minas faz ciência #58

52

Upload: fapemig

Post on 06-Apr-2016

218 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Minas Faz Ciência #58
Page 2: Minas Faz Ciência #58

EX

PE

DIE

NT

E

Page 3: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Ana Luiza Gonçalves, Camila Alves Mantovani, Diogo Brito, Maurício Guilherme Silva Jr., Pedro Ivo Martins, Vanessa Fagundes, Verônica Soares, Virgínia Fonseca e William Rocha FerrazDiagramação: Fazenda ComunicaçãoRevisão: Sílvia BrinaProjeto gráfico: Hely Costa Jr.editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Rona Editoratiragem: 20.000 exemplarescapa: Hely Costa Jr.

Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://blog.fapemig.brFacebook: http://www.facebook.com/FAPEMIGTwitter: @minasfazciencia

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Alberto Pinto Coelho

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor de ciência, tecnologia e inovação: Evaldo Ferreira VilelaDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

conselho curadorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli, Virmondes Rodrigues Júnior

ao

lE

ITo

R

EX

PE

DIE

NT

E

Já teve a sensação de estar sendo observado? Provavelmente, essa sensação é verdadeira. É muito difícil, hoje, escapar da imensa variedade de dispositivos que fornecem informações precisas sobre nossos passos, contatos e preferências. Os recentes escândalos envolvendo a espionagem, pelos Estados Unidos, de dados de cidadãos e de chefes de governo também funcionaram como um alerta sobre os limites entre a manutenção da segurança – discurso oficial usado para justificar os aparatos de vigilância – e o uso de informações para obtenção de vantagens econômicas e controle social.

A reportagem especial desta edição explora as consequências das novas tecnologias de vigilância e monitoramento que, aliadas ao desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, resultaram na reconfiguração de nossas relações. Pesquisadores de diferentes áreas e instituições apresentam suas contri-buições ao tema, discutindo, também, o significado da palavra “privacidade”, e o direito a ela, em um mundo povoado por câmaras de segurança, controles biométri-cos, vídeos pessoais e dados circulando na internet. O tema é vasto e será abordado também nos programas de rádio e televisão do projeto MINAS FAZ CIÊNCIA. Para conferir, acesse nosso blog: http://blog.fapemig.br.

Outro destaque é uma pesquisa conduzida pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) sobre a participação das mulheres no mercado de tra-balho. O tema é atual e pertinente: apesar de todos os avanços conquistados nessa área, os dados obtidos mostram que ainda há muito a ser feito. Tendo como foco a participação feminina em profissões representadas como ocupações masculinas – no caso, frentistas de postos de gasolina e policiais – o grupo realizou diversas entrevistas com homens e mulheres moradores da cidade no Norte de Minas. E constatou que, embora as mulheres apresentem níveis de escolaridade mais altos, as diferenças na remuneração persistem, com vantagem para os profissionais do sexo masculino.

Confira, também, reportagem sobre o uso de materiais alternativos na cons-trução civil. Com o objetivo de minimizar os impactos ambientais gerados pela atividade, uma equipe de pesquisadores do Cefet-MG, em parceria com outras uni-versidades mineiras, avaliou o potencial de rejeitos como sobras de construção e demolição, de mineração, cavaco de eucalipto e até mesmo cinzas de bagaço de cana-de-açúcar. Misturados, por exemplo, ao cimento ou ao concreto, deram origem a um material com boa resistência mecânica e durabilidade. Os resultados promissores orientam novos estudos, que buscam disponibilizar a técnica para o mercado.

Por fim, um lembrete. Em outubro deste ano, teremos, no Brasil, as eleições para presidente, deputados federais, senadores, governadores e deputados esta-duais. Com isso, a partir de julho, entraremos no chamado período eleitoral, que traz, entre outros, algumas restrições com relação à comunicação realizada pelos órgãos públicos. A FAPEMIG, como autarquia do governo de Minas, está sujeita a essas restrições. Assim, durante o período eleitoral, as edições da revista MINAS FAZ CIÊNCIA não serão distribuídas. Após a oficialização do fim das eleições pelo Tribunal Regional Eleitoral, ela voltará a ser enviada a todos os nossos leitores.

Boa leitura!vanessa Fagundes

Diretora de redação

Page 4: Minas Faz Ciência #58

ÍND

ICE

33

37

soCIologIaTrabalho de pesquisadora da Unimontes interpreta diferenças profissionais entre homens e mulheres

41lEMBRa DEssa?Método baseado no uso de raios gama elimina impurezas emicrorganismos de inúmeros materiais

45

5 PERgUNTas PaRa...Confira as propostas do grupo The Big Van Theory, que divulga a ciência de modo divertido

46

hIPERlINkBacia hidrográfica mineira, arroz e feijão, Megaterra e outras boas novas do blog Minas faz Ciência

48

29

EDUCaçãoPesquisador da Ufop investiga significados por trás do predomínio de negros livres em escolas do século XIX

16

ENTREVIsTaJornalista e pesquisadora da Fiocruz, Luisa Massarani debate os rumos da divulgação científica no Brasil

12

CIêNCIa Da INfoRMação Projeto do Governo do Estado, DataViva auxilia tomada de decisões por empresas privadas e órgãos públicos

20

ENgENhaRIa EléTRICa Equipamento criado por empresa do Sul de Minas auxilia setor industrial a controlar gastos com uso de energia

24

BIologIa De que modo o cérebro age quando piscamos os olhos? Pesquisa recorre ao sistema visual de corujas para responder à questão

26

6 EsPECIalReportagem debate reflexos científicos e sociais da proliferaçâo de equipamentose ações de vigilância

BIoqUÍMICaResultantes da reutilização de resíduos, sabões e sabonetes ecológicos produzidos na UFV contam com propriedades farmacológicas

ENgENhaRIa DE MaTERIaIs Estudo do Cefet-MG analisa uso de materiais alternativos para minorar impactos da construção civil

ENgENhaRIa agRÍCola Especialistas da Universidade Federal de Lavras monitoram áreas de irrigação mineiras por meio de satélites

Page 5: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 5

Ca

RTa

s

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

“Caros jornalistas da FAPEMIG, meu nome é Rafael Soal, trabalho na Assesso-ria de Comunicação da Emater-MG. Este e-mail é para agradecer, elogiar e desejar vida longa à criatividade da equipe da re-vista MINAS FAZ CIÊNCIA. Confesso que nunca tinha lido. Mas, graças ao destino, fui levado a seu encontro. A nossa empresa está procurando modelos de publicações que usam do meio virtual como nova oportunidade de “casa”. Ainda não somos tão bons nisso. Então, durante a semana, fiquei encarregado de vasculhar a internet para procurar modelos que pudessem ser-vir de norte para nossa empreitada. E dei de cara com vocês. Depois de minutos e minutos perdidos nos ótimos textos e em imagens e formatação de extremo bom gosto, deparei-me com a certeza de que são muito mais do que referências virtuais. São referências profissionais. Enviarei a meus chefes o link e todas as impressões que tive. E que impressões! Muito obriga-do por me proporcionarem esta experiên-cia. Parabéns a toda equipe!”Rafael SoalJornalista / Emater-MGBelo Horizonte / MG

“Sou assinante de MINAS FAZ CIÊNCIA, da FAPEMIG, e gostaria de parabenizá-los pela qualidade das matérias e, também, pelo

design e pela diagramação da revista, que são impecáveis.” Monique Abud Xavier de PinhoBelo Horizonte / MG

“Gostaria de deixar registrado os meus parabéns à equipe de MINAS FAZ CIÊNCIA pela qualidade das matérias e pela riqueza da publicação como um todo. É com felicidade e satisfação que a recebo em minha casa e tenho a oportunidade de conhecer projetos tão bacanas desenvolvi-dos em nosso Estado. Na edição 48, fiquei muito feliz em conhecer o projeto realiza-do pela UFV e seus parceiros, conforme citado na matéria “Canteiros de Saúde”. O conhecimento está aí, a nosso alcance, e é muito importante a disseminação de forma inteligente e acessível às pessoas! Parabéns pela iniciativa de MINAS FAZ CIÊNCIA em divulgar informações de forma tão prazerosa!”Priscila OliveiraFarmacêuticaBelo Horizonte / MG

“Conheci a revista MINAS FAZ CIÊN-CIA há alguns meses e a achei de extrema importância à minha profissão. Sou bio-médica, especialista em Análises Clínicas, e, atualmente, faço mestrado em Educação Profissional em Ensino em Ciências da Saú-de e do Meio Ambiente no Centro Univer-sitário de Volta Redonda (RJ). Gostaria de receber esta revista, uma vez que a publi-cação contribuirá para o exercício de minha profissão e para a disseminação da ciência.”Miriam da Glória Seoldo Ferreira MonteiroLeopoldina / MG

“Por algum tempo, recebi MINAS FAZ CIÊNCIA no Cefet Bambuí, hoje IFMG Bambuí. Como estou aposentado, gostaria de continuar recebendo a revista em casa, se for possível. Agradecendo antecipadamente a atenção dos senhores, aproveito para parabe-nizá-los pela alta qualidade desta revista, que é, hoje, motivo de orgulho para os pesquisa-dores de Minas Gerais.”José Ferreira de NoronhaBambuí / MG

Page 6: Minas Faz Ciência #58

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

EsPE

CIa

l

Maurício Guilherme Silva Jr.*

Vigiar, punir e viverNovas tecnologias de vigilância e monitoramento redefi nem os mecanismos de controle social e transformam os signifi cados da própria existência

* colaborou virgínia Fonseca

Page 7: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 7

Hoje, bilhões de cidadãos veem seus corpos – físicos e/ou virtuais – tres-passados por luzes e lasers, assim como investigados por softwares e confrontados por monitores eletrônicos. A permanen-te vigilância ao comezinho cotidiano dos indivíduos é reveladora não apenas das multipossibilidades científicas e tecnoló-gicas de nosso tempo, mas também (ou, principalmente) das suscetibilidades a que todos estão sujeitos no âmago da chamada sociedade da informação.

Ano a ano, pesquisadores de todo o mundo dedicam-se à elaboração de novas ferramentas de observação e controle da vida humana. O curioso é perceber que, em função da eficiência dos próprios aparatos desenvolvidos, outros tantos especialistas embrenham-se em estudos para compre-ensão dos reflexos sociais e cognitivos de tais mecanismos de “vigilância” – termo, aliás, que, segundo Ricardo Augusto Ra-belo Oliveira, professor do Departamento de Computação do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da Universidade Fe-deral de Ouro Preto (Iceb/Ufop), deve ser definido “como ‘panóptico’, sistema que efetua a coleta e o registro de eventos, de maneira irrestrita, por meio de sensores de monitoramento, com memória de armaze-namento ilimitado”.

Na acepção do pesquisador – que, na Ufop, coordena o laboratório iMobilis, especializado em computação móvel –, apesar de as pessoas terem se acostuma-do ao vocábulo “vigilância” no sentido de “visão”, os significados da palavra não se restringem aos sensores óticos. “Os sis-temas celulares, por exemplo, possuem acelerômetros, giroscópios e GPSs que permitem vigilância não só da posição espacial, mas, também, da interação do usuário com seu dispositivo”, diz.

De outro modo, segundo Marta Mou-rão Kanashiro, professora dos programas de pós-graduação em Divulgação Científica e Cultural (Labjor) e em Sociologia da Uni-versidade Estadual de Campinas (Unicamp), não se pode considerar a ideia de vigilân-cia como invenção contemporânea, nem se deve dizer que o termo seja inaugurado com a atual ampliação do número de equi-pamentos de monitoramento. “Vivemos, na

verdade, uma transformação da vigilância, que não mais se restringe àquela presente em Vigiar e punir, de Michel Foucault. Ela diz respeito, agora, às novas tecnologias de informação e comunicação”, destaca.

