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Popularização da ciência - Janelas inteligentes - Microbactérias - Onças pardas

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Sumário

Especialista discute as possibilidades da web 2.0, que prevê a troca de informações e colaboração dos internautas na constru-ção dos conteúdos

Debate

Malária

Onça parda

Fadiga em ferro

Lembra dessa?

Bicho do cafeeiro

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Estados se unem para criar rede de in-vestigação da doença que ainda é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo.

Estudo do comportamento da espécie contribui para o seu manejo e conser-vação, bem como para a integridade do meio ambiente.

Pesquisa analisa comportamento à fadiga do Ferro Fundido Nodular Austemperado e permite melhorias no processo produti-vo deste competitivo material.

Grupo da UFMG avança nas pesquisas com Nanotubos de Carbono, obtendo reconhecimento nacional e mundial nos estudos deste material promissor.

Estudo desenvolvido no Sul de Minas busca alternativas para controlar o bicho-mineiro do cafeeiro, praga que ainda causa grandes prejuízos aos produtores.

Pesquisa do Cetec resulta em janelas dota-das de dispositivos que permitem regular a transmissão de luz e calor em ambientes fe-chados, diminuindo gastos com eletricidade.

Janelas inteligentes

Popularização da ciência

Dinossauros

Perfil dos infartados

Micobactérias

Especial

Trabalhos vencedores do Prêmio Fran-cisco Magalhães Gomes se destacam por ensinar e, ao mesmo tempo, despertar o fascínio pelas ciências.

Escavações resultam na descoberta do maior dinossauro já encontrado no Brasil e fornecem pistas sobre a vida na Terra há 65 milhões de anos.

Estudo inédito revela os principais fatores que prevalecem entre as causas de infarto na população de Belo Horizonte.

Exame identifica com precisão e rapidez microorganismos do gênero Mycobacte-rium, um dos principais agentes causado-res de infecções pós-cirúrgicas.

O ex- presidente, da FAPEMIG, José Ge-raldo Drumond faz um balanço da gestão, destacando as principais realizações e con-quistas.

Laboratório da UEMG é espaço para dis-cussão e reflexão das influências do lúdico no desenvolvimento humano.

Brincar

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira é conhecido por sua contribuição à língua portuguesa com o Dicionário Aurélio, mas sua trajetória foi marcada por múltiplas atividades.

Quem foi?

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteú-do é permitida, desde que citada a fonte.

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV / 20084

ExpedienteAo leitorMINAS FAZ CIÊNCIA

Assessora de Comunicação Social e Editora: Vanessa Fagundes (MG-07453/JP)Redação: Vanessa Fagundes, Ariadne Lima (MG-09211/JP), Juliana Saragá e Raquel Emanuelle DoresColaboração: Cristina Mereu, Letícia Orlandi e Virginia FonsecaIlustração: Bruno VieiraRevisão: Aline Luz (MG-09686/JP)Montagem e impressão: Lastro Editora Fotos: Cristiano Quintino e Gláucia RodriguesDiagramação/Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingTiragem: 15.000 exemplaresAgradecimentos: Agradecemos a todos que colaboraram com esta edição.Redação:Rua Raul Pompéia, 101 – 11º andarSão Pedro – CEP 303330-080Belo Horizonte – MG - BrasilTelefone: +55(31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Aécio Neves

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Alberto Duque Portugal

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor Científico: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

Conselho Curador:Anna Bárbara de Freitas ProiettiEvaldo Ferreira VilelaFrancisco Sales Dias HortaGiana MarcelliniJosé Cláudio Junqueira RibeiroLucília de Almeida Neves DelgadoMagno Antônio Patto RamalhoPaulo César Gonçalves de AlmeidaPaulo Sérgio Lacerda BeirãoRicardo Luiz SantiagoValder Steffen Júnior

Ter acesso à informação é fundamental para que as pessoas formem opiniões, se posicionem diante dos temas, cobrem atitudes dos governantes - enfim, exerçam a cidadania. Prover as pessoas de informações é um dos objetivos da divulgação científica. Por meio de peças de teatro, reportagens, exposições em museus, entre tantos outros, as pessoas aprendem sobre si mesmas e sobre o mundo, descobrindo novos interesses e ampliando seus conhecimentos.

Encontrar a linguagem adequada para falar a públicos tão diferentes não é tarefa das mais simples, mas existem exemplos que servem de inspiração. Um deles é o trabalho desenvolvido pelo grupo do Departamento de Física da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG) no Observatório Frei Rosário, na Serra da Piedade, município de Caeté. O projeto, que inclui iniciativas voltadas tanto para crianças como para a terceira idade, atrai, todos os anos, centenas de pessoas.

Para aqueles que não têm a chance de ir até o local, a equipe idealizou expo-sições itinerantes. Os equipamentos são levados a cidades do interior e montados em praça pública, onde as pessoas têm a chance de observar e aprender sobre as estrelas. Em dez anos de trabalho, a equipe já viajou para quase todas as cidades mineiras, e por três vezes foram para fora do Estado, nas cidades de Manaus e Palmas. A reportagem de capa desta edição apresenta este projeto, que rendeu ao seu coordenador, o professor Renato Las Casas, o primeiro lugar no VI Prêmio de divulgação científica Francisco de Assis Magalhães Gomes.

A divulgação científica é preocupação também da equipe do Museu dos Dinos-sauros, em Uberaba. A localidade é referência, hoje, em escavações e achados pale-ontológicos. O mais recente deles é uma espécie até então desconhecida, batizada de Uberabatitan ribeiroi. O animal se destaca pelas dimensões – podia atingir até 20 metros de comprimento e 3,5 metros de altura, o que o torna o maior dinossauro brasileiro – e pelo período em que viveu – o fim do Cretáceo, época em que os dinossauros foram extintos. Uma réplica em tamanho natural foi construída e, além de abrir portas para inúmeras investigações, os fósseis podem ser admirados pelos visitantes do Museu.

Não deixe de conferir a entrevista sobre Web 2.0, conceito criado para definir o que seria uma segunda geração da World Wide Web. O professor e estudioso do tema, Carlos Nepomuceno, fala sobre as transformações que culminaram nesse novo ambiente de rede, em que os usuários participam ativamente da construção de conteúdos, abrindo espaço para a fala de muitos para muitos. Seu depoimento, bastante interessante e apoiado em exemplos próximos, incentiva a reflexão sobre o futuro da internet e da comunicação.

Esta edição apresenta, ainda, trabalhos na área da saúde, como o perfil dos infar-tados em Belo Horizonte. O estudo, inédito, revela os principais fatores que preva-lecem entre as causas de infarto. O resultado irá orientar médicos e pacientes, além de chamar atenção para algo que vale a pena lembrarmos sempre: a necessidade de se levar uma vida saudável e praticar algum tipo de atividade física. Vale destacar, também, o esforço de instituições de todo o Brasil para combater a malária. Elas se reuniram em uma rede de pesquisas que irá investigar novas drogas, combate ao vetor, entre outros temas relacionados a essa doença que ainda atinge milhares de pessoas todos os anos.

Para a FAPEMIG, o ano de 2009 promete novidades. A começar pela troca da direção: José Geraldo de Freitas Drumond, que ocupou a presidência da Fundação nos últimos seis anos, deixou o cargo, que passa a ser assumido por Mario Neto Borges. Na sessão especial, o ex-presidente fala sobre as principais conquistas e o que vislumbra para a área de Ciência e Tecnologia. Neste ano, teremos também uma comemoração especial: o aniversário de 10 anos da MINAS FAZ CIÊNCIA. Estamos preparando algumas surpresas para você, leitor, a fim de marcar essa data tão signi-ficativa que representa, acima de tudo, um compromisso assumido pela FAPEMIG e seus profissionais com a divulgação da ciência no Brasil.

Vanessa FagundesEditora

Capa: Minas de olho no céuFoto: www.sxc.huset. a nov./2008

5MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008

Cartas

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua

Raul Pompéia, 101 - 11.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

“Através de um colega do Incra-MG, tive conhecimento da revista MINAS FAZ CIÊNCIA e de que, no número 32, havia uma reportagem sobre ‘Barraginhas’. O município de Padre Paraíso e outros vizi-nhos que fazem parte do território médio Jequitinhonha optaram pelo projeto de con-vivência com a seca através da aquisição de três pás carregadeiras. Daí então gosta-ria de fazer a assinatura para o escritório local da Emater de Padre Paraíso, incluindo esse número específico, para fortalecer a idéia com o prefeito municipal.”

Ronilson Martins NascimentoEngenheiro Agrônomo/ Emater

Padre Paraíso/MG

“Olá! Estou escrevendo para parabeni-zar a revista, pois ela é muito boa. Já tem um tempo que estava tentando assinar e não conseguia, mas há uns três meses eu consegui e recebi o primeiro exemplar. Como sou professor de Ciências e Biologia,

achei o material muito bom, que pode ser usa-do como método de trabalho em sala de aula. Se tiverem como me enviar algum exemplar anterior, ficarei muito grato.”

Sérgio Júnior VieiraProfessor / Escola Estadual Chico Marçal/

Moema / MG

“Vocês estão de parabéns com as publi-cações da revista. A cada dia os artigos ficam melhores. Acabei de me formar em Nutrição e gostaria de saber se vocês publicam artigos técnicos desta área.”

Emiliane VelosoNutricionista

Araguari / MG

Resposta: Por ser uma revista jornalística, optamos por não publicar artigos científicos na MINAS FAZ CIÊNCIA. Temos um espaço, no entanto, destinado a artigos opinativos – a seção Opinião. Nela, publicamos textos que abordam assuntos variados, escritos por espe-cialistas, mas com linguagem simples e desti-nado ao público em geral. Se desejar fazer um artigo com essas características, envie para a Redação. Ele será avaliado por nosso Conselho Editorial e, se aprovado, publicado na revista.

“Venho a vocês, através deste e-mail, parabenizá-los pela revista que, para mim, é uma das mais completas cientificamante. E também queria pedir, por gentileza, que en-viem para mim alguns exemplares, pois tive a opurtunidade de receber uma e percebi que o conteúdo será de grande valia para enrique-cer meus conhecimentos.”

Thiago AzevedoEstudante

São João del Rei / MG

“Sou estudante de Biologia e quero agra-decer à todos da redação da revista Minas Faz Ciência pelo excelente trabalho. Desejo agradecer também à equipe de Assessoria de Comunicação Social - FAPEMIG pela atenção, pois precisei de algumas edições anteriores para estudo e foram rápidos e dedicados. Pa-rabenizo pela publicação com informação de qualidade".

Simone Maria Marçal Estudante

Unitri/ Uberlândia/MG

“Trabalho em uma escola municipal no cargo de coordenadora pedagógica. Através do meu irmão, que é engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Exten-são Rural (Emater), obtive contato com a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Conheci a excelente redação das interessantes ma-térias e senti a vontade e a necessidade do recebimento da revista na referida escola.”

Alessandra Cannavan BassoCoordenadora pedagógica

Saltinho / SP

“Olá! Venho por meio desta agradecer pelo envio da revista. Gosto muito da MINAS FAZ CIÊNCIA, pois lendo-a sinto que o esforço de nós, estudantes, e dos pesquisadores, vale a pena! Um abraço para toda a equipe.”

Geraldo Antonio de Morais Estudante

Rio Piracicaba/MG

“Olá! Sou estudante de jornalismo em Salvador e, durante as minhas pesquisas, fiquei sabendo da existência de uma revista específica sobre ciências aí no Estado de Minas Gerais. Tomei conhecimento após ler o livro Jornalismo Científico da doutora Fabí-ola de Oliveira, no qual ela faz uma citação muito positiva da revista. Por isso estou es-crevendo, para saber se é possível receber os números mais antigos, desde o primeiro até o mais recente, em minha casa. Agrade-ço desde já por saber que existe um veículo tão preocupado com a divulagação científi-ca em nosso País.”

Luciano MercêsEstudante

Salvador/BA

“Sou leitor da MINAS FAZ CIÊNCIA desde o primeiro numero desta conceitu-ada publicação. Na oportunidade, gostaria de enviar meus parabéns pelas excelentes reportagens que relatam os resultados obti-dos pelos pesquisadores mineiros, com aju-da da FAPEMIG.”

Júlio Pedro Laca-BuendíaEngenheiro agrônomo, ex-pesquisador e

coordenador de pesquisas financiadaspela FAPEMIGUberaba/MG

Publicação trimestral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIGnº 34 - jun. a ago. / 2008

MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as car-tas enviadas à Redação podem ou não ser publicadas e, ainda, que se reserva o direi-to de editá-las, buscando não alterar o teor e preservar a idéia geral do texto.

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV / 20086

Demuitospara muitos

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Entrevista

Orkut, wikipédia, youtube... Sim, você já ouviu falar deles. Sites de rela-cionamento e ferramentas que permi-tem incluir, alterar e compartilhar con-teúdos são alguns exemplos do que se convencionou chamar de Web 2.0 - ou segunda geração da World Wide Web. A expressão começou a ser utilizada em 2004, mas traduz uma mudança que já vem acontecendo há algum tempo, marcada pela participação ativa dos usuários e a produção coletiva de conhecimento.

Na Web 2.0, a interatividade, uma característica própria da internet, é am-pliada ao extremo. Nesse contexto, cada usuário se torna um produtor potencial de conteúdo. Ou seja, é a comunicação de muitos para muitos. Melhorias técni-cas, como a disseminação da banda larga, ajudaram a moldar esse novo ambiente, pois as pessoas passaram a utilizar mais o meio, visualizando novas possibilida-des. Ganham força, neste cenário, as co-munidades em rede, grupos de pessoas que acessam o mesmo ambiente virtual, fornecem informações e geram conhe-cimento e mobilização.

A Web 2.0 promete modificar também o ambiente empresarial, pois significa respostas mais rápidas às mu-danças de cenário, articulação com diferentes grupos sem encontrar bar-reiras geográficas, ampliação de merca-dos, entre outros. “Quem rapidamente percebe e utiliza bem o novo ambien-te de conhecimento consegue ser mais competitivo”, resume o jornalista Carlos Nepomuceno, doutorando em Ciência da Informação pela Universi-dade Federal Fluminense e consultor especializado em Planejamento Estra-tégico em Internet.

Nepomuceno é também co-autor do primeiro livro sobre Web 2.0 no Brasil (Conhecimento em Rede, da edi-tora Campus). Nesta entrevista conce-dida à MINAS FAZ CIÊNCIA, ele fala sobre as mudanças que culminaram nesta nova fase da internet, nos usos possíveis, nos problemas que podem surgir, como regulação e responsabili-dade, e sobre o que podemos esperar em uma terceira fase da internet. 1 – Em que aspectos a Web 2.0 pode ser considerada uma evolu-ção da web que conhecemos?

O termo Web 2.0 surgiu de uma ne-cessidade das pessoas que estudam a internet, e foi lançado pelo pesquisa-dor e empresário Tim O’Reilly. Perce-bemos que a internet e a interativida-de que ela propiciava desde o princípio se massificou a partir de 2004. Alguns pesquisadores da área contestam o termo Web 2.0 porque acham que a internet sempre foi interativa e, na verdade, não estava ainda massificada. Eu adoto o termo e acho que ele tem sentido porque marca a massificação da internet. A internet veio como uma nova mí-dia e tinha, até 2004, seu uso limitado em função da capacidade de conexão. Com o surgimento da banda larga, que permite ao usuário ficar o tempo que quiser na internet, ele pôde ter acesso à essa nova mídia e pôde exercê-la na sua plenitude. Com a conexão discada, através do modem, não só a velocidade era insuficiente como as pessoas paga-vam pelo tempo que ficavam conecta-das. Com a banda larga, o aumento da velocidade e a popularização do preço fixo (ou seja, você usa o quanto quiser, pagando um mesmo preço), alterou-se a maneira como as pessoas usavam a internet. A partir do uso constante, começamos a visualizar uma série de possibilidades e novas ferramentas fo-ram surgindo.2 – Por que ela significaria um novo paradigma da comunicação?As pessoas tentam entender a internet, o que ela significa. Eu tenho estudado esste tema, faço doutorado na área e tenho lido muito a respeito. Quando tentamos entender um fenômeno, seja uma doença, seja uma crise econômica como a que estamos passando, procu-ramos situações parecidas para com-pará-las. Precisamos nos perguntar o que é essa mudança, o que a internet traz de novo, e em que momento do passado identificamos algo parecido. O ser humano, ciclicamente, modifica a maneira como produz informação. O meu palpite é que, conforme va-mos crescendo em população, vamos precisando de sofisticados sistemas de informação, de comunicação e, por sua vez, de conhecimento, para que possamos evoluir como espécie.

Demuitospara muitos

É um processo de desenvolvimento de tecnologias necessárias para que possamos sobreviver ou, basicamente, continuar existindo. Na história, pode-mos ver que, em alguns momentos, há uma ruptura em função do crescimen-to populacional e da necessidade de melhorar a comunicação, a informação e os produtos de consumo que isso gera. Que momentos são esses? Do silêncio, quando o ser humano ainda era somente um animal, aos grunhi-dos. Dos grunhidos passamos à fala e, da fala, à escrita. Da escrita, passamos para a publicação de livros impressos, ou seja, a ampliação da possibilidade da escrita, que antes era feita somente à mão, nos papiros. Dos livros, passa-mos para os meios de comunicação de massa (o rádio, a televisão, etc). Depois criamos o computador e, por sua vez, a internet. Podemos observar o fenômeno da internet com mais propriedade quan-do observamos que o ser humano, de tempos em tempos, modifica a manei-ra como produz informação. São situa-ções que nos levam a essas mudanças. Temos que analisar a chegada da in-ternet com essa perspectiva histórica para entender que, quando existe esse tipo de mudança nos ambientes de co-nhecimento, toda a sociedade também se transforma. O que é mais próxi-mo disso, em termos de mudança, é a chegada do livro, que introduziu a possibilidade da leitura para uma vasta camada da população que antes não tinha acesso. Os livros eram poucos, raros, caros e toda a comunicação era feita por meio da oralidade. As pessoas não sabiam ler, nem tinham acesso à literatura. Quando isso acontece, uma série de idéias passa a circular e no-vas reflexões e mudanças começam a acontecer. Os livros, os jornais e os panfletos viabilizaram, em um primei-ro momento, a reforma protestante. Um filme que eu gosto de sugerir é Lutero, que mostra, em determinado momento, o uso da imprensa como di-vulgadora de idéias e as mudanças que acabam ocorrendo. Também podemos citar a Revolução Francesa, que cria o parlamento, a Revolução Americana, a Revolução Soviética... Você cria uma nova sociedade em torno dessas mu-

