 1, esclerose múltipla, doença de Crohn, colite, aterosclerose, asma, entre outras, que se tornaram grande causa de morbidade em nações como Brasil, China e Índia.

As opções terapêuticas atuais, fo-cadas em imunossupressores e imuno-

terapia, são restritas e provocam sérios efeitos colaterais. Já em casos como a aterosclerose e a obesidade, adotam-se as restrições dietéticas. Nas doenças em questão, a necessidade de lidar com o problema da inflamação mostra-se cru-cial. “O fato é que não podemos prescin-dir da inflamação, pois ela é importante em aspectos como cicatrização, embrio-gênese e proteção anti-infecciosa. Preci-samos da reatividade imunológica infla-matória”, explica Ana Faria. Porém, se a inflamação torna-se crônico e persistente, leva a dano tecidual.

O grupo de pesquisadores aposta no pressuposto de que, para lidar com o fe-nômeno da infecção, o melhor caminho é estudar o que o corpo já faz. Inflamações consideradas benéficas, como as mencio-nadas anteriormente, são reguladas pelo organismo – a morbidade da doença reside na falta de imunorregulação. “Como pes-quisadores da área, nossa meta é aprender com a natureza e ver as formas de resgatar a regulação perdida nos casos crônicos”,

Os imunossupressores são substâncias que reduzem as rea-ções imunológicas do organismo de forma global. Já as terapias imunor-reguladoras são formas de se gerar células reguladoras específicas para determinados antígenos.

Page 41: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 41

diz Ana Faria. O estudo investiga, então, o uso de probiótico já existente na natureza – o Lactococcus lactis – modificado para a produção de proteína de choque térmico HSP65 (que é similar àquelas produzidas pelo nosso organismo) como alternativa complementar, com a vantagem de não apresentar efeitos colaterais. “Probióticos são organismos vivos, como bactérias, le-veduras e fungos, que têm efeito benéfico à saúde do hospedeiro”, esclarece. Intitula-do “Administração oral de probiótico como alternativa terapêutica imunomoduladora para a esclerose múltipla experimental”, o projeto conta com apoio da FAPEMIG.

Conexão segura

Quando os cientistas iniciaram os estudos acerca de agentes capazes de au-xiliar no processo escolhido, os holofotes voltaram-se ao intestino, sítio privilegiado para gerar células reguladoras da inflama-ção. Com o maior tecido linfoide do corpo, o órgão concentra mais linfócitos do que todos os demais juntos. Dessas células, 80% estão ativadas, o que transforma a atividade imunológica local num frenesi, produzindo, continuamente, anticorpos e citocinas – substâncias secretadas por cé-lulas do sistema imune.

Diariamente, o homem lida com os antígenos que chegam da dieta e com uma microbiota imensa, já que a quantidade de bactérias presentes no intestino supera, em número, as células eucariotas do corpo. Mesmo com todo esse estímulo, existe um mecanismo muito potente de imunorregu-lação, que mantém a homeostase, ou equi-líbrio intestinal, de forma a permitir que o ambiente esteja repleto de células infla-matórias, mas sem causar dano. “Usamos esse local privilegiado para tentar resgatar a imunorregulação perdida nos modelos experimentais e nos pacientes que têm doenças inflamatórias crônicas”, adianta a coordenadora.

A partir disso, a equipe focou em mo-delos de doenças autoimunes “clássicas”, como esclerose múltipla, diabetes e artrite, além de algumas enfermidades degenerati-vas crônicas, a exemplo da aterosclerose, da obesidade, da doença de Chron e da colite

ulcerativa. Em todas, os cientistas testam a mesma alternativa, por acreditar que se agrupam no mesmo problema imunológico: regular a inflamação excessiva e persistente. “Temos experimentos com dietas de efeito antiinflamatório e com os probióticos”, de-talha Ana Faria.

Com base no conhecimento de que algumas bactérias comensais ajudam no metabolismo e produzem, inclusive, fato-res anti-inflamatórios no intestino, o grupo selecionou, como agente da pesquisa, a bactéria Lactococcus lactis. O microrga-nismo não integra, naturalmente, a micro-biota humana, mas é velho conhecido da indústria alimentícia, comprovadamente não patogênico, usado na fabricação de queijos e iogurtes.