Apesar disso, no ver da pesquisado-ra – que também coordena a Rede Latino--americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits) e integra o grupo de pesquisa Conhecimento, Tecno-logia e Mercado (CteMe) –, os novos equi-pamentos de observação e controle não são os únicos responsáveis pela diferenciação entre os atuais conceitos de vigilância e os princípios “foucaultianos”. “A vigilância conecta-se, então, a uma série de transfor-mações contemporâneas, sejam elas políti-cas, econômicas ou culturais”, diz.

Importante destacar, portanto, que a demarcação conceitual do termo, na atua-lidade, deve considerar aspectos os mais diversos, como a centralidade da informa-ção no capitalismo e os (complexos) pro-cessos de codificação e descodificação. Para Marta Kanashiro, é preciso, ainda, compreender a própria informação como processo: “Não se define mais a ideia de vigilância pelo crescimento da presença de equipamentos de monitoramento. É preci-so compreender a incidência sobre os pro-cessos de transmissão de informações”.

No que se refere às terminologias, há especialistas para todos os gostos: en-quanto certos autores costumam diferenciar as palavras “vigilância” e “monitoramento”, outros tantos insistem em tratá-las como sinônimos. “Os primeiros compreendem que o ato de monitorar é definido como vi-gilância constante, num período de tempo, e direcionado a determinados grupos ou

O iMobilis (www.decom.ufop.br/imobilis) tem atuado em diversas frentes de pesquisa, com destaque para o projeto “uGuide”, uma rede social de apoio ao estudante e ao turista em Ouro Preto (MG). A ini-ciativa busca a criação de um app, para tablets e celulares, que ofereça serviços georreferenciados na cidade, com base na localização dos usuários e em informações situacionais.

Page 8: Minas Faz Ciência #58

8 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

qual a conexão à internet pode ser feita em qualquer equipamento com capacidade de processamento computacional”, afirma Ri-cardo Augusto Oliveira.

Desse modo, permite-se que os sis-temas apareçam embutidos em diversos objetos cotidianos. “A computação ubíqua é a evolução da pervasiva, que se define como a possibilidade de estar sempre co-nectado à internet, independentemente da presença de cabos e conexões fixas”, expli-ca o professor, ao lembrar que a ubiquida-de computacional é responsável por nova tendência, denominada, informalmente, de “internet das coisas”. A expressão busca definir o que hoje ocorre com antigos arte-fatos – geladeiras, fogões, televisores etc. – que, em outros tempos, não apresenta-vam capacidade de processamento digital, mas, agora, conectam-se à rede mundial e interagem com sistemas externos.

Neste panorama, computadores oni-presentes tornam-se invisíveis e passam a compor, camufladamente, os cenários coti-dianos. “Além disso, as relações humanas adaptam-se a eles. De certa maneira, o lado positivo dessa história está nas novas for-mas de interação”, ressalta o pesquisador, ao destacar, porém, que tais ferramentas, perigosamente, acabam por se transformar em objetos essenciais à vida dos indivídu-os. “Caso analisemos do ponto de vista histórico, novas tecnologias sempre mo-dificaram os relacionamentos humanos. Assim como a internet, também o rádio e a televisão, em seus primórdios, propor-cionaram impactos e questionamentos expressos, por exemplo, na seguinte ques-tão: ‘Após o jantar, a família continuará a se reunir para assistir ao jornal e à novela?’”.

pessoas”, explica a pesquisadora da Uni-camp, ao lembrar que também a noção de “privacidade” mantém-se em pleno debate nos meios acadêmicos.

Tome-se, como exemplo, o usuário que recebe ofertas direcionadas em seu correio eletrônico. Trata-se de material a ele enviado em função de palavras que tenha digitado nas mensagens enviadas, devido a pesquisas específicas em motores de busca vinculadores de dois serviços – a exemplo do que ocorre com Gmail e Google Sear-ch – ou, simplesmente, em função de ter aberto duas ou mais abas em um navegador de internet. “Esse direcionamento de propa-gandas pode ser considerado vigilância e violação de privacidade. Tal entendimento, aliás, levou um grupo de usuários a proces-sar judicialmente a empresa Google, que, por sua vez, defende a iniciativa como um ‘modelo de negócios’”, explica.

Mundo ubíquoUma das mais incisivas “atuações”

do aparato contemporâneo de vigilância relaciona-se, justamente, ao recolhimento e ao processamento de informações dos indivíduos no dia a dia. Dispositivos como computadores, celulares e smartphones permitem a coleta, o arquivamento e o processamento de dados pessoais e co-laboram para a construção de um conhe-cimento sobre pessoas ou grupos, com fins de segurança, consumo etc. O mesmo ocorre com equipamentos que constituem os circuitos fechados de televisão (CCTV, na sigla em inglês), os cadastros biométri-cos das instituições e os estabelecimentos ou documentos (ID Cards, por exemplo).

As atuais possibilidades de observação e controle caracterizam-se pela disseminação de mecanismos de vigilância, tanto nos espa-ços abertos quanto nos ambientes fechados das (pequenas, médias ou grandes) cidades (veja box sobre a experiência de Belo Hori-zonte à página 9). Afinal, por meio das Tecno-logias de Informação e Comunicação, as cha-madas TICs, tudo pode ser feito a distância, em tempo real e com comunicação imediata. Neste sentido, o termo “computação ubíqua” parece vital à compreensão do atual estágio tecnológico da humanidade. “Eu a explicarei como a computação irrestrita, por meio da

Trata-se de tecnologias ca-pazes de mediar e interferir nos processos comunicativos e de transmissão de informações. Em outros termos, as TICs formam um conjunto de recursos tecnológicos integrados, usados nos mais diver-sos ramos de atividades, da indús-tria aos negócios, da educação ao esporte.

Page 9: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 9

Gerente de instituição financeira, Grasiela Rodrigues acredita que as câ-meras traduzam a sensação de seguran-ça desejada por muitas pessoas. Ela, por exemplo, tem acesso a quase todos os am-bientes de seu local de trabalho, por meio de “olhos eletrônicos” de ação ininterrup-ta. “A vigilância nos transmite a sensação de que estamos mais seguros, embora, às vezes, tenhamos consciência de que, na prática, não é bem assim”, pondera.

Interessante ressaltar, neste sentido, que também os aparatos tecnológicos de vigilância, comunicação e controle trans-formaram-se em ferramentas de demar-cação social e cultural. Basta citar, como exemplo, a breve – mas intensa – vida do pequeno João Paulo, típico integrante da geração que se habituou a conviver com diários “15 minutos de fama”. Hoje com dois anos de idade, ainda que dominas-se as ciências exatas, ele teria perdido a conta das próprias aparições midiáticas.

Das gravações de seu nascimento ao vídeo do primeiro aniversário – re-alizado com trilha sonora especial e flashback dos 12 meses de vida –, das filmagens de cotidianas conquistas pueris às inserções no Facebook e no Youtube, o garoto está definitivamente acostumado a se contemplar em telas de diversas dimensões. “Compartilhar al-guns desses momentos com familiares e amigos é uma forma de eles acompanha-rem a evolução do João Paulo”, explica a mãe, Renata Giordani de Aquino, que, no entanto, revela-se comedida no uso das redes sociais, devido a questões de privacidade e de segurança.

De olho nas ruas de BHBelo Horizonte contará, até o fim de 2014, com

incremento de 150% no número de câmeras públicas de monitoramento do “Programa Olho Vivo”, serviço idealizado e gerenciado pela Câmara de Dirigentes Lojis-tas de Belo Horizonte (CDL-BH), juntamente ao governo de Minas Gerais e à Prefeitura, que consiste na presença ocular da Polícia Militar em pontos estratégicos dos locais com maior incidência criminal, por meio do monitoramento de ferramentas de vídeo.

De 261 equipamentos existentes em maio de 2014, dos quais 200 em operação, a capital mineira passará a 668, com cobertura nas nove regiões da cidade – para além das seis atuais.

Os novos locais de monitoramento abrangem, entre outros, a Praça do Papa (Bairro Mangabeiras) e o Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul, o Bairro Buritis, na Região Oeste, o Barreiro e Venda Nova.

Também estão previstas 183 câmeras do Orçamento Participativo de 2011. Os equipamentos contemplarão 28 bairros das regiões Leste, Nordeste e Centro-Sul.

vezes, tenhamos consciência de que, na prática, não é bem assim”, pondera.

BHBelo Horizonte contará, até o fim de 2014, com

incremento de 150% no número de câmeras públicas de monitoramento do “Programa Olho Vivo”, serviço idealizado e gerenciado pela Câmara de Dirigentes Lojis-tas de Belo Horizonte (CDL-BH), juntamente ao governo de Minas Gerais e à Prefeitura, que consiste na presença ocular da Polícia Militar em pontos estratégicos dos locais com maior incidência criminal, por meio do monitoramento de

De 261 equipamentos existentes em maio de 2014, dos quais 200 em operação, a capital mineira passará a 668, com cobertura nas nove regiões

Os novos locais de monitoramento abrangem, entre outros, a Praça do Papa (Bairro Mangabeiras)

Foi o empresário, artista plás-tico e cineasta norte-americano Andy Warhol (1928-1987) quem, nos anos 1960, cunhou a profética frase: “No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama”

Exemplos como os de João Paulo e Grasiela consolidam, no ver do professor Ricardo Augusto Oliveira, a ideia de que, quando há sensores auxiliados por dis-positivos ligados à internet, as relações de sociabilidade – permeadas por vestígios de vigilância e monitoramento – tornam-se, ne-cessariamente, diferenciadas. “A sensação de proximidade, por exemplo, é hoje realizada por meio dos próprios dispositivos. Dentre outras coisas, posso saber se meus amigos estão numa festa perto de mim”, comenta.

O pesquisador destaca, ainda, que, hoje, mesmo antes mesmo da certidão de nascimento, muitas crianças exibem per-fis nas redes sociais. “Elas têm a vida tão imersa neste novo mundo conectado que os aparatos de vigilância parecem não ape-nas naturais, mas necessários, no sentido

Page 10: Minas Faz Ciência #58

10 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

Um equipamento capaz de identificar determinado ruído e informar a ocorrência a uma rede remota. Em resumo, eis a funcionalidade básica do Microfone Inteligente Conectável (MIC), ferramenta em desenvolvimento por especialistas da empresa de tecnologia Daccord S.A. O aparelho deriva de projeto anterior, denominado “Áudio Alerta”, concebido, em 2009, na área de segurança, para detectar sons importantes, como tiros, arrombamentos e batidas de automóveis.

Com a miniaturização do sistema, a tecnologia de reconhecimento automático de sonoridades será usada para iden-tificar outros ruídos, principalmente, na segurança privada. O hardware integra microfone de alta qualidade e computador de pequeno porte. “É como uma mini-CPU conectada a um microfone muito poderoso. Tudo isso em tamanho bastante reduzido, com dimensões entre um microfone normal e uma câmera”, simplifica o pesquisador e diretor-presidente da Daccord, Américo Amorim.

Para que o aparelho funcione, não há necessidade de grande expertise. Depois de captado, o som é analisado pela mini-CPU. As informações sobre os eventos detectados seguem, então, a servidores na rede do cliente ou na internet. “Mesmo escutando todos os barulhos que ocorrem num ambiente, o MIC conseguirá distinguir o que é importante, igno-rando sons banais”, detalha Américo. Desse modo, o equipamento gerará alarmes contextualizados, o que inclui a classi-ficação do tipo de ocorrência – tiros, vidros quebrando, gritos etc.

O MIC com ênfase em questões de segurança deve ser lançado em 2015. No ano seguinte, a empresa pretende ofe-recer melhorias ao aparelho, para atender a áreas como meio ambiente e saúde.