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danças no ambiente de conhecimento. Precisamos olhar a história, todo esse processo, para perceber que agora es-tamos diante de uma mudança muito forte de paradigmas. Observando as mudanças que aconteceram no passa-do, podemos ter uma dimensão melhor do que pode acontecer no futuro.3 – Com a Web 2.0, ganham força as comunidades e redes virtuais. Dizem, inclusive, que estamos vi-vendo a “era das redes”. O que isso significa?O que aprendemos ao longo da his-tória é que, quando surge um novo ambiente de conhecimento como este que estamos trabalhando agora - o ambiente de conhecimento em rede -, existem etapas que vão sendo cum-pridas. Primeiro, temos um momento chamado de laboratório. É algo que fica restrito a determinada região, de-pois a determinado grupo visionário e empreendedor, que quer tirar dinhei-ro da idéia, se apossa das ferramentas, cria uma indústria em torno delas, começa a difundi-las na sociedade, até que elas se massificam. No momento em que isso se massifica, se transforma em uma nova cultura e gera um novo ambiente em que as pessoas começam a questionar as coisas. As redes sociais, como o Orkut, são uma evolução da interatividade que já existia na internet. A tataravó do Orkut é a conferência eletrônica, que se iniciou ainda no modo texto, em meados de 1992. Aqui, no Brasil, tam-bém tivemos a experiência do Alternet (primeiro provedor de acesso brasilei-ro do Ibase). Ou seja, nós já tínhamos “o germe do Orkut”, a troca de infor-mações. Isso foi se sofisticando. As no-vas redes sociais criaram um ambiente que podemos caracterizar como a hu-manização da internet. Com elas, nós ganhamos algumas novi-dades. Por exemplo, você pode colocar uma fotografia no seu perfil. Antes das redes sociais, você não tinha a fotogra-fia. Tinha, dentro do Yahoo Grupos, por exemplo, uma pessoa com login e e-mail, mas não víamos o rosto dela. Com a foto, você passa a ter uma “cara” na internet. Outro momento importan-te na formação das redes sociais foi a

possibilidade de mostrar quem são os seus amigos. Além de mostrar minha foto, eu digo “meus amigos são estes”, “meus interesses são estes”, “estas são as fotos que quero divulgar”. Isso cria um ambiente muito mais próximo da vida a que estamos acostumados. As redes sociais são uma camada na evolução desse novo ambiente de co-nhecimento que humanizou a internet. Isso é fruto da massificação e da possi-bilidade de melhor conexão.4 - Que poder têm essas novas ferramentas, especialmente para a mobilização popular?Esse novo ambiente de conhecimen-to tem características próprias, que diferem do anterior. Cada ambiente de conhecimento cria uma forma de interação. Isso não sou eu quem está dizendo. Estou seguindo as idéias de Pierre Lévy [filósofo, sociólogo e his-toriador francês, autor do livro Ciber-cultura], responsável por introduzir essa discussão que passou a ser ado-tada pela maioria dos que pesquisam a internet. Ele percebeu que, a cada etapa que cumpríamos, tínhamos uma forma interativa. Na fase oral, em que o ser humano não tinha a escrita, a comunicação era feita de um para um. Você precisava estar no mesmo local que a outra pessoa. Quando criou-se a escrita, passou-se à comunicação de um para poucos e depois, com o livro, passou-se a um para muitos, pois você consegue, não estando presente, se comunicar com várias pessoas. Desde quando Gutemberg inventou a prensa até a chegada da internet, tra-balhamos a comunicação de um para muitos. O rádio, a TV e o livro são exemplos desse tipo de comunicação. Depois, o ser humano começou a ex-perimentar um outro tipo de comuni-cação, que não começou, na verdade, com a internet, mas com os radioa-madores e, depois, com as linhas cru-zadas das telefônicas, que permitiam acidentamente que várias pessoas falassem ao mesmo tempo. Isso criou, pela primeira vez à distância, uma co-municação muitos para muitos, que se massificou por meio da internet. É a primeira vez que o ser humano tem diante de si uma mídia que permite a comunicação de muitos para muitos,

além de uma série de outras possibi-lidades. A mensagem de um livro, rádio ou TV é fechada em si. Você não modifica um programa de rádio ou TV. Com a in-ternet, o usuário consegue publicar e incluir comentários, a mensagem não tem fim, está aberta para interações. Se, por exemplo, você abre um artigo de um jornalista que tem 40 comentários, cada comentário se incorpora ao artigo e tem a mesma relevância que ele, pois a pessoa que comenta pode concordar, discordar ou até mesmo apresentar fa-tos novos sobre o assunto. A internet introduz um conjunto de mudanças em função desse novo am-biente de conhecimento. A facilidade de publicação, de interação, em que cada um pode, de forma muito ba-rata, incluir suas idéias, faz com que essa nova mídia ofereça possibilidade maior de participação, sendo mais de-mocrática que a anterior. É uma evo-lução, o que não quer dizer que to-dos que usam a internet sejam mais democráticos, nem que a internet vai trazer mais democracia para o mundo. Quer dizer que ela, enquanto mídia, tem uma potencialidade maior que a mídia passada. Ela possibilita, aos que querem fazer mudanças sociais, um espaço maior que o que eles tinham anteriormente.5 – Tivemos uma demonstração da força dos blogs durante a cam-panha presidencial americana, quando um candidato conseguiu mobilizar milhares de eleitores por meio de seu site pessoal. Esse tipo de uso dos blogs seria uma tendência?As ferramentas de expressão que te-mos hoje na internet estão cada vez mais fáceis de usar, mais flexíveis e mais baratas. Temos um conjunto de ferramentas de publicação, interação e inter-relação entre essas publicações que faz com que pessoas que tenham o que chamo de “internet na veia” percebam essa nova mídia e usem-na de forma criativa, articulando as possi-bilidades. A campanha de Barack Oba-ma não foi baseada apenas nos blogs. Ela foi baseada em um conjunto de ferramentas interativas que se harmo-

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nizaram para possibilitar os objetivos dele. Eu costumo fazer uma comparação: um carro de Fórmula 1 atinge até 400 km/h, mas, se um motorista de táxi pegar um carro de Fórmula 1, certamente ele não vai saber utilizar todo o potencial daquele carro. A internet tem um potencial de gerar grandes movimentos a par-tir do instante em que se usa o conjunto de ferramentas interati-vas disponíveis. Isso não quer dizer que todo mundo vai conseguir o resultado que Obama conseguiu. Algo interessante que ele fez foi chamar jovens na faixa etária de 20 a 24 anos para participar. Essa é uma forma de utilizar a nova geração, que detém a ma-neira de usar a interatividade com mais facilidade, a “inteligência” que própria de uma geração que nasceu nesse novo ambiente. Ou seja, além de ter percebido o potencial de interação da internet, ele acreditou que os jovens da nova geração poderiam contribuir, não com o conteúdo, mas com o uso dessas ferramentas de uma forma diferente.No Rio de Janeiro, tivemos essa experiência no fim da campa-nha de 2008. O candidato Fernando Gabeira também trabalhou um pouco com as redes sociais. Isso é uma tendência que, daqui por diante, vai marcar fortemente todas as campanhas. Depois do fenômeno Obama, as pessoas vão tentar criar esse tipo de envol-vimento, o que é positivo. O que seria interessante, e é o desafio do próprio Obama, é conseguir criar o “governo 2.0”. O desafio é transformar as “campanhas 2.0” em um “governo 2.0”. Ou seja, admitir que não é o dono da verdade e chamar a população para colaborar e ajudar a governar. Esse é o próximo passo e não tere-mos como fugir dele nos próximos 5 a 10 anos.6 – E dentro do ambiente corporativo? Como as empre-sas podem aproveitar a Web 2.0?Quem rapidamente percebe e utiliza bem o novo ambiente de co-nhecimento consegue ser mais competitivo. No mundo hoje, com a velocidade como as coisas acontecem, a globalização, a possi-bilidade de troca interativa e de retroalimentação constante das pessoas dentro do sistema, o que se observa é que uma empresa não pode mais trabalhar no modelo hierárquico ao qual estamos acostumados. Esse modelo hierárquico foi importante, mas para uma determinada fase da sociedade. Vivemos um momento em que a quebra de uma colheita no Sul do Vietnã pode ter impacto para um investidor da bolsa de valores do Arkansas. Os fatos que acon-tecem no mundo já não são isolados. O mundo se interconectou. A necessidade de tomar decisões rápidas, de maneira inteligente e sábia, faz com que você tenha necessidade de outro ambiente de conhecimento, pois o modelo hierárquico anterior não funciona: se acontece um problema, o presidente manda para o diretor, o diretor encaminha para o gerente dar opinião, o gerente manda para o seu assessor, o assessor faz uma reunião. Dali a quinze dias, tem-se uma decisão que já não tem mais sentido, porque as em-presas mais rápidas já fizeram sua escolha e já ocuparam o espaço que estava vago. O modelo das redes sociais é um modelo que as empresas vão adotar e já estão adotando, como é o caso da IBM, onde você recebe um crachá e um endereço de blog quando ingressa na empresa. É preciso transformar as empresas, como a sociedade, em uma es-pécie de colméia em que, quando acontece determinado fato, as redes internas, ou as redes sociais da empresa, rapidamente o ab-sorvem, avaliam as decisões, fazem escolhas e reagem ao fato. Essa velocidade é o que vai fazer a diferença, é a capacidade que te-

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mos de modificarmos grupos, pessoas e empresas conforme percebemos as mudanças, os problemas e as oportu-nidades. O que vai acontecer, e já está acontecendo na área corporativa, é a incorporação dessas redes sociais ao ambiente de trabalho.7 – Quais seriam as dificuldades para sua utilização?Antes da Web 2.0, a internet era um patinho feio. Nos tempos de hoje, o problema é basicamente cultural. Es-sas mudanças no ambiente de conhe-cimento começam com uma tecnolo-gia, que é adotada pela sociedade, cria uma cultura e, por conseqüência, um problema cultural. Quando o livro foi lançado na sociedade, o problema era que as pessoas não sabiam ler. Os pro-testantes, por exemplo, promoviam campanhas de alfabetização em todas as igrejas porque Lutero defendia a lei-tura da Bíblia e, sendo alfabetizada, a pessoa ganhava um diferencial em re-lação às outras. Assim como a chegada do livro, a chegada da internet é um desafio cultural. Estamos vivendo uma grande crise cultural, em que a geração mais nova já está, de alguma forma, adaptada a esse novo ambiente e a geração mais velha não está. Temos dirigentes de países e de empresas com a cabeça no modelo antigo. Temos pessoas no mercado de trabalho com o que eu chamo de “ca-beça de papel”, que é a do livro, a da mídia tradicional, a cabeça hierárquica. É preciso implantar uma nova cultura, mas não se faz uma mudança cultural na marra, nem de uma hora para outra. É preciso dar os primeiros passos para que essa mudança aconteça em médio ou longo prazo. O que tenho visto de interessante nas organizações é a criação de núcleos avançados para trabalhar, dentro da empresa, as coisas mais modernas em termos de interação. Esse núcleo vai integrar os setores mais dinâmicos da organização e, durante seis meses, vai experimentar essas novas ferramen-tas. Depois de utilizar, aculturar, ver os problemas e soluções, melhorar as ferramentas, ele incorpora outro se-tor, trabalhando por mais seis meses. Então, gradativamente, vai passando de

setor a setor até que o novo ambien-te se popularize e, com a chegada dos novos profissionais, em médio prazo, de três a cinco anos, a empresa já co-mece a operar em um novo ambiente. Todo ambiente de conhecimento traz pontos positivos e problemas para a sociedade. Não estou dizendo que a internet é solução para tudo. Ela vem resolver os problemas do ambiente de conhecimento anterior e vai criar os problemas do ambiente de conhe-cimento que ainda vai surgir. Estamos saindo de um problema e criando ou-tros, de direitos autorais, de privacida-de, etc, que precisam ser discutidos e amadurecidos pela sociedade. Gosto de dizer o seguinte: desconfie de quem diz que a internet é tudo de bom e desconfie de quem diz que a internet é tudo de ruim. Não é uma coisa nem outra. É um novo ambien-te que teremos que utilizar da melhor maneira possível para continuarmos sobrevivendo e conseguindo conviver em um planeta de quatro bilhões de pessoas, diferente do planeta em que nossos pais e avós viveram.8 - O princípio da Web 2.0 é dar voz a muitos. Mas como regular a participação e os comentários de-preciativos, racistas, entre outros?Essa é uma discussão bem interessan-te. Costumo dizer que existem pesso-as e empresas que estão na fase 1.5 da internet. Saíram da fase 1.0, mas não chegaram à fase 2.0. Por exem-plo, a Submarino abriu espaço para os consumidores criticarem produtos, como a Amazon também fez. Mas qual foi a diferença? A Submarino resolveu monitorar todos os comentários que eram feitos, o que alguns jornais têm tentado fazer. Tentaram monitorar com a cabeça do passado. Então, se o comentário era positivo, tudo bem, era publicado. Se era negativo, eles diziam que o comentário estava fora dos pa-drões da empresa. Ou seja, criam uma ilusão de que você pode comentar e na verdade não pode. O que percebo é que essa nova cul-tura é de auto-regulamentação. No momento em que você lê ou cria um comentário, você vai também auto-regular. Por exemplo, a opção feita

pelo O Globo Online. Eu fiz um post no meu blog (www.nepo.com.br), em que comparo O Globo Online com um jornal americano. Este último criou uma equipe com mais de 80 profissio-nais da informação para monitorar os comentários. O Globo fez a opção de que o próprio usuário denuncie o co-mentário que ele considere nocivo. A partir daí, auto-regulamenta-se o pro-cesso e a própria comunidade vai de-finindo o que é ou não nocivo e quem deveria ou não estar na comunidade. O modelo do Globo tende a ser mais auto-sustentado e será mas utilizado.No momento que se cria esse am-biente de rede colaborativo, qualquer intromissão de um determinado tipo de abelha que está fora do ritmo da colméia gera um ruído que é ruim para todos. Então, o que a colméia procura fazer é criar a relevância de cada comunidade. Quando uma abelha entra com um ruído, a colméia tende a rejeitá-la porque ela não está ajudan-do. Atualmente, estão sendo desen-volvidas ferramentas que eu chamo “robôs”, que vão ajudar as comuni-dades a se auto-regular. Conforme o desenvolvimento acontece dentro das comunidades, os robôs, usando a inteligência coletiva do grupo, vão re-gulamentando. Eu acredito muito na auto-regulamentação, é a única saída para administrar esse novo ambiente que não segue mais o modelo ao qual estávamos acostumados. 9 – Um outro aspecto ético: quem seria responsabilizado no caso de uma informação errada? Se não há penalidades, é possível confiar na veracidade das informações em sites colaborativos?Em relação a essa questão, existem duas coisas interessantes. Hoje, mais vale meia informação que informação nenhuma. É uma crítica que as pessoas fazem em relação ao Wikipédia, por exemplo. O Wikipédia é uma enciclo-pédia que veio atender a uma deman-da da sociedade, de informação rápida e gratuita, online e acessível no clique do seu mouse. O que é o Wikipédia? É uma ferramenta auto-regulamentada. Se você experimentar escrever alguma coisa no Wikipédia achando que é uma

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bagunça, que pode escrever qualquer coisa, vai levar um susto porque exis-te uma auto-regulamentação, existem editores que acompanham o conteú-do. Quando você acaba de fazer um post no Wikipédia, ele vai para uma sé-rie de pessoas que entram, fiscalizam e criticam. Ou seja, não é uma bagunça, é uma outra forma de organizar as coi-sas. Você tem o direito de publicar, mas você é fiscalizado. Em relação ao problema da informa-ção não-confiável, temos que pen-sar que também existem erros nas enciclopédias de papel. Partimos do princípio que enciclopédias de papel e jornais não têm erro, mas, se fosse assim, não existiriam as erratas que os jornais e colunistas costumam publicar. A diferença é: se existe um tipo de informação que permite co-mentários ou complementação, acre-dito que, em determinado momento, aquela informação ficará mais próxima de ser equilibrada. Eu não acho que exista informação verdadeira. A verda-de é uma aproximação. O que temos é uma possibilidade. Quanto mais in-formações você tem em um ambiente colaborativo, com muita gente partici-pando, maiores as chances de alguém detectar rapidamente um erro de in-formação. O que se tem a fazer agora é investir nisso e não rejeitar. Acho importante acreditar na colaboração e criar ferramentas que a própria co-munidade possa administrar. Não inte-ressa a ninguém que está procurando uma informação relevante que os ruí-dos aconteçam. É uma mudança, um paradigma cul-tural. Em qualquer mudança de para-digma, primeiro você muda sua cabe-ça, depois o resto. O que as pessoas estão querendo fazer é mudar o res-to com a mesma cabeça do passado. Quando se faz isso, cai-se na internet 1.5. Primeiro, é preciso entender que estamos em um novo ambiente de co-nhecimento, que gera uma nova cultu-ra, que funciona de maneira diferente. Se você compreende isso de alguma forma, pode começar a agir e tomar suas decisões. Essa é uma mudança bastante impor-tante, não é uma onda de administra-ção que vai passar. É uma nova forma

do homem se comunicar, se informar e obter conhecimento. Isso não muda mais, não volta. Só existiria a possibili-dade de voltar para trás se uma bomba atômica dizimasse o planeta e sobras-sem 40 mil pessoas. Daí, elas não te-riam necessidade de internet, ela per-deria o seu sentido. Mas, se nós temos quatro bilhões de pessoas, não vamos voltar porque precisamos evoluir e criar mais ambientes de conhecimen-to. Esse é um processo do qual todos devem se conscientizar. Todos têm que perceber a nova dinâmica e começar a agir dentro da nova realidade.10 - Para o senhor, o que seria uma Web 3.0, ou, em outras pala-vras, qual seria o próximo estágio dessa evolução?Todo ambiente de conhecimento novo vem resolver um problema que está impedindo a sociedade de crescer. Pensando dessa maneira, percebemos que a internet veio resolver o proble-ma dos buracos e das sombras que os meios de comunicação de massa e os livros deixaram. As pessoas não con-seguiam expressar seu conjunto de desejos, interesses, vontades e idéias devido às limitações que os meios de comunicação de massa tinham: pro-gramação de televisão restrita, rádio restrito, livros restritos. Se alguém quisesse colocar algumas idéias, não tinha esse espaço. Agora tem. Você sai de um processo de carência e escas-sez para um processo de abundância. Hoje o problema não é mais a infor-mação. O problema é filtrar e organi-zar esse oceano.Acho que a próxima fase da internet será a fase dos robôs. Essa fase colabo-rativa permanece, mas você começará a incorporar alguns robôs, como já es-tamos fazendo. Por exemplo, quando usamos um anti-spam, estamos pro-gramando um robô para filtrar nossos e-mails. Quando criamos um RSS, di-zemos o que queremos e o que não queremos ler. Vamos caminhar para a evolução desses agentes inteligentes. Vamos desenvolvê-los cada vez mais, eles vão ganhar uma espécie de inte-ligência artificial e, dialogando com o usuário, vão criar um novo ambiente interativo, que vamos chamar de eu-

robô. Você terá um agente personali-zado que vai te ajudar, como o Goo-gle já está começando a fazer, através do iGoogle. Se observarmos o que o Google está fazendo, veremos para onde a internet está andando, pois ele é que está dando o toque do tambor. O Google está caminhando nessa di-reção. Ele vai, cada vez mais, te conhe-cendo, para filtrar suas buscas. O iGoo-gle vê, na sua busca, o tipo de interesse que você tem. Você poderá qualificar sua busca, dizendo se foi boa ou não, e, assim, você irá treinando o seu agente para, quando fizer uma nova busca, por exemplo, sobre “Minas”, ele saiba que você está procurando o Estado e não as minas de carvão. Isso também vai acontecer na web. Quando você entrar no site da Coca Cola, ela vai saber que você não toma Coca Cola normal, e vai te apresentar um cardápio diferen-te. Então vamos começar a ter a comu-nicação robô-robô e eu-robô. Essa é a grande possibilidade que temos daqui para frente, com todos os problemas e soluções que ela vai trazer.Pode parecer assustador, mas é o mes-mo caso do celular. Há alguns anos, quando ele surgiu, as pessoas se apa-voraram de pensar que poderiam ser encontradas em qualquer lugar. Hoje, elas não conseguem sair sem celular. Obviamente que você pode desligar seu celular e obviamente que você poderá navegar na internet sem o seu robô. Da mesma maneira que essas fer-ramentas podem te ajudar, você pode dizer: “elas estão me prejudicando, vou desligar, quero fazer uma navegação livre na internet”. Essa sensação que temos de descontrole da tecnologia não é verdade. O ser humano precisa se comunicar e se informar para so-breviver e, cada vez mais, precisa sofis-ticar esses sistemas de conhecimento. Cabe a cada utilizá-los com sabedoria. A sabedoria está acima da informação e do conhecimento. Ela é a capacidade de se manter sereno, ter conexão com o planeta e com as pessoas, de manei-ra positiva e humana. Tudo o que está acontecendo pode gerar coisas muito ruins, mas também muito boas. Depen-de de como vamos lidar com isso.

12 MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008

Intercâmbio

mal

ária

Rede

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008 13

Embora seja uma doença muito an-tiga, a malária ainda é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo. A cada ano, mata cerca de dois milhões de pessoas, sendo 90% dos casos re-gistrados na África. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), essa é a doença tropical e parasitária que mais causa problemas sociais e econômicos, sendo um risco de infec-ção para cerca de 40% (2,5 bilhões de indivíduos) da população mundial. No Brasil, só no ano passado foram quase 500 mil casos da doença, com 99,8% dos casos registrados na região da Amazônia Legal, composta pelos es-tados do Acre, Amazonas, Amapá, Ma-ranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Esta realidade fez com que a Fun-dação de Amparo à pesquisa do Ama-zonas (Fapeam) sugerisse a criação de uma Rede Nacional de estudos sobre a doença. A FAPEMIG e as Fundações de Amparo à Pesquisa do Pará (Fapes-pa), Maranhão (Fapema), Mato Grosso (Fapemat), São Paulo (Fapesp) e Rio de Janeiro (Faperj) se uniram à Fapeam para a concepção do projeto.