De acordo com a cepa e a espécie, os probióticos podem também produzir naturalmente substâncias mediadoras anti-inflamatórias. “Trabalhamos com al-guns que secretam ácido fólico, com bons resultados na regeneração da mucosa”, exemplifica. A professora diz ter cons-tatado efeitos profundos de estímulo de produção de células reguladoras. “Não se imaginava que tal bactéria pudesse interfe-rir no metabolismo e na ativação de células do intestino”, revela.

Outra descoberta relaciona-se ao fenômeno chamado, pelos pesquisa-dores, de tolerância oral. Diz respeito à capacidade do intestino de, uma vez em contato com algum antígeno, gerar, para essa substância, células reguladoras. “A ativação funciona da seguinte forma: ao invés de produzir uma resposta imune in-flamatória, como faria na vacinação, com os antígenos da dieta e da microbiota, pro-vocamos uma resposta anti-inflamatória

Hoje, sabe-se que a obesidade é uma doença metabólica e inflama-tória. Além de acumular gordura, o adipócito produz citocinas capazes de ativar e recrutar células do siste-ma imune. Assim, o tecido adiposo do paciente obeso não apenas cres-ce, como também está infiltrado de células inflamatórias.

Page 42: Revista Minas Faz Ciência

42 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

reguladora”, explana. O processo mantém a homeostase daquele sistema.

Os estudiosos pressupõem que, nas doenças autoimunes clássicas, os pacien-tes têm um déficit de geração de células T reguladoras para alguns antígenos que são alvo da destruição imunológica na respec-tiva enfermidade. É o caso da esclerose múltipla, em que o alvo do ataque imune é a bainha de mielina. Se o doente tem dé-ficit nas células responsáveis por regular esse tipo de reatividade inflamatória, que seriam, normalmente, produzidas no timo, a proposta é administrar os antígenos via oral, para estimular a geração das células reguladoras pelo intestino. O probiótico seria ministrado como medicamento, já que os pesquisadores mostram preferência por essa opção, ao invés de, por exemplo, incorporá-lo na dieta.

Outras pesquisas já foram feitas usando a estratégia de induzir a tolerância por via oral, com os antígenos alvo da do-ença imune. A novidade na pesquisa con-duzida na UFMG consiste na escolha de um antígeno que poderia servir para todas as doenças inflamatórias crônicas, além de poder ser ministrado oralmente. Trata-se da proteína de choque térmico 65, cha-mada de Hsp65. “Para se ter uma ideia, a Hsp65 é proveniente de uma micobactéria e tem analogia de 75% a Hsp60 humana”, compara Ana Faria. A pesquisadora explica que, na inflamação, por serem proteínas de estresse, elas estão presentes em grande quantidade. “Era o que procurávamos: o antígeno alvo presente em todas as doen-ças inflamatórias crônicas”, conclui.

Para viabilizar os trabalhos, a bacté-ria capaz de produzir a proteína é produ-zida no Departamento de Biologia Geral, por meio de parceria com os professores Anderson Miyoshi e Vasco Azevedo. Eles criaram recombinante de Lactococcus latis, capaz de secretar o Hsp65. “É uma bactéria segura. Dessa forma, podemos ministrá-la, como fizemos nos testes com camundongos, já que ela não coloniza o intestino. Se quisermos interromper o tra-tamento, entre 24h ou 48h, ela não esta-rá mais lá”, detalha a pesquisadora. Uma vez no intestino, o Lactococcus secreta a proteína, gerando imunorregulação, que se reflete nas doenças inflamatórias crônicas.

Os primeiros testes, em modelos animais com esclerose múltipla induzida, foram um sucesso. “Conseguimos produ-zir células T reguladoras, que aumentavam muito no camundongo tratado e impediam a migração das células inflamatórias para a medula espinhal, de modo a prevenir completamente a doença”, relata Ana Fa-ria. Agora, o grupo estuda o emprego da mesma terapia em casos nos quais a en-fermidade já tenha se manifestado – com resultados iniciais promissores.

Na sequência, serão necessários no-vos processos, com produto, de mesmo perfil, que possa ser testado em humanos. Ana Faria espera passar, em breve, da fase experimental aos estudos clínicos. “Entra-mos com pedido de patente, via UFMG. Estamos em contato com potenciais par-ceiros na Faculdade de Medicina e temos até empresa interessada”, adianta.