InovaçãoAtualmente, existem muitas pesquisas nas áreas de processamento de imagens para detecção e acompanhamento

automático de objetos ou ameaças. “Essas tecnologias começam a adquirir grau de maturidade suficiente para serem usa-das no cotidiano. Contudo, ainda existem bons espaços para inovações”, avalia o pesquisador, ao lembrar, ainda, que, em termos de áudio, há estudos para a área de defesa, com detecção, por exemplo, de alvos marítimos.

Américo Amorim destaca a necessidade de maior interação entre academia, empresas de tecnologia e forças de segu-rança, para que novas possibilidades sejam desenvolvidas, de forma alinhada às necessidades do contexto contemporâneo. “Desse modo, poderemos ter soluções que agreguem inteligência e facilitem trabalhos de prevenção e combate”, afirma.

usuários tornam-se elementos de uma grande rede de sensores”, explica o pro-fessor da Ufop.

A tentativa de compreender as ações sensoriais dos indivíduos – exemplo clás-sico de vigilância tecnológica – encaixa--se, segundo Ricardo Oliveira, na novís-sima definição de “cidade inteligente”. “Trata-se da versão avançada das ‘cidades digitais’, em que o acesso à informação é amplamente proporcionado e os serviços oferecidos pelos gestores públicos podem ser melhorados a partir dos sensores e da resposta a eles”, acredita.

Abusos e princípiosSem fins lucrativos e com sede em

São Francisco, na Califórnia, a organiza-ção Electronic Frontier Foundation (EFF) – em português, Fundação Fronteira Eletrônica – busca proteger o direito à liberdade de expressão. A entidade conta com uma série de princípios, que pregam a garantia de privacidade dos cidadãos – e, em especial, dos estados. Em um de seus documentos oficiais, a EFF afirma, por exemplo, que “vigilância” abrange ações como “monitoramento, intercep-

de que fazem parte de um contexto”, co-menta, ao ressaltar, porém, que sob ótica mais crítica, tal realidade pode se revelar sinistra. “Afinal, o que era tido por ruim e invasivo torna-se parte da cultura ou da existência”, conclui.

De toda forma, os maiores impactos sociais da atualidade parecem se referir, mesmo, às múltiplas possibilidades da computação ubíqua, presente nos celu-lares e em outros equipamentos portá-teis. “A estimativa temporal e espacial do comportamento de um grande grupo de pessoas tem se transformado em foco de pesquisas de ponta. Neste cenário, os

Os sons da (in)segurança

Page 11: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 11

DicA De FilMeObRA: Não por acasoGêNeRO: DramaDiReçãO: Philippe BarcinskiSiNOPSe: Engenheiro de trânsito e operador de sinais, Ênio (Leonar-do Medeiros) gerencia o fluxo de veículos na capital paulista. Sua ânsia por controlar tudo se reflete não apenas no ofício diário, mas, principalmente, na vida pessoal. Ao reencontrar a filha, Bia (Rita Batata), contudo, passa a se sentir desnorteado. Figura também vital à história, Pedro (Rodrigo Santoro) é um cuidadoso dono de marcenaria especializada em mesas de sinuca. A vida dos dois homens da trama será completamente modificada por um acidente de trânsito – tragédia milimetricamente registrada pelas câmeras de vigilância controladas por Ênio. eleNcO: Branca Messina, Cássia Kiss, Graziella Moretto, Leonardo Medeiros, Letícia Sabatella, Rita Batata, Rodrigo Santoro, Silvia LourençoANO: 2007

tação, coleta, análise, uso, preservação, retenção ou acesso à informação que in-clui, reflete, deriva ou diz respeito às co-municações de uma pessoa no passado, no presente ou no futuro” (confira íntegra do artigo no endereço eletrônico https://pt.necessaryandproportionate.org/text.).

“Em diferentes países, as leis têm sofrido alterações para contemplar re-centes questões ligadas à vigilância, às privacidades e às novas tecnologias de comunicação e informação”, explica Marta Kanashiro, para quem, no que tange, es-pecificamente, ao uso de câmeras de mo-nitoramento, a maior parte da discussão legal brasileira não visa aos interesses dos cidadãos ou à privacidade, já que tais dis-positivos foram incorporados – principal-mente, nas políticas dos governos – como obrigatórios e essenciais ao provimento de modelos específicos de segurança.

“A EFF é um exemplo de como po-demos nos defender do abuso do controle. Muitos excessos – como aqueles revelados por [Edward] Snowden – passam longe do que seja legal ou permitido. Além disso, a via do direito, apesar de muito impor-tante, caminha de forma muito mais lenta do que o desenvolvimento tecnológico”, analisa a pesquisadora. Neste cenário, os chamados “hackerativistas” – ou “hackati-vistas” – apresentam-se como importantes atores no combate aos abusos. “Quando me refiro a esses ativistas, não falo ape-nas daqueles que invadem ou derrubam máquinas e sistemas, mas, também, dos que realizam ações na internet, nas redes sociais, e repercutem uma série de pro-blemas, questões e abusos. Midiativistas e artistas também são fundamentais nesse processo”, finaliza.

Na acepção da professora da Unicamp, os muitos conflitos, tensões e litígios que ain-da despontarão neste início de século devem pôr em xeque certas definições e ideias cons-truídas e naturalizadas nos períodos anterio-res. “Privacidade é um destes conceitos, a ponto de alguns já o decretarem como extin-to. Considero que essa noção está sob tensão e passa por um processo de desconstrução. Por isso, creio que vá se tornar um grande

tema de pesquisa e de debate para diferentes áreas das ciências humanas”, ressalta.

Tal “território” de discussões acadêmi-co-científicas abrange problemáticas as mais diversas, das definições de direitos e deveres dos cidadãos e estados às dúvidas em torno do acesso, do uso e da retenção de dados por parte das corporações. “Outros temas importantes relacionam-se à transparência, à participação, ao ativismo político, ao jornalis-mo de dados, à criptografia e aos softwares livres”, aponta Marta Kanashiro.

DicA De livROObRA: Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividadeAutORA: Fernanda Bruno eDitORA: SulinalOcAl: Porto AlegreANO: 2013

Page 12: Minas Faz Ciência #58

12 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

ENTR

EVIs

Ta

Trabalho conjunto pela comunicação da ciênciaPara Luisa Massarani, jornalista e pesquisadora da Fiocruz, troca de experiências e esforço conjugado entre países são fundamentais para superar obstáculos e envolver a sociedade nos debates sobre CT&I

vanessa Fagundes

Foi um caso de amor à primeira vis-ta. “Enquanto ainda estava na graduação, fui fazer um estágio na revista Ciência Hoje e descobri que amava a divulgação científica e que minha vida era isso”. Esse relacionamento, que dura mais de 20 anos, deu vários frutos. Hoje, Luisa Medeiros Massarani é uma das principais jornalistas de ciência do País. Pesquisa-dora do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ela já contri-buiu com diversos veículos nacionais e internacionais, como Folha de S.Paulo, Nature, Cómo vês?, do México, Jornal da Ciência e Ciência Hoje das Crianças. Atualmente, é coordenadora da América Latina do site SciDev.net (Science and Development Network), que se dedica à cobertura de temas científicos em países em desenvolvimento, e coordenadora da Red Pop, rede de popularização de CT&I na América Latina e no Caribe.

No início de maio, Luisa Massarani foi a chair (coordenadora) da 13ª Confe-rência Internacional sobre Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (PCST, na sigla em inglês). Pela primeira vez em 25 anos, o evento, um dos mais importantes da área, ocorreu na América Latina – mais precisamente, no Brasil, na cidade de Sal-vador (BA). Nesta entrevista concedida a MINAS FAZ CIÊNCIA, ela comenta os de-bates atuais sobre comunicação da ciência, as possibilidades para os profissionais da área e o esforço dos países, especialmente latino-americanos, para enfrentar os de-safios da área de forma criativa e incluir a sociedade nas discussões.

No início de maio, realizou-se em Salvador a 13ª Conferência Internacional sobre Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, da qual você foi uma das or-ganizadoras. O tema central do encontro foi “Divulgação da ciência para a inclusão

social e o engajamento político”. Qual a importância de se discutir a inclusão so-cial em uma perspectiva da comunicação da ciência?

A Conferência é fruto de uma rede chamada PCST Network, da qual faço parte, há pouco mais de 10 anos, como integrante do comitê científico. É uma rede muito interessante porque une indiví-duos de vários países, e não instituições, que trabalham com o tema da divulgação científica. O evento é realizado de dois em dois anos, cada vez em um local diferente. No Brasil, duas instituições se uniram no esforço de realizá-lo, a Fundação Oswal-do Cruz, por meio do Museu da Vida, e a Unicamp (Universidade Estadual de Cam-pinas), por meio do Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo). O evento já passou por todos os continentes, esteve nas Américas há 20 anos e, pela primeira vez, chegou à América Latina. Em cada congresso, tenta-se dar um tempero

Page 13: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 13

Pete

r Ilic

ciev

/ Fio

cruz

Page 14: Minas Faz Ciência #58

14 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

local. Uma questão que tem permeado as discussões sobre divulgação científica na América Latina é a importância de se en-gajar a sociedade em temas de ciência e tecnologia, pensando a inclusão social por meio da divulgação científica. Achamos fundamental apresentar esse tema para debate. Tendo em vista que ciência e tec-nologia permeiam nossa realidade, nossa sociedade, acreditamos que é necessário incluir todas as pessoas nessa discussão.

Quando tocamos em inclusão social,

estamos também falando de audiências. Por que tal tema representa um desafio para os comunicadores da ciência, espe-cialmente no Brasil?

Fazendo uma reflexão após mais de 20 anos como divulgadora da ciência, acredito que avançamos bastante, princi-palmente no Brasil. Há, contudo, um pon-to ainda em aberto, um tema que precisa de dedicação, talvez, hoje, o ponto mais importante para que a gente se debruce: falo da necessidade de entender melhor as audiências. Em outras palavras, com-preender o resultado de tudo isso que temos feito nos últimos anos, em parti-cular na última década; de que maneira as diferentes audiências constroem sentido a partir das iniciativas de divulgação cien-tífica que temos oferecido. Precisamos criar ferramentas, estratégias e processos investigativos para entender melhor quem são as audiências, qual a sua percepção dos temas de ciência e tecnologia, como elas constroem sentido a partir dessas atividades. É interessante observar que a América Latina tem uma corrente forte de estudos de audiência, mas, em geral, os trabalhos são voltados para telenovelas. Isso não é um problema brasileiro ou da América Latina: no mundo inteiro, exis-tem poucos estudos que se debruçam so-bre a audiência da divulgação científica. Portanto, essa tem sido uma preocupa-ção, inclusive do meu grupo de pesquisa.

Como você avalia a participação bra-sileira nas pesquisas relacionadas à comu-nicação pública da ciência?

Em termos de pesquisas em divul-gação científica, o Brasil tem crescido bastante e existem números que mostram isso. Por exemplo, tivemos, na década de 1980, a primeira defesa de tese em divul-gação científica – de acordo com o registro que aparece na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Su-perior), a tese do professor Wilson Bueno. Desde então, o crescimento é significativo, chega a três dígitos o número de teses e dissertações defendidas anualmente na área. Não temos ainda um levantamento sistemático da produção em pesquisa de divulgação científica. A produção é muito dispersa – aliás, essa é uma necessidade que temos para a área –, mas também te-mos observado um crescimento grande de artigos. Já temos revistas, em geral mais voltadas à Educação, mas que incluem temas de divulgação científica, e existem vários grupos de pesquisa em divulgação científica cadastrados no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Outra conquista, que é um reflexo do crescimento da pesquisa na área, é o fato de o CNPq, agora, ter bolsas de produtividade em divulgação científica.

