minas faz ciência 47

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Revista de divulgação científica da FAPEMIG.

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MINAS FAZ CIÊNCIAAssessora de Comunicação Social e Editora Geral: Ariadne Lima (MG09211/JP)Editor Executivo: Fabrício Marques Assessora Editorial: Vanessa Fagundes Redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr., Ana Flávia de Oliveira, Marcus Vinicius dos Santos,Hely Costa Jr., Kátia Brito (Bolsista de Iniciação Científica).Diagramação: Beto PaixãoRevisão: Glísia RejaneProjeto gráfico: Hely Costa Jr.Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Lastro EditoraTiragem: 20.000 exemplaresCapa: Hely Costa Jr.

Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://fapemig.wordpress.com/Facebook: http://www.facebook.com/FAPEMIGTwitter: @fapemig

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Antonio Augusto Junho Anastasia

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini, José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Rodrigo Corrêa de Oliveira

Um projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional, o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, pode trazer, se aprovado, mudanças positivas para o País. Como observa o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, em ar-tigo nesta edição, “importantes avanços foram feitos na política da área e também nos investimentos – mas ainda existe um obstáculo fundamental a ser superado. A legislação vigente é fragmentada, ultrapassada e inadequada ao contexto do Século do Conhecimento”.

Em outro artigo, o secretário de C&T do Amazonas e presidente do Con-selho Nacional de Secretarias Estaduais para Assuntos de C,T&I (Consecti), Odenildo Sena, observa que a proposta para o novo “Código da Ciência” “sig-nifica uma revolução nos marcos regulatórios que regem a vida de instituições e pessoas que fazem Ciência no país. Agora está nas mãos do Congresso e do Executivo”. Trata-se de uma grande oportunidade para o País avançar nas áreas científica, tecnológica e de inovação.

Cientistas, pesquisadores e professores universitários afirmam, em con-senso, que a chamada Lei de Licitações, as subvenções, os financiamentos e as compras no exterior são as maiores dificuldades impostas pela legislação vigente. Se aprovada a nova Lei, por exemplo, as aquisições e contratações observarão o primado da qualidade sobre o preço. Esta nova etapa da política científica nacional é o tema da reportagem de capa, que procura apresentar ao leitor a importância desse novo arcabouço legal.

Outro destaque deste número promove um recuo no tempo, mais preci-samente para 1981, quando o mundo enfrentava uma doença misteriosa, que intrigava a comunidade científica. Naquele ano, estudiosos descobriram que se tratava de um vírus causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em português, Sida, ou Aids, nome em inglês, como ficou internacionalmente co-nhecido. Ao longo de três décadas, o HIV mostrou que não escolhe idade, raça, crença ou classe social. Ele está aí e a prevenção é o meio mais importante para combatê-lo. Em um esforço de reportagem, Ana Flávia de Oliveira apresenta algu-mas das principais pesquisas e ações relacionadas ao combate à Aids.

Também na área de Saúde, Marcus Vinicius dos Santos conversou com um dos mais reconhecidos geneticistas do Brasil, o mineiro Sérgio Dani-lo Pena, que tem a firme convicção de que os avanços na tecnologia podem promover uma mudança substancial na Medicina ainda mais rapidamente, na medida em que a sociedade e a comunidade médica absorvem os avanços da ciência genômica e os incorporam às informações preditivas e preventivas na rotina de manutenção da saúde.

Mas há muito mais nesta edição da MINAS FAZ CIÊNCIA que, fiel à sua linha editorial, contempla diversas áreas do conhecimento, cobrindo assuntos que vão da Biologia à Engenharia, da Agricultura à História.

Uma grandeoportunidade

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EsPECIALAids: 30 anos de luta, esperança e descobertas científicas que transformaram a sociedade e a vida dos portadores da doença

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ARTIgOsOdenildo Sena, secretário de C&T do Amazonas e presidente do Consecti, e o presidente da FAPEMIG e Confap, Mario Neto Borges, opinam sobre o Novo Código da Ciência

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PULvERIzADOR AgRÍCOLA Insumo utiliza princípios da Física Eletrostática para aumentar eficiência do equipamento

36CAsAs REsIsTENTEsPesquisa desenvolve projeto de construção alternativa economicamente viável e resistente, principalmente a ventos fortes

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POsTEs fOTOvOLTAICOsPesquisadores estudam aplicações e aperfeiçoamento de materiais da cadeia de produção de energia solar

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sOm E ImAgEmProjetos da Escola de Belas da UFMG dedicam-se à pesquisa das artes digitais e computacionais, permitindo inovadoras interações poéticas entre sons e imagens

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48 LEITURAs Ciência de cabeceira: “Uma história da Ciência: experiência, poder e paixão; e “Design e Método”

ENTREvIsTAO médico e cientista Sérgio Pena avalia como os avanços no estudo do genoma podem auxiliar na prevenção e manutenção da saúde

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JOvENs DE fUTUROEstudantes vencedores do III Seminário de Iniciação Científica da FAPEMIG se destacam pelo ineditismo dos trabalhos e também pela garra, foco e superação

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LEmbRA DEssA?Propriedades fitoterápicas do repolho são utilizadas na produção de pomadas e bálsamo que têm a capacidade de cicatrizar feridas

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DICIONáRIO OPERáRIOLivro reúne diversos momentos históricos do trabalho em Minas Gerais

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5 PERgUNTAs PARA...Rodrigo Mendes, pesquisador da Embrapa, que encontrou um novo mecanismo de defesa para as plantas, livre de agrotóxicos

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MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Lendo “novos tempos para os resíduos”, aprendi que, para haver redução no con-sumo, e assim a consequente redução de lixo, primeiramente precisamos ter a consciência de que somos responsáveis por nossas escolhas, por nossos resídu-os, pois ele vem do que consumimos e que nossa existência tem um impacto no ambiente em que vivemos.Marilia Soldatelli BrittoEstudante / Curso de Comunicação SocialInstituto Metodista Izabela HendrixBelo Horizonte/MG

Estou me formando agora em dezembro de 2011, e desde o inicio do meu curso em 2008 recebo as edições da MINAS FAZ CI-ÊNCIA. Quero parabenizar a revista por tan-tas reportagens importantes, artigos ricos, que me ajudaram tanto na minha formação e no crescimento do meu conhecimento.Francismeire dos Santos de Souza Estudante de Licenciaturaem Ciências Biológicas Fundação Helena AntipoffIbirité/MG

LEI mAIs mODERNAProposta de “Novo Código” promete avanços para a Ciência no Brasil, estimulando pesquisadores e cientistas

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TAXONOmIA Espécie de moluscos terrestres na região da Zona da Mata mineira é mapeada e classificada por pesquisadores da UFJF

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Esta é uma revista voltada para um pú-blico inteligente que se interessa princi-palmente por temas discutidos na atuali-dade. Tem uma diagramação bem limpa que chama a atenção do leitor para os textos que, em sua maioria, são longos, porém interessantes.Karina MarquesEstudante / Curso de Comunicação SocialInstituto Metodista Izabela HendrixBelo Horizonte/MG

Um diferencial da revista é a gratuidade. Isto prova que conteúdo de qualidade não preci-sa ser o fator que eleva o custo do produto. A ideia de que publicações gratuitas não prezam pela boa informação não se encaixa com a linha editorial da publicação. Luis Felipe AmaralProdutorRádio InconfidênciaBelo Horizonte/MG

Gostei! Sinceramente gostei da revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Só de olhar a capa eu fiquei fe-liz. Depois de 15 anos vivendo de produção de revistas, vi nessa publicação um aglomerado raro de pontos que muito me agradam. Mas não adianta ser bonitinha, tem que ter conteúdo. Aí a MINAS FAZ CIÊNCIA fala alto. Com textos escritos de modo claro e acessível, a revista explora todos os conteúdos que todo mundo adora: tecnologia, inovação, sustenta-bilidade, crescimento e conhecimento.A revista Faz Ciência e fez a minha cabeça. Não deu para dividir a leitura, parei tudo e li toda de uma só vez. E claro, entrei no site e me cadastrei assinante. Agora vou espe-rar a próxima edição em casa.José Ary Stambassi Jr.Assessor de ComunicaçãoBelo Horizonte/MG

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No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o mundo soube do surgimen-to de uma nova doença misteriosa, que intrigava a comunidade científica. Os pri-meiros casos foram registrados nos Esta-dos Unidos, Haiti e África Central. Várias pesquisas foram realizadas para entender o que estava acontecendo e os primeiros estudos apontaram que homossexuais, hemofílicos, usuários de heroína e pro-fissionais do sexo, hookers, em inglês, eram os grupos mais vulneráveis à doen-ça, temporariamente denominada 5H. Os pesquisadores concluíram, ainda, que a contaminação acontecia pelo contato se-xual, compartilhamento de agulhas entre usuários de drogas e exposição a sangue e seus derivados. Ninguém sabia direito o

Aids, 30 anos:um desafiopermanente

Ao longo de três décadas, o HIV mostrou seu poder de destruição. Saiba o que tem sido feito para entender e prevenir essa ameaça

Ana Flávia de Oliveira

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011

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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 7

que provocava tais reações e mortes, mas, em 1981, estudiosos descobriram que se tratava de um vírus causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em por-tuguês, Sida, ou Aids, nome em inglês, como ficou internacionalmente conhecido.

No Brasil, o primeiro caso foi regis-trado no Estado de São Paulo em 1980 e classificado como Aids, dois anos depois. A partir daí, o País, ainda assustado com o surgimento de um grave problema de saú-de, viu os primeiros casos em uma mulher e criança, em 1983. Dois anos mais tarde, foi registrado o primeiro caso de transmis-são vertical, ou seja, passado de mãe para filho. Diante da nova realidade, foi criado nesse mesmo ano, o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa), a primeira ONG do Brasil e da América Latina de luta con-tra a doença. No ano seguinte, foi criado o Programa Nacional de DST (Doenças Se-xualmente Transmissíveis) – Aids.

Em 1987, quando o Brasil registra-va 2.775 casos notificados da doença, o AZT, medicamento utilizado em tratamen-to de câncer, foi indicado também para o controle do HIV, uma esperança para os pacientes. No ano seguinte, com a cria-ção do Sistema Único de Saúde, o SUS, os medicamentos que evitam infecções oportunistas começam a ser distribuídos gratuitamente no País. No início dos anos 1990, o governo brasileiro passou a distri-buir gratuitamente os medicamentos para o tratamento do HIV/Aids pelo SUS.

Um dos fatores de destaque no pro-grama brasileiro de controle e combate do HIV/Aids é o acesso universal ao tra-tamento. Desde 1996, o SUS disponibiliza medicamentos para todos os pacientes. Isso só é possível porque o Brasil passou a produzir localmente, por meio de labora-tórios públicos, antirretrovirais de qualida-de, sendo que hoje, dos 20 medicamentos distribuídos, dez são produzidos aqui. Um deles, o Efavirenz, foi através de licença compulsória ou “quebra de patente”, en-quanto outro, o Tenofovir, após o não reco-nhecimento da solicitação de patente.

Em 1999, Marylin, um chimpanzé fê-mea, ajudou a confirmar que o SIV (simian immunodeficiency virus ou vírus da imu-nodeficiência dos símios) foi transmitido

para seres humanos e sofreu mutações, transformando-se no HIV. Testes genéticos mostram que o HIV é bastante similar ao SIV, que infecta os chimpanzés, porém não os deixa doentes.

No ano de 2001, o Brasil ameaça que-brar patentes e consegue negociar com a indústria farmacêutica internacional a redu-ção no preço dos medicamentos para Aids. Em 2006, o País reduz em mais de 50% o número de casos de transmissão vertical e um acordo reduz em 50% o preço do an-tirretroviral Tenofovir, representando uma economia imediata de US$ 31,4 milhões por ano. Dois anos mais tarde, o Brasil, que é referência mundial no combate e contro-le do HIV/Aids, investe US$ 10 milhões na instalação de uma fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique.

Mesmo com as políticas públicas no que diz respeito à doença, o Brasil registra atualmente, em média, 35.000 novos casos todos os anos. Desde 1980, quando se to-mou conhecimento do problema, 229.222 mortes foram registradas em decorrência da doença. Teoricamente, ser soropositivo hoje em dia não significa viver com a ideia de morte iminente, e apesar de todos os avan-ços da medicina nesses últimos 30 anos, fa-lar e conviver com a Aids, ainda hoje, é uma questão delicada. O assunto continua sendo um tabu na nossa sociedade, apesar de sa-bermos que o HIV não é transmitido pelo ar, por um aperto de mão ou por compar-tilhamento do mesmo espaço físico. Ainda assim, vários portadores ainda escondem o problema a fim de evitar o preconceito. É o caso de Juan (nome fictício), um jovem de 23 anos, que descobriu ser portador do vírus aos 21, quando foi fazer exames pré--operatórios para a realização de uma ci-rurgia. “Quando recebi a notícia, fiquei em estado de choque e desde então entrei em depressão porque não tenho o apoio da mi-nha família, conto apenas com a ajuda de pouquíssimos amigos”, relata.

Atualmente, o jovem faz o tratamento pela rede pública de saúde em Belo Hori-zonte e diz que é bem tratado pela equipe que o acompanha, mas não conseguiu se livrar da depressão e confessa que já tentou o suicídio uma vez porque, segundo ele, os efeitos colaterais dos medicamentos “tira-

ram a sua alegria de viver”. “Um conselho que posso dar é dizer que todos se previ-nam sempre, pois infelizmente esse é o tipo de coisa que não dá pra voltar atrás, então cuidem-se antes para não se arrependerem amargamente depois”, ensina.

O caso de Juan ilustra uma constata-ção feita pela professora Maria Imaculada de Fátima Freitas, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG). De acordo com ela, a con-dição social dos pacientes é determinante na adesão do tratamento. “A nossa experiência e as pesquisas mostram que pessoas que são mais desfavorecidas, financeira e socialmen-te, sofrem muito e têm mais dificuldade de adesão. Há muito mais tristeza, descrença e desmotivação, isto é inegável, além da discri-minação da sociedade”, lamenta.

Uma pesquisa que deu jogoEntre 1988 e 1991, a pesquisadora

mineira Virgínia Schall desenvolveu um tra-balho no Laboratório de Educação em Am-biente e Saúde do Instituto Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, de educação com crianças e adolescentes de escolas do município. O objetivo era saber quais doenças os alu-nos conheciam. Foi quando Virgínia, em parceria com duas outras pesquisadoras e psicólogas, Simone Monteiro e Sandra Re-bello, introduziu questões referentes à Aids. Os estudantes, com idade entre 9 e 18 anos, desconheciam o termo, muito menos os sintomas e forma de contágio com o vírus. Após experimentos com textos didáticos, a equipe criou um jogo, o Zig Zaids. “Quando desenvolvemos o protótipo do jogo, nós já sabíamos quais eram as dúvidas dos jovens. Nós mesmas desenhamos os tabuleiros, plastificamos, compramos os dados e pinos em papelarias. As cartas de baralhos fize-mos no computador, imprimimos e levamos para as escolas, onde jogávamos com as crianças. À medida que testávamos o jogo, fazíamos mudanças, até que chegamos nes-se protótipo”, conta. O Zig Zaids chegou a ser comercializado, e a pesquisadora lem-bra que grandes lojas de departamento com seção de brinquedos colocaram-no à venda, mas houve uma polêmica: a sociedade rea-giu negativamente. Por isso as lojas tiveram que retirá-lo das suas prateleiras.

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Apesar da polêmica, Virgínia Schall conta que o jogo foi solicitado por esco-las e empresas. “Quando fizemos, tivemos recursos de projeto de pesquisa, deu para fazermos alguns exemplares. Posterior-mente, tivemos o auxílio do Sesc Nacio-nal, que nos deu 250 exemplares. Essas unidades foram doadas às instituições que nos pediam”, recorda. A editora que fez a primeira edição recebeu encomendas por parte de grandes empresas, como Petro-bras, Volkswagen, Cenibra (que fabrica celulose) e o Ministério da Saúde, que comprou 100 mil exemplares. O jogo teve muitas variações e hoje está disponível no site do Instituto Osvaldo Cruz. Basta fazer o donwload no site: http://www.fiocruz.br/piafi/zigzaids/index.html

O jogo é composto por um tabulei-ro e 23 cartas com perguntas e respostas. Onde aparece uma camisinha, há um ba-ralho surpresa, com informações adicio-nais sobre o HIV e a Aids. As cartas tratam desde questões relativas ao sistema imune até questões sociais. Tudo com uma lin-guagem bem simples, porque ele é voltado para crianças de 9 a 12 anos. “Entendemos que eles precisam ter informações antes de começarem a vida sexual. A pesquisa ava-liou o conhecimento, 30 dias, seis meses e um ano após o exercício do jogo. Verifi-

camos que os alunos que jogaram tiveram mais conhecimen-

to”, explica.

O papel da educaçãoVirgínia Schall acredita que os jo-

vens devem receber as orientações sobre formas de contágio e prevenção das DSTs antes do início da vida sexual. Atualmente, a professora coordena o Programa de Pós--Graduação em Ciências da Saúde do Cen-tro de Pesquisa René Rachou, da Fiocruz, em Belo Horizonte. Entre um dos trabalhos orientados por ela, está a dissertação de Helena Campos, coordenadora do Progra-ma Afetivo Sexual de Juventude da Secre-taria de Estado de Educação. A pesquisa foi desenvolvida com jovens com idade entre 13 e 15 anos de escolas estaduais. “O que nós percebemos é que eles conhecem pouco sobre a camisinha feminina. Nem os meninos e nem as meninas sabem que ela pode ser colocada até oito horas antes da relação sexual, o que daria a elas maior chance de negociação com os parceiros e evita problemas na “hora H”, porque nem sempre o preservativo está por perto ou, se está, eles não usam”, diz Schall.

O estudo usou como referência in-formações da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), feita pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O acesso à informação sobre DSTs/Aids na escola foi outro fator analisado. Em Belo Horizonte, a proporção de alunos que rece-beram orientação sobre DSTS/Aids foi de 89,1% nas escolas públicas e de 91,2% nas escolas privadas. Os altos percentuais sugerem que a maioria dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental recebeu al-gum tipo de orientação. O estudo aponta

que existe um consenso de que o uso da camisinha, masculina ou fe-

minina, é a única forma de evitar as doenças sexu-

almente transmis-síveis (DSTs),

incluindo o HIV/

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“Os jovens conhecem pouco sobre a camisinha feminina. Nem meninos nem meninas

sabem que ela pode ser colocada até oito horas antes

da relação sexual, o que daria a elas maior chance de

negociação com os parceiros”

Virgínia SchallPesquisadora

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Aids. Entretanto, como a saúde sexual e re-produtiva das mulheres depende, em gran-de medida, da habilidade em negociar com seus parceiros o sexo seguro, a saúde das mulheres pode estar ameaçada.

Dados da Pesquisa Nacional de De-mografia e Saúde da Criança e da Mulher, realizada em 2006, revelam que 90% das mulheres brasileiras sabem que existe um preservativo feminino, no entanto, apenas 3,1% das entrevistadas já fizeram uso da camisinha feminina, pelo menos uma vez na vida. Um fator de proteção à saúde sexual e reprodutiva seria tornar o conhecimento e o acesso à camisinha feminina univer-sal. “Acho que precisa de uma mídia forte para a familiarização com o preservativo feminino, que a mulher pode colocar antes e não depende do parceiro aceitar usar. Ela chega dizendo que está protegida e que não vai tirar a sua proteção. Dá para fazer uma negociação com o parceiro, com mais se-gurança. Nas entrevistas, as meninas falam muito mal do preservativo feminino, acham grande, difícil de colocar. Se os postos ti-vessem, distribuíssem e ensinassem como usar, seria um avanço”, argumenta.

O Programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) é uma iniciativa conjunta entre os ministérios da Saúde e Educação. Criado em 2003, hoje está presente em cer-ca de 66 mil instituições de ensino do País. Além de distribuir camisinhas, o programa insere a temática de prevenção e promoção da saúde sexual e reprodutiva e a discus-são dos diversos aspectos da sexualidade no cotidiano das escolas públicas.

A Aids na vida de casaisDoenças graves, mas que têm tra-

tamento, como hanseníase e tuberculose, afetam a vida do portador e de sua família. Com o vírus HIV e a Aids, a situação se re-pete. As alterações interferem em questões como relacionamentos sociais, adesão ao tratamento, perspectiva e qualidade de vida. Pensando no dia a dia dos infectados pelo HIV, a professora da Escola de Enfermagem da UFMG, Maria Imaculada de Fátima Frei-tas, iniciou, nos anos 1990, estudos ligados ao tema. Em 1993, havia realizado estudo sobre as interações de cônjuges quando um deles estava em tratamento para hanseníase

e, em 1996/1997, quando os antirretrovirais foram introduzidos no Brasil, realizou a mes-ma pesquisa com casais com Aids, para, em seguida, comparar os resultados dos dois estudos. A partir daí, desenvolveu diversas pesquisas sobre questões psicossociais de pessoas vivendo com HIV ou Aids, como aquelas relativas à adesão ao tratamento, maternidade e HIV, experiências sociais con-siderando faixas etárias, além de outras.