Para chegar aos resultados atuais, fo-ram necessárias colaborações multidiscipli-nares. Além do Laboratório de Imunologia, coordenado por Ana Faria, e dos pesquisa-dores do Departamento de Biologia Geral, existe a parceria com o professor Sérgio Costa Oliveira, do Departamento de Bio-química e Imunologia, e da professora Ana Lucia Brunialti Godard, do Departamento de Biologia Geral, e da professora Denise Carmona, do Departamento de Morfologia. Também estão envolvidos alunos de mes-trado e de doutorado, responsáveis por tes-tar diferentes modelos.

Tais proteínas desempe-nham papeis essenciais nas células. São bastante comuns e conservadas na natureza.

PRoJETo: Administração oral de probiótico como alternativa terapêutica imuno-moduladora para a esclerose múltipla experimentalCooRDEnADoR: Ana Maria Caetano de FariaMoDALIDADE: Bolsa de Pós-DoutoradoVALoR: R$ 45.360,00

PRoJETo: Estratégias alternativas de imuno-modulação das doenças inflamatórias crônicasCooRDEnADoR: Ana Maria Caetano FariaEDITAL: Programa Núcleos de Excelên-cia (Pronex)VALoR: 490.000,00

Page 43: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 43

FIsI

OTE

RA

PIA

Vida longa aos joelhosEstudo avalia possíveis efeitos do método Pilates para tratamento da osteoartrose numa das partes do corpo mais comprometidas pela descarga de peso

Ana Luiza Gonçalves

Page 44: Revista Minas Faz Ciência

44 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

PRoJETo: Tratamento da osteoartrose de joelho pelo método PilatesMoDALIDADE: Demanda UniversalCooRDEnADoR: Marilene Mendes dos Santos VALoR: R$ 49.644

Atividades físicas são grandes alia-das da saúde. Algumas podem, até mes-mo, mudar a maneira como enxergamos a exaustiva e obrigatória rotina de exercícios. Um desses exemplos é o Pilates, prática idealizada pelo alemão Joseph Hubertus Pilates (1883-1967), durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O método se popularizou na década de 1990 e trabalha com técnica capaz de proporcionar benefí-cios à saúde física e mental. Exercícios me-lhoram a respiração, diminuem o estresse, desenvolvem o equilíbrio corporal, corri-gem a postura e realinham a musculatura, além de ajudar no tratamento de lesões. Quanto ao Pilates, a técnica é capaz de promover efeitos positivos, aliviando a dor e estimulando a diminuição da quantidade de medicamentos.

Mas o que dizer da atividade criada por Joseph Hubertus no tratamento de problemas nas articulações, que atin-gem grande número de adultos e idosos e acarretam dores constantes, incapaci-dade funcional e queda na qualidade de vida dos portadores? Um dos casos em que o método apresenta benefícios é o da osteoartrose, doença degenerativa, de caráter progressivo, responsável por mo-dificar não apenas a saúde, mas, também, a vida social do indivíduo. Além disso, a enfermidade conta duas classificações: na primária, a causa da lesão é desconhecida e ocorre de acordo com o avanço da idade e a sobrecarga exercida nas articulações. Na secundária, o fator inicial é identificado. Trata-se de infecções ou traumatismos ar-ticulares, doenças inflamatórias ou hemor-rágicas, entre outros problemas.

A afecção pode acometer várias partes do corpo, inclusive o joelho, a ar-ticulação com descarga de peso mais comprometida. Considerado deficiência de mobilidade, o distúrbio atinge em torno de 85% da população até 64 anos, sendo que, aos 85, é universal e pode afetar as ativida-des cotidianas de quem tem a doença.

Apesar dos possíveis benefícios do Pilates, não existe, ainda, qualquer evi-dência científica em relação aos efeitos da técnica. O projeto “Tratamento da os-

teoartrose de joelho pelo método Pilates”, das pesquisadoras Marilene Mendes dos Santos e Marina Aparecida Gonçalves Pe-reira, da Pontícia Universidade Católica de Poços de Caldas, partiu da necessidade de se investigar a aplicabilidade do método na população que se encontra em processo de envelhecimento.