Você foi editora da revista Ciência Hoje para Crianças. Qual a importância – e qual a responsabilidade – de se falar sobre o tema para os pequenos?

É fascinante fazer divulgação cientí-fica para crianças. Se eu tivesse que esco-lher um grupo, uma faixa etária, certamente escolheria fazer divulgação para elas, por vários motivos. Um deles é que as crianças são extremamente curiosas em relação ao que acontece a seu redor. Elas são “cientis-tas naturais”, vivem explorando o mundo. Portanto, estão mais sensíveis à divulgação científica. É uma responsabilidade grande, um compromisso, porque são cidadãs em desenvolvimento. Estudos mostram que, nessa fase, os estímulos podem ter influ-ências positivas ou negativas na formação de cada um. Por isso, é um momento em que podemos fazer a diferença.

Além do jornalismo, existem outras formas de se falar sobre ciência. Um exemplo são os museus. Qual a importância de espa-ços como esses para a divulgação científica?

Acredito que não existe um meio de comunicação melhor ou pior para a divul-gação científica: a gente deve usar formas diferenciadas para oferecer estímulos di-ferentes. Do ponto de vista da criança, é possível trabalhar com o jornalismo – eu mesma já escrevi muitas matérias para a Folhinha (caderno do jornal Folha de S. Paulo), usando a estrutura do jornalismo formal –, mas acho que a gente precisa ir além. Não é que eu não ache importante usar as ferramentas tradicionais do Jorna-lismo. Mas existem outras iniciativas. Por exemplo, já fizemos atividades com crian-ças na linha de consulta aos cidadãos. Em uma delas, que chamamos de “Carta do Clima”, reunimos crianças de 9 a 10 anos para discutir a questão das mudanças cli-máticas e propor ações. Ou seja, não só ensinar ou apresentar o conteúdo relacio-nado a mudanças climáticas, mas também estimulá-las a serem protagonistas no pro-cesso de divulgação científica. Então, não é só oferecer informações, mas dar sub-sídios para que elas sejam atores sociais importantes. Temos, também, ferramentas como a internet, o tablet e o celular. Acho que deveríamos explorar mais esses novos aparatos tecnológicos e envolvê-los nas atividades de divulgação científica não só para crianças, mas para pessoas de todas as faixas etárias. Ainda faltam atividades de divulgação científica, por exemplo, para pessoas na terceira idade, um segmento muito importante.

Você é a atual diretora da Red Pop, uma rede de popularização da ciência e tecnologia na América Latina e no Caribe. Como é o trabalho do grupo? Os desafios para a popularização da ciência são seme-lhantes nessa região?

A Red Pop foi criada no Brasil, em 1990, mas nunca tinha tido direção brasi-leira. Sou a primeira diretora brasileira da

Page 15: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 15

rede, que surgiu no momento em que a di-vulgação científica começou a ter papel im-portante na América Latina e, em particular, no Brasil. Quando falamos de colaborações tanto na área de divulgação como de pes-quisas acadêmicas, olhamos muito para os Estados Unidos e a Europa, mas a América Latina tem várias similaridades e desafios comuns. A Red Pop é um fascinante es-paço para os latino-americanos pensarem juntos em pesquisas e práticas. Temos um evento que se realiza a cada dois anos. O último foi no México e o próximo será na Colômbia, em Medelín, cidade particular-mente interessante porque já esteve asso-ciada a muita violência, à questão do tráfi-co de drogas, e, por meio de uma mudança de cultura e de uma proposta interessante de divulgação científica, conseguiu mudar um pouco essa realidade. Acho que a Red Pop é um fórum fundamental para nós, latino-americanos, pensarmos juntos em colaboração, em como podemos enfrentar nossos desafios de maneira interessante e criativa. Gostaria de destacar duas ações nas quais estamos trabalhando. Uma de-las relaciona-se a políticas de divulgação científica. Hoje, poucos países no mundo possuem políticas específicas para a área, mas, de forma interessante, vários países da América Latina têm experiência nisso. Com a Unesco, temos mapeado essas políticas para estimular outros países a consolidar as suas. A segunda ação é o primeiro guia latino-americano de museus de ciência. Para entender a divulgação científica que fazemos, precisamos ter um mapeamento detalhado de quem trabalha com isso. Claro que divulgação científica não se faz só em museus de ciência, mas estamos partindo daí. E entendemos mu-seus de ciência de maneira bem ampla, in-cluindo museus de Ciências Sociais (His-tória, Antropologia, dentre outros) e, ainda, jardins botânicos, zoológicos, planetários e aquários etc.. Vale ressaltar que a Red Pop é ligada à Unesco e reúne instituições,

não indivíduos. Quero aproveitar para dei-xar um convite às instituições brasileiras para que se filiem e venham somar a esse esforço latino-americano.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) planeja realizar, em 2014, mais uma enquete nacional sobre Percep-ção Pública da Ciência. Você participou das duas últimas enquetes (2006 e 2010). Em sua opinião, o que mudou de forma mais significativa?

Primeiro, era muito importante reali-zar essas enquetes. O Brasil teve uma pri-meira em 1987 e, depois, passou quase 20 anos sem outra. Esse movimento começou a crescer em outros países. Na Europa e nos Estados Unidos, as enquetes continu-aram a ser feitas sistematicamente. Ainda não temos os resultados de 2014; a enque-te está em fase de finalização. Mas um dado que chamou a atenção de 2006 para 2010 foi a visitação a museus de ciência. Com o que temos, não dá para fazer ligação dire-ta entre os estímulos dados no Brasil e os resultados obtidos, mas o que se percebe é que, nesse contexto brasileiro, em que houve uma série de estímulos à divulgação científica, a visitação a museus de ciência dobrou. Em 2006, 4% dos respondentes disseram que tinham visitado um museu de ciência no último ano e, em 2010, essa porcentagem subiu para mais de 8%. Esse é um resultado importante. Também acho importante mencionar a questão da cober-tura da ciência. Normalmente, somos muito críticos com o material que temos gerado, mas o que percebemos é que a avaliação dos respondentes era muito positiva em relação à cobertura de ciência. Outro dado interessante, mas que a mídia divulgou de maneira distorcida, é a questão do interes-se dos brasileiros em relação a temas de ciência e tecnologia. De 2006 para 2010, houve mudança na forma de se fazer a per-gunta. Por isso, parece que o crescimento foi muito grande. A mudança também tor-

na complicada a comparação, mas o que a gente pode afirmar é que, ao contrário do que se apresenta nos fóruns de discussão de divulgação científica, os brasileiros têm interesse em temas de C&T. As pessoas expressam esse interesse em percentuais muito semelhantes aos exibidos por espor-tes, área muito forte no Brasil.

E onde é necessário concentrar es-forços, em sua opinião?

Bem, o que ficou claro é que o fato de as pessoas expressarem interesse em temas de ciência e tecnologia não significa que sejam atuantes. Elas não buscam mais informações ou se envolvem mais com a área. Portanto, acho que um dos desafios é, justamente, conseguir conciliar esse in-teresse expresso por uma atitude de envol-vimento em ciência e tecnologia.

Pesquisadores que trabalham com divulgação científica costumam reclamar sobre a dificuldade para concorrer ao apoio de agências de fomento, já que não existe um campo específico para a divulga-ção científica. Um biólogo que tem projeto de divulgação, por exemplo, não sabe se concorre com outros projetos de Biologia ou da área de Comunicação ou Educação. Com base em sua experiência, teria algu-ma sugestão para solucionar o problema?

Sim, tenho uma solução simples, so-bre a qual tenho falado muito. Basta usar o que o CNPq já faz. O Conselho tem, em sua raiz de campos do conhecimento, a área de “divulgação científica”. Assim, não importa se o pesquisador é da Biologia, da Física ou de qualquer outra área: se está fazendo um projeto de divulgação científica, ele tem essa opção na hora de submeter a proposta. Se não fizer isso, você realmente dificulta a aprovação de projetos na área. Como o CNPq e muitas FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) já possuem editais específicos de divulgação científica, o processo natural seria adotar essa estrutura de área do próprio CNPq.

Page 16: Minas Faz Ciência #58

16 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

EDU

Ca

çã

o

Liberdade, escola e igualdadePesquisa revela predomínio de negros nas institui-ções de ensino mineiras e altera percepção sobre a condição social dos indivíduos libertos no séc. XIX

verônica Soares

Page 17: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 17

Negro, livre e letrado. Tal tríade de condições, em determinadas circunstân-cias, poderia ser considerada contraditória, especialmente na nação que recebeu, de 1791 a 1835, mais de 1,4 milhão de escra-vos provenientes do continente africano. No século XIX, as escolas de instrução ele-mentar de Minas Gerais destacavam-se por um perfil que as diferenciava das demais províncias brasileiras: a região revelava-se a única onde havia predomínio de negros – termo que, nesse contexto, agrega a con-dição de pretos, pardos e crioulos – nos ambientes escolares, a ponto de, muitas vezes, eles se caracterizarem como maioria nas salas de aula, situação que refletia, na verdade, o próprio perfil demográfico do província do Estado, que contava com po-pulação de negros livres e escravos muito superior à de brancos.

Naquela época, o acesso às escolas não era permitido aos escravos. Sendo assim, para os libertos, ter acesso à educa-ção, ainda que apenas no nível elementar, significava a garantia de muito mais do que a capacidade de ler e escrever. Tratava-se, afinal, da possibilidade de serem, ou não, reconhecidos como sujeitos livres. A es-cola lhes servia de importante estratégia de afirmação social. Tal conclusão surge a partir de um novo ponto de vista sobre a história da educação em Minas Gerais, que, ao perceber o negro fora de sua con-dição de escravo, entende que sua subjeti-vidade era também reconstruída por meio de experiências resultantes dos processos de educação formal.

Tradicionalmente, a historiografia considera a escravidão como marca per-manente na população negra. Estudos de-senvolvidos por Marcus Vinícius Fonseca, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), contudo, apontam que a edu-cação revelou-se importante instrumento de ressignificação da condição dos negros. Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador expli-ca que sua investigação também buscou identificar o sentido da escolarização para a população afrodescendente. Ou seja: mais do que ensino, o que buscavam os pais ao inserir seus filhos nas escolas?

Sendo a hipótese inicial a de que tais instituições serviam de instrumento de afirmação social – e de que uma de

suas principais funções seria demarcar o distanciamento entre negros livres e escravos –, os indivíduos de condição li-vre procuravam afirmar sua liberdade por meio da relação com as escolas. Famílias negras punham os filhos no ambiente es-colar para afirmar seu status de liberdade. Desse modo, estabeleciam relações com um espaço social legalmente interditado aos trabalhadores escravizados. “Isso era uma forma de os negros livres demons-trarem que não eram escravos e possuíam códigos de conduta típicos das pessoas livres”, explica o pesquisador.

Para chegar a essas conclusões, Fon-seca consultou e analisou documentação censitária que, na década de 1830, promo-veu tentativas de contagem da população de Minas Gerais. Os documentos, que se encontram no Arquivo Público Mineiro, es-tão organizados como listas nominativas de habitantes e apresentam várias informações sobre a população mineira, o que inclui o registro daqueles que se encontravam em processo de escolarização. A análise foi feita na região central do território, nas comarcas de Ourto Preto e Sabará.

Nesta etapa de consulta, a investiga-ção contou com a participação da estudan-te Sulamita Coura dos Reis, da Ufop, que foi bolsista de iniciação científica e teve como função auxiliar o levantamento e o tratamento do material analisado.