“Antes só se usava o AZT, mas o governo brasileiro passou a distribuir gra-tuitamente os antirretrovirais e houve uma diferença no controle da infecção e no tra-tamento dos pacientes”, diz. Durante o es-tudo acompanhou casais da rede pública de saúde, em que o marido, a mulher ou os dois estavam infectados, em Belo Horizonte. Foram ouvidos casais com relacionamentos com mais de um ano até aqueles que es-tavam juntos há mais de duas décadas em que os dois estavam infectados. O objetivo era acompanhar uma narrativa das vidas dessas pessoas com a finalidade de saber como viviam. Enfim, a ideia era fazer com que pensassem sobre os seus problemas.

Dez anos depois, em 2006, uma nova pesquisa foi feita com outros casais, e o que se constatou é que houve mudança no perfil epidemiológico em decorrência da queda das taxas de mortalidade e das me-lhorias no controle da doença. Ambos os estudos evidenciaram que a revelação do diagnóstico é sempre um grande susto. “A pergunta que eles se fazem é: ‘por que eu?’. O sentimento de culpa também existe e, no momento da revelação, o medo da morte ainda é muito forte”, comenta. De acordo com a professora, os homens, em geral, descobrem primeiro.

Nas duas pesquisas, notou que eles têm muito receio de falar sobre o assun-to. “Há sempre um silenciamento inicial. O cônjuge percebe que algo está errado, mas não sabe o que é. É um momento de muita fragilidade no casal. Quando há a revelação, leva-se mais susto, e eu digo que a Aids é um revelador de traição, do que já se sabia antes, mas não tinha cer-teza. Um revelador da fragilidade ou da força da relação, do desamor. A Aids se torna naquele momento uma tela em que ambos enxergam o relacionamento. É um

momento de muito questionamento e so-frimento”, observa. A pesquisa mostra que a grande questão em todo o tempo da Aids é a gestão do segredo, não apenas sobre a doença, mas sobre os medos, fragilidade, culpa, como cada um se vê diante do mun-do, não é só o temor de ser excluído.

O diagnóstico da Aids obriga o casal a se reestruturar, como em qualquer outra doença grave, como um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou um infarto do miocárdio, explica a pesquisadora. O modo como cada pessoa vai tratar o assunto com seu parceiro é que pode mudar. Segundo Maria Imacula-da, existem três possibilidades: fugir; espe-rar o impacto da notícia passar sem apro-fundar verdades que não se quer (ou não se pode) encarar; ou enfrentar o problema, restabelecendo ou terminando o relaciona-mento. Os que continuaram juntos foram os casais que participaram das duas pesquisas. Nelas, houve relatos de mulheres sobre a descoberta do diagnóstico do marido, como a que só ficou sabendo porque, precisando de dinheiro, mexeu na carteira do marido, quando ele dormia, e encontrou o resultado aí guardado há mais de um mês. Estarrecida, sentindo-se duplamente traída, essa mulher viveu um período de sentimentos contradi-tórios entre raiva e medo de estar infectada. Fazer o exame e esperar o resultado neste caso é considerado uma tortura na relação do casal. O homem se sente culpado, “não tem o que dizer” e sente fortemente o desejo de morrer, na maioria dos casos.

Em 1996, era o conflito da dor do sentimento, do medo da morte rápida, e este medo continua existindo hoje, mas agora há um jogo interativo mais fácil de ser feito, porque se vive mais tempo mesmo com a doença. Nessa reestruturação da vida a dois, o que se percebe é que os casais que per-manecem juntos, após o diagnóstico, vão buscar a mesma lógica interativa que eles ti-nham antes, como observa a pesquisadora: “Se havia negação, silenciamento, conflitos explícitos e uma interação conflituosa, após a descoberta do diagnóstico e após um pe-ríodo há uma ‘acalmada’ na relação porque aparece naquele momento o sofrimento do outro e uma solidariedade amorosa. Mas, com o passar do tempo, a lógica anterior de ‘tapas e beijos’ volta como antes”.

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A doença tem o poder de reorganizar o relacionamento, mas isso aconteceria por causa do impacto da notícia. Já nas relações em que havia uma solidariedade entre o casal, diálogo, vida amorosa e se-xual estável e alegre, tudo isso se perde no momento da revelação da doença. “É um conflito, e quando eles se entendem voltam para a fase anterior. Isso é muito forte nas duas pesquisas. Há um período mais longo ou curto de calmaria ou de caos na relação, e isso é determinado pelo grau do adoeci-mento de um dos cônjuges”, destaca.

Entre os casais de 1996, a atividade sexual estava comprometida, não havia desejo, e sim raiva, impotência e descaso, diferentemente das entrevistas de 2006. As pessoas ouvidas dez anos depois estariam mais dispostas fisicamente e menos adoe-cidas. “Não podemos afirmar, mas a possi-bilidade de alcançar uma vida melhor inclui o sexo porque existe mais disposição física e também porque os medicamentos foram aprimorados. Ao mesmo tempo, o desejo do outro, a atividade sexual prazerosa não existe só porque você tem vigor, ela vem pelo desejo emocional e psicológico do relacionamento”, conta.

Outro fator diretamente ligado à adesão do tratamento é a condição social dos pacientes. Na pesquisa realizada pela professora Maria Imaculada Freitas foram entrevistados desde casais de classe média alta até pessoas menos favorecidas econo-micamente. Mesmo que sejam assistidos por um médico particular ou vinculado a um plano de saúde, todos também são acompanhados no serviço público, que faz a distribuição dos antirretrovirais. “Casais mais sólidos tendem a aderir melhor ao tratamento. O casal que é mais unido vive a sua história com mais força e se ajuda nos momentos difíceis”, diagnostica.

Durante as entrevistas, a professora encontrou uma situação, que ela caracteri-za como anedota. Maria Imaculada Freitas conheceu um casal jovem, que tinham um relacionamento longo, de aproximadamen-te oito anos. Eles se destacavam pela be-leza, aparência “saudável” e boa condição financeira, mas o rapaz descobriu que era soropositivo. “A namorada dele não tinha coragem de fazer o exame e, quando se de-

cidiu, soube que não estava contaminada. Eles continuaram juntos, principalmente quando ele teve uma fase mais doente, e depois terminaram. Tempos depois, este homem conheceu uma outra mulher, não-infectada, casaram-se, hoje têm uma criança nascida por meio de inseminação artificial e eles têm um casamento feliz. Isso mostra que houve um acordo en-tre este casal de só terem relação sexual protegida e porque ele teve coragem de se abrir com ela. Chamo de anedota por ser um caso raro em vários aspectos, e parte desta história só foi possível graças à boa condição financeira dele”, destaca.

Pesquisas e Vacina Anti-HIVEntre os anos de 2004 e 2010, o Mi-

nistério da Saúde financiou 244 projetos de pesquisa, totalizando R$ 55,9 milhões, a partir de 15 editais de pesquisa lançados em todas as áreas de conhecimento do HIV, por meio de editais públicos anuais. De acordo com o coordenador do Depar-tamentode DST/AIDS e Hepatites Virais, Dirceu Greco, o Estado de Minas Gerais tem contribuição relevante em todas as pesquisas executadas pelo Ministério da Saúde. “Podemos citar como exemplo o estudo de prevalência entre conscritos das Forças Armadas, o estudo de sentinela parturientes, Qualiaids, e estudos de so-brevida, além de estudos de coortes que vêm sendo executado há muitos anos em Minas. Estes estudos trazem dados impor-tantes a fim de definir políticas específicas para prevenção, melhora da qualidade de vida e também para futuros ensaios com vacinas candidatas anti-HIV”, explica. Além disto, a FAPEMIG e o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais da Secre-taria de Vigilância em Saúde do MS estão em processo de estabelecer um acordo para editais de pesquisa em Aids, finan-ciado pelas duas instituições.

Segundo Greco, de 2006 a 2010, o Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais financiou 16 projetos de pesquisa relacionadas às vacinas e microbicidas, totalizando R$ 5,4 milhões. Também foi lançado o “Plano Brasileiro de Vacinas an-ti-HIV 2008-2012”. “O objetivo é fortalecer a participação do Brasil no esforço global

para descobrir, avaliar, produzir e propiciar acesso a vacinas anti-HIV. O Plano propi-cia maior integração da comunidade cien-tífica e tecnológica brasileira no esforço internacional e na estratégia global para o desenvolvimento de uma vacina anti-HIV”, conta. Esta iniciativa deverá viabilizar, tam-bém, a inserção da pesquisa e desenvol-vimento nesta área, na política tecnológica e industrial brasileira, envolvendo-o numa perspectiva multisetorial. O médico desta-ca que, para que se uma vacina eficaz seja desenvolvida, é necessário considerar os aspectos logísticos, comportamentais, de custo e disponibilidade, as implicações na prevenção e éticos, entre outros elementos.

Efeitos colateriaisA qualidade de vida e as condições

de saúde das pessoas que vivem com HIV e Aids são bem melhores do que há alguns anos, graças à medicação disponível. Uma pessoa recém-diagnosticada em tempo adequado, que se utilizar dos medicamen-tos de maneira correta e constante (adesão ao tratamento), provavelmente não evoluirá para a Aids no Brasil. No entanto, existem impactos no uso prolongado de antirretro-virais. Se, por um lado, eles reduziram a taxa de mortalidade diretamente causada por Aids, por outro, o aparecimento de efeitos adversos e suas consequências po-dem fazer parte da vida do paciente.

Entre essas consequências estão o aumento do risco de eventos cardiovascu-lares (como infartos, devido às alterações metabólicas, como elevações de colesterol), lipodistrofia, que pode afetar a autoestima, to-xicidade renal e hepática (fígado). “É preciso que o paciente tenha acesso a cuidados pro-fissionais de qualidade, com capacidade para ajudá-lo a enfrentar as dificuldades inerentes ao tratamento prolongado. E também para estimular e dar acesso a dieta equilibrada e exercícios físicos”, ensina Dirceu Greco.

A polêmica da descobertaNo mundo acadêmico existiu uma

polêmica sobre a descoberta do vírus da Aids. Uma equipe francesa e outra norte--americana lutaram durante anos pelo tí-tulo da descoberta. Enquanto os pacientes viviam com a esperança de que os cientistas

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descobrissem a cura da Aids, na década de 1980, a autoria pela descoberta do vírus HIV e a criação do primeiro exame capaz de de-tectar o vírus gerou uma disputa científica e comercial entre França e EUA. O cientista estadunidense Robert Gallo, também citado como descobridor do vírus, chegou a ser acusado de fraude por uma equipe francesa.

Em 1987, os então presidentes da França, Jacques Chirac, e dos EUA, Ronald Reagan, decidiram que os dois países iriam dividir o crédito pela descoberta. No entanto, nos anos 1990, os Estados Unidos reconhe-ceram que os franceses mereciam uma par-cela maior dos royalties dos produtos deriva-dos da descoberta, solidificando a posição de Luc Montagnier como principal descobridor. Em 2008, três cientistas dividiram o Prêmio Nobel de Medicina daquele ano, sendo os franceses Françoise Barre-Sinoussi e Luc Montagnier, pela descoberta do vírus cau-sador da Aids, o HIV; e o alemão Harald zur Hausen, pela descoberta de que o papiloma-vírus humano (HPV) pode provocar câncer de colo do útero. Robert Gallo não recebeu o prêmio, apesar de ter seu nome destacado na documentação que justifica a premiação, divulgada pelo Comitê Nobel.

Os números da AidsOs números da Aids impressionam,

apesar das campanhas de conscientiza-ção e todos os avanços da medicina no controle e combate à doença. O Departa-mento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde contabiliza, em média, 11.000 óbitos em decorrência da doença no Brasil. Em Minas Gerais, desde 1980, foram notificados 41.791 casos e 15.154 pessoas perderam a vida vítimas da Aids. A maior incidência de casos ainda é entre os homens, mas, a cada ano, essa diferença vem diminuindo. O aumento proporcional do número de casos entre mulheres pode ser observado pelo número de casos em homens dividido pelo número de casos em mulheres. Em 1989, para cada seis casos de Aids no sexo masculino havia um caso no sexo feminino. Em 2009, a proporção diminuiu, passando de 1,6 caso em ho-mens para cada caso em mulheres.

A faixa etária em que a Aids é mais in-cidente, em ambos os sexos, é a de 20 a 59

anos de idade. Entre 13 e 19 anos, o número de casos é maior entre as mulheres. São, em média, oito casos em meninos para cada dez em meninas. Mas, em relação aos jovens, os dados apontam que, embora eles tenham elevado conhecimento sobre prevenção das DSTs, há tendência de crescimento do HIV. Contudo, a maioria dos casos, no sexo masculino, se dá entre jovens homossexu-ais (26,8%) e bissexuais (10,2%).

Estima-se que 630 mil pessoas vi-vam com o vírus no Brasil e, pelo menos, 255 mil não sabem que são portadoras ou nunca fizeram o teste de HIV. Entre 2005 e 2009, com a adoção do Programa Fique Sabendo, testes de HIV distribuídos e pa-gos pelo SUS mais que dobraram: passa-ram de 3,3 milhões para 8,9 milhões de unidades. Os testes realizados para o HIV no País passaram de 23,9% em 1998 para 38,4% em 2008.

A epidemia da Aids no Brasil está estabilizada em patamar ainda não satisfa-tório, com a taxa de incidência em torno de 20 casos por 100 mil habitantes. Em 2009, foram notificados 38.538 casos da doença. Os dados do Ministério da Saúde referem-se apenas aos casos de Aids e não àqueles infectados pelo HIV.

Apesar de o número total de casos no sexo masculino ser maior entre heterosse-xuais, a epidemia no País é concentrada. Isso significa que a prevalência da infecção na população de 15 a 49 anos é menor que 1% (0,61%), mas é maior do que 5% nos subgrupos de maior vulnerabilidade para a infecção pelo HIV – como homens que fa-zem sexo com homens (HSH), usuários de drogas (UD) e profissionais do sexo (PS).

Óbitos e discriminação“O percentual significativo dos óbitos

ocorre pelo diagnóstico ou acesso tardio ao tratamento, e o Ministério tem buscado junto com os estados e municípios aumen-tar as oportunidades para o diagnóstico e reforçar com os profissionais de saúde a necessidade de oferecimento de sorologia, com os devidos aconselhamentos, não só para o HIV, mas também para sífilis e hepa-tites virais”, anuncia Dirceu Greco.

Segundo o médico, esses números relativamente baixos em todas as avalia-

ções, seja prevalência, incidência e até mes-mo na mortalidade, mostram o lado positivo do enfrentamento da epidemia. Por outro lado, há muitos desafios e dificuldades. “Por exemplo, o acesso universal aos insu-mos de diagnóstico, prevenção e tratamen-to, exemplo para muitos outros países, pode levar a certa complacência, à sensação no imaginário popular de que a epidemia está controlada. Isto pode diminuir os cuidados na prevenção e pode dificultar o necessário espaço na mídia para esta discussão”, argu-menta. E acrescenta que, apesar do “medo generalizado” que existia antigamente ter diminuído, ainda há longo caminho a per-correr para diminuir o preconceito e impedir a discriminação que ainda afeta as popula-ções com maior vulnerabilidade ao HIV.

A curaDiversas pesquisas estão sendo rea-

lizadas em centros de pesquisa do Brasil e do exterior, e toda a comunidade científica mundial está empenhada na busca da cura para a doença. No entanto, apesar de todos os esforços, esta ainda não foi alcançada e nem a perspectiva a curto prazo para a disponibilização de uma vacina eficaz. O que explica essa dificuldade é a complexi-dade e a grande capacidade de mutação do vírus. De acordo com Greco, há pesquisas buscando tecnologias para a cura da AIDS e, atualmente, existem ensaios clínicos internacionais buscando novos medica-mentos para serem usados em associação para combater os vírus latentes. “Estes são responsáveis pela manutenção da infecção mesmo entre pessoas que recebem hoje tratamento eficaz, pois são incapazes de eliminá-los”, afirma.

saiba mais:

Acesse o nosso blog e leia mais sobre os 30 anos da Adis, além da entrevista completa com a professora Virgínia Schall.

fapemig.wordpress.com

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Prático trabalhou dias a fio para construir sua casa de pedra, tão firme e bem acabada que nem o sopro forte do Lobo conseguiu derrubar. Seus irmãos, Cícero e Heitor, mais preguiçosos e me-nos engenhosos, não tiveram a mesma sorte: viram suas casinhas de palha e madeira caírem por terra, diante do me-

fortecomo rochaPesquisa apresenta projeto de construção resistente a terremotos e furacões Ariadne Lima

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nor sopro do malfeitor. A história dos Três Porquinhos, tão presente no imaginário das crianças, poderia ter um final mais feliz se os irmãos mal sucedidos tivessem aplicado engenharia às suas construções. “Se os porquinhos tivessem noções de equilíbrio, eles estariam protegidos. Bas-tava colocar os contrapontos no lugar

certo”, diz o engenheiro civil, mestre e doutor na área, Ernani de Araújo, recor-dando a história infantil. Ele orientou uma pesquisa de mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) que propõe uma estrutura mais estável e segura às edificações, mesmo quando submetidas a fortes ventos e terremotos.

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A proposta foi tema da dissertação de Cristina Evangelista Silva e consiste em um modelo arquitetônico e estrutural específico, voltado para a construção re-sidencial para famílias de baixa à média renda, respeitando os conceitos de sus-tentabilidade. A pesquisa começou há 10 anos, com a dissertação da aluna Laila Nuique, que propôs o desenvolvimento de uma estrutura metálica em aço, mais econômica para construções comerciais. A ideia foi amadurecida e ganhou nova forma na dissertação de Evangelista.

A nova pesquisa apresenta um pro-jeto de construção alternativa industriali-zada, viável economicamente e resistente, principalmente ao vento. Isso se dá por meio do pórtico desenvolvido, que é confeccionado em aço e é bidirecional, ou seja, posicionado em duas direções, garantindo a segurança da construção. Segundo descreve Evangelista, os pórti-cos apresentados são modelos espaciais formados por arcos que se cruzam e pro-porcionam a estabilidade de uma cons-trução em duas direções perpendiculares, quando submetidos a ações externas, como abalos sísmicos e ventos de até 200 km/h. “Com esse tipo de pórtico, o vento pode bater em qualquer direção e a cons-trução fica segura”, afirma Ernani Araújo.

O trabalho incluiu uma análise estru-tural por meio da construção de maquetes físicas e de simulações virtuais, que indi-caram questões como resistência e defor-mações provocadas na estrutura em razão do vento. “Também foi feita a análise da arquitetura, com o estudo da modelagem da estrutura, da geometria e do espaço a ser ganho. Depois, foram feitas as outras análises, como deslocamento, vinculação e condições de contorno”, relata Araújo. Para as análises, foram utilizados os pro-gramas de computador AutoCad (proje-to arquitetônico e estrutural); SketchUp (modelagem em 3D) e Ansys (análise es-trutural dos pórticos bidirecionais). Uma

análise comparativa com outros modelos estruturados em aço e com a construção convencional foi realizada por meio do programa Cypecad. “Com os resultados obtidos, concluímos que o perfil de aná-lise suportou os carregamentos aplicados, não houve rompimento da estrutura e sua deformação e deslocamento foram muito pequenos”, relata Cristina Evangelista.

O modelo proposto também se difere dos convencionais pelo uso de formas arre-dondadas. Pela análise estrutural do formato, usando conceitos de engenharia civil, foram investigadas as tipologias estruturais, apon-tando que o formato em arco é mais fácil de ser executado e eficiente. Esse principio tam-bém foi aplicado na construção dos pórticos. “Os romanos já sabiam que modelos circula-res e parabólicos são os melhores. No Coli-seu, por exemplo, muita coisa é feita em arco. O mais eficiente é o modelo parabólico, mas, por ser mais difícil de executar, o circular é mais usado”, elucida Ernani Araújo.

Ação e reaçãoQuem já passou do ensino médio e

não matou as aulas de Física certamente vai se lembrar da 3ª Lei de Newton (Lei da Ação e Reação), segundo a qual um corpo A, que exerce força sobre um corpo B, recebe deste uma força de mesma intensidade, mesma direção e em sentido contrário. É o que acon-tece nas construções a todo o momento, em razão de ações externas como peso, ventos e impactos. “Quando um vento bate em uma construção, ele provoca pressão e sucção. Quando esses dois efeitos se somam, ele tende a arrancar parte da construção. Assim, o vento pode arrancar janelas, portas e telhas de uma edificação”, explica Araújo.