“A Fapeam já havia tomado a de-cisão de lançar um edital com esse tema. Mas, resolvemos conversar com outras FAPs e ver se mais alguém se interessaria em participar. No fim, sete fundações aderiram à parceria”, con-ta o presidente da Fapeam, Odenildo Sena, também presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à

Estados se unem para criar rede que permitirá integração e troca de experiências de pesquisadores de todo o país

Pesquisa (Confap). “Essa é uma ação inédita, nunca havíamos reunido tantas fundações para estudo de um tema comum. Esperamos que, a partir des-ta, outras parcerias semelhantes sejam firmadas”.

No dia 17 de novembro do ano passado, as sete FAPs participantes se reuniram com o Ministério da Saúde e o CNPq a fim de efetivar uma parce-ria e avançar no processo de criação e implementação da rede. Após este encontro, o Ministério da Saúde anun-ciou o investimento de R$ 10 milhões na rede de pesquisa . A Rede Nacional de Malária terá, assim, R$ 30 milhões para financiar as primeiras pesquisas integradas sobre a doença, que serão prioritariamente voltadas ao desenvol-vimento de vacinas e no mapeamento genético dos vetores, além do aprimo-ramento de serviços de atendimento à população.

Para Sena, estes estudos são ur-gentes, pois a malária ainda é um pro-blema sério no Brasil. “Por incrível que pareça, essa doença ainda mata muito e são necessários estudos sobre vários aspectos, como alternativas de trata-mento, já que o atualmente disponível ainda é caro”. Na opinião dele, esta união de competências diferentes tem a grande vantagem de potencializar o uso dos recursos. A previsão é que o edital para financiamento de pesquisas sobre a doença seja lançado já em fe-vereiro de 2009.

Contribuição mineira

“A FAPEMIG vai entrar com inves-timentos da ordem de R$ 3 milhões, sendo R$ 1 milhão por ano”, declara o diretor científico da Fundação, Mario Neto Borges. Ele destaca duas grandes razões para a participação de Minas Gerais na rede. A primeira é por se tratar de uma doença negligenciada, ou seja, que afeta milhares de pessoas ao redor do mundo e mesmo assim não dispõem de tratamentos eficazes. E a segunda é que o Estado possui pesquisadores de alto nível nesta área. Uma prova disto é que duas pesqui-sadoras mineiras, indicadas pela FAPE-MIG, estão fazendo parte do comitê técnico da Rede de Malária. São elas,

Antoniana Ursini Krettli e Luzia Hele-na Carvalho, do Centro de Pesquisas René Rachou.

Em Minas Gerais, assim como no resto do Sudeste, Sul e parte do Centro-Oeste, a doença foi erradica-da. Ainda assim é muito importante a participação do Estado na Rede de Malária, já que as pesquisas desenvolvi-das aqui serão de grande contribuição para a investigação da doença.

“O mosquito transmissor da ma-lária está presente em todo o país, mas o doente não. O problema é que quando um indivíduo viaja para a re-gião amazônica e volta para a casa contaminado, ele infecta o mosquito, iniciando assim um ciclo de transmis-são”, explica a pesquisadora do René Rachou, Luzia Helena Carvalho, uma das integrantes do comitê técnico da rede. Segundo ela, este fato explica o surto de malária que ocorreu em Belo Horizonte no ano de 2003 e, por isso, pode-se dizer que a população de ris-co está em todas as regiões do Brasil.

Luzia Helena trabalha com pesqui-sa em malária a mais de 20 anos, sendo a representante da América Latina no MR4 - Malaria Research and Reference Reagent Resource Center – Centro de Referência e Investigação de reagentes da malária. O centro foi criado nos Estados Unidos, com o suporte finan-ceiro do Instituto Nacional de Saúde

Luzia Carvalho, pesquisadora do René Rachou e membro da Rede Malária

Edso

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nior

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(NIH) do país, para ser uma referência de qualidade em pesquisas de malária e fonte oficial de informações sobre seus reagentes para a comunidade in-ternacional de pesquisadores que es-tudam a doença.

A pesquisadora aponta a impor-tância da criação da rede como uma forma de integrar grupos de estudo

presentes em todas as regiões do Bra-sil. “Uma rede de pesquisa possibilita a troca de experiências de pesquisado-res do país inteiro, difunde o conheci-mento e forma uma massa crítica de estudiosos”, diz. Ela afirma que Minas Gerais possui grupos tradicionais de pesquisa sobre a doença, o que de-monstra que o Estado tem muito a contribuir para o desenvolvimento da Rede Malária.

O René Rachou, do qual Luzia He-lena faz parte, é um dos mais antigos, possuindo mais de 30 anos de expe-riência na investigação da doença. Ao longo destes anos, o Laboratório de Malária do Centro de Pesquisas tem se dedicado à pesquisa básica e aplicada, estudando principalmente a interação dos plasmódios com seus hospedeiros. As principais linhas de estudos incluem a busca de novas drogas antimaláricas, desenvolvimento de marcadores que possam identificar indivíduos susceptí-

veis à doença e o aprimoramento de técnicas para diagnosticar indivíduos assintomáticos, ou seja, pessoas que possuem a doença, mas não manifes-tam os sintomas.

Do ponto de vista da saúde públi-ca, esta última linha de investigação é de grande importância, pois os indi-víduos assintomáticos oferecem alto risco aos bancos de sangue, que não estão preparados para identificar este tipo de doente em seus exames de ro-tina. Essas pessoas podem ser fonte de infecção para os mosquitos. Luzia He-lena também acredita que a formação de uma rede permite otimizar recur-sos, capacitar pessoal e ainda estimular pesquisas específicas. “Podemos dizer que a criação da Rede Malária é um momento histórico, principalmente para nós pesquisadores, que temos dedicado nossas vidas ao estudo desta doença”, completa a pesquisadora.

Entendendo a MaláriaA palavra malária é originada do ita-

liano mala aria, que significa “ar ruim”. Mas, o surgimento da doença aconte-ceu bem longe dali, no continente afri-cano. É uma doença infecciosa, causada por um protozoário unicelular, do gê-nero Plasmodium e transmitida de uma pessoa para outra, através da picada de um mosquito do gênero Anopheles, ou por transfusão de sangue infectado com plasmódios. Os sintomas da do-ença são intenso calafrio seguido de febre alta, vômitos, dores de cabeça e no corpo.

A malária é uma das principais doenças parasitárias e uma das mais freqüentes causas de morte em crian-ças com menos de 5 anos em países africanos.

Entre as medidas mais importantes de combate à malária estão o diag-nóstico e o tratamento precoce dos doentes. Além disso, programas de prevenção também são fundamentais para diminuir o número de casos. Na África, por exemplo, são distribuídos à crianças e gestantes mosquiteiros im-pregnados com inseticidas. No Brasil, o Ministério da Saúde pretende ado-tar este programa.

NÚMERO DE CASOS DE MALÁRIA, POR ÁREA ESPECIAL, AMAZÔNIA LEGAL, 2007

UFGARIMPO ASSENTAMENTO/

CAMPAMENTO INDÍGENATOTAL

CASOS % CASOS % CASOS %

AC 0 0 8.595 22 815 2 9.410

AM 1.471 11 14.761 38 22.955 68 39.187

AP 2.912 21 582 1 1.709 5 5.203

MA 10 0 314 1 89 0 413

MT 1.034 8 352 1 222 1 1.608

PA 7.230 53 9.576 25 4.686 14 21.492

RO 949 7 1.962 5 969 3 3.880

RR 3 0 2.723 7 2.215 7 4.941

TO 0 0 0 0 0 0 0

TOTAL 13.609 100 38.865 100 33.660 100 86.134Fonte: Sivep-Malária/SVS/MS

CASOS DE MALÁRIA OCORRIDOS NA REGIÃO EXTRA-AMAZÔNICA, POR UF PROVÁVEL DE INFECÇÃO, 1999-2007*

ESTADOS 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007*

ALGOAS 0 0 0 0 0 0 0 0 0BAHIA 0 1 72 14 71 0 7 0 1CEARÁ 0 2 0 402 4 6 5 4 1DISTRITO FEDERAL 0 0 0 0 0 0 1 0 0ESPERÍTO SANTO 13 5 14 0 26 82 94 48 42GOIÁS 2 24 0 5 3 7 18 1 1MATO GROSSO DO SUL 1 0 133 38 9 8 4 1 2MINAS GERAIS 1 0 2 1 31 3 20 3 2PARAÍBA 0 0 0 0 1 1 0 0 0PARANÁ 47 16 27 106 11 13 11 12 60PERNAMBUCO 0 0 0 0 0 7 2 1 1PIAUÍ 3 29 13 9 20 90 17 20 6RIO DE JANEIRO 1 0 0 1 19 8 8 2 3RIO GRANDE DO NORTE 0 0 0 0 2 3 2 3 0RIO GRANDE DO SUL 0 0 0 0 1 1 0 1 2SANTA CATARINA 0 0 0 0 2 2 0 0 1SÃO PAULO 0 3 0 4 20 13 32 77 50SERGIPE 0 0 0 0 0 1 0 0 0TOTAL 66 80 261 580 220 245 222 176 172

* Dados preliminares, sujeitos a revisãoFonte: Simal (1999 e 2003), Sinan/SVS/MS (2004 a 2007), Dados do Sina: Casos com resultado laboratoria positivo, exceto recaídas ou LVC, segundo o ano de notificação. Juliana Saragá

O Laboratório de Malária do René Rachou estuda, entre outros, a interação dos plasmódios com seus hospedeiros

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008 15

Meio Ambiente

Estudo do comportamento da espécie fornece dados para sua preservação

Conhecida também como puma ou suçuarana, a onça parda é o segun-do maior felídeo da região neotropi-cal, que compreende desde a América Central até a América do Sul. O ani-mal chega a medir mais de um metro de comprimento, sendo menor ape-nas do que a onça pintada. É um dos melhores saltadores entre os felinos: seu salto pode chegar a 15 metros de altura e 6 metros de distância, o que

facilita sua caça. A cor de seu pêlo varia entre vermelha e cinza, sendo a primeira predominante em regiões tropicais e a segunda encontrada mais na América Central. Uma de suas prin-cipais características é a capacidade de adaptação aos diversos habitats. Sua alimentação também é eclética, uma vantagem em relação à onça pintada. Possui uma variabilidade de presas, pois consegue subir em árvores e ali-mentar-se de ninhos, e captura animais de médio porte.

A facilidade de adequação aos di-versos ambientes faz com que a onça parda tenha ampla distribuição territo-rial, podendo ser encontrada em dife-rentes países. Esta espécie pode estar presente em vários tipos de biomas, entre eles o Cerrado, um dos mais ameaçados do mundo. Esta realidade fez com que pesquisadores do Depar-tamento de Veterinária da Universida-de Federal de Viçosa (UFV) iniciassem

um estudo a fim de contribuir para o manejo e conservação deste animal, e como conseqüência disto, colaborar para integridade biológica da região.

De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Tarcízio Antônio Rego, entender o comportamento de espécies de grande porte como a onça parda é fundamental para elaborar es-tratégias de conservação. “Escolhemos a onça parda como objeto de estudo por se tratar de um animal localizado na ponta da cadeia alimentar”, expli-ca. Segundo ele, esse fato é relevante porque, automaticamente, analisa-se a preservação de todos os outros ani-mais que fazem parte do ciclo.

Etapas O trabalho está sendo realizado no

Parque Estadual do Rio Doce (PERD), situado na região sudoeste do Esta-do, entre os municípios de Marliéria, Dionísio e Timóteo, na região do Vale

OnçaParda

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV / 200816

rem que a população deste animal está aumentando, mas a realidade é que o seu habitat está diminuindo e elas es-tão apenas procurando nova morada. “Muitas onças são expulsas pelos seus próprios pais porque estão ameaçan-do a área territorial deles”, diz.

Uma outra vertente do projeto diz respeito à conscientização das pessoas. “Quando soltamos uma onça parda no parque houve uma comoção da popu-lação da região. Os pais não deixavam os filhos saírem por causa disso, com medo de ataques”, relata o professor. Com toda essa repercussão, a equipe identificou a necessidade de iniciar um projeto de educação ambiental, com o objetivo de informar a comunidade.

Atualmente, os pesquisadores fa-zem um trabalho de visitação às escolas da região, instruindo não só as crianças, mas toda a população. São distribuídas cartilhas educativas e proferidas pa-lestras que abordam a importância da conservação do meio ambiente e da preservação dos animais. “Explicamos às pessoas que as onças só invadem o nosso espaço porque estamos aca-bando com o território delas, e que a última coisa que elas podem atacar são os seres humanos”, explica.

Segundo ele, o trabalho tem gerado ótimos resultados, e as crianças são as mais animadas e engajadas com a idéia. “Elas entenderam que são privilegia-das por viverem em uma região com uma mata tão boa e tão rica que tem até onça.”, diz. Como conseqüência do sucesso deste projeto, vários animais silvestres, como canarinhos, papagaios e maritacas, foram entregues para vol-tar ao seu habitat natural, incentivados principalmente pelas próprias crianças. Vitória da natureza.

do Aço. A área abriga a maior flores-ta tropical de Minas Gerais, com seus 36.970 hectares, e foi a primeira unida-de de conservação estadual criada em solo mineiro.

O trabalho de campo da equipe já dura seis meses. A primeira etapa do estudo foi a identificação dos animais e o mapeamento das áreas. Para isso, foram colocadas várias armadilhas fo-tográficas no parque, o que possibilita conhecer as regiões em que estão os animais e os tipos de presas de que se alimentam. “Pela armadilha fotográ-fica já identificamos alguns indivíduos e acreditamos ter cerca de nove animais bem estabelecidos no local”, afirma o pesquisador. Através do reconheci-mento das áreas, também foi possível inserir gaiolas de capturas em locais estratégicos do PERD. Presas vivas como galinhas são usadas para atrair as onças. Qu ando capturadas, elas recebem um rádio-colar. Esses colares possuem rádios transmissores que permitem rastrear os indivíduos e monitorá-los.

Foi montada no parque uma base onde os pesquisadores fazem o acom-panhamento dos animais durante todo o dia. A coleta de dados é constante. “Nosso objetivo é estudar como esses animais se comportam dentro de seu habitat, quais os elementos essenciais para sua sobrevivência e o reflexo dis-to em sua reprodução”, explica o pro-fessor. A idéia básica é montar um ban-co com informações necessárias para

Equipe da UFV em campo: a pesquisa inclui a identificação dos animais, o mapeamento da área e a educação ambiental das comunidades

Projeto: Ecologia e conservação da onça parda (Puma concolor (linnaeus), 1771) no Parque Nacional Grande Sertão VeredasModalidade: Edital UniversalCoordenador: Tarcízio Antônio Rego de PaulaValor: R$ 17.752, 21

Juliana Saragá

evitar o processo de extinção.Outra linha de trabalho envolve

a análise da qualidade de sêmen dos indivíduos de vida livre em relação aos de cativeiro. “Quando uma po-pulação é isolada geograficamente e fica sujeita à uniformidade genética, vários fatores se aliam para desenca-dear o processo de extinção. Entre esses fatores está a diminuição da fertilidade, maior susceptibilidade a doenças e elevação da mortalidade infanto-juvenil”, enumera. Com essas avaliações será possível pontuar dife-renças e buscar justificativas.

Habitat ameaçadoA insuficiência de área preservada e

o desmatamento estão entre as princi-pais causas de extinção de animais. Só no grupo de mamíferos da fauna bra-sileira são mais de 60 espécies nessa condição. A legislação ambiental brasi-leira define que uma porcentagem das áreas particulares deve ser preservada como mata. “O que acontece é que muitos proprietários colocam o topo de morro como área preservada jus-tamente porque não são úteis para a agricultura. Esses locais não possuem as condições ideais para sobrevivência dos animais. Isto não é preservação da natureza!”, desabafa o pesquisador.

Nos últimos anos, como lembra o professor, ocorreram muitos relatos de onças encontradas em áreas resi-denciais. Isso leva as pessoas a pensa-

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Metalurgia

Tratamento térmico aplicado a ferro fundido é opção para aumentar competitividade da indústria siderúrgica nacional

O tratamento térmico altera as características das peças de ferro fundido nodular e torna o material mais resistente.

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Há cerca de 15 anos, o ADI (Aus-tempered Ductile Iron) ou ferro fundi-do nodular austemperado era pratica-mente um desconhecido no mercado nacional de metalurgia. Os estudos sobre o material no mundo começa-ram por volta de 1960 e na década seguinte foram feitos os primeiros experimentos da sua aplicação por países como Estados Unidos e Alema-nha. Entretanto, ainda no começo dos anos 1990, o Brasil permanecia alheio às potencialidades desse produto, ca-paz de competir de maneira vantajosa com materiais clássicos como o aço forjado, o ferro fundido tradicional e as ligas de alumínio.

Foi por uma questão de estratégia que o então coordenador do núcleo de pesquisas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Itaúna, no Centro-Oeste de Minas, José Felipe Dias, se interessou pelo material. “Vi em revistas internacionais e acreditei que poderia ser interessan-te. E havia a questão estratégica, pois se as empresas nos procurassem e não tivéssemos informações a respeito se-ria uma falha”, lembra. Desde 1993, Dias, que hoje é professor da Faculda-de de Engenharia da Universidade de Itaúna, integra um grupo que estuda o ADI e procura divulgar as suas aplica-ções e possibilidades para a indústria nacional, especialmente a mineira.

O ferro fundido nodular austempe-rado é obtido a partir de um tratamen-to térmico aplicado ao ferro fundido nodular, material amplamente conhe-cido e utilizado desde a 2ª Guerra Mundial. A peça é produzida (fundida) e aquecida em condições controladas, o que melhora as suas propriedades mecânicas, como a resistência, a tra-ção, comportamento à fadiga (gasto provocado pelo uso), entre outras. O resultado é um material tão resistente quanto o aço e que consome, em sua produção, menos energia.

Ao lado do ferro fundido comum, conhecido como cinzento, o ferro no-dular sem o tratamento térmico é um dos mais usuais produzidos pelas fun-dições mineiras. De acordo com Dias, o tratamento térmico pode agregar valor ao produto oferecido por estas empresas. “Ao ser descoberto, o ferro

fundido nodular austemperado come-çou a concorrer com o aço. Parte da indústria automobilística, por exemplo, está trocando o aço forjado por este material, que é mais barato, mais fácil de fabricar e possui propriedades me-lhores para algumas aplicações”, justi-fica o pesquisador.

Entre outros aspectos, uma das grandes diferenças entre o ferro no-dular e o aço é o teor de carbono, que altera as propriedades mecânicas e a maneira de o produto se solidificar. Densidade e algumas características microestruturais também diferem. O aço pode ser trabalhado, laminado, enquanto o ferro fundido, inclusive o austemperado, ganha a forma de-sejada na hora da fabricação da peça, com a confecção do molde – o que traz vantagens, principalmente no caso de componentes mais complexos. Já a usinagem (acabamento com a ferra-menta de corte) pode ser feita antes ou depois e é facilitada no ferro fundi-do pela presença da grafita, que ajuda na lubrificação.

CompetitividadeNa indústria automobilística, o

ADI vem sendo utilizado com êxito na substituição de componentes como o eixo de manivelas ou virabrequim e engrenagens. Agricultura, mineração e construção civil são outras áreas que já fazem uso do material, que pode ser usado em peças de alta resistência e também naquelas que desgastam mui-to. “Quanto mais pesquisas e dados surgem, mais confiança o produto ad-quire no mercado, por isso é impor-tante divulgá-lo”, conta Dias.

“Como estamos em uma região metalúrgica o maior risco é fabricar a peça, enviar para fora do Brasil e de-pois readquiri-la com valor agregado. É isso que queremos evitar”, alerta. Um dos focos do trabalho desenvolvido é mostrar para as fundições e empresas mineiras de tratamento térmico que, unidas, elas podem vender um produ-to com maior valor agregado, usando a tecnologia que está disponível.

Paralelamente, é feito um traba-lho com as indústrias de ramos que podem usar o material. Após o de-senvolvimento de vários estudos que

Ferro nodular: No ferro fundido nodular, a grafita (carbono livre existente dentro da estrutura) está na forma de nódulos, diferentemente do ferro fundido cin-zento, encontrado nas grades de casas, peças fundidas antigas, base de máqui-nas, em que o carbono se apresenta em forma de lamelas. O ferro cinzento tem grande aplicação, mas não tem resistên-cia elevada como a do aço. Já o nodular ou com grafita esferoidal tem resistência semelhante à do aço.

José Felipe Dias participou da produção de um livro sobre o ADI, já em 1993, com a preocupação de repassar informações para a língua portuguesa e facilitar a adoção do método.