A partir das listas, identificaram-se crianças que frequentavam as escolas em anos distintos – ou seja, que teriam perma-necido em processo de formação. A partir dessa comparação, foi possível verificar os efeitos da escolarização na trajetória dos estudantes e de seus grupos familiares. “Ao comparar documentos que estavam separados por sete anos – entre os perío-dos escolar e pós-escolar –, pude analisar o nível de interferência da escola na consti-tuição dos indivíduos que ingressavam na fase adulta da vida”, destaca Fonseca.

Mudando de raça Dado curioso observado na pesquisa

diz respeito à influência da escolarização no processo de classificação racial dos negros: a inserção na escola podia promo-ver a mudança da condição do indíviduo

Page 18: Minas Faz Ciência #58

18 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

a dos demais. Os indivíduos livres, que formavam grupos frequentemente confun-didos com os pares escravizados, foram os que mais rapidamente compreenderam o valor social da experiência escolar e a utilizaram como mecanismo de afirmação sociorracial.

Também merece destaque o fato de que as escolas com predomínio de alunos negros tinham forte componente civilizató-rio, cujo objetivo era disciplinar a popula-ção. Civilizar significava, sobretudo, com-bater as influências africanas que se faziam presentes em Minas Gerais. “Pode-se dizer que o papel da escola era “embranquecer” a população, tentando desfazer as influên-cias africanas. Dessa forma, constatamos que uma atitude negativa em relação à cultura de origem africana é algo que se

“crioulo”, ou “preto”, para “pardo” – ou, até mesmo, para “branco”. Tal fato con-firma o que vem sendo demonstrado pela historiografia brasileira: no século XIX, a classificação racial indicava um lugar so-cial. O impacto dessas constatações pode ser contextualizado pela atual situação da educação negra no Brasil. Segundo o professor, fica evidente que o predomínio absoluto dos negros nas escolas de instru-ção elementar existentes na região central de Minas Gerais, desde os anos 1800, der-ruba a ideia de que eles não frequentavam instituições de ensino antes do século XX.

A pesquisa é uma importante contri-buição ao processo de reposicionamento dos negros como sujeitos da história, ao demonstrar que este grupo operou a partir de estratégias sociais tão complexas como

Page 19: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 19

A lei incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, nos estabelecimentos de ensinos fundamental e médio, públicos e particulares. O conteúdo progra-mático inclui o estudo de temas como história da África e dos africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, com o objetivo de resgatar a contribuição do povo afrodescendente nas áreas social, econômica e política pertinentes à his-tória do Brasil. A legislação também instituiu, no calendário escolar, o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

PROJetO: Sentidos e significados da escolarização para a população negra de Minas Gerais no século XIXcOORDeNADOR: Marcus Vinícius Fon-secaeDitAl: Demanda UniversalvAlOR: R$ 10.792,27

faz presente no próprio processo de gestação da educação enquanto prática social”, pondera o pesquisador.

Tal fato aponta para a importância da lei 10.639, aprovada em 2003, que determina que os negros sejam incor-porados de forma positiva no currículo e nos processos educacionais desenvol-vidos pelas escolas brasileiras. Marcus Vinícius Fonseca destaca que, ainda nos dias de hoje, “estamos lutando contra

uma tradição de caráter discriminatório, que se estabeleceu logo após a indepen-dência do Brasil e se impôs à educação brasileira”. A abordagem desenvolvida a partir da História da Educação sinaliza que a lei 10.639/2003 não apenas ten-de a modificar ritos pedagógicos, mas, principalmente, a transformar a própria identidade da educação como prática social e como parte de um projeto de nação gestado nos últimos dois séculos.

Page 20: Minas Faz Ciência #58

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

CIê

NC

Ia D

a IN

foR

Ma

çã

o

Não há dúvidas de que, nos últimos tempos, em função da velocidade, do volu-me e da variedade da geração de informa-ções, questões referentes à disseminação, ao armazenamento e ao acesso de dados têm se tornado complexas, de modo a desafiar homens e máquinas. Por meio dos sistemas financeiro, de transporte, de segurança e de comunicação interpes-soal – representados pelos mais variados dispositivos, de cartões de crédito a trens, aviões, passaportes e telefones celulares –, circulam fluxos informacionais que carre-gam o DNA da vida cotidiana do indivíduo contemporâneo.

Para além da constatação do vasto vo-lume de dados produzidos e da consequen-te preocupação com seu armazenamento e acesso, pesquisadores passaram a se de-bruçar sobre o potencial da geração de co-nhecimento: diante de tantas informações, como correlacioná-las e interpretá-las?

Big Data é o nome dado ao processa-mento cada vez mais complexo de grande quantidade de dados. Cunhado na década de 1990, o termo faz alusão ao desafio posto aos sistemas computacionais, no que se refere ao processamento de grandes volumes de informação, com o objetivo de produzir conhecimento e auxiliar empre-sas, governos e sujeitos nos processos de tomadas de decisão.

Para além do referido cenário infor-macional contemporâneo, percebe-se, nos

guardião de informaçõesIniciativa do governo de Minas pretende auxiliar visualização de dados para tomada de decisões nos setores público e privado

camila Alves Mantovani

Page 21: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 21

contextos governamentais, um esforço – gerado por leis e decretos, ou mesmo por pressões democráticas – em disseminar informações consideradas de interesse pú-blico. No Brasil, está em vigor, desde maio de 2012, a Lei de Acesso à Informação, no 12.527. Em linhas gerais, a legislação regulamenta o direito à informação, já ga-rantido na Constituição Federal, obrigando órgãos públicos a divulgar tudo o que for de interesse dos cidadãos. Para tanto, tais setores devem estabelecer procedimentos que facilitem e tornem mais ágil o acesso ao que seja importante, por meio de Tec-nologias de Informação e Comunicação, as chamadas TICs, para processamento e oferta de dados. Tais ações buscam pro-mover uma cultura de transparência e con-trole social na administração pública.

Como parte desse esforço, o governo de Minas, a partir do Escritório de Priori-dades Estratégicas, com financiamento da FAPEMIG, lançou, em novembro de 2013, o projeto DataViva, que consiste na oferta de dados oficiais sobre exportações, ativi-dades econômicas, localidades e ocupa-ções profissionais de todo o Brasil. Além de atender à legislação, a iniciativa tem como grande diferencial a visualização de dados que, a partir dos preceitos do Big Data, busca, de maneira interativa, ajudar o usuário a extrair significado das informa-ções disponíveis.

Page 22: Minas Faz Ciência #58

22 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

Visualização Originado de uma demanda interna,

tendo em vista a necessidade de tomar decisões mais acertadas a respeito de políticas públicas econômicas, o DataVi-va expandiu-se para além das Gerais. Já em sua concepção, buscou dialogar com setores e sujeitos situados fora da esfera governamental.

Na equipe de concepção do proje-to, estão os professores Cesar Hidalgo, do Instituto de Tecnologia de Massa-chusetts (MIT), e Ricardo Hausmann, da Universidade de Harvard. A metodologia desenvolvida pelos pesquisadores, nome-ada Product Space, foi fundamental para o desenvolvimento do DataViva. A partir da análise das conexões existentes entre os produtos exportados pelos países, numa escala econômica global, a metodologia pretende apreender quais são as vantagens comparativas de cada nação com os res-pectivos produtos.

Num primeiro momento, o DataViva construiu uma ferramenta que permitia a análise da economia mineira embasada por essa perspectiva metodológica complexa e diversa. No entanto, diante das possibi-lidades oferecidas pelas bases de dados trabalhadas – a saber, a Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério do Tra-balho e Emprego (Rais-MTE), o Banco de Dados da Secretaria de Comércio Exterior, Ministério do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior (Secex-MDIC) e Banco de Dados Estatísticos de Comércio de Commodities das Nações Unidas (UN Comtrade) –, a plataforma evoluiu para um sistema mais completo.

Atualmente, conta com oito aplicati-vos e mais de 100 milhões de visualizações. “Durante o processo de criação, viu-se o potencial da plataforma não apenas para desenvolvimento da metodologia Product Space, mas, também, para a visualização de dados abertos”, afirma Guilherme Sgan-

serla, analista do Escritório de Prioridades Estratégicas de Minas Gerais.

De maneira interativa e didática, o usuário é guiado através das diversas maneiras de navegação dos aplicativos. Além de informações sobre os produtos exportados, bem como acerca do volume das exportações em cada um dos estados e municípios do País, em poucos cliques, o interessado pode conhecer melhor o perfil da população, o tipo de atividade desen-volvida, as ocupações formais e a média salarial por categoria.

“De uso amigável e intuitivo, desen-volvido 100% em software livre e aberto ao acesso de todos, o DataViva pretende con-tribuir para a implementação de políticas, investimentos públicos e privados, bem como para a realização de estudos acadê-micos. Ao apontar relações e evidenciar dinâmicas não vistas até então, o sistema permite que atores públicos e privados aprimorem suas estratégias, decisões e, principalmente, que dialoguem sobre o de-senvolvimento econômico e social do País de forma qualificada”, aponta Hidalgo.

Com o intuito de aprimorar a ferra-menta, o DataViva realiza, no momento, uma pesquisa online que busca identificar o perfil dos sujeitos que acessam a plata-forma, tendo por foco suas necessidades e demandas. Dentre as melhorias já pre-vistas, está a incorporação de outras bases de dados, como informações do setor de Educação, o que permitirá análises mais complexas, para tomada de decisão não apenas no âmbito da iniciativa pública, mas, também, na esfera privada.

Segundo Cesar Hidalgo, mais do que oferecer informações já públicas, o Data-Viva funciona como plataforma de plane-jamento colaborativo, por meio da qual é possível explorar a complexidade dos da-dos, de maneira livre, crítica e propositiva.

Repr

oduç

ão

Page 23: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 23

Dados multifacetados

As bases de dados disponíveis na plataforma fornecem conhecimento espe-cífico, que é apresentado de forma correlacionada. De acordo com o Governo, em sua versão atual, o DataViva apresenta informações dos últimos 10 anos, relativas à exportação de 1.256 produtos (Secex-MDIC) e a 865 ocupações em 427 atividades econômicas (Rais-MTE).

A Rais é um registro administrativo com periodicidade anual, que permite o acompanhamento e a caracterização do mercado de trabalho formal no Brasil. Os dados são fornecidos pelas próprias empresas, que englobam desde informações referentes a funcionários, até nuances da atividade econômica desenvolvida. Tais cenários permitem ao DataViva gerar conhecimento sobre emprego, massa salarial, entre outros.

O banco de dados da Secex-MDIC permite a análise do comportamento do intercâmbio comercial brasileiro ao longo dos anos. Nele, o movimento comercial do País é descrito e analisado em relação às demais nações do mundo, englobando--se aí as vendas e compras efetuadas externamente. No DataViva, os dados sobre as exportações brasileiras são de 2000 em diante. As principais variáveis dizem respeito a valor das exportações, unidade da Federação produtora, municípios exportadores e país de destino.

Por último, o banco de dados UN Comtrade contém estatísticas detalhadas so-bre importações e exportações de cerca de 200 países ou áreas. Com atualizações frequentes, conta com mais de 1 bilhão de registros, sendo considerado um dos mais abrangentes bancos de dados disponíveis sobre comércio internacional. No DataVi-va, as informações usadas para proceder às comparações internacionais são origem e destino das exportações e valor exportado por produto. Cabe destacar, conforme indicação do projeto, que os dados do UN Comtrade não estão disponíveis para visualização, sendo utilizados apenas para cálculo de indicadores no DataViva.

A FAPEMIG lançou, no início de 2014, um edital para financiar pro-postas relacionadas à plataforma Dataviva. O objetivo era apoiar pesquisas que utilizassem o Dataviva como base de informações para análise e pro-posição de políticas públicas em quatro linhas temáticas: diversificação da economia mineira, complexidade econômica de Minas Gerais, redução das desigualdades socioeconômicas no Estado e tratamento e visualização de base de dados. O recebimento de propostas se encerrou em maio e, ao todo, 18 propostas foram recebidas. Elas estão sendo analisadas e a previsão é que o resultado seja divulgado no final do ano. Ao todo, serão investidos R$500 mil nos projetos selecionados.