As reações acontecem em movimen-tos internos e, com base nesses esforços, os pesquisadores chegaram às medidas exatas e mais adequadas aos tubos que formam os pórticos. Outra inovação apresentada na pes-quisa é a flexibilidade desses tubos, alcança-da por meio de indução eletromagnética. “Ela permite a curvatura do material, formando pórticos em arcos que se cruzam no espaço, em direções travadas, deixando a construção livre de ações horizontais (ventos). Não existe na história da engenharia, nem da arquitetura, o conceito de pórticos de estabilização bidire-

“Com os resultados obtidos, concluímos que o perfil de análise suportou os carregamentos aplicados, não houve rompimento da estrutura e sua deformação e deslocamento foram muito pequenos”.

Cristina EvangelistaPesquisadora

Elemento estrutural que dá equilíbrio e rigidez à construção no ponto em que é aplicado, podendo ser retangu-lar, quadrangular ou circular.

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cionais. Esta é a grande inovação do projeto”, diz Araújo. “Além disso, nossa construção é mais leve, mais resistente estruturalmente, mais barata e dentro do conceito de susten-tabilidade, com poucos resíduos e poucas perdas”, completa.

De acordo com o engenheiro, para a próxima etapa, o ideal é fazer a análise nu-mérica da estrutura, desenvolver um protó-tipo e testá-lo em um laboratório apropriado para a simulação de vento em estruturas, o que ainda não existe na Universidade. A ideia é fazer o pedido da patente do projeto, que será apresentado no ano que vem em um congresso na Inglaterra.

Sons e temperaturas

A preocupação com o conforto térmi-co e acústico do tipo de construção pro-posta também fez parte da pesquisa. Para isso, Cristina Evangelista teve a orientação do engenheiro mecânico, mestre e doutor na área de Engenharia Térmica, Henor Ar-tur de Souza. De acordo com o orientador,

os resultados da pesquisa apontaram que, no que se refere aos confortos térmico e acústico, o projeto apresenta desempenho adequado, considerando as características do material utilizado. “O projeto tem todas as aberturas propostas e material adequa-do de fechamento de alto desempenho. Ele se adequa às varias regiões climáticas do país. A única alteração que poderia ser pro-posta diz respeito à ventilação, que pode ser alterada de acordo com as condições locais do clima”, diz.

Segundo Souza, a intenção é conti-nuar a avaliação do desempenho térmico da construção, em uma fase de continui-dade ao trabalho. As avaliações são rea-lizadas por meio de simulação numérica, utilizando um programa de computador chamado Energyplus. São considerados os dados de dimensão do projeto (volume) e os materiais utilizados no fechamento, como piso e cobertura, com simulações de variados climas, para analisar o comporta-mento da estrutura.

No sistema convencial: a estrutura das construções é composta por pilares e vigas de concreto armado.

Na construção proposta: a estrutura que sustenta acobertura é composta por dois módulos de pórticos bidirecionais.

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País TropicalPopularmente, o Brasil é considerado

alvo das dádivas divinas pelo clima tropical e por não ser um país propenso à ocorrên-cia de terremotos e furacões. O que torna interessante, então, a construção de edifí-cios resistentes a desastres naturais desse tipo? De acordo com o Secretário Executivo do Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas Globais, Milton Nogueira, embora não se-jam de grande impacto, o Brasil registra tre-mores em vários pontos, devido a situações como o ajuntamento de camadas de terra.

Conforme mostra o site do Obser-vatório Sismológico da Universidade de Brasília (UNB), disponível em http://www.obsis.unb.br/, os abalos mais recentes ocorreram em Minas Gerais, nas cidades de Nova Lima, Montes Claros, Caraíbas e Ijaci. Os tremores ocorrem, principalmente, em regiões de solos calcários, mais propensos ao ajuntamento de terra, e onde há prática da mineração, devido aos impactos provo-cados pela atividade. Segundo Nogueira, o aumento de casos conhecidos nos últimos anos não deve ser atribuído ao aumento de ocorrências, mas ao desenvolvimento de sismógrafos mais sensíveis. Apesar das al-terações no clima global, o Brasil permane-ce pouco vulnerável a grandes terremotos, uma vez que não está sob ação de placas tectônicas em seu território.

Já no caso de ventos fortes, o Brasil está mais propenso, embora nunca tenha registra-do grandes furacões. Nogueira afirma que é possível que as mudanças climáticas afetem a velocidade dos ventos em todo o mundo, mas não é possível prever casos assim nas microrregiões, como Minas Gerais, por exemplo. Diante disso, o especialista acredita na importância da pesquisa para a prevenção de ações provocadas pelas alterações no clima. “As mudanças climáticas vão afetar as construções não só pela velocidade dos ventos, mas também pelo aumento do volu-me de água e as variações de temperatura. A construção deve ser resistente na estrutura, mas também não deve estar sujeita a mofo, excesso de umidade ou trincas na época da

•Rapidez e facilidade na execução da obra.

•Possibilidade de desmontagem e reutilização em outro local.

•Canteiro de obra limpo e com menos entulho.

•Racionalização de materiais, diminuin-do o desperdício.

•Sistema estrutural mais eficiente que o convencional, apresentando maior resistência estrutural a fortes ventos e até mesmo a abalos sísmicos.

•Economia e menor consumo de aço da estrutura.

•Apresenta uma solução de construção com menor impacto ao meio ambiente.

•Economia e ganhos em área apresen-tando maior área construída com menor consumo de aço.

•Apresenta maior eficiência econômica e estrutural com o uso de pórticos bidirecionais.

•Apresenta melhor organização espacial dos ambientes com área íntima mais reservada da área social.

•Possui área de serviço bem planejada e coberta.

•Possui possibilidade de ampliação da casa sem sofrer alterações na sua volumetria.

vANTAgENs DO mODELO PROPOsTO sObRE As CONsTRUçõEs CONvENCIONAIs

FONTE: SILVA, Cristina Evangelista. Sistema de Cobertura com pórticos de estabilizações bidi-recionais em perfis metálicos de seção circular com costura para construção residencial indus-trializada. 2011, 176f. Dissertação (Mestrado em Construções Metálicas) - Programa de Pós--Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2011.

seca. É preciso que a arquitetura e a engenha-ria estejam preparadas para isso”, alerta.

De acordo com Ernani Araújo, uma construção leve como as mais modernas está vulnerável à ação de ventos mais fortes. “Até quando teremos estruturas seguras?”, indaga. “A ciência não consegue prever quando pode ocorrer o próximo terremo-to em qualquer lugar no mundo. Por isso, prevenir é importante”, afirma. “No Brasil, já temos registros de fortes ventos em cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, etc. Os casos de coberturas arranca-das em postos de gasolina são exemplos da ação de ventanias, que provocam pressão e sucção sobre as construções.”

MercadoErnani Araújo afirma que, ainda que

o Brasil não represente um amplo merca-do para os edifícios resistentes, o produto poderá ser exportado para países mais pro-pensos à ocorrência de terremotos e fura-cões. “É uma forma de agregar valor à nossa matéria-prima, que vai para outros países a preços irrisórios. Precisamos de gente que invista nisso”, diz.

Para o presidente da regional Minas Gerais da Associação Brasileira de Enge-nheiros Civis (Abenc) e vice-presidente da Abenc Nacional, Iocanan Moreira, é importante trabalhar o tema da construção resistente, especialmente em casos como o da pesquisa da Ufop, que também inclui a preocupação com a questão ambiental, a geração de resíduos e a redução de custos. “Nossa engenharia tem sido uma engenha-ria de exportação, mas ainda estamos enga-tinhando em termos de avanços e eles têm que ser colocados no mercado por meio de estudos como este”, destaca. O engenheiro também alerta para a importância da preo-cupação com a prevenção de impactos em todas as etapas de uma construção. “A falta de estudo real de questões relacionadas à urbanização da cidade tem causado catás-trofes como as que temos visto na televisão. É preciso estudar criteriosamente a situação do terreno e a estrutura do local, e é impor-tante que órgãos públicos façam um tra-balho de prevenção. Na engenharia não há obras que não possam existir. Tudo precisa ser estudado”, alerta.

Aparelhos que registram a ocorrência e a intensidade de tremores de terra

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ENER

gIA

O Sol possui uma massa 330 mil ve-zes maior que a da Terra. No seu interior, a temperatura média pode chegar a 15 mi-lhões de graus Celsius. É neste núcleo que ocorrem reações químicas, como a fusão entre átomos de hidrogênio, produzindo energia que é transferida para as regiões ex-ternas do astro e alcança o espaço como luz solar. A luz emitida por esta estrela, distante 150 milhões de quilômetros, é a principal fonte de energia do planeta e elemento in-dispensável para a vida no globo terrestre.

Nas últimas décadas, pesquisas em todo o mundo têm buscado formas efi-cientes de se usar e armazenar esta ener-gia. Um dos processos mais utilizados é a captação por meio de painéis ou módulos com células fotovoltaicas, capazes de con-verter a luz solar que nelas incide em ele-tricidade. Com o objetivo de desenvolver e aperfeiçoar esses módulos, bem como os processos para fabricá-los, o Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) ini-ciou, em suas dependências, um conjunto de aplicações da energia solar fotovoltaica.

Pesquisadores estudam aplicações e aperfeiçoamento de dispositivos da cadeia de produção de energia solar Virgínia Fonseca

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O primeiro deles, pela simplicidade e valor da aplicação, trata da iluminação pública com “postes solares”. O trabalho está sen-do conduzido pelo Núcleo de Excelência em Materiais Solares (NMS).

A instalação do poste, realizada em agosto de 2011, deu início a testes de apli-cabilidade, limitações e confiabilidade da tecnologia. O modelo, o primeiro de uma série, foi instalado no jardim da entrada principal do Cetec – local escolhido devido à boa incidência de luz solar, à necessidade de iluminação à noite e à visibilidade na ins-tituição. “As atividades iniciais são de enge-nharia. Ainda serão instalados outros siste-mas energizados pela luz solar, agora com apoio de empresas. Estes e outros sistemas em operação em regiões diversas do Brasil serão estudados”, explica o coordenador do NMS, José Roberto Tavares Branco.

A partir da energia captada durante o dia (armazenada em baterias), o sistema es-colhido para demonstração permite manter a iluminação por um período de seis horas e possui autonomia de dois dias sem inci-

dência de raios solares. Foram utilizados recursos facilmente disponíveis na região metropolitana de BH, como lâmpadas flu-orescentes compactas de 15W, acionadas automaticamente por um relé fotossensível, que identifica presença ou ausência de lu-minosidade. Alternativas mais modernas serão implementadas futuramente.

Um dos principais objetivos do grupo do NMS é mostrar o potencial da energia solar para Minas Gerais e para a economia do Estado. A forma que os pesquisadores adotaram para fazer isto foi dando visibi-lidade a aplicações. Branco explica que a experiência está sendo utilizada para atrair a atenção para as oportunidades existentes. “Queremos facilitar a percepção das pesso-as de que esta energia tem um número de aplicações maior, muitas delas corriqueiras, e mais, Minas tem toda a matéria-prima de que precisamos”, explicita.

Tudo se transformaA tecnologia fotovoltaica consiste na

geração de eletricidade a partir da luz solar.

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conta Branco. Os consumidores instalam painéis fotovoltaicos em seus telhados e a eletricidade gerada que não é consumida naquela residência é disponibilizada para a rede. “Com a tecnologia estabelecida, cada vez que se dobra a capacidade de produção, tem-se uma redução de 20% no custo. Ou seja, o custo desta energia vem caindo pro-gressivamente, enquanto o das outras está subindo”, contabiliza o pesquisador.

Branco esclarece que, apesar do po-tencial do país – o pior lugar do Brasil em termos de radiação que poderia ser utiliza-da tem 40% a mais de incidência do que o melhor local na Alemanha – a energia fotovoltaica ainda não faz parte da matriz energética nacional, embora existam algu-mas ações específicas implantadas. Daí a importância, segundo o pesquisador, de chamar atenção das pessoas para o fato de que há aplicações muito simples – como a utilização em pontos de iluminação de casas e sítios ou para bombear água em uma pequena irrigação, por exemplo. O uso para suprir processos de tratamento de água e o acionamento de equipamentos que funcionam com eletricidade de forma remota (geradores) também são citados.

Outros conjuntos de aplicações a serem implementadas incluem bases para armazenamento de energia, para carregar baterias em geral, como de celular, que estariam disponíveis para utilização do público dentro do Cetec. “Por enquanto, são ações de demonstração e validação de competências, a partir do conhecimen-to existente, tirando aprendizado do uso desses sistemas de geração para melho-rarmos os produtos e processos com que trabalhamos”, ressalta o coordenador. Ele acrescenta que já há um projeto em par-ceria com empresa mineira. Nesta ação, o NMS conta em sua equipe com o professor Luís Guilherme Monteiro e estudantes de Engenharia de Energia do Instituto Politéc-nico da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

Esta energia é tratada por equipamentos para que possa ser utilizada e também ar-mazenada em baterias ou de outras formas. O módulo fotovoltaico é um conjunto de células que podem ter dimensões variadas, de cm² a m², compostas por um material ca-paz de absorver a luz – atualmente, o mais utilizado é o silício cristalino. A absorção dos raios solares provoca a liberação de elétrons, que deixam uma lacuna com carga positiva na estrutura eletrônica. A separação desses dois elementos cria uma diferença de potencial, que é o chamado efeito foto-voltaico ou tensão voltaica. Uma outra ca-mada fina, no fundo da placa, permite criar uma situação de interface. Ao conectar as duas superfícies, o elétron pode circular, gerando a eletricidade.

A maior ou menor eficiência do dispositivo, segundo Branco, depen-de das condições ou especificidades da aplicação. “Como nós trabalhamos toda a cadeia de produção, faltava nos envol-vermos com a aplicação, a fim de trazer resposta para a pergunta: que variáveis é preciso entender para melhorar os ma-teriais e processos que produzimos até aqui?”, analisa. Neste processo, o grupo elencou algumas prioridades de aplica-ções e pretende dar visibilidade a elas.

O sistema utilizado no poste implan-tado é classificado como de geração isola-da, pois a energia é produzida e utilizada no mesmo ponto, sem contato com a rede elétrica convencional. A conexão é do sis-tema, diretamente do sol para a aplicação - é possível utilizá-la para iluminar pontos específicos e em situações mais elabora-das, como carros e mochilas, uma vez que já existem tecidos com este dispositivo.

Existem, ainda, sistemas conectados à rede. Neste caso, a utilização em residências é a mais conhecida. Países como a Espa-nha e a Alemanha tornaram-se exemplos para o mundo. “Eles criaram um sistema de incentivo, pagando pela energia elétri-ca que a pessoa contribui para distribuir”,

“Com a tecnologia estabelecida, cada vez que

se dobra a capacidade de produção, tem-se

uma redução de 20% no custo. Ou seja, o custo

desta energia vem caindo progressivamente, enquanto

o das outras está subindo”

José Roberto Tavares Branco Coordenador do NMS

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Made in BrazilA cadeia de produção de energia

solar por meio de módulos fotovoltaicos passa pela obtenção do silício, fabricação das lâminas das células e construção do módulo propriamente dito, integração com componentes elétricos e eletrônicos. “Na parte de eletrônica existem alguns equipamentos com os quais temos pou-ca experiência no Cetec, então, estamos firmando projetos e cooperações com empresas do Vale da Eletrônica, de Santa Rita da Sapucaí, [a 420 km de Belo Hori-zonte] e com o Green Solar da PUC-MG”, detalha Branco. Ele explica que o grupo está promovendo a mobilização de atores em toda esta cadeia produtiva, o que deve contribuir para consolidar uma indústria fotovoltaica no Brasil, ação que vai ao encontro dos objetivos do Instituto de Energias Renováveis (Bioerg) – que bus-ca dar suporte à implantação de pesquisa e desenvolvimento de produtos tecnoló-gicos na área energética.

Branco chama atenção para a ne-cessidade de economia de energia em nível mundial e busca de alternativas, com a consciência de que algumas fon-tes – como o próprio sistema hidrelétri-co brasileiro – encontram-se próximas do limite de produção. Energias limpas, como a eólica, que já entrou na matriz energética do país, e a solar tendem a se expandir. “Existem vários projetos em

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cional”, prevê o pesquisador, que coor-dena também a rede temática de Centros de Inovação em Tecnologias para Ener-gia Solar Fotovoltaica do Sistema Bra-sileiro de Tecnologia (Sibratec).

A preocupação com soluções que resultem na redução do custo da energia fotovoltaica é fator comum entre as pes-quisas nesta área, já que hoje ela custa em média o triplo da convencional, devido aos investimentos em equipamentos. O arma-zenamento é outro ponto de convergência. Alguns estudos apontam que, se fosse possível reter adequadamente a energia do sol que diariamente é recebida e não é utilizada, seria possível manter metrópoles inteiras, com um nível de emissão de car-bono que se aproximaria de zero. O grupo do Cetec tem expectativas de, em breve, começar a trabalhar processos também voltados para armazenagem.

As ações no Cetec começaram a partir de uma parceria com a Cemig. Em um primeiro momento, foram empreendi-dos esforços também na formação de recursos humanos por meio da Redemat (Rede Temática em Engenharia de Ma-teriais) e outros programas em Minas. Atualmente, a iniciativa conta com o apoio também da FAPEMIG, do Minis-tério da Ciência e Tecnologia, da Finan-ciadora de Estudos e Projetos (Finep), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A PUC-MG possui trabalhos relaciona-dos à parte eletrônica e ao desempenho elétrico do sistema, bem como o Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet--MG). As Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG), de Viçosa (UFV) e de Uberlândia (UFU) também possuem projetos a respeito. As atividades não estão totalmente interligadas, mas existe interesse, segundo o pesquisador, em promover esta organização de esforços.

O Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), operado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), é um instrumento de articulação e aproxi-mação da comunidade científica e tec-nológica com empresas. Um dos seus componentes são as Redes Temáticas de Centros de Inovação, formadas por grupos de desenvolvimento de insti-tutos de pesquisa tecnológica com experiência na interação com empre-sas. Elas têm como objetivo gerar e transformar conhecimentos científi-cos e tecnológicos em produtos, pro-cessos e protótipos com viabilidade comercial para promover inovações radicais ou incrementais.

Foto: ACS/Cetec

O modelo de “poste solar” instalado na entrada do Cetec é o primeiro de uma série

andamento, acredito que dentro de uns três anos as empresas já vão conhecer o negócio e o custo desta energia estará competitivo com a eletricidade conven-

PROJETO: Engenharia de Superfícies para Energias Renováveis - Eficiência Energética e BiomateriaisCOORDENADOR: José RobertoTavares BrancoMODALIDADE: ProgramaPesquisador MineiroVALOR: 48.000

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Ao acessar o endereço fapemig.br, o internauta vai encontrar o portal com um visual diferente, dinâmico, moderno e navegação rápida. O projeto foi desen-volvido por uma equipe da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), e, sob coordenação da pesquisadora Elisa Tuller, foram realizados testes com profes-sores, alunos e servidores da universida-de, colaboradores da FAPEMIG e usuários do site. O objetivo era reunir informações

para construção do novo layout do portal. Outra novidade que pode ser encontrada na página é o acesso ao Projeto Minas Faz Ciência, em que o internauta poderá ouvir os podcasts “Ondas da Ciência”, assistir aos programas “Ciência no Ar” e ler os textos do blog Minas Faz Ciência. Além disso, será possível ler as edições da revista MINAS FAZ CIÊNCIA online. “O novo portal permitirá ampliarmos nosso trabalho e fortalecer o papel da FAPEMIG

de divulgação científica”, explica a chefe da Assessoria de Comunicação Social (ACS), Ariadne Lima. Para o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, o novo portal está compatível com as atividades e a missão da FAPEMIG, que é induzir e fo-mentar a pesquisa e a inovação científica e tecnológica para o desenvolvimento do Estado. Visite o site, acessando

www.fapemig.br

O site da fAPEmIg mudoum

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O Projeto Imagens do Conhecimento, de-senvolvido pelo Cedecom-UFMG, propõe a divul-gação de imagens vinculadas ao conhecimento. Imagens podem ilustrar, representar ou conden-sar dimensões a serem discutidas e difundidas. O fascínio da imagem soma-se ao do conhecimento.

Maria-Exphotos, de Marcelo Kraiser, in-tegra o Imagens do Conhecimento. O trabalho Exphotos inicia-se com pesquisa sobre proces-sos analógicos de produção de imagens. Kraiser se interessava mais pelos defeitos do que pelos acertos fotográficos e, por meio de processos digitais, passou a simular esses defeitos da pro-dução analógica. Para ele, a fotografia pode ser vista de duas formas: sob a ótica de padrões de como fotografar ou sob a visão de que a imagem é sempre uma invenção sobre o mundo.