O objetivo é verificar a efetividade do Pilates no tratamento da dor, assim como no desenvolvimento da capacidade funcional e do equilíbrio e no aumento da qualidade de vida. O estudo tem o desa-fio de inserir o método na comunidade e estabelecer parceria entre o sistema de saúde local e a universidade, para que o paciente seja encaminhado, com mais facilidade, ao serviço de Fisioterapia, e direcionado ao projeto.

EtapasO projeto é um ensaio clínico, no

qual os participantes selecionados se-rão divididos em dois grupos: o primeiro destina-se a pacientes que farão 20 ses-sões, duas vezes por semana, do método Pilates. O segundo inclui participantes que não receberão intervenção. Ao todo, nove desfechos são avaliados: dor, capacidade funcional, qualidade de vida, rigidez arti-cular matinal, amplitude de movimento, equilíbrio, presença de edema, trofismo muscular, flexibilidade muscular, ingestão de medicação para dor.

Juntamente às pesquisadoras, três alunos voluntários e um bolsista avaliam os pacientes em três momentos: antes, após e três meses depois do término do tratamento. Marilene Santos diz que ainda não é possível avaliar os resultados, já que o projeto teve início em agosto de 2013. Os pacientes em atendimento, contudo, já apresentaram relatos e expectativas de melhoria. “Acreditávamos que poderia ser possível um resultado em termos de alí-vio da dor e melhoria da função, mas não pensávamos que seriam descritos, pelos pacientes, após a realização de poucas sessões”, conta.

Com o processo de envelhecimento e o aumento da expectativa de vida, muitos

idosos têm buscado clínicas e academias para praticar a atividade, sem conhecer o estado geral de saúde ou identificar a presença de doenças. Pesquisar essa in-tervenção é uma necessidade para sua aplicação adequada e segura.

Se comparado à Fisioterapia, o Pilates tem equipamentos e maneiras diferenciadas de realizar as atividades para o tratamento de osteoartrose. As duas formas de interven-ção, contudo, podem ser complementares. O método se apresenta como um exercício terapêutico e busca a redução da dor, da ri-gidez e da flexibilidade, além da diminuição da incapacidade funcional, enquanto a Fi-sioterapia usa outras modalidades terapêu-ticas, como laser, ultrassom, ondas curtas, massoterapia e terapia manual.

Marilene Santos alerta, ainda, que é importante aos profissionais de Pilates – seja no processo de prevenção ou reabi-litação – ter formação especializada, para que os princípios do método propostos pelo criador sejam respeitados. “Fatores como concentração, controle, centragem, respiração diafragmática, leveza e pre-cisão, entre outros, são os princípios a diferenciar o Pilates de outras formas de intervenção. Daí a importância de estudos para investigar seus efeitos”, conta.

Page 45: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 45

LEM

BR

A D

EssA

?super herói por acasoPesquisadores da Ufla e da Epamig investigam ação de fungo que, de modo imprevisto, combate microrganismos nocivos ao café

William Ferraz

Saboroso e famoso – em função de sua eficácia como estimulante natural –, o café caiu no gosto de milhões de pesso-as, a ponto de se tornar uma das bebidas mais consumidas em todo o mundo. Neste ponto, curioso ressaltar que não apenas os humanos a apreciam: o fruto do cafeeiro também é alvo de diversas espécies de microrganismos, que o atacam e prejudi-cam a formação e a qualidade dos grãos. Tal realidade, entretanto, está em vias de mudança, devido, em grande parte, à des-coberta do Claridosporium claridospoides, fungo ao qual estão atribuídas bebidas de boa qualidade.

A espécie foi encontrada em 1989, durante investigações realizadas, conjun-tamente, por pesquisadores da Universida-de Federal de Lavras (Ufla) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que buscavam compreender a influência de microrganismos sobre a qua-lidade do café. Sob coordenação de Sara Maria Chalfoun, doutora em Fitotecnia e ligada à Epamig, a equipe detectou que po-deria explorar as propriedades do C. cla-ridospoides como agente antagonista aos fungos deletérios à qualidade da planta.