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possibilitaram adquirir a experiência necessária na aplicação do processo, o grupo passou a incentivar as empresas a trocarem as peças, utilizando o ferro nodular austemperado. “Procuramos possíveis parceiros para propor tra-balhos e muitos também nos procu-ram”, diz o pesquisador. Ele acrescenta que a parceria com o Senai ajudou a introduzir o processo na região, pois a instituição possui o laboratório de tratamento térmico e a fundição, onde são feitas as peças experimentais que a empresa testa antes de produzir em maior escala.

O grupo de pesquisa do qual José Felipe faz parte conta com parceria entre a Universidade de Itaúna, o Cen-tro Tecnológico de Fundição (Cetef) do Senai Itaúna e a Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG), além do apoio das empresas e da FAPEMIG, como órgão de fomento. Na busca por mais conhecimento em relação ao ADI, os pesquisadores já produziram diversos artigos para congressos, duas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado.

Resistência à fadigaEntender e aprimorar o método de

austêmpera foi um dos trabalhos a que eles se dedicaram. O tratamento já era usado desde 1930 no aço e apenas 40

Máquina para teste de fadiga, na Escola de Engenharia da UFMG, simula o comportamento da peça.

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Limite de resistência (MPa) 800-1600

Limite de escoamento a 0,2% (MPa) 500-1500

Alongamento (%) 1-16

Módulo de elasticidade longitudinal (GPa) 150x162

Dureza (Brinell) 150x550

Limite de resist~encia à fadiga (MPa)* 310x690*

Resistência ao impacto (J/cm²) 25-170

* 690 MPa pode ser obtido por endurecimento localizado.

Propriedades mecânicas do ADI, obtidas à temperaturas ambientes

(Compilado por CARMO e DIAS, 2001)

anos depois passou a ser testado em ferro fundido nodular. “Tudo é uma questão de temperatura e de manter os átomos e a estrutura atômica em uma determinada forma”, explica o pesquisador.

A peça fundida, a 25º, é aqueci-da em um forno a aproximadamente 900º, onde fica por cerca de 1h ou 2h, provocando um rearranjo dos átomos de ferro, em uma forma de estrutura atômica denominada austenido. Quan-do isto acontece, o componente é co-locado em um forno entre 270º e 400º, com um sal industrial líquido, resfrian-do rapidamente a esta temperatura. Ele permanece neste local durante um período que varia de 30 minutos até 4h. Este processo proporciona trans-formações que irão dar ao material as características desejadas, sendo que a temperatura de tratamento da peça varia de acordo com a situação em que ela será empregada.

A partir da lida constante com o material, surgiu a idéia de reduzir o tempo de austêmpera, contrariando as sugestões da bibliografia existente, de que esta diminuição poderia acarretar problemas no acabamento. “Já conhe-cendo o material internamente, a hi-pótese era reduzir o tratamento tér-mico e ganhar em alguma coisa”, conta Dias. Ele testou o tratamento de 1h30, a 360º e o de 30 minutos. O resultado foi que o material não perdeu em nada e ficou 50% mais resistente à fadiga.

O novo procedimento, que foi tema da tese de doutorado do pes-quisadro, rendeu diversas vantagens

na produção. Do ponto de vista am-biental, houve economia de energia, já que o forno fica menos tempo ligado. Economicamente, o forno desocupado por mais tempo pode produzir três vezes mais, além da vantagem técni-ca de não perder nada e ainda ganhar 50% na resistência.

Os testes de fadiga são feitos em uma máquina que simula o comporta-mento da peça, submetendo-a a mo-vimentos repetitivos. O equipamento possibilitou uma comparação do com-portamento do material produzido a 1h30 com aquele fabricado em 30 minutos, atestando o sucesso da ex-periência quanto à resistência. Como continuidade do trabalho, está em an-damento uma dissertação de mestrado que irá avaliar se houve alguma perda na hora finalizar o material, por exem-plo, no acabamento com a ferramenta de corte. “O teste final ficará pronto em 2009. Acreditamos que não have-rá problemas, mas precisamos provar para divulgar mais o material”, adianta o professor.

Perspectivas "A pesquisa realizada demonstrou

que o ADI é um material com notáveis propriedades mecânicas que o colo-cam como alternativa potencialmente vantajosa a materiais tradicionalmente usados na indústria automobilística e de máquinas e equipamentos, como aço forjado e ligas de alumínio", reafir-ma o professor do Departamento de Engenharia de Estruturas da UFMG, Gabriel Ribeiro, orientador do traba-

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lho de doutorado desenvolvido por José Felipe Dias. "Tendo em vista o parque de fundição instalado em Minas, a divulgação destes resulta-dos é extremamente importante, pois o aumento da utilização do ADI poderá trazer grande impacto econômico e social para o nosso Estado", destaca.

Embora ainda não existam da-dos sobre a produção específica de ferro fundido nodular austempera-do no Brasil, os pesquisadores acre-ditam no grande potencial do país para produzir o material, já que as fundições brasileiras produzem fer-ro fundido nodular convencional de qualidade. O panorama seria favorá-vel para as fundições mineiras, que contribuem com 25% da produção de ferro fundido nodular nacional.

"Se uma indústria automobilísti-ca do país, por exemplo, começar a usá-lo em grande escala, o ADI des-lancha", avalia Dias. Nos EUA, esse setor já é responsável por 20% a 30% do consumo do produto. "Na constante busca por materiais cada vez mais leves e resistentes, o ca-minho natural é que elas cheguem ao ferro fundido nodular austem-perado, que possui elevada relação peso x resistência", prevê, ressaltan-do, uma vez mais, a necessidade de preparar as fundições brasileiras e torná-las mais competitivas frente a essa oportunidade.

Virgínia Fonseca

Palavra-chave

FAPEMIG - O desafioMario Neto Borges*

Momentos de transição são também momentos de

avaliação. A presidência e a diretoria científica da Fun-dação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG mudam de mãos e começam vida nova neste ano novo. A renovação e alternância na gestão pública são desejáveis e necessárias, pois apresentam sempre novas perspectivas, oxigenam e criam novas expectativas na instituição. Fica sempre o desafio de melhorar. Mas, no caso da FAPEMIG, melhorar o que? Que desafio é esse?

A Instituição e o Estado só têm o que comemorar no campo da ciência, tecnologia e inovação. Os dois úl-

timos anos foram de significativo sucesso, pois, pela primeira vez na história de sua existência, a Fundação recebeu e executou - em 2007 e 2008 - os orçamentos previstos na Constituição Mineira, correspondentes a 1% das receitas líquidas. Os recursos aplicados pelo Estado serviram como atração para outros investimentos de fontes diversas, como agências federais, órgãos internacionais e da iniciativa privada. Vale lembrar que além do orçamento integral, a FAPEMIG conquistou, também, através de Lei específica, uma nova estrutura administrativa que a leva à condição de desempenhar as atividades de uma Agência plena de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).

Os números recentes são expressivos e, mais importante, permitiram que nossa Fundação atendesse melhor a comunidade científica e tecnológica mineira, não só aportando maior volume de recursos para os programas tradicionalmente existentes, mas, também, pela inclusão de novos progra-mas. Permitiram ainda que, em articulação com a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, os programas prioritários para Minas Gerais - com foco em tecnologia e inovação - pudessem receber recursos importantes da FAPEMIG via seu julgamento e aprovação.

O orçamento executado em 2008 atinge a cifra de R$ 240 milhões, o que significa um crescimento, em relação à 2003, de aproximadamente 10 vezes, ou seja, significativos 1000%. Outro dado que chama a atenção é que só os recursos investidos em 2007 e 2008 já somam R$ 420 milhões contra R$ 509 milhões desde sua criação, em 1986, até 2006. Pode-se então dizer, com outras palavras, que 45% dos recursos investidos em toda a história da FAPEMIG foram feitos nos dois últimos anos – após a aplicação plena do dispositivo constitucional.

Essas conquistas colocaram Minas Gerais em lugar de destaque no cená-rio nacional de CT&I. Merece aplauso, então, a decisão corajosa e inteligente do Governo Aécio Neves em fazer valer, de fato e de direito, o dispositivo constitucional relativo ao orçamento, e garantir o arcabouço legal através de um conjunto de leis que regulamentam as ações avançadas de ciência, tecnologia e inovação, que estão em vigor no Estado – especialmente a Lei Mineira de Inovação e o Fundo de Incentivo à Inovação (FIIT).

Portanto, o desafio é, por um lado, consolidar e aperfeiçoar essas con-quistas e transformá-las em pilares fundamentais para se garantir o desen-volvimento econômico e social pleno para Minas Gerais. E, por outro, garan-tir que elas sejam irreversíveis.

*Presidente da FAPEMIG

Projeto: Estudo do comportamento a fadiga de elementos estruturais e de máquinas em Ferro Fundido Nodular Austemperado (ADI) sujeitos a carregamentos de amplitude variável Modalidade: Edital UniversalCoordenador: Gabriel de Oliveira Ribeiro Valor: R$ 88.982,17

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Lembra dessa?

Grupo avança nas pesquisas com nanotubos de carbono

Prof. Marcos Pimenta, da UFMG.

O pote de vidro guarda milhões de nanotubos de carbono, material promissor que possui diversas aplicações.

Os nanotubos de carbono inte-gram uma linha de pesquisa dentro da nanotecnologia. No início da déca-da de 1990, no Japão, cientistas con-seguiram pela primeira vez sintetizar, em laboratório, cilindros nanoscópios de átomos de carbono, com diâmetro aproximado de um nanômetro, ou seja, um bilionésimo do metro. Para se ter uma idéia dessas dimensões, um fio de cabelo tem aproximadamente 50 mil nanômetros de diâmetro.

A tendência de se produzir com-ponentes eletrônicos cada vez mais sofisticados e principalmente meno-res, a fim de substituir o silício, base da eletrônica atual, fez com que estu-diosos da área se aprofundassem nas pesquisas deste material promissor. Os nanotubos revelam propriedades peculiares, sendo extremamente resis-tentes – muito mais do que o aço – e muito leves. Quanto às propriedades eletrônicas, podem ser metálicos (con-dutores de eletricidade) ou semicon-dutores, dependendo da forma como os átomos estão dispostos. Estas ca-racterísticas possibilitam a construção de dispositivos eletrônicos com pro-porções mínimas.

No Brasil, pesquisadores do De-partamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vêm estudando este material desde 1998. O projeto foi tema de uma reporta-

gem na edição nº 22 da Minas Faz Ci-ência, publicada em 2005. Desde então, o grupo obteve grandes avanços nas pesquisas, além de obter reconheci-mento nacional e mundial. Um exem-plo disso é que a equipe, coordenada pelo professor Marcos Pimenta, foi convidada a organizar o evento inter-nacional mais importante da área: Na-notube 07 - Conferência Internacional sobre pesquisa e aplicação de Nanotu-bos de Carbono.

O encontro foi realizado na cida-de de Ouro Preto, em junho de 2007, e reuniu cerca de 400 pesquisadores brasileiros e estrangeiros, entre eles os principais nomes da pesquisa nes-sa área. “O fato de nos escolherem para organizar a Conferência é uma demonstração de que nosso trabalho tem tido impacto internacional.”, co-memora Pimenta.

Outro avanço foi a consolidação da Rede Nacional de Pesquisa “Nanotu-bos de carbono: ciência e aplicações”, composta por 41 pesquisadores dou-tores de 14 instituições sediadas em oito diferentes estados do Brasil. En-tre os integrantes desta rede, a maior equipe e com produção mais significa-tiva é a mineira, com um total de 50 pessoas envolvidas, incluindo pesqui-sadores e estudantes. Um dos princi-pais focos da Rede é produzir nano-tubos de carbono no país. Devido a sua importância estratégica, o Brasil enfrenta dificuldades para importá-lo de outros países, como, por exemplo, dos Estados Unidos.

Nos últimos anos, o grupo da UFMG também vem trabalhado para aprimorar o processo de produção de nanotubos. De lá pra cá, obtiveram dois grandes avanços. Um deles foi o desempenho na produção do material em larga escala, e o outro, o de melho-rar sua qualidade. “Conseguimos fazer amostras mais puras do que em alguns anos atrás”, afirma o professor. Na época da reportagem, um dos objeti-vos da equipe era fornecer o material

para outros grupos do país. Hoje isso é uma realidade graças a estes aper-feiçoamentos do processo produtivo. “Pesquisadores da nossa equipe forne-cem amostras para colaboração cientí-fica e também já estão vendendo para algumas empresas que têm interesse em desenvolver produtos”, conta.

Pimenta destaca que todo este progresso só é possível quando se tem uma ciência básica forte. A equipe também faz trabalhos desse tipo e tem sido convidada para apresentações em congressos fora do país. A perspectiva é continuar trabalhando no aperfei-çoamento das técnicas produtivas e montar uma planta de fabricação de nanotubos em larga escala. Além disso, membros da equipe estão trabalhan-do na confecção de diferentes tipos de dispositivos tecnológicos usando os nanotubos. “O passo seguinte se-ria transferir essa tecnologia para as empresas até chegarmos a ponto de encontrar estes dispositivos nas prate-leiras das lojas”, planeja o professor.

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Agricultura

O que é da pesquisao bicho não come

O bicho-mineiro do cafeeiro ainda é responsável por prejuízos significativos às lavouras

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Estudo desenvolvido no sul de Minas busca alternativa para controlar o bicho-mineiro do cafeeiro

do homem,

O bicho-mineiro do cafeeiro é uma das principais pragas da cultura cafeeira nos principais países produ-tores, especialmente o Brasil, países da América Central e do leste africa-no. Os danos causados pelos insetos, freqüentemente muito elevados, se devem à diminuição da fotossíntese, uma vez que as folhas têm a super-fície lesionada: durante a fase larval, essa praga penetra no parênquima das folhas para se alimentar, formando galerias denominadas de “minas” - daí

o nome do bicho. Com isso, as folhas caem prematuramente, prejudicando a produção de frutos.

Hoje, o controle é realizado por meio de inseticidas sintéticos que geralmente causam contaminação ambiental, desequilíbrios biológicos e intoxicação do aplicador, além de pro-vocar o aparecimento de populações resistentes desse inseto-praga. Por esse motivo, órgãos de fomento têm incentivado a pesquisa de técnicas al-ternativas, como estudos biotecnoló-gicos e de resistência de plantas. Entre as vantagens dessas técnicas destacam-se a redução dos custos de produção e dos riscos de poluição ambiental.

Diversas pesquisas procuram transformar o cafeeiro num dos raros exemplos de espécie perene com re-sistência múltipla a insetos, doenças e nematóides. Na Universidade Federal de Lavras (Ufla), localizada no sul de Minas Gerais, região que figura entre as principais produtoras de café no Brasil, a pesquisa “Digestão do bicho-mineiro do cafeeiro - Leucoptera coffe-ella (Guérin-Méneville, 1842) (Lepi-doptera: Lyonetiidae) e purificação de um inibidor de tripsina encontrado em mamona (Ricinus comunis)” apontou uma forma de controle do inseto por meio do uso de agentes inibidores de suas enzimas digestivas.

De acordo com o agrônomo e pesquisador, Custódio Santos, coor-denador do trabalho, a praga pode ser controlada de diversas formas, e todas elas devem ser levadas em con-sideração na implantação de progra-

mas de manejo integrado de pragas, visto que nenhum método de con-trole, isoladamente, pode assegurar 100% de eficiência.

As principais formas de controle são a biológica e a química. O sistema biológico engloba os predadores natu-rais (vespas da ordem Hymenoptera), parasitóides (microhimenópteros) e microrganismos entomopatogênicos. Esses inimigos, em condições favorá-veis, podem reduzir o ataque da praga em aproximadamente 70%. O contro-le químico é feito com a recomenda-ção de que o inseticida seja aplicado quando a porcentagem de folhas ata-cadas, nos terços médio e superior do cafeeiro, for igual ou superior a 30% de folhas com minas intactas.

Entretanto, estudos a respeito da ocorrência, dispersão, mecanismos bioquímicos e associação com o uso de inseticidas têm demonstrado a ocorrência de populações do bicho-mineiro do cafeeiro resistentes a pes-ticidas, principalmente, a alguns inse-ticidas organofosforados largamente utilizados. As conseqüências são apli-cações mais freqüentes ou o aumento da dosagem do produto, o que afeta negativamente as populações de ini-migos naturais dessa praga. Eventual-mente, acontece a substituição do in-seticida, devido a sua perda de eficácia, por um novo produto freqüentemente mais caro e que também pode afetar a entomofauna benéfica.

O manejo da resistência de po-pulações do bicho-mineiro do cafeei-ro a inseticidas tem se tornado uma importante necessidade dentro de um programa de manejo de pragas da cul-tura cafeeira. A utilização de cultivares resistentes é a forma mais adequada e barata de controle e existem pes-quisas com esse objetivo no Brasil, mas ainda não existem cultivares co-

O que é da pesquisao bicho não come

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da molécula do inibidor de tripsina e pesquisando as possíveis rotas meta-bólicas de sua síntese, além da possibi-lidade de utilizar seus genes para mo-dificar o cafeeiro. Um outro projeto de mestrado investigará o uso da torta de mamona, obtida como subproduto da produção de biodiesel.

merciais que produzam uma bebida de qualidade com essa característica genética. “Diante desse quadro, a pro-cura por novos métodos de controle segue continuamente, uma vez que as pragas estão também em contínua adaptação aos processos naturais que ocorrem nos agroecossistemas”, ex-plica o pesquisador.

A descobertaSantos explica que a investigação

sobre a inibição da digestão do inseto surgiu durante o doutorado realiza-do na Universidade de São Paulo, em 1985, que descrevia especificamente a digestão de lepidópteros, em especial do mandarová da mandioca, Erinnyis ello (Linnaeus, 1758). Os ovos da mari-posa foram coletados, periodicamente, em cultivos de mandioca, mantidos na Universidade Federal de Lavras e leva-dos para a USP. “Houve enorme difi-culdade em encontrar folhas de man-dioca na cidade de São Paulo e uma alternativa foi utilizar as folhas de ma-mona, que pertencem à mesma família botânica da mandioca”.

Ele conta que uma das grandes

constatações foi observar que os es-pécimes não se desenvolviam bem em folhas de mamona, necessitando de mais de 40 dias para puparem, além de apresentaram altos níveis de mortali-dade. “Para se ter uma idéia, quando alimentadas com folhas de mandioca, as lagartas se transformavam em pu-pas em aproximadamente 13 dias”, ex-plica Santos.

O doutorado na USP foi concluído com a utilização de uma outra planta, mas, retornando a Lavras, o pesqui-sador iniciou os estudos para tentar explicar por que as lagartas do manda-rová da mandioca não se desenvolviam bem quando alimentadas com folhas de mamona. “Os estudos prelimina-res demonstraram que os extratos de mamona apresentavam um inibidor de tripsina de lepidópteros, molécula muito comum em plantas, associada com a resistência a pragas e patóge-nos”, explica. Quando as pesquisas se intensificaram, em 1998, o mandarová da mandioca já não era considerado uma praga tão relevante e foi feita a opção de se estudar o bicho-mineiro.

“A princípio, pensávamos que ha-via um inibidor protéico, comum em plantas. Isso poderia ser promissor para estudos de modificação genética em plantas. Mas, descobrimos que se trata de um inibidor não protéico. No laboratório, procuramos identificar a estrutura química do inibidor de trip-sina, associado com testes in vivo de lagartas na presença do inibidor, nas várias fases de sua purificação”, relata Santos.

Paralelamente à purificação e iden-tificação do inibidor, os pesquisadores também vêm realizando estudos a res-peito de aspectos biológicos de lagar-tas que atacam cartucho do milho. Os estudos ainda estão em fase de labora-tório e projetos futuros incluem a rea-lização de experimentos em campo.

As pesquisas para o controle do bicho-mineiro do cafeeiro têm colabo-rado para o treinamento e a formação de novos pesquisadores na área. Uma dissertação de mestrado já foi conclu-ída, outra será finalizada em fevereiro de 2009 e dois novos alunos começa-rão o doutorado em 2009, dando con-tinuidade ao trabalho de identificação

Projeto: Digestão do bicho mineiro do cafeeeiro - Leucoptera coffella (Guerin-Meneville 1842) (Leupdoptera lyonetiidae) e purificação de um inibidor de tripsina encontrado em mamona (Ricinus comunis)Modalidade: Edital UniversalCoordenador: Custódio Donizete dos SantosValor: R$32.927,00

O ataque

O bicho-mineiro do cafeeiro é uma praga chave na cafeicultura, causando prejuízos, no estado de Minas Gerais, da ordem de 50% de redução da produção em con-seqüência da desfolha que causa nas plantas. Ele ocorre em todo o Brasil, com destaque para Minas Gerais, por ser a principal região produtora do país. Em sua fase jovem é uma pequena lagarta de coloração amarela-esverdeada, e, juntamente com a broca-do-café - Hypothenemus hampei, são as prin-cipais pragas do cafeeiro.