Page 24: Minas Faz Ciência #58

24 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

ENg

ENh

aR

Ia E

léTR

ICa

As dicas para economia de ener-gia elétrica nas residências já são bem conhecidas dos brasileiros. Trocar lâm-padas incandescentes por fluorescentes, deixar acumular roupas para usar a má-quina de lavar e o ferro de passar, não esquecer aparelhos eletrônicos no modo stand-by e reduzir o tempo do banho são alguns dos hábitos que cada um pode adotar em casa. Por enquanto, nem to-dos põem em prática essas orientações, mas, desde o racionamento de energia no Brasil em 2001, as campanhas para uso consciente só aumentam.

As residências, no entanto, não se revelam as maiores gastadoras. Respon-dem por 27% do total, segundo dados do Ministério de Minas e Energia. As grandes consumidoras de energia elétrica do País são as indústrias, responsáveis por 40% do consumo. Quais seriam, então, as “di-cas” para que esse setor também pudesse contribuir para a economia energética? Com o intuito de responder a tal questão, pesquisadores de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, criaram um sistema ino-vador, capaz de ajudar o setor industrial a controlar gastos.

O projeto de pesquisa intitulado Eime foi desenvolvido pela empresa Kite, sob coordenação do engenheiro eletrôni-co Carlos Henrique Rodrigues Cardoso – mais conhecido como Caíque. O resultado é um dispositivo de monitoramento que pode ser instalado em cada máquina da in-

Pedro ivo Martins

sem parar as máquinas

Inovação de empresa do Sul de Minas ajuda no controle do gasto de energia da indústria

Page 25: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 25

dústria para medição do gasto de energia. As informações da ferramenta – chamada de Kite Power – são enviadas por uma rede sem fio a um sistema de gestão, que regis-tra e apresenta relatórios sobre o consumo. “O foco do produto é eficiência energética. Com a racionalização, podemos usar a energia da forma mais adequada, sem des-perdício”, esclarece.

A consequência imediata envolve redução de custos e ganho de competiti-vidade. Apesar disso, o objetivo, conforme o coordenador do projeto, é antecipar um cenário de falta de energia – o que pode acontecer caso o ritmo de crescimento do Brasil volte a acelerar nos próximos anos. Qualquer corte energético pode causar pre-juízos a todos os setores, inclusive ao coti-diano das residências; porém, a indústria é a que mais perde, por precisar de forneci-mento contínuo. “No comércio, é possível fazer racionamento nos horários em que as lojas estão fechadas. A indústria não tem essa opção”, afirma Caíque Cardoso.

O Eime foi pensado, justamente, a partir da percepção do alto impacto do desligamento da energia na indústria. Segundo o coordenador do projeto, o dano vai além do período em que houve cortes, pois o retorno da produção toma mais tempo. “Em nossa casa, se ficamos meia hora sem energia, acendemos uma vela. Quando tudo volta ao normal, po-demos ligar a luz novamente e assistir à televisão. Na indústria, os problemas se prorrogam e há queda considerável na produtividade”, explica.

Energia limitadaHoje, o Brasil depende, em grande

parte, da força das quedas de água para ter energia. As usinas hidrelétricas são res-ponsáveis por quase 80% da produção, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas ampliar a geração com esse tipo de fonte não é simples. Para se construir uma hidrelétrica, o investi-mento é alto e a obra toma muito tempo, sem contar o reflexo ambiental nas terras alagadas pelo represamento da água. Bom exemplo disso está na polêmica Central de Belo Monte, que está sendo construída no

Rio Xingú, no Pará, com investimento esti-mado em R$ 30 bilhões.

Usinas termelétricas têm sido muito usadas como opção rápida para suprir a necessidade de consumo. O problema é que utilizam, como combustível, o gás natural, o carvão mineral e óleos derivados do pe-tróleo, fontes não renováveis que custam mais caro e causam impacto negativo ao meio ambiente. Por outro lado, as chamadas energias alternativas, geradas pela luz solar e pelos ventos (eólica), ainda representam menos de 1% do total de energia produzida no País, segundo a Aneel.

Com isso, racionalizar o gasto repre-senta, para Cardoso, a forma mais viável de evitar interrupção na distribuição de energia. “Se passarmos a crescer como todo mundo gostaria, a taxas de 5% anu-ais, talvez, em menos de dez anos, não teremos energia suficiente para garantir o funcionamento das fábricas”, afirma. Dian-te da atual situação de falta de chuvas e baixos níveis dos reservatórios de água, o “apagão” pode vir bem antes que isso, se-gundo relatórios sobre as perspectivas da economia brasileira realizados, por exem-plo, pela Consultoria PSR e pelo Grupo Brasil Plural.

Enquanto não faltar energia para o setor industrial, os investimentos con-tinuarão tendo como foco a produção, segundo o coordenador do Eime. “A questão é que a indústria ainda não está sensível a isso, pois há certa abundância. Só irão se preocupar quando o problema de falta de energia começar, realmente, a ocorrer”, pondera. Para Cardoso, o de-safio é mostrar a energia como matéria prima fundamental: “Quando se fabrica um produto, temos plástico, metal e ou-tros materiais. Não adianta ter tudo isso, se não houver energia”.

PROJetO: Eime – Equipamento Indus-trial de Monitoramento de EnergiacOORDeNADOR: Carlos Henrique Rodrigues Cardoso eDitAl: Eletroeletrônico vAlOR: R$ 70.000,00

Divu

lgaç

ão

Page 26: Minas Faz Ciência #58

26 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

BIo

log

Ia Blecautes ligeirosEstudo usa corujas como modelos experimentais para avaliação das atividades do cérebro durante ausência de visão proporcionada pelo piscar de olhos

Ana luiza Gonçalves

Page 27: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 27

Imagine a sensação de explorar o mundo apenas pelo cheiro, pelo som e pelo toque das mãos, abdicando-se com-pletamente da visão, durante quatro horas ininterruptas do dia. Uma cortina se fecha em frente aos olhos e por lá permanece, de modo a nos cegar e a nos fazer conhecer o escuro da vida. Ao piscar, os indivíduos produzem, por cerca de 150 milissegundos, uma espécie de blecaute. A princípio, tal fra-ção de tempo pode parecer baixa, mas, se somada ao que gastamos a cada piscada, chega-se ao valor diário de, aproximada-mente, 240 minutos de completa escuridão. Interessante lembrar, ainda, que a inter-rupção visual ocorre de dez a 15 vezes por minuto e, geralmente, não é percebida pelas pessoas – que, por isso, têm a ilusão de percepção contínua do que as cerca.

Neste sentido, o que se passa no cé-rebro, a cada vez que a pálpebra se fecha, fazendo com que imagens deixem de ser projetadas? “Fisicamente, há um bloqueio visual, mas, perceptualmente, você próprio completa esse bloqueio. Seu cérebro apre-senta uma informação onde ela não existe; do contrário, não teríamos a continuidade perceptual”, explica Jerome Baron, profes-sor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) e coordenador do projeto “Impacto do piscar na via retinotalamofugal”, que in-vestiga qual o mecanismo neuronal respon-sável por manter a continuidade perceptual dos indivíduos durante o piscar.

O fechar das pálpebras é um ato re-flexo espontâneo para proteger os olhos de danos causados por objetos externos, como insetos, cílios e outros corpos es-tranhos. Além disso, ao piscar, o indivíduo umedece e oxigena a córnea. Entretanto, os mecanismos por trás do fenômeno de continuidade perceptual ainda são pouco compreendidos. Baron alerta que a inves-tigação desses processos de interpolação temporal pelo sistema visual é importante para que se compreendam problemas rela-cionados à consciência, bem como as con-sequências dos blecautes não percebidos na atividade cotidiana.

O foco do projeto está no entendi-mento das bases neuronais envolvidas em um mecanismo, ao mesmo tempo,

funcional e perceptual. Várias técnicas não invasivas podem ser usadas em tal inves-tigação, como a eletroencefalografia e a ressonância magnética. Por meio desses métodos, contudo, não é possível acessar diretamente os meandros do funcionamen-to neuronal.

Dos mamíferos às corujasPor isso é que, em estudos de tal

natureza, há uso de animais – principal-mente, de mamíferos, com destaque para primatas e gatos. Em seu projeto, porém, Baron propôs que os experimentos fossem realizados em espécies da coruja bura-queira (Athene cunicularia) e da coruja--de-igreja (Tyto alba), bastante comuns no Brasil. A escolha baseia-se nas evidências de que o sistema visual da ave é altamente desenvolvido e comparável ao dos prima-tas, além da vantagem de não apresentar movimentos oculares.

Os pesquisadores estão interessados em compreender os mecanismos celula-res, indo diretamente à fonte elétrica do cérebro. “Para isso, há diversos recursos, sendo o mais direto a inserção de um ele-trodo no cérebro. Próximo ao neurônio, ele consegue registrar a atividade elétrica gerada”, explica o coordenador. Os ex-perimentos com as corujas são difíceis e longos, mas permitem que se façam cor-relatos entre padrões de atividade neuronal e de estado perceptual. “Isso porque a ati-vidade elétrica se relaciona a determinados aspectos visuais e, a partir disso, é pos-sível questionar a reação de um neurônio, devido a determinados estímulos, ou por meio da mudança do estado perceptual do animal”, explica o pesquisador.

De acordo com Baron, a coruja repre-senta um ponto de singularidade na evolu-ção das aves. Por ter olhos frontais, ela tem visão excepcional e binocular, que permite a extração da terceira dimensão. “Se você tapa um olho, depois o outro, vê o mundo de um ponto de vista diferente. Seu cérebro compara a discrepância entre uma imagem e outra. A partir desse cálculo de discrepân-cia, dá-se a terceira dimensão”, esclarece. A coruja é uma das raras aves com sistema visual parecido com o do primata – que, por sua vez, possui o “córtex visual primário”, área de extrema importância à visão, bastan-te similar ao do homem.

O pesquisador comenta que essa área cerebral é a porta de entrada do pro-cessamento visual para o resto do córtex no primata. “Apesar de não ter córtex ce-rebral, a coruja possui uma área chamada wulst, representativa de um quarto do cére-bro, que é totalmente visual. Pela posição em que se encontra essa região, revela-se análoga ao córtex visual do primata”, ex-plica Jerome Baron.

EquipamentosDoados pelo Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as corujas foram man-tidas em um aviário localizado dentro do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. Foi necessário um treinamento para que as duas espécies tolerassem, sem estresse, a imobilização da cabeça durante o período de realização dos registros. Durante quatro semanas, os animais foram ambientados, por meio de manuseamento diário, para que se acostumassem à presença de pes-soas e aos sons ambientes. Em seguida,

Divu

lgaç

ão

Um quarto do cérebro da coruja é protegido por uma protuberância chamada wulst

Page 28: Minas Faz Ciência #58

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

PROJetO: Impacto do piscar na via retinotalamofugalcOORDeNADORA: Jerome BaroneDitAl: Demanda UniversalvAlOR: R$ 47.802,30

realizou-se, nas aves, uma cirurgia de im-plante de um cilindro de baixo peso sobre a área cranial de interesse para a realização dos registros eletrofisiológicos da ativida-de neuronal.

O registro do piscar de olhos foi feito com auxílio de um detector formado por um diodo emissor de luz infravermelha. O dispositivo emitia luz em alta frequência por toda a área do olho e a porção refletida era detectada por um fotodiodo. “Desen-volvemos, ainda, um sistema que mede o tamanho da pupila em tempo real, usado para detectar e medir, com precisão, o tem-po da ocorrência e a cinemática do piscar”, explica o professor.