“Percebemos que o Claridosporium apresentava ação antibiótica em favor dos frutos, uma vez que ele hiperparasita os demais microrganismos que atacam o carpo e o danificam, comprometendo a for-mação e a qualidade dos grãos”, explica a coordenadora. Foi o início de um trabalho revolucionário para a indústria cafeeira, abordado em reportagem da edição nº 39 de MINAS FAZ CIÊNCIA.

Os pesquisadores desenvolveram métodos para isolar o fungo, que, culti-vado em laboratório, seria adaptado para aplicação em plantações de café, em forma de biodefensivo. Devidamente patenteado, o produto está em processo de registro comercial, mas já encontra terreno para aplicações, em regime de teste, nas lavou-ras de todo o Estado. “O produto consiste de uma suspensão concentrada do fungo, purificado e multiplicado, inoculada em água e agregada à substância que confere aderência ao produto”, explica Chalfoun. O produto não recebe aditivos químicos em sua composição.

De acordo com a pesquisadora, além de melhor paladar, o café cultivado com o bioprotetor, em lugar de fitossanitários, adquire características mais saudáveis. “O fungo não produz toxinas, nem deixa ves-tígios de substâncias nocivas. Ademais, o Claridosporium só atua durante o período de frutificação. Na secagem dos grãos, o fungo é completamente eliminado”. Ou-tra vantagem é a proteção do grão nessa fase, período em que não se recomenda a aplicação de defensivos, devido ao risco de absorção. O grupo se dedica, ainda, a estudos que visam a adequação ambiental para melhor acomodar o fungo e possibili-tar sua reprodução natural.

Linhas de pesquisa A base de conhecimento adquiri-

da pela equipe ramificou-se em diversas outras pesquisas de natureza similar. Um desses produtos busca inibir a formação

de mucilagem, substância gelatinosa que se forma no invólucro do grão e favorece a fermentação. “O produto é composto por enzimas fúngicas capazes de metabolizar a pectina, maior componente da subs-tância”, esclarece Sara Chalfoun. Outro produto em fase de desenvolvimento é o bioinseticida. Seu alvo é a broca-do-café, uma das piores vilãs da indústria cafeeira no Brasil, para a qual ainda não existem defensivos em circulação no mercado. A pesquisa em andamento visa a seleção de organismos com potencial para produção de quitinase, metabólico apto a degradar a quitina, principal componente do exoes-queleto da espécie.

Além destes produtos, a equipe tra-balha no desenvolvimento de um solubili-zador de fosfato, substância indispensável ao bom funcionamento do metabolismo vegetal. “Geralmente, o fosfato é abundan-te no solo onde o café é cultivado, mas, em estado sólido, revela-se impróprio à ab-sorção pela planta. Nosso produto atua no sentido de torná-lo disponível para o cafe-eiro”, afirma a pesquisadora. Os mais re-centes estudos tratam do desenvolvimento de biofiltros, que, com incorporação de determinados fungos emissores de cargas voltaicas, promovem a retenção de resídu-os metálicos encontrados na composição de fitossanitários e que podem contaminar as lavouras. “Atualmente, safras do café sofrem significativas reduções mediante a detecção de resíduos metálicos nos grãos, que devem ser descartados”, completa.

Page 46: Revista Minas Faz Ciência

46 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

2

13

45

5 P

ERG

UN

TAs

PAR

A..

. sidarta Tollendal Gomes Ribeiro Dedicado, especialmente, à investigação dos mecanismos moleculares, celulares e psicológicos

responsáveis pelo papel cognitivo do sono – assim como ao estudo da comunicação vocal e da competência simbólica em animais –, o neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro é professor

titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2005, após se destacar como pesquisador nos Estados Unidos, ajudou a fundar o Instituto Internacional de Neurociências de

Natal Edmond e Lily Safra, instituição vinculada à UFRN e da qual tornou-se o primeiro diretor. Em 2011, colaborou, na mesma Universidade, com a criação do Instituto do Cérebro, por ele dirigido

atualmente. Em setembro, com apoio da FAPEMIG, Sidarta esteve em Belo Horizonte para participar da 3ª Semana Internacional de Neurociências da Universidade Federal de Minas Gerais e do 37º

Congresso da Sociedade Brasileira de Neurociências.

Marcus Vinicius dos Santos

o senhor diria que as neurociências sejam uma ponte para fazer avançar a educação?