Os danos causados nas folhas causam diminuição da fotossíntese, resultando em queda de produção. Como conseqüência há menor formação dos botões florais nos meses de setembro e outubro e menor frutificação das plantas. A época de ocorrência da praga tem diferido entre as principais regiões cafeeiras, ocorrendo ainda varia-ções numa mesma região. Porém, de modo geral, esta tem sido mais intensa nos períodos mais secos do ano.

Letícia Orlandi

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Pesquisadores desenvolvem janelas que prometem diminuir o uso de eletricidade com ar-condicionado e aquecedores

Consumo sustentável

JanelasInteligentes

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Imagine poder manter a temperatura do ambiente fres-ca durante o verão e aquecida durante o inverno gastan-do pouquíssima energia elétrica e, além disso, contribuir com o meio ambiente. Em breve, isso será possível graças a pesquisadores da Fundação Centro Tecnológico de Mi-nas Gerais (Cetec). Em parceria com a Companhia Ener-gética de Minas Gerais (Cemig), o Cetec criou um Núcleo de Materiais Solares (NMS), coordenado pelo pesquisador José Roberto Tavares Branco. Eles estudam, entre outros temas, as chamadas Janelas Inteligentes, dotadas de disposi-tivos que permitem regular a transmissão de luz e calor em ambientes fechados. A técnica poderá reduzir o consumo de energia com iluminação, ar-condicionado, aquecedores e ventiladores, em casa ou no trabalho.

Quando ligada à energia elétrica, a janela controla a lu-minosidade e impede que algumas freqüências do espectro eletromagnético, como os raios infravermelhos, entrem no local. O produto foi criado aplicando-se conhecimentos re-lacionados ao fenômeno do eletrocromismo, caracterizado pela mudança reversível de cor de alguns materiais quando submetidos a uma tensão elétrica.

O pesquisador do NMS, Reinaldo Trindade Proença, ex-plica que a janela é desenvolvida a partir do recobrimento do vidro por filmes finos condutores. O vidro trabalha com uma modulação óptica, que irá barrar ou não a radiação infravermelha, responsável pelo calor em excesso nos am-bientes. O controle da janela é feito por uma fonte de ten-são de baixa potência. Estima-se que o seu consumo seja em torno de três watts, similar ao de um carregador de celular.

“O consumo de energia da Janela Inteligente é muito baixo e, diante da economia que irá gerar, pode-se dizer que é insignificante”, diz Proença. Ele lembra, ainda, que um ambiente confortável termicamente pode aumentar a pro-dutividade das pessoas. Todos esses fatores fazem do equi-pamento um atrativo para edificações comerciais. “Com a utilização da Janela Inteligente, será possível diminuir a demanda de energia durante o dia. O principal benefício do produto está ligado ao setor elétrico e à melhoria de efici-ência energética em iluminação e conforto ambiental, prin-cipalmente em edificações públicas e comerciais”, avalia.

O processo

As Janelas Inteligentes permitem que a iluminação so-lar penetre no ambiente, mas controlando-se a entrada do calor. No Laboratório de Tratamento de Superfícies sobre Vácuo do Cetec é realizado todo o processo de recobri-mento da janela, o chamado magnetron sputtering reativo. Esse processo consiste na utilização de uma placa de metal, que será bombardeada por um gás ionizado, chamado plas-ma. O plasma é confinado à região de trabalho por campo magnético gerados pelos imãs, fazendo com que os íons se choquem com a placa que contém a matéria-prima de inte-resse. A partir daí, ocorre a retirada de átomos deste alvo, que reage com o oxigênio contido no plasma, resultando na deposição de filmes eletrocrômicos sobre um vidro com superfície condutora.

Porta-amostras do Reator Magnetron Sputtering abriga peças recobertas por filmes eletrocrômicos.

Modelos didáticos, como o visto acima, foram concebidos para facilitar a compreensão do funcionamento do dispositivo.

O pesquisador explica que estão sendo estudadas alter-nativas para a produção de filmes finos eletrocrômicos e condutores. Atualmente, o óxido de tungstênio é o material mais empregado neste tipo de dispositivo, mas há interesse também em óxido de titânio e de nióbio, metais que têm menor custo e são abundantes no Brasil. Embora esse tipo de janela já seja utilizado na Europa e nos Estados Unidos, os estudos realizados no Brasil ainda estão em fase de de-senvolvimento e o Cetec é uma das instituições à frente das pesquisas dessa tecnologia no país.

Os primeiros trabalhos tiveram início há quatro anos, com estudos para o desenvolvimento de filmes finos. Esses filmes seriam utilizados na montagem de um protótipo de Janela Inteligente. Nele estavam envolvidos os pesquisado-res do Cetec e uma equipe da Cemig, coordenada pela en-genheira Antônia Sônia Diniz. A idéia do projeto nasceu de conversas entre o pesquisador José Roberto Tavares Branco e Sônia que, durante seu doutorado, estudou materiais para aplicações solares e, na Cemig, conduziu o projeto Aborda-

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Cristina MereuO pesquisador Reinaldo Proença manuseia amostra com filme fino produzido em um dos reatores do laboratório.

O coordenador do projeto, José Roberto Tavares Branco (centro), orienta equipe de pesquisadores. Da esquerda para direita: Gislene Custódio , André Tannus, José Roberto, Regis, Adriano Menezes e Reinaldo Proença.

gem Integrada de Eficiência Energética e Fontes Renováveis de Energia, onde esses primeiros trabalhos foram realizados.

Nessa época, a Fundação foi convidada a participar do projeto em função dos bons resultados que obteve em ou-tro programa de Pesquisa e Desenvolvimento com a Cemig. “No trabalho ‘Abordagem Integrada de Eficiência Energética e Fontes Renováveis de Energia’ desenvolvemos um dos sub-projetos que tinha como objetivo estudar materiais eletro-crômicos para Janelas Inteligentes”, explica Proença.

Em uma primeira fase da pesquisa foram produzidos alguns protótipos de aproximadamente 2 cm x 2 cm. O dispositivo funcionou, sendo necessário desenvolver novos filmes para se conseguir maior uniformidade. Na seqüên-cia espera-se conduzir um novo trabalho em três ciclos de aprendizado, buscando-se combinar planejamento fatorial de experimentos para o desenvolvimento de filmes e de dispositivos, caracterização, análise de resultado e definição de próximos passos. Serão utilizados processos físicos e químicos para a deposição de filmes, técnicas eletroquímicas e de espectroscopia de massa e óptica para a caracterização

de plasma durante deposições, bem como técnicas variadas para a caracterização química, eletroquímica, estrutural e de propriedades dos filmes.

Após essa etapa, a análise de resultados irá determinar relações entre composição, estrutura e variáveis de depo-sição de filmes, assim como relações entre composição, estrutura e propriedades ou desempenho eletrocrômico dos filmes. “Consideramos satisfatórios os resultados ob-tidos até o momento e sabemos que há possibilidades de melhora”, analisa o pesquisador.

Expectativas

“A expectativa é desenvolver um protótipo de maior área, com 10 cm x 10 cm, e também conseguir a diminuição de seu custo para então pensar na transferência de tec-nologia para uma empresa interessada em uma produção em escala industrial”, afirma Proença. Já existem projetos de edificações no Brasil que estão considerando o seu uso. No entanto, o alto preço do produto importado preocupa ar-quitetos e clientes. “Em contrapartida, o valor que se econo-mizará em energia irá tornar esses produtos mais atrativos nos próximos anos”.

Os pesquisadores ainda não chegaram à etapa de nego-ciação para utilizar o aparelho em escala comercial, mas o assunto é visto com otimismo pela equipe por se tratar de um equipamento que pode gerar economia financeira de grande valor, além de ser ecologicamente eficaz. Atualmente, como as empresas estão em constante preocupação com sua responsabilidade social, as Janelas Inteligentes podem se tornar importantes aliadas no ambiente organizacional.

A pesquisa e desenvolvimento de filmes finos para Jane-las Inteligentes devem prosseguir com o objetivo de produ-zir dispositivos de maior área e também de menor custo, segundo Proença. A equipe pretende produzir um novo dis-positivo de área superior a 4cm2 até abril de 2009. Após esse período, as janelas poderão, enfim, estar disponíveis para venda no mercado. O pesquisador Reinaldo Proença conta que, em 2006, a equipe respondeu a um edital de Pes-quisa e Desenvolvimento da Cemig/Aneel em que acredita haver grande possibilidade de aprovação, o que irá estender a pesquisa da janela eletrocrômica por mais quatro anos.

A equipe também busca participar de eventos relacio-nados à área de pesquisa. Por meio do Programa de Capaci-tação de Recursos Humanos (PCRH) do Cetec, que conta com apoio financeiro da FAPEMIG, a equipe tem recebido contribuições relevantes de vários pesquisadores de Minas, de outros estados brasileiros e também de outros países. A mais recente visita foi da especialista em dispositivos ele-trocrômicos, Agnieszka Joanna Pawlicka Maule, pesquisado-ra da USP. “Em outros cursos do PCRH tivemos oportuni-dade de desenvolver novas competências para o projeto. Todos esses apoios contribuem para que estejamos sempre adquirindo novos conhecimentos que poderão ser aplica-dos futuramente na pesquisa”, ressalta Proença.

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Divulgação científica

Trabalhos vencedores do Prêmio Francisco Magalhães Gomes se destacam por ensinar e, ao mesmo tempo, despertar o fascínio pelas ciências

Ciênciatodospara

Fto: Arquivo Renato Las Casas

29MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008

Por que a astronomia desperta tan-to fascínio nos seres humanos? Será porque nos remete às questões trans-cendentais - "De onde vim?", "Para onde vou?" - ou porque ela sempre existiu em nossos sonhos de criança? Afinal, quem nunca sonhou em ser um astronauta e viajar universo afora? O certo é que a população tem cada vez mais interesse em conhecer essa ciên-cia. Isto é o que vem demonstrando o trabalho do professor e astrofísico, Renato Las Casas, que desde 1990 co-ordena um ativo programa de ensino e divulgação científica, no observatório Frei Rosário, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O projeto envolve diversas ações de populari-zação da astronomia, que lhe rende-ram no ano passado o primeiro lugar no VI Prêmio de divulgação científica Francisco de Assis Magalhães Gomes. Promovido pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais (Sectes-MG), com apoio da FA-PEMIG, o prêmio contempla pesquisa-dores que se destacaram na divulgação da Ciência e da Tecnologia, levando o conhecimento e a importância do fa-zer científico para a população.

“Astronomia é a principal porta de entrada para ciência, seja para crian-ças ou adultos”, afirma o professor. Ele ressalta a importância da premiação como um grande incentivo, e reconhe-

Renato Las Casas, vencedor do prêmio de divulgação científica Francisco Magalhães Gomes: astronomia em linguagem simples, atrativa e dinâmica

ce o investimento do governo do esta-do nesta área nos últimos quatro anos. “Estamos numa fase de maioridade da divulgação científica”, diz. Las Casas, que também atribuiu a premiação à importância do trabalho em equipe, da qual fazem parte os professores Túlio Jorge dos Santos; Carlos Heitor D’Ávilla Fonseca; Fernando Augusto Batista; Beatriz Alvarenga; Bernardo Riedel e mais recentemente, os pro-fessores Domingos Sávio de Lima Soa-res e Alaor Silvério Chaves.

O Observatório Astronômico da UFMG foi fundado em novembro de 1971 como o primeiro e mais mo-derno do Brasil. Antes dele só haviam antigos telescópios refratores instala-dos em nosso país. Atualmente, o Frei Rosário é o segundo maior observa-tório brasileiro, sendo referência esta-dual e nacional nessa área. As ativida-des de divulgação científica do grupo ganharam força com os recursos do programa “Popularização da ciência e tecnologia – Apoio à difusão e popula-rização de C&T”, da FAPEMIG. O pro-jeto teve início em 2004 e desde então teve muitos avanços. Com o financia-mento, o observatório pôde adquirir vários equipamentos que melhoraram a qualidade do ensino e modernizaram a estrutura do local.

“O telescópio binocular foi um dos itens mais importantes, pois é o

maior aparelho desse tipo fabricado em série no mundo”, afirma Las Casas. O equipamento funciona como dois telescópios, cada um com 150 milíme-tros de abertura, o que proporciona várias vantagens, entre elas a facilidade de observação. Além desta caracterís-tica, o telescópio também dá a idéia de tridimensionalidade, ou seja, quan-do olharmos para a lua, por exemplo, não enxergaremos um corpo chato no céu, mas sim uma esfera. “Compramos também um conjunto de oculares, que são lentes fundamentais para a qualida-de da imagem. Além disso, adquirimos projetores multimídias para as aulas expositivas no observatório e para as itinerâncias”, descreve o professor.

O Frei Rosário está estrategica-mente localizado na Serra da Piedade, um dos picos mais elevados da cordi-lheira do Espinhaço, com altitude de 1.783 metros, no município de Caeté, a 50 quilômetros de Belo Horizon-te. O local é aberto ao público, sem necessidade de agendamento prévio, no primeiro sábado de cada mês e em eventos especiais como eclipses e chuva de estrelas cadentes. Além disto, são preparadas programações espe-cíficas, como, por exemplo, o projeto “Olhar Maduro”, que possui atividades voltadas para o público acima de 60 anos. No período escolar são atendi-das duas escolas por dia, em dois dias da semana, uma do ensino fundamental e outra do ensino médio. O interesse é tão grande que, assim que o agenda-mento é aberto, as visitações já ficam programadas para o ano todo.

A divulgação das atividades do grupo é feita através da página do ob-servatório www.observatorio.ufmg.br que, segundo Las Casas, é um dos sites de ciência em língua portuguesa mais acessados do país. Os visitantes já chegam a 400 mil, desde sua criação, em 1998. Na página é possível nave-gar no universo astronômico através de diversos assuntos, como eclipses, galáxias, planetas. O visitante também pode entender como funcionam os telescópios, saber como está o mapa do céu no mês, enfim, mergulhar nes-ta ciência que tanto atrai os olhos humanos.

Além do site, o grupo tem uma co-luna semanal no Portal Uai, a “Olhar Longe”, no ar desde agosto de 2007.

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Nela, a ciência astronômica é aborda-da em uma linguagem simples, atrativa e dinâmica, voltada para todos os tipos de público. Mensalmente o Portal Uai faz uma estatística das quatro colunas mais lidas, e a “Olhar Longe” está sem-pre neste ranking. “Já teve mês em que as quatro colunas mais lidas foram as nossas!”, conta o professor com entu-siasmo. Segundo ele, o interesse dos

leitores é muito grande. “Eles enviam e-mails, vão ao observatório e comen-tam os assuntos dos artigos”, diz.

Em todos os cantosde Minas

Uma das partes principais do pro-jeto de popularização científica do grupo são as itinerâncias. A idéia é de-mocratizar a ciência e levar o conhe-cimento a todos os cantos de Minas, atingindo principalmente as pessoas que não têm acesso a ela. Em dez anos de trabalho, a equipe já viajou para quase todas as cidades mineiras, e, por três vezes, foram para fora do Estado, nas cidades de Manaus e Palmas.

“As itinerâncias são um verdadeiro sucesso, e vão deslanchar ainda mais com a chegada do Astrocar”, conta o professor com animação. O Astrocar é um veículo adquirido com recursos do projeto para facilitar as viagens do grupo. “Antes o carro tinha que fazer várias viagens para levar os equipamen-tos e o pessoal. Além disso, o trans-porte era por conta da cidade, o que limitava o número de locais visitados, pois as cidades menores não têm mui-tos recursos” afirma. A van vai permi-tir um maior conforto para o grupo e o deslocamento adequado dos equipa-mentos. “Quando chegarmos ao local, já estaremos prontos para o trabalho. Além disso, o Astrocar chama bastante atenção da criançada!”, anima-se.

Um dos projetos mais importantes em itinerâncias é o “Quarta Crescen-te”, que acontece nas quartas-feiras das semanas de lua crescente. Nos

dois últimos anos, o programa foi re-alizado no Parque Ecológico da Pam-pulha. No local são disponibilizados telescópios e binóculos de última ge-ração, para observações orientadas de estrelas, planetas, constelações e ou-tros corpos celestes. Também é mon-tado um planetário, que é basicamente um equipamento que projeta um céu artificial em um anteparo, permitindo a visualização de planetas e estrelas como vistos de qualquer ponto so-bre a superfície da Terra. As visitas são orientadas de hora em hora, com prioridade para os alunos das escolas da cidade. Também são oferecidas pa-lestras voltadas para o público em ge-ral, e algumas específicas, dirigidas aos professores das escolas municipais, es-taduais e particulares.

Resultados e perspectivasO professor Las Casas acredita

que o trabalho do grupo tem contri-buído para estimular o interesse cien-tífico na população. “Há vários anos os professores das escolas que visitamos nos acompanham e levam seus alunos ao observatório, o que prova que nos-so trabalho tem sido importante para o ensino da ciência.”, diz.

Um grande projeto do grupo é a criação de um planetário para Belo Horizonte. Agora, o ideal está se tor-nando realidade. O planetário vai fazer parte do Circuito Cultural da Praça da Liberdade e será inaugurado no inicio deste ano, onde funcionava a reitoria da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg). O local vai funcionar nos moldes do observatório, com atividades para o público em geral e para as escolas sem a necessidade de agendamento prévio. “Há alguns anos temos feito uma pesquisa sobre o en-sino de astronomia em Minas Gerais, e o planetário vai nos ajudar a colher dados para alimentar essa investiga-ção”, declara o professor.

Também com recursos da FAPE-MIG o Observatório Astronômico do Museu de História Natural do Jardim Botânico da UFMG está sendo recu-perado. “O local estava abandonado há mais de 15 anos. Com os recursos, já conseguimos recuperar a cúpula e agora estamos encerrando a recupe-

Todo primeiro sábado do mês, o Observatório abre as portas para o público em geral observar o céu

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que mostra um céu artificial, simulado. As pessoas que quiserem ver o céu na-tural poderão ir ao Frei Rosário, onde ficam os melhores equipamentos. Para o professor, as perspectivas para o fu-turo são as melhores. “A partir deste ano chegaremos bem próximo do que achamos que seria o melhor que po-deríamos fazer”, orgulha-se.

31MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008

Astronomia no BrasilO Brasil não tem grandes observatórios, mas possui uma astronomia muita avançada e competitiva. O país tem

buscado novos caminhos de desenvolvimento através de cooperações internacionais, adotando a política de não co-locar grandes telescópios em território nacional, mas investir em equipamentos fora do país, principalmente no Chile. “Isso acontece porque o relevo e clima nacionais não são os ideais para a astronomia observacional. A região do país que combina os melhores elementos é justamente Minas, e é por isso que os maiores observatórios brasileiros estão localizados aqui”, explica Las Casas.

O equipamento localizado no Chile é o Telescópio SOAR (SOuthern Astrophysical Research - em português: Observatório do Sul para Pesquisas Astrofísicas). Inaugurado em abril de 2004, foi um grande passo da astronomia brasileira. O telescópio tem abertura de 4,2 metros, projetado para produzir imagens de qualidade melhor que as de qualquer outro observatório do mundo em sua categoria. O telescópio e sua cúpula esférica branca estão localizados a algumas centenas de metros do seu vizinho, o telescópio Gemini Sul com espelho de 8,1 metros de diâmetro, de onde se pode avistar o Observatório de Cerro Tololo.

Juliana Saragá

“Nos dias de hoje, preci-samos muito de um público informado que possa entender os objetivos da ciência e incor-

porá-la em seu planejamento de vida e no seu ativismo político”. Esta con-clusão é do pesquisador Sérgio Pena, geneticista e professor da UFMG. Pena foi o segundo colocado no prêmio Francisco Magalhães Gomes. Ele concorreu com a coluna Deriva Genética, publicada no site Ciência Hoje. “A coluna tem sido muito bem sucedida, inclusive por medidas de acesso. Uma delas chegou a ter mais de 18 mil visitas nas duas semanas após a publicação”, comemora.