Conforme esclarece Jerome Baron, a medição poderia ser feita de forma mais simples, por meio de um eletrodo instala-do na pálpebra da coruja, pois, dessa for-ma, é possível flagrar a atividade muscular. Porém, há, na ave, uma membrana trans-parente a revestir a pálpebra, que protege o olho, mas dificulta o processo de medição por meio da musculatura.

ResultadosO cérebro funciona como um predi-

tor de eventos. Antes de a piscada ocorrer, grupos de neurônios despertam um sinal, alterando a atividade cerebral. É como se o cérebro “falasse” para a área visual:

“Prepare-se, pois vai chegar uma atividade relacionada a uma piscada”. Jerome Ba-ron comenta que a principal questão está na busca de compreensão sobre o modo como a mente lida com a ausência de informações no momento dos blecautes. “Nossos resultados são compatíveis com a ideia de que os mecanismos preditivos e compensatórios implicados na manu-tenção da continuidade perceptual durante o piscar são similares aos implicados na realocação do olhar”, completa.

O piscar ocular e a constrição/dilata-ção da pupila são marcadores poderosos de fisiopatologias e distúrbios neuroló-gicos. Por exemplo, o comportamento da pupila é alterado em pacientes com escle-rose múltipla, ataque de pânico, Parkinson, autismo, dentre outras enfermidades. Além disso, o piscar pode ser usado como indi-cador de atividade cognitiva específica, em diagnósticos de fadiga ou sonolência. As-sim, o pupilômetro digital desenvolvido no decorrer do projeto poderá ter aplicações clínicas diversas.

Na coruja, foi encontrada frequên-cia média de cinco piscadas por minuto, com duração média de 240 milissegundos em repouso e 130 milissegundos em ta-refa visual – sendo que 90% ocorriam de forma simultânea ou logo seguidas por movimentação ocular (por meio do reposi-

cionamento da cabeça). Além disso, cons-tatou-se que a frequência de piscadas é reduzida, se comparada à movimentação da cabeça. “Tais dados, aliás, permitiram refor-çar que o sistema visual da coruja tem inte-ressantes analogias, pelo menos funcionais, com as dos primatas, e pode servir, assim, como um modelo animal interessante para o estudo da neurodinâmica da percepção visual”, completa o pesquisador.

Page 29: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 29

ENg

ENh

aR

Ia D

E M

aT

ERIa

Is

sustentadas e sustentáveisMateriais alternativos são promessa para minimizar impactos da construção civil e manter qualidade nas obras

virgínia Fonseca

Page 30: Minas Faz Ciência #58

30 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

O setor de construção civil emprega cerca de 3,5 milhões de trabalhadores no País, e, em 2012, representou 5,7% do Pro-duto Interno Bruto (PIB) nacional. Bastante associado a indicadores de desenvolvimen-to econômico, o segmento é, também, um dos grandes responsáveis por impactos ambientais no planeta, já que usa grande volume de recursos naturais como matéria--prima. Aproximadamente 90% das areias utilizadas nessa atividade, por exemplo, são extraídas dos leitos dos rios. Cada vez mais, jazidas e lavras do material ficam escassas, especialmente, nas proximidades de gran-des centros urbanos, devido ao grande con-sumo relacionado à produção de concretos – na forma de cimento ou de agregados empregados no setor.

Neste contexto, o estudo de materiais alternativos diz respeito à possibilidade de garantir o fornecimento e, ao mesmo tempo, minimizar os impactos ambientais da atividade. “A fabricação do cimento de-manda ampla quantidade de matéria-prima e energia, enquanto o uso de agregados re-move grandes maciços de rochas e areias de rios, causando desmatamento e assore-amento”, explica o professor Augusto Be-zerra, coordenador do Laboratório de Tec-nologia dos Materiais do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) – campus Belo Horizonte.

As pesquisas na área giram em torno do emprego de materiais não convencio-nais em parte do cimento e de agregados de resíduos industriais em substituição aos agregados naturais. Além de as adi-ções minerais envolverem recursos apro-veitados de outros processos, elas têm importante papel nas propriedades dos elementos cimentícios, com resultados positivos para a construção, a durabilidade e a recuperação de obras.

Certos materiais podem colaborar com a redução drástica da permeabilidade e a melhoria da composição da zona de tran-sição interfacial, aumentando, consequente-mente, a resistência ao desgaste superficial das construções. Concorrem, ainda, para reduzir o calor de hidratação, uma vez que a reação, com as adições minerais, se proces-sa de forma mais lenta – o que resulta em menos porosidade nas estruturas.

Augusto Bezerra realiza estudos si-milares há mais de cinco anos. A partir de projeto aprovado em edital da FAPEMIG, o acadêmico iniciou pesquisas quando lecionava no campus do Cefet em Araxá. Atualmente em Belo Horizonte, Bezerra dá prosseguimento aos trabalhos, nos quais usa resíduos de processos de extração de matéria-prima e industriais disponíveis no Estado para desenvolver opções sustentá-veis do ponto de vista técnico e ambiental.

As principais propriedades ligadas à durabilidade dos concretos desenvolvi-dos, visando sua aplicação na construção civil, passaram pelo crivo dos pesquisa-dores: resistência à compressão, módulo de elasticidade, permeabilidade, absorção e carbonatação (veja box ao lado). Sobras de construção e demolição, de mineração, cinzas de bagaço de cana-de-açúcar e de cavaco de eucalipto estão entre as possibi-lidades investigadas. Para certos materiais, existe a aplicabilidade como agregado do concreto – em substituição à brita e à areia empregadas no processo. Outros podem ser adicionados diretamente à produção industrial do cimento.

Composições possíveisOs resíduos de construção civil

e de demolição foram estudados como matéria- prima para produção de cimen-to. Testes de calcinação em temperatura inferior à do cimento comum, com adição de percentuais desse material, mostraram resultados positivos. Com a substituição de 35% do cimento por resíduos processados, foi possível obter resistências superiores a 75% do compósito sem substituição, nú-meros que atendem às exigências das nor-mas nesse quesito”, revela Augusto Bezerra.

As pesquisas continuam em anda-mento, com a parceria da professora Maria Teresa Paulino Aguilar, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Embora não tenham sido realizados, ainda, estudos de viabilidade financeira, estima-se redu-ção substancial de custos na produção cimentícia, já que se eliminam processos como a retirada do material da natureza e a britagem. Além disso, a energia envolvida é inferior. Há que se considerar, ainda, o custo ambiental. Outra pesquisa desenvol-

Page 31: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 31

vida com a mesma equipe da UFMG inves-tiga o uso do bagaço da cana-de-açúcar para adição direta no cimento. Nesta linha, o grupo coordenado por Augusto Bezerra também tem, em andamento, um projeto apoiado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).

O produto apresenta, porém, uma limitação, que os pesquisadores ainda se esforçam para transpor: a instabilida-de de suas características. “Ainda que as cinzas sejam coletadas no mesmo local, originárias do mesmo tipo de cana, de um mês para o outro, constatamos diferenças consideráveis em sua composição”, re-

lata o professor. Os resíduos se alteram em função de diversas variáveis, como espécie, época de plantio e de colheita e tipo de solo. A despeito desse desafio, as pesquisas continuam, tendo em vista o potencial de uso.

Quanto aos resíduos da indústria mineradora, o grupo trabalhou com dois materiais específicos: o óxido de ferro (ou magnetita) e o fósforo-gesso. O primeiro, denso e com elevado poder de resistên-cia à abrasão, foi adotado como possível adição aos agregados de concreto. As propriedades do material – quanto à du-rabilidade, à resistência mecânica e ao

fogo – foram avaliadas como satisfatórias. Porém, segundo os pesquisadores, a ele-vada massa específica inviabiliza o uso longe dos locais onde o resíduo é gerado. “Ainda é preciso identificar uma utiliza-ção mais nobre, que justifique o custo do transporte”, analisa Augusto Bezerra. Já o fósforo-gesso foi usado, com resultados relevantes, na produção de argamassa para proteger termicamente estruturas metálicas em situações de incêndio.

O pesquisador identifica a cinza de cavaco de eucalipto como o mais promissor dentre os materiais estudados. Trata-se de um rejeito de composição estável, não agres-

Considerada uma das principais pro-priedades do concreto, devido à sua correlação com outras características e à facilidade de ser obtida. É um dos dados usados no cálculo estrutural, alcançado por meio do ensaio de resistência à com-pressão em corpos-de-prova, geralmen-te cilíndricos e moldados especialmente para esse fim.

Obtido pela relação entre tensão e deformação do material na região em que, quando tensionado à compressão, o concreto apresenta proporcionalidade entre tensões e deslocamentos. Trata-se de uma medida de rigidez dos materiais.

Particularidade de quanto o material deixa-se penetrar por uma substância. No caso do concreto, geralmente, usa-se água como substância penetrante.

Relação da água absorvida pelo compósito, ao passar da condição seca para saturada.

Reação que ocorre entre o concreto e o gás carbôni-co (CO2) da atmosfera.

Basicamente, resistência à compressão e módulo de elasticidade são parâmetros mecânicos empregados no dimensionamento de estruturas. Por sua vez, perme-abilidade, absorção e carbonatação estão relacionadas, indiretamente, à durabilidade dos concretos: quanto maiores seus índices, menor a tendência de durabili-dade do material.

Page 32: Minas Faz Ciência #58

32 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

PROJetO: Desenvolvimento de con-cretos sustentáveis do ponto de vista técnico e ambientalcOORDeNADOR: Augusto César da Silva BezerraeDitAl: Edital UniversalvAlOR: R$ 39.900,00

Atitudes verdes

Os concretos são usados em diversas construções, de edifícios a barragens, e comumente apresentam resistência à compressão especificada entre 5 MPa, no caso de barragens, e 50 MPa para edifícios de múltiplos pavimentos. O consumo de cimento pode variar de 50 a 450 kg/m³. O emprego de resíduos pode levar à redução do consumo de cimento por metro cúbico de concreto e auxiliar no desempenho e na durabilidade do material, além de contribuir para a sustentabilidade do planeta com o não descarte desses materiais e a diminuição da extra-ção de recursos do meio ambiente.

Os resíduos de construção e demolição respondem por significativa parcela dos rejeitos gerados nos grandes centros urbanos. Belo Horizonte iniciou, em 1995, um programa de re-ciclagem de entulho que incluiu a instalação de três usinas de reciclagem. De acordo com a Prefeitura Municipal, este mate-rial representa 26% do total de resíduos destinados no municí-pio e responde por 80% da coleta de materiais recicláveis. Em 2013, foram produzidas 125 toneladas/dia de material britado nas usinas de reciclagem.

sivo e cujo custo de transporte é relativamen-te barato. “O material que usamos é fornecido pela DPA Nestlé em Ibiá (MG). Já testamos cinzas originárias de unidades distintas da empresa e a composição química é sempre a mesma”, afirma. A equipe pretende inten-sificar as investigações nesta linha. “Hoje, a cinza de casca de arroz, por exemplo, já é vendida, em sua totalidade, para a indústria de cimentos. Talvez possamos chegar a uma realidade semelhante em relação à cinza do cavaco de eucalipto”, antevê.

Para adição ao cimento, as normas brasileiras permitem o uso de até 44% de materiais com propriedades pozolânicas – como cinzas –, cuja presença é capaz de aumentar a resistência mecânica do con-creto. Os estudos realizados até o momen-to indicam a possibilidade de alcançar tal percentual. Do ponto de vista da qualidade do cimento produzido, o resultado tam-bém tem se mostrado relevante: a adição

do resíduo reduz o calor de hidratação do concreto, tornando as estruturas mais du-ráveis. “De forma geral, a durabilidade dos compósitos cimentícios tende a aumentar, uma vez que a absorção de água foi dimi-nuída”, acrescenta o professor.

Com a parceria do professor Ricardo Fiorotti Peixoto, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o grupo também estudou o uso de escória de aciaria como agregado do concreto. Os resultados mos-traram-se expressivos e a pesquisa conti-nua, sob coordenação de Fiorotti.

Legado acadêmicoDe forma geral, certos resíduos da

mineração e da construção civil, assim como as cinzas agroindustriais, apresen-taram potencial para uso em concretos. Esses elementos mantiveram ou elevaram a resistência mecânica e os ensaios reali-zados não indicam a redução na durabili-

dade. O estudo – que se desmembrou em vários subprojetos de mestrado e doutora-do – continua, com boas perspectivas de resultados. O professor aposta no elevado potencial mercadológico das cinzas de ba-gaço de cana-de-açúcar e, especialmente, nas de cavaco de eucalipto.

Augusto Bezerra também destaca, como grande contribuição do projeto, a for-mação de recursos humanos e a instalação, em Araxá, de um laboratório para fomento das pesquisas na área. “A iniciativa contri-buiu para firmar convênio entre a Ufop e o Cefet-MG local, que resultou na qualifica-ção dos docentes da instituição araxaense como mestres e doutores”, conta. O equipa-mento adquirido à época, com recursos da FAPEMIG, também permaneceu no campus Araxá e segue sendo usado em pesquisas, bem como nas aulas do curso técnico.

Page 33: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 33

ENg

ENh

aR

Ia a

gR

ÍCo

la

Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras desenvolvem estudo sobre agricultura mineira a partir de monitoramento por satélite

Do Cosmos à lavoura

William Rocha Ferraz

Page 34: Minas Faz Ciência #58

34 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

O avanço populacional no mundo caminha a passos céleres. Por ano, cerca de 78 milhões de novas vidas humanas florescem, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Diante de tal cenário, a produção de alimentos revela-se o desafio do século XXI. Em 2013, a Terra passou a acolher 7 bilhões de habitantes. A estimativa é de que, em menos de 50 anos, a população mundial atinja a marca de 9 bilhões. Nesse contexto, especialis-tas calculam que seja necessária, apenas nas próximas quatro décadas, produção de alimentos correspondente ao volume da demanda dos últimos oito milênios – o que significa aumento produtivo de 70%.

O cenário é antagônico: ao passo que a humanidade cresce, os recursos são res-tringidos pelo aumento acelerado de consu-mo. Somem-se a tal realidade os obstácu-los de produção impostos pelas alterações climáticas dos últimos anos. Tais fatores conduzem a segurança alimentar e nutricio-nal a inquietante situação de risco. A maior aposta para o combate e prevenção da fome mundial está calcada na agricultura.

A pecuária – segunda maior fonte de alimento para a humanidade –, além do maior aprovisionamento de insumos, é responsável por 14,5% das emissões de gases de efeito estufa, o que equivale a 7,1 bilhões de toneladas de dióxido de car-bono por ano, segundo dados da agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (ou Food Agriculture Organi-zation – FAO). Dono de setor agrícola com capacidade para alimentar um bilhão de pessoas no mundo, o Brasil assume posi-ção de vanguarda nessa missão.

Por isso, o fortalecimento agrícola no País faz-se imprescindível. Parte desse desafio foi assumido por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Com o objetivo de fortalecer as atividades agrícolas praticadas em Minas Gerais – detentor da maior área de cultivo irrigado da América do Sul –, cientistas dedica-ram-se ao desenvolvimento de técnicas de monitoramento por satélite para identifica-

ção e quantificação de áreas irrigadas pelo sistema de pivô central, método aplicado a mais de 20% da agricultura brasileira.

Divididos em diferentes etapas de de-senvolvimento, os estudos debruçaram-se sobre dois objetivos centrais. Em um primei-ro momento, buscou-se gerar o mapeamento cadastral das áreas dos pivôs de irrigação em atividade no Estado, com a finalidade de suprir a carência de informações relativas a atividades agrícolas dispersas pelo vas-to território mineiro. Em seguida, desen-volveram-se soluções para um complexo paradoxo: indispensável ao abastecimento mundial de alimentos, a irrigação é a ati-vidade que mais consome água em todo o planeta, outro recurso essencial à vida.

Aproximadamente 70% de toda a água disponível no mundo – recurso já em vias de escassez – destina-se à prática. No Brasil, o índice chega a 72%. O foco desta etapa, ainda em desenvolvimento, é a iden-tificação dos cultivos, com vistas à compre-ensão do consumo adequado de água para cada um deles, em busca do aprimoramento de técnicas que reduzam o desperdício e in-tensifiquem a produtividade.

Informações do Instituto Intera-mericano de Cooperação para a Agri-cultura (IICA)

Equipamento formado por es-trutura suspensa, provida de tubula-ção metálica ao centro. Conectado a haste munida de orifícios, ele gira ao longo de área circular, por meio da qual a água é borrifada sobre a plantação.

Page 35: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 35

Imagens de satélitesAs pesquisas, inéditas no País, ti-

veram início em 2009, com aporte finan-ceiro da FAPEMIG, por meio de recursos do edital Demanda Universal. “O uso de imagens de satélite de média resolução mostraram-se extremamente eficientes para identificação e quantificação de áreas irrigadas por pivô central. Devido a suas formas circulares, essas áreas podem ser facilmente reconhecidas por meio de aná-lises visuais”, explica Elizabeth Ferreira, coordenadora do projeto, que atua nas áre-as de Sensoriamento Remoto, Cartografia e Geoprocessamento há cerca de 20 anos.

De acordo com a pesquisadora, a acessibilidade à tecnologia de monitora-mento por satélite ainda é recente no Bra-sil. “Até a década de 1980, os estudos usa-vam imagens capturadas por aviões. Esse tipo de fotografia oferece menor nitidez do que as imagens de satélite. Com o tempo, a tecnologia tornou-se acessível e uma série de softwares para manipulação desse for-mato digital passou a ser distribuída gra-

tuitamente, o que possibilitou o uso dos satélites com finalidade agrícola no País”.

Apenas no final dos anos 1990 é que a área ganhou expressivo avanço no Brasil, com a implementação do Programa Sino-Brasileiro de Satélites de Recursos Terrestres (Cbers, na sigla em inglês), que pôs em órbita o primeiro aparelho voltado a programas de “imageamento” do territó-rio brasileiro. O projeto resultou de parce-ria entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (Cast). Para senso-riamento das áreas de irrigação, a equipe utilizou o satélite Cbers 2B, versão apri-morada, que entrou em atividade em 2007.

O processo de varredura geográfica do Estado – que domina uma superfície superior a 585 mil km² – foi realizado entre 2008 e 2010. Foram necessárias 88 foto-grafias para cobertura de todo o território. “O sensor do satélite usado fornece ima-gens de uma faixa de 113 km de largura no terreno, com resolução espacial de 20 metros, o que significa que objetos de dimensões inferiores a esta medida não

Page 36: Minas Faz Ciência #58

36 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

PROJetO: Estudo de áreas irrigadas utilizando imagens dos satélites CBERS_CCD, MSG/SEVIRI e dados de campo, em Minas GeraiscOORDeNADORA: Elizabeth FerreiraeDitAl: Demanda UniversalvAlOR: R$ 36.762,62

são distinguíveis. Seu objetivo é cobrir áreas extensas”, explica Elizabeth. Um conjunto de softwares foi utilizado com a finalidade de verificar a qualidade das imagens e unir os bancos de dados das cenas, compondo um único arquivo com todas as informações das áreas irrigadas por pivô central no Estado.

Para facilitar a interpretação e a minimi-zação de erros, foram selecionadas imagens com porcentagem mínima de nuvens. “Ao final das investigações, detectamos 3.871 pivôs em todo o Estado, totalizando 255 mil hectares de área irrigada”, conta Elizabeth Ferreira. Dos 853 municípios de Minas Ge-rais, 180 apresentaram território irrigado por pivô central. Três municípios destacaram-se por apresentar números acima de 100 equi-pamentos. Trata-se de Paracatu, Unaí e Rio Paranaíba, cidades com, respectivamente, 495, 459 e 197 instalações.

A maioria dos pivôs concentrados na região cobre a área de mil hectares. A coordenadora do projeto destaca que, ao final da referida fase, consolidou-se o pri-meiro projeto de identificação das áreas ir-rigadas por pivô central em todo o Estado. “Com esses dados reunidos, poderíamos determinar a abrangência do equipamento, identificar em que perímetro de município havia sido instalado e de qual bacia hidro-gráfica extraíra-se a água para irrigação. Por fim, estaríamos aptos a mensurar o volume de água usada”, completa.

Sustentabilidade em órbitaApós catalogar as áreas de irriga-

ção por pivô central em Minas Gerais, a equipe reuniu dados para iniciar a inves-tigação sobre uso e consumo de água, no Estado, pelo setor agrícola. Com o pro-pósito de desenvolver estudo consistente sobre o assunto, Elizabeth participou de curso realizado no Centro de Previsões do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), ministrado por equipe holandesa com vasta expertise em Agrometeorologia, ci-ência voltada à investigação das relações de causa e efeito de condições meteoroló-gicas sobre a produção agrícola. “Estudos

dessa natureza são de extrema relevância para o Brasil, uma vez que as equações para cálculo dos efeitos de fenômenos climáticos sobre as lavouras voltaram-se, até hoje, a padrões europeus, ou seja, a regiões com características geoclimáticas muito distintas das ocorrentes em terras tropicais”, explica Elizabeth.

De acordo com a pesquisadora, o de-senvolvimento de técnicas específicas para a prática de irrigação em climas quentes pode levar a agricultura nessas regiões a nível qualitativo muito mais elevado, já que os modelos equacionais atualmente apli-cados podem não ser os mais apropriados, em razão de fenômenos como a evapo-transpiração que incide diretamente sobre os métodos de cultivo e são determinados por características do clima e topografia.

Os estudos conduzidos buscam a análise de coeficientes das culturas em cada estágio. Em outros termos, trata-se da demanda de água por determinada espécie de cultivo em cada uma de suas etapas de crescimento – uma vez que a equipe cons-tatou relativa facilidade na distinção dos tipos de plantações, por meio do monito-ramento remoto. Para tanto, elaboraram-se interpretações de imagens coletadas de lavouras em diferentes fases de desenvol-vimento, com o intuito de analisar os va-lores de coeficientes das culturas em cada estágio – ou seja: a demanda de água por etapa de crescimento. “O objetivo dessa fase é desenvolver novas equações com base em testes de campo conduzidos em terras tropicais, com foco na redução de gasto excessivo de água ou irrigação insu-ficiente durante o crescimento do cultivo”, ressalta a pesquisadora.

Como objetivo final, a pesquisa busca tornar a tecnologia disponível ao agricultor, por meio de ferramentas como o Google Earth. “Dessa forma, teremos avaliações em tempo real, em área mais concentrada e, portanto, mais precisa, se comparada ao monitoramento realizado por estações meteorológicas, tal como ocorre hoje”, completa.

É a soma dos coeficientes do volume de água perdida do solo por evaporação e de plantas por transpi-ração. O nome provém dos dois pro-cessos, que são simultâneos e preci-sam ser igualmente mensurados.

Page 37: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 37

camila Alves Mantovani

BIo

qU

ÍMIC

a

Cheiroso e ecológico

Pesquisadora desenvolve sabão com propriedades medicinais a partir da reutilização do óleo de cozinha e da combinação com plantas de ação farmacológica

Page 38: Minas Faz Ciência #58

38 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

A conscientização ambiental pode ser compreendida como uma mudança de comportamento por parte dos indivíduos