Certamente! Neurociências e Edu-cação são disciplinas que se comunicam através da psicologia cognitiva. Existe crescente interesse nessa interface, pois a desigualdade educacional do planeta é um tema urgente. As neurociências têm muito a contribuir, por exemplo, no que diz respeito à identificação precoce de déficits percep-tuais, motores e cognitivos que possam ser remediados por intervenções pedagógicas ou psicológicas. Contribuem bastante, ainda, com a investigação das condições fisiológicas necessárias ao aprendizado, como sono, nutrição e exercícios físicos. Para se ter uma ideia, distúrbios de sono são muito comuns em doenças psiquiá-tricas ou neurodegenerativas, o que inclui Parkinsonismo, TDAH, epilepsia, Alzhei-mer, dentre outras enfermidades.

Enquanto dormimos, nosso organismo trabalha numa espécie de manutenção geral e na organização da memória?

A última década assistiu a aumento expressivo da produção científica dedicada à relação entre sono e aprendizado. Hoje, sabemos que o sono favorece a consolida-ção, a propagação e a reestruturação de me-mórias, propiciando geração de insights e

esquecimento seletivo. Muito recentemente, descobriu-se que não apenas o sono, mas também o sonho favorece o aprendizado. Há poucos meses, foi publicado um estudo que apresenta a primeira demonstração de que é possível decodificar o conteúdo onírico apenas com base no sinal neural obtido por ressonância magnética funcional. O estudo da relação entre sono, sonho e aprendizado nunca foi tão promissor.

Existe relação conhecida entre os re-sultados das pesquisas de sua área e a teoria de Sigmund Freud?

Bastante, sobretudo no que se refere ao conceito freudiano de resto diurno e ao papel da emoção na codificação e na conso-lidação de traços de memória. Outras áreas da Neurociência também têm encontrado pontos de contato com a Psicanálise, como a descoberta de mecanismos cerebrais en-volvidos na supressão de memórias. Tem ficado cada vez mais claro que a obra de Freud constitui fértil programa de pesquisa para as neurociências do século XXI.

o abuso de drogas tem alguma relação com todo esse processo?

É preciso distinguir uso de abuso. O uso de drogas é intrínseco a todas as culturas humanas. O abuso decorre de propensões genéticas, bem como do contexto social.

Tenho participado do debate público sobre legalização e regulamentação de todas as drogas por entender que o “proibicionismo” desprotege tanto os usuários não-problemá-ticos como os abusadores que necessitam de suporte médico e psicoterápico.

o senhor integrou um grande centro de pesquisa dos Estados Unidos e, há 8 anos, está de volta ao Brasil. numa comparação entre as duas culturas, o que dizer dos campos da ética e da co-laboração científica? Alguma sugestão para os pesquisadores nacionais?

Vivi 11 anos nos EUA e trabalhei em duas instituições de ponta em pesquisa científica [Rockefeller University e Duke University]. Os Estados Unidos são o epicentro da ciência mundial, que hoje se caracteriza pelo avanço acelerado do co-nhecimento e das técnicas experimentais, por muitas colaborações internacionais, pelo papel cada vez mais decisivo da in-dústria e pela competição exacerbada, que, por vezes, chega a ser prejudicial à verdade científica e à formação de recursos huma-nos. Acredito que os pesquisadores brasi-leiros precisam focar menos na quantidade e mais na qualidade da produção científica, almejando maior inserção na competição científica de alto nível, e, ao mesmo tempo, cuidando para não perder a bússola moral.

Page 47: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 47

LEIT

UR

As

Define-se saúde como uma medida da capacidade de realização de aspirações e da satisfação das necessidades, e não simples-mente como a ausência de doenças. A maioria dos idosos apresenta doenças ou disfunções orgânicas que, na maioria das vezes, não es-tão associadas à limitação das atividades ou à restrição da participação social. [...] O foco da saúde está estritamente relacionado à funcio-nalidade global do indivíduo, definida como a capacidade de gerir a própria vida ou cuidar de si mesmo.

Em nome do bom envelhecer

LIVRO: Neuropsicologia do envelhecimento: uma abordagem multidimensionalORGANIZADORES: Leandro F. Malloy-Diniz; Daniel Fuentes; Ramon M. Cosenza EDITORA: ArtmedPáGINAS: 456ANO: 2013

LIVRO: A paisagem moral: como a ciência pode determinar os valores humanosAUTORES: Sam HarrisTRADUçãO: Claudio AngeloEDITORA: Companhia das LetrasTÍTULO ORIGINAL: The moral landscape: how science can determine human values PáGINAS: 154ANO: 2013

A neuropsicologia é um campo do conhecimento que busca estabelecer as relações entre o cérebro e o comporta-mento humano. Malloy, Fuentes e Cosen-za, professores universitários e referên-cias nacionais no assunto, organizaram, nas cinco partes deste livro, uma espécie de guia multidisciplinar das bases para a melhor compreensão das alterações mais comuns no processo do envelhecer: “Aspectos do envelhecimento”, “Funções cognitivas nos idosos”, “Avaliação mul-tidimensional em idosos”, “Estimulação cognitiva e plasticidade cerebral” e “En-velhecimento saudável”.

Com apoio da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, a obra conta com a colaboração de 43 profissionais, de varia-das formações, instituições e regiões do

Certas obras revelam-se polêmicas devido à profusão de verdades absolutas (leia-se: “máximas construídas sob a luz da retórica”) acerca da vida, do tempo, dos homens. Bem diferentes são as publica-ções cuja capacidade de polemizar nasce do talento do autor em retirar os leitores de suas muitas zonas de conforto. Com bas-tante facilidade, é possível enquadrar, nes-ta (fértil) categoria, este importante livro de Sam Harris, filósofo norte-americano com doutorado em Neurociência.

Por meio de escrita provocante, sa-borosa e informativa, o crítico – hoje um dos principais expoentes do chamado “Novo Ateísmo” – recorre à ciência para revelar o quanto há de “cerebral” nas ações morais do homem. No livro, o autor bus-ca demolir, com o auxílio de exemplos

Brasil, ativos no ensino e na pesquisa des-sa área. O livro apresenta, ainda – em texto complementar –, uma metodologia de es-tudo de caso, com delineamento estatísti-co, que permite comparar o desempenho de uma pessoa com grupos de controle. Tal procedimento dirige-se a profissionais envolvidos com avaliação de idosos.

As (mil) razões da moral

os mais diversos, os muros a distanciar fatos científicos de valores humanos. No que tange às entidades metafísicas, dese-ja mostrar o quão desnecessário seria a presença de um “deus” a traçar definições sobre, por exemplo, o “bem” e o “mal”.É claro que vamos ter de encarar aqui

algumas velhas divergências sobre a própria existência de algo como uma verdade moral: as pessoas que extraem da religião sua visão de mundo geralmente acreditam que verdades morais existam, mas só porque Deus as coseu no próprio tecido da realidade; as pessoas que não partilham dessa fé tendem a achar que as noções de ‘bem’ e ‘mal’ devem ser produtos de pressão evolutiva e intervenção cultural. No pri-meiro caso, falar de ‘verdade moral’ significa, necessariamente, invocar Deus; no segundo, trata-se apenas de dar voz a nossos instintos primatas, nossos vieses culturais e nossa con-fusão filosófica.

Page 48: Revista Minas Faz Ciência

Rotina e obrigações sobrecarregam nossa mente. Em consequência, as células cere-brais se agitam, gerando toxinas que se acumulam no órgão. Durante o sono é que as cé-lulas nervosas relaxam, diminuem o volume e abrem espaço para que as impurezas sejam varridas para fora. A constatação foi verificada após experimento feito com roedores, no laboratório de cientistas da Universidade de Rochester, nos EUA, que mostrou que o sono é essencial para essa limpeza.

Acumular detritos faz parte do funcionamento normal do cérebro. Porém, à medida que aumentam, os neurônios passam a não funcionar corretamente. Em algum momento do dia, essas substâncias precisam ser eliminadas. Quer saber como isso acontece? Leia mais no blog do projeto Minas faz Ciência: http://fapemig.wordpress.com

No Brasil, 48 milhões de cães e ga-tos circulam em residências, ruas e telha-dos. De acordo com informações de ins-tituições veterinárias, trata-se da segunda maior população do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Tal realidade, contu-do, nem sempre é animadora. Grande par-te desses animais encontra-se em situação de abandono. Além disso, de acordo com pesquisadores de saúde e comportamento animal, muitos deles já tiveram um lar, e acabam nas ruas por crescer demais, gerar despesas ou, de algum modo, incomodar os donos.

Com o propósito de reverter esse quadro, pesquisadores da escola de Vete-rinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) criaram o projeto de exten-

são Ação Global Homem Animal (Agha). Grande parte do trabalho se concentra na esterilização dos animais e na conscienti-zação e orientação dos proprietários quan-to aos cuidados necessários para com seus bichos de estimação.

O programa Ciência no Ar mostra um pouco do trabalho realizado pela equipe, por meio de bate-papo com a professora Daniela Ferreira, uma das responsáveis pelo projeto.

hIP

ER

LIN

k

FAXINA NOTURNA

CIêNCIA NO AR

PELUDOs sOB CONTROLE

Para acessar, fotografe o código ao lado com um aplicativo leitor de QR code em seu smartphone.

48 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

Page 49: Revista Minas Faz Ciência

Antidepressivos em estrofes? Estudos conduzidos por especialistas em Ciência, Psico-logia e Literatura da Universidade de Liverpool indicam que a poesia pode ser mais eficaz do que livros de autoajuda, pois estimula a mente. Cerca de 30 voluntários tiveram a atividade cerebral monitorada ao lerem trechos de clássicos literários. Em seguida, traduziram-se as mesmas passagens a uma linguagem familiar.

Os voluntários, então, foram desafiados à leitura de obras de autores renomados, como Henry Vaughan, John Donne, Elizabeth Barrett Browning e Philip Larkin. Durante os testes, os pesquisadores concluíram que a parte do cérebro observada dispara quando o leitor se depara com expressões e palavras incomuns e frases com entendimento mais complexo, fato que não se percebe quando o trecho lido está num vocabulário mais acessível.

Constelações, estrelas, planetas e demais corpos celestes: o que os dife-rencia? Debates sobre o Cosmos levam muitos a recordar um trecho do longa--metragem O rei leão, lançado, em 1994, pela Walt Disney Pictures. Durante a anima-ção, Timão, um suricato metido a esperto, descreve, cheio de razão, o que são estrelas. De seu ponto de vista, trata-se de “vagalu-mes que ficaram grudados naquela coisa azul escura, lá em cima”. Mas e os as-trônomos, o que dizem a respeito? Esta explicação você encontra, no programa Ondas da Ciência, ao ouvir a entrevista com o físico Leonardo Marques Soares, especialista em Astronomia e doutoran-

do em Educação, além de coordenador do Núcleo de Astronomia do Espaço do Conhecimento UFMG.

Além de definições acerca dos ob-jetos celestes, o programa aborda um tema bem peculiar: a influência das raízes culturais na forma como interpretamos o espaço. Não perca esta conversa!

VERsOs QUE CURAM

ONDAs DA CIêNCIA

DOs AsTROs AO PODCAsT

Para acessar, fotografe o código ao lado com um aplicativo leitor de QR code em seu smartphone.

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 49

Page 50: Revista Minas Faz Ciência

50 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013

VA

RA

LA

abelh

a Eu

laem

a ni

grita

– e

spéc

ie id

entif

icada

pelo

pes

quisa

dor R

afael

Mar

tins,

do L

abor

atório

de

Biod

ivers

idad

e da

Uni

vers

idad

e Fe

dera

l de

Ouro

Pre

to (U

fop)

– é

fo

togr

afada

no

mom

ento

em

que

extr

ai né

ctar d

e um

a flo

r de

ipê

amar

elo, c

om a

pro

bósc

ide

(líng

ua) a

inda

par

a fo

ra. A

cen

a fo

i reg

istra

da d

uran

te ex

pedi

ção

ao P

arqu

e Na

ciona

l Cha

pada

dos

Vea

deiro

s, no

mun

icípi

o de

Alto

Par

aíso

de G

oiás

(GO)

pela

bió

loga

Éric

a Mun

hoz.

Érica

Mun

hoz

Page 51: Revista Minas Faz Ciência

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013 51

Page 52: Revista Minas Faz Ciência

52 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/OUT/NOV 2013