A Deriva Genética está no ar desde fevereiro de 2006. Nela, são abordados temas sobre ciências da vida, especialmente genética e evo-

lução, em uma linguagem clara e atrativa. As colunas, que já passam de 30, são publicadas mensalmente na segunda sexta-feira de cada mês. Pena afirma que aceitou o convite para criar a coluna online por dois motivos. Primeiro porque a Ciência Hoje é uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciên-cia (SBPC), organização sem fins lu-crativos que tem a missão promover a ciência no Brasil. A segunda razão é por acreditar que esta nova mídia lhe proporcionaria a oportunidade de expressar ao público geral o seu encanto com as ciências biológicas e as suas relações com as artes e as humanidades.

Segundo dados fornecidos pelo UOL, provedor que hospeda o site Ciência Hoje, a coluna que recebeu maior número de visitas foi a intitu-lada "Mendel: o anti-herói". Publicada em março de 2007, ela foi acessada mais de 17 mil vezes nas duas se-

manas após a sua publicação. Outra medida do sucesso da Deriva Gené-tica são as centenas de mensagens recebidas de leitores por correio eletrônico. São e-mails de alunos pré-universitários, estudantes de vários cursos, jornalistas, arquitetos, filósofos, médicos, músicos e econo-mistas, o que demonstra sua ampla gama de leitores.

“A excelente acolhida da Deriva Genética pelo público brasileiro é uma demonstração que temos uma população "ligada" em ciência e in-teressada em entendê-la.” No início de 2007, as quatorze colunas publi-cadas entre fevereiro de 2006 e abril de 2007 foram reunidas em um livro intitulado “À Flor da Pele: Reflexões de um Geneticista”, editado pela Casa Editorial Vieira & Lent, do Rio de Janeiro. A expectativa de Pena é, além de continuar com a coluna, publicar uma segunda coletânea no início de 2009.

Coluna sobre genética ajuda a informar e desmistificar o tema

Ciência Online

Projeto: Divulgação científica pelo grupo de astronomia da UFMG - Astrocar e PlanetarãoModalidade: Edital 10/07 - Popularização da CiênciaCoordenador: Renato Las CasasValor: R$ 149.117,00

ração do telescópio”, conta. A equipe de Las Casas está cheia

de planos para 2009. A idéia é continu-ar o trabalho de divulgação científica com as itinerâncias, que terão eficá-cia ainda maior com o Astrocar. Além disso, o trabalho será ampliado com a inauguração do planetário, na Praça da Liberdade. A estratégia será trabalhar com o grande público no planetário,

Prof. Sérgio Pena, autor da coluna Deriva Genética

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Paleontologia

O gigantede UberabaFóssil de nova espécie de dinossauro dá pistas sobre a vida na Terra há 65 milhões de anos

Peirópolis, pequeno bairro ru-ral de Uberaba, no Triângulo Mineiro, não pára de surpreender. As frequen-tes descobertas realizadas na região transformaram o local em um dos maiores e mais importantes sítios pa-leontológicos da América do Sul. Des-ta vez, pesquisadores mineiros e ca-riocas retiraram do solo um dos mais relevantes achados da área no Brasil: fósseis que ajudaram a identificar uma nova espécie de dinossauro, a maior já descrita no país.

O Uberabatitan ribeiroi viveu no fim do período Cretáceo, entre 70 e 65 milhões de anos. Ele pertence ao grupo dos titanossauros, animais que caracterizavam-se por ter pescoços e caudas longos, crânios pequenos, patas colunares como as de um elefante e

dieta herbívora. A espécie podia atingir de 15 a 20 metros de comprimento, 3,5 metros de altura e 12 a 16 tone-ladas de peso. Suas proporções expli-cam o nome: Uberabatitan significa “o gigante de Uberaba”.

Já ribeiroi é uma homenagem a Luiz Carlos Borges Ribeiro, responsável pelo Centro Paleontológico Price e Museu dos Dinossauros de Peirópolis, pelos trabalhos ligados à educação e pesquisa. Ele participou dos trabalhos que culminaram na descoberta da nova espécie. “Esse achado representa um marco para a paleontologia brasi-leira. Foram quatro anos de trabalho a partir do primeiro achado, que envol-veu uma equipe de mais de 10 pessoas, entre pesquisadores, técnicos e cola-boradores”.

De acordo com Ribeiro, a desco-berta é de grande valor porque, entre outros, permite realizar estudos sobre hábitos e habitats de espécies extintas. Dois artigos foram produzidos pela equipe e publicados em revistas cien-tíficas internacionais, entre elas a Pale-ontology, da Inglaterra, a mais antiga pu-blicação no gênero. “É preciso mostrar

que também existem pesquisas paleon-tológicas importantes no Brasil. Até en-tão, a maioria dos exemplos utilizados em livros e escolas são de outros paí-ses. O achado eleva o nome do Estado e do país para a comunidade científica internacional”, ressalta o pesquisador.

Réplica

Os fósseis foram encontrados em 2004, às margens da rodovida BR-050, que liga Uberaba a Uberlândia, na loca-lidade conhecida como Serra da Galga. Foram necessários três anos para re-tirar, manualmente, todo o material, o que significou a remoção de cerca de 300 toneladas de rocha. “Foi a maior escavação paleontológica já realizada no Brasil”, destaca Ribeiro. Como re-sultado, a equipe reuniu 298 fósseis e conseguiu identificar 198 deles.

Os ossos identificados per-tenciam a quatro indivíduos: três da mesma espécie, Uberabatitan ribeiroi, sendo um pequeno, um médio e um de grande porte; e um de espécie dife-rente, identificado como um abelissau-ro, dinossauro terópode (carnívoro), bípede, que atingia até seis metros de

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de Uberaba

comprimento e quatro toneladas de peso. Apesar de fósseis de abelissauros já terem sido encontrados em outros locais, esse foi o primeiro registro na região de Uberaba.

Dois anos foram gastos na cons-trução da réplica do Uberabatitan. Para tanto, foram utilizados 37 fós-seis, pertencentes ao indivíduo de porte mediano. As peças restantes foram confeccionadas com polímero plástico, a partir de uma modelagem digital. O paleoartista Carlos Scarpini coordenou a equipe responsável por esse trabalho. “As maiores dificuldades

Crédito: Rodolfo Nogueira

Reconstituição do Uberabatitan ribeiroi

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foram as grandes dimensões e o peso das peças”, lembra.

O abelissauro encontrado também ganhou um holótipo (representação). Os dois foram apresentados ao públi-co no mês de setembro do ano passa-do, na Casa da Ciência da UFRJ, no Rio de Janeiro. As réplicas permaneceram no local até o fim da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia quando, então, seguiram para o Museu dos Dinossau-ros, em Uberaba, onde podem ser visi-tadas pelo público.

Ambiente Os fósseis e o próprio local onde fo-

ram encontrados são ponto de partida para diversas investigações. Um exem-plo são estudos sobre biomecânica.

Pelas boas condições em que as peças foram encontradas, é possível pesquisar os modos de locomoção, alimentação e interação com o meio ambiente da es-pécie. O próprio fato de duas espécies diferentes terem sido encontradas jun-tas (o Uberabatitan e o abelissauro) já é intrigante. Os pesquisadores supõem que se tratava de uma tanatocenose, ou “assembléia de morte”, associada a al-gum evento catastrófico.

O professor Ismar de Souza Car-valho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, assinou junto com o pale-ontólogo Leonardo Salgado, da Uni-versidade Nacional de Comahue, de Buenos Aires, Argentina, o artigo com a identificação da espécie. Ele chama atenção para as possibilidades de es-tudo a respeito do ambiente em que esses animais viviam. “As rochas sem-pre têm algo a nos dizer”, brinca. O Uberabatitan foi encontrado no limite entre estratos rochosos do período Cretácio e do período Terciário. Isto indica que foi um dos últimos dinos-sauros a viver no planeta.

A análise da rocha onde os fósseis foram localizados indica, ainda, uma sa-zonalidade climática naquela época: cli-mas quentes e áridos alternados com períodos de chuvas torrenciais. “Isso ajuda a compreender a transformação do cenário, a alternância dos ciclos da

vida com sucessões de secas e grandes enxurradas. Pelos detalhes na rocha, também é possível deduzir a presença de planícies de inundação e rios efê-meros na região”, diz. Para o professor, o estudo dessas mudanças climáticas pode ajudar a compreender o desa-parecimento de inúmeros animais e plantas da Terra em um determinado período de nossa história.

“Essa formação rochosa, com de-pósitos do período Cretáceo e Terci-ário visíveis, é uma chave talvez mais importante que o próprio dinossau-ro”, arrisca dizer. Carvalho explica que só existe mais um local no Brasil onde é possível essa observação, a Pedreira Poti, localizada em Pernambuco. No entanto, o afloramento pernambuca-no encontra-se em rochas marinhas. “Em Peirópolis, a área está em terra. A intenção é, agora, trabalhar em cima disso, estudar o que ocorreu nesse ambiente e qual a participação das grandes mudanças climáticas na extin-ção dos dinossauros”.

DiversidadeLuiz Carlos Ribeiro acredita que

muitas descobertas ainda estão para ser feitas em Uberaba. A cidade está localizada sobre uma bacia sedimen-tar, chamada Bacia Bauru (veja quadro). Como as rochas sedimentares são as mais propícias a abrigar fósseis, é pro-

Tíbula e fíbula articulados (acima) e vértebra foram alguns dos ossos encontrados que permitiram a identificação da nova espécie.

Réplica do Uberabatitan, exposta na Casa da Ciência, no Rio de Janeiro. Atualmente, ela pode ser visitada no Museu dos Dinossauros, em Uberaba.

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Os fósseis são restos ou vestígios de animais e vegetais que viveram em tempos pas-sados e ficaram preservados nas rochas. Algumas condi-ções especiais são necessárias para que eles se formem: o rá-pido soterramento, a ausência de bactérias e pouco oxigênio são fatores que evitam a de-composição da matéria orgâ-nica. As partes duras, como conchas, dentes, ossos e tron-cos de vegetais, são as partes mais facilmente preservadas.

A quase totalidade dos fósseis existentes foram en-contrados nas rochas sedi-mentares. Esse tipo de rocha é formada pela deposição e consolidação de sedimentos. Ao se solidificarem, eles pro-tegem evidências de vida há milhões de anos. A cidade de Uberaba e os municípios vizi-nhos estão localizados sobre uma ampla bacia sedimental, a Bacia Bauru. Daí a quantidade e diversidade de fósseis en-contrados na região, especial-mente em Peiropólis.

As primeiras descobertas foram realizadas em 1945, quando fragmentos de ossos de um dinossauro da família dos titanossauros foram en-contrados próximos à Estação de Mangabeira, a 20 quilôme-tros ao norte de Uberaba. O sítio de Peirópolis possui cin-co pontos principais de coleta e uma extensão de 6 km2. A maior parte dos achados rea-lizados até hoje se concentra no Ponto 1 – Price. Apenas nele, foram encontrados cerca de dois mil espécimes fósseis, o que o torna referência para pesquisadores de fósseis ver-tebrados de todo o mundo.

(Fonte: Uberaba – na rota dos dinossauros)

Vestígios antigos

Equipe trabalha na reconstituição das peças.

vável que achados importantes continuem a aparecer.

Entre os fósseis inéditos já apresentados estão o Uberabasuchus terrificus, um crocodilo terrestre que media cerca de 2,5 metros de comprimento e pesava 300 quilos. Diferen-te dos crocodilos que conhecemos, as patas do animal eram mais longas e posicionadas abaixo do corpo, o que garantia maior velo-cidade para a caçada. Além de constituir um novo gênero e espécie, o animal corrobora a teoria de antigas conexões terrestres entre a América do Sul e África via Antártica (uma matéria sobre a descoberta foi publicada na Minas Faz Ciência nº 22).

Outra descoberta importante foi a pe-quena Cambremys langertoni. A tartaruga de apenas 25 centímetros de comprimento foi encontrada em bom estado de conservação: tudo indica que, após morrer, o animal foi soterrado pela lama com a carapaça virada, permitindo que quase 90% de seu esquele-to fosse preservado. Estudos mostram que a espécie não seria tipicamente aquática ou estritamente terrestre, mas teria o hábito de caminhar no fundo de rios e lagos, confirman-do que, apesar do clima semi-árido da região na época, existiam corpos de água na região de Uberaba.

Todos eles fazem parte da coleção do Mu-seu dos Dinossauros, que já se tornou refe-rência na área. Graças às suas atividades, os fósseis ganharam em Uberaba uma nova apli-cação e valor, sendo considerados elementos essenciais na revitalização sócioeconômica e cultural da região. “O turismo paleontológico, hoje, é a principal atividade econômica deste bairro de Uberaba, oportunizando qualidade de vida a seus moradores. Isso demonstra que a pesquisa paleontológica é um elo entre a ciência e a comunidade porque estimula o aspecto lúdico das pessoas, facilitando a disse-minação dos conhecimentos científicos gera-dos a partir da pesquisa”, conclui Ribeiro.

Vanessa Fagundes

Projeto: O Cretácio em UberabaModalidade: Auxílio EspecialCoordenador: Luiz Carlos Borges RibeiroValor: R$17.595,00

Projeto: Fortalecimento e popularização do Museu dos DinossaurosModalidade: Edital 10/07 - Popularização da CiênciaCoordenador: Vicente de Paula Antunes TeixeiraValor: R$ 104.180,00

Serra da Galga, local da escavação: a equipe removeu cerca de 300 toneladas de rocha e encontrou 298 fósseis, dos quais 198 foram identificados.

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Saúde

O pesquisador Davidson de Lima, da UFMG, aponta a

necessidade de se levar uma vida saudável e ativa

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Doenças provocadas por fatores como sedentarismo, fumo, consumo excessivo de álcool e alimentação inadequada são a principal causa de morte no Brasil. Esta é a conclusão do levantamento "Saúde Brasil 2007", divulgado pelo Ministério da Saúde em novembro do ano passado. O traba-lho, uma análise dos registros do Sis-tema de Informações de Mortalidade (SIM) de 2005, mostra que o grupo das doenças do aparelho circulató-rio - infartos, derrames, diabetes e hipertensão, entre outras - represen-ta 32,2% do total de mortes no país. O câncer aparece em segundo lugar na lista (16,7%), seguido de causas ex-ternas, como violência e acidentes de trânsito (14,5%) e doenças do apare-lho respiratório (11,1%).

Estudo sobre fatores de risco associados ao infarto corrobora idéia de que o Brasil convive simultaneamente com doenças típicas de países ricos e pobres

Entre as doenças do aparelho cir-culatório, o Acidente Vascular Cerebral (AVC), também chamado de derrame, é o principal vilão: representa 10% de todas as mortes registradas naquele ano. Em segundo lugar está a chamada doença isquêmica do coração, princi-palmente o infarto do miocárdio, que foi a causa de 9,4% do total de regis-tros. Esses dados, recentes, fazem par-te de um esforço nacional para desen-volvimento de pesquisas que reflitam genuinamente a realidade brasileira. Boa parte dos tratamentos e políticas de saúde são feitos, muitas vezes, sem números colhidos junto à população local, ou seja, com importação de in-formações de estudos desenvolvidos em outros países. Pesquisadores de Minas Gerais estão atentos a essa ne-cessidade.

Um estudo pioneiro no Brasil, re-alizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), abordou os fatores de ris-co para Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e sua relação entre a população diabética e não diabética. A tese de doutorado do endocrinologista e pro-fessor, Davidson Pires de Lima, aponta justamente a necessidade de se levar uma vida saudável, com grande desta-que para as atividades físicas.

Diabéticos têm três vezes mais possibilidades de sofrer um infarto do que pessoas não diabéticas, e mais: se andar de ônibus, um diabético tem menos chances de ter infarto do que outro que anda de carro. Outros fa-tores de risco são tabagismo, pressão alta, colesterol alto e estresse. Foram avaliadas 200 pessoas que haviam so-frido um único infarto agudo do mio-cárdio. Também foram entrevistados 80 diabéticos que não haviam sofrido essa doença cardíaca. "Este foi o pri-meiro estudo mineiro sobre fatores de risco para o infarto. Nem sempre as constatações feitas na literatura in-ternacional podem ser aplicadas. Mas nesta avaliação confirmamos esses da-dos e identificamos as principais causas do problema cardíaco na população da capital", explica o professor.

Segundo Lima, a relação entre dia-betes e infarto é ainda mais estreita do que se esperava. A pesquisa reve-

lou que entre os diabéticos do grupo, 22,4% teve o diagnóstico da doença na vigência do infarto. "Muitos já tinham a doença e não sabiam, mas grande parte desenvolveu o diabetes durante o infarto", esclarece o médico. Além disso, quase a metade (44,8%) dos pacientes diabéticos no seu primeiro episódio de infarto agudo do miocár-dio teve seu diagnóstico no último ano que antecedeu o IAM.

O estudo revelou ainda que, entre a amostra da população pesquisada, houve um valor mediano de cintura abdominal (medida clínica da resis-tência tissular à ação da insulina) de 93,5cm, tanto para os homens como para mulheres. Este valor é sugerido como referência para o diagnóstico da síndrome metabólica. Além disso, juntando os pacientes já portadores de diabetes mellitus com aqueles que apresentavam distúrbio metabólico (glicemia em jejum entre 110 e 126 mg/dL, caracterizada como intolerân-cia à glicemia de jejum, mas ainda não caracterizada como diabetes) chegou-se a conclusão de que 40% de todos os pacientes infartados apresentaram um distúrbio glicometabólico.

Os valores de HDL-C (hipertex-to) reduzidos (menores que 40m/dL), LDL-C (hipertexto) (menores que 86 mg/dL), e triglicérides elevados (maio-res do que 173 mg/dL) apareceram vinculados aos pacientes diabéticos que infartaram e que, por sua vez, usaram o automóvel como meio mais freqüente de transporte urbano. Não houve associação ao infarto agudo das variáveis que mediram o estado psicológico ou emocional. O tabagis-mo, presente ou passado, revelou-se significativamente vinculado ao infarto entre diabéticos. O uso regular de es-tatinas (hipertexto), a atividade física regular e o uso de ônibus, ou caminhar a pé, revelaram-se fatores de proteção, depois de ajustados para todas as vari-áveis qualitativas.

MetodologiaDe acordo com o endocrinolo-

gista, os estudos sobre os fatores de risco pertinentes à realidade e à popu-lação brasileira são raros. Na maioria das vezes, existe apenas a participação

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brasileira em estudos internacionais. “E os países em desenvolvimento es-tão apresentando um quadro de en-fermidades que exige muita atenção – as doenças típicas do subdesenvol-vimento permanecem importantes, mas convivem com as doenças antes consideradas exclusivas dos chamados países ricos”, explica o professor.

A pesquisa realizada na região me-tropolitana de Belo Horizonte reu-niu características como baixo custo e descrição adequada à realidade da região, fornecendo um material rico para atuação, inclusive, de políticas pú-blicas. “Uma pesquisa de prevalência destes fatores de risco convencionais e de alguns emergentes, executado em pacientes da região metropolitana de Belo Horizonte, pode ser uma refe-rência para outras regiões de Minas Gerais”, afirma o professor.

O trabalho englobou três estudos. O primeiro procurou estimar a preva-lência de diabetes mellitus em pacien-tes acometidos de seu primeiro epi-sódio de infarto agudo do miocárdio, numa população residente na região metropolitana de Belo Horizonte, e avaliar o tempo de seu diagnóstico médico ou início do tratamento antes do episódio. Estimar a prevalência dos outros fatores de risco convencio-nais nesta população (distribuição por sexo, idade, história familiar, hiperten-são arterial, tabagismo e alto índice de colesterol); estimar a prevalência de fatores de risco emergentes, tais como a medida da cintura abdominal, condições psicológicas e emocionais,

e outras variáveis comportamentais; e estimar a prevalência de glicemia de jejum alterada.

O segundo tem como objetivo ava-liar a associação para diabetes mellitus entre os fatores de risco para infarto agudo do miocárdio, em pacientes no seu primeiro episódio de IAM. Além disso, o estudo procurou comparar a prevalência e estimar a associação de fatores de risco para IAM entre dia-béticos que sofreram seu primeiro infarto do miocárdio e infartados não diabéticos. Já o estudo três comparou a prevalência e estimou a associação de fatores de risco para IAM entre diabéticos que sofreram seu primeiro infarto do miocárdio e diabéticos não acometidos pelo IAM.

Os pacientes analisados foram ad-mitidos nas Unidades Coronarianas (UC) do Hospital Governador Israel Pinheiro (HGIP – Ipsemg) e da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizon-te, entre os anos de 2005 e 2006. Fo-ram realizadas avaliações também no Serviço Ambulatorial de Endocrinolo-gia do Hospital das Clínicas da UFMG entre 2006 e 2007. Na Santa Casa, a unidade Procordis é uma estrutura hospitalar especialmente criada pela gestão pública do SUS - BH para aten-dimento de clientes acometidos por doença cardiovascular aguda.

Os hospitais são referência para os funcionários públicos estaduais de Minas Gerais, e o segundo para a po-pulação metropolitana atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas recebe também clientes do sistema

suplementar. Os pacientes provinham do atendimento de urgência, após as intervenções iniciais de tratamento clínico e, em até 10 dias após o início dos sintomas agudos, eram examina-dos durante sua internação. O projeto de pesquisa foi aprovado e acompa-nhado pelos Comitês de Ética em Pes-quisa das três instituições. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todos os participantes.

Mobilidade e faixa etáriaEntre os pacientes avaliados pela

pesquisa mineira, 33% apresentavam tabagismo ativo, 33% já haviam fumado em algum período da vida, 60% apre-sentavam hipertensão arterial e 82% eram sedentários. A média de idade entre os homens ficou em torno dos 57 anos. Nas mulheres, subiu para 59 anos. Em países que já adotam medidas a fim de “protelar” o primeiro infarto, essa média de idade está em torno dos 70 anos. “Daí a importância de se implantar políticas públicas para uma faixa etária que corresponde ao auge da vida profissional dos cidadãos, mas que ainda não se encaixa na ‘terceira idade’”, explica o professor.

O sedentarismo chamou muito a atenção do pesquisador, que havia incluído questões sobre o meio de locomoção devido a constatações de pesquisa anteriores de que curtos períodos de atividade física podem causar resultados benéficos não so-mente nas medidas de pressão arterial como nas concentrações de lípides e de outras medidas metabólicas. Os

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Colesterol e EstatinasO colesterol total é formado por três componentes principais: o LDL colesterol (lipoproteinas de baixa densi-

dade), o VLDL colesterol (lipoproteinas de muito baixa densidade) e HDL colesterol (lipoproteinas de alta densida-de). Os dois primeiros componentes, o LDL e VLDL, seriam os responsáveis pelos efeitos deletérios do colesterol, agrupados como sendo o mau colesterol. Já o HDL é o responsável pelo transporte reverso do colesterol LDL, e tem a função de trazê-lo dos tecidos e levá-lo ao fígado onde será metabolizado. Daí ser um colesterol protetor, ou um “bom colesterol”.

As estatinas são um grupo de substâncias afins, denominadas lipoproteinas, empregadas em medicina para tratar os altos níveis de Colesterol, LDL-colesterol e VLDL-colesterol no sangue. As lipoproteinas são essenciais ao funcio-namento do organismo humano, mas o desequilíbrio em seus níveis sangüíneos pode ser prejudicial.

resultados mostraram que, enquanto a atividade física em casa ou no trabalho, categorizada como “pequena ativida-de” ou “atividade apreciável” já não mostrou significância na análise, ter o “automóvel como meio de transporte ou quase não sair de casa” esteve sig-nificativamente associado não somen-te à presença de diabetes mellitus no grupo de infartados, como ao infarto no grupo de diabéticos.

"Os pacientes que pegam ônibus ou têm habito de andar a pé se mo-vimentam mais, pois caminham pelo menos até o ponto. Coloca, em prática sua walkability, apesar das dificuldades enfrentadas no trânsito e na estrutura urbana. O ideal é que ó exercício seja feito de forma regular, mas algum tipo de atividade física, ainda que seja su-bir escadas ou caminhar até o ponto de ônibus, é melhor do que manter o sedentarismo. O importante é fazer algum tipo de movimento", alerta o pesquisador.

Walkability?A busca das razões para a falta de

aderência à prática de atividades físi-cas instiga vários pesquisadores a pro-curarem respostas para esta situação. Dentre estas pesquisas, investigam-se "como" ou "o quê" motiva as pesso-as a fazerem ou não qualquer tipo de atividade física. As condições ambien-tais apresentam importância relati-va na obtenção de um estilo de vida mais saudável. Diante disso, foi criado o conceito de walkability, ou seja, em tradução literal, habilidade de andar.

Alguns estudos recentes procuram medir o nível de walkability das cida-des, ou seja, o quão andável é a cida-de; ou o quão fácil é viver sem carro, mas não no sentido de pavimentação das ruas e calçadas e sim na idéia do volume e variedade de estabelecimen-tos básicos a uma "walking distance" – distância de caminhada, a exemplo do trajeto entre a residência e o ponto de ônibus. Uma pesquisa do Ministério

das Cidades em parceria com a Asso-ciação Nacional de Transportes Públi-cos – ANTP levantou dados sobre a mobilidade dos brasileiros, revelando que, para viagens diárias, 35% dos bra-sileiros caminham, 32% usam o trans-porte público, 28% o carro, 3% usam a bicicleta e 2% usam a motocicleta. Mas revelou também que em grande parte das cidades a travessia e a sinali-zação para pedestres raramente estão presentes.

Letícia Orlandi

Projeto: Avaliação da prevalência de hipertensão arterial e outros fatores de risco para doenças cardiovasculares em população maior de 20 anos em uma região de Belo Horizonte-MGModalidade: Edital UniversalCoordenador: Davidson Pires de LimaValor: R$9.862,00

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV / 200840

As bactérias são organismos unicelulares que, apesar de micros-cópicos, possuem capacidade de se multiplicar com rapidez e, quando patogênicas, podem causar doenças graves em animais e plantas. São os seres mais antigos e também os mais abundantes do planeta. Desde o sé-culo XIX, quando o médico alemão Robert Koch descobriu que alguns desses microrganismos específicos eram a causa de enfermidades como tuberculose e cólera, eles vêm sen-do continuamente estudados pela ciência. Mas, nos últimos anos, um gênero de bactérias tem despertado especial interesse e preocupação nos profissionais e autoridades da área de saúde no Brasil: as micobactérias, que além de estarem relacionadas a do-

Técnica empregada pela Funed é referência na identificação de microrganismos

Biologia molecular

Micobactériasenças como tuberculose e hanseníase, são agentes causadores de infecções pós-cirúrgicas.

Recentemente, a incidência de casos de infecções por bactérias do gênero Mycobacterium em procedi-mentos operatórios, que desde 2003 aumentou substancialmente no país, colocou em evidência a importância dos estudos e do desenvolvimento de metodologias de identificação desses mircrorganismos. Em Minas Gerais, a Fundação Ezequiel Dias (Funed), por meio do Serviço de Doenças Bacteria-nas e Fúngicas (SDBF), implantou, em janeiro de 2008, uma nova metodolo-gia, baseada em biologia molecular, que adiciona informação à identificação dessas bactérias.

A técnica de biologia molecular,

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008 41

O que são micobactérias

As bactérias do gênero Mycobacterium podem ser classificadas, con-forme sua capacidade de causar doenças no homem, como patogênicas (obrigatoriamente causam doença), potencialmente patogênicas (podem causar) e raramente patogênicas (nunca ou com extrema raridade oca-sionam enfermidade). Atualmente, são reconhecidas oficialmente 125 espécies e 11 subespécies. Dentre as mais conhecidas estão o Mycobac-terium tuberculosis e o Mycobacterium leprae.

As espécies de micobactérias são divididas em dois grupos. No pri-meiro, estão aquelas pertencentes ao Complexo M. tuberculosis e no se-gundo as Micobactérias Não Causadoras de Tuberculose (MNT), no qual se enquadram os microrganismos causadores de infecções hospitalares, as Micobactérias de Crescimento Rápido (MCR).

De maneira geral, as micobactérias encontram-se amplamente distri-buídas em diferentes ambientes, podendo estar presentes no ar, água e solo. O seu isolamento e identificação são possíveis por meio do cultivo de colônias em laboratório. A identificação baseia-se na utilização de provas bioquímicas e metodologias moleculares, sendo que esta segun-da técnica serve como um complemento na identificação, possibilitando maior diferenciação das espécies analisadas.

denominada PRA, reduz o tempo de realização e amplia a identificação de espécies e subespécies, dado impor-tante para a adoção de terapêutica adequada, já que as bactérias apresen-tam diferentes padrões de sensibilida-de às drogas. “A resistência a agentes químicos pode variar também até en-tre subespécies, o que justifica a rele-vância de se ampliar o horizonte dessa identificação”, explica a chefe do SDBF, a bióloga Marluce Assunção Oliveira.

Os métodos convencionais, chama-dos de identificação bioquímica pela análise fenotípica dos microrganismos, dependem do crescimento da bactéria em laboratório, em meios de cultivo específico, o que pode levar até 60 dias. Após a cultura, é realizada a clas-sificação com base nas características da cepa, como tempo de crescimento, morfologia, pigmentação da colônia e, por fim, são feitos os testes bioquími-cos, que podem durar de três a seis semanas. De acordo com os pesqui-sadores, essas técnicas permitem uma pequena margem de identificação de agente específico, levando um tempo considerável na sua execução. “Os re-sultados, neste caso, são limitados a espécies mais comuns e, algumas ve-zes, permitem a separação apenas por grupos”, explica a famacêutica-bioquí-mica, Simone Ribeiro, responsável pela implantação e padronização da técnica PRA na Funed.

Referência

Com o PRA, é possível obter mais precisão, em menor tempo. Após o crescimento do microrganismo, uma amostra o seu DNA é extraída e sub-metida à análise molecular, que permi-te revelar espécies por meio das carac-

terísticas genotípicas. Em sete dias é possível identificar até mesmo a subes-pécie da bactéria, o que antes não era possível. “O método molecular é uma ferramenta auxiliar para a identificação, contribuindo também para os estudos epidemiológicos das espécies de mico-bactérias presentes em Minas Gerais e até mesmo apontando novas espécies”, complementa Simone Ribeiro.

De acordo com o farmacêutico-bioquímico, José Cláudio Augusto, responsável pelo diagnóstico das mi-cobactérias no SDBF, com a técnica bioquímica é possível identificar apro-ximadamente 14 espécies. Em asso-ciação com a biologia molecular, esse número salta para mais de 100.

Para Marluce Assunção, a implan-tação de metodologia pela Funed é importante porque, reforça o papel da instituição – Laboratório Central do Estado – como referência estadual

na detecção e identificação de mico-bactérias, tanto aquelas causadoras especificamente da tuberculose quan-to as demais, inclusive as responsáveis por infecções hospitalares. Ela destaca que o emprego da biologia molecular permite a ampliação da identificação dessas bactérias, colaborando direta-mente para um tratamento específico e mais eficaz para o paciente.

Neste sentido, a adoção da técnica contribui também para as ações que vêm sendo adotadas no país com rela-ção ao controle de casos de infecções pós-cirúrgicas por micobactérias. Por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) todos os casos suspeitos devem ser notificados e imediatamente encaminhados para análise. O emprego da metodologia molecular torna o laboratório da Fu-ned o mais completo e preciso nesses diagnósticos em Minas Gerais.

Em todo o país, apenas três labo-ratórios aplicam o método além da Funed: o Instituto Adolfo Lutz (SP), o Laboratório Central de Saúde Públi-ca do Rio Grande do Sul (Lacen) e o Centro de Referência Professor Hélio Fraga, no Rio de Janeiro.

Marluce Assunção Oliveira, bióloga e chefe do Serviço de Doenças Bacterianas e Fúngicas da Funed

Virgínia Fonseca

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MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 200842

As micobactérias têm se destacado, atual-mente, como agentes causadores de infecções pós-cirúrgicas, constituindo uma questão de re-levância para as autoridades sanitárias e para a saúde pública. De 2003 até abril de 2008, foram notificados 2.102 casos de infecção por Mico-bactérias de Crescimento Rápido (MCR) no país. Há confirmação de ocorrências nos estados do Rio de Janeiro, Pará, Espírito Santo, Goiás, Para-ná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Distrito Federal, Minas Gerais, Piauí, Mato Gros-so do Sul, Bahia e Paraíba (veja mapa).

Um monitoramento permanente está sen-do feito pela Anvisa, que conduz, em articulação com o Ministério da Saúde, ações de controle, com participação das vigilâncias epidemiológicas e sanitárias dos estados e municípios. Alertas e informes técnicos abordando histórico de ocor-rências, aspectos epidemiológicos, critérios para diagnóstico clínico e laboratorial, tratamento, fatores de risco e medidas preventivas têm sido divulgados e estão disponíveis no site da Anvisa (www.anvisa.gov.br).

As infecções por MCR se manifestam após a realização de procedimentos invasivos, especial-mente videocirurgias, mas podem ocorrer tam-bém em lipoaspirações, colocação de implantes

ou próteses, entre outros. A contaminação está fortemente relacionada a falhas nos processos de limpeza, desinfecção e esterilização de equi-pamentos e produtos médicos – não há relatos de transmissão pessoa a pessoa.

Praticamente qualquer tecido ou órgão do corpo pode ser afetado, de acordo com a região em que foi realizado o procedimento cirúrgico. Há registros de infecções respiratórias, oftálmi-cas, cutâneas, subcutâneas, entre outras. Na pele, normalmente a infecção se manifesta por lesões próximas à incisão ou aparecimento de secreção na cicatriz. Geralmente não há febre e a queixa mais comum é o aparecimento da secreção no local da incisão. Em muitos casos, a lesão pode não ser restrita à pele, estando presente inter-namente em outras partes do trajeto cirúrgico. As primeiras manifestações da infecção podem surgir de duas semanas a até cerca de doze me-ses após o procedimento cirúrgico.

Dentre as Micobactérias Não Tuberculosas, as espécies M. massiliense, M. fortuitum, M. pere-grinum, M. chelonae e M. abscessus são classifi-cadas como MCR, sendo essas as principais res-ponsáveis pelos surtos de infecção notificados no Brasil. Para aplicação do tratamento adequa-do, a identificação das espécies é fundamental.

Infecções hospitalares por micobactérias são alvo de ações da Anvisa

(

Estados afetados por surtos de MCR, cumulativamente entre 2003 a 2008

Entre março e julho do ano corrente (2008) foram notificados casos suspeitos em Minas Gerais (03), São Paulo (01), Rondônia (01), Rio Grande do Sul (43) e Distrito Federal (09)Anvisa: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/hotsite_micobacteria/notificados.pdf

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Especial

Orçamento sete vezes maior, quadro de funcionários efetivos ampliado, maior número de programas, nova estrutura organizacional. Este é o resumo do quadro deixado por José Geraldo de Freitas Drumond ao encerrar seu segundo mandato na presidência da FAPEMIG. “Tudo isso é devido a uma série de fatores históricos, conjunturais, políticos. Não foi trabalho individual, foi um trabalho coletivo”, ressalta. Nesta entrevista, ele comenta as conquistas e o cenário vislumbrado para a FAPEMIG e a área de Ciência, Tecnologia e Inovação nos próximos anos.posi

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Qual foi o quadro encontrado ao assumir a presidência da FAPEMIG?

Em 2002, fui nomeado pelo gover-nador de então, Itamar Franco, para exercer o mandato. Eu já conhecia a situação da FAPEMIG porque perten-cia ao Conselho Curador. Assim, sabia os desafios aos quais estaria subme-tido, principalmente no que tange a questão orçamentária: até então, o Es-tado não só não havia cumprido com o mandamento constitucional de do-tar a FAPEMIG com 1% dos recursos orçamentários, como havia reduzido esses recursos. Quando assumi, esta situação era tão grave que muitos dos pedidos de financiamento a pesquisas, bolsas e eventos não eram atendidos. O que existia era a depreciação do nome da agência.

A partir da posse e da necessidade de reorganizar, do ponto de vista po-lítico, a própria instituição, houve uma união grande entre a comunidade cien-tífica, o Conselho Curador e a direção da FAPEMIG. Dessa forma, foi possível canalizar as demandas junto ao Estado, sensibilizando sobre a necessidade de repassar os recursos à FAPEMIG. Logo a seguir, veio a eleição do atual gover-nador e o choque de gestão, em 2003. O orçamento da FAPEMIG permane-cia em situação desnivelada, mas havia o comprometimento de que, tão logo as finanças do Estado se equilibrassem, o orçamento seria recomposto pro-gressivamente. No fim do primeiro mandato, em 2005, já estávamos muito próximos disso, o que veio a se con-cretizar em 2007.Além da conquista do 1%, quais momentos o senhor destaca nos seis anos de mandato?

A recuperação do orçamento é muito importante porque, se a Agência não tivesse recursos, não conseguiria desempenhar sua missão. Mas existem outras conquistas, como a interioriza-ção. Por ser oriundo do interior do Es-tado e ex-reitor de uma universidade pública estadual, conhecia as dificulda-des dessas instituições com relação à obtenção de recursos para pesquisas e formação de pesquisadores. Houve um olhar da FAPEMIG para o interior. Já estava havendo uma progressiva descentralização na composição das

câmaras de assessoramento. Hoje, a Fundação tem suas câmaras consti-tuídas por pesquisadores de todas as áreas e regiões do Estado, fato impor-tante porque evita a concentração de grupos ou idéias.

Outra grande conquista foi a mu-dança da atuação da FAPEMIG. Ela se abre para um horizonte mais amplo e estabelece metas, especialmente após o planejamento estratégico, realizado pela primeira vez há quatro anos. Com isso, deixa de ser apenas uma agência fomentadora para também ser uma ins-tituição indutora da pesquisa e do de-senvolvimento, ampliando sua atuação.

Outro fato é o apoio à proteção intelectual. A FAPEMIG incentiva, de modo pioneiro, a constituição de nú-cleos de apoio à proteção intelectual em instituições de ensino e pesquisa. Assim, é possível transformar conheci-mento em algo tecnológico ou inova-dor, que traga ganhos para quem o de-senvolveu, para sua instituição e para a própria FAPEMIG. Em longo prazo, isso poderá estabelecer uma nova fon-te de recursos, sem falar nas conseqü-ências para a sociedade.

Nesses últimos tempos, coinciden-temente os que passei aqui, a FAPE-MIG se destacou e hoje é considerada uma instituição modelo. Na área ad-ministrativa, vale ressaltar a realização do primeiro concurso público. Tam-bém podemos citar o apoio às institui-ções estaduais, por meio de projetos endogovernamentais ou especiais, e a Bolsa de Incentivo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico, espe-cífica para pesquisadores do Estado. É importante salientar que nenhum desses programas ou atividades teria êxito se não fosse o apoio do Conse-lho Curador.Diante de tudo isso, o senhor diria que está satisfeito com o quadro que deixa?

Muito. É preciso dizer que isso ocorre por uma série de fatores histó-ricos, conjunturais, políticos. Não é um trabalho individual, é um trabalho co-letivo e, do ponto de vista institucional, é importante ressaltar a harmonia da direção - presidência e duas diretorias -, que atuaram para transformar a FA-PEMIG na segunda FAP do país, conhe-cida e respeitada aqui e alhures. É im-portante também não só reconhecer,

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mas exaltar, a participação de todos os servidores da casa. Todos. Aqueles que saíram, aqueles que permanecem, os que vieram em razão do concurso, os que se aposentaram, para que nós chegássemos onde chegamos.

Além disso, não se pode esquecer do contexto político. É preciso salien-tar o apoio dos secretários de ciên-cia e tecnologia, desde o secretário Salustiano, passando pelos secretários Bilac Pinto e Paulo Kleber Pereira, até o atual secretário Alberto Portugal, que durante o nosso período atuaram. Também não podemos deixar de re-conhecer que nada teria sido feito se não fosse a decisão do Governo do Estado, através do governador Aécio Neves e do vice-governador Antonio Anastasia, de fazer essa Fundação fun-cionar de fato.O que o senhor espera que seja priorizado na gestão do novo presidente?

Creio que não haverá grandes mu-danças, a não ser, obviamente, pela for-ma de administrar. Há uma troca de comando, mas há uma continuidade administrativa. Essa foi uma solução que eu considero extraordinária. Ma-rio Neto Borges já demonstrou sua competência e capacidade na diretoria científica e agora, ascendendo à presi-dência, poderá continuar as políticas e programas. O Conselho Curador está funcionando de maneira harmônica. Então, não haverá mudança de rota. Haverá talvez incrementos, ampliação dos programas.

Quais sãos seus planos agora que não estará mais na presidência da FAPEMIG?

Tenho projetos pessoais de inser-ção em um grupo internacional de ética na pesquisa baseado na Universi-dade de Miami, considerado referência na área. Outro projeto é continuar es-crevendo nas áreas de ética, bioética e direito médico. Acredito que a experi-ência que pude amealhar na direção da FAPEMIG me desafiará a novos proje-tos. Eles são pessoais, mas também co-letivos, pois vou continuar discutindo a solidariedade e o progresso humanos a partir da reflexão sobre as implica-ções éticas e os abusos da tecnologia em relação à dignidade humana.

O novo presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges, já é conhecido dos funcionários e da comunidade científica. Desde 2004, ele atuava como diretor científico da Funda-ção e teve participação ativa em sua recuperação e fortalecimento. Ele foi nomeado pelo governador a partir de uma lista tríplice elabo-rada pelo Conselho Curador da Fundação.

O apoio do Conselho durante o processo de escolha do novo presidente é destacado por ele. “Agradeço a confiança ao indicar meu nome para compor a lista tríplice. De maneira especial, agradeço ao governador pela nomeação que muito me honra. Acredito que essas decisões sejam resultado do re-conhecimento da minha trajetória na FAPEMIG, onde, em um período de quatro anos, com dedicação, comprometimento e trabalho integrado entre a direção, o Conselho e a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, mudamos a história de forma irreversível.”

Mario Neto é graduado em Engenharia Elétrica pela PUC-MG (1978), mestre em Acionamentos Elétricos pela UFMG (1985) e doutor em Inteligência Artificial Aplicada à Educação pela Universidade de Huddersfield, na Inglaterra (1994). Já co-ordenou e executou diversos projetos de pesquisa aprovados e financiados por órgãos de fomento, lecionou em universida-des como a PUC Minas, a UFMG, e a UFSJ, de São João Del Rei, onde foi Reitor, de 1998 a 2004, e foi também responsável pela transformação da Instituição em Universidade.

Para substituí-lo no cargo de diretor científico foi escolhi-do José Policarpo Gonçalves de Abreu. Ex-membro da Câmara de Assessoramento de Arquitetura e Engenharias (TEC) da FAPEMIG, ele se tornou membro do Con-selho Curador da Fundação em 2004 e, em 2008, assumiu a presi-dência desse órgão. Abreu também foi escolhido a partir de uma lista

tríplice. Ele é graduado em Engenharia Elétrica pela Escola Fe-deral de Engenharia de Itajubá (1975), mestre em Ciências pela mesma escola (1980) e doutor em Ciências pela Universidade de Campinas (1991). O novo diretor científico realizou seu Pós-Doutorado no Worcester Polytechnic Institute (EUA), em 2000 e é coordenador do Grupo de Estudos em Qualidade da Energia (GQEE), da Unifei, desde a sua fundação.

Mudanças irreversíveis

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Pedagogia

Assim o dramaturgo Artur Azevedo definiu o teatro de revista em uma de suas peças, “A fantasia”, encenada em 1896. O teatro de revista foi, no entanto, bem mais que isso. Ele foi, acima da extravagância intencional, uma forma de di-fundir hábitos e costumes, oferecendo ao público um retra-to satirizado da realidade. Ao definir o teatro de revista de maneira tão descontraída, Artur Azevedo sequer imaginava que um dia esse polêmico gênero da dramaturgia serviria de base a estudos científicos. Um deles nasceu, recentemente, na cidade mineira de Barbacena, em um dos laboratórios da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg).

O professor Cláudio Guilarduci, que é coordenador do Laboratório do Brincar, da Uemg, e um dos líderes do Gru-po de Pesquisas em Artes Cênicas (Gpac), da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), desenvolveu um projeto de pesquisa que visa utilizar o teatro de revista como forma de identificar a realidade social. O estudo será conduzido pela tese do professor, com defesa prevista para abril de 2009. A pesquisa de Guilarduci contará com a participação de adolescentes integrantes da Companhia Teatral Elas x

“Pimenta sim, muita pimenta e quatro, ou cinco, ou seis lundus,

chalaças velhas, bolorentas, pernas à mostra e seios nus”

Laboratório multidisciplinar da Uemg é espaço para pesquisas e reflexão sobre as influências do lúdico na vida humana

Elas, que atua em Barbacena. Serão realizadas oficinas ba-seadas no teatro de revista, a fim de discutir o processo criativo dos adolescentes.

As oficinas acontecerão no laboratório e serão filma-das pelo professor, para que, a partir da observação das imagens, ele faça a discussão de como os adolescentes es-tão criando suas próprias cenas. O trabalho será orientado pela estrutura e as convenções do teatro de revista, que, segundo Guilarduci, tem como elemento principal a tenta-tiva de “repensar a cidade”, “revê-la”, característica da qual vem o nome teatro de revista. “Esse processo criativo é, na realidade, uma rediscussão do lugar onde eles moram. Na verdade, eu quero repensar como eles estão represen-tando o espaço social. A partir disso, nós vamos entender quais as táticas e estratégias de cada um para representar a cidade”, diz o coordenador.

Segundo Guilarduci, alguns teóricos defendem a idéia de que o teatro de revista funcionava como um espelho da sociedade, representando espaços sociais e trazendo à cena o que está acontecendo no cotidiano. “Se o aluno traz para a cena questões do bairro onde ele mora, estamos colocando uma lupa nesse espaço e, se pomos uma lupa, somos capazes de discutir a respeito. Em minha tese, levan-to a questão de como seria esse reflexo da realidade. Não posso pensar que é um reflexo imediato, já que reflete o que não está ali”, diz.

As oficinas organizadas na Uemg serão trabalhadas a partir da metodologia da improvisação, utilizada pelas artes cênicas. “Quando o aluno-ator da oficina improvisa, ele traz

Realidade em revista

MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008 47

Realidade em revistaalgo da vivência, da prática, do cotidiano. É a partir dessa memória que ele vai representar o que vamos discutir. O objetivo principal é, a partir da oficina, tentar perceber a cidade”, explica o professor.

Refletindo o brincarA pesquisa de Cláudio Guilarduci é apenas uma das

que são desenvolvidas no Laboratório do Brincar da Uemg, que vincula profissionais das áreas de psicanálise, filosofia, linguística e arte. Construído com financiamento da FA-PEMIG, o laboratório é uma sala de aula ambientada com material lúdico. São jogos pedagógicos, de construir, mate-máticos, lógicos, quebra-cabeças, teatros de fantoche, CDs e DVDs, todos direcionados ao público infantil. O espaço também inclui material para pesquisa, como livros, artigos e computadores.

Segundo conta o coordenador, o laboratório surgiu a partir da necessidade de um local que congregasse teoria e prática, servindo de apoio ao trabalho de professores. “A idéia foi que o núcleo congregasse esses trabalhos e ações em um espaço de reflexão, não simplesmente um espaço de produção. Nos cursos de licenciatura, existem ações extensionistas que chamam crianças para trabalhos com jogos, mas um lugar específico para pensar essas próprias ações é raro”, diz Guilarduci.

O professor frisa que o laboratório não é mero espaço para a brincadeira, mas para a reflexão acerca do brincar. “Não é só a arte de brincar porque, assim, não haveria a reflexão. Espaços abertos para o brincar nós já temos em vários lugares”, comenta. Segundo Guilarduci, os trabalhos desenvolvidos no laboratório visam questionar os próprios processos de ensino e aprendizagem que utilizam a brinca-deira. “É uma reflexão sobre a própria educação, que pensa a formação de subjetividade.”

Guilarduci explica que o Laboratório do Brincar inclui pesquisas sobre educação, mas não a educação formal, feita

em salas de aulas. “Queremos pensar a educação fora do espaço de educação regular. Se o meu aluno ator é capaz de representar o espaço social em que ele vive, isso signi-fica que ele está reelaborando seu espaço e criando novas instituições sobre sua própria vida. Quando ele é capaz de repensar essa ação cotidiana, também está passando por um processo de educação”.

O teatro de revista, no entanto, explica o professor, não possui uma metodologia teatral para ser utilizada no processo educativo. Segundo ele, outras metodologias que utilizam jogos dramáticos como possibilidade de educação são mais eficazes. “Nesse caso, estou reaproveitando a idéia do jogo dramático e de que, com o jogo dramático, o aluno possa representar o seu cotidiano. Quando ele representa o cotidiano, pode ter o entendimento das suas próprias significações”, diz.

Além da pesquisa baseada no teatro de revista, o La-boratório do Brincar da Uemg conta hoje com outros três estudos individuais. Um deles trabalha com as músicas de Chico Buarque, buscando criar mecanismos para utilizar a canção no processo de aprendizagem; o outro analisa a representação da religiosidade na literatura e o terceiro discute a utilização de imagens e textos como elementos de representação nos livros didáticos. “São trabalhos de áreas variadas, que convergem no uso da brincadeira e na discussão sobre subjetividade e sociedade, que é o grande elemento que os une”, conclui Guilarduci.

Ariadne Lima

Projeto: Otimização do Laboratório de Pesquisa Teórico do Brincar (Labrinc)Modalidade: Demanda EndogovernamentalCoordenador: Cláudio José GuilarduciValor: R$ 47.945, 73

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2008 foi um ano de reconhecimen-to para alguns bolsistas da FAPEMIG. Eles se destacaram em premiações importantes, como o Jovem Cientista. Júlia Soares Parreiras, bolsista de Inicia-ção Cientifica Júnior da FAPEMIG, fi-cou em primeiro lugar na categoria En-sino Médio. Ela é estudante do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e participou com o projeto “Educação para preven-ção: uma alternativa para melhoria da qualidade da água e das condições sani-tárias de comunidades carentes”.

Sob orientação das professoras An-dréa Marques Guimarães e Fátima de Cássia Oliveira Gomes, Júlia e a colega Verônica Pinheiro Santos desenvolve-ram um método simples de desinfec-ção da água, que consiste na exposição da água ao sol, dentro de garrafas pet. O calor aumenta a temperatura da água em até 74ºC, tornando inativas

Notas

Alberto Duque Portugal, secretário de C&T, Mario Neto Borges, presidente da FAPEMIG, Júlia Soares Parreiras, vencedora do Prêmio Jovem Cientista e Evaldo Ferreira Vilela, secretário adjunto de C&T.

Bolsistas da FAPEMIG se destacam em premiações

as bactérias. O sistema já foi implan-tado em casas do entorno do Rio das Velhas, com o objetivo de melhorar a qualidade da água usada pela popula-ção para cozinhar e tomar banho.

Já Anna Izabel Tostes Ribeiro, aluna do 8º período de Ciências da Com-putação na PUC Minas, foi uma das selecionadas no Prêmio Brazil Women in Technology, promovido pela Google Brasil, em parceria com a Sociedade Brasileira de Computação. O prêmio é concedido a dez mulheres brasileiras, estudantes de graduação, mestrado ou doutorado, pelo conjunto da atuação acadêmica.

Anna participa há três anos da pes-quisa “Simulação e Análise de Redes Móveis de Terceira Geração (3G)”. Du-rante um ano, ela trabalhou no projeto como voluntária. Em seguida, recebeu bolsa do Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, em 2008, atuou como bolsis-ta de iniciação científica da FAPEMIG. Como reconhecimento ao seu traba-lho, a FAPEMIG já garantiu a ela uma bolsa de mestrado, para continuidade de sua pesquisa na pós-graduação.

DosímetroOutra bolsista da FAPEMIG que se

destacou foi Cláudia Karina Barbosa de Vasconcelos, aluna da Universida-de Federal de Ouro Preto (Ufop). A

pesquisa desenvolvida pela estudan-te, orientada pelo professor Rodrigo Bianchi, recebeu dois primeiros luga-res em prêmios nacionais. Um deles foi o 3º Prêmio Werner Von Siemens de Inovação Tecnológica, na modalida-de Saúde, categoria Estudante-Novas Idéias, promovido pela empresa Sie-mens. A pesquisa concorreu com 149 trabalhos de todo o país. O outro foi o Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o SUS 2008, na cate-goria trabalho publicado, que também concorreu em nível nacional.

Cláudia trabalhou no desenvolvi-mento de um dosímetro, dispositivo de material orgânico luminescente, que auxiliará médicos de todo o País no tratamento da icterícia neonatal. Atualmente, esse tratamento é feito a base de fototerapia, ou banho de luz, que converte a bilirrubina em uma substância inofensiva. Entretanto, o tra-tamento nem sempre é feito da manei-ra adequada. Em alguns casos, os bebês são expostos a fontes luminosas erra-das, mal posicionadas ou por tempo in-suficiente. O dosímetro desenvolvido se assemelha a um selo e é composto por moléculas orgânicas que mudam de cor com a radiação. Fixado sobre a pele ou a fralda do bebê, ele indica o tempo ideal de exposição à luz. Uma matéria sobre o projeto foi publicada na edição nº 34 da Minas Faz Ciência.

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MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2008 49

Parceria Minas-Alemanha criará centro de Nanobiotecnologia

Uma delegação formada por empresários e representantes de instituições públicas da Alemanha esteve em Belo Horizonte, em outubro do ano passado, a fim de estreitar laços e ampliar parcerias entre Minas Gerais e o estado ale-mão de Saarland. A parceria entre os dois países permitirá a criação do Centro Mineiro de Nanobio-tecnologia, que contará com a co-operação técnica do Instituto de Novos Materiais (INM), situado em Saarland.

Financiado pela FAPEMIG, o Centro será construído nos mol-des do modelo já existente na Alemanha, com foco, porém, nas potencialidades já trabalhadas em Minas. O plano de negócios, no va-lor inicial de R$ 600 mil, já está em andamento. A previsão é que, ao longo de quatro anos, sejam inves-tidos R$ 120 milhões na iniciativa. Na parceria, o pesquisador minei-ro Peter Oliveira, diretor científi-co do INM, contribuirá no proces-so de montagem do Centro.

Durante a visita ao Brasil, os alemães destacaram Minas Gerais como um estado com grande in-teresse e potencial em nanotec-nologia e anunciaram que outras visitas serão realizadas, a fim de identificar possíveis parcerias para negócios e pesquisas. A propos-ta é que o instituto mineiro seja voltado para a área de negócios e inovação, fomentando questões como o registro de patentes e a transferência de tecnologia. A pre-visão é que o plano de negócios seja finalizado até o meio do ano e que, já no segundo semestre de 2009, o Centro comece a ser im-plantando.

R$34 milhões para INCTS de minas

Nesta edição 12 projetos de Minas Gerais foram aprovados no edital do CNPq para criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Eles abrangem diferentes áreas do conhecimento, como medicina molecular, nanomateriais de carbono, pecuária, WEB e combate à dengue. Por meio da FAPEMIG, serão investidos R$34 mi-lhões nas propostas aprovadas. Os trabalhos terão início já em janeiro de 2009.

A FAPEMIG concretizou, no mês de dezembro, a transferência para a indús-tria de mais uma tecnologia desenvolvida com seu apoio. Trata-se de uma nova forma de desidratar alimentos utilizando microondas. O aparelho desenvolvido realiza a desidratação em tempo dez vezes menor que os equipamentos con-vencionais e gasta 80% menos energia. Os alimentos conservam suas caracte-rísticas e saem esterelizados. A tecnologia será comercializada pela Negócios, Tecnologia e Inovação Ltda (NTI). A próxima tarefa da empresa é desenvolver um protótipo adequado às exigências do mercado. Já existem clientes interes-sados em adquirir o produto e a expectativa é que ele comece a ser comercia-lizado em 2009.

Essa foi a terceira transferência realizada com intermédio da FAPEMIG. A primeira refere-se a um produto desenvolvido por pesquisadores da UFMG, cujas informações estão sob sigilo. O outro projeto, em que são parceiros FA-PEMIG, Epamig e UFV, refere-se à multiplicação e exploração comercial de se-mente de trigo modificada denominada MGS Brilhante. A semente, que está protegida pela Lei dos Cultivares, foi validada em suas características e corres-ponde a uma variedade com qualidade e potencial de produção maior que as sementes comuns. A tecnologia foi transferida para a empresa Coopadap.

“Essa etapa de transferir a tecnologia para o setor industrial é muito impor-tante, pois é preciso que a sociedade veja e usufrua dos benefícios gerados pela ciência”, destacou o presidente da Fundação, Mario Neto Borges. A perspectiva é que novos contratos sejam assinados em 2009.

Conhecimento transferido

Representantes da NIT, inventores e presidente da FAPEMIG (ao centro) assinam contrato para transferência de tecnologia de desidratação de alimentos.

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Conhecido especialmente por sua contribuição à língua portuguesa com o famoso Dicionário Aurélio, o crítico li-terário, ensaísta, tradutor, filólogo, professor e lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira teve uma trajetória marcada por múltiplas atividades que o acompanharam na elaboração da obra folheada por milhares de mãos não só no Brasil, mas em todos os países de língua portuguesa.

Quem foi?

Aurélio Buarque de Holanda FerreiraAurélio Buarque de Holanda Ferreira nasceu em

Passo de Camaragibe, Alagoas, em 2 de maio de 1910 e, aos 13 anos, mudou-se com sua família para a capital Maceió. Seu interesse pela língua e literatura portugue-sas surgiu aos 15 anos, quando ingressou no magistério e começou a ministrar aulas de português. Formou-se em Direito pela Faculdade do Recife, em 1936, mas nunca exerceu a profissão de jurista. Ainda em Maceió, tornou-se professor de francês e literatura, profissão que continuaria exercendo no Rio de Janeiro, no En-sino Médio de Português e Literatura Brasileira nos colégios Anglo-Americano, Pedro II e em colégios do Estado.

Além do magistério, é significativa sua colaboração para a imprensa carioca por meio de artigos, contos e crônicas. Os textos foram publicados na seção O Con-to da Semana, do suplemento literário do Diário de Notícias, entre 1947 e 1960, e na Revista do Brasil. Foi na ocasião de seu trabalho como secretário e revisor na redação da Revista do Brasil que surgiu a importan-te parceria com o tradutor, ensaísta e professor Pau-lo Rónai, com quem assinou diversos trabalhos, entre eles, a tradução dos contos de Mar de Histórias, uma antologia com cinco volumes de contos da literatura universal, projeto que durou 44 anos para ser confec-cionado.

Ainda na Revista do Brasil, publicou o ensaio Lingua-gem e estilo de Eça de Queirós e começou a escrever seu primeiro livro de contos, Dois Mundos, publicado em 1942 e premiado, em 1944, pela Academia Brasilei-ra de Letras. Curiosamente, esse foi seu único trabalho publicado no terreno da ficção que, para Aurélio Buar-que, demanda o ócio e a observação, escassos em meio ao magistério, traduções, revisões, artigos e aulas que lhe absorviam as horas disponíveis.

Sua carreira como dicionarista, ofício que o acom-panharia durante toda vida, começou com a indicação

de Manuel Bandeira à Editora Civilização Brasileira, em 1941, para colaborar no Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. Extremamente perfeccionista, Aurélio aca-bou revendo todo o dicionário na parte da redação e acrescentando-lhe diversas palavras de uso geral. Foi assim chamado para preparar a nova edição que saiu completamente revista e consideravelmente aumenta-da, sobretudo na parte de brasileirismos.

Suas pesquisas e estudos realizados durante anos, além de seu interesse pela língua portuguesa, levaram-no ainda a elaborar seu próprio dicionário, o Novo Di-cionário da Língua Portuguesa, lançado em 1975. Por causa desta obra, o nome Aurélio é, hoje, sinônimo de dicionário. Essencialmente produzida por ele, a obra reflete seu gosto pela literatura nas marcações com exemplos retirados da literatura brasileira de autores como Machado de Assis e José de Alencar.

Desde a publicação de seu primeiro dicionário, ele atendeu a diversos convites, no Brasil inteiro, para falar sobre o processo de composição da obra, além das sutilezas da língua portuguesa enriquecida por ele com diversas expressões peculiares do vocabulário brasilei-ro. Suas colaborações nas obras de amigos escritores e seu trabalho como escritor, professor e lexicógrafo ainda lhe valeram o título de imortal na Academia Bra-sileira de Letras, no dia 4 de maio de 1961.

Ao todo, foram publicadas 13 obras de sua autoria ou participação, entre elas o Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações de Ziraldo, e o Aurelinho, último dicionário escrito por Aurélio Buar-que de Holanda Ferreira. A partir de 1975 e nos 10 anos seguintes, ele e sua equipe trabalharam na ela-boração da segunda edição do “Dicionário Aurélio”, lançada em novembro de 1986. Após a morte do autor, em 28 de fevereiro de 1989, na cidade do Rio de Ja-neiro, seu dicionário ficou sob a coordenação de suas principais colaboradoras: sua esposa, Marina Baird Fer-reira e Margarida dos Anjos, ambas lexicógrafas.