A pesquisadora Maria do Céu Diel (UFMG), no texto Onde foi que eu vi essa ex-foto, onde foi que eu vivi?, escreve: “Para além da representa-ção, mais que narrativa ou retórica empobreci-da, as fotografias de Marcelo Kraiser são quase afrescos, reveladas, impressas e desenhadas nas paredes imemoriais do passado nunca vivido”. Confira a imagem na página 50 desta edição.

Projeto

Imagensdo Conhecimento

A ciência mineira foi contemplada em três categorias da tradicional premiação: graduado, estudante de ensino superior e mérito institu-cional, sendo que nas duas primeiras os jovens pesquisadores conquistaram o primeiro lugar. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) recebeu o prêmio de mérito institucional como a entidade de ensino superior com o maior núme-ro de trabalhos de valor científico. A Universida-de foi premiada com 35 mil reais. Na categoria graduado, a vencedora foi Uende Aparecida Figueiredo Gomes, da UFMG, premiada com 30 mil reais com a pesquisa Intervenções de saneamento básico em áreas de vilas e favelas: Um estudo comparativo de duas experiências na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Já o vencedor da categoria estudante de ensino superior, Kaiodê Biague, estudante do 2º período de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário Izabela Hendrix, recebeu a premia-ção no valor de 15 mil reais, com a pesquisa Mini Usinas solares fotovoltaicas em sistemas de transporte rápido por ônibus BRT (BUS RA-PID TRANSIT). Para o estudante, ser o vencedor foi uma surpresa e ao mesmo tempo uma mo-tivação para trilhar a carreira científica. “Fiquei muito orgulhoso e ainda mais motivado a conti-nuar pensando em uma arquitetura comprome-tida com o desenvolvimento das cidades e das pessoas.” No dia 6 de dezembro, os vencedores vão receber o prêmio da presidente Dilma Rous-sef no Palácio do Planalto, em Brasília.

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Código que rompe amarras

Projeto de lei que tramita no Congresso Nacional permitirá desburocratização dos processos que envolvem a Ciência no Brasil

Fabrício Marques eMaurício Guilherme Silva Jr.

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011

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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 21

Se o criador da Apple, Steve Jobs, e seu colega Steve Wozniak vivessem no Brasil em 1976, jamais teriam tido acesso aos componentes eletrônicos usados na montagem dos primeiros computadores da empresa em uma garagem. Desde então, houve alguma melhora, um avanço tími-do, como lembrou o jornalista Fernando Rodrigues, em sua coluna na Folha de S. Paulo, em 8 de outubro de 2011. Mas os entraves legais, muitas vezes, atrasam ou mesmo impedem o avanço da Ciência, da Tecnologia e da Inovação no País.

Uma proposta pode alterar esse qua-dro e atuar como divisor na história da Ciência no Brasil, animando e estimulan-do inovadores, cientistas, pesquisadores e empreendedores. No final de agosto, os presidentes dos Conselhos Nacionais das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges e dos Secre-tários para assuntos de C,T&I (Consecti), Odenildo Sena, entregaram o Código da Ci-ência, Tecnologia e Inovação a autoridades do Executivo e do Legislativo, em Brasília.

O documento, que ora chega às mãos daqueles que criam e gerenciam as leis numa democracia representativa como o Brasil, simboliza a concretização de antigas reivindicações dos mais di-versos setores sociais. Conforme ressalta Catarina Barreto Linhares, procuradora do Estado de Minas Gerais, procuradora che-fe da FAPEMIG e uma das coordenadoras do grupo responsável pela elaboração da proposta do Novo Código, a iniciati-va formal do Consecti e do Confap é fruto dos reiterados reclamos das comunidades acadêmica e empresarial, assim como do Poder Público, quanto à morosidade, à burocracia, aos entraves e prejuízos oca-sionados ao setor de Ciência, Tecnologia e Inovação, principalmente no que diz res-peito ao engessamento da legislação.

“Daí constituiu-se o Grupo de Tra-balho, a fim de elaborar proposta de novo marco legal. Houve reuniões presenciais em Belo Horizonte, Goiânia e Brasília, além de um sem número de contatos à dis-tância, para troca de textos, discussões e debates”, explica Linhares. Os encontros e discussões culminaram com a entrega, em agosto último, da proposta ao Congresso

Além da procuradora Catarina Linha-res (FAPEMIG), o Grupo de Trabalho Confap/Consecti foi composto pelos advogados Breno Rosa (SECT/AM), Clóvis Squio (FAPESC), Cristina Lef-tel (FAPESP) Gianne Azevedo (FAPE-AM) e Valéria Firme (FAPES).

“Daí constituiu-se o Grupo de Trabalho, a fim de elaborar proposta de novo marco legal. Houve reuniões presenciais em Belo Horizonte, Goiânia e Brasília, além de um sem número de contatos à distância, para troca de textos, discussões e debates”.

Fabrício Marques eMaurício Guilherme Silva Jr.

Nacional, que, segundo a procuradora, “a encampou plenamente, assumindo-a”. Agora, a iniciativa tramita sob a denomina-ção de Projeto de Lei n0. 2177/11.

“A questão legal foi a motivação prin-cipal para iniciarmos o trabalho que resul-tou no PL 2177/2011”, afirma o deputado federal Sibá Machado, membro titular da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comu-nicação e Informática (CCTCI) e vice-líder da bancada do PT na Câmara dos Deputa-dos. Mas o parlamentar ressalta que o fi-nanciamento para Ciência e Tecnologia no Brasil é outro grande problema porque ain-da é muito pequeno. Hoje, todo o dinheiro para o setor representa 1.197% do PIB. Desse valor, 70% vêm do setor público. A iniciativa privada contribui com apenas 30%. “Estamos trabalhando para aumentar esse percentual de recursos para 2,5% do PIB”, diz Machado.

A ideia de mudança na legislação bra-sileira surgiu em Audiência Pública realiza-da pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, em final de abril deste ano. Ou-vindo o ministro Aloízio Mercadante, convi-dado à época para aquele debate, ficou claro que o Brasil só recuperará o tempo perdido se investir em pesquisa e inovação. “Essa é a ponte para um futuro de desenvolvimento com geração de emprego, renda e bem-es-tar social. Para chegarmos lá, é necessário acabarmos com as amarras legais que hoje engessam os pesquisadores, intimidam os profissionais que, temendo a burocracia, acabam renunciando à pesquisa”, comenta o deputado federal.

Depois dessa audiência pública, houve um período de três meses em que, segundo Machado, mais de 1.200 enti-dades públicas e privadas de todo o País colaboraram com ideias e sugestões para consolidar o projeto. A amplitude dessa participação é diretamente proporcional à importância do tema e ao grau de preo-cupação existente entre os cientistas bra-sileiros, quando o assunto é a legislação que regula o setor.

Ao longo do processo de criação do Novo Código, “modelos” internacionais, a exemplo das experiências de Coreia e Estados Unidos, serviram de base aos princípios gerais do documento. Outras

Catarina Barreto LinharesProcuradora chefe da FAPEMIG

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22 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011

importantes referências foram o regime de contratações e aquisições do Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento (BID) e a Organização Mundial de Comércio (OMC), que, segundo Catarina Linhares, “possuem regras bem mais céleres e razoáveis para o fomento e demais ações junto ao setor de C,T & I”. Apesar disso, as entidades nacio-nais e suas necessidades revelaram-se os principais norteadores para elaboração da proposta final. “Várias delas, entre as quais SBPC, CNPq e Andifes, contribuíram com o apontamento de entraves e sugestões de alteração”, conta.

Mas o que muda, afinal?Um dos objetivos dos responsáveis

pela elaboração da proposta enviada ao Congresso Nacional foi, segundo escla-rece a procuradora Catarina Linhares, o agrupamento da legislação de regência em documento único. Seriam mais fá-ceis, afinal, o manuseio e a aplicação das normas legais, que não aparecem esparsas e difusas, por usuários e des-tinatários. “Assim, estando as normas diretamente ligadas à C,T & I num úni-co diploma, não restará mais qualquer dúvida acerca de sua aplicabilidade e pertinência, afastando-se de pronto a incidência de regramentos divergentes e diferentes”, ressalta.

Desse modo, a Lei de Inovação foi aperfeiçoada para estender seus in-centivos e benesses a um maior núme-ro de entidades de Ciência, Tecnologia e Inovação, além de “facilitar o acesso e a execução dos projetos de pesquisa e inovação pelos parceiros Estado--Academia-Empresa”. Nos capítulos do documento apresentado ao Congresso Nacional, há referências a diversas eta-pas e nuances do processo da produção científica. No que se refere, por exemplo, às aquisições e contratações, prevêem--se, entre outras melhorias: otimização da interação entre professores/pesqui-sadores; facilitação das importações de materiais para pesquisa e desburocrati-zação da prestação de contas, com foco nos resultados.

“Os princípios constitucionais e a boa-fé devem ser norteadores de todas

as ações, em qualquer setor. A flexibili-zação não é, de forma alguma, sinônimo de informalidade, omissão ou desídia”, ressalta Linhares. O que se pretende é destacar a importância aos resultados alcançados, eliminando-se, segundo a procuradora, “entraves formais de pres-tação de contas que, atualmente, deses-timulam os pesquisadores e instituições, até mesmo a buscar fomento público. Por óbvio que deve haver prestação de contas, clara e objetiva, e a fiscalização, sempre que se entender necessário, pe-los Órgãos competentes”, completa.

Camaleônicos obstáculosOs entraves à produção científica re-

velam múltipla face: dos pequenos obstá-culos cotidianos à imensa “engrenagem” da burocracia, muitos são os fatores de morosidade a solapar o desenvolvimen-to da pesquisa no Brasil. Em entrevista à edição especial de Minas faz Ciência, que tratou do processo de internacionaliza-ção das instituições brasileiras, o Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor Clélio Campolina Di-niz, destacou o que, em sua visão, confi-guraria a “maior de todas as dificuldades” para ampliação da ciência no Brasil: “As normas legais que, nas universidades, são as mesmas para todo o setor públi-co. Há, por exemplo, a lei das licitações, nº 8.666, que diz que tudo precisa ser licitado, pelo menor preço. A pesquisa, contudo, precisaria ter certa autonomia para eleger o que lhe é prioritário. Seriam necessários critérios científicos de avalia-ção, e não mercadológicos”.

O professor Jalver Machado Bethôni-co, do departamento de Fotografia, Cinema e Teatro da Escola de Belas da UFMG, cita a “dureza” dos processos para aquisição de equipamentos de pesquisa, mesmo que facilitados até certa etapa.

Recentemente, Bethônico prepara-va listagem para aquisição de aparelhos de áudio, fundamentais a seus estudos sobre a relação entre som e imagem (Leia reportagem à página 28). Tempos depois de descritas e enviadas as especificações técnicas ao setor responsável pela compra dos equipamentos, o professor recebe co-

Trata-se, respectivamente, da Socie-dade Brasileira para o Progresso da Ciência, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico e da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior.

“As maiores dificuldades que percebi podem ser

resumidas em quatro grandes grupos: Lei de

Licitações, subvenções, financiamentos e compras

no exterior.”

Sibá MachadoDeputado federal

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PRÓXImOs PAssOsConfira alguns dos trâmites pelos quais passará o documento “Sugestões de alteração do marco legal para ciência, tecnologia e inovação”, entregue ao Congresso Nacional em 31 de agosto deste ano e que agora responde pelo nome de Projeto de Lei nº 2177/11.

1. O presidente Marco Maia determinou que a proposta deverá ser analisada em Comissão Especial e depois pelo Plenário da Câmara. No momento aguarda-se a indicação, pelos líderes dos partidos, dos membros da Comissão Especial. Instalada a Comissão, será eleito presidente e relator para iniciar a apreciação da proposição.

2. No Congresso Nacional, ao invés de passar por diversas sucessivas comissões, o Projeto será analisado por comissão mista, especialmente formada para rápido exame do tema.

3. Ou seja, simultaneamente, por entendimento com a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, o senador Eduardo Braga apresentou o mesmo projeto naquela Casa, como forma de agilizar sua tramitação. No Senado, a proposição é identificada pelo PLS nº 619/2011, que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda designação do relator.

4. Até que a proposta entre em votação, prevê-se, segundo o deputado Sibá Machado, a realização de audiências públicas e de recebimento e análise de emendas.

5. Após a votação, o Projeto será enviado à Presidente da República, para sanção ou veto.

6. Caso sancionado, o Projeto é publicado e, efetivamente, torna-se lei.

municado oficial, a relatar que nada havia sido feito, em função de dúvidas relativas às configurações do pedido: desejava-se, afi-nal, o X-mini ou o X-mini Max? Ao invés de rapidamente resolvido, por meio de simples esclarecimento com o autor da demanda, o processo acabou interrompido: “Não pude seguir com a compra. Fui obrigado a fazer outro formulário de requisição”, conta.

Com a implementação da nova proposta de legislação para C, T & I, experiências negativas como a de Jal-ver Bethônico podem deixar de existir. Conforme ressalta Catarina Linhares, os pesquisadores, assim como as insti-tuições públicas ou privadas que atuem no setor, “terão desburocratizadas suas ações, o que trará celeridade e efetividade aos projetos de pesquisa e de inovação. Terão todos maior liberdade para fazerem parcerias, em prol de que haja circulação do conhecimento em favor do desenvolvi-mento econômico e social do País”.

Além disso, ressalta a procuradora, o Poder Público terá ampliada a possibi-lidade de cumprir “sua missão de agente indutor e fomentador da nova Economia do Conhecimento. Espera-se consolidar um ‘círculo virtuoso’ onde a parceria entre Estado, Academia e Empresa seja benéfica a todos os parceiros, e se realimente de forma contínua, gerando novos produtos no mercado, emprego, renda, patentes etc., em favor da população brasileira”.

Propostaspara desburocratizar

Quando confrontado com os prin-cipais problemas do arcabouço legal vi-gente, o deputado federal Sibá Macha-do entende que trabalhar com Ciência, Tecnologia e pesquisa no Brasil é um desafio de diversas ordens. “Mas para responder a essa pergunta diria que as maiores dificuldades que percebi nas conversas com cientistas, pesquisado-res, professores universitários, podem ser resumidas em quatro grandes gru-pos: a chamada Lei de Licitações; as subvenções; financiamentos e compras no exterior”.

O deputado federal enumera seis das principais propostas para um novo

arcabouço legal, defendendo um novo olhar da lei sobre temas como, por exem-plo, as licitações. “Não é mais possível, se quisermos acompanhar os países de-senvolvidos, que o cientista, para adquirir equipamentos e produtos indispensáveis à sua pesquisa, tenha que comprar pelo menor preço ou percorrer todas as etapas exigidas na Lei de Licitações”, observa. Para ele, a espera comprometerá o suces-so de sua pesquisa e o produto de me-nor preço, provavelmente, comprometerá a qualidade e precisão dos resultados. Se aprovada a nova Lei, as aquisições e contratações observarão o primado da qualidade sobre o preço. “Defendemos a aquisição direta, inclusive por importa-ção para equipamentos de alta tecnologia voltados para CT&I, mediante justificativa técnica, sendo desnecessário o exame de similaridade. Os insumos e serviços de natureza comum poderão ser adquiridos e contratados por Seleção Simplificada,

levando em consideração qualidade, ga-rantia e assistência”.

Quanto aos prazos, a proposta que os instrumentos jurídicos decorrentes da atividade de CT&I devem ter os seus prazos vinculados à duração do projeto, sem limitação de aditivos, desde que jus-tificados, podendo ser acrescidos valores suficientes para fazer frente às despesas.

“Queremos que a legislação brasi-leira estabeleça um regime diferenciado quando o assunto é Ciência, Tecnologia e Inovação. Que todo aporte de capital em ações de CT&I sejam considerados inves-timento”, diz Sibá.

Sobre as pesquisas por empresas privadas, o Projeto de Lei, à exemplo do que já se pratica nos países desenvolvi-dos, abre a possibilidade de incentivo e fomento público às empresas atuantes em pesquisas de CT&I, para constituição de parcerias e criação de incubadoras de novas empresas. Cria instrumentos de es-

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tímulo à inovação, como as subvenções econômicas, financiamentos, participação societárias e o voucher tecnológico, que é um crédito não reembolsável concedido pelas agências ou órgãos de fomento, resgatável exclusivamente pelas empre-sas de Ciência e Tecnologia credenciadas, destinado ao pagamento de transferência de tecnologias, compartilhamento e uso de laboratórios ou contratação de servi-ços especializados.

Para as importações de equipa-mentos, o Projeto de Lei considera que as instituições de pesquisa possam adotar os procedimentos do Programa “Importa Fácil”, tendo tratamento adua-neiro simplificado, com maior agilidade, equipe especializada da Receita Federal com treinamento para despacho de car-gas relativas a produtos destinados à pesquisa, determinação de aeroportos específicos para internalização dessas compras realizadas no exterior.

Em relação à prestação de contas, o Projeto estabelece que a União, Es-tados, Distrito Federal e os Municípios deverão adotar sistemas de prestação de contas flexíveis com obediência aos seguintes princípios: a) foco na análise do resultado do projeto, e não na con-tabilidade; b) limite para remanejamento com justificativa posterior, e além deste limite, mediante prévia manifestação; c) prestação de contas mediante relatório eletrônico, com obrigação de guarda dos documentos comprobatórios do bom uso dos recursos, a exemplo do que é hoje a Declaração do Imposto de Renda.

Outro ponto importante que não fi-cou esquecido diz respeito à dedicação exclusiva. Pela proposta, os professores de dedicação exclusiva poderão realizar atividades de pesquisa e extensão em horário concomitante, sem prejuízo das vantagens do cargo público, fazendo jus ao recebimento de bolsa de incentivo à inovação, se for o caso. Além disso, per-mite que os pesquisadores estrangeiros, detentores de visto provisório de perma-nência no Brasil, possam atuar em pro-jetos de Ciência, Tecnologia e Inovação, recebendo bolsas de qualquer natureza.

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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 25

Construção de ambientes especia-lizados e cooperativos de inovação

As diversas instâncias governamen-tais (União, Estados, Distrito Federal, Mu-nicípios) e suas respectivas agências de fomento poderão estimular e apoiar alian-ças estratégicas para projetos de coopera-ção com empresas nacionais e internacio-nais, Entidades de Ciência, Tecnologia e Inovação (ECTIs) – públicas e privadas – e organizações de direito privado voltadas à formação de Recursos Humanos qualifica-dos, à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos e processos inovadores.

Unificação de nomenclaturas Para facilitar processos, contratos e

acordos, o novo código descreve conceitos diversos, dos significados de “contrato” a “aquisição”; de “criação” a “criador”; de “fi-nanciamento” a “parque tecnológico”.

Inventor independente A ele será facultada a possibilidade

de solicitar, desde que comprove depósi-to de pedido de patente, a adoção de sua criação por ECTI, agência ou órgão de fomento, que decidirá livremente quanto à conveniência e à oportunidade da solici-tação, com vistas à elaboração de projeto.

Ações conjuntas ECTIs públicas e privadas poderão

compartilhar seus laboratórios, equipa-mentos, instrumentos, materiais e demais instalações em atividades voltadas à ino-vação tecnológica.

Estímulo à inovação nasECTIs privadas com fins lucrativos

As diversas instâncias governa-mentais e suas agências de fomento poderão promover e incentivar o de-senvolvimento de produtos e processos inovadores em ECTIs privadas, com fins lucrativos e voltadas a atividades de pesquisa, mediante a concessão de re-cursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura, a serem ajustados em instrumentos específicos, destina-dos a apoiar atividades de pesquisa, de-senvolvimento e inovação, para atender às prioridades da política industrial e tecnológica nacional.

Formação de Recursos Humanos As diversas instâncias governamen-

tais e seus órgãos e agências de fomento concederão bolsas destinadas à formação e capacitação de Recursos Humanos e à agregação de especialistas em ECTIs, que contribuam para a execução de projetos de pesquisa ou de desenvolvimento tecnoló-gico e atividades de extensão inovadora e transferência de tecnologia.

Acesso à biodiversidadeNão dependerá de autorização pré-

via o acesso a amostra de componente do patrimônio genético e de conhecimento tradicional, desde que associado a fins exclusivos de pesquisa e desenvolvi-mento nas áreas biológicas e afins, em quantidades razoáveis, nos termos de regulamentação.

ImportaçãoSerão isentas dos impostos de impor-

tação e sobre produtos industrializados e do adicional ao frete para renovação da mari-nha mercante as importações de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, bem como suas partes e peças de reposi-ção, acessórios, matérias-primas e produ-tos intermediários destinados à pesquisa científica, tecnológica e inovação.

Aquisições e contrataçõesAs aquisições de bens e as contra-

tações de serviços destinados exclusi-vamente, à pesquisa, desenvolvimento e inovação serão regidos pelos princípios básicos de legalidade, impessoalida-de, moralidade, probidade, publicidade, sustentabilidade, razoabilidade e busca permanente e prioritária pela qualidade, durabilidade e adequação a seus objetivos.

PatrimônioOs bens ou serviços gerados ou

adquiridos com a aplicação dos recursos destinados ao estímulo ou inovação de CT&I serão incorporados, desde sua aqui-sição no âmbito dos projetos, ao patrimô-nio da ECTI recebedora.

Prestação de contas eletrônicaUnião, Estados, Municípios, Distrito

Federal e órgãos e agências de fomento estabelecerão formas simplificadas e uni-formizadas de prestação de contas dos recursos repassados com base nesta lei, a ser realizada, preferencialmente, mediante envio eletrônico de informações.

As NOvAs LEIs DA (CIÊNCIA) DINâmICA

Confira algumas das sugestões de alteração do marco legal para Ciência,Tecnologia & Inovação, proposta pelo grupo de grupo de trabalho Consecti-Confap:

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26 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011

Urge “concertar” a legislação da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Importantes avanços foram feitos na política da área e também nos investimentos – mas ainda existe um obstáculo fundamental a ser superado. A legis-lação vigente é fragmentada, ultrapassada e inadequada ao contexto do Século do Conhecimento. Neste sentido e, como um “concerto de orquestra” surge o Código Nacional da CT&I que diz respeito à regulamentação legal para a ci-ência no Brasil. Moderno, articulado, simplificado, enxuto e apropriado para colocar o País numa posição de avanços mais rápidos na ciência e especialmente na inovação.

O documento, subscrito pela maioria das institui-ções que atuam na área, está circulando na sociedade, no Congresso Nacional e no Executivo Federal. É resultado de muito trabalho - de muitas cabeças - que vem atender aos anseios da comunidade científica nacional, demandas es-tas lideradas pelo atual Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI que prepara uma nova etapa da política científica nacional.

O País precisa falar a mesma língua quando se referir à ciência, seja quando falam as agências de fomento, as instituições de pesquisa ou os órgãos de controle. Assim, o Código proposto, mais do que unificar a nomenclatura, define conceitos que facilitarão o diálogo entre os atores mencionados. Será o “livro de cabeceira” de gestores, usu-ários e operadores do controle nesta área. Neste sentido, simplifica procedimentos administrativos e burocráticos para os processos de importação, priorizando o desem-baraço aduaneiro; a isenção de impostos e a fiscalização da Receita e da Anvisa. Da mesma forma, agiliza o acesso à biodiversidade, independentemente de autorização do Ministério do Ambiente, quando se tratar de amostras do patrimônio genético para fins de pesquisa.

As aquisições e contratações; os convênios e contra-tos; o controle do patrimônio e a prestação de contas em

projetos e programas de ciência, tecnologia e inovação ganham novo entendimento e modernos mecanismos. No caso das aquisições, o Código destaca a prevalência da qualidade, garantia e assistência sobre o mito do “menor valor” e com processos simplificados, incluindo a possi-bilidade de prazos superiores à sessenta meses. Propõe modelo de prestação de contas eletrônico dispensando a imediata apresentação da documentação comprobatória, que só será exigida quando despertar a dúvida do uso ina-dequado dos recursos – procedimento similar ao adotado pela Receita Federal no caso do imposto de renda.

O Código estimula a inovação na medida em que amplia, flexibiliza e substitui, em novos artigos legais, os fundamentos da vigente Lei de Inovação. Neste aspecto, não só permite amplo compartilhamento de acervos públi-cos mediante remuneração de infraestrutura e recursos hu-manos, mas também regulamenta o aporte de recursos nas empresas, especialmente micro e pequenas, em diversas modalidades – inclusive a subvenção direta. Garante ainda o direito do pesquisador-inventor ter participação financeira nos royalties de sua criação.

Não menos importante é o uso indistinto dos re-cursos que passam a ser vistos como investimento em pesquisa e inovação, e não mais como apenas rubricas contábeis (custeio, capital, bolsas) que infernizam a vida de gestores e usuários destes recursos. Assim, passam a focar no resultado da aplicação do recurso ao invés do processo de execução.

Não se pretende esgotar aqui todos os benefícios contidos no documento, mas pode-se afirmar que as al-terações constantes da proposta do Código constituem avanços que permitem vislumbrar um futuro promissor para CT&I no Brasil. O País já vem tendo reconhecimento científico e tecnológico internacional e não pode perder essa grande oportunidade!

O Código Nacional da CT&I

Mario Neto Borges Presidente da FAPEMIG e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap)

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MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 27

Há consenso. Nos anos mais recentes, os in-vestimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil tiveram aumento progressivo. O que se tem criticado, a partir da administração da presidenta Dilma, é o contingenciamento de recursos desti-nados à CT&I, numa quebra de compromisso as-sumida lá atrás pelo então presidente Lula de que, até final de 2010, recursos para essa área seriam intocáveis. Sei que está em jogo o excesso de zelo da presidenta para com a crise econômica mundial. Entretanto, mesmo leigo na seara da economia, tra-balho com a convicção de que manter fortes investi-mentos em CT&I é poderosa arma para se exorcizar uma crise. De qualquer modo, alimento a crença de que, a partir do próximo ano, as coisas retomem a velocidade dos últimos anos e que a presidenta nos surpreenda, como tem feito em outras áreas, com seu estilo de gestão.

Mas, voltando ao consenso aqui lembrado, há notáveis evidências dos desdobramentos do ci-clo virtuoso por que passou o País. O aumento dos investimentos federais do MCTI, por meio de suas agências de fomento, aliado à brilhante ideia de um Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI), com metas a serem cumpridas, contagiou diversos estados da federação e os desafiou a par-ticiparem ativamente da empreitada. Os sistemas estaduais se organizaram com suas secretarias e se criaram novas fundações de amparo à pesquisa (hoje já são 25!), estabelecendo-se a cultura das parcerias e potencializando-se recursos. Disso decorrente, formaram-se mais pesquisadores, am-pliou-se a iniciação científica, fortaleceram-se os programas de pós-graduação, lançaram-se ações

ousadas, como os institutos nacionais de C&T e tantas outras; deslancharam-se os programas de subvenção econômica, estimulando-se empresas a comprar os desafios da inovação e os ganhos da competitividade. E, no meio de tudo isso, um fenômeno novo que eu reputo da maior relevância: a descentralização dos investimentos associada à sua desconcentração, fato que revelou, por meio dos indicadores, o aumento proporcional de re-cursos destinados às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que sinaliza para a redução das desigualdades regionais, ainda que se tenha muita estrada a percorrer nesse sentido.

Ao lado desse consenso, entretanto, caminha outro que representa uma força paradoxal, verda-deiro entrave a tudo que se tem conseguido até aqui para o Brasil ocupar o seu devido lugar entre as nações que lideram a produção de conhecimento, tecnologia e inovação. Se, por um lado, tem-se o que comemorar com os avanços aqui referidos, por outro, se tem a lamentar que a legislação em vigor (imprópria, ultrapassada e dispersa) tenha sido o maior obstáculo para maiores saltos quantitativos e qualitativos. Neste sentido, a proposta para o novo “Código da Ciência”, capitaneada pelos conse-lhos nacionais dos secretários estaduais de CT&I (Consecti) e presidentes de fundações estaduais de amparo à pesquisa (Confap), com contribuições de entidades e instituições representativas da área (SBPC, ABC, Andifes, Abruem, Finep, CNPq, Ca-pes), significa uma revolução nos marcos regula-tórios que regem a vida de instituições e pessoas que fazem ciência no país. Agora está nas mãos do Congresso e do Executivo.

Código da Ciência

Odenildo SenaSecretário de C&T do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretarias Estaduais para Assuntos de C,T&I (Consecti)

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Projetos da Escola de

Belas Artes da UFMG

dedicam-se à pesquisa

das artes digitais

e computacionais,

estimulando inovadoras

interações poéticas

entre sons e imagens

Maurício Guilherme Silva Jr.

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011

Dente de Leão: por meio do

sopro, público participa da

poética obra

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Na enorme tela branca, a galinha pre-ta anda de um lado a outro. Diante dela, o espectador banca o sádico algoz. Com um afiado tridente nas mãos, diverte-se por cutucar a pobre ave, que foge em fre-nético desespero. De beleza estética ímpar – apesar da aparente crueldade –, a cena esconde ainda outros atrativos: equipado com fone nos ouvidos, o “torturador” da galinácea digital ouve, a cada alfinetada no animal, uma série de sons e versos da peça Hamlet, de William Shakespeare, a ques-tionar os desígnios da existência.

Fruto de pesquisas em torno das possibilidades interativas da arte compu-tacional, o poético embate entre ho-mens e galinhas digitais é capaz de, num átimo, revelar as muitas facetas de algumas das mais inovadoras iniciativas estéticas da contemporaneidade. Trata-se, em síntese, de experimentações, práticas ou conceituais, responsáveis por configu-rar complexas redes de interconexão entre imagem e som, assim como de estimular os indivíduos a inéditos modos de fruição da obra e/ou performance artística.

“Investimos, assim, em interação multimodal. Por meio da voz, do tato e de outros movimentos ou ações, o espectador interage com a obra, que lhe responde ime-diatamente”, explica o comunicador visual Jalver Machado Bethônico, professor do Departamento de Fotografia, Teatro e Cine-ma da Escola de Belas Artes (EBA) da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Se, até pouco tempo, não havia na EBA a tradição de pesquisas acerca de no-vas relações entre sons e imagens – posto que o ensino de desenho revela-se protago-nista na instituição –, hoje, destacam-se por lá dois instigantes caminhos de investiga-ção estética. A primeira vertente reúne pes-quisas sobre a relação entre música e artes gráficas. Trata-se do estudo da representa-ção visual da voz, assim como das especifi-cidades da pintura que busca interpretar os sons. Já na outra seara de inquirições, in-veste-se na exploração da rede de conexões entre signos visuais e sonoros, como forma de compreender e promover comparações, traduções e escrituras audiovisuais.

Como resultado desta segunda “via” de pesquisas, nasce, em 2004, sob co-

ordenação de Bethônico e do professor Francisco Marinho, o grupo interSignos, cujo “S”, maiúsculo e ao centro do vocá-bulo, busca, justamente, revelar a força e as peculiaridades das (inter)mediações. Desde sua formação oficial, a iniciativa pretende, entre outros objetivos, “ampliar o conhecimento do universo dos encontros entre imagem e som; explorar as possibi-lidades de articulação da(s) linguagem(ns) audiovisual(is); melhorar a formação dos alunos, por meio de metodologias capazes de ampliar o trânsito intersemiótico, e pro-duzir textos e obras individuais e, preferen-cialmente, coletivas”.

Com base em tais princípios, uma série de experimentações em artes di-gitais – todas muito instigantes e desa-fiadoras – passou a fazer parte da rotina dos pesquisadores. Em 2006, durante o 38º Festival de Inverno da UFMG, por exemplo, Jalver Bethônico e Francisco Marinho desenvolveram as ideias para o engenhoso Palavrador, ambiente in-terativo, com estrutura de software, que funcionava como “gerador de poesia”. A obra – que, atualmente, é um “livro físico capaz de interagir com um mundo poético cibernético construído em 3D” – chegou a ser exposta, nos Estados Unidos, em 2007, quando integrou o evento ACM Si-ggraph Art Gallery – Glogal Eyes.

Arte graduadaComo fruto direto das ininterruptas

ações do grupo de pesquisa, surge em 2006, com financiamento da FAPEMIG, o projeto O silêncio, a sombra e o silício: ex-periência da arte computacional em insta-lações interativas e imersivas com fomen-to, iniciativa que se revelaria riquíssima em possibilidades, a ponto de estimular, até mesmo, novas oportunidades de ofer-ta acadêmica na própria Escola de Belas Artes da UFMG. Inicialmente, contudo, os pesquisadores propunham-se, apenas, a aprimorar a estrutura do chamado Mu-seu Museu, galeria com acervo de obras criadas pela professora Mabe Bethônico, que, apesar de inteiramente virtual, jamais assume tal condição.

No desenvolvimento inicial do proje-to, portanto, os pesquisadores propunham-

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O projeto de Galinha foi realizado por Daniel Pinheiro Lima, sob orientação dos professores Jalver Bethônico e Francisco Marinho, para exposição na Escola de Belas Artes em agosto de 2008.

Syggraph é o nome de uma associa-ção norte-americana especializada em computação gráfica.

A obra ganhou, em 2006, o Prêmio de Poesia Digital da Cidade de Vinarós, na Catalunha, na categoria de arte--software.

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-se a ampliar a complexidade do conteúdo do Museu Museu, a partir da instauração de diversos ambientes interativos. “Busca-ríamos um exercício de forma no interior de um acervo”, explica o professor Jalver Be-thônico, ao ressaltar, porém, que os planos se diversificaram: “As coisas começaram a tomar rumos inesperados, como resultado das pesquisas com arte digital”. Surgem daí propostas as mais diversas. Além de ateliês e oficinas para discussão do tema, tanto na graduação quanto na pós, são rea-lizadas diversas exposições com o material gerado a partir de tais iniciativas. “Perce-bemos, então, a necessidade de montar um outro espaço de investigação”.

Eis o mote para a criação do 1ma-ginari0, grupo de pesquisa abrigado no Laboratório Midia@rte da EBA e que, em convênio com o interSignos, dedica-se à pesquisa de interfaces multimodais e ao de-senvolvimento e à produção em artes digi-tais, computacionais e poéticas. “De repen-te, buscávamos consolidar uma nova área dentro da Escola de Belas Artes. E por meio de uma nova habilitação”, explica Bethô-nico. Iniciava-se, desse modo, o curso de graduação em Cinema de Animação e Artes de Digitais (CAAD), hoje já na quarta turma.

“No curso, que hoje já conta com sete pro-fessores, o estudante recebe formação híbri-da e, ao mesmo tempo, tem a possibilidade de se especializar em um dos percursos oferecidos”, esclarece o professor.

Dos sopros à BabelCriatividade, tecnologia e interação

são palavras verdadeiramente funda-mentais às iniciativas propostas pelos pesquisadores ligados ao grupo 1magi-nari0. Que o diga a instalação Dente de Leão, experiência estética que costuma provocar inesperadas sensações nos espectadores. O funcionamento da obra, de autoria de Chico Marinho, Francisco Chaves e Jalver Bethônico, é bastante simples – apesar dos efeitos surpreen-dentes: ao soprar um microfone camu-flado de flor, a pessoa faz aparecer, numa tela de projeção, imagens de milhares de sementes esvoaçantes, que, pouco a pouco, transformam-se em poemas. “Ao mesmo tempo, no fone de ouvido, perce-bem-se construções sonoras e musicais que variam de acordo com a intensidade do sopro”, relata Bethônico.

Outra maravilhosa experimentação em arte digital desenvolvida pelo grupo de pesquisa é a obra Babel, fruto de parceria de Jalver com Marcelo Bicalho, apresen-tada em 2008 numa exposição da Escola de Belas Artes. Na instalação, é preciso chacoalhar um teclado para a que torre de versos, belissimamente projetada numa tela, se sustente ou se movimente. “Nesta e em outras obras, a ludicidade está pre-sente. Apesar disso, não podemos deixar de lado as proposições e experimentações estéticas”, completa Bethônico.

PROJETO: O silêncio, a sombra e o silício: experiência da arte computacional em instalações interativas e imersivasCOORDENADOR: Jalver Machado BethônicoMODALIDADE: Grupos Emergentes de Pesquisa VALOR: R$ 70.000

Confira o blog do projeto: www.1maginari0.blogspot.com

Fotos: Divulgação

Pessoas interagem com o Palavrador e ajudam a movimentar a tecnológica Babel

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Projeto de pesquisadores

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Zona da Mata mineira

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Determinar quais, quantos e como vivem os moluscos terrestres da região da Zona da Mata mineira: esses foram os ob-jetivos de um estudo de pesquisadores do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na região da Zona da Mata, Sudeste do Estado.

Com o nome “Taxonomia de Molus-cos Terrestres da Microrregião de Juiz de Fora, Minas Gerais, e Avaliação da Ativi-dade Moluscicida, Repelente e Ovicida de Produtos Naturais”, o projeto visou ainda investigar a eficácia de substâncias natu-rais para controle biológicos dos moluscos gastrópodes terrestres, aqueles que se lo-comovem arrastando-se por meio de uma espécie de pé na região do ventre.

A área de cobertura da pesquisa in-cluiu, além de Juiz de Fora, as cidades de Chácara, Coronel Pacheco, Bicas, Lima Duarte, Matias Barbosa, Piau, Rio Preto e São João Nepomuceno, Ponte Nova, Vi-çosa, Carangola e o Parque Estadual Serra de Ibitipoca, situado nos limites entre Lima Duarte e Santa Rita do Ibitipoca.

A iniciativa, realizada entre 2007 e 2009, integra um projeto de abrangência maior chamado “Biologia, Comportamento e Participação de Moluscos Terrestres no Ciclo Biológico de Parasitos”, mantido desde 1998 pelo departamento.

A classe deve seu nome ao termo grego “gastropoda”, junção das raízes gaster, estô-mago, e podos, pé, e inclui, além das lesmas e dos caramujos, que habitam ambientes terrestres, espécies aquáticas, tanto de água doce quanto salgada. Estima-se que haja hoje 35 mil espécies de moluscos terrestres,

número expressivo que coloca o grupo como um dos de maior biodiversidade. Em Minas Gerais, de acordo com levantamentos do co-meço dos anos 2000, o rol de espécies varia entre 56 e 70, das quais 40 estão presentes na localidade da Zona da Mata.

Elisabeth de Almeida Bessa, da UFJF, coordenadora do estudo e também do Nú-cleo de Malacologia, ramo da biologia que se dedica ao estudo dos moluscos, explica que a pesquisa foi motivada pelo interesse em confirmar a quantidade e quais são as espécies na região de Juiz de Fora e pro-ximidades, empregando uma metodologia de identificação que leva em conta outras características dos indivíduos que não apenas a concha ou as partes moles, como se costuma fazer tradicionalmente.

Na etapa de revisão taxonômica, à qual esteve à frente a professora Flávia Junqueira, as espécies seriam determina-das conforme a análise morfológica macro e microscópica dos sistemas reprodutor, digestório, do complexo palial e a morfo-logia das conchas.

A taxonomia é a ciência que trata da classificação das espécies em grupos, de acordo com sua semelhança. Na análise proposta pelo estudo, os animais foram examinados quanto à morfologia, que tra-ta da forma das estruturas do organismo, tanto de suas conchas, e de seu complexo palial, que compreende o material no inte-rior da cavidade da concha.

Esse tipo de análise, mais completa, considerando também as estruturas do or-ganismo para determinação das espécies, se opõe a uma tendência de estudos que focavam apenas o comportamento dos ani-mais, muito comum nas últimas décadas, e tem como vantagem contribuir para uma aferição mais precisa.

A necessidade desse tipo de abor-dagem, conta a coordenadora, se deve à possibilidade de que espécies de moluscos sejam ameaçadas de extinção, antes mesmo de serem identificados, graças à redução das áreas habitáveis provocada pelo aumento do desmatamento e intensificação do processo de urbanização. Uma das implicações dessa dinâmica é a diminuição da oferta de alimen-tos: essencialmente herbívoros, as mudanças ocasionadas pela expansão das cidades aca-

“As espécies de menor porte não são um problema tão grande porque elas já têm

predadores aqui, ao contrário do caramujo africano, cujo

predador é um gavião que só existe na África, o que facilita

sua proliferação”

Elisabeth de Almeida BessaCoordenadora do projeto

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bam por reduzir drasticamente os locais onde encontram meios para sobreviverem.

No caso da população de moluscos terrestres, que se encontram na Zona da Mata mineira, o quadro se torna ainda mais grave pela velocidade com que os focos de Mata Atlântica, bioma natural da região, vêm se devastando. De acordo com levantamento da ONG SOS Mata Atlântica e do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) referente ao perío-do de 2008 a 2010, em terras mineiras, a des-truição das áreas de floresta Atlântica cresceu 15% em comparação ao triênio de 2005 a 2008, com a diminuição de aproximadamen-te 13 mil hectares de cobertura vegetal.

Mas os problemas não param aí: as espécies do local têm que enfrentar, tam-bém, a concorrência das espécies exóticas ou invasoras de moluscos, aquelas que não são endêmicas, ou seja, típicas do local em que são encontradas e que disputam com as nativas a sua alimentação, levando ao de-sequilíbrio ecológico daquele ecossistema. A presença dessa fauna ou flora estranhas a um dado ecossistema altera as relações ecológicas que ali havia, principalmente as da cadeia alimentar, sendo, por isso, consi-derada a segunda maior causa de extinção de espécies, perdendo apenas para a redu-ção dos biomas por ação humana.

Uma das espécies invasoras mais conhecidas e que tem causado danos con-sideráveis é o caramujo gigante africano (Achatina fulica). Conta-se que a espécie foi trazida para o País na década de 1980 para ser exposta em feira no Paraná como uma alternativa ao escargot, espécie comestível de molusco. Como os brasileiros não tinham o hábito, tipicamente francês, de consumir esse prato, os produtores acabaram por liberar os animais na natureza. Com condições propí-cias à sua reprodução, resultante da postura de mais de 400 ovos por indivíduo, dos quais 99% chegam a filhotes, a espécie hoje se en-contra em quase todo o país.

Mais do que ameaçar a fauna nativa, o invasor africano acarreta prejuízos econômi-cos, por destruir plantações, e pode implicar outros ainda mais graves à saúde humana, por ser hospedeiros de uma série de pa-rasitos que provocam doenças, como a an-giostrongilíase, que ataca o sistema nervo-so central, e a angiostrongilíase abdominal,

que pode levar à morte por perfuração do músculo e consequente hemorragia.

Daí a importância do outro objetivo do projeto. Paralelamente às análises morfológi-cas, a pesquisa se dedica ainda a estudar os hábitos das espécies de moluscos em condi-ções de laboratório, utilizando como amostra uma geração criada com esse propósito, para avaliar os efeitos moluscicidas de algumas substâncias naturais – que controlaria o crescimento da população de animais – ou repelente – que reduz presença de moluscos no local. “Os dados obtidos por esses estu-dos podem nos ajudar a trabalhar com maior segurança no controle de moluscos e, por consequência, no controle de parasitoses”, justifica a coordenadora do projeto.

Dessas amostras, foram coletados da-dos como a densidade populacional – a razão entre o espaço total e o número de indivídu-os que o ocupam -, o tempo para atingirem a maturidade sexual, o ritmo e a quantidade de ovos de cada ovipostura, além do tempo e a taxa de eclosão dos filhotes, características reprodutivas dos animais, especialmente a ocorrência de autofecundação.

A busca por meios de controlar as es-pécies de moluscos data do início do século XX, com o emprego de materiais que não eram específicos para isso, tais como cal, fosfato de cálcio, cianeto de cálcio ou sulfato de cobre, chegando-se, na década de 1970, à pesquisa de mais de 7 mil produtos para

a finalidade. Dentre eles, um dos de maior destaque foi o medicamento Bayluscide, que, apesar de eliminar os animais, preju-dicava a fauna e a flora do local de aplica-ção, além de ter altos custos de produção. O problema levou a que se pesquisassem mo-luscicidas naturais, com o intuito principal de controlar os gastrópodes hospedeiros do agente causador da esquistossomose, o Schistosoma mansoni. Foi quando se des-cobriu o sucesso de substâncias extraídas de plantas como a castanha de caju (Ana-cardium occidentale) e a piteira ou agave (Agave americana) para esse fim.

No estudo mineiro, o objetivo foi investigar a resposta das plantas e outros materiais naturais para controlar a popula-ção de indivíduos jovens ou adultos, bem como os ovos de três espécies exóticas, encontradas na região de Juiz de Fora: a Bradybaena similaris, conhecido comu-mente como caracol de jardim e típico da Ásia; Subulina octona, com ocorrência em regiões tropicais, especialmente do conti-nente americano; e Leptinaria unilamellata, também presentes nos trópicos.

Como as condições climáticas do Bra-sil são muito semelhantes às de seus locais de origem, as espécies tiveram grande su-cesso de adaptação, vivendo de forma seme-lhante às nativas, inclusive com integração ao ciclo biológico da área onde estão. “Essas es-pécies de menor porte já não são um proble-

Típico da Ásia,o caracol de jardim(Bradybaena similaris) adaptou-se com sucesso ao climabrasileiro

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ma tão grande porque elas já têm predadores aqui, ao contrário do caramujo africano, cujo predador é um gavião que só existe na África, o que facilita sua proliferação”, relata.

Na iniciativa da universidade juiz-fo-rana, foram averiguadas as propriedades das seguintes plantas: a erva-de-santa--maria (Chenopodium ambrosioides), pi-teira-azul agave americana (Agave Ameri-cana), coroa-de-cristo (Euphorbia millii), dedal-de-dama ou alamanda amarela (Allamanda cathartica), piteira (Furcra-ea foetida), guaco (Mikania glomerata), picão (Bidens pilosa), além de antibióti-cos extraídos de fungos, cafeína e timol, obtido através dos óleos de plantas como o tomilho e o orégano. Os experimentos foram feitos cruzando cada planta isola-damente ou combinada a outras com cada espécie de molusco individualmente.

Esses materiais foram escolhidos por já terem sido mencionados como pos-síveis moluscicidas pela literatura especia-lizada e, no caso de alguns dos vegetais, por pertencerem a famílias de plantas que já apresentaram essas propriedades. A novidade do trabalho, explica Elisabeth, é pesquisar esses efeitos sobre moluscos terrestres, já que, até então, os textos trata-vam apenas dos moluscos aquáticos, que têm hábitos completamente diferentes.

Resultados Quanto à primeira etapa do estu-

do, a análise taxonômica de moluscos coletados em doze localidades da mi-crorregião de Juiz de Fora, foi cons-tatado um número maior de espécies no local do que as computadas pelos levantamentos anteriores. Em vez das quantidades esperadas de 16 famílias, 24 gêneros e 40 espécies, foram encon-trados 21 famílias, 36 gêneros e 51 es-pécies. Todos os animais encontrados são de espécies já conhecidas, mas das quais não se sabia sobre a presença na Zona da Mata. Dentre elas, nove ainda precisam ser confirmadas.

Para chegar a esse número, Flávia coletou amostras de animais entre 2006 e 2009 e as analisou considerando não apenas a sua concha e a parte mole – que inclui os sistemas do organismo –, mas

também seu material genético, em parce-ria com outra professora da casa, Sthefane D´ávila, especialista em biologia molecular e histologia – estudo dos tecidos dos ór-gãos – de moluscos terrestres.

Os dados resultantes da pesquisa foram tema da tese de doutoramento de Flávia, defen-dida em abril deste ano, e já foram submetidos a periódicos para publicação. “Os estudos continuam para confirmar tais espécies, um processo demorado e que exige pesquisas mais aprofundadas”, explica Flávia.

Já quanto à segunda fase, o teste com as substâncias utilizadas para controle dos animais apresentou resultados positivos na avaliação da equipe. “Nossa conclusão é de essas plantas têm ação ovicida, jovencida e adultocida. Controlar o número de ovos é muito bom porque filhotes não nascem e, logo, não temos adultos. Estamos tentando controlar sem exterminar”, afirma Elisabeth. Por ora, as informações sobre as propor-ções de cada material estão sob sigilo devi-do ao processo de obtenção de patente das fórmulas dos moluscicidas naturais criados.

O estudo tem ainda contribuições acadêmicas importantes para a pesquisa na área da malacologia. Já foram defendi-das 15 trabalhos de pós-graduação strictu sensu, entre dissertações de mestrado e teses de doutorado, ligadas ao programa “Biologia e Comportamento Animal” da universidade. Mais três dissertações na área de controle biológico deverão ser defendidas em breve: uma em fevereiro de 2012 sobre o Subulina octona, o cara-col de jardim, e as outras em 2013, sobre Achatina fulica, o caramujo africano.

Houve ainda participações em ban-cas de avaliação de trabalhos de pós--graduação e em congressos, publicações de artigos, orientações em monografias e iniciações científicas. “O bom da pesquisa é que, a cada resposta que encontramos, há dezenas de outras perguntas que mo-tivarão outros estudos. É trabalho para a vida toda”, brinca Elisabeth.

Museu de Malacologia Para quem pretende ir a Juiz de Fora

nas férias e se interessa pelo universo dos moluscos, uma boa dica é visitar o Museu de Malacologia Professor Maury Pinto de

Oliveira, que integra o Núcleo de Malaco-logia da UFJF. O local possui laboratórios, sala de microscopia, locais de criação de animais, sala de estudos especiais e bi-blioteca especializada no tema, com regis-tros raros dos séculos XVIII e XIX.

Com visitas guiadas de escolas e gru-pos de estudos e aberto também ao público em geral, o museu possui uma das maiores coleções de conchas do país, de moluscos terrestres e marinhos. Mais informações pela página do museu http://www.ufjf.br/malacologia/ ou pelo tel. (32) 2102-3221 e e-mail [email protected].

PROJETO: Taxonomia de moluscos terrestres da microrregião de Juiz de Fora, Minas Gerais e avaliação da atividade moluscicida, repelente e ovicida de produtos naturaisCOORDENADOR: Elisabeth Cristina de Almeida BessaMODALIDADE: Programa Pesquisa-dor Mineiro (PPM)VALOR: R$ 48.000

O caramujo gigante africano (foto 1), do gêne-ro Achatina, e o caramujo branco pequeno, do gênero Bulimulus (foto 2) tiveram seus hábitos analisados pelo projeto

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Há muitos e muitos anos, as pesso-as costumavam buscar a cura de gripes, enjoos, dor de dente e feridas no canteiro plantado no fundo de casa. Misturavam folhas ou frutos com água ou álcool, en-tre outros ingredientes, e colocavam em garrafas para tomar ou passar na pele. Até 2007 a Medicina ainda não reconhecia es-ses métodos caseiros, porém, depois que o Ministério da Saúde aprovou o programa nacional de plantas medicinais e fitoterápi-cos, alguns remédios da “vovó” são estu-dados em laboratórios e transformados em soluções eficazes no combate de doenças.

Na edição nº 28 da MINAS FAZ CI-ÊNCIA, em 2007, foi publicada matéria sobre pesquisadores que encontraram, nas folhas do repolho - o mesmo que usamos para fazer saladas -, substâncias que apre-sentavam capacidade de cicatrizar feridas. A pomada era fabricada e vendida apenas na cidade de Governador Valadares, entre-tanto, a eficácia do produto no tratamento de ferimentos fez com que fosse necessá-rio o inicio de estudos laboratoriais para comprovar cientificamente que a Brasica oleracea var.captata (nome cientifico do re-polho) é um remédio natural que pode ser comercializado em larga escala.

Em 2008 a pomada e o bálsamo dei-xaram de ser produtos de manipulação e adquiriram o status de produtos para in-dustrialização, com o nome de Debridan. O farmacêutico e empresário Moacir Lima, que iniciou os estudos com o poder cura-

Propriedades ftoterápicas do repolho são utilizadas na produçãode pomadas e bálsamo que têm a capacidade de cicatrizar feridas

tivo do repolho, afirma que os principais avanços conquistados com os produtos é a credibilidade alcançada junto aos profis-sionais da saúde. “Colocar na prática o que as pesquisas comprovaram e saber que a pomada poderá se consolidar como princi-pal marca no tratamento de feridas é muito importante”, avalia.

No que diz respeito à parte cientifi-ca, o engenheiro agrônomo e doutor em fitopatologia Marcelo Barreto explica que, após a comprovação da capacidade da po-mada ativar a produção de colágeno e dis-posição das fibras da pele, novos estudos puderam ser iniciados. “Temos novas pes-quisas sendo estruturadas especialmente na área da nanotecnologia, envolvendo o extrato da Brassica. Com equipamentos mais elaborados, como o espectrofotô-

metro de massa, estamos trabalhando no conhecimento mais detalhado da química da planta”, afirma.

O trabalho, que foi iniciado há mais de quatro anos, ainda gera desenvolvi-mento cientifico e industrial. De acordo com Lima, foram firmadas parcerias, para continuidade de estudos com a Brassica, com a Universidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul e Universida-de Federal do Espírito Santo, onde está o professor Barreto. Ainda está previsto o lançamento de novos produtos para tratamento de fissura labial e mamilar e assaduras. “A Brassica nos surpreende a cada momento. Temos muito ainda o que investigar e creio que poderemos lançar produtos inovadores e de grande benefí-cio para diversos tratamentos”.

Do laboratório para a prateleira da farmácia

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A eletrostática, ramo da física que se dedica ao estudo das cargas elétricas, não tem relação direta com a agricultura, mas a aplicação de seus princípios pode contribuir para cultivos mais produtivos e sadios. Essa é a proposta do modelo de pulverizador ele-trostático de defensivos agrícolas Eletrobell’s, desenvolvido pela empresa Bell’s Ind. Eletrô-nica, com sedes na cidade de Timbó, Santa Catarina, e em Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais. Nos pulverizadores conven-cionais, a calda, ou seja, a mistura de água e defensivos agrícolas, atinge as plantas graças à pressão feita por uma bomba, um dispositivo que funciona como um êmbolo de seringa, “empurrando” o líquido para fora do recipiente. Já no novo projeto, as gotas de calda recebem uma ajuda a mais para atin-girem seus alvos: a um campo elétrico, um campo de forças produzido pela atuação de cargas elétricas sobre uma área, no interior da máquina, que faz com que as gotas da cal-da fiquem eletricamente carregadas e sejam atraídas pelos vegetais.

Esse campo de forças é gerado por uma fonte de alta tensão alimentada por uma bateria de 12 volts, fazendo com que a tensão atinja o valor de 40 mil volts, ligada a um eletrodo, objeto que vai possibilitar a constituição de um circuito elétrico atra-vés da passagem de cargas, instalado no cabeçote do pulverizador. A colocação do eletrodo na extremidade do equipamento tem uma justificativa: conforme descri-to pelo “Princípio do Poder das Pontas”, enunciado pelo inventor e político norte--americano Benjamin Franklin, no século XVIII, as cargas elétricas presentes em cer-

Pulverizador desenvolvido por empresa fabricante de eletrônicos utiliza princípios da física eletrostática para aumentar efciência do equipamento

to corpo que conduza eletricidade tendem a se acumular em regiões pontiagudas ou de menor diâmetro, razão pelas qual as pontas de objeto terão maior concentração de cargas em comparação ao restante de sua extensão. Essa teoria foi a base para o desenvolvimento dos para-raios, também de autoria de Franklin, em 1752.

Graças a essa dinâmica, o cabeçote do pulverizador se torna um local com um campo elétrico fortemente carregado, fazen-do com que as gotas que passam por ele ad-quiram cargas positivas, perdendo elétrons (partículas atômicas que possuem carga negativa), e sejam atraídas pelas plantas, que ficam negativamente carregadas devido à proximidade da calda com os vegetais. A aproximação da carga positiva das gotas provoca uma reorganização das cargas da superfície das folhas, fazendo com que a parte mais próxima da calda fique negativa, e a mais distante, positiva. Como cargas opostas se atraem, a mistura é “puxada” pelas plantas com mais facilidade, tornando sua aplicação mais eficiente, já que evita a dispersão indesejada das gotas.

Até chegar ao cabeçote do pulveriza-dor e ser expelida, a calda faz o seguinte trajeto: sai do tanque, o reservatório onde fica armazenada, segue para o gotejador, de onde passam por um disco dispersor, que age dividindo as gotas em outras ainda menores, para facilitar a dispersão do pro-duto. A redução da massa e da dimensão das gotas potencializa o efeito da atração eletrostática, já que, quanto menor o corpo sobre o qual atuam, maior o efeito da força exercida pelas cargas.

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Desireé Antônio

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Os resultados dos testes foram promissores: o Eletrobell’s apresentou bom desempenho quanto à efe-tividade da aplicação – a capacidade para atingir o alvo visado – e quanto à densidade das gotas, o que facilita a cobertura de uma área maior com o uso de menor volume de defensivos, em comparação ao produto chinês.

Os experimentos, tanto os de laboratório, como os de campo, deram uma indicação também sobre os pontos em que o produto deve melhorar: um deles é a dimensão das gotas, que estava variando entre 40 e 320 micrômetros, en-quanto a literatura da área define como ideais valores que variem entre 80 a 120 micrômetros. O tamanho das gotas, cujo termo técnico é diâmetro médio volumétrico (DMV), tem especial importância porque está ligado ao sucesso da indução por eletrostática: quanto menores as gotas, maior é o efeito das cargas sobre elas. O problema está sendo sanado com a substituição de discos rotativos, que tinham a função de reduzir o DMV das gotas, por bicos hidráulicos, que desempenha a mesma função de melhor forma.

Hoje, a empresa, que ainda não tem data para lança-mento do equipamento, está pesquisando uma nova fonte de energia para o pulverizador, ao que devem se seguir testes comparativos com outros modelos nacionais. “Ao realizar experimento em lavoura comercial, durante todo o ciclo da cultura, fazendo os tratamentos com o Eletrobell’s, poderemos avaliar os índices de eficiência no controle de pragas e doenças, em comparação com pulverizadores comuns”, projeta Adalcio.

Aliadas a essa novidade, estão ainda outras alterações destinadas a tornar o pul-

verizador mais facilmente manuseável, e o uso mais eficiente dos defensivos, por ser um modelo

manual, e não costal, com tanque em forma de mo-chila, transportado nas costas do operador, facilitan-

do o controle e manuseio pelo agricultor; além do uso de menores volumes de calda e gotas com dimensões cada vez mais próximas das definidas como ideais pela literatura da área, que seria de 100 micrômetros – um micrômetro equivale a um milionésimo do metro. O equipamento é voltado às necessidades dos pequenos e médios produtores de hortaliças e flores.

“O Eletrobell’s é único. No Brasil, até então ne-nhuma empresa produz um idêntico a esse”, afirma o engenheiro agrônomo e supervisor de vendas Adálcio Alberton, que trabalha na matriz. Ele conta que o modelo começou a ser concebido em 2007, quando os diretores

da Bell’s tiveram contato com o projeto desenvolvido por um pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de Jaguari-

úna (SP). Esse projeto ainda estava no papel, aguardando recursos financeiros e humanos para ser concretizado. Uma das fontes de captação do investimento necessário

foi a FAPEMIG: em 2008, a empresa, que possui uma filial em Minas Gerais, na cidade de Santa Rita do Sapucaí, submeteu o projeto ao edital para financiamento de projetos do setor privado e foi um dos contemplados. A participação mineira, no entanto, não se limitou à captação de recursos: a equipe da filial desenvolveu, em parceria com a da matriz, a parte eletrônica do pulverizador. “O trabalho foi feito com os dos grupos trocando experiências, erros e acertos”, explica Marco Passos, engenheiro mecânico da matriz.

Apostando no apelo da proposta, as ideias passaram à fase de execução em 2009, realizada por uma equipe de profissionais da Bell’s. Os dois anos de trabalho, diz Adálcio, incluíram grande volume de testes de laboratório para determinar como seria e como funcionariam os componentes do pulverizador. A maior dificuldade foi definir qual o dimensionamento e a otimização da fonte de que seria usada.

O engenheiro revela que, como as informações sobre o novo modelo ainda eram essencialmente teóricas, foi necessário encontrar um similar, que já tivesse sido produzido, para servir como referência. “Como apenas encontramos dois modelos chi-neses, os importamos e realizamos as comparações”, justifica.

A avaliação baseada no contraste com o produto asiático aconteceu em outubro do ano passado e foi fundamental para acertar as características das peças do pulverizador. Na ocasião, foram analisadas variáveis como a faixa de aplicação efetiva, densidade, espectro das gotas e o efeito da eletrostática dos dois tipos, em diferentes situações: ora sem, ora com o uso da fonte de energia, e com duas velocidades de aplicação distintas.

Paralelamente às simulações no laboratório, foram realiza-dos testes de campo em propriedades rurais de cultivos de hortali-ças e flores no Estado, em parceria com o Departamento de Fitotec-nia da Udesc, que colaborou com a pesquisa organizando ensaios e avaliações do produto, de acordo com a metodologia científica.

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Foto: Bell’s Ind. Eletrônica

Um dos testes em plantações de hortaliças feitos pelo projeto

PROJETO: Pulverizador EletroBellsCOORDENADOR: Adalcio Alberton MODALIDADE: Eletroeletrônico VALOR: R$ 158.293

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Nem Júlio Verne, autor francês que escreveu alguns dos maiores clássicos mundiais da ficção científica e que sempre apostou em romper fronteiras, foi capaz de imaginar. O ser humano fechou o século XX abrindo a caixa secreta que contém todas as instruções para o funcionamento do nosso organismo: o genoma humano, ou seja, o conjunto de genes de uma es-pécie que é transmitido, com pequenas variações, de pais para filhos. Mapeá-los, conhecer seu exato posicionamento na hé-lice do DNA, as estruturas que compõem o gene, por meio da genômica, podem per-mitir saber a probabilidade de um indiví-duo ou etnia desenvolverem uma ou outra doença, por exemplo. A intenção é poder preveni-las ou retardá-las ao máximo.

Mas isso é algo como ler uma obra com cerca de 800 volumes, em uma língua desconhecida. Os genes são apenas 5% dessa “leitura”, que nos seres humanos somam cerca de 25 mil. Apesar dos desa-fios por vir, com esse novo jeito de olhar o indivíduo a Ciência ultrapassa a fronteira da compreensão das células e das molécu-las e avança no sentido de alcançar um de seus principais objetivos, controlar a rela-ção saúde-doença. MINAS FAZ CIÊNCIA

A novafronteira da vidaDepois de se lançar às estrelas e ao oceano, o ser humanovem avançando na tentativa de controlar a influência da relaçãoentre gene e ambiente sobre nossa saúde

Marcus Vinicius dos Santos

foi conversar sobre esse tema com um dos mais reconhecidos geneticistas do Brasil, o mineiro Sérgio Danilo Pena. Ele acredita que os avanços na tecnologia podem agi-lizar mudança substancial na medicina a partir de agora, à medida que a sociedade e a comunidade médica absorvem os avan-ços da ciência genômica e os incorporam às informações preditivas e preventivas na rotina de manutenção da saúde.

Sérgio Pena é médico, Ph.D. em Genética Humana, professor titular do de-partamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor do Laboratório de Genômica Clínica da Faculdade de Medicina da UFMG, entre outras atividades.

Que conhecimentos o Projeto Genoma trouxe para a saúde? Em 2003, foi anunciado o fim oficial do Pro-jeto Genoma Humano. Mais de 99% dos 2,9 bilhões de pares de base de DNA, que cons-tituem a principal porção do genoma huma-no, foram sequenciados com uma exatidão superior a 99,9%. Entretanto, as promessas feitas durante o Projeto foram muitas e al-gumas pessoas têm ficado impacientes com

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a demora na translação do conhecimento genômico para o tratamento e a cura de do-enças. Mas o importante é que os avanços têm ocorrido inexoravelmente e aos poucos a Medicina vai se tornando mais científica e certeira, para o benefício de todos. Já temos muito a oferecer no presente.

Como o senhor traduziria a impor-tância desse conhecimento para a humanidade?Do ponto de vista médico a importância do Projeto Genoma Humano só pode ser comparada à publicação do primeiro tra-tado científico completo de anatomia hu-mana, De Humani Corporis Fabrica, por Andreas Vesalius, em 1543. Este livro re-presentou o alicerce da medicina moderna. E o conhecimento anatômico propiciou o florescimento lento e gradual da fisiologia humana, da patologia humana e da farma-cologia humana nos séculos subsequen-tes. Da mesma maneira, o Projeto permitiu o conhecimento anatômico completo do genoma humano. Aos poucos vão flores-cendo a fisiologia genômica, a patologia genômica e a farmacologia genômica.

E são essas as bases da Medicina Ge-nômica?Conhecer a anatomia do genoma humano representa apenas o ponto de partida de construção da Medicina Genômica. As novas técnicas de sequenciamento genômico, 50 mil vezes mais rápidas do que em 2003, têm acelerado ainda mais esse processo. Tanto que só em 2011 foram sequenciados mais de 30 mil genomas humanos. Esse acúmulo de informações provocou mudança radical nos conhecimentos sobre a biologia normal do ser humano e o desenvolvimento de doenças.

Sobre quais doenças os estudos estão mais avançados? Mantendo o foco nas doenças comuns, certamente o entendimento de todas elas tem avançado em conjunto. Para algumas, que dependem mais de variações genômi-cas, como o diabete juvenil, a degenera-

ção macular senil e a doença de Crohn, já temos excelentes ferramentas diagnósticas que permitem a prevenção ou a detecção precoce para tratamento. Já com respeito a outras, como a Doença de Alzheimer, que tem aumentado a sua prevalência extraor-dinariamente com o aumento da expecta-tiva de vida da população, temos um bom entendimento de como a doença se instala e evolui, mas ainda não conseguimos tra-duzir esse conhecimento em medidas mé-dicas práticas.

E quanto à obesidade?Este é outro desafio enorme. A obesidade é uma doença complexa, que depende de fatores genômicos e ambientais. Milhões de dólares estão sendo investidos nos estudos genômicos para entender o de-senvolvimento da obesidade e evitar seu desenvolvimento no paciente individual. Já a verdadeira epidemia de obesidade que afeta os países ocidentais, especialmente os Estados Unidos, parece ser principal-mente devida a fatores ambientais, ou seja, um excesso de oferta de comida em pro-porções nunca antes experimentadas na história da humanidade, aliada a lobismo e propaganda pela indústria alimentícia.

É possível identificar os mecanismos de ação das doenças complexas, cuja base genética depende de muitos ge-nes e do ambiente?Todas as características físicas, intelec-tuais e comportamentais de uma pessoa, em um dado momento, são determinadas tanto pelo seu genoma como pela sua história de vida. Nasce daí o paradigma genômico de saúde, como sendo o equilí-brio harmônico entre genoma e ambiente. As doenças representam a desarmonia genoma/ambiente. Tal desequilíbrio pode ser devido a insultos genômicos (doenças genéticas, como, por exemplo, a síndro-me de Down) ou ambientais (como, por exemplo, traumas físicos). Entretanto, na vasta maioria das vezes, as doenças emer-gem da confluência de ‘gatilhos’ ambien-

tais agindo sobre genomas predispostos. As doenças comuns, como o câncer, a aterosclerose, a hipertensão, as grandes psicoses etc, são multifatoriais e com-plexas. Sua análise é difícil porque são causadas por múltiplas predisposições genômicas, agindo em interação com fatores ambientais desencadeantes. É justamente o envolvimento do ambiente na etiologia [causas] dessas doenças co-muns que abre perspectivas preventivas personalizadas, a partir de modificações do estilo de vida e da dieta, da introdução ou suspensão de medicamentos e do au-mento da frequência de exames clínicos, laboratoriais ou imaginológicos.

Em 2002, um ano antes do fim do pro-jeto, o Sr. já falava em medicina “pós--genômica” e afirmava que, no futuro, ela seria principalmente preventiva. Melhor: que as pessoas morreriam muito mais velhas, com expectativa de vida superior aos cem anos de vida. Nós estamos perto de alcançar esse estágio? Sim. Hoje em dia, um bebê recém-nascido no Japão ou Canadá tem probabilidade de mais de 50% de viver além dos 100 anos. Vale a pena ressaltar que esse aumento extraordinário na esperança de vida talvez tenha mais a ver com saneamento bási-co e nutrição do que propriamente com avanços médicos. Mas o papel funda-mental da medicina pós-genômica (ou seja, aquela baseada no conhecimento do mapa genômico do Homo sapiens) será o de promover o envelhecimento com saúde, fazendo a prevenção das doenças crônicas e debilitantes. Assim, não bas-ta colocar “mais anos em nossas vidas”, mas compete à medicina pós-genômica colocar “mais vida em nossos anos”.

Temos avançado igualmente ética e cientificamente nessa espécie de ‘glo-balização do fazer ciência’?De fato, eu caracterizaria a comunidade médica da atualidade como eminente-

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mente ética. Pela sua própria complexi-dade, a Ciência Genômica de fronteira é sempre uma atividade de grupo, no qual existe uma regulação ética mútua entre os membros. Ademais, todos os projetos de pesquisa em humanos passam obrigato-riamente por Comitês de Ética em Pes-quisa locais ou mesmo em nível nacional, para conseguirem apoio de entidades responsáveis, como a FAPEMIG. Assim, posso dizer com certeza que a população pode ficar tranquila que não há nenhum Dr. Frankenstein ou Dr. Moreau operando na comunidade genômica.

E o tratamento com o uso de técnicas genômicas já está disponível via SUS? Um dos nossos grandes sonhos é poder estender os nossos conhecimentos de Medicina Genômica de fronteira para a grande população de pacientes brasilei-ros atendidos pelo SUS. Atualmente, um dos nossos projetos apoiados pelo CNPq, feito em colaboração com o Serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (que atende pacientes do SUS), visa exa-tamente desenvolver testes de viabilida-de com esse objetivo. A implantação de novos procedimentos do SUS vai muito além da pura Ciência, envolvendo aspec-tos políticos e econômicos que atrasam sobremaneira o processo. Mas, sou oti-mista. Teremos isso em poucos anos.

O senhor tem afirmado que é biologi-camente impróprio usar o velho con-ceito de raça para designar esse ou aquele indivíduo. Então, isso significa dizer que a cor da pele não é evidên-cia suficientemente relevante para designar a “composição” biológica de um indivíduo? Ao longo dos anos, a crença na existên-cia de “raças” humanas impregnou-se na nossa sociedade. “Raças” têm sido usa-das não só para sistematizar as popula-ções humanas, mas também para criar um esquema que mantém o status quo social

e é usado para justificar a dominação de alguns grupos por outros. Assim, a per-sistência da ideia de “raça” está ligada à visão de que os grupos humanos existem em uma escala de valor. Os avanços da genética molecular e o sequenciamen-to do genoma humano permitiram um exame detalhado da correlação entre a variação genômica humana, a ancestra-lidade biogeográfica e a aparência física das pessoas, mostrando que os rótulos previamente usados para distinguir “ra-ças” não têm significado biológico. Pode parecer fácil distinguir um europeu de um africano ou de um asiático, mas tal facilidade desaparece completamente quando penetramos por baixo da pele e procuramos evidências destas diferenças “raciais” nos genomas das pessoas.

A genética influencia os conceitos de “raça” e a genealogia, a história das famílias?Nos últimos dez anos, realizamos estudos sistemáticos da ancestralidade de bran-cos, pardos e pretos no Brasil, usando marcadores de DNA. Nossos estudos revelaram que, no Brasil, a cor avaliada fenotipicamente tem uma correlação fra-ca com o grau de ancestralidade africana estimada geneticamente. Em outras pala-vras, no Brasil, em nível individual, a cor, como socialmente percebida, tem pouca relevância biológica. Sobre este ponto, favoreço a ideia de que o fato científico da inexistência das “ra-ças” deva ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitu-des morais, sendo usado em oposição a qualquer forma de hierarquia entre povos ou grupos humanos. Argumento que uma postura coerente e desejável, especial-mente no Brasil, seria a valorização da singularidade e da dignidade de cada indivíduo. Todo brasileiro tem o direito visto como um ser humano único em seu genoma e em sua história de vida e não meramente como pertencente a um sexo, religião ou grupo de cor.

E o aconselhamento genético: o que esse termo significa, quem deve fazer e quando? “Aconselhamento genético” (tradução de “genetic counseling”) é um termo usado para designar coletivamente as interações médicas dos casais com os geneticistas clínicos. Ele essencialmente visa ajudar os casais a entenderem e resolverem seus problemas reprodutivos e familiares. O aconselhamento pode ocorrer antes, du-rante ou após a reprodução. Ou seja, pode ser pré-reprodutivo, quando se identifi-cam fatores de risco (consanguinidade, idade materna elevada, história de do-enças genéticas em um dos membros do casal ou na família etc.) para o casal que ainda pretende engravidar. Reprodutivo, quando se identificam fatores de risco no transcorrer da gestação, como malforma-ções fetais ao ultrassom, interrupção da gravidez e idade materna elevada, mais conhecido como “diagnóstico pré-natal”. E o pós-reprodutivo é quando o casal já tem uma criança com uma doença pre-sumivelmente genética e, nesse caso, o geneticista busca um diagnóstico preciso que permita estabelecer um prognósti-co, propor um tratamento e aconselhar o casal com respeito a gravidezes futuras. Outra situação comum é o casal com múl-tiplas perdas gestacionais, que tem muito a se beneficiar de uma consulta de acon-selhamento genético.

saiba mais:

Conheça a sequência mapeada do DNA humano:

http://genome.ucsc.edu/cgi-bin/hggateway

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Muitas mentes jovens e brilhantes. Cerca de duzentas autoras de projetos de iniciação científica das mais variadas áre-as do conhecimento. Vieram de diferentes regiões e instituições de ensino de Minas Gerais. Muitos nunca tinham vindo à ca-pital mineira e as expressões revelavam a empolgação de concorrer ao que poderia ser o primeiro prêmio de suas vidas aca-dêmicas. Em meio às faces dos jovens estudantes, uma não mais jovem, mas igualmente brilhante e entusiasmada. Luiz Fernando Bandeira de Melo, graduando de filosofia da Faculdade Católica de Uber-lândia, de 60 anos, teve um ótimo motivo para voltar à sua cidade orgulhoso. Ele foi o vencedor na categoria BIC (alunos de graduação) do III Seminário Estadual de Iniciação Científica da FAPEMIG, realizado durante os dias 29 e 30 de setembro no Hotel Ouro Minas, em Belo Horizonte. O objetivo do evento é incentivar a vocação científica de estudantes mineiros.

O trabalho de Luiz Fernando recebeu nota máxima em todos os parâmetros ava-liados, como relevância do tema, inovação, metodologia e coerência. O tema, “A Busca de Sócrates do Conhecimento da Verdade

mentesbrilhantesEstudantes vencedores do III Seminário de Iniciação Científca da FAPEMIG se destacam pelo ineditismo dos trabalhos e também pela garra, foco e superação

Juliana Saragá

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Religiosa de Êutifron”, apesar do alto nível de dificuldade, foi apresentado de forma clara e objetiva, conquistando a medalha de ouro. “A ideia surgiu no primeiro período da faculdade, quando comecei a estudar Sócra-tes. Êutifron é um dos primeiros diálogos de Platão, no qual Sócrates e Eutifron tentam estabelecer uma definição para “piedade”. Puxei desse diálogo pontos a respeito da religião”, explica. Segundo ele, o ineditismo do trabalho é tratar de um tema muito melin-droso para os filósofos, que é a religiosida-de de Sócrates. Luiz Fernando fala sobre o assunto com tranquilidade e propriedade de quem possui uma biblioteca em casa com mais de 300 livros de filosofia.

No último dia do Seminário, o estu-dante e seu orientador, Gilzane Silva Na-ves, professor da Católica de Uberlândia, iam pegar estrada mais cedo, antes da premiação, quando foram advertidos pelo presidente da FAPEMIG, Mario Neto Bor-ges: “É melhor vocês ficarem, senão vão perder uma palestra excelente, além da premiação, que promete grandes surpre-sas”, conta. “Resolvemos ficar. Quando ouvimos nosso nome em primeiro lugar, foi muito emocionante. Para mim foi inu-sitado receber o prêmio no meio de tan-tos trabalhos de alto nível, o que também demonstrou que a FAPEMIG valoriza todas as áreas do conhecimento com a mesma importância”. O trabalho premiado se tor-nou monografia e também já faz parte de seu projeto de mestrado, quase finalizado. “Quando somos jovens, estudamos incen-tivados por um futuro promissor para si e para constituição de uma família. Quando estamos mais velhos, somos incentivados por projetos pessoais. A experiência nos traz menos afobação e mais foco.” A idade, na opinião de Luiz Fernando, acarreta van-tagens para trilhar o caminho acadêmico e ainda é motivo para muito bom humor. “Meu orientador tem a mesma idade do meu filho. Durante o Seminário era con-fundido como meu orientando”, diverte-se.

Juventude e superaçãoCom bem menos experiência, mas

muita garra, as ganhadoras do primeiro lugar na categoria BIC Jr (Ensino Médio), Gabriella Pires de Almeida e Natália Concei-

e tem sido cada vez mais alvo de estudo no câncer. Mas a maior parte destes estudos se dá em células cancerosas em estágios avançados. O trabalho premiado investigou de forma pioneira a participação destes íons em células cancerígenas no estágio inicial. “Na primeira etapa, conhecemos as células normais e todas as suas estruturas e even-tos. Estudamos sobre os canais iônicos e passamos a conhecer as células do câncer, que são alteradas”, relata Natália.

Na segunda etapa, as estudantes acompanharam e participaram de todo o desenvolvimento da pesquisa em labo-ratório. “O projeto mudou minha vida”, orgulha-se. Natália mora no Aglomerado da Serra, região pobre da capital. Trabalha como caixa em um açougue para ajudar a família, já que o pai, por causa de um acidente, se aposentou. Ele fica em casa cuidando da esposa, vítima de um Aci-dente Vascular Cerebral (AVC) que deixou graves sequelas. O problema de saúde da mãe impulsiona ainda mais a vocação de Natália para a Medicina. “Eu descobri que existe um mundo fora do lugar onde vivo e que posso fazer algo para ajudar as pes-soas, posso saber mais e transmitir meu conhecimento. Só Deus sabe a alegria que sinto por passar por todas as dificul-dades, vencer os obstáculos. A sabedoria, o conhecimento aprendido, a esperança e a fé são minhas ferramentas para uma grande conquista. Estou em uma lição de vida”, emociona-se.

ção Costa, de 16 anos, também têm bons motivos para comemorar. Determinadas, elas já estão certas da carreira que vão se-guir: Medicina. Alunas do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Marista Dom Silvério, conquistaram a bolsa na instituição através do mesmo projeto que recebeu a medalha de ouro no Seminário. Antes de entrar para o Colégio Marista Dom Silvério, Gabrie-la e Natália estudavam na Escola Estadual Professor Pedro Aleixo, quando tiveram os primeiros contatos com a coordenadora de Pesquisa e Pós-graduação da Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec), Andréia Laura Prates Rodrigues, em agos-to do ano passado. Depois de uma seleção na escola, além de participar do Projeto de Iniciação Científica como bolsistas da FA-PEMIG, as alunas começaram a frequentar aulas da orientadora e se destacaram entre os estudantes da Universidade. Foi então que a coordenadora do projeto e acadêmi-cas de Biomedicina, ex-alunas do Marista, indicaram as meninas ao Colégio.

Natália e Gabriella fizeram provas de seleção, passaram a estudar no Colégio e continuaram na pesquisa. O projeto, de-senvolvido pela Fumec, em parceria com a Universidade Estadual de Minas Gerais (UFMG), investigou a atuação de íons em células relacionadas ao câncer de mama. A participação dos íons, através dos canais iô-nicos, é fundamental para a divisão, comu-nicação e sinalização celular (processos que se encontram alterados em células tumorais)

Estudantes apresentaram seus projetos a uma comissão julgadora durante o evento

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O SeminárioAo todo, 71 instituições mineiras

enviaram participantes, entre orientadores e estudantes, todos bolsistas de Iniciação Científica da FAPEMIG, para participar da terceira edição do Seminário de Iniciação Científica da Fundação. “Nós notamos o en-tusiasmo dos estudantes e a nossa missão no seminário foi despertar o interesse desse público para trabalhar com Ciência, Tecno-logia e Desenvolvimento”, afirmou o presi-dente da FAP mineira, Mario Neto Borges.

David Collares Ache, estudante da Universidade Federal de Uberlândia, foi um dos participantes do seminário. Re-cém-formado em Ciências Biológicas, ele foi bolsista de Iniciação Científica e segue na área de pesquisa, dessa vez, no mes-trado. Para ele, o evento é uma forma de a Fundação mostrar como é realizado o seu trabalho. “Nós recebemos a nossa bolsa, fazemos as pesquisas, mas não temos a dimensão da grandeza do trabalho da FA-PEMIG”, destacou.

Um dos palestrantes, o diretor de Ci-ências Agrárias, Biológicas e da Saúde do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo Sér-gio Lacerda Beirão, falou sobre a Iniciação Científica no contexto do “Programa Ciên-cias sem Fronteiras”, lançado recentemente pelo governo federal. A iniciativa pretende conceder 100 mil bolsas de intercâmbio para estudantes e pesquisadores em moda-lidades que vão do nível médio ao pós-dou-torado. “Nosso objetivo é levar os maiores talentos para estagiarem nos melhores centros de desenvolvimento e pesquisa do mundo, para que o Brasil dê um salto nessa área e se torne um país de frente na socieda-de do conhecimento”, enfatizou. A estudante Júlia Soares Parreiras, vencedora do Prêmio Jovem Cientista em 2008, na categoria En-sino Médio, falou aos estudantes sobre a importância do envolvimento com a pes-quisa científica ainda na adolescência. “Foi muito legal compartilhar a minha experiên-cia com os participantes porque eu tive um ganho pessoal e profissional muito grande com a carreira científica”, disse. Além dos debates, foi realizada uma mostra com os trabalhos dos estudantes. Eles apresenta-

PREmIADOs – bIC JÚNIOR

1º - CARACTERIZAÇÃO ELETROFISIOLÓGICA DOS CANAIS IÔ-NICOS NA LINHAGEM DE CÉLULAS MGSO-3 DERIVADAS DE TUMOR DE MAMAAlunas: Gabriella Pires de Almeida e Natália Conceição CostaCoordenadora: Andréia Laura Prates RodriguesInstituições: Fumec e UFMG

2º - DOENÇA FALCIFORME: IMPLICAÇÕES NA SAÚDE PÚBLICA REVISÃO BIBLIOGRAFIAAluno: Rafael Felipe Gonçalves MirandaCoordenadora: Ione Maria do SocorroInstituição: Funec Contagem

3º - CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO DE UM SECADOR CONVECTI-VO COM AQUECIMENTO ELÉTRICOAluna: Paula Alves Costa de Assis VieiraCoordenador: André Guimarães FerreiraInstituição: Cefet

QUADRO - LIsTA DE PREmIADOs – bIC

1º - A BUSCA DE SÓCRATES DO CONHECIMENTO DA VERDADE RELIGIOSA DE ÊUTIFRON Aluno: Luiz Fernando Bandeira de Melo Coordenadora: Gilzane Silva NavesInstituições: Católica de Uberlândia

2º - SENSORES INTELIGENTES E DE BAIXO CUSTO PARA CON-TROLE E MONITORAMENTO DA FOTOTERAPIA NEONATALAluna: Marcella Rocha Franco Coordenador: Rodrigo Fernando BianchiInstituição: Ufop

3º - PRODUTOS NATURAIS DO CERRADO BRASILEIRO COMO INIBIDORES DE PROTEASES DE LEISHMANIAAluno: José Roberto de Sousa FilhoCoordenador: Ivan de Oliveira PereiraInstituição: Unincor

ram seus projetos a uma comissão julgado-ra e, ao final do seminário, os três melhores trabalhos foram premiados.

Apoio a jovens pesquisadoresO 3º Seminário Estadual de Iniciação

Científica fez parte da programação come-morativa de 25 anos da FAPEMIG. O apoio à iniciação Científica integra as atividades da Fundação. Só em 2010, foram destinados mais de R$ 13 milhões à iniciativa. A moda-lidade Iniciação Científica Junior (Bic-Jr) - destinada aos alunos de Ensino Médio - em parceria com o CNPq, concedeu, só no ano passado, 1.273 cotas de bolsas (450 CNPq e 823 FAPEMIG). Essa iniciativa é baseada no sucesso da iniciação científica em nível da graduação (PiBic), que tem demonstra-do, ao longo dos anos, ser uma das ativida-des responsáveis pela melhoria dos cursos de graduação e a melhor forma de gerar quadros para a pós-graduação no País, re-duzindo o tempo de formação de pesquisa-dores. Na modalidade Iniciação Científica na Graduação, em 2010, a FAPEMIG concedeu 3.064 cotas a 71 instituições mineiras.

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Em 1943, o presidente Getúlio Var-gas aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regula as relações trabalhistas individuais e coletivas no país. A CLT já passou por várias adequações e outras normas surgem para dar suporte na medida em que muda o contexto socioe-conômico nacional. Mas até que o Brasil chegasse ao seu primeiro modelo de legis-lação trabalhista, muita história ficou para trás, na atuação de pessoas e instituições que militaram no movimento operário bra-sileiro. Organizar em um único documento dados sobre aqueles que representaram esta luta nas primeiras décadas da Repú-blica é a proposta dos pesquisadores res-ponsáveis pelo Dicionário do Movimento Operário de Minas Gerais.

O trabalho integra um projeto ideali-zado pelo professor de História da Univer-

movimentooperário:de A a zDicionário reúne, em formato diferenciado, dados sobre história do trabalho em Minas Gerais

Virgínia Fonseca

MINAS FAZ CIÊNCIA • SET/NOV 2011 45

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sidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cláudio Batalha, de articular nacional-mente vários dicionários do movimento operário (leia box). A intenção é reunir, no formato de verbetes, informações e dados bibliográficos de organizações e militantes que atuaram em todo o país, criando obras de referência. Em Minas, a coordenação está a cargo do Centro de Memória e Pes-quisa Histórica da Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), por meio do professor adjunto do curso de História Mário Cleber Lanna. Trata-se de um projeto interinstitu-cional que, além da colaboração da Uni-camp, tem o envolvimento de docentes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Lanna explica que o formato adotado foge à tendência geral da historiografia, que privilegia a análise da cultura. Entre-tanto, ele aponta uma mudança, bastante visível no campo da história do trabalho, de os pesquisadores se voltarem com mais frequência para os estudos biográficos, devido à aproximação com as escolas eu-ropéia e norte-americana, que têm se de-dicado à busca do entendimento de ideias políticas por meio de experiências de vida dos indivíduos. No âmbito nacional, há o ineditismo de procurar compilar em traba-lhos de referência para cada região dados que resgatam do mais simples, individual, ao mais importante dos agentes que par-ticiparam dessa história. “Temos muitas informações dispersas em livros, disserta-ções, teses, mas não consolidadas em uma única obra”, diz.

Militantes e instituiçõesA pesquisa pautou-se em uma minu-

ciosa análise bibliográfica de publicações da época e produções acadêmicas atuais sobre o tema. Foram consideradas todas as culturas militantes, em suas diferentes ideologias, que fizeram parte, cada uma à sua maneira, da formação do operariado organizado no Brasil. A expressão “mili-tante”, por sua vez, não se refere apenas a operários, mas também a intelectuais, po-líticos, médicos, advogados que atuavam de alguma forma junto aos trabalhadores, fossem conservadores ou revolucionários.

Portanto, homens e mulheres, associações anarquistas, socialistas reformistas, comu-nistas, católicas e mesmo mutualistas (ou seja, aquelas em que mediante contribui-ção o participante buscava fazer jus a al-gum tipo de assistência) são atores dessa história em Minas Gerais.

Houve uma preocupação dos pes-quisadores em resgatar e transformar em verbetes o máximo de militantes e organi-zações identificadas, mesmo que fossem escassas as informações disponíveis. “Procuramos reunir dados e registrar a passagem daquele ator que às vezes só é mencionado vagamente, formando um ponto de partida. Fica registrado que essa pessoa ou instituição existiu e isso pode auxiliar em futuras pesquisas”, detalha o coordenador. Nos casos em que, apesar dos esforços, a quantidade de dados não permitiu a constituição de um verbete, o professor explica que será feita citação dos nomes no final do dicionário, apon-tando sua participação como militantes. Ao lado destes, figuram também verbetes mais complexos, considerados consagra-dos pela historiografia. Como exemplos, são apontados o imigrante italiano Donato Donati e instituições como a Confederação Católica, tidos como referência.

Um levantamento inicial aponta que serão abordadas algo em torno de 130 instituições, todas específicas de Minas Gerais, com atuação local ou regional.

Somam-se cerca de 490 verbetes de pessoas e algumas entradas registradas como citações apenas, totalizando 700 referências. Lanna ressalta que esse nú-mero é uma estimativa, a partir da primei-ra seleção, mas pode haver mudanças. Grande parte dos verbetes são de Juiz de Fora, em função do papel econômico que a cidade teve até 1930, como principal polo industrial de Minas Gerais.

O grupo – que conta com os pes-quisadores Deivison Amaral, da Uni-camp; Andréia Casanova, da UFRJ; Cláu-dia Viscardi, da UFJF; e Carlos Veriano, da PUC-MG – já finalizou a prospecção de dados e está na fase de redação e compilação dos verbetes. Até o final de 2011, todo o conteúdo deve estar pronto, e o próximo passo é o processo de cap-tação para publicação, que eles esperam acontecer em meados de 2012.

No máximo, o mínimoO período considerado na pesquisa

de Minas Gerais abrange do final do sé-culo XIX até 1930, a chamada fase liberal do movimento operário. A referência inicial é o ano de 1888, que representa o fim da escravidão e coincide com o começo da República. E a historiografia já tem 1930 como marco da transformação do movi-mento operário, pois é quando surgem as leis de regulamentação do trabalho. A par-tir desse momento, os sindicatos passam a

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Publicações da época serviram como fonte para as pesquisas da equipe coordenada por Mário Cleber Lanna

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ser oficializados e há uma política de orga-nização do movimento operário via Estado.

A expressão “liberal” refere-se ao fato de que o movimento era organizado por conta própria. Os sindicatos não eram unificados, em sua maioria formavam-se a partir de empresas e não de profissões – não existia o sindicato dos metalúrgicos, mas sim de uma indústria ou de outra. As categorias profissionais também eram dife-renciadas, pois a presença da indústria no cenário não era preponderante. Inicialmen-te, a força vinha dos sindicatos dos ferrovi-ários, dos serviços como o comércio e dos pedreiros. Em um segundo momento é que começam a aparecer instituições ligadas aos metalúrgicos, operários.

O movimento acompanha o perfil da economia política do país e a intervenção

do governo. Inicialmente, a concepção do Estado era de que o embate entre os em-pregados e os empresários precisava ser resolvido pelos próprios envolvidos. “Se existia um conflito mais violento, era ques-tão de polícia, não de política”, observa Lanna. A partir de 1930, esta visão se inver-te e o tema passa a ser de interesse público, regulamentado pelo Estado. “Daí nosso recorte, pois isso muda o cenário e, das instituições que existiram até então, poucas permaneceram, os operários precisaram se encaixar em modelo de organização dos sindicatos imposto pelas leis, embora, na verdade, tenha sido um ganho terem sua luta reconhecida pelo Estado”, comenta o professor, acrescentando a expectativa de que futuramente possam ser desenvolvidos dicionários sobre épocas seguintes.

No período estudado, existe uma tendência do chamado sindicato dos re-formistas. Em geral, estavam vinculados a um tipo de ação assistencialista, em um sentido objetivo: almejavam uma pensão que pudesse cuidar do trabalhador quan-do ele ficasse doente ou garantir auxílio para enterrá-lo quando morresse. Não estavam ligados a nenhuma ideologia, mas a questões práticas do seu cotidiano. Na medida em que essas associações se unem, ganham uma força para reivindicar algo maior: a jornada de 8 horas, já que o usual era trabalharem entre 12 horas e 15 horas. “Eles não buscavam uma revolução, não tinham um projeto diante da socieda-de, queriam o mínimo para sua situação de vida”, observa Lanna.

O Dicionário do Movimento Operário Brasileiro é um projeto discutido no Grupo Mundos do Trabalho da Associação Nacional de História desde 2001. Entretanto, o embrião da ideia existe desde a década de 1980, por ocasião dos estudos de doutorado do professor de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cláudio Batalha, e veio tomando forma por meio de pesquisas e debates empreendidos ao longo dos anos. A inspiração partiu de obras internacionais do gênero, em especial, o dicionário do movimento operário francês.

Em sua primeira fase, o projeto visa organizar e publicar volumes por cidade, estado ou região, contendo verbetes de militantes e instituições operárias, cobrindo o período que vai do sécu-lo XIX à Primeira República. Para Batalha, um dos principais aspectos reside no fato de que o trabalho permite lançar luz sobre aqueles agentes que usualmente não figuram nos livros de história e permanecem quase anônimos. “Possibilita ver mais claramente que movimen-tos sociais não são resultantes exclusivamente da ação de líderes, mas dependem da atuação, com diferentes graus de militância e envolvimento, de um número bem maior de indivíduos”, analisa. Segundo ele, os históricos das organizações, também previstos no projeto, por outro lado, permitem mapear o rico e variado mundo associativo dos primeiros anos da República, colocando em xeque a ideia consagrada de que ao longo de toda sua história o Brasil teve uma sociedade civil fraca.

Cada volume tem uma coordenação responsável, que define as características específicas da pesquisa local, uma vez que alguns fatores, como o recorte cronológico inicial, podem variar. Além do dicionário da cidade do Rio de Janeiro, já publicado, estão em fase final de produção os dicionários de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Projetos para o Estado de São Paulo e para o Rio de Janeiro no período pós-1930 também estão em andamento. Ainda em fase de elaboração e discussão, estão os estudos relativos aos Estados da Bahia, de Pernambuco, de Alagoas e do Amazonas. “A expectativa é que todos os Estados da Federação acabem contem-plados nesta primeira etapa”, explica Batalha. Períodos posteriores da história do movimento operário seriam trabalhados em uma segunda fase.

LUzEs sObRE O mOvImENTO OPERáRIO bRAsILEIRO

PROJETO: Dicionário do movimento operário em Minas GeraisCOORDENADOR: Mário CléberMartins Lanna Jr.MODALIDADE: Auxílio especiale endogovernamentalVALOR: R$ 79.136

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As Milhares são as narrativas acerca do

desenvolvimento dos princípios e produtos científicos. Pouquíssimas, porém, revelam-se capazes de oferecer, ao leitor, equilibrada e ins-tigante junção entre texto e imagem, liame sem o qual seria impossível compreender as lógicas e nuances de uma das mais complexas ativi-dades criadas pelo homem. Bastante conhecida por suas produções de altíssimo nível, a Bri-tish Broadcasting Corporation (BBC), emissora pública do Reino Unido, investiu em fascinante série televisiva sobre os grandes momentos da Ciência no planeta. Tal iniciativa acabaria por se transformar em bela obra impressa, na qual relatos, fotografias e ilustrações atraem o leitor a uma irrecusável “viagem no tempo”.

Escrito por Michael Mosley e John Lyn-ch, o livro Uma história da ciência: experiência, poder e paixão, recentemente publicado pela Zahar, é a saborosa “astronave” que faltava aos apaixonados por desvendar os mistérios do progresso científico: dividida em seis grandes áreas – Cosmo, Matéria, Vida, Energia, Corpo e Mente –, a obra alia textos divertidos (e ri-gorosos) a imagens repletas de beleza (e infor-mação). Somem-se a tal dueto as maravilhas

do acurado projeto gráfico, expressas em capa dura e páginas de papel couché.

De modo a facilitar a “viagem” de tan-tos apaixonados por Ciência, o livro oferece, ainda, sugestões de leitura e detalhado índice remissivo sobre temas, cenas e protagonistas. Garantem-se, assim, as mais confortáveis con-dições de navegação, para que, aos curiosos leitores, seja requerida, exclusivamente, a ânsia por arquitetar – a exemplo dos mais importan-tes cientistas da história – um sem número de dúvidas acerca da vida, do tempo, da natureza e do homem.

Livro: Uma história da ciência:experiência, poder e paixãoAutor: Michael Mosley e John LynchTradução: Ivan Weisz KuckRevisão técnica: José Claudio ReisEditora: ZaharTítulo original: The story of the science: power, proof and passionPáginas: 288Ano: 2011

A ciência,do micróbio ao universo

Metodologias e experiências de ensino organizadas em Minas Gerais e em outros es-tados são descritos no recém-lançado Design e Método, quinto volume dos Cadernos de Estudos Avançados em Design. O objetivo é chamar atenção para a importância do método no ensino, na pesquisa e na prática dessa área do conhecimento. Os artigos que compõem o livro abordam as relações do design com pro-cedimentos metodológicos diversos, sejam eles atualmente utilizados ou ainda em estado de consolidação.

O volume completa a coleção composta pelos títulos Design e Multiculturalismo, De-sign e Transversalidade, Design e Sustentabi-lidade I e II, Design e Identidade. Os artigos são assinados por pesquisadores reconhecidos da área, do Brasil e do exterior. Juntos, os Cader-nos oferecem um panorama atual das discus-sões sobre design, promovendo o debate de alto nível e a produção do conhecimento. Todos os volumes da coleção possuem uma versão

digital, que pode ser acessada, gratuitamente, pelo endereço www.tcdesign.uemg.br.

Uma novidade deste quinto volume, que contou com o apoio da FAPEMIG, é a inauguração da versão bilíngue: os artigos vêm acompanhados de sua versão em inglês, ampliando o alcance da publicação. A iniciativa é do Centro de Estudos, Teoria, Pesquisa e Cultura em Design (Centro T&C Design) da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), grupo interdisciplinar que preten-de criar um novo espaço para o debate sobre a cultura material e a pesquisa teórica em design.

Livro: Design e MétodoOrganização: Dijon de Moraes,Regina Álvares Dias, Rosemary Bom Conselho Coleção: Cadernos de Estudos Avançadosem Design (volume 5)Editora: Ed. UemgPáginas: 245Ano: 2011

bases metodológicaspara o design

Ao contar essa história, mostraremos como se construiu o mundo moderno. A ciência está de tal modo intricada em nossas vidas que mal nota-mos sua presença. Nossas redes de comunicações móveis dependem da mecânica orbital, que permite o posicionamento de satélites no céu; da química do combustível de foguetes; dos materiais usados em plásticos e chips de silício dos computadores, tele-fones e baterias.

Na atualidade, existe uma infinidade de méto-dos, técnicas e ferramentas dedicadas ao desenvol-vimento do projeto, mas seu emprego não pode ser transferido para qualquer contexto sem os necessá-rios ajustes. Nesse contexto, o design, como lugar de projeção, necessita de bases metodológicas sólidas de sistematização de tarefas para organizar seu per-curso criativo, delimitando seu campo de atuação profissional para seus resultados serem revertidos em benefício da coletividade, contribuindo para melhoria de vida do indivíduo.

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Os solos supressivos são co-nhecidos pelos agricultores por “pro-tegerem” suas plantações do ataque de doenças e pragas, porém ainda não se sabia como era realizada essa proteção. Quando o senhor iniciou os estudos com esse tipo de solo, já se trabalhava com a possibilidade de a proteção vir de uma relação ecológica entre as plantas e outros seres vivos?

Esse fenômeno, no qual, a despeito da presença do patógeno de solo, a planta não é infectada, é conhecido como “solos supressivos a doenças”. A base micro-biológica do fenômeno já era conhecida: exemplos clássicos são o trigo nos Estados Unidos e na Austrália, e tomate e tabaco na França. Porém, os mecanismos utilizados pela comunidade microbiana durante a proteção estavam ainda por serem elucida-dos. A abordagem metagenômica utilizada no estudo deu uma nova dimensão a um tópico bem conhecido, e se mostrou como uma poderosa ferramenta para se estudar a interação planta/microrganismos.

Foi escolhido o cultivo de beter-rabas para realizar testes das formas como os vegetais se defendiam de fungos. Quais foram os métodos de

análise aplicados para compreender a estrutura de defesa dos vegetais?

Conhecendo-se previamente a na-tureza microbiológica do fenômeno, deci-dimos acessar diretamente a comunidade microbiana associada às raízes da beter-raba em solos com diferentes níveis de supressão ao patógeno Rhizoctonia. Tradi-cionalmente, técnicas dependentes de cul-tivo de micro-organismos são utilizadas, o que limita o número de micro-organismos estudados durante a interação. Neste es-tudo, utilizando uma técnica conhecida como metagenômica, isolamos diretamen-te o DNA a partir do solo aderido às raízes de beterraba e descobrimos mais de 30 mil espécies bacterianas na interação.

No estudo em desenvolvimento, foram encontradas 33 espécies de bactérias que barravam o avanço de doenças. Existe uma atuação especifi-ca definida para essas bactérias? Elas agem consorciadas?

Os resultados demonstraram que o principal meio de ação das bactérias é sua atuação em consórcio com diferen-tes espécies, no qual grupos bacterianos dominantes atuam suprimindo a doença. Embora milhares de bactérias atuem si-

multaneamente, 33 espécies foram as mais dinâmicas no processo de supressão.

Explique como funciona o pro-cesso de defesa em estudo e, espe-cifique, qual é a participação do solo, plantas e bactérias.

A planta, crescendo na presença de um patógeno, libera nutrientes que são usa-dos pelas bactérias do solo. Em resposta, as bactérias se aderem às raízes e ajudam a planta atuando como guarda-costas, produ-zindo antibióticos que contra-atacam o fun-go durante a infecção, impedindo, assim, o desenvolvimento da doença.

A descoberta desse novo meca-nismo de proteção para as plantações pode gerar quais benefícios para o de-senvolvimento da agricultura?

A aplicação direta desse conhecimen-to seria “engenheirar” plantas para que elas recrutem as bactérias benéficas a fim de se defenderem naturalmente de patógenos. O impacto da utilização desta estratégia seria a redução da aplicação de químicos na agri-cultura, contribuindo para o uso sustentável do solo e, consequentemente, evitando a contaminação de ambiente.

Em maio de 2011, o engenheiro agrônomo Rodrigo Mendes, formado pela Universidade do Estado de São Paulo (USP), publicou artigo na revista Science, no qual aponta um novo mecanismo de defesa para

as plantas, sob a ameaça de 33 mil espécies de fungos residentes no solo situado próximo ao vegetal. Sua pesquisa de pós-doutorado começou a ser desenvolvida na Universidade de Wageningen, na

Holanda. A expectativa do cientista é dar continuidade ao seu estudo na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), local onde trabalha desde o começo do ano. O estudo de Mendes pode levar ao

desenvolvimento de plantas com um sistema de defesa efcaz ao ponto de dispensar o uso de agrotóxicos.

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Exemplo de um solo naturalmente supressivo ao tombamento causado pelo patógeno Rhizoctonia. No solo supressivo (esquerda), a incidência da doença é muito baixa, enquanto que no solo condutivo a maioria das plantas está infectada. No solo supressivo, as bactérias estão naturalmente protegendo as plantas de beterraba.

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Crédito: Marcelo Kraiser (professor do Departamento de Desenho da Escola de Belas Artes – UFMG)

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