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Doença de chagas - Repelente - Redes neurais -Eucalipto - Leishmaniose

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Metodologia desenvolvida por pesquisa-dores da Hemominas permite o diagnós-tico da alfa-talassemia, um tipo de anemia hereditária, e o aconselhamento genético dos pacientes.

Tecnologia de produção e tratamento de gemas de quartzo resulta em produtos com alto valor agregado e maior com-petitividade das empresas mineiras nesse mercado.

Com recursos do Pappe, empresa da Zona da Mata mineira desenvolve um sistema ecológico integrado de tratamento de águas residuárias da suinocultura, atividade com alto impacto ambiental.

Trabalhos desenvolvidos na Ufla analisam a aplicação e a resistência da madeira de eucalipto e de seus resíduos para finali-dades alternativas, como a produção de pisos ou o artesanato.

Pesquisa investiga os sistemas ópticos inteligentes, capazes de detectar e corri-gir, em tempo real, imperfeições em um sistema óptico, como o telescópio ou o próprio olho humano.

Sumário

No centenário da descoberta da doença, pesquisadores falam sobre os avanços no diagnóstico, controle e tratamento, além dos desafios que ainda persistem para sua erradicação.

Doença de Chagas

Leishmaniose

Própolis

Redes neurais

Eucalipto

Túnel de vento

6 32

36

39

42

44

4628

50

12

16

20

24

29

Grupo interinstitucional estuda como a doença se manifesta e desenvolve em cães, principal hospedeiro do parasita, e investiga formas de estabelecer um con-trole eficaz da epidemia.

Trabalho aponta eficácia da própolis no tratamento de cáries e outras doenças bucais e abre caminho para o desenvolvi-mento de novos produtos a base da subs-tância.

Equipamento instalado na UFMG, o único de Minas Gerais, permitirá a realização de testes e o estudo dos efeitos do movimen-to do ar em equipamentos e produtos.

Trabalho que envolveu professores, estudan-tes e agricultores de Caratinga (MG), resul-ta em fórmula de repelente contra a mosca branca, principal praga do tomateiro.

Repelente

Suinocultura

Singema

Anemia

Acervos paroquiais

Especial

Projeto reúne e digitaliza acervos de 23 paróquias pertencentes à Arquidiocese de Belo Horizonte com o objetivo de facilitar o acesso e incentivar pesquisas.

Ainda em 2009, começarão a funcionar em Minas Gerais os 13 Institutos de Ciência e Tecnologia aprovados no edital conjunto do CNPq e das Fundações de Amparo à Pesquisa.

Alunos da Fundação Educacional de Mon-tes Claros dão continuidade ao projeto que prevê a análise de bactérias e fungos presentes nas escovas dentais.

Lembra dessa?

Confira entrevista com José Israel Vargas, pesquisador que ocupou diversos cargos im-portantes no país e no exterior e contribuiu para definir a política científica brasileira.

Cientistas brasileiros

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteú-do é permitida, desde que citada a fonte.

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

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MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 20094

ExpedienteAo leitor

MINAS FAZ CIÊNCIAAssessora de Comunicação Social e Editora: Vanessa Fagundes (MG-07453/JP)Redação: Vanessa Fagundes, Ariadne Lima (MG-09211/JP), Patrícia Teixeira), Juliana Saragá e Raquel Emanuelle Dores (estagiárias)Colaboração: Guilherme Amorim e Virgínia FonsecaIlustrações: Bruno VieiraRevisão: Aline LuzProjeto gráfico/Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Lastro EditoraTiragem: 15.000 exemplaresFotos: Lucas Prates, Marcelo Focado e Thaiane AndradeAgradecimentos - Agradecemos a todos os colaboradores desta publicaçãoRedação - Rua Raul Pompeia, 101 - 11.º andarSão Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Aécio Neves

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Alberto Duque Portugal

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor Científico: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte PereiraConselho Curador:Presidente: Paulo Sérgio Lacerda BeirãoMembros: Afonso Henriques BorgesAnna Bárbara de Freitas ProiettiEvaldo Ferreira VilelaFrancisco Sales HortaGiana MarcelliniJoão Francisco de AbreuJosé Cláudio Junqueira RibeiroJosé Luiz Resende PereiraMagno Antônio Patto RamalhoPaulo César Gonçalves de AlmeidaValder Steffen Júnior

Capa: Minas de olho no céuFoto: www.sxc.huset. a nov./2008

Em abril de 1909, o pesquisador mineiro Carlos Chagas anunciou ao mun-do a descoberta de uma nova doença humana. A partir de observações e estudos realizados na cidade de Lassance, no Norte de Minas Gerais, ele identificou não apenas uma nova moléstia, mas também o seu agente (o pro-tozoário Tripanossoma cruzi) e o seu vetor (o barbeiro). A “tripla descoberta” de Chagas é considerada um marco na história da ciência e da saúde brasi-leiras.

Hoje, um século depois sua identificação, a doença de Chagas permanece como um grave problema de saúde pública. Pelo menos dezoito países são considerados endêmicos, sendo a América Latina a região mais afetada. No Brasil, a enfermidade é a quarta causa de morte entre as doenças infecto-para-sitárias e cerca de três milhões de pessoas estão contaminadas. O tratamento evoluiu pouco e causam preocupação as novas formas de transmissão da do-ença, como os casos registrados em 2008 no Pará de transmissão via oral.

Para esta edição, a MINAS FAZ CIÊNCIA preparou uma grande repor-tagem sobre os avanços e os desafios para o controle efetivo da doença de Chagas. A equipe pesquisou textos históricos, buscou dados e consultou especialistas de diferentes centros de pesquisa para construir o cenário atual da área. Encontrou trabalhos de ponta, necessidades urgentes e denúncias, como a crescente diminuição de prioridade desta doença para o governo e as faculdades de medicina.

Este número traz também reportagem sobre um trabalho desenvolvido na cidade de Caratinga (MG), que reúne todas as etapas do desenvolvimento científico. Um professor rural, uma professora universitária e um grupo de alunos empreendedores desenvolveram uma fórmula para combater a mosca branca, principal praga da cultura do tomate. O inseticida natural, que não prejudica o meio ambiente, rendeu à equipe a patente do produto que, em breve, deve começar a ser comercializado.

A criatividade e o cuidado com a natureza também são características de dois projetos desenvolvidos na Universidade Federal de Lavras, que buscam aproveitar os rejeitos da madeira de eucalipto. Os estudos mostram que ela, até então considerada uma madeira de qualidade inferior, pode ser usada para a confecção de pisos e objetos artesanais, sem dever em nada nos quesitos resistência e durabilidade. Além de diminuir o volume de material descartado, os usos alternativos funcionam como fonte de renda para diversas famílias.

Não deixe de conferir, ainda, o trabalho de um grupo interinstitucional para controle da leishmaniose canina. Hoje, para evitar que a contaminação de humanos, uma das medidas adotadas pelos órgãos de vigilância sanitária é o extermínio dos cães contaminados, principal reservatório da doença. A equipe realiza diversas pesquisas a fim de conhecer melhor o parasita e desenvolver uma vacina eficaz, capaz de imunizar os animais e eliminar a transmissão da doença. Leia também as reportagens sobre o primeiro túnel de vento de Minas Gerais, as possibilidades abertas pela pesquisa com redes neurais e as vantagens da tecnologia para obtenção de quartzos coloridos em laboratório, mais valorizados no mercado.

Por fim, uma novidade. A seção “Quem foi?” dá lugar à “Cientistas brasi-leiros”. Com isso, além das biografias de importantes pesquisadores, serão publicadas também pequenas entrevistas com pessoas que ajudaram (e ainda ajudam) a escrever a história da ciência e tecnologia brasileiras. O escolhido para o primeiro número é o professor José Israel Vargas, químico, pesquisa-dor na área de energia nuclear, ex-secretário de ciência e tecnologia de Minas Gerais e ex-ministro de C&T nas gestões de Itamar Franco e Fernando Hen-rique Cardoso. A partir da experiência obtida em décadas de atuação na área, ele dá sua opinião sobre os rumos atuais da ciência e tecnologia.

Boa leitura!

Vanessa FagundesEditora

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5MINAS FAZ CIÊNCIA - DEZ. /2008 A FEV. / 2009

Cartas

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua

Raul Pompéia, 101 - 11.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

“Recentemente, tive o prazer de conhecer a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Fiquei ad-mirada pela qualidade técnica e pelo conte-údo geral informativo de suas publicações. As matérias têm uma linguagem acessível, são muito bem ilustradas e abordam vá-rias áreas do conhecimento. Devo dizer que estou encantada com o material que é de grande ajuda para os estudantes e a população de modo geral. Gostaria de parabenizá-los pelo belíssimo trabalho.”

Dayse Lorena Fiuza [email protected]

“Gostaria de parabenizar primeiramente por essa imensa contribuição que vocês da revista MINAS FAZ CIÊNCIA têm dado a mim e a minha família, pois já recebo a publicação em casa há um bom tempo. Todos nós lemos e adoramos os conteúdos sempre muito bem editados. Esperamos que continuem com esse trabalho rico em

educação, procurando sempre informar aos leitores sobre diversos assuntos. Mais uma vez agradeço e espero continuar recebendo essa maravilhosa revista.”

Luiz Fabiano Alves de AssunçãoPedro Leopoldo/MG

“Olá! Sou acadêmica do curso de Fisiotera-pia do Uniceuma. Ganhei uma revista MINAS FAZ CIÊNCIA e gostei muito. As matérias são bem ecléticas e fiquei bastante interessada em recebê-la.Gostaria de parabenizá-los pelo elevado padrão das matérias publicadas. Aguardo ansiosa!”

Pollyana FerreiraEstudante/ Uniceuma

São Luís/MA

“Sou acadêmico do curso de Agronomia, re-gularmente matriculado no último ano. Tive a oportunidade de ler a revista MINAS FAZ CI-ÊNCIA e de imediato gostei dos artigos publi-cados. Durante a graduação, sempre realizei projetos de iniciação científica com os grupos de pesquisa da Universidade e, por esse mo-tivo, gostaria de receber a revista, que será de grande importância para a minha formação profissional.”

Daniel Luiz Moura de SouzaEstudante de Agronomia / Universidade

Estadual de GoiásPirenópolis/GO

“A cada nova edição a MINAS FAZ CIÊNCIA me impressiona ainda mais. Matérias que têm me ajudado bastante no curso de Química. Mesmo morando no interior da Bahia, sempre recebo minha revista. Parabéns a todos que tornam concreta cada edição.”

Ricardo AlexandrinoEstudante

Itabuna / BA

“Primeiramente, gostaria de parabenizar toda a equipe da revista MINAS FAZ CIÊNCIA pela excelente revista. Comecei a recebê-la duran-te a minha graduação em Ciências Biológicas e foram inúmeras vezes em que ela me aju-dou em trabalhos na universidade. Hoje, como pesquisadora, vejo a importância do apoio da FAPEMIG aos projetos desenvolvidos em nosso Estado e à divulgação destes para que outros

pesquisadores possam conhecer o que as instituições estão fazendo. Mais uma vez, parabéns a todos!”

Michelle Faria Alves Mestranda em Ciências Veterinárias/ Uni-

versidade Federal de Lavras (Ufla)Lavras/MG

“Gostaria de enviar meus cumprimentos a toda a equipe da publicação MINAS FAZ CIÊNCIA. Tive a honra de receber um exemplar e pude constatar o alto grau das pesquisas cientificas de Minas, fato que jul-go ser de extrema importância para jovens que, assim como eu, são novatos na acade-mia. Dessa forma, tomamos conhecimento de temas de relevância na atualidade, o que é essencial a nós que almejamos ser futuros pesquisadores.”

Gustavo SimãoEstudante /Universidade Federal de Viçosa

Viçosa/MG

“Com prazer, recebi a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Na condição de mineiro, hoje apo-sentado e residente em Brasília (DF), tenho desenvolvido alguns trabalhos de pesquisa, podendo assim afirmar o quanto me agra-dam os assuntos abordados pela revista. Es-pero continuar a ter o privilégio de ser um dos leitores de tão importante publicação.”

Rubens José de Sant’AnnaEngenheiro

Brasília / DF

“Quero agradecer ao pessoal da MINAS FAZ CIÊNCIA pelas excelentes revistas que venho recebendo desde 2006 e também parabe-nizar pelo riquíssimo trabalho que é feito e pelas fantásticas matérias publicadas!”

Elaine Cristina de Oliveira Professora de Biologia

Manhuaçu/MG

“Tive hoje a oportunidade de conhecer essa revista que, por coincidência, será de uma grande utilidade para minha filha, que iniciou essa semana um curso técnico de Biotecnologia. Mesmo conhecendo agora, já se nota que é uma revista de qualidade, abrangendo assuntos muito interessantes.”

Tânya Regina C. ReisBelo Horizonte / MG

Publicação trimestral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIGnº 35 - set. a nov. / 2008

MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as car-tas enviadas à Redação podem ou não ser publicadas e, ainda, que se reserva o direi-to de editá-las, buscando não alterar o teor e preservar a idéia geral do texto.

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Especial

Em 1895, o mineiro Carlos Ribeiro Justiniano Chagas contrariou os dese-jos de sua mãe e abandonou a escola preparatória de engenharia para estu-dar medicina. Com certeza, Mariana Cândida Ribeiro Chagas não poderia imaginar que o filho realizaria uma descoberta que significou, segundo pesquisadores contemporâneos, um “mito glorificador da ciência brasilei-ra”, tornando-o um dos pesquisadores mais importantes da história.

A “tripla” descoberta de Chagas é considerada única na história da medi-cina: o mesmo pesquisador, em um cur-to período de tempo, descreveu uma nova doença infecciosa, descobriu seu agente etiológico (Trypanosoma cruzi) e caracterizou toda sua história natu-ral, inclusive com a identificação do vetor (barbeiro) e dos reservatórios silvestres. O feito constitui um marco da ciência e da saúde brasileiras.

“Carlos Chagas contribuiu forte-mente para o desenvolvimento dos estudos da doença nos primeiros vinte anos da descoberta, sendo o seu principal articulador, promotor e incentivador. Foi um pesquisador à frente de seu tempo e não ficou só no laboratório. Convocou a sociedade, as

Cem anosdepois...

autoridades sanitárias e a Presidência da República para enfrentar o proble-ma”, relata o médico e pesquisador João Carlos Pinto Dias, que atua na área de epidemiologia, clínica e con-trole da doença de Chagas no Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR) e também é membro do Comitê de Doenças Parasitárias da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A investigação de Chagas começou em 1908 e, já em 1911, o cientista ti-nha claros todos os aspectos da doen-ça, inclusive a questão social. Segundo Carlos Dias, este fato representou a capacidade de um país, recém saído de um império, de dar passos importantes na ciência. “Chagas fazia ciência voltada para o bem comum, para a coletividade e o progresso do país”, completa.

Para ele, podemos atribuir o feito a três capítulos fundamentais na vida do autor da descoberta: primeiro, o Carlos Chagas pesquisador, que soube identificar, investigar e entender todo o ciclo do parasita. Segundo, o Carlos Chagas médico, que soube entender a doença, seus aspectos clínicos e o pa-ciente. E, por último, o Carlos Chagas cidadão. “Um homem que proclamou o controle da doença como seu maior sonho. Antes de morrer, ele falava aos seus assistentes que o principal objeti-vo não era promover estudos profun-dos, mas sim acabar com a enfermida-de”, relata.

Dias fala não somente como um dos maiores especialistas na área, mas também como filho de um dos princi-pais assistentes de Chagas. Seu pai, o médico Emmanuel Dias, sobrinho de Oswaldo Cruz e afilhado de Carlos Chagas, foi um importante pesquisa-dor no reconhecimento e controle da doença de Chagas. De seu trabalho re-sultaram programas nacionais e regio-nais que reduziram significativamente a transmissão da doença.

Após um século da descoberta, doença de Chagas ainda é problema de saúde pública no Brasil

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Este ano, estão previstas várias atividades em comemoração ao cen-tenário. Entre elas, vários seminários e o Simpósio Internacional sobre a Do-ença de Chagas, que vai reunir espe-cialistas do mundo inteiro. Para mais informações sobre a doença e as ati-vidades que acontecerão durante este ano, dois sites foram disponibilizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fio-cruz): http://www.fiocruz.br/chagas e http://www.fiocruz.br/chagas100.

PrevalênciaA doença de Chagas crônica vol-

tou realmente a ser pesquisada na segunda metade dos anos 1940, a par-tir de trabalhos na zona endêmica de Bambuí realizados por Emmanuel Dias e colaboradores. Eles re-estudaram e sistematizaram a cardiopatia crôni-ca chagásica, tendo sido fundamental, para tanto, um preciso diagnóstico so-rológico.

Foi clássico o primeiro inquérito de larga escala realizado no início dos anos sessenta, em Minas Gerais. Uma extensa investigação sorológica esco-lar evidenciava importantes taxas de transmissão da doença. A ela, seguiram-se trabalhos similares em São Paulo, Nordeste, Rio Grande do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e, mais tarde, no Nor-deste e no Centro-Oeste. Mais tarde, investigações sistemáticas em Bambuí e São Paulo foram usadas pela primeira vez para medir o impacto de ações de controle, uma estratégia também apli-cada na Venezuela e na Argentina.

Com base nas evidências acumu-ladas, em meados de 1970, um gru-po de cientistas e sanitaristas, com o apoio do Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq), do Ministério da Saúde e da Universidade de São Paulo, en-tendendo ser altamente oportuna a realização de uma ampla pesquisa da tripanossomíase no Brasil, planejou e executou o Primeiro Inquérito Nacio-nal de Prevalência (INP) que teve pa-pel fundamental para a priorização do controle da endemia em nosso país.

A efetivação do INP resultou de uma progressiva articulação da co-munidade científica brasileira com as autoridades sanitárias durante os anos 1970. A doença de Chagas foi colocada na agenda das instituições, em termos de congressos, reuniões técnicas, in-centivo à pesquisa e publicações. Os resultados gerais do Inquérito foram

amplamente divulgados. Estimou-se para a população geral rural brasileira uma prevalência global de 4,2% de in-fecção pelo T. cruzi, com maiores taxas de prevalência em Minas Gerais e Rio Grande do Sul , seguido de Goiás, Dis-trito Federal e Sergipe.

Nos anos 1980, havia cerca de cinco milhões de chagásicos no Brasil com 100 mil casos novos a cada ano. Nessa época, o Ministério da Saúde, em decorrência do Primeiro Inquéri-to Nacional, priorizou o controle do transmissor e um intenso trabalho foi feito. Em 2006, quase 100 anos depois da descoberta da doença, o projeto de Emmanuel Dias, que era o mesmo de Carlos Chagas, alcançou seus objeti-vos com a certificação, pela Organiza-ção Panamericana de Saúde (Opas), da interrupção da transmissão pelo Tria-toma infestans no Brasil.

Hoje, a doença existe em pelo me-nos dezoito países endêmicos. Segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que haja cerca de 12 a 14 milhões de pessoas infectadas na América Latina. A doença de Chagas segue como problema de saúde pública por todos os países do continente, e sua distribuição cobre a América do Sul, incluindo Chile e Ar-gentina, até o sul dos Estados Unidos. A iniciativa dos países do Cone Sul em promoverem ações para controle do vetor foi bem sucedida, com a partici-pação da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. No entanto, Carlos Dias chama atenção para o fato de que tanto a iniciativa como sua persistência devem-se muito à participação ativa de cientistas ao manterem, junto aos go-vernos, a atenção voltada para o con-trole e prevenção da doença.

No Brasil, a doença de Chagas é a quarta causa de morte entre as do-enças infecto-parasitárias, sendo as faixas etárias mais atingidas acima de 45 anos. Existem cerca de três milhões de infectados no país e é nas grandes cidades que se concentram os pacien-tes, especialmente na região Sudeste.

A Amazônia é outra preocupação. O principal transmissor (Triatoma in-fenstans) foi controlado e eliminado no país, mas ainda existem cerca de doze espécies de barbeiros silvestres que invadem as casas e podem refazer este ciclo doméstico. “Na Floresta Amazô-nica, os barbeiros eventualmente inva-dem as casas e transmitem a doença, mas o que acontece frequentemente

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é que eles caem na comida ou no suco artesanal, transmitindo a doença por via oral. Como aconte-ceu recentemente a contaminação da cana-de-açú-car em Santa Catarina”, explica o pesquisador.

Segundo Dias, na pesquisa, o desafio é encontrar drogas melhores e encontrar um marcador eficien-te de cura. “Hoje, muitos pacientes já foram curados há anos e só depois de muito tempo é que desco-brem isso”, diz. Do mesmo modo, se faz necessário um marcador para identificar a doença congênita nos filhos de mães chagásicas. “Assim, será possível saber logo no teste do pezinho se a criança possui a doença e iniciar imediatamente o tratamento. Exis-tem casos em que nem a mãe sabe que é portadora. Seria ideal também fazer esta sorologia nas gestan-tes. No Uruguai, por exemplo, isto já é lei”, conta.

Para ele, o país também precisa difundir conhe-cimentos, tratar os doentes e, principalmente, man-ter a vigilância. Além disso, o controle dos bancos de sangue deve continuar durante pelo menos 20 anos. Dias acredita que, durante esse período, a doença de Chagas precisará ser um objeto de atenção nas universidades, centros de pesquisas e de saúde.

FormasBasicamente, a doença de Chagas se manifesta

de três formas diferentes: cardíaca, digestiva e ner-vosa (que podem ocorrer juntas ou isoladamente). A forma cardíaca ataca o coração, destruindo a rede de neurônios que inerva o órgão, podendo levar à arritmia e, em casos mais graves, à morte. A forma digestiva causa a dilatação do colo e do esôfago, fa-zendo com que o paciente tenha dificuldades para comer e haja alteração do funcionamento do intes-tino. A forma nervosa é a mais grave da doença, pois há comprometimento do sistema nervoso e os sin-tomas são semelhantes aos de um tumor cerebral.

Segundo a bióloga e pesquisadora da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG), Andréa Mace-do, essa forma da doença é mais comum em pacien-tes que apresentam supressão imunológica, como portadores do vírus HIV e transplantados. “Uma hipótese é que, nesses casos, o Trypanossoma cruzi já estava presente, porém controlado, e quando há a diminuição da resposta imunológica, ele se manifes-ta, muitas das vezes, na forma nervosa”, observa.

Há também a doença de Chagas congênita, trans-mitida da mãe para o bebê em gestação, mas sua incidência é baixa, cerca de 1% no Brasil. Em Minas Gerais, o número é ainda menor; em torno de 0,1%. “Hoje, as mulheres portadoras da doença estão fi-cando cada vez mais velhas, pois ela foi controlada nos anos 90. Podemos dizer que, de vinte anos pra cá, poucas mulheres foram contaminadas e a cada ano o número de mulheres chagásicas tem diminuído. A tendência é zerar”, prevê João Carlos Pinto Dias.

Andréa Macedo estuda, principalmente, os as-pectos genéticos associados à doença de Chagas, mais especificamente relacionados ao parasita. Ela explica que o Trypanossoma cruzi possui diferen-tes formas, chamadas de “cepas” ou “populações”. A diferença está principalmente no DNA de cada

uma, que determina seu comportamento biológico e sua resistência a medicamentos. As cepas podem ser agrupadas em linhagens. Há dez anos, nas come-morações dos 90 anos de descoberta da doença de Chagas, foram reconhecidas oficialmente duas linha-gens principais: Trypanossoma cruzi 1 e Trypanossoma cruzi 2.

Os pesquisadores, no entanto, começaram a identificar cepas cujas características não se encai-xavam em nenhuma das duas linhagens oficiais. As evidências são de que haja uma terceira linhagem, proposta há dois anos pelo grupo do Laboratório de Genética Bioquímica da UFMG, do qual Andréa Macedo faz parte. “Caracterizamos essa terceira li-nhagem e a chamamos de Trypanossoma cruzi 3”, diz. A pesquisadora adianta que, nas comemorações do centenário, um grupo se reunirá para oficializar a nomenclatura a ser utilizada para as linhagens.

A equipe da UFMG também acredita que diferen-tes cepas provocam diferentes reações no organismo. Uma das hipóteses, inclusive, é de que nem toda cepa cause a doença de Chagas. Outra idéia indica que há associação das linhagens com as formas clínicas da doença. Para Macedo, essa é uma questão de gran-de interesse médico. “Nosso grupo mostrou que, no Brasil, pacientes que tinham a forma grave da doença, digestiva ou cardíaca, eram infectados por parasitas da linhagem dois. Ou seja, ao analisar o tecido do co-ração ou do esôfago, só eram encontrados parasitas da linhagem dois”, relata. Ela explica que o modelo proposto pelos pesquisadores é de que há popula-ções de Trypanossoma que têm preferência pelo cora-ção, pelo sistema digestivo ou pelo cérebro.

É possível que um mesmo indivíduo seja infecta-do com várias cepas diferentes e que cada uma delas ocupe no corpo o lugar que prefere. Isso acontece porque, ao defecar, o barbeiro pode eliminar mais de um tipo de parasita e o indivíduo, principalmente se viver em área endêmica, pode ser picado por mais de um barbeiro ao longo da vida. O sistema imune é capaz de eliminar alguns parasitas, enquanto outros permanecem e migram para tecidos diferentes.

InfecçãoA doença de Chagas se divide nas fases aguda

e crônica. A fase aguda corresponde aos primeiros meses de infecção, em que há grande quantidade de parasita no sangue. Nela, nem todos os pacientes apresentam os sintomas. Alguns passam desaperce-bidos, sendo encarados como uma gripe. Em alguns casos, há sinais típicos, como a formação de um ede-ma no local da picada (chagoma). Os sintomas va-riam de uma pessoa para outra. “Pode aparecer des-de uma gripe leve até problemas cardíacos graves. Quando a contaminação é oral, como há ingestão de um número muito maior de parasitas, agravam-se todos os sintomas”, descreve Macedo.

A fase crônica corresponde à evolução da do-ença, logo após a fase aguda. Nela, o paciente pode passar até mais de 30 anos sem apresentar nenhum sintoma, chegando a morrer de outras causas, como foi o caso da primeira paciente de Carlos Chagas,

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a menina Berenice. É o que acontece em 70% dos casos. Da mesma maneira, é nessa fase que a doen-ça pode se manifestar da forma mais grave, algumas vezes, levando o paciente à morte.

De acordo com o médico e professor da UFMG, Manoel Otávio da Costa Rocha, a evolução da do-ença na fase crônica varia de acordo com a pessoa, podendo não haver manifestação de sintomas ou ocorrer o desenvolvimento precoce de formas gra-víssimas. “Tenho paciente de 22 anos com cardio-patia chagásica e insuficiência cardíaca gravíssimas, com uma doença altamente agressiva, como tenho paciente de 78 anos que nunca desenvolveu a do-ença”, diz.

Rocha conta que, apesar dos kits diagnósticos da doença terem sido desenvolvidos no Brasil, a evolução da área foi lenta. O método de diagnóstico da doença de Chagas é indireto, ou seja, por meio do soro do sangue. Isso torna a enfermidade ainda mais difícil de ser descoberta, pois, como em todo teste sorológico, pode haver resultado falso-positivo ou falso-negativo. Segundo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o ideal é que sejam feitos pelo menos três testes para diagnosticar a doença.

No que se refere à cardiopatia chagásica, o pes-quisador acredita que os métodos de diagnóstico melhoraram bastante e vêm sendo aplicados in-tensivamente no diagnóstico da doença. O médico explica que eles auxiliam na identificação precoce de alterações, no estudo do significado dessas al-terações como marcadores de risco para o desen-volvimento de formas graves, bem como na extra-tificação de risco, que consiste na identificação de pacientes que tendem a evoluir a doença de manei-ra agressiva e, por isso, merecem uma intervenção terapêutica mais precoce.

Ele coordena um grupo de pesquisa na UFMG que estuda exatamente os fatores determinantes da doença e o prognóstico da cardiopatia chagásica crônica. “Isso significa identificar ações precoces da doença, em que se possa intervir também precoce-mente e identificar quais são os pacientes que po-dem evoluir mal”, explica. O estudo envolve pesqui-sadores de Belo Horizonte, Diamantina e Montes Claros. Conforme relata, um pesquisador de Mon-tes Claros desenvolveu um trabalho útil no diagnós-tico da doença. “Foi um trabalho simples, que pode ser feito no ambulatório, no qual se identifica quais os pacientes que desenvolvem arritmia no exercício do trabalho”, diz.

Tratamento“O tratamento da doença de Chagas foi a área que

Carlos Chagas menos desenvolveu e, ironicamente, é a que menos evoluiu nos últimos anos.” É o que diz Manoel Rocha. De acordo com ele, o tratamento da doença é o mesmo desde a década de 60. “A principal droga que temos para tratar a doença de Chagas, o benzonidazol, é tóxico e pouco eficaz. A eficácia dele é em torno de 30% na fase crônica”, diz.

Segundo o pesquisador, na fase aguda, a chance de cura parasitológica é de 90% ou mais, enquanto

na crônica a expectativa é de 20 a 30%. Ele explica que a cura parasitológica é aquela em que há elimi-nação do parasita, sem que isso impeça a evolução da doença. “A doença, inicialmente, tem a lesão cau-sada pelo parasita. Depois de um certo tempo, ela passa a ter caráter imunológico. O parasita é elimi-nado, mas persistem restos de parasita que mantêm a reação inflamatória”, esclarece. De acordo com Andréa Macedo, a lesão acontece porque o parasita induz uma resposta imune que, ao tentar destruí-lo, destrói também os tecidos a sua volta.

De acordo com Rocha, quanto mais recente é a infecção e menor o acometimento, melhor será o resultado do tratamento. Por esse motivo, o tra-tamento na fase aguda tem maior eficácia. O que dificulta, entretanto, é o fato de que a maioria das pessoas só toma conhecimento da doença na fase crônica. Como afirma Macedo, “o benzonidazol trata bem crianças, mas trata mal adultos, princi-palmente na fase crônica. Há a necessidade do de-senvolvimento de novas drogas. Já existem pessoas estudando isso, mas, até então, mal se sabe como funciona o atual medicamento ou porque ele não funciona em alguns casos”. A pesquisadora diz que o entendimento da doença é outro foco dos estudos. O objetivo é compreender porque ela evolui para as formas clínicas e, a partir de então, verificar se há alguma maneira de evitar isso.

Em Minas gerais, o tratamento é feito principal-mente pelo Hospital das Clínicas, que possui um ambulatório de referência em doença de Chagas. Se-gundo Manoel Rocha, são cerca de dois mil pacientes chagásicos no hospital, vindos de todas as partes de Minas Gerais e de outros estados. “O Hospital das Clínicas é onde se faz a cirurgia e onde se coloca o marca-passo, além de ser um centro de referência e de formação para o tratamento da doença de Cha-gas”, diz. De acordo com ele, são implantados cerca de 400 marca-passos por ano no hospital e mais da metade deles é em pacientes chagásicos.

Rocha relata que, desde 1991, existe um esfor-ço no sentido de promover a descentralização do atendimento. Para isso, são treinados profissionais em polos do interior do estado. Nesse sentido, já existem ambulatórios em Diamantina e Montes Claros. No Triângulo Mineiro e no Alto Paranaíba também existem grupos de médicos e pesquisado-res com forte atuação em doença de Chagas. Para Rocha, a descentralização é fundamental. “Veja, por exemplo, o caso de São Francisco, Norte de Minas: é uma viagem longa e cara para muitos pacientes. Com essas medidas de descentralização, apenas os casos mais graves, que precisam de implante, marca-passo ou desfibrilador, viriam para Belo Horizonte”. Segundo ele, a intenção é que médicos de outras regiões sejam capacitados.

Discussão pertinenteA doença de Chagas foi descoberta há cem anos

e ainda hoje é alvo de pesquisas em todo o mun-do. Segundo João Carlos Pinto Dias, sua discussão é pertinente porque ainda existe uma população

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Em junho de 1907, Carlos Cha-gas foi designado por Oswaldo Cruz, que chefiava o Instituto de Mangui-nhos e a Diretoria Geral de Saúde Pública, para combater uma epidemia de malária que paralisava as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil em Minas Gerais, na região do rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora. Em uma viagem à Pirapora, um dos engenheiros da Ferrovia mostrou a Chagas um per-cevejo muito comum na região, co-nhecido vulgarmente como barbeiro, pelo hábito de picar o rosto de suas vítimas enquanto dormiam.

O inseto era abundante nas choupanas de pau-a-pique da região, escondendo-se nas frestas e buracos das paredes de barro durante o dia e atacando seus moradores à noite. Chagas examinou alguns barbeiros e encontrou em seu intestino formas flageladas de um protozoário, com certas características que o fizeram pensar que poderia tratar-se de uma fase evolutiva de um tripanossoma de vertebrado. No caso desta segun-da hipótese, poderia ser o próprio T. minasense, protozoário encontra-do em saguis, sendo o barbeiro o ve-tor que o transmitiria aos animais.

Chagas enviou à Manguinhos alguns daqueles insetos. Oswaldo Cruz os fez se alimentarem em sa-guis criados em laboratórios e, cer-ca de um mês depois, comunicou a Chagas que encontrara formas de tripanossoma no sangue de um dos animais, que havia adoecido. Voltando ao Instituto, Chagas constatou que o protozoário não era o T. minasense, mas uma nova espécie de tripanos-

soma, que batizou de Trypanosoma cruzi, em homenagem ao mestre. A nota anunciando esta descoberta foi redigida em Manguinhos em 17 de dezembro de 1908 e publicada na revista do Instituto de Doenças Tropicais de Hamburgo (Archiff für Schiffs-und Tropen-Hygiene) no iní-cio de 1909.

Chagas iniciou estudos sistemáti-cos sobre o ciclo evolutivo do novo parasita que, mostrou ser capaz de infectar experimentalmente cães, coelhos e cobaias e de ser cultivado em agar-sangue. O barbeiro, por sua vez, passou a ser minuciosamente in-vestigado por Arthur Neiva, também pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz. Em busca de outros hospedei-ros vertebrados do T. cruzi e suspei-tando que o homem pudesse ser um deles, Chagas retornou ao povoado e realizou exames sistemáticos de sangue nos moradores. Ao exami-nar animais domésticos, verificou a presença do T. cruzi no sangue de um gato. No dia 14 de abril de 1909, encontrou finalmente o parasita no sangue de uma criança febril. Bere-nice, uma menina de dois anos, era o primeiro caso daquela que seria considerada a partir de então uma nova doença humana.

Em 22 de abril, ao mesmo tem-po em que o Brasil Médico trazia em suas páginas a descoberta feita no norte de Minas, o feito foi comunica-do, em sessão da Academia Nacional de Medicina, por Oswaldo Cruz, que leu um trabalho escrito por Chagas. A imprensa deu destaque ao episó-dio, reverenciado como uma das “gló-rias de Manguinhos”.

Quadro Tripla descoberta

sob risco e principalmente porque a vigilância ainda deve ser feita por al-gum tempo. “Neste centenário vamos celebrar, mas também aproveitar con-ferir mais visibilidade”, adianta.

Do ponto de vista mundial, a Tripa-nossomíase Americana demonstra ser uma preocupação, principalmente, do continente americano, único local onde ocorre endemicamente. São 18 países com cerca de 15 milhões de adultos contaminados e 60 milhões em risco. No entanto, segundo Dias, “em termos de prioridade do governo brasileiro, por exemplo, os recursos disponíveis ainda são insuficientes para lidar com a doença. É preciso que haja estímulos”.

A pesquisadora do Centro de Pesquisa René Rachou, Antoniana Ur-sine Krettli chama atenção para a ne-cessidade da vigilância entomológica constante. Apesar da transmissão pela espécie Triatoma infestans ter sido con-siderada erradicada no Brasil em 2006, ainda existem cerca de 30 espécies de barbeiros que vivem nas matas ao re-dor das casas. E há as outras formas de contaminação, via oral, congênita ou por banco de sangue. “Essa últi-ma é, por exemplo, a maior forma de transmissão na Bolívia”, conta. Ela lem-bra os casos recentes de transmissão oral. “No Pará, em 2008, houve mais de 80 casos de contaminação por via de transmissão oral, além de quatro mortes em 2006 e quatro mortes em 2007. Houve, ainda, um surto da doen-ça em Santa Catarina, em 2007, com 24 casos e três mortes”.

Um ponto crítico para o enfren-tamento da doença, no Brasil, é a falta de conhecimento na rede pública com relação ao manejo do doente chagásico crônico. Para Krettli, que estuda a doen-ça de Chagas há mais de 10 anos, é im-portante que o médico saiba dos efei-tos colaterais do benzonidazol e, ainda, como encaminhar o paciente sintomá-tico. “Se um médico entrar em um site especializado, hoje, não irá encontrar muita ajuda para lidar com pacientes na rotina. É importante que o clínico tenha acesso a essas informações através do Ministério e Secretaria de Saúde”.

É o que também pensa João Carlos Pinto Dias. “Um dos principais esfor-ços do governo é capacitar médicos de referência, em vários lugares, para atender bem aos pacientes chagási-cos. No entanto, nem nas faculdades de medicina o tratamento da doença de Chagas é ensinado. Observa-se, a

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O geneticista e pesquisador Sérgio Pena, professor do Depar-tamento de Bioquímica e Imunolo-gia da UFMG, coordena um grupo de pesquisas sobre Trypanosoma cruzi e a doença de Chagas. Seu foco é a explicação das caracte-rísticas clínicas da doença a par-tir da sua estrutura populacional. Ele lembra que, em 2009, também se comemora o bicentenário do nascimento de Charles Darwin (1809-1882) e os 150 anos de pu-blicação da Origem das espécies. E conta um detalhe que parece unir os dois cientistas:

“Em 1841, cinco anos após seu retorno da viagem do Beagle ao redor do mundo, Darwin come-çou a manifestar sintomas cardí-acos e gastrointestinais que pio-raram até mantê-lo praticamente recluso em sua residência. Ele fre-quentemente queixava-se de pal-pitações e cansaço, acompanhadas por tremores, vômitos, às vezes diários, e flatulência. Darwin con-sultou os melhores médicos da Inglaterra na época, sem que qual-quer diagnóstico fosse estabeleci-do. Faleceu aos 73 anos de idade com insuficiência cardíaca. No ano de 1959, no centenário da Origem das espécies, o parasitologista Saul Adler, russo radicado em Israel, propôs na revista Nature que os sintomas de Darwin eram devidos à doença de Chagas. A hipótese le-vantada por Adler foi baseada em dois pontos principais: o primeiro é que houve uma oportunidade clara de infecção pelo Trypanosoma cruzi em visita a Luján, na Argentina, em 1835; e o segundo é que os sin-tomas apresentados por Darwin eram compatíveis com a doença de Chagas, que pode acometer tanto o coração quanto o sistema diges-tivo (esôfago e intestino grosso). É provável que fiquemos no terri-tório das especulações e que não saibamos nunca se Darwin teve ou não a doença de Chagas. Mas a mera possibilidade já cria uma ligação entre ele e Carlos Chagas, ambos grandes homens da ciência, nossos homenageados de 2009.”

Quadro Chagas e Darwin

“Uma doença que, claramente, acomete

a população mais pobre, desperta menos

interesse que a produção de um remédio para o tratamento da AIDS,

por exemplo, que ataca tanto artistas como donas-de-casa, adolescentes ricos ou pobres. A molécula de benzonidazol, aplicada hoje no tratamento do

chagásico crônico, é extremamente tóxica,

não cura todo mundo e não é tolerada por todos pacientes. No entanto, é o único medicamento

ativo contra a doença de Chagas”

perda de prioridade para doenças de massa e visíveis”.

PerspectivasA doença de Chagas é considerada,

ainda hoje, uma doença negligenciada, ou seja, sem tratamentos eficazes ou adequados e com principal ocorrência entre a população de rural e de baixa renda. Mas para Dias, quem na verdade está negligenciada é a população infec-tada. “Hoje, o que tem acontecido é a diminuição de prioridade” diz.

Antoniana Krettli acredita que a negligência está relacionada, também, à precariedade dos medicamentos. “Uma doença que, claramente, acomete a po-pulação mais pobre, desperta menos interesse que a produção de um re-médio para o tratamento da AIDS, por exemplo, que ataca tanto artistas como donas-de-casa, adolescentes ricos ou pobres. A molécula de benzonidazol, aplicada hoje no tratamento do chagá-sico crônico, é extremamente tóxica, não cura todo mundo e não é tolera-da por todos pacientes. No entanto, é o único medicamento ativo contra a doença de Chagas”. A pesquisadora lembra, ainda, que este é um medica-mento caro. “No Brasil, o paciente tem tratamento gratuito pelo Sistema Úni-co de Saúde. Mas, para o governo, cada paciente representa um custo médio de 40 você pode tratar o paciente de graça, pelo SUS, mas é caro para o go-verno: custa US$ 40 dólares, em média, tratar uma pessoa chagásica”.

Até 1999, o controle e a preven-ção contra a doença eram feitos pelo governo federal e pelos hemocentros. A partir de dezembro do mesmo ano, essa responsabilidade foi passada aos municípios através de uma lei de cen-tralização em que os recursos dispo-níveis eram repassados para a admi-nistração do município e utilizado a partir das particularidades e demandas de cada um. Para Dias, essa mudança culminou no esquecimento da doen-ça de Chagas, pois os municípios dão prioridade às doenças agudas e emer-genciais e não às doenças crônicas. “Um percentual pequeno de 20% a 30 % dos chagásicos manifestam a forma grave da doença. Por isso, entende-se que há uma certa negligência, saben-do-se que mesmo quem não tem a forma grave, necessita de tratamento e, se for bem atendido, pode ter a vida prolongada e com qualidade”.

Em 2007, a Organização Mundial

de Saúde criou a Rede Global pela eli-minação da doença de Chagas. Dias, que faz parte da rede, destaca que o esforço principal é o de interligar a comunidade científica. “Hoje, existem três ou quatro grupos trabalhando em demandas diferentes como estratégias de manejo do chagásico crônico e agu-do, doença congênita, marcadores e novos medicamentos. A preocupação com a doença de Chagas na Europa e nos Estados Unidos, devido à migração dos latino-americanos, está gerando também a iniciativa desses países não-endêmicos”.Krettli destaca que o Brasil está na frente em contribuições à Rede. “O Brasil é o país com maior número de grandes especialistas em doença de Chagas, pois estuda a enfermidade há 100 anos, desde que foi descoberta”.

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epidemiaCombate à

Saúde pública

Combate àepidemia

Programa interinstitucional desenvolve métodos para combater a leishmaniose visceral canina

Sabará, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Minas Gerais, ano de 1989. Uma criança de dois anos morre com diagnóstico de leishmaniose visceral (LV). Foi o primeiro caso notificado da doença na RMBH. A partir daí, disseminou-se pelo Estado uma epidemia que hoje representa um dos maiores problemas de saúde pública no país.

As leishmanioses atingem cerca de 88 países, com mais de dois milhões de casos por ano. Inclui-se nestes dados a leishmaniose tegumentar (manifesta-se na pele) e a leishmaniose visceral (atinge os órgãos), o tipo mais grave da doen-ça. O Brasil é o país da América Latina com maior número de casos. Segundo dados do Ministério da Saúde, a doença atinge dois a cada 100 mil habitantes e, destes, quase 60% são crianças menores de dez anos. Com alta prevalência na região Nordeste do país, a leishmaniose visceral tem se tornado um problema epidemiológico grave também em Minas Gerais. Inicialmente uma doença carac-teristicamente rural e associada a condições precárias de vida, a LV encontrou no espaço urbano um ambiente favorável para se estabelecer e desenvolver.

Belo Horizonte é hoje um dos municípios que mais sofre com a ocorrência da leishmaniose visceral. Não existe mais região endêmica, pois doença já está disse-minada em todos os bairros da capital. Cães infectados estão presentes da zona

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norte à zona sul da cidade. “Quando a LV começou a se alastrar, no início da década de noventa, a prefeitura de BH não sabia como lidar com o contro-le da doença e demorou pelo menos cinco anos para canalizar recursos fi-nanceiros, capacitar e treinar pesso-al. Quando isto começou a ser feito, a leishmaniose já tinha se espalhado por toda a cidade”, esclarece o pes-quisador Rodrigo Correa, do Centro de Pesquisas René Rachou, unidade da Fiocruz em Minas Gerais.

Correa é coordenador do Progra-ma Interinstitucional para o Desenvol-vimento de Métodos de Combate à Leishmaniose Visceral Canina (PIPLC). O PIPLC envolve integrantes de di-versos grupos de pesquisa de Minas Gerais e de outros estados, que há al-gum tempo vêm atuando em estudos sobre a doença através de projetos cooperativos. “Nossa rede é compos-ta por pessoas que já se conheciam e trabalhavam juntos há muito tempo. Agregamos muitos pesquisadores im-portantes e conseguimos reunir vá-rias vertentes de sucesso na pesquisa de LV canina.”, afirma o coordenador. O projeto tem o apoio da FAPEMIG, por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), uma parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico (CNPq). O Pronex visa a apoiar grupos mineiros reconhecidos pela excelência na atuação em pesquisas científicas, tecnológicas e de inovação.

O hospedeiroA leishmaniose visceral é uma do-

ença grave, não contagiosa, causada por um parasita protozoário deno-minado Leishmania chagasi, que inva-de e se reproduz dentro da principal célula do sistema imune – o macró-fago. Transmitida pela picada de flebo-tomíneos infectados, popularmente conhecidos como “mosquito palha”, a doença ocorre nos seres humanos e em alguns animais, principalmente o cão (veja no quadro os sintomas). A adaptação deste inseto ao ambiente urbano tem sido um obstáculo para as autoridades sanitárias.

No país, as ações existentes de combate à doença não têm obtido su-cesso. Elas se baseiam em medidas de controle que se dividem em contro-le químico (borrifação de domicílios); educacionais (alerta à população atra-vés de materiais explicativos sobre a doença e sobre o combate ao inseto vetor); e, a mais polêmica, a eutanásia de cães soropositivos. Agentes de zoo-noses coletam o sangue dos animais e se o resultado for positivo, o cão tem que ser recolhido e sacrificado.

Atualmente, não há alternativa para o combate à epidemia, senão a eliminação do cão infectado. O sacrifí-cio dos animais domésticos é sempre traumático e tem sido um problema para as autoridades sanitárias. Maior gravidade encontra-se na possibilida-de de cães ainda assintomáticos (que

possuem a LV, mas não manifestam os sintomas), servirem de reservatório do parasita, arriscando a saúde das pessoas ao seu redor. A disseminação da doença nos cães deve-se ao fato de que o Leishmania encontrou no organismo deste animal um ambien-te favorável para se desenvolver. O principal desafio dos pesquisadores é encontrar medidas que impeçam este desenvolvimento.

Estudar a leishmaniose visceral canina (LVC) é fundamental para esta-belecer um controle eficaz da doença também em humanos, tendo em vista que o cão é o principal hospedeiro. “Infelizmente, o parasita se adaptou fa-cilmente no organismo canino, e ainda não se sabe o porquê. Por isto, este animal representa um excelente mo-delo experimental para o entendimen-to dos processos imunopatológicos e para testes de drogas e vacinas”, expli-ca o pesquisador Alexandre Barbosa Reis, vice-coordenador do Programa. Alexandre é professor da Universi-dade Federal de Ouro Preto (Ufop) e há 20 anos estuda a doença em cães e desenvolve vacinas contra LVC.

O ProgramaO PIPLC integra 17 pesquisadores

mestres e doutores distribuídos entre seis instituições diferentes. São elas o Centro de Pesquisa René Rachou, as Universidade Federais de Minas Gerais (UFMG), Ouro Preto (Ufop), Alfenas (Unifal), Vale do Rio Doce (Univale) e o Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz (CPqGM), localizado em Salvador (BA). Ao todo, são 40 pessoas envolvidas no projeto, incluindo estudantes de todos os níveis. A composição deste grupo permitiu um trabalho multidisciplinar norteado por diversas abordagens, que vão desde a parasitologia, imuno-logia celular, biologia molecular e bio-química.

A primeira etapa do Programa Inte-rinstitucional foi o estudo de imunolo-gia de cães. A imunologia é a análise das respostas do organismo que fornecem proteção ou desenvolvimento às doen-ças. “Não adianta produzir uma vacina sem estudar sua resposta imune, ou seja, como o organismo canino se comporta com a infecção e com a vacinação”, ex-plica Reis. A imunologia da leishmaniose visceral canina é uma linha de pesquisa

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O vice-coordenador do Programa, Alexandre Reis, e pesquisadores da equipe no canil de experimentação localizado na Ufop.

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pioneira do grupo, e consolidou a base do programa. Esta fase foi fundamental para avançar nos estudos das vacinas.

Outra fase do PIPLC é a biopros-pecção de proteínas, também chama-da de proteoma. “Atualmente estamos avançando muito nesta área com duas plataformas de análises, uma lotada no CPqRR e outra na Ufop onde temos pesquisadores trabalhando nesta bus-ca”, afirma o pesquisador. Assim como o estudo do genoma tem como ob-jetivo mapear a sequência de DNA e conhecer os genes presentes nas cé-lulas, o estudo do proteoma pretende descobrir as funções de várias prote-ínas existentes no organismo celular. “Esta é uma abordagem da pesquisa que pode se aplicada para fins tera-pêuticos, de diagnósticos e prevenção. O objetivo é avaliar perfis de proteínas que podem servir de base para futuras vacinas”, completa o pesquisador.

Por último, a mais importante ver-tente, e também objetivo principal

Nas pessoas – Pessoas infectadas podem desenvolver sintomas da doença em um período de dois a sete meses, chamado de incubação. Os principais sinto-mas são: • febre prolongada por muitos dias;• perda de apetite e emagrecimento;• palidez e fraqueza;• tosse seca;• com o passar do tempo, o doente apresenta aumento do fígado e do baço.

Leishmaniose Visceral - Sintomas

*fonte: folder da Prefeitura de BH

Nos cães – O cão aparentemente sadio pode estar infectado, contribuindo para o aumento do número de casos da doença. Os sintomas mais comuns são:• perda de apetite;• emagrecimento rápido;• aparecimento de feridas na pele (principalmente no focinho e nas orelhas);• queda de pelos;• com o passar do tempo, podem ocorrer crescimento exagerado das unhas, diarreia e perda dos movimentos das patas traseiras.

*Apesar de grave, a leishmaniose em humanos tem tratamento e cura. O medicamento é fornecido pelo Ministério da Saúde.

*No cão, a doença ainda não tem cura nem tratamento eficaz até o momento. Por isso é importante tomar algumas medidas de proteção, como: usar coleiras impregnadas com inseticida e repelentes; evitar tosas no período de aumento da densidade do mosquito palha (de novembro a abril); evitar os passeios com seu cão no final da tarde e início da noite (período que o inseto prefere picar); manter o abrigo do cão sempre limpo sem presença de fezes ou restos de alimentos e borrifado periodicamente com inseticidas de ação residual.

Estratificação da Leishmaniose Visceral segundo áreas de risco no Brasil e em Minas Gerais, 2002 a 2006

do Programa Interinstitucional, é a criação de uma vacina eficaz que seja disponibilizada no sistema público e resolva o problema da epidemia. As vacinas existentes hoje no mercado não têm consenso entre a comunida-de científica a respeito de sua eficácia.

Além disso, apresentam alto custo, o que as tornam inacessível a uma par-cela da população.

Com recursos do Programa, foi possível criar o Centro de Referência em Triagem Experimental de Drogas e Vacinas para LVC. Este centro fica loca-

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1 - Cão ou raposa naturalmente infectados;

2 - Ao picar o animal ou o ho-mem infectado, o inseto (mosquito-palha) suga,juntamente com o san-gue, o parasita (Leishmania chagasi) que causa a doença;

3-4 - No intestino do inseto, o parasita se multiplica;

5-6 - Ao picar o homem ou ou-tro animal sadio, o flebótomo ino-cula o parasita;

7 - No homem e no cão o pa-rasita se multiplica principalmente no baço,fígado e medula óssea, pro-vocando a doença.

Mosquito Palha

O flebótomo, mais conhecido como “mosquito palha” é o inseto transmissor da leishmaniose vis-ceral. Ele é bem pequeno (de 1 a 3 mm de comprimento), e tem a coloração clara, palha. Voa em pe-quenos saltos e pousa com as asas entreabertas. Suas larvas se desen-volvem em solo úmido e rico em matéria orgânica. Prefere picar ao final da tarde. A adaptação deste in-seto ao ambiente urbano tem sido grande obstáculo para o controle da doença.

As ações para evitar o apareci-mento do mosquito se baseiam em retirar do ambiente matéria orgâ-nica de qualquer tipo, como folhas, troncos apodrecidos, frutos caídos, fezes de animais, deixando sempre o ambiente limpo, livre de entulho e lixo. Além disso, agentes sanitários fazem um trabalho de borrifação dentro e fora dos domicílios.

Ciclo

Juliana Saragá

lizado na Ufop, e tem como linha dorsal conduzir triagens experimentais com objetivo de fornecer formação cientí-fica para estudantes e pesquisadores com interesse nesta área de atuação. Neste sentido, o grupo vem buscando parcerias, nacionais e internacionais, com outras instituições de pesquisa, empresas farmacêuticas e de imuno-biológicos. O centro conta com canil de experimentação em leishmanioses, canil maternidade e infraestrutura ne-cessária à criação e manutenção de ha-msters para estudos de fase I e II.

O grupo já desenvolveu dois ti-pos diferentes de vacinas, a LBSap e a LBSapSal. As duas têm em sua base o componente Saponina como adju-vante vacinal. A segunda já está sendo

testada em animais do canil de experi-mentação. A LBSapSal foi desenvolvida a partir de proteínas das glândulas sa-livares do inseto transmissor. Estudos provaram que estas proteínas pos-suem importante efeito imunológico nos cães. “O ideal é que ela tenha pelo menos 70% de eficácia. Assim que os testes terminarem, nossa proposta é colocar a vacina contra leishmaniose no programa de vacinação contra rai-va, pelo menos nas áreas endêmicas”, planeja Reis. Para isto o grupo tem buscado associação com empresas públicas e privadas que possuam in-teresse em desenvolver as vacinas e colocá-las no mercado.

Futuro“A leishmaniose é um problema

epidemiológico tão grave quanto a AIDS. A diferença é que o HIV está presente no mundo inteiro. A AIDS teve tantos investimentos e veja quan-

tos benefícios foram gerados. Ainda não existe a cura, mas os medicamen-tos desenvolvidos oferecem qualidade de vida aos pacientes. Esta é a impor-tância de se investir em pesquisas”, alerta Rodrigo Correa. Ele afirma que as leishmanioses ainda são doenças negligenciadas e que merecem maior atenção do governo. Para isto, o gru-po concentra os estudos na efetiva-ção da vacina, objetivando realizar um programa governamental eficaz de combate à epidemia. Correa afirma que, para atingir o melhor produto, a equipe pretende integrar ao Programa pesquisadores brasileiros e estrangei-ros de diferentes especialidades.

O primeiro passo já foi dado para esta ampliação. Está sendo negociada uma parceria com o National Institute of Health (NIH) – Instituto Americano de Saúde - que proporciona liderança e orientação para os programas des-tinados a melhorar a saúde da nação através de apoio a projetos de pesqui-sa. “Um importante pesquisador do laboratório de entomologia do Insti-tuto, Jesus Valenzuela, nos disse que o grupo com que ele quer trabalhar na investigação desta doença é o nosso”, comemora Correa. A ideia é que o NIH cofinancie o Programa através de recursos específicos dedicados e di-recionados às instituições brasileiras, que, segundo o pesquisador, podem chegar até US$ 1 milhão.

“Todo este trabalho agregou muito valor à equipe. Hoje somos reconheci-dos como o grupo mais avançado em pesquisas com leishmaniose canina no Brasil. Temos mais de 20 publicações científicas na área de imunopatologia, vacinas e testes de drogas em cães com leishmaniose visceral. Além dis-to, somos referência para os outros países. Vários pesquisadores da Euro-pa nos procuram para testarmos va-cinas nos modelos caninos”, orgulha-se. Para o futuro, a expectativa é criar uma Rede de Leishmaniose Canina, que, assim como a Rede Malária, inte-gre diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros, permitindo a troca de experiências e agregue conhecimento em diferentes braços de pesquisa.

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Saúde

A palavra própolis vem da junção dos termos “pró”, que significa antes, e “pólis”, que quer dizer cidade. A ter-minologia grega, “antes da cidade”, re-mete ao principal papel desempenha-do pela própolis: proteger a colmeia. Graças a ela, as abelhas não adoecem e suas “casas” permanecem sempre à temperatura ideal e livres de micro-organismos e insetos invasores. Qual-quer pequeno animal que tentar inva-dir a colmeia é embalsamado.

Produtos à base de própolis mostram eficácia no tratamento e na prevenção de doenças bucais

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Isso se deve às muitas propriedades da própolis. Produzida pelas abelhas, a partir de material extraído de plantas e flores, ela é uma resina constituída de cera e mais de 400 componentes químicos. São, entre outros, álcoois, vi-taminas, minerais e principalmente fla-vonoides e flavonas, que inibem o cres-cimento de micro-organismos. Com tantos elementos, a própolis pode ser considerada um verdadeiro coquetel de benefícios. Entre outras proprie-dades, tem ações anti-inflamatória, antifúngica, antibacteriana, cicatrizante e anestésica.

Atentos às aplicações da resina na natureza, pesquisadores se interessa-ram em investigar seu uso em favor do homem. Um grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estu-da o assunto desde 1996 e hoje é refe-rência mundial no uso da própolis em tratamentos de doenças bucais. São professores e estudantes das áreas de odontologia, biologia e química, coor-denados pelo pesquisador e presidente da Sociedade Brasileira de Apiterapia (SBA), Vagner Rodrigues Santos.

As pesquisas começaram com o incentivo do professor Arnaldo Garro-cho, na época professor da Faculdade de Odontologia da UFMG. Ele chamou a atenção para a eficácia do extrato de própolis no tratamento de micoses nos dedos dos pés. Foi então que uma aluna de odontologia resolveu testar o produto contra micro-organismos que vivem na boca, principalmente o fun-go conhecido como Candida albicans, responsável pela candidose, o popular “sapinho”. É uma doença conhecida principalmente por ser comum em A própolis verde, produzida a partir do

alecrim do campo, é a mais comum no Brasil.

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recém-nascidos, idosos e pacientes com comprometimento da defesa imunológica, como portadores do ví-rus da AIDS e transplatados de medula óssea. Foram testadas, em laboratório, 14 amostras de própolis encontradas no mercado de Belo Horizonte e sua eficácia contra micro-organismos pre-sentes na boca. Os resultados foram positivos e os estudiosos partiram para pesquisas com pacientes.

Com a parceria da farmácia de ma-nipulação Pharmanéctar, que fornece a própolis bruta e participa de algumas pesquisas, o grupo desenvolveu um gel à base da resina para prevenção e tratamento da mucosite (inflamação da mucosa). O gel lubrifica a cavidade bucal levando mais conforto aos pa-cientes. Segundo explica Vagner San-tos, para ter boa eficácia, a própolis precisa ser diluída em álcool, o que, no entanto, pode gerar alterações na mucosa do paciente, além de provo-car ardor na aplicação. “Pensamos em algo que traga mais conforto e desen-volvemos o gel. Ele tem água e uma substância emoliente que, misturados à própolis, não alteram suas proprie-dades”, esclarece.

O novo produto passou a ser testado em pacientes da Clínica da Faculdade de Odontologia da UFMG. Para a pesquisa, de 2002 a 2006, foram tratados e acompanhados cerca de 30 pacientes portadores de candidose associada ao uso de dentadura. San-tos explica que a candidose associada à prótese, também conhecida como estomatite protética, é uma infecção, na maioria das vezes, sem sintomas evidentes e, se não tratada, pode le-var a infecções. É caracterizada por lesões vermelhas, brilhantes e indo-lores. Quando o paciente faz uso de dentadura, normalmente surge entre os limites da prótese e da boca.

Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um deles recebeu tra-tamento com nistatina, antifúngico de uso habitual, e o outro com gel de própolis aplicado três vezes ao dia, durante dez dias. “No final desse pe-ríodo, observamos que os pacientes que utilizaram própolis apresentaram resultado melhor ou igual ao dos que usaram nistatina”, diz Santos.

Outra pesquisa avaliou a atuação da própolis contra micro-organismos causadores da cárie. A principal vilã, nesse caso, é a bactéria Streptococcos mutans que, em pessoas com alta sus-cetibilidade à doença, pode chegar à concentração de 1 bilhão/ml de saliva. Os testes foram feitos com 60 pacien-tes, acompanhados de 2003 a 2005. Após escovação com o gel durante 15 ou 20 dias, os resultados apontaram uma diminuição drástica dos micro-organismos na boca. Em alguns casos, a redução foi de 1 bilhão para 100 mil bactérias por ml de saliva.

Hoje, o gel é testado em pacientes portadores de câncer que recebem irradiação na área da cabeça e do pes-coço, encaminhados do Hospital das Clínicas para a Clínica de Odontologia da UFMG. Segundo explica Santos, a irradiação provoca xerostomia (boca seca), devido a alterações nas glândulas salivares, que diminuem a produção de saliva, levando à mucosite e à candido-se. “É uma lesão incômoda e pode for-mar úlceras, dificultando a ingestão de alimentos, provocando incômodo, dor e mal estar”, descreve o pesquisador. Com a aplicação do gel desde os dias que antecedem até os que sucedem o tratamento com irradiação, o paciente não desenvolve a candidose e conta com uma proteção extra. Atualmente, não há produto específico para esse tipo de tratamento e aqueles que po-dem ser utilizados não têm o mesmo efeito. “O gel é antimicótico, antibacte-riano, anti-inflamatório, analgésico, traz conforto e lubrifica a boca seca”, diz.

Mas não só contra a candidose ser-ve a própolis. Na área odontológica são muitas as doenças que podem ser tra-tadas com esse medicamento natural. Ela combate, principalmente, lesões de origem bacteriana e fúngica. Algumas delas são a gengivite, a periodontite, a cárie e as bolsas periodontais, sendo essas duas últimas as maiores causas de perda dentária no mundo. A bolsa periodontal se desenvolve a partir do acúmulo de micro-organismos (placa dental) que agridem a gengiva, provo-cando a gengivite. Se não for tratada, a doença evolui para a periodontite, com a destruição do osso e a forma-ção de uma bolsa. Conforme destaca

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Santos, com o gel de própolis, em um mês, a bolsa já foi destruída e a gengiva volta ao normal.

A própolis é ainda uma boa arma contra herpes labial, acelerando o processo de cicatrização. “Se o normal seria de sete a dez dias, a própolis faz a lesão desaparecer com cinco”, diz o pesquisador. A resina também traz bons resultados quando aplicada em aftas. “Ela provoca contração das ter-minações nervosas e vasos sanguíneos. Dói bastante, mas depois dá alívio ime-diato e a cura é rápida”.

Novos produtosCom o bom desempenho do gel, a

equipe da UFMG pretende desenvol-ver novos produtos à base da própolis. “Pesquisadores de outras áreas estão nos procurando para tentarmos de-senvolver produtos em parceria”, con-ta Santos. Segundo ele, a ideia é criar um medicamento que associe um ou dois tipos de própolis à outra planta medicinal, a fim de que um potencia-lize o outro. “Se encontrarmos duas substâncias com princípios ativos que interagem será ainda melhor”, diz. O pesquisador adianta que, em breve, terá

início um projeto que inclui a fabricação de enxaguantes bucais, cremes e géis que possam ser utilizados em lesões de mucosas e vernizes cavitários (usados para proteger a cavidade dentária an-tes da remoção da cárie) e substâncias para o tratamento de canais.

Já está em andamento uma pes-quisa que vai desenvolver e testar um enxaguante bucal à base de própolis, seguindo todas as normas da Ameri-can Dental Association (ADA). Serão seis meses de experimentos com pacientes que usarão diariamente o enxaguante de própolis, comparado ao grupo que usará um enxaguante conhecido no mercado. Conforme ob-serva o professor, a maior dificuldade da pesquisa clínica é que muitas pes-soas interrompem ou não seguem o tratamento corretamente, o que pode gerar falsos positivos ou falsos nega-tivos. Uma das razões da indisciplina dos pacientes é o sabor desagradável da própolis. Para amenizar o problema, os pesquisadores já procuram fazer produtos associados a aromas como menta e hortelã.

Além dos novos produtos, duas outras pesquisas pretendem avaliar diferentes aplicações da própolis na odontologia. Uma delas vai associar a resina natural ao biovidro, formado por pequenas partículas que podem ser colocadas no tecido humano, principalmente em casos de enxerto ósseo. Esse estudo está sendo feito em parceria com o professor Wali-son Artuso, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Quando o paciente precisa de um implante dentário, mas teve perda óssea, há necessidade de enxer-to na região. Algumas vezes, é necessá-rio retirar material de outra parte do corpo, como do osso ilíaco, na região pélvica, o que é um procedimento do-loroso. O biovidro colocado no corte cirúrgico poderá estimular a formação do osso e, associado à própolis, pode oferecer recuperação mais rápida e confortável. De acordo com o pesqui-sador, em breve, o projeto será sub-metido à FAPEMIG.

Outra pesquisa pretende associar a própolis à resina de dentaduras. Segun-do explica Santos, é comum que, por

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A própolis vermelha, descoberta em 2005 na Paraíba, tem sido foco de pesquisas sobre câncer.

O pesquisador Vagner Santos estuda os diversos tipos de própolis e seus benefícios há mais de 10 anos

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As propriedades e a qualidade da própolis variam de acordo com a planta de onde as abelhas retiram o material para sua fabricação. Na Europa, ela é extraída principalmente de pinheiros e savanas. A própolis brasileira é hoje a melhor e a mais rica do mundo. O país também é o maior produtor mundial da resina. Um estudo desenvolvido na Universidade de Campinas classificou a própolis brasileira em 13 tipos, que variam conforme a cor, a composição e a consistência.

A mais comum é a própolis verde, originada do alecrim do campo (Baccha-ris dracunculifolia), que tem diversas propriedades terapêuticas, entre as quais se destacam a anti-inflamatória e a antimicrobiana. A própolis de Copaíba (Co-paifera landesdorffi) tem aspecto marrom escuro, quase negro. Em meados de 2005, foi descoberta, no litoral da Paraíba, a própolis vermelha, originada do marmeleiro da praia (Dalbergia ecastophyllum), que tem causado entusiasmo nos pesquisadores. Ao que tudo indica ela é bem mais forte que as demais e tem excelente atuação sobre células cancerosas. Pesquisadores do mundo inteiro, especialmente japoneses, têm se debruçado em torno de pesquisas sobre a própolis brasileira e seus benefícios à saúde do homem.

razões estéticas, pessoas que precisam extrair todos os dentes queiram colo-car a prótese no mesmo dia. Chamada de prótese imediata, ela é adaptada ao paciente imediatamente após a remo-ção dos dentes. Nesse caso, há grande risco de inflamação, pois a dentadura é colocada sobre uma ferida cirúrgica. “Fizemos o teste que apontou que a própolis associada à resina mantém suas propriedades. Assim, ela pode evi-tar o crescimento de micro-organismos e uma inflamação. Em breve, começa-remos a trabalhar com camundongos para verificar se haverá uma resposta

Tipos de própolis

biocompatível com o tecido”, diz.Para Vagner Santos, uma das gran-

des vantagens da própolis é o baixo custo. Segundo ele, mesmo se o medi-camento for feito em cápsulas, o custo sai abaixo dos tratamentos conven-cionais. “Por exemplo, se um paciente tem mucosite ou candidose, ele preci-sa tomar cerca de 40 comprimidos de cetoconazol, o que fica em torno de R$ 400. As propriedades da própolis aliadas à preço são uma grande vanta-gem”, comenta. Comparada a outros antibióticos, a própolis também sai na frente. “Como ela é formada por

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Ariadne Lima

muitos componentes químicos que podem fazer efeito antibiótico siner-gicamente, é muito mais difícil um micro-organismo ficar resistente a ela. Fizemos um trabalho que indicou que, quando separamos esses componen-tes, os resultados não são tão bons como quando estão todos reunidos”, destaca Santos.

Diante de todos os benefícios, o professor chama atenção para os cui-dados no uso da própolis. “É um me-dicamento natural, mas não pode ser usado de qualquer jeito. É um antibióti-co e um antifúngico potente e, por isso, não deve ser aplicado de maneira indis-criminada. É importante que saibamos utilizá-lo com rigor dentro das normas que qualquer medicamento exige. Hoje, a grande maioria dos produtos farma-cêuticos veio de produtos naturais que foram aperfeiçoados e tiveram seus princípios ativos isolados e desenvolvi-dos para terem maior eficácia”, alerta.

O pesquisador também atenta para a escolha da própolis. Ele diz que é importante comprar o produto em estabelecimentos que façam o contro-le de qualidade e que garantam a boa origem. “Se a abelha retira material de uma planta que recebeu inseticida ou está em ambiente poluído, ela vai levar isso para a própolis e, se ela vem com sujeira, poluentes ou grão de pólen, pode causar alergia.”, destaca Santos.

Os pesquisadores estudam o desenvolvimento de novos produtos à base de própolis, como géis e enxagüantes bucais.

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A história de David, um garotinho que busca ser amado por sua “mãe”, comoveu expectadores ao redor do mundo em 2001. O enredo remete ao clássico Pinóquio, mas no filme AI - In-teligência Artificial, dirigido por Steven Spielberg, o conto de fadas teve ajuda da tecnologia: a capacidade de sentir e pensar do protagonista foi desenvolvi-da em laboratório, pois tratava-se de uma criança robô. Esta é apenas uma das obras em que o cinema retrata as tentativas do homem de desenvolver nas máquinas capacidade cognitiva próxima à sua. Longe das telas, e guar-dadas as devidas proporções entre fic-ção e realidade, a ideia tem seus fun-damentos e, há décadas, pesquisadores se esforçam para criar sistemas capa-zes de reproduzir a forma como o cé-rebro humano processa informações. São as chamadas Redes Neurais Artifi-ciais (RNA), que têm sido empregadas em diferentes áreas tecnológicas.

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um grupo da Escola de Engenharia mostrou ser vantajosa a utilização dessas redes em sistemas ópticos, com aplicabilidade possível em várias áreas. Coordenadas pelo profes-sor Davies William de Lima Monteiro, do Departamento de Engenharia Elé-trica, as pesquisas envolveram espe-cificamente sistemas ópticos adapta-tivos ou inteligentes, aqueles capazes de detectar e corrigir, em tempo real, imperfeições que haja em um sistema óptico principal – que pode ser um equipamento, como o telescópio, ou o próprio olho humano, por exemplo.

O projeto, que partiu de um aluno de mestrado, exigiu um esforço mul-

Redes neurais artificiais melhoram desempenho de sistemas ópticos passíveis de aplicação em áreas como medicina e indústria

Eletrônica

O mundo sob outra óptica

tidisciplinar ao integrar duas áreas a princípio distintas. “Eu havia termina-do meu pós-doutorado e tinha muitas idéias para aplicar em microeletrôni-ca, óptica, optrônica, mas não conhe-cia redes neurais. Este aluno, Antônio Isidoro Ferreira Jr., tinha cursado uma disciplina na pós-graduação com um dos professores aqui do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétri-ca especialista em RNA e propôs que imaginássemos uma maneira de inte-grar essa técnica com sistemas ópticos adaptativos”, lembra Monteiro. A pro-posta foi executada em 2006 e mos-trou que a utilização de RNA possibi-lita resultados mais rápidos e precisos que a técnica tradicionalmente usada para detecção e correção de distor-ções nos sistemas ópticos inteligentes, o método de mínimos quadrados. Hoje, o projeto tem tido desdobramentos e os resultados estão sendo válidos para outros estudos, como alguns focados em resultados práticos para a área de oftalmologia.

Inteligência em ópticaExistem vários tipos de aberrações

que podem acometer um sistema ópti-co. A imagem captada por um telescó-pio terrestre, por exemplo, está sujeita a turbulência, pois há camadas de at-mosfera que passam entre as estrelas e o espelho principal do aparelho. Isso introduz na imagem da estrela obser-vada. No entanto, se houver acoplado a este sistema óptico principal, que é o telescópio, um sistema inteligente, ele é capaz de perceber quanto de defor-midade a atmosfera está introduzindo na imagem e corrigir, de maneira que

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se tenha uma percepção visual corri-gida do objeto, apesar das distorções. “O sistema lê a distorção e a corrige em tempo real, em questão de milisse-gundos”, detalha Monteiro.

Isso é possível por meio de um sen-sor – denominado sensor de frente de ondas – que recebe a luz e depois tem seus dados analisados. “A rede neural vem justamente para assessorar na análise desses dados, esse é o diferen-cial em relação à técnica tradicional de processamento, chamada método de mínimos quadrados”, avalia. O professor explica que as RNAs tam-bém usam, de certa forma, método de mínimos quadrados, mas têm outras vantagens que contribuem para um resultado mais preciso.

Na rede neural, em uma tentativa de imitar a maneira como o cérebro humano processa informações, se es-tabelecem, por meio de um código de computador, módulos que são in-terligados a ponto de conseguir fazer com que uma informação de entrada seja processada e resulte em uma sa-ída relevante (veja box). Os pesquisa-dores procuraram identificar, então, a melhor arquitetura de rede para sua proposta. Era preciso uma rede rápida, já que o processamento deve ocorrer várias vezes em um segundo, que fos-se robusta a erros de arredondamen-to computacional e que possibilitasse chegar sempre a um resultado ótimo (convergência). “Analisamos redes cheias de módulos e outras mais sim-ples. Para nossa surpresa, os resultados da mais simples foram os melhores”, afirma o professor.

Como possível exemplo de aplica-ção da rede neural a um sistema ópti-co, Monteiro cita um sistema bastante conhecido: o olho humano. Supondo-se que um olho apresente determi-nadas distorções, ao incidir sobre ele um laser específico, com potência adequada, esse feixe retornaria tendo impressas em si as aberrações existen-tes. Esse dado de saída chegaria a um sensor capaz de captar e transformar aquelas informações de luz em sinais elétricos que, por sua vez, ao passar pela rede neural, resultariam em uma informação quantitativa de qual disfun-ção visual está presente. Para a RNA

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Técnica de otimização ma-temática que procura encon-trar o melhor ajuste para um conjunto de dados tentando minimizar a soma dos qua-drados das diferenças entre os dados de referência e os dados inseridos posterior-mente a partir da distorção óptica detectada.

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chegar a este resultado, ela “conhece” antes uma referência e a partir dela tenta encontrar qual é a distorção do olho que melhor se adequa à informação de entrada. Isso é feito depois de diversas interações e tentativas sucessivas, até chegar a um resultado ótimo.

Uma das vantagens da RNA é o que os pesquisadores chamam de realimentação do sinal. Ela retira uma porção do primeiro resultado de saída, reintroduz na entrada e deixa circular pela rede. Isso resulta em uma saída um pou-co diferente, que será comparada à primeira, para avaliar se é melhor. Se não for, o processo é repetido continuamente, até que se consiga otimizar o resultado, tudo em milésimos de segundos. “Isso não é comum em métodos de mínimos quadrados convencionais, é como se a RNA fizesse uma au-toverificação do seu próprio desempenho a cada momento, até convergir para o melhor resultado”, compara Monteiro. Além disso, a rede faz ainda uma permuta de dados – é como se ela os embaralhasse para verificar se consegue resolver a equação também com um grau maior de com-plexidade.

A princípio, o processamento de informações pela RNA se dá por meio de um software, mas pode ser realizado também em hardware. É possível construir circuitos que façam esse mesmo papel e, ao invés de lançar os dados em um computador, eles passariam por um circuito – por exemplo, um chip – e a saída já seria o resultado.

AplicabilidadeOs sistemas adaptativos são recentes na história da óp-

tica. A área vem ganhando espaço nos últimos 15 anos e, anteriormente, sua aplicação era exclusivamente militar e astronômica. “Nos anos 1980 houve uma expansão dessa questão, entretanto só havia projetos ligados a questões

Mas, afinal, após receber o feixe de laser e identificar uma distorção, como é que o sistema óptico inteligente consegue gerar a imagem correta? O “truque” está em um espelho especial, chamado espelho deformável ou adaptativo, que possui uma fina membrana de nitreto de silício recoberta com alumínio cuja espessura é de 200 nanômetros (1 nanômetro é 1 milhão de vezes menor que um milímetro). Quando o feixe chega ao espelho, no início do processo, a superfície da membrana está plana e o raio é refletido para outras lentes, até chegar no final ao chip que possui o sensor de frente de onda. O sen-sor detecta possíveis distorções, transmite o sinal a uma placa e em seguida ao computador, onde a rede neural entra em ação e calcula que tipo de distorção há no feixe de laser. Com base nessa informação, ela emite um sinal de volta para o espelho, que tem a capacidade de adotar uma forma que seja adequada para que na segunda vez que o feixe passar ele seja corrigido. “O espelho pode se adaptar, o princípio é parecido com aquela brincadeira de circo, em que um espelho mostra a pessoa gorda, magra, alta, baixa, ele pode se adaptar”, diverte-se Monteiro.

A mágica do espelho

Redes neurais naturais são os mecanismos que o cérebro humano utiliza para fazer as conexões de informação. As Redes Neurais Artificiais (RNA) são, portanto, uma tentativa, primeiro em computador e posteriormente em hardware, com circuitos, de imitar esse processo. Trata-se de um método para solucionar problemas através da simulação do cérebro humano: um dado que entra é processado e na saída apresenta como resultado uma informação adicional, útil a determinado propósito. A idéia é reproduzir o comportamento do cé-rebro na sua capacidade de aprender, errar e fazer des-cobertas.

bélicas e a astronomia, pois era onde se tinha mais investi-mentos em projetos de custo elevado”, lembra Monteiro. Segundo ele, apenas na década de 90 houve uma tendên-cia a tornar esses componentes mais acessíveis, facilitando pesquisa em outros setores e apontando para aplicações médicas, industriais e científicas. Na França, a Renault já uti-liza em sua fábrica um sensor de frente de ondas capaz de monitorar a qualidade de uma peça de precisão dos seus carros. Por meio de um feixe de laser, é feita uma leitura da peça para verificar se está dentro das especificações ou se há defeitos, ainda que mínimos. Entretanto, não são utiliza-das ainda redes neurais artificiais.

Monteiro explica que o projeto desenvolvido inicial-mente utilizou uma rede generalista, que em um sistema também geral serviu de maneira satisfatória para compro-var as hipóteses apresentadas. “Não seria o ótimo para um fim específico, mas atende ao propósito que buscávamos,

Redes de inteligência artifial

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Os sistemas adaptativos foram utilizados primeiro nas áreas militar e astronômica e, hoje, têm aplicação na oftamologia e na transmissão de dados por fibra óptica.

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Virgínia Fonseca

de mostrar que seria melhor que o método anterior”, diz. Como vanta-gens da rede neural sobre o método de mínimos quadrados, neste sistema ela aponta maior rapidez, imunidade a erros de arredondamento e a con-vergência obtida em 100% dos casos. Em termos de custos, não haveria di-ferença, visto que implica apenas em um código diferente de programação. As adequações a serem feitas na rede, para finalidades específicas, são mí-nimas, segundo o professor. Ajustes finos poderiam ser feitos para traba-lhos em oftalmologia, astronomia, na inspeção de peças na indústria e na melhoria dos sistemas de transmissão de dados por fibra óptica.

Para que as redes neurais passem a ser efetivamente aplicadas a esses pro-cessos, Monteiro acredita que o pri-meiro passo seria um convencimento geral em relação à capacidade dos sistemas ópticos adaptativos. “Por ser uma área recente, pouca gente conhe-ce o seu potencial a ponto de já co-locar isto em um processo industrial. Hoje ainda são poucos os exemplos, mas acredito que no futuro haverá uma demanda muito maior”, prevê.

Foco na oftalmologiaNa área de oftalmologia, são várias

as aplicações possíveis da óptica adap-tativa. Atualmente, está sendo desen-volvido por um aluno de doutorado da Escola de Engenharia, o físico Otávio Gomes de Oliveira, o projeto de um algoritmo (sequência de instruções) de análise de imagens específico para detecção de aberrações oftálmicas, a ser executado em um processador digital, permitindo redução de custos, portabilidade e otimização. A ideia é eliminar o computador de um siste-ma óptico adaptativo fechado, ocasio-nando ainda uma redução significativa dos custos. “Além de contribuir para um maior entendimento da qualida-de da visão humana, essas medições podem permitir o uso de métodos avançados para correção dos defeitos da visão humana”, adianta Oliveira. A pesquisa conta com a participação de

um estudante da Faculdade de Medi-cina, que colabora com informações sobre as necessidades de equipamen-tos oftálmicos.

Outra possibilidade trabalhada pelo grupo de pesquisa do Laborató-rio OptMA, coordenado por Monteiro, é conseguir, por meio das informações extraídas por um sistema óptico inteli-gente, gerar um arquivo personalizado de pacientes de oftalmologia, de forma a oferecer o laudo de uma lente de contato única por indivíduo, capaz de corrigir distorções complexas que ele

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Projeto: “Sistemas ópticos inteligentes assistidos por redes neurais”Modalidade: Edital Jovens DoutoresCoordenador: Davies William de Lima MonteiroValor: R$ 12.972,00

tenha no olho e posteriormente cor-rigi-las com lentes oftálmicas persona-lizadas, também investigadas na UFMG sob sua coordenação.

Davies William Monteiro, pesquisador da UFMG: os sistemas inteligentes lêem as distorções e as corrigem em tempo real, em questão de milissegundos.

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Silvicultura

Pesquisas identificam novos usos para a madeira de eucalipto

Alternativa

ecológica

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Os viajantes, certamente, já no-taram, de passagem pelas estradas mineiras, a presença de inúmeras plantações de eucalipto. Tal fato não é mera coincidência, já que Minas Gerais detém a maior área reflorestada com a árvore, em todo o Brasil. Em parte, pela demanda das indústrias e, em ou-tra, pelos incentivos oferecidos aos produtores que se engajam na política de reflorestamento.

Cultivado em grande escala por empresas, principalmente para a pro-dução de carvão vegetal (em sua maioria para a siderurgia) e celulose (substância utilizada na fabricação de papéis), o eucalipto é popularmente lembrado por seu perfume, recor-rente em produtos aromáticos. Além disso, também está presente, no ima-ginário coletivo, como uma árvore que possui madeira inferior, especialmente se comparada àquelas chamadas de “madeiras nobres”, como cedro e ja-carandá, por exemplo.

Felizmente, esse equívoco vem perdendo força, sobretudo pelos re-sultados de estudos realizados sobre a qualidade e versatilidade desse vegetal. Com rápido crescimento, fácil adapta-ção e alta produtividade, o eucalipto representa uma forte alternativa para a fabricação de diversos produtos, como móveis e pisos, e, ainda, peque-nos objetos de madeira, provenientes do artesanato. Gradativamente, a aná-lise de seus atributos tem permitido aos especialistas identificar maneiras economicamente viáveis de incorpo-rar os produtos dessa árvore à rotina da população.

Essa sinalização está presente em dois projetos desenvolvidos por pes-quisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla), com o apoio da FA-PEMIG. Em comum, os trabalhos ob-servaram a aplicação e resistência da madeira de eucalipto e de seus resí-duos para outras finalidades. Ao longo das pesquisas, o material também foi comparado aos produtos tradicionais, em testes realizados nos laboratórios da universidade.

Eucalipto aos nossos pésApresentar o eucalipto como op-

ção para o mercado de pisos de ma-

deira foi um dos objetivos do projeto coordenado pelo professor e pesqui-sador do Departamento de Ciências Florestais da Ufla, José Reinaldo Morei-ra da Silva. Com uma equipe composta por 13 membros, entre professores e estudantes de pós-graduação e gra-duação, a pesquisa partiu em busca de uma proposta para o uso alternativo da madeira de eucalipto, tendo como base as espécies Eucalyptus clöeziana, Eucalyptus microcorys e Eucalyptus macu-lata. “Essas espécies são, habitualmente, utilizadas na produção de carvão vege-tal”, explica Moreira. “No entanto, por terem alta densidade, apresentam boa resistência mecânica, o que é ideal para os pisos de madeira”.

O projeto foi viabilizado a partir da doação de madeira tanto por uma empresa produtora de carvão vegetal, como também pelas áreas de plantio de testes da própria universidade. Já as madeiras de pau-marfim, comumente vendidas, foram adquiridas no merca-do local, com recursos previstos pelos pesquisadores, para comparação.

Após a produção e confecção dos pisos, a equipe promoveu ensaios de simulação de uso, de forma a caracte-rizar a resistência do produto quanto à queda e arraste de objetos, ao pisoteio de saltos de pequenas dimensões, bem como ao desgaste pelo atrito com superfícies ásperas. “Durante todo o momento, comparamos o material de eucalipto com o piso tradicional”, re-vela. “Comprovamos que, na maioria dos casos, as madeiras de eucalipto se

comportaram melhor que a mercado-ria comercialmente chamada de pau-marfim”, destaca.

Outro resultado ressaltado pelo professor diz respeito à coloração do produto que, entre as espécies, variou de um tom castanho a outro mais avermelhado. “Os pisos de madeira de eucalipto passam a ser um suporte tecnologicamente viável para as em-presas”, afirma. “Para os consumidores, surgem novos produtos, de diferentes colorações”, visualiza o pesquisador.

Questionado sobre os atrativos do projeto para a produção industrial, o professor revela que ainda não fo-ram realizadas análises econômicas da confecção de pisos. De acordo com Moreira, os mercados moveleiro e da construção civil ainda não encontram muitas referências de valor para a pa-dronização, e, assim, o projeto quis dar o primeiro passo. “Em 2009, realizare-mos, ainda, testes de atrito”, observa. Tão logo sejam concluídos, os estudos finais vão permitir aos pesquisadores traçar parâmetros conclusivos sobre a segurança das pessoas ao caminhar pela superfície de madeira.

Em um outro momento, a equipe pretende, também, investigar a instala-ção dos pisos, apontada por Moreira como um dos grandes focos de recla-mações dos consumidores. Problemas como assentamento incorreto, exces-so ou falta de cola, umidade e falta de espaço para dilatação serão, então,

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Os pisos confeccionados com madeira de eucalipto obtiveram resultados promissores em testes de resistência e desgaste, sendo uma opção atrativa para a indústria

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destrinchados pelos pesquisadores.

Pequenos objetosCoordenador do outro estudo

desenvolvido, o também professor do Departamento de Ciências Florestais da Ufla, José Tarcísio Lima, reuniu uma equipe de estudantes, professores, la-boratoristas, marceneiros e artesãos para verificar as possibilidades de aproveitamento dos resíduos gerados pelo desdobro da madeira de eucalip-to. “Antes de iniciar a pesquisa, fize-mos uma investigação e percebemos que o eucalipto não era comumente empregado por artesãos”, destaca o professor. “De outro lado, lamenta-velmente, também constatamos que a disponibilidade de madeiras nativas tradicionais começava a diminuir, e, com ela, a oportunidade de trabalho para esses profissionais”, pontua.

do material gerado em objetos de ma-deira, criados à imagem e semelhança dos modelos já existentes no mercado, feitos com árvores tradicionais.

“Na sequência, visitamos várias re-giões para a realização de oficinas com os artesãos, tendo Lavras como nosso principal laboratório”, contextualiza. O trabalho também se repetiria nas regiões do Vale do Jequitinhonha, Sul e Noroeste de Minas, nos municípios de Prados e Belo Horizonte e nos esta-dos do Espírito Santo e Bahia. “Nesses encontros, apresentamos a tecnologia e, em Lavras, cedemos o material para que os artesãos pudessem testar e avaliar a madeira. Ao fim, compramos os produtos gerados, etapa também prevista no projeto. Hoje, já há arte-sãos produzindo com eucalipto aqui em Lavras, assim como em outras re-giões”, indica o professor.

A divulgação para o público em ge-ral ocorreu tanto em feiras de artesa-nato como a convite de empresas inte-ressadas. “Nosso trabalho foi sempre apresentado com madeira in natura, sem acabamento, para que todos pu-dessem identificar a madeira de euca-lipto. Do contrário, se estão pintados, bem acabados, ficam muito parecidos com os tradicionais”, equipara.

As coleções expostas variaram en-tre as colorações amarelada, parda e rosada. As pessoas também tiveram a oportunidade de compreender, em pa-lestras, a necessidade de suporte tecno-lógico para o trabalho com o eucalipto. “Temos madeiras nativas que são traba-lhadas com facilidade, como as de cedro, jacarandá, entre outras. O eucalipto, ao contrário, é mais industrial”, compa-ra Lima. Para esse processo, um ritmo de produção industrial demandará não só regularidade de suprimentos, como também acompanhamento especializa-do. “É preciso ciência. Afinal, o processo não nasceu ao acaso”, adverte.

De acordo com o professor, o pro-jeto não só encerrou a sua primeira proposta, como também já se desdo-brou em novos desafios e questiona-mentos. “Nosso trabalho mais recente tem sido no sul da Bahia. Por lá, exis-tem sérios problemas com a utiliza-ção ilegal de madeira nativa da Mata Atlântica, como do Parque Nacional

de Monte Pascoal”, comenta. “Para so-lucioná-lo, uma companhia local deci-diu buscar parceiros para promover a mudança de matéria-prima. E o nosso trabalho foi considerado para esse ob-jetivo”, ressalta, com orgulho. Outro convite recebido pela equipe partiu de professores da Universidade Fede-ral de Sergipe (UFS). Os especialistas pretendem, com o apoio dos pesqui-sadores da Ufla, difundir, na região, o aproveitamento de resíduos de vege-tação da caatinga. “No Nordeste, este trabalho desempenha uma importante função social, principalmente com a geração de lenha para uso doméstico e de pequenas indústrias”, salienta.

Impactos ambientais x economia

Os dois projetos se encontram ao tratar da questão do aproveitamento de serrarias. Questionados quanto à necessidade, enfrentada pelas empre-sas, de buscar alternativas adequadas às políticas ambientais, além de solu-ções mais econômicas para o proces-so produtivo, ambos os coordenado-res destacam a relevância dos apelos tecnológico e ecológico das pesquisas.

“A madeira é biodegradável, or-gânica, renovável e gasta pouquíssima energia para ser processada”, carac-teriza Lima, comparando a demanda energética da árvore para a produção de madeira à de refinarias de petró-leo e usinas nucleares. Para José Rei-naldo Moreira da Silva, a utilização do eucalipto para a fabricação de pisos torna-se não apenas uma solução mais econômica, mas também uma alterna-tiva de preservação das espécies tradi-cionais, que têm menor produtividade e não têm tanta disponibilidade, como o eucalipto. “Esses estudos irão forne-cer subsídios para o desenvolvimento do setor madeireiro, em especial o de pisos de madeira, incluindo o aprovei-tamento dos resíduos do processo produtivo para a produção de painéis e pequenos objetos, e também na ge-ração de energia térmica, na produção de briquetes”, projeta.

De acordo com a cartilha “Por den-tro do eucalipto”, disponibilizada, na internet, pela Associação Mineira de Sil-vicultura (AMS), cada hectare de flores-

Motivada pela representatividade do artesanato e a escassez da madei-ra nativa, matéria-prima mais comum para o artesão, a equipe avaliou o volu-me de madeira de eucalipto em Minas Gerais e decidiu estudar alternativas para que a utilização da espécie se transformasse em uma possibilidade real para o artesanato. Para tanto, Lima revela que o projeto contou com a contribuição de diversas empresas do ramo. Elas cederam parte da madeira das espécies Eucalyptus grandis, Eucalyp-tus saligna e Eucalyptus clöeziana, que seria utilizada na produção de carvão e celulose. As madeiras foram serradas e, em seguida, os resíduos do desdobro foram processados em laboratório. O próximo seguinte foi a transformação

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A utilização da madeira de eucalipto na produção de peças artesanais é outra opção para o aproveitamento dos resíduos

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Guilherme Amorim

ta plantada de eucalipto gera a mesma quantidade de madeira que 30 hectares de florestas tropicais nativas. Dessa for-ma, o eucalipto pode ajudar conside-ravelmente a diminuir a pressão sobre as madeiras tradicionais e viabilizar “a produção de madeira para atender às necessidades da sociedade em bases sustentáveis”, completa o documento.

Lacunas e obstáculosNem mesmo o rápido crescimento

e a possibilidade de ser utilizado para diversas finalidades afastam o eucalip-to de certos problemas. Embora essa árvore, nativa da Austrália e de ilhas vizinhas, esteja presente, hoje, segundo informações da Sociedade Brasileira de Silvicultura (SBS), nos cinco continentes e em todos os estados brasileiros, com cerca de 1,1 mil hectares de área plan-tada somente em Minas Gerais (2007), sua fartura entra em conflito com a sua disponibilidade. “Muitas dessas árvores já são plantadas para atender aos inte-resses específicos das empresas, como para produzir carvão e celulose”, expli-ca Lima. Para reverter esse quadro, o professor defende a adoção de políti-cas de incentivo, para que o empresário possa destinar parte de suas florestas a outros fins, como móveis, construção civil, artesanato e expressão cultural.

De acordo com a gerente de In-centivos Econômicos à Sustentabilida-de do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Maria das Graças Rocha, não existe, de fato, uma política exclusiva para a destinação de árvores ao ar-tesanato. Porém, existem incentivos direcionados ao plantio do eucalipto e prática do reflorestamento. "Os pro-dutores recebem pequenos insumos e assumem o compromisso de culti-var corretamente as áreas", observa. "Vale destacar que, nesses projetos, o produtor é livre para definir o que vai fazer com a madeira gerada, sem res-trições”, detalha a gerente.

O princípio da responsabilida-de social é lembrado pelo professor como possível fonte de solução para o problema. “Existe, em boa parte dos proprietários de áreas de refloresta-mento, a intenção e a necessidade de trabalhar em sintonia com a comunida-de”, aponta. Essa ideia, inclusive, encai-

xa-se com a opinião da representante do IEF. "As empresas têm em sua mis-são o compromisso social”, argumenta Maria das Graças. “Como a quantidade de madeira demandada para o artesa-nato não costuma ser muito grande, as doações poderiam ser viabilizadas. Até mesmo árvores que já passaram da idade de colheita para a produção de carvão e celulose poderiam ser do-adas", exemplifica.

Outro entrave levantado por Lima é a questão mercadológica relaciona-da aos produtos do eucalipto. “Nor-malmente, o artesão não tem grande capacidade de investimento. Ele não estoca matéria-prima, mas trabalha com a madeira que obtém”, comenta. “Muitos deles disseram, ao fim da ex-periência, que se adaptaram à madeira, mas não têm ideia de como conseguir comprá-la. Nem sabem, por exemplo, se há mercado para essa finalidade”, caracteriza, lembrando que já existe uma demanda tradicional pelos produ-tos feitos com as madeiras nativas.

Para preencher essa lacuna, o pesquisador considera fundamental a realização de um levantamento téc-nico. “Seria interessante que alguma instituição ligada ao mercado de tra-balho pudesse avaliar, precisamente, qual é o espaço e a aceitação desses produtos, para orientar os pequenos empresários e artesãos”, sugere. Até o momento, no entanto, nenhum estudo de mercado foi agregado ao projeto. “Está aberto para quem se interessar”, sinaliza o professor.

Projeto: “Confecção e avaliação de pisos de madeira de Eucalyptus clöeziana”Modalidade: Edital Produtos MoveleirosCoordenador: José Reinaldo Moreira da SilvaValor: R$50.228,34

Projeto: “Pequenos objetos de madeira de eucalipto – possibilidades de aproveitamento de resíduos de serrarias”Modalidade: Edital Florestas RenováveisCoordenador: José Tarcísio LimaValor: R$ 47.827,50

A coloração em tons variados significa também mais opções para os consumidores

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utilizada em alguns antissépticos bu-cais e em determinados procedimen-tos cirúrgicos.

Atualmente, a equipe vem realizan-do inúmeros testes visando adequar a substância às exigências das autorida-des de saúde e das normas sanitárias. “É através desses testes que serão agregados os corantes, as essências e definidas as questões relativas à esta-bilidade, formas de armazenamento e prazo de validade”, acrescenta Vitor Hugo, hoje graduando de Engenharia Química. Uma das prioridades da equi-pe é explorar a substância em toda sua proporção, antes que ela seja levada ao mercado. Mesmo em fase de “acaba-mento”, já existem empresas interessa-das em conhecer melhor o produto.

Lembra dessa?

Utensílio indispensável para a hi-giene bucal, a escova de dentes pode guardar surpresas desagradáveis para seus usuários. O armazenamento ina-dequado, por exemplo, pode levar à proliferação de fungos e bactérias. Essa foi a conclusão de um projeto desen-volvido por alunos do curso técnico de Química da Fundação Educacional de Montes Claros (FEMC), coordena-do pela professora Sandra Damasceno. O projeto, denominado “Análise mi-crobiológica das escovas dentais”, foi apresentado em uma reportagem da revista Minas Faz Ciência nº 27.

O tema a ser pesquisado foi pro-posto pelos próprios alunos após par-ticiparem de um Congresso de Quími-ca, na cidade de Ouro Preto (MG). Os estudantes começaram a desenvolver o trabalho através de pesquisas com familiares, amigos e vizinhos, a respei-to da maneira de armazenamento das escovas dentais. A opção por trabalhar com pessoas próximas teve como ob-jetivo facilitar o controle da própria pesquisa.

Naquela época, os estudantes co-letaram amostras de materiais em es-covas armazenadas de quatro formas diferentes: imersas em copos d’água, guardadas em armários, em caixas plás-ticas e expostas. A equipe verificou que todas as maneiras de armazenamento apresentavam contaminação. Foram identificados cinco grupos de micro-

Abaixo às bactérias

Enquanto o antisséptico não chega aos estabelecimentos co-merciais, vale lembrar que a escova precisa de alguns cuidados para que seja alcançada uma boa higieniza-ção. Dentre as recomendações está lavar bastante até retirar todos os resíduos, armazenar em local areja-do e limpo e que receba iluminação regularmente. Os cuidados podem ajudar a evitar, inclusive, casos rein-cidentes de inflamações na região da boca, como laringite e faringite.

organismos, sendo um tipo de fungo (Cândida albicans) e quatro bactérias (Streptobacillus sp., Gram negativo, Stha-philococcus sp., Gram positivo, Streptococ-cus sp., Gram positivo e Lactobacillus sp., Gram positivo).

A princípio, o objetivo do projeto era somente a análise dos materiais coletados nas escovas dentais. No en-tanto, a curiosidade dos estudantes e, especialmente, dos familiares e amigos que contribuíram com a pesquisa in-centivaram sua continuidade. “As pes-soas entrevistadas queriam saber como deveriam proceder após comprovada a existência de bactérias nas escovas”, lembra Vitor Hugo Fernandes, na épo-ca estudante e membro da equipe. Daí surgiu a proposta de desenvolver um segundo projeto: “Estudo para o de-senvolvimento de um produto saniti-zante para escovas dentais”.

O desenvolvimento de uma caixa protetora autossanitizante foi a primeira tentativa da equipe, mas logo foi descartada pelo alto custo da produção, o que dificultaria o acesso à maioria da população. Partiu-se, então, para a produção de uma solução a base de ácido salicílico, uma vez que esse produto apresenta um baixo custo de produção e o método utilizado para purificá-lo é bastante simples (recris-talização). Dessa maneira, chegou-se a uma substância que é de baixo custo, viável e de fácil comercialização e já é

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Projeto de Engenharia resulta no primeiro túnel de vento de Minas Gerais

Engenharia

Bonsventospara pesquisa

Recriar um furacão dentro do laboratório. É algo parecido com isso que o túnel de vento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) irá fazer. O equipamento, recém-instalado no Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos (CPH) da Universidade, permite a realização de testes e o estudo dos efeitos do movimento do ar em equipamentos e produtos. A partir de simu-lações das condições de uso, a equipe de pesquisadores obtém dados sobre qualidade, desempenho e redução de consumo.

O projeto foi elaborado pelos professores do Departamento de Engenharia da UFMG. Este é o primeiro túnel de vento para pesquisa e desenvolvimento de produtos de Minas Gerais. Trata-se do segundo maior do Brasil, sendo que o primeiro está localizado em São José dos Campos, no Centro Técnico Aeroes-pacial (CTA). O túnel mineiro tem 20 metros de comprimento, 7 de largura, 6 de altura e pesa 15 toneladas. A intensidade dos ventos em seu interior pode atingir mais de 400km/h. Para se ter uma ideia, um dos furacões de maior intensidade, nomeado Gilbert, formou-se no México, em 1988, com ventos que alcançaram 296km/h quando tocaram a terra, o que o classifica como um furacão de cate-goria cinco, a mais alta medida de intensidade de um furacão.

O túnel é um imenso tubo retangular cujas extremidades se encontram. Como explica o coordenador do projeto, Ramon Molina Valle, dentro desse circuito fechado há uma corrente de ar criada por um motor. O motor succiona o ar e o faz circular no interior do equipamento, com velocidades reguláveis.

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Dessa forma, é possível estudar aspectos aerodinâmi-cos como distribuição de pressão e forças que atuam sobre o objeto estudado. Os dados contribuem para a otimização de vários projetos de pesquisa, não só nas áreas automobilística e aeronáutica. “Toda a aerodinâ-mica de um carro ou de um avião pode ser medida; qualquer projeto estrutural que vai ser submetido a vento como, por exemplo, torres de linha de transmis-são, prédios ou turbinas eólicas, pode ter seu desem-penho simulado no túnel, obtendo-se, assim, parâme-tros que ajudam a aprimorar o resultado. O sistema ainda pode ser utilizado para a calibração de milhares de instrumentos de medição. As possibilidades de uti-lização do túnel são enormes”, cita o professor.

A demanda pelo equipamento é antiga. A primei-ra tentativa foi a construção de um pequeno protóti-po utilizado para aulas didáticas, mas que não cobria as dimensões do equipamento. Observou-se então a necessidade de um túnel maior, específico para o desenvolvimento de pesquisas e testes de equi-pamentos. Sua aquisição foi possível com recursos da ordem de R$350 mil viabilizados pela FAPEMIG através de seu edital de Aquisição de Equipamentos de Custo Elevado. A instalação nas dependências do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídri-cos (CPH), no campus Pampulha da UFMG, é provi-sória. A montagem tem como objetivo a avaliação da estrutura, já que as peças foram fabricadas separada-mente. Também estão sendo realizados os primeiros testes de funcionamento básico, instrumentação e motor, eliminando possíveis problemas da constru-ção e vazamentos.

O funcionamento pleno do túnel está previsto para novembro de 2009, data do término da cons-trução do galpão onde será instalado definitivamen-te, na Escola de Engenharia da UFMG, no campus Pampulha. O galpão está dentro do cronograma de obras do projeto Campus 2000, que prevê uma série de melhorias dentro do campus, além da construção da Escola de Engenharia com um complexo de la-boratórios junto aos quais está o galpão que será o destino final do túnel de vento.

ParceriasAlém de beneficiar as atividades de pesquisa que

já se encontram em desenvolvimento em várias uni-versidades e centros de pesquisa de Minas Gerais, com o túnel de vento será possível dar início a di-versos estudos que antes não seriam viáveis pela fal-ta do equipamento. De acordo com Valle, a própria UFMG tem vários projetos em andamento, dentre eles protótipos de aeronaves e veículos que precisam do Túnel de Vento para serem testados. “Assim como o túnel do CTA, em São José dos Campos, que possui filas para utilização, a demanda de pesquisa para esse tipo de equipamento é muito grande em todo o es-tado de Minas Gerais. E não somente universidades,

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O túnel de vento, com 20 metros de comprimento e 15 toneladas, criará correntes de grande velocidade para estudo de aspectos aerodinâmicos

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Não só os pesquisadores e professores serão beneficiados pelo novo equipamento, mas também os alunos. O túnel de vento vai compor a estru-tura de laboratórios do curso de Engenharia Aeroespacial, graduação que passou a ser oferecida pela UFMG em 2009. Segundo Valle, o curso, que é um aprimoramento da aeronáutica estudada no curso de Engenharia Mecânica, propiciará um grande avanço em termos de capacitação em formação de engenheiros.

O projeto do túnel de vento, juntamente com o galpão onde será de-finitivamente instalado, faz parte da infraestrutura interna do complexo de laboratórios da nova Escola de Engenharia no campus Pampulha, que terá cerca de 1,9 mil m² para as salas de aula e os laboratórios dos departamentos de Engenharia.

Engenharia Aeroespacial

mas também empresas estão interes-sadas em utilizá-lo”.

Entre as empresas que podem se beneficiar do equipamento estão a Cemig, Furnas, Fábrica Brasileira de Aeronaves (Fabe), Fiat, além de fabri-cantes de equipamentos de ventilação industrial, componentes automotivos e estruturas metálicas. Também empre-sas do setor aeronáutico, automotivo, de geração de energia e de setores in-dustriais ligados à mecânica de fluidos (ventiladores industriais, sistemas de refrigeração, etc), poderão desfrutar das pesquisas realizadas. Para o pro-fessor, o intercâmbio entre universida-de e empresas é um aspecto positivo. “Até para um aumento de parcerias entre instituições e empresas interes-sadas na utilização, o túnel de vento poderá contribuir, como já acontece no próprio CTA”, diz Valle.

Um dos projetos que será bene-ficiado pelo túnel de vento é o de-senvolvimento de um protótipo de sistema de geração elétrica através de turbinas eólicas, que já está em seu

quinto mês de execução. Esse projeto se encaixa na meta do Programa Emer-gencial de Energia Eólica do Ministério de Minas e Energia que visa ampliar a capacidade de geração elétrica brasi-leira através de fontes renováveis de energia. Como ressalta o coordena-dor do trabalho, João Vasconcelos do Departamento de Engenharia Elétrica, “esse tipo de produção de energia é extremamente sustentável e gera um retorno bastante razoável onde hou-ver potencial eólico”.

O setor de energia eólica está em franca expansão mundial, mas ainda dá seus primeiros passos no Brasil devi-do à pouca inovação tecnológica para o setor. No caso do projeto do pro-fessor Vasconcelos, por exemplo, os modelos computacionais das hélices necessitam de dados bidimensionais, e sua validação só é realmente confiável através da realização de ensaios no tú-nel de vento. De acordo com Ramon Valle, o estudo terá seu término coin-cidindo com a previsão de inauguração do túnel. “Até o final do ano teremos

condições de testar o protótipo da turbina dentro do túnel para prever uma série de eventos”. O projeto, que já foi aprovado pela Cemig e submeti-do à Agência Nacional de Energia Elé-trica (Aneel), terá como parâmetro as condições de vento das várias regiões do Estado, de forma que a turbina fun-cione de acordo com a capacidade de vento local.

Mais benefícios para

pesquisaSobre a série de experimentos que

será realizada no túnel, o professor ressalta sua importância para estabele-cer limites e parâmetros de referência. “Hoje ainda existem, por exemplo, vá-rios problemas sérios com relação às normas nos projetos de linhas aéreas de transmissão que são muito antigas. Faz-se necessária a correção dessas normas, que, em sua maior parte, se dá através de testes com protótipos em túnel de vento”.

É notável ainda que, com o túnel, Minas Gerais alcançará um patamar elevado em termos de capacidade para pesquisa em relação aos outros esta-dos do país. Durante a realização do projeto, foram feitas diversas visitas à Alemanha, por sua larga experiência na área, e ao Rio Grande do Sul, que pos-sui, em Porto Alegre, um túnel de ven-to relativamente grande, com uma de-manda enorme em pesquisa. “Mas que é menor que o nosso”, lembra Valle.

“A possibilidade de se aventurar mais permitirá o avanço em pesqui-sas que muitas vezes são limitadas pela falta de infraestrutura e de equi-pamentos”. O professor cita alguns protótipos que estão em desenvolvi-mento devido e que utilizarão o túnel: “Estamos trabalhando no projeto de uma aeronave de competição bastante audaciosa e no túnel de vento pode-remos quantificar e ter certeza se ela vai ou não atingir os limites esperados. Nós temos ainda alguns protótipos em desenvolvimento tanto na área au-tomotiva como na área da aeronáuti-ca, cuja conclusão depende de ensaios no túnel de vento”.

Raquel Emanuelle Dores

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Ramon Molina Valle no interior do equipamento que pode produzir ventos de mais de 400km/h

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Uma escola pública no interior de Minas, alguns alunos dis-postos a aprender e uma professora com vontade de transformar conhecimento em resultados. Esses foram os principais compo-nentes de uma fórmula que, embora não seja química, serviu a vá-rios estudantes carentes da região de Caratinga, no Leste mineiro. À época, a professora Ivoni Reis lecionava Química para o Ensino Médio da Escola Estadual Deputado José Augusto Ferreira e, após as aulas, reunia seus alunos no laboratório. Da experiência, surgiu uma pequena fábrica de produtos químicos, como ceras, desinfe-tantes, detergentes, xampus, sabonetes e cremes hidratantes. O dinheiro das vendas resultou em uma boa reforma para a escola, incluindo a construção de um anfiteatro e um gabinete para aten-dimento odontológico.

Na pequena fábrica, que funcionou de 1986 a 1991, todos contribuíam. Os que eram mais aptos em matemática calculavam os custos, os que eram bons de comércio negociavam as taxas e aqueles que desenhavam bem criavam o design das embalagens. “Ensinamos a eles como serem empreendedores, produtores e ganharem a vida. Hoje muitos desses meninos são donos de indús-trias na região”, orgulha-se Ivoni Reis, que atualmente é professora e coordenadora do curso de Química e do mestrado em Ciên-cias Naturais e da Saúde do Centro Universitário de Caratinga (Unec). Foi com esse espírito de ajudar a formar futuros cientistas e empresários que ela, juntamente com dois outros professores, orientou a pesquisa vencedora da mostra de trabalhos do 2º Se-minário Estadual de Iniciação Científica da FAPEMIG, promovido em novembro passado.

Concorrendo com 170 trabalhos, vindos de universidades pú-blicas e particulares de todo o Estado, a então bolsista e estudante de Química, Lílian Soares Santos, apresentou a pesquisa “Prepara-ção e uso de emulsão repelente biocompatível para Bemisia tabaci (mosca branca)”. “Receber o prêmio foi muito bacana. Trabalho com pesquisa porque gosto e não esperava ter um resultado tão bom”, diz Lílian, que hoje estuda farmácia e é responsável química por uma indústria de produtos de limpeza. Ela também pretende continuar a carreira acadêmica. “A iniciação científica foi muito importante, cresci muito. Pesquisando, a gente aprende a interagir com o assunto e a buscar tudo, não achar respostas prontas”, diz.

Proteger sem prejudicarA mosca branca, que mede cerca de 8 milímetros, coloca ninfas

(pequenos ovos) sobre as folhas e os frutos do tomate. Quando elas eclodem, as larvas sugam as folhas e ainda depositam um vírus

Pesquisadores de Caratinga testam e aprimoram fórmula de repelente contra a mosca branca, principal praga do tomateiro

Agricultura

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que destrói a planta completamente. Produzido a partir de ingre-dientes naturais, o repelente mata as ninfas e mantém as moscas brancas afastadas da lavoura. Além do tomate, a mosca branca ata-ca outras culturas, como o jiló, o feijão e algumas frutas, principal-mente a goiaba.

A ideia nasceu da engenhosidade do agricultor Milton Ribei-ro de Freitas que, curioso, desenvolveu uma fórmula à base de eucalipto para utilizar nas próprias plantações. “Tenho mania de pesquisa, estou sempre pesquisando. Faço isso há 20 anos”, diz. Para ganhar cunho científico e poder ser comercializada, a fórmula desenvolvida pelo agricultor precisava, no entanto, passar pela aná-lise de pesquisadores. Foi, então, que ele procurou a Unec. “Não adianta eu dizer que isso ou aquilo é bom, é preciso que os pes-quisadores digam”, destaca.

“Ele é um pesquisador nato”, diz Ivoni Reis. Os fatos não con-tradizem a professora. Além do repelente, Milton Ribeiro desen-volveu outras quatro fórmulas, que ofereceu para serem analisadas e aperfeiçoadas pela Universidade. Uma delas, um medicamento que promete curar a asma, já está sendo alvo de um dos estudos do curso de mestrado em Ciências Naturais e da Saúde. “Como é uma pesquisa da área de saúde, o processo é mais demorado”, explica Ribeiro.

A primeira fórmula do repelente contra a mosca branca, na época ainda sem respaldo científico, foi aplicada em hortas de jiló e feijão. Os resultados foram positivos. Os pesquisadores da Unec decidiram, então, testar o produto em tomateiros, já que a mosca branca é a principal praga do tomate, também bastante prejudicado pelo uso de agrotóxicos. O fruto é considerado um aliado contra o câncer, especialmente o de próstata, mas o uso de inseticidas prejudiciais podem interferir nessas propriedades. Ivoni Reis realizou testes em laboratório com tomates aparentemente saudáveis, a fim de verificar essas alterações. “Verifiquei que os to-mates que receberam agrotóxicos, ao invés de prevenir, poderiam causar câncer”, relata a professora.

É exatamente este o grande diferencial da fórmula biocom-patível: não é tóxica, sendo inofensiva para a planta, o fruto e os aplicadores, além de garantir um produto saudável à mesa do consumidor. O principal defensivo utilizado contra a mosca branca atualmente é cancerígeno e responsável por intoxica-ções. “Na vontade de reverter isso, passamos a testar diferentes concentrações do repelente em tomates e, novamente, no jiló, no milho e na couve. Em todos os casos, o sucesso foi estron-doso. Nossos produtos não causavam mal ao aplicador, ao meio ambiente, ao solo e davam resultado muito melhor do que o produto concorrente”, diz Ivoni. O preço do repelente também é atrativo. Segundo a pesquisadora, ele é 20 vezes mais barato que o inseticida do mercado.

Nos laboratórios da Unec, a fórmula original do repelente passou por todos os testes e análises necessários para compro-var cientificamente a sua eficácia. A comprovação aconteceu por meio de testes in vitro e de campo. Na experiência final, foram acompanhadas três fileiras de plantação. Uma delas recebeu o repelente orgânico, a outra recebeu o produto concorrente e a terceira não recebeu qualquer tipo de intervenção. Após o fim da colheita, os resultados mostraram que, na fileira que não rece-beu nenhum produto, os tomates apresentaram várias doenças e irregularidades nos frutos, enquanto, nas outras duas, apresen-

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A coordenadora da pesquisa, Ivoni Reis, acredita na importância da Iniciação Científica para a formação de pesquisadores.

O produto, distribuído gratuitamente a agricultores de Caratinga, deve ser pulverizado nas plantações uma vez por semana.

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taram boa aparência, amadurecimento e tamanho uniformes. Isso comprova que o repelente aperfeiçoado pelos pesquisadores tem o mesmo efeito dos defensivos comerciais, com o dife-rencial de não acarretar problemas ao homem ou ao meio ambiente.

Proteção intelectualDiante da comprovação científica

da eficácia do repelente bioativo, os pesquisadores não tiveram dúvida em buscar proteção intelectual para o pro-duto. O pedido de depósito da patente aconteceu em outubro de 2006 e foi liberado em maio de 2008. “Na paten-te, não omitimos o nome de ninguém. Aparece o do Sr.Milton, o da Lílian, o do Giliard (outro bolsista do projeto) e de todos aqueles que nos ajudaram”, conta a coordenadora da pesquisa.

O produto ainda não está no mer-cado, mas é distribuído gratuitamente à maioria dos agricultores da região de Caratinga. Segundo a pesquisadora, ele é de fácil uso e aplicação. Deve ser diluído e pulverizado uma vez por se-mana na plantação, nos períodos mais frios do dia, como o princípio da ma-nhã ou o fim da tarde. A aplicação deve ser feita de baixo para cima, pois as moscas brancas costumam se alojar na parte de baixo da folha. Cada litro do produto é suficiente para diluição em 10 mil litros de água. “Dependendo do tamanho da plantação, dá para aplicar por quase um mês. As nossas hortas, por exemplo, mediam o equivalente a três mil pés de café ou a uma área de cinco mil metros quadrados. Dava para mais de um mês”, afirma.

Conforme Ivoni, os pesquisadores da Unec pretendem começar a produ-zir para vender, mas, para isso, preci-sam construir uma indústria dentro de todas as normas exigidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvi-sa). Além disso, a Unec, como fundação sem fins lucrativos, não é autorizada a comercializar produtos. “Ela teria que criar uma nova fundação que possa

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Os químicos Lílian Soares Santos e Giliard José Barbosa foram bolsistas de iniciação científica da pesquisa que testou e aperfeiçoou a fórmula do produto, que não agride a natureza e é 20 vezes mais barato que seu concorrente.

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Palavra-chavecomercializar e se comprometa a usar o dinheiro em melhorias na própria fundação”, explica a professora.

“Eu ficaria muito contente em pro-duzir. Seria útil para nós e até mesmo para alunos de outros cursos, como economia e administração”, diz Ivoni. Outra alternativa seria vender a pa-tente do produto à alguma empresa que queira fabricá-lo. Atualmente, as duas maiores companhias do ramo de defensores agrícolas estão inte-ressadas no produto. Ivoni diz que as negociações estão adiantadas. Uma das empresas, inclusive, já começou a realizar os próprios testes. “Eles estão gostando dos resultados”, adianta.

Outras pesquisasA mosca branca é apenas a princi-

pal praga que pode ser combatida com o repelente orgânico. Ele também é útil contra outros insetos, entre os quais, o Aedes aegypiti, causador da dengue e da febre amarela. Segundo Ivoni Reis, a intenção é ampliar as pesquisas, a fim de desenvolver novos produtos, inclu-sive nas áreas de cosmetologia e sani-tária, nas quais o repelente tem grande potencial de atuação. A pesquisadora já faz uso do produto em sua própria casa, nas formas de aerosol, em creme gel (aplicado no corpo) e misturado à água de limpeza (aplicado com um pano molhado). “Tenho grama, jardim e, ainda assim, não entra sequer um mosquito em casa”, destaca.

Outra pesquisa coordenada pela professora promete trazer resulta-dos tão bons quanto os do repelente contra a mosca branca. Dessa vez, o alvo é a lagarta do milho, uma praga que destrói plantações inteiras. “É um produto repelente e inseticida, que mata a larva, sem matar a borboleta, não causando o desequilíbrio ecológi-co”, adianta a pesquisadora. Segundo Ivoni, ele também terá baixo custo e será atóxico. Já foi testado em labora-tório e em três hortas (tomate, milho e folhagens), apresentando bons resul-tados. Uma nova horta foi plantada e, após todo o período de acompanha-mento, será feito o pedido de patente do novo produto.

SISTEMA NACIONAL DE C,T,IMario Neto Borges*

O Brasil reúne condições estratégicas de desenvolvi-

mento que poucos países têm, como extensa área terri-torial com importantes recursos naturais, população em número suficiente para caracterizar um grande mercado próprio e Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de US$1 trilhão. Por estas características, o País é parte do grupo denominado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que, junto com os Estados Unidos da América, são os únicos que detêm estes insumos de desenvolvimento.

Deveria, portanto, o Brasil já ter atingido um grau de desenvolvimento que o colocasse entre os países mais de-senvolvidos do mundo, o que hoje – ainda – não é o que se

constata. Entre outras razões para este nível de desenvolvimento não ter atingido sua plenitude está o fato de que o País começou tardiamente a montar um siste-ma nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T,I). Este tripé é fator decisivo para que o Brasil tenha um desenvolvimento social e econômico sustentável e com níveis equivalentes ao do mundo plenamente desenvolvido.

Poderia-se dizer que no eixo da ciência, o esforço nacional se iniciou em meados do século passado com a criação das agências federais Capes e CNPq. Os resultados nesta área atestam o valor destes investimentos e colocam o Brasil hoje como 15º produtor de ciência do mundo, detendo 2% da produção mundial, enquanto a Alemanha, 3º colocado, produz 6%. No entanto, nos eixos da tecno-logia e inovação começamos tardiamente. Só mais recentemente, com a criação dos Fundos Setoriais, das Leis de Inovação Federal e Estaduais (ainda restrita a poucos estados), o PAC da Ciência e Tecnologia e as Políticas de Desenvolvimen-to Produtivo é que se desenha um arcabouço legal e de fomento articulado para estas áreas. Muito ainda precisa ser feito, especialmente na questão da legislação específica, utilizada pelos órgãos de controle no acompanhamento das agências de fomento, que hoje limita as ações de inovação tecnológica.

Neste contexto, os estados têm um papel complementar essencial e estratégi-co para cumprir através das atividades de suas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa. São 23 estados que já implantaram sua FAP, algumas já próximas do cin-quentenário como em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Outras ainda estão em fase de implantação, como no Espírito Santo e no Pará, estas com menos de dois anos de instalação. Essas fundações públicas estaduais vêem se articulando ao lon-go do tempo, inicialmente através de um Fórum que recentemente se consolidou em um Conselho Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa – o Confap.

Um dos objetivos estratégicos do Confap é contribuir para a formação e conso-lidação deste importante Sistema Nacional de C,T,I. Vale ressaltar que, somados os orçamentos das 23 FAPs, o total supera o orçamento do CNPq. Portanto, elas estão em condições de colaborar com as agências federais somando esforços, otimizando recursos, capilarizando ações e acelerando os avanços científicos e tecnológicos.

A FAPEMIG, a partir deste mês de março, assume a Presidência do Conselho e passa a liderar as ações decorrentes de seu planejamento para o biênio 2009 e 2010. Juntamente com a Fapepi, do Piauí, tivemos a honra de sermos eleitos por unanimidade pelos representantes das 21 FAPs presentes à eleição ocorrida em Cuiabá, nos dias 5 e 6 de março. A FAPEMIG se sente orgulhosa de ter sido indicada por sua participação ativa neste Conselho e por ser hoje uma refe-rência para outros estados. Vamos lutar para que o Sistema Nacional de C,T,I passe a ter um papel fundamental para a sociedade brasileira e dela receber o reconhecimento.

*Presidente da FAPEMIGAriadne Lima

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O hábito de consumir carne de suínos faz parte da cul-tura brasileira desde os primórdios da colonização. Trazidos pelos portugueses por volta do ano de 1532, esses animais se adequaram bem ao país e sua criação passou por evo-luções ao longo do tempo. Entretanto, principalmente no caso de atividade para fins comerciais, em grande escala, a suinocultura tem seus impactos para o meio ambiente. Esti-ma-se que uma matriz (fêmea em gestação) polua o equiva-lente a quatro ou cinco pessoas – ou seja, uma granja com

Meio Ambiente

Suinocultura com baixo impactoSistema natural possibilita reaproveitamento e custos reduzidos no tratamento de resíduos

500 matrizes produz uma quantidade de resíduos similar a uma pequena cidade de 2,5 mil habitantes. Com vistas a minimizar essa questão, está em andamento, na Zona da Mata mineira, o projeto de um sistema ecológico integrado de tratamento de águas residuárias da suinocultura.

O Sistema Ecológico Integrado para Tratamento de Água Residuária de Suinocultura na Zona da Mata Mineira, base-ado em recursos totalmente naturais, terá como resultado dois produtos para reuso nas granjas: líquido para limpeza das baias e uma solução de água e nutrientes, própria para a fertirrigação, com o mínimo impacto ambiental. A pro-posta, desenvolvida pela Intec Ambiental, empresa vinculada à Incubadora do Centro Tecnológico de Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Viçosa (Centev/UFV), conta com a parceria da própria UFV e com financiamento da FAPEMIG. “Tudo o que vamos envolver no tratamento é natural, o filtro é feito utilizando-se subprodutos agrícolas e minhocas”, conta o diretor técnico da Intec, Rafael de Oli-veira Batista. Ao longo do processo, duas granjas da região serão escolhidas para validar o sistema.

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Estudos anteriores realizados pela equipe na mesma área - porém para tratamento de esgoto residencial - fo-ram o ponto de partida para a propos-ta. “Há cerca de um ano e meio temos trabalhado com resíduos domésticos nessa linha, que extrapola para todo efluente passível de impacto ambien-tal”, conta Batista. Como a Zona da Mata é o segundo polo de suinocul-tura do Estado, atrás apenas de Ube-raba, surgiu a ideia de desenvolver um sistema pequeno, de baixo custo e de fácil utilização, que pudesse atender os produtores da região, utilizando, pre-ferencialmente, recursos naturais já disponíveis nas propriedades.

Ecologicamente corretoUm biofiltro constituído de minho-

cas e subprodutos agrícolas é a base do sistema proposto. “Esse princípio já é usado para outros resíduos. Adapta-mos para aproveitar as características da minhoca, que transforma os poluen-tes químicos e orgânicos do efluente”, explica o diretor técnico. As minhocas são conhecidas por sua capacidade de converter lixo orgânico e terra em hú-mus, composto rico em nutrientes de fácil absorção pelas plantas.

O sistema coleta o efluente – fe-zes, urina e água da limpeza das baias –, que passa por uma filtragem preli-minar, através de grade e peneira, para que sejam retirados pelos e outros materiais grosseiros capazes de causar entupimentos nas tubulações e siste-mas de bombeamento. Em seguida, o material é armazenado em um tanque anaeróbio e, posteriormente, é lança-do sobre a superfície do biofiltro. Ali, as minhocas contribuem para a remoção da matéria orgânica – juntamente com o subproduto, elas têm a capacidade de reter grande parte da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), fós-foro, nitrogênio e outros elementos, conseguindo mineralizá-los. A seguir, o líquido passa ainda por um reator à base de energia solar para eliminação de bactérias patogênicas e a partir daí está apto a ser utilizado na fertirriga-ção e limpeza das baias. “Para fertir-rigação, não haveria necessidade de passar pelo reator solar, mas estamos sendo muito criteriosos”, acrescenta

Batista. O parâmetro de verificação utilizado pelos pesquisadores, após o processo, é a ausência de coliformes fecais (bactéria Escherichia coli).

Além de proporcionar um trata-mento de 100% do efluente, sem ge-ração de resíduos, o biofiltro reduz os odores comuns nos tratamentos con-vencionais, provenientes da decompo-sição de matéria orgânica. Outra van-tagem apontada pelos pesquisadores é a durabilidade de dois a três anos dos filtros orgânicos, sem a necessidade de limpeza frequente. “É um sistema de baixo custo, fácil operação, que não utiliza produtos químicos e é inovador em nível nacional”, destaca Batista.

Para construção do biofiltro, é ne-cessário um tanque, de fibra de vidro

ou concreto, no qual são preparadas três camadas, sendo uma de brita, uma de material orgânico (serragem, baga-ço de cana, pergaminho do fruto do cafeeiro ou outro subproduto agrí-cola) e a última de material orgânico umedecido, onde ficam as minhocas. “Não ficará muito caro. O investimen-to do produtor seria basicamente na construção do tanque, pois a proposta é usar tudo o que ele já tiver na pro-priedade”, reafirma.

Implantação localO foco principal para introdução

do projeto são as granjas de pequeno e médio portes da Zona da Mata, que têm menos condições de implantar um sistema convencional. Hoje, é usa-

Acima, esquema do biofiltro de minhocas, base do sistema proposto pela equipe. O líquido passa, em seguida, por um reator à base de energia solar, para eliminação de bactérias patogênicas

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Virgínia Fonseca

do na região o método de biodiges-tores, que tem custo mais elevado e ainda gera algum efluente. Estima-se que esteja presente principalmen-te nas grandes granjas. “Quanto às menores, muitas jogam os resíduos sem tratamento em cursos de água ou fazem fertirrigação não planejada, colocando o material em um tipo de trator conhecido como “chorumeira” e jogando na plantação, o que não é ideal e produz um enorme mau chei-ro”, constata Batista.

O produtor Vitor Chaves, que trabalha há 20 anos na área, afirma que teria interesse em implantar o sistema. Atualmente, ele deixou a criação de suínos para investir apenas na parte de frigorífico, mas faz planos de reativar a granja ainda em 2009. Segundo Chaves, quanto mais natural for o tratamento e menos recursos externos à propriedade exigir, me-lhor. “A suinocultura é muito volátil e quando o preço da carne cai, a primei-ra coisa que o produtor faz é parar de investir, o que pode prejudicar o

O Brasil é atualmente o 4º produtor de carne suína do mundo, com quase três milhões de toneladas anuais, e Minas Gerias ocupa também a 4ª posição no país, ao lado de São Paulo. No Sul encontra-se a maior parte da produção: Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul destacam-se nos três primeiros lugares em nível nacional. Nesses cinco estados concentram-se quase 60% dos rebanhos brasileiros. A importância da atividade reflete-se no grande número de criadores envolvidos e, principalmente, no volume de em-pregos gerados direta e indiretamente. Estudos apontam ainda a capacidade de produzir grande quantidade de proteína de alta qualidade em reduzida área e curto espaço de tempo, em comparação com outras espécies de ani-mais de médio e grande portes.

Estima-se que haja no Brasil cerca de 33,61 milhões de suínos, com maior concentração no Sul (43%), Nordeste (21.5%) e Sudeste (17,24%), segundo dados de 2006 do Anuário da Pecuária Brasileira (Anualpec). O rebanho de Minas Gerais é de aproximadamente 3,62 milhões de animais, pouco mais de 10% do total nacional. As regiões do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e da Zona da Mata respondem por 33% e 18,6%, respectivamente, do total esta-dual (IBGE, Produção da pecuária municipal, Rio de Janeiro, 2005).

A carne suína é a mais consumida no mundo, sua produção global chega a quase 100 milhões de toneladas – em 2006, foram cerca de 97,21 milhões de toneladas, obtidas de um plantel de, aproximadamente, 864 milhões de animais. A maior parte da produção está concentrada na Ásia, que responde por quase 60% do total. Os cinco maiores produtores (China, União Euro-peia, Estados Unidos, Brasil e Canadá) concentram cerca de 90% do total mundial, conforme números da Anualpec (2006).

Suinocultura no Brasil

tratamento de resíduos convencional”, conta. “Um sistema como este proposto tem grandes chances de ser implantado e permanecer, pois o custo de manuten-ção é quase zero, então, mesmo que haja alguma crise, o suinocultor não precisa parar”, conclui.

Duas granjas serão escolhidas como unidades piloto para implanta-ção do sistema. Atualmente, os pes-quisadores estão agendando visitas aos suinocultores da região de Ponte Nova e Viçosa levantando particula-ridades, como o percentual que tem tratamento dos efluenetes, e coletan-do amostras para constatar o nível de poluição. Cerca de 20 propriedades serão visitadas e a partir de critérios como condições econômicas do pro-dutor, impactos ambientais e proximi-dade com o laboratório é que será fei-ta a escolha das unidades de teste.

As etapas seguintes serão o de-senvolvimento do protótipo, na UFV, e posterior implantação nas granjas suinícolas selecionadas. A previsão de conclusão é para dezembro de 2010. Segundo Batista, os estudos podem, futuramente, ser aperfeiçoados para aplicação em outros lugares do Brasil.

“Trabalhamos com as peculiaridades de cada região. Este sistema pode ser válido para locais que tenham o cli-ma parecido com o da Zona da Mata, mas para levar para o Nordeste, por exemplo, seria necessário aperfeiçoar estudos”, avalia.

O diretor de negócios da Intec, Si-diney Cabral de Sousa, vê como gran-de benefício o desenvolvimento de um sistema pautado na realidade local e ressalta que o projeto significa a con-solidação tecnológica para tratamen-to e reuso de efluentes da pecuária. “Considerando o potencial poluidor da suinocultura as inovações advindas dele poderão ser extrapoladas a ou-tros setores da economia”, adianta.

Projeto: “Sistema ecológico integrado para tratamento de água residuária de suinolcultura na Zona da Mata mineira”Modalidade: Edital Programa de Apoio a Pesquisa em Empresas (Pappe)Coordenador: Antônio Alves SoaresValor: R$ 499.419,00

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Rafael Batista, diretor técnico da Intec

Unidade piloto utilizada para os testes no campus da UFV

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Desde os tempos mais remotos as joias fascinam o homem. As primeiras de que se têm notícia datam de 3.500 a.C., quando materiais considerados belos ou preciosos eram utilizados na confecção de adornos na antiga cidade de Ur, localizada onde é atualmente o Iraque. E se ainda hoje é notável o papel simbólico das joias nas diversas culturas do homem contemporâneo, a importância para a economia brasilei-ra e mineira, por sua vez, é inegável.

Produção e coloração de quartzos fortalece o setor de pedras preciosas em Minas Gerais

Gemas e joias

Nem tudo que reluz é ouro

Só o Brasil é responsável por 1/3 da produção mundial de pedras preciosas e Minas Gerais se destaca como uma das mais importantes regiões produ-toras do mundo, com 25% do merca-do mundial.

Reconhecendo a importância do setor no país e no estado, foi elabora-do pelo Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) o projeto Singema, que visa ao desenvolvimento de tecno-logias de produção e tratamento de

gemas de quartzo. Segundo o coorde-nador do projeto, o pesquisador Luiz Carlos Barbosa de Miranda Pinto, a es-colha do quartzo deve-se à abundância do material e ao conseqüente poten-cial lucrativo da aplicação das técnicas em Minas Gerais. “Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de quartzo, possuindo 95% das reservas mundiais e Minas Gerais detém grande parte das maiores jazidas do país”.

A matéria-prima, depois de bene-

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ficiada, pode aumentar seu valor em mais de quarenta vezes em relação ao produto inicial. Para se ter uma ideia, o quartzo transparente cultivado (pro-duzido em laboratório) está disponí-vel no mercado a preços em torno de US$ 6,00/Kg, enquanto o quartzo citri-no cultivado é encontrado por aproxi-madamente US$ 250,00/kg. A única di-ferença de um material em relação ao outro é o dopante - impureza mineral, no caso o ferro - que confere a cor amarelo-alaranjada ao quartzo citrino, relativamente rara na natureza.

O projeto Singema é, portanto, uma opção para tornar mais competi-tiva a participação mineira no mercado e mesmo para aumentá-la. Dentro do projeto, além da produção de quart-zo colorido como ametista (violeta), citrino (amarelo-alaranjado), quartzo rosa e outras cores de valor comer-cial, visa-se também ao estudo científi-co sobre as causas da cor nos cristais produzidos. Esse estudo é importante para a compreensão dos mecanismos de coloração em gemas naturais e, consequentemente, para o desenvol-vimento de novas formas de trata-mento. De acordo com o pesquisador, através de técnicas como absorção óptica no visível e no infravermelho e ressonância paramagnética eletrônica é possível avaliar as propriedades ge-mológicas e dominar, com maior regu-laridade, o processo para a obtenção de determinada cor.

Como explica o coordenador do projeto, já são conhecidas quais as im-purezas minerais que conferem cor à pedra cultivada, mas não se conhece a quantidade nem a forma - se na forma metálica, de sais ou na forma de óxido. “Para a obtenção de determinadas co-res é preciso um estudo criterioso. E existe ainda o caso de cores que não existem na natureza, em que se tem apenas ideia do dopante ou impureza. Nesse aspecto, o estudo permite o desenvolvimento de uma pesquisa de nível mais elevado para a aplicação de tecnologias na indústria joalheira”.

O processo O projeto teve início em 2000. O

primeiro passo foi efetuar as adapta-ções na infraestrutura física dos la-boratórios existentes. Foram feitas inspeções de segurança, renovação do sistema elétrico, recuperação e modernização de equipamentos. De acordo com o coordenador, uma das principais conquistas do projeto foi, também, a reativação e operacionali-zação das autoclaves do Cetec, que é a única instituição de pesquisa do Brasil que possui uma planta-piloto de Sínte-se Hidrotérmica de Cristais equipada com autoclaves para altas pressões, além de experiência na área. “Pra-ticamente paradas nas últimas duas

décadas, as seis autoclaves de médio e grande porte entraram em ação no-vamente”, diz.

O pesquisador explica que a sínte-se ou produção hidrotérmica, utilizada na pesquisa para obtenção de quartzo e aplicação de várias cores, é simples. O processo que o mineral levaria mi-lhares de anos para percorrer na na-tureza até finalmente se tornar um cristal de quartzo pode ser reprodu-zido em laboratório com o auxílio de altas temperaturas e pressões em uma autoclave específica. “A técnica consis-te em dissolver lascas de quartzo em uma autoclave, com temperaturas de 350°C a 400°C e pressões de 1500 a 2000 atm. O quartzo dissolvido, então, vai se depositando em lâminas bem fi-nas e em 30 dias já se tem formado um cristal relativamente grande”, diz. Ele conta que, com a adição controlada de dopantes (impurezas como ferro e alumínio), é possível obter quartzos coloridos. Em alguns casos, utilizando-se irradiação e tratamento térmico, podem-se obter outras cores.

O projeto teve ainda a proposta de fazer a caracterização gemológica completa das pedras produzidas a fim de avaliar os resultados e obter parâ-metros de coloração. Foram realiza-dos estudos sobre a estrutura micros-cópica dos centros de cor – defeitos na rede cristalina que absorvem a luz , também causadores de cor no cristal. Para Barbosa, a pesquisa com os cen-tros de cor tem a vantagem de sempre proporcionar novidades no estudo do material. “Sempre que se estuda o cen-tro de cor aparece algo diferente. Al-guns quartzos naturais aquecidos, por exemplo, podem adquirir uma colora-ção esverdeada que, até então, só era obtida através do tratamento térmico de determinadas ametistas”.

Outra linha do projeto foi o desen-volvimento de métodos de caracteri-zação para distinguir uma gema natu-ral de uma gema sintética ou tratada. Segundo o pesquisador, o principal benefício dessa proposta é o supor-te ao mercado, invadido nos últimos anos por gemas sintéticas. “Já ouvi casos em que colocaram ametistas e esmeraldas sintéticas na boca da mina, misturadas entre as pedras naturais. O

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Autoclave de alta pressão do Cetec, onde é realizado o processo de síntese hidrotérmica

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preço no mercado é completamente diferente, por isso é muito importante diferenciar uma gema cultivada de uma gema natural”.

As gemas sintética ou cultivada possuem as mesmas características da correspondente natural. A coloração é a mesma, assim como as propriedades físicas: absorção óptica, transparência, índice de refração. As propriedades químicas também são iguais, pois to-das são de (S) sílica (SiO2). Essa seme-lhança nas características torna pra-ticamente impossível a diferenciação de uma e outra sem nenhuma técnica ou com pouca aparelhagem. “Através da espectroscopia do infravermelho, por estriamento da pedra (produção de diferenças ou pequenas nuances de coloração na pedra), e ressonância paramagnética eletrônica podem-se desenvolver métodos que ainda não são utilizados para caracterização de quartzo no mercado e de outros ma-teriais além do quartzo”. A preocupa-ção de identificar e classificar as gemas em naturais, tratadas ou sintéticas é importante para garantir o lugar do produto no mercado internacional.

MercadoO projeto foi encerrado em 2004,

mas desdobrou-se em outras investi-gações. Uma delas diz respeito a co-

lorações que não existem na natureza. Dentre os quartzos coloridos, o de maior ocorrência natural é o quartzo enfumaçado (marrom ou cinza), mas sua grande oferta acaba por diminuir seu valor no mercado joalheiro. No entanto, através do tratamento térmi-co e irradiação adequada, o quartzo enfumaçado pode ser completamente descolorido ou ainda adquirir cores altamente valorizadas no mercado como o verde-oliva, o amarelo-esver-deado, o laranja e o marrom. Os tra-tamentos de clareamento do quartzo enfumaçado e de produção de quart-zos corados a partir do quartzo enfu-maçado são amplamente empregados no mercado internacional. Algumas va-riedades não encontradas na natureza, como o quartzo rosa transparente (muito raro), o azul cobalto e o azul claro foram recentemente produzi-dos artificialmente em outros países. De acordo com o professor, um caso interessante que pode ser desvenda-do é a origem da cor azul. “Existem três suposições sobre a coloração do quartzo azul e nós estamos tentando comprovar uma dessas suposições, através de outro projeto de continui-dade do Singema”.

Barbosa compara o quartzo ao látex: a exemplo deste último, que foi muito utilizado no Brasil na primeira década do século XX e hoje encontra substituto em suas variedades sinté-

ticas, o mercado vem gradativamente substituindo o quartzo natural por similares sintéticos ou cultivados. Isso porque o valor do material é também valorizado na medida em que apre-sente menos defeitos, o que nem sempre ocorre com gemas naturais. Como explica o pesquisador, é raro encontrar quartzos de boa qualidade na natureza para aplicação na indús-tria joalheira. “Os quartzos citrinos (amarelos) e os quartzos verdes de boa qualidade estão cada vez mais ra-ros. Faz-se necessária então a produ-ção de quartzos cultivados”.

O trabalho, viabilizado pela FAPE-MIG, é fruto de parceria entre o Ce-tec, os Departamentos de Física das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (Ufop) e o Centro de Desenvolvimento de Tec-nologia Nuclear (CDTN). A pesquisa possibilitou a concretização de uma verdadeira rede de cooperação técni-co-científica entre as instituições, pois o CDTN, a UFMG e a Ufop já possu-íam experiência com a coloração de gemas através de técnicas e processos de coloração de gemas naturais e sin-téticas, inclusive da família do quartzo.

De acordo com o professor, a co-laboração mútua permitiu ainda mais a ampliação do conhecimento cien-tífico e tecnológico nos processos de produção e tratamento de gemas sintéticas. “Com base nos frutos des-se projeto foram dados subsídios a trabalhos subsequentes com outras gemas, os quais poderão ser execu-tados pelos participantes desta rede. Nós inclusive já temos um trabalho, proveniente do projeto, que iremos apresentar posteriormente, sobre a influência dos parâmetros de produ-ção na coloração do quartzo”.

Projeto: “Síntese hidrotérmica, caracterização óptica e estrutural de quartzos coloridos (Singema)”Modalidade: Edital Gemas e JoiasCoordenador: Luiz Carlos Barbosa de Miranda PintoValor: R$ 61.323,60

Raquel Emanuelle Dores

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Cristais de quartzo dopados com minerais como Cobalto e Ferro adquirem cores azuladas e amareladas

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Imagine-se portador de uma doen-ça para a qual não há diagnóstico pre-ciso e cujo tratamento recomendado não surte efeito. Essa era a realidade de centenas de pessoas portadoras da alfa-talassemia ou alfa-tal, um tipo de anemia hereditária caracterizada pela baixa produção de hemoglobina normal. Seus sintomas se caracterizam por uma anemia discreta, persistente e que não responde a tratamento com suplementação de ferro. Exames labo-ratoriais não conseguem por si só dis-tinguir a alfa-tal de outras anemias que não apresentam deficiência de ferro.

Essa realidade fez com que pesqui-sadores da Fundação Hemominas de-senvolvessem uma metodologia para diagnosticar com precisão a doença. O projeto “Implementação de testes moleculares para diagnóstico da alfa-talassemia e genotipagem de grupos sanguíneos” teve início em 2005 e hoje se tornou um serviço pioneiro em Minas Gerais. Coordenado pela bióloga geneticista e pesquisadora Ci-bele Velloso Rodrigues, o projeto re-presenta, além de um grande avanço para a saúde no Estado, alívio a esses pacientes que esperaram anos por um diagnóstico definitivo da doença.

A alfa-talassemia é uma anemia hereditária causada pela baixa ou ne-nhuma síntese de alfa-globina, proteína presente na hemoglobina – substância que permite às células sanguíneas o transporte do oxigênio a todo o sis-tema circulatório. Dessa forma, o in-divíduo portador da alfa-tal apresenta um quadro de anemia, que pode variar entre leve (portador silencioso), mo-derada e grave. Esta variação vai de-pender do tipo de mutação genética que leva a uma deficiência ou ausência de alfa globina.

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Diagnóstico molecular permite identificação da doença e aconselhamento genético

Um indivíduo normal (sem alfa-tal) possui quatro genes alfa, sendo dois herdados do pai e dois da mãe. Du-rante a formação do feto, a ausência de um destes genes dá origem a um indivíduo chamado portador silencio-so, ou seja, apresenta três genes alfa e consegue produzir até 75% de hemo-globina. Essa pessoa não terá nenhum sintoma clínico. “O individuo assinto-mático pode levar uma vida normal”, afirma Cibele Rodrigues. Quando há perda de dois genes alfa, o indivíduo vai manifestar a doença. “Seus exames laboratoriais indicarão uma anemia branda e, em um primeiro momento, o médico pode pensar que é uma anemia ferropriva (ausência de ferro), inician-do um tratamento de suplementação desta substância. Mas este paciente não vai responder ao tratamento, gerando frustração para o mesmo e demanda persistente nos centros de saúde”, comenta a pesquisadora.

Nos casos em que há a destruição de três dos quatro genes alfa disponí-veis, o indivíduo vai manifestar o qua-dro mais grave da doença. Os sinto-mas são fadiga, fraqueza, pele pálida ou amarelada, urina escura, ossos faciais anormais e baixo crescimento. Devi-do à dificuldade da hemoglobina em carregar oxigênio para o corpo, pode ocorrer também uma sobrecarga dos órgãos. Estes pacientes são tratados com transfusões de sangue regular, que pode gerar excesso de ferro no orga-nismo. Neste caso, o excesso deve ser retirado com medicamentos (terapia quelante). Também há casos em que é necessário transplante de medula óssea. Sem tratamento, crianças com alfa-talassemia grave não sobrevivem até depois da primeira infância. Fetos gerados com todos os quatro genes afetados geralmente morrem antes ou logo após o parto (hidropsia fetal).

Alívio para pacientesÉ de grande importância para o

paciente assintomático saber que é portador da doença, para que possam ser fornecidas as orientações corretas. “Quando um portador silencioso se casa com outro portador silencioso, existe o risco de gerarem filhos com o traço grave da doença, podendo ocor-

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O teste pode ser feito a partir de uma pequena amostra de sangue e é concluído em, no máximo, 48 horas.

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rer até mesmo morte do feto”, alerta a bióloga Marina Lobato, também pes-quisadora da Hemominas e colabora-dora do projeto.

A metodologia desenvolvida pelos pesquisadores do Hemominas trouxe, além do fim da ansiedade para estes pacientes, uma minimização de custos para a saúde pública. Até a criação do teste, o médico poderia desconfiar que seu paciente anêmico era um portador da alfa-tal, caso ele não respondesse ao tratamento com suplementação de ferro, mas não teria como diagnosticar com precisão a doença. Além disto, há um grande perigo no excesso de inges-tão do ferro, que em grandes quanti-dades, se torna uma substância tóxica, causando problemas para o organismo, principalmente para o fígado.

Segundo a pesquisadora, estes ca-sos também sobrecarregam o Sistema Público de Saúde. “Repetindo consul-tas e exames de hemograma, estes indivíduos estavam sempre atrás de um diagnóstico até então indefinido. A expectativa da equipe é que o tes-te chegue ao Sistema Único de Saúde (SUS). Estamos em fase de negocia-ção”, afirma.

Na Fundação Hemominas já é possível fazer o exame por um preço viável. Uma média de seis testes é re-alizada por semana. “As pessoas que chegam aqui com uma anemia indefini-

A população brasileira é carac-terizada por uma grande diversida-de genética, derivada da contribui-ção de vários grupos raciais. Essa miscigenação origina-se em grande parte das imigrações de africanos, europeus e asiáticos. Esta mistura racial favorece a disseminação de genes anormais, inclusive os res-ponsáveis pela alfa-talassemia.

De origem mediterrânea, o nome talassemia significa “anemia do mar”. A alfa-talassemia é um dis-túrbio genético causado pela defi-ciência ou ausência de cadeias alfa-globina devido a deleções (perdas de segmentos no material genético) nos genes alfa. Acredita-se que mu-tações nesses genes protegem os indivíduos da malária, pois o parasi-ta não consegue se reproduzir nas hemácias dos portadores da alfa-tal. Desta forma, estes indivíduos pos-suem em média dez vezes menos chance de contrair malária. Sendo uma mutação que traz benefícios em áreas endêmicas, ela foi sendo transmitida ao longo de várias ge-rações. Por isso, é alta a frequência de pessoas que carregam uma das mutações do gene alfa.

Os tipos de mutação nos genes alfa variam na população afetada. Assim, em cada etnia prevalece um tipo: no Brasil, a mutação mais fre-quente é a alfa 3,7 e sua prevalência em negros está entre 20 a 25%. De acordo com a Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), a distri-buição de indivíduos afetados pela doença é de 1% na região Norte, 6% na região Centro-Oeste, 8% na região Norteste, 10% na região Sul e 75% na região Sudeste.

Origens da alfa-talassemia

Juliana Saragá

Projeto: “Implementação de testes moleculares para diagnósticos da alfa-talassemia e genotipagem de grupos sanguíneos na Fundação Hemominas”Modalidade: Edital do Programa de Pesquisa em SaúdeCoordenador: Marina Lobato MartinsValor: R$ 42.945,00

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A coordenadora do projeto Cibele Velloso e o pesquisador André Belisario, ambos da Fundação Hemominas

da e exames laboratoriais suspeitos de alfa-tal são encaminhadas para realizar o teste, que pode ser feito a partir de uma pequena amostra de sangue e concluído em, no máximo, 48 horas”, relata André Belisário Rolim, mestran-do e colaborador do projeto. Dos 140 testes já realizados em pacientes com suspeita da doença, 65% possuíam a al-fa-tal. A Fundação também possui uma parceria com o Hospital das Clínicas para detectar a alfa-tal em bebês com suspeita da doença, a partir do teste do pezinho.

“O projeto mostra que é possível implantar no Sistema Único de Saúde exames moleculares viáveis e baratos”, afirma Marina Lobato. A equipe acre-dita que, quando o teste for liberado para o SUS e divulgado para a comu-nidade médica, a demanda será gran-de. “A Fundação Hemominas já está se preparando, pois sabe que haverá grande demanda”, finaliza.

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Quem deseja conhecer os regis-tros de casamento que resultaram em sua família, ou mesmo saber quem foram seus ancestrais, normalmente procura um cartório, instituição civil responsável pelos registros de nasci-mentos, casamentos e óbitos. O êxi-to na tarefa, porém, depende do quão longe irá a pesquisa, pois os cartórios foram instituídos com a Proclamação da República, em 1889. Se a informa-ção é anterior a essa data, o destino é outro: uma igreja paroquial. No Bra-sil colonial e imperial, a Igreja ocupou um importante lugar na máquina bu-rocrática do Estado e as paróquias ou freguesias eram as únicas responsáveis pelos registros dos três principais sacramentos; batismo, casamento e óbito. De 1500 a 1889, o controle do sistema de registro de eventos demo-gráficos foi confiado aos vigários.

Com o objetivo de preservar e disponibilizar um significativo conjun-to desses documentos, a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) desenvolveu o projeto de “Digitalização e disponibilização dos acervos das paróquias da rota da Estrada Real”. O trabalho engloba 23 paróquias pertencentes à Arquidioce-se de Belo Horizonte, entre elas as de Belo Vale, Caeté, Moeda, Nova União,

Democratização da

históriaDocumentos dos séculos XVIII e XIX são digitalizados e abertos ao público

História

ou não cedê-los, pois se trata de uma propriedade particular. Felizmente, foi possível o acesso e nós começamos partindo direto para a digitalização. Foi um ganho extraordinário”.

Atualmente, o acervo está dispo-nível no Cedic, na praça da Liberdade. Segundo Boschi, o público alvo é bem amplo e vai do historiador ao curioso. “Reconstituições familiares, genealo-gias, documentos para comprovação de ações judiciais, prova de ancestra-lidade, inclusive para habilitação a he-ranças, são algumas das possibilidades para a utilização dessas fontes, não só para estudos acadêmicos dedicados à história demográfica, econômica, so-cial e cultural, mas também por his-toriadores ditos amadores, dedicados à genealogia, à história local ou à his-tória de famílias. A pesquisa depende do que a pessoa quer e, sobretudo, da problemática que vai estudar porque a fonte como ponto de partida de infor-mação é a muito rica e fecunda”, diz. Para ele, a documentação, além de útil para pesquisas demográficas, é essen-cial para a reconstituição da história da sociedade mineira.

Quem chegar ao Cedic tem acesso à leitora de microfilme e a dois com-putadores para a pesquisa do acervo digitalizado. Os documentos dos sé-culos XVIII e XIX são, principalmente, compostos de registros de batizados, casamentos e óbitos. De acordo com a bibliotecária responsável pelo acer-vo no Cedic, Maria Elizabeth Miranda do Nascimento, os documentos mais antigos são os mais procurados, princi-palmente os relacionados às paróquias de Sabará e Caeté. Ainda de acordo com Elizabeth, o pesquisador pode en-contrar documentos curiosos como os de casamentos ilícitos para época e filhos ilegítimos “que já renderam mui-tas monografias”, diz.

Garantir a preservação dos acervos paroquiais é, também, um dos objetivos deste trabalho. De acordo com o pro-fessor, o manuseio é uma das princi-pais causas do desaparecimento físico dos documentos. “As pesquisa feitas

Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Saba-rá, Santa Luzia e Taquaraçu de Minas.

Iniciado em 2005, o projeto, realiza-do no Centro de Pesquisa Histórica da PUC, abrangeu um acervo documental composto por 235 livros microfilma-dos, além de outros 41 fotografados, resultando em 16 mil imagens ou foto-gramas. Todos eles foram reunidos em 37 CD-ROMs. De acordo com o coor-denador do projeto, o professor Caio César Boschi, o principal objetivo é facilitar o acesso a esse importante uni-verso de dados sobre o passado brasi-leiro, de uso expressivo nas pesquisas históricas, além de resgatar a identida-de histórico-cultural de Minas Gerais através do uso da tecnologia digital.

O projeto previa a microfilmagem e a posterior digitalização do acervo. No entanto, a equipe contou com uma grande vantagem: o Centro de Docu-mentação e Informação da Cúria de Belo Horizonte (Cedic) já possuía os documentos referentes às paróquias do projeto microfilmados, trabalho que foi feito pela Sociedade Genealógica de Utah, em Salt Lake City, nos EUA. Como conta o professor Boschi, a exis-tência desses microfilmes possibilitou a ampliação do número inicial de 10 para 23 paróquias estudadas. “Os microfil-mes pertencem à entidade, que poderia

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ção dos documentos paroquiais, os arquivos podem ser acessados para pesquisa histórica, seja para resgate de informações pessoais ou outro fim. O importante é isso”.

A digitalização, por sua vez, também propiciou uma possibilidade de dispo-nibilização on-line dos documentos paroquiais. “É importante que o pro-jeto seja ampliado com um link no site do Arquivo Público Mineiro ou através da inserção no próprio site da PUC Minas, de tal maneira que esse acesso seja estendido a qualquer pessoa, em qualquer lugar”, diz o professor.

O acervo pertencente à Arquidio-cese de Belo Horizonte, agora digita-lizado, tem a possibilidade de ganhar o mundo. “Para uma expansão, não vejo maiores obstáculos. Minas Gerais ocupa um lugar destacado em termos da quantidade e de qualidade de acer-vos documentais. Em face disto, pode-se dizer que o projeto não só criou condições para o desenvolvimento de mais pesquisas de qualidade como também para que esse tipo de traba-lho de divulgação seja cada vez mais difundido”, diz.

Raquel Emanuelle Dores

Projeto: “Digitalização e disponibilização de acervos paroquiais da rota da Estrada Real”Modalidade: Edital do Programa “Uso da tecnologia digital no resgate da identidade histórico-cultural de Minas Gerais”Coordenador: Caio César BoschiValor: R$ 50.000,00

“Com a microfilmagem e a digitalização dos

documentos paroquiais, os arquivos podem ser

acessados para pesquisa histórica, seja para

resgate de informações pessoais ou outro fim. O

importante é isso”

em documentos como estes, dos sé-culos XVIII e XIX, acabam acelerando o processo de degradação. Uma vanta-gem fundamental de se microfilmar e digitalizar é a possibilidade não só de um acesso mais amplo, mas também de evitar que os documentos sejam manu-seados com frequência. Além disso, fica garantida a chamada cópia de seguran-ça: em uma eventualidade de sumiço, incêndio ou qualquer outra fatalidade, uma cópia estará preservada”.

Efeitos multiplicadoresA rota da Estrada Real é palco de

iniciativas que visam ao desenvolvi-mento sustentável da região, pautado, sobretudo, no forte apelo contido no patrimônio cultural da área. Os muni-cípios vinculados à rota concentram um significativo conjunto de bens documentais. Para o professor Caio Boschi, o projeto de digitalização dos acervos paroquiais representa uma sinergia com as iniciativas de desen-volvimento sustentável marcadas pela ênfase no turismo cultural. “Como é

que se faz turismo cultural sem co-nhecer a história de uma localidade? Através dos acervos documentais das paróquias, é possível reconstituir essa história”, acredita.

A iniciativa de trabalhar com acer-vos da Igreja Católica, por sua vez, ain-da abre novas perspectivas para os es-forços de preservação do patrimônio documental brasileiro. “A preserva-ção e disponibilização de parte desse acervo é um importante precedente a partir do qual a Igreja Católica pode-rá pautar suas ações de preservação e, principalmente, de divulgação docu-mental”, diz o coordenador.

Tentar criar instrumentos de de-mocratização do acesso a fontes his-tóricas sempre foi uma preocupação do professor Caio Boschi, que está envolvido com pesquisas documentais desde os anos de 1970. Para ele, o que despertou o interesse nesse projeto foi exatamente a ideia de socialização do acesso a documentos que por va-riadas razões tinham seu uso restrito. “Com a microfilmagem e a digitaliza-

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Caio César Boschi, professor de história da PUC e coordenador do projeto de disponibilização dos documentos paroquiais

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Inovação

Neste ano, 13 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) começam a atuar em Minas Ge-rais. Eles congregam universidades e centros de pes-quisas em atividades voltadas para áreas específicas do conhecimento, como, por exemplo, o desenvolvimento de vacinas e a gestão em segurança pública. O objetivo principal é incentivar a pesquisa, a formação de recur-sos humanos e a transferência de tecnologia, agindo de forma estratégica no sistema nacional de C&T. Em todo o país, outros 110 institutos entrarão em ação.

Os INCTs são resultado do novo programa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que, com recursos próprios e de parceiros, destinará R$ 581 milhões a grupos de pesquisa em todo o país. A FAPEMIG é um dos parceiros, contribuindo com R$ 36 milhões para os institutos mineiros. “É o segundo maior aporte de recursos estaduais para o Programa, sendo superado apenas pelos investimentos da Fapesp, de São Paulo”, diz o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges. Além das duas FAPs, participam da iniciativa a Capes, o Ministério da Saúde, a Petrobrás, o BNDES e as Fundações de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fa-peam), do Pará (Fapespa), do Rio de Janeiro (Faperj), de Santa Catarina (Fapesc), do Piauí (Fapepi) e do Rio Grande do Norte (Fapern).

Os institutos foram selecionados a partir de um edital lançado pelo CNPq, em 2008. Foram 261 pro-postas recebidas. Uma primeira seleção contemplou 101 institutos, mas, após análise dos pedidos de recur-sos, foram selecionados outros 22. Segundo o secre-tário adjunto de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Evaldo Vilela, que representa a FAPEMIG no Comitê de Coordenação dos INCTs, o número de contempla-dos cresceu devido à quantidade de boas propostas. Além dos 13 em Minas Gerais, a região Sudeste terá 44 institutos em São Paulo e 20 no Rio de Janeiro.

As propostas aprovadas receberão financiamento por até cinco anos, sendo que os recursos para os três primeiros já estão garantidos. O desempenho de cada instituto será acompanhado pelo CNPq e por um Comitê de Coordenação. “Esse é um programa de longo prazo para o qual serão destinados recursos expressivos para serem investidos no ciclo completo de desenvolvimento científico. Ou seja, as propostas abrangem desde a pesquisa básica até a apresentação de resultados passíveis de proteção intelectual. Isso implica em benefícios diversos para a ciência e tecno-logia, como o aspecto da continuidade dos investimen-tos em médio prazo”, destaca Mario Neto Borges.

INCTs mineirosCom os R$ 36 milhões da FAPEMIG, os INCTs

mineiros receberão, ao todo, R$ 72 milhões. As áreas de conhecimento contempladas abrangem setores estratégicos para o Estado, como o agronegócio e a tecnologia da informação. Os 13 institutos temá-ticos são: café, medicina molecular, nanomateriais de carbono, nano-biofarmacêutica, combate à dengue, planta-praga, desenvolvimento de vacinas, pecuária, ciência animal, engenharia, web, energia elétrica e biodiversidade.

“Os Institutos são frutos da articulação de inves-timentos federais e estaduais. Isso significa potencia-lizar os recursos e focar em prioridades regionais e estaduais sem perder o foco científico nacional. Uma experiência pioneira e brilhante do MCT e do CNPq”, ressalta Mario Neto. Durante a cerimônia de repas-se dos recursos estaduais, em dezembro passado, o secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, Alberto Duque Portugal, destacou a importância dos INCTs para tornar o Estado um ambiente propício às ações inovadoras. “Minas Gerais precisa se preparar para ser líder em conhecimento e, para isso, deve fortalecer as bases da ciência e con-solidar as competências instaladas”, disse.

Um dos INCTs mineiros, o de Estruturas Inteli-gentes em Engenharias, incluirá pesquisas que bus-cam facilitar o controle de vibrações em estruturas, permitindo o diagnóstico e o prognóstico de falhas com mais facilidade. “Esse é um desafio importante para a indústria em geral, mas especialmente para a indústria aeronáutica e aeroespacial”, comenta Valder Steffen Júnior, coordenador do Instituto. Ele destaca a importância da conexão entre pesquisa e mercado. “Hoje temos um forte interesse da Embraer em nos-sas pesquisas. Inclusive já temos, com ela, um projeto paralelo às atividades do Instituto”.

Para Valder Júnior, o programa do CNPq represen-ta a oportunidade de trocar experiências com insti-tuições não apenas do Brasil, como de outros países. O grupo coordenado por ele tem, por exemplo, a participação de São Paulo, com a USP São Carlos; do Rio de Janeiro, com a UFRJ; além de pesquisadores das Universidades de Brasília (UnB) e de Campina Grande (UFCG). O Instituto também tem parcerias com insti-tuições dos Estados Unidos, Canadá, França e Inglater-ra. “Usando as competências de cada grupo podere-mos desenvolver esse tema com mais facilidade. É um esforço conjunto, uma sinergia entre instituições”, diz.

Minas Gerais terá 13 Institutos de Ciência e Tecnologia

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Opinião

Um colega me contou, há algum tempo, história interessante sobre aplicação de recursos. Ele vendeu um apartamento e, com a metade do valor recebido, comprou um carro e com a outra, alguns hectares de terra em uma região agrícola. Embora o carro lhe trouxesse, por um bom tempo, a satisfação “do cheirinho do carro novo”, seu preço atual, cinco anos depois, não paga a me-tade do mesmo modelo recém-saído da fábrica. Porém, as terras compradas, se vendidas hoje, permitiriam readquirir o apartamen-to, comprar o mesmo carro, e ainda sobrariam alguns trocados.

Todos nós temos exemplos semelhantes de boas e más aplicações financeiras. A somatória de resultados econômicos individuais, de famílias, de empresas, em um dado período de tempo, gera o Produto Interno Bruto (PIB) de um país. A aplica-ção da riqueza de uma nação poderá redundar em uma gama de resultados que vão do excelente ao horrível, como a construção de escolas, hospitais e saneamento básico, ou pontes perdidas sobre rios sem as necessárias estradas e aparelhos hospitalares sofisticados encaixotados pela falta de rede elétrica.

É o caso, em escala maior, do que aconteceu com meu cole-ga ao ter seus recursos multiplicados pela compra de terras ou divididos pela compra do carro. Portanto, o tamanho do PIB não é suficiente para avaliar o que há de bom e sustentável para o indivíduo, sua família, o país. Criou-se, então, o Índice de Desen-volvimento Humano (IDH) como medida de qualidade do PIB aplicado. Temos, assim, uma medida de quantidade (PIB) e outra de qualidade (IDH). A pergunta é obrigatória: a correlação entre o PIB e o IDH, ao longo dos anos, é significativa? Embora não tenha recorrido à informações sobre essa correlação, ela deverá ser significativa em países como a Noruega, com excelentes ser-viços sociais gratuitos, e, muito provavelmente não-significativa em países com pontes sem estradas, pontes sem rios, pontes sem rios e sem estradas.

Minha geração é (foi) de publicar muito - centenas de artigos científicos durante uma vida de dedicação à pesquisa. Certamente, muitos com o perfil de ponte sem estrada. Gra-dualmente, a comunidade científica percebeu a necessidade de uma medida de qualidade para o que se publica. Criou-se o Fator de Impacto (FI), que pode ser aplicado ao artigo, revista, pesquisador, instituição, país. Portanto, chega-se à dúvida quan-to à correlação entre quantidade de artigos publicados versus FI de um pesquisador, à semelhança do PIB versus IDH. Tanto o IDH como FI foram uma evolução natural da correção da impropriedade da quantidade sem qualidade.

O FI de uma revista científica é dado pelo quociente entre o número de artigos (e notas) citados nos dois anos anteriores ao ano dessa avaliação e o número total de artigos (e notas) publica-dos nesses dois anos anteriores, por esta revista. O imediatismo dessa avaliação – o que foi publicado anteriormente não é consi-derado – é uma crítica ao FI. Não resta dúvida de que quanto mais

*Roberto Ferreira Novais

Porque os índices de impacto da produção científica no Brasil não correspondem à realidade

Ciência e desenvolvimento econômico

qualidade o artigo publicado tiver, mais vezes ele será citado por outros autores (ou por si mesmo) em outros artigos.

E chego à essência do assunto. Um dia desses, uma cole-ga, que tem seu foco principal de pesquisa na cultura do café, disse-me que seu trabalho com o maior FI trata do cálcio na nutrição do tomateiro. O assunto, embora já bem estudado, pertence a uma cultura de interesse mundial que tem no cál-cio um problema vigente. Por outro lado, seus artigos sobre café, mais bem elaborados e inovadores, não despertam o inte-resse do primeiro mundo, despreocupado com os problemas do café, como planta. Esses trabalhos, se citados, o serão em revistas com baixo FI ou sem indexação, o que a comunidade científica do primeiro mundo chama de “gray literature” – ou seja, não acessada por ela.

Quando acompanhamos a evolução agrícola dos solos de Cerrado, sentimo-nos orgulhosos da grandiosidade de sua evo-lução. A comunidade científica mundial hoje nos respeita mais por essa agricultura pujante, de um modelo que poderá ser repetido em outras partes semelhantes do mundo. As soluções para os solos franciscamente pobres – “complicados” de modo geral – vieram de pesquisas, muitas publicadas em revista sem indexação na época inicial dos maiores achados, sem medidas de FI – típicas “gray literatures”.

Pode-se concluir que mesmo que nossos pesquisadores que mudaram o Cerrado, as florestas de eucalipto, a cafeicul-tura, a bovinocultura-Nelore, tenham em suas publicações FI zero, que nossas revistas científicas estejam claudicando numa luta desigual para aumentar os seus FIs em comparação às melhores do primeiro mundo, é difícil conceber a importância plena dessa medida vista de uma maneira numérica, simples, em que indivíduos, revistas e instituições de pesquisa são “me-didos” e ranqueados em um dado momento, sem os resulta-dos de qualidade comprovada em um período de tempo longo o necessário. Certamente, se houvesse o prêmio Nobel para grandes alterações que a ciência fez para a humanidade, a utili-zação agrícola do Cerrado, o cultivo do eucalipto no país, den-tre outros, seriam fortes candidatos a essa honraria. Nestes casos, a quantidade com a qualidade efetivamente comprovada com o tempo não se correlaciona com FIs.

Não sou contra os FIs, como também não há como ser contra os IDHs. Preocupa-me o fato de em nosso país (como no resto do mundo), aqueles envolvidos em ranquear pessoas, revistas e instituições não discutam sobre como usar bem e, se possível, rever alguns dos componentes do que se chama “qua-lidade” para o usuário de nossa ciência ou como foi a evolução histórica desta ciência para se chegar à essencial medida de sua qualidade. Como em toda evolução, os modelos atuais sobre o que é “qualidade” apenas estão esperando por modelos me-lhores ad aeternum, felizmente!

*Professor titular da Universidade Federal de Viçosa e editor da Revista Brasileira de Ciência do Solo (www.sbcs.org.br).

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Notas

Posse da nova diretoria da FAPEMIG reúne comunidade científica

Pesquisadores, reitores das universidades mineiras e gestores da área de Ciência e Tecnologia de todo o Brasil compareceram à cerimônia de posse dos novos presidente e diretor científico da FAPEMIG, Mario Neto Borges e José Policarpo G. de Abreu. A solenidade foi realizada no mês de fevereiro, com as presenças do governador e vice-governador de Minas e do ministro da C&T.

Em seu discurso de posse, Borges falou sobre a importância de se investir em ciência e tecnologia, destacando o crescimento de Minas Gerais na área. “En-fatizo que a ciência é o pilar responsável pelo desenvolvimento da nação e Minas tem potencial para ocupar lugar de destaque no cenário nacional”. Mario Neto também apresentou um balanço da FAPEMIG nos últimos seis anos, mostrando o aumento do número de projetos financiados, de bolsas concedidas e de prote-ções da propriedade intelectual. “Nesse período, foi investido na FAPEMIG 70% de todos os recursos recebidos desde sua fundação”, comemorou.

Durante o evento, também foram assinados convênios com o Ministério da Ciência e Tecnologia que representam investimento de R$ 64,8 milhões na área. Um dos convênios assinados é o que garante a conclusão do Centro Interna-cional de Educação, Capacitação e Pesquisa Aplicada em Águas (Hidroex), em Frutal, no Triângulo Mineiro, com investimento de R$ 18,1 milhões. O Ministério de Ciência e Tecnologia investirá R$ 13,6 milhões, com contrapartida de R$ 4,5 milhões do Governo do Estado.

A FAPEMIG, representada por seu presidente Mario Neto Borges, foi elei-ta para ocupar a presidência do Con-selho Nacional das Fundações Estadu-ais de Amparo à Pesquisa (Confap). A escolha da nova gestão aconteceu du-rante a reunião ordinária do Conselho realizada em Cuiabá (MT), no mês de março. A chapa, que traz como vice-presidente a Fundação de Amparo à Pesquisa do Piauí (Fapepi), foi eleita por unanimidade em reunião que contou com o maior quorum até hoje: 21, das 23 FAPs do país, estavam presentes.

Para Mario Neto, o resultado po-sitivo da eleição traduz a confiança e o respaldo que a FAPEMIG tem en-tre as FAPs. “Nossa proposta é usar o Confap como um instrumento de fortalecimento da Ciência, Tecnologia e Inovação. Para isso, vamos investir na articulação entre as FAPs”. Outra prioridade será articular programas em conjunto entre as FAPs em torno de temas de interesse comum. São exemplos a articulação para criação da Rede Malária e o edital conjunto para pesquisas com etanol lançado pela FA-PEMIG e a Fapesp.

Mario Neto ocupa agora o lugar deixado por Odenildo Sena, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), que cumpriu dois mandatos consecutivos como presi-dente do Confap. Criado em março de 2006, o Conselho teve seu estatuto apresentado e oficializado em abril do mesmo ano, durante o Fórum das FAPs, que aconteceu em Belo Horizonte. Com a participação de todas as Faps do Brasil, o Confap tem como princi-pal objetivo articular as fundações de amparo à pesquisa brasileiras de forma a fortalecê-las, facilitando, por exemplo, a captação de recursos externos. Além da presidência, o Conselho é compos-to por cinco diretorias regionais e uma secretaria executiva. São realizadas reuniões ordinárias a cada dois meses, além de cursos e seminários técnicos, que acontecem duas vezes ao ano.

FAPEMIG assume presidência do ConfapFo

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José Policarpo G. de Abreu, diretor científico, o governador Aécio Neves e Mario Neto Borges, presidente da FAPEMIG, durante cerimônia de posse

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A Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Ce-tec) é a primeira instituição do Estado a realizar, direta-mente, o repasse de royalties a um de seus pesquisadores. Esse repasse foi possível graças ao esforço do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Fundação, que recebe apoio da FAPEMIG. Os royalties dizem respeito ao processo de coloração de aços inoxidáveis via eletroquímica.

A tecnologia foi desenvolvida pela pesquisadora Rosa Maria Rabelo Junqueira e o ex-bolsista do Cetec Rogério Gonçalves Marques. Os dois receberam do Cetec o repas-se de recursos previsto no contrato de transferência da

tecnologia para a empresa Inoxcolor. "Acredito que isso abre muitos caminhos. Uma conquista que irá motivar ou-tros pesquisadores do Estado a buscar também esse repas-se. O dinheiro, em si, é uma quantia simbólica. Importante é o que essa conquista representa para o futuro da institui-ção", explica Rosa Junqueira.

A transferência de royalties é prática prevista nas Leis de Inovação Federal e Estadual, que prevê o repasse de participação nos ganhos econômicos auferidos pelo Insti-tuto de Ciência e Tecnologia resultantes de licenciamento de uso de patente a ela outorgada.

Exposição comemora 200 anos do nascimento de Darwin

Imagine ser recebido por Charles Darwin em uma visita que leva aos Jardins Galápagos, passando por uma trilha que revela segredos sobre a evo-lução das espécies. Isso é possível na exposição “Darwin: Bicentenário”, que está aberta à visitação até 30 de junho, no Museu de Ciências Naturais da PUC Minas. A mostra comemora os 200 anos de nascimento de Charles Darwin (1809-1882) e os 150 anos de publicação da principal obra do pen-sador, o livro “A origem das espécies”, usado ainda hoje por estudiosos de todo o mundo.

O naturalista britânico, considera-do um dos mais importantes cientistas de todos os tempos, propôs a teoria da seleção natural, que se baseia na ca-pacidade dos organismos de se aper-feiçoarem ao longo das gerações, se-

Homenagem a Marcos Luiz dos Mares GuiaSerão recebidas, até 30 de abril, inscri-

ções para concorrer ao Prêmio de Pesquisa Básica Marcos Luiz dos Mares Guia. Iniciativa do governo de Minas, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da FAPEMIG, seu objetivo é estimular o desen-volvimento científico e valorizar a pesquisa básica. Neste primeiro ano, serão contem-pladas duas categorias: Instituições e Pesqui-sadores. Os vencedores receberão, além de diploma e medalha, a quantia de R$10 mil. O regulamento e a ficha de inscrição estão dis-poníveis no site www.fapemig.br/premio .

Cetec repassa royalties à pesquisadora

lecionando as características genéticas melhor adaptadas ao meio ambiente. A exposição apresenta Darwin e a sua teoria sobre a evolução das espécies, com fósseis e espécimes atuais.

No pacote “Pequeno e Jovem Darwin”, voltado para crianças de 4 a 12 anos, os visitantes são recebidos pelo personagem Charles Darwin, com quem podem tirar fotos e de quem recebem as primeiras informações. A programação inclui jogos educativos, uma visita ao cenário que reproduz os Jardins Galápagos, onde Darwin elabo-rou a Teoria de Evolução das Espécies, e uma pequena trilha, para a qual as crianças recebem binóculo, mapa e um diário de bordo. Adolescentes e adultos podem comprar o pacote “Charles Da-rwin”, que tem dinâmica parecida com o das crianças, mas, em vez de trilha,

inclui a exibição de um documentário. Para quem quiser visitar a exposi-

ção sem adquirir os pacotes, o ingresso custa R$4. O Museu de Ciências Natu-rais da PUC Minas funciona às terças, quartas e sextas-feiras, das 8h30 às 17h; às quintas, das 13h às 21h e aos sábados, das 9h às 17h. O endereço é Av. Dom José Gaspar, 290, Coração Eucarístico. Mais informações e agen-damentos: (31) 3319-4152 ou 4520. Outras atividades referentes ao ano de Darwin podem ser conferidas no site http://www.ano-darwin-2009.org.

O prêmio é uma homenagem ao professor emérito do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG Marcos Luiz dos Mares Guia. Reconhe-cido por seu destaque na área de biotecnolo-gia, o professor foi um dos responsáveis pela descoberta da insulina humana recombinante e pela fundação da Biobrás, empresa pioneira na fabricação de insulina no Brasil. Mares Guia foi também um dos idealizadores da FAPEMIG e defendia a programação dos investimentos capazes de incorporar tecnologia aos setores industriais mineiros.

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Cientistas brasileiros

Um homem que fez ciência, primeiro, e depois ajudou muitos outros a fazer ciência. É dessa forma que José Israel Vargas se define. O mineiro de Paraca-tu, formado em Química pela Univer-sidade Federal de Minas Gerais, ajudou a definir os rumos da política científica brasileira. Na academia, trabalhou com pesquisadores como Francisco Maga-lhães Gomes e desenvolveu trabalhos importantes sobre energia nuclear. En-tre os cargos ocupados ao longo de sua carreira estão o de secretário de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, o de ministro de C&T nas gestões Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o de presidente do Conse-lho Executivo da Unesco e membro do conselho consultor da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU). Pers-picaz e provocador, Vargas introduziu discussões relevantes e ainda atuais, como o direito de exploração do co-nhecimento gerado com dinheiro pú-blico. Nesta entrevista, ele opina sobre algumas questões relacionadas à área. O senhor ocupou cargos impor-tantes ao longo de sua carreira. Em sua opinião, hoje, ciência e tecnologia estão mais presentes nas agendas dos governos?Muitas coisas aconteceram desde en-tão, várias iniciativas foram implemen-tadas. Para mim, uma das grandes di-ficuldades é que ciência e tecnologia não fazem parte do sistema de valores da sociedade. E isso é resultado de uma longa tradição histórica e jurídica, que torna inviáveis ações mais abran-gentes. Veja, temos leis excelentes. O problema é que, quando vão ser apli-cadas, elas não são cumpridas. O Bra-sil é um dos poucos países que tem em sua Constituição o apoio à ciên-cia, especialmente à ciência básica. As leis são ótimas, mas sua interpretação impede a aplicação. Esse tratamento burocrático é um problema e um dos principais entraves para o desenvolvi-mento do país.

E quanto à participação brasilei-ra na ciência mundial?Hoje está melhor que na minha época de ministro, mas ainda é insuficiente. Para se ter uma ideia, os países in-

dustrializados gastam cerca de 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com ciência e tecnologia. Já o Brasil, pelas minhas contas, gasta por volta de 0,4%. Dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o que menos investe nessa área. Em minha opinião, o país perdeu oportunidades de um crescimento maior. Por que se atrasou tanto? O desenvolvimento brasileiro é recente e insuficiente. Basta lembrar que, na década de 50, quase não tínha-mos estradas asfaltadas. Hoje, partici-pamos com 2% da produção científica mundial. É muito pouco. Outro dado: de cada mil patentes depositadas por brasileiros, apenas uma vira um pro-duto ou processo inovador. A ciência brasileira continua isolada do sistema produtivo.

Existe uma máxima que diz que o Brasil consegue transformar dinheiro em conhecimento, mas não transforma conhecimento em dinheiro. Por que isso acontece?Porque é mais fácil comprar pronto que desenvolver. Essa ideia de merca-do protegido, de um modelo de subs-tituição de importações, acabou faci-litando a importação de tecnologias. Ou seja, recebemos tudo pronto e ain-da pagamos royalties. A burocracia e a falta de qualidade no ensino também contribuem para esse quadro. Sem fa-lar na descontinuidade. Parece haver no Brasil um entendimento de que o que foi feito antes não é bom. Assim, cada governante que assume quer re-editar leis e propostas que já existem. O Brasil carece de planejamento a longo prazo em ciência e tecnologia. É preciso definir objetivos, decidir em que investir e por que.

O senhor foi diretor da Funda-ção Vitae, que apoiava projetos de educação, cultura e promoção social. A Vitae já não existe, mas sua contribuição foi importante. Como ela atuou no Brasil?A criação de museus no país foi um esforço grande da Fundação. Entre as instituições beneficiadas estão o Mu-seu de Ciências da PUC-RS, o Museu de História Nacional e o Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz. O

objetivo era incentivar a criação de museus interativos, que não fossem meramente uma exposição, mas que permitissem a manipulação dos ex-perimentos pelos visitantes. A edu-cação em ciência é fundamental para o desenvolvimento do país. Mas isso pressupõe que os professores da educação fundamental e média sejam bem remunerados. Nos países desen-volvidos, um professor primário não ganha menos que 80% do salário de um professor universitário. Aqui, essa diferença é bem maior, o que gera profissionais desmotivados. Isso é um erro. Um grupo de estudiosos norte-americanos demonstrou que de todos os investimentos que uma nação pode fazer, o que traz o maior retorno é o investimento em educação. O Brasil ainda não percebeu isso.

O que significa para o senhor, que foi membro do Conselho Cura-dor da FAPEMIG quando esta passava por momentos difíceis, ver a recuperação da instituição?A FAPEMIG passa por um momento muito positivo, embora não haja méri-to nenhum em cumprir o que prevê a lei. Mas os recursos ainda são poucos. É preciso querer mais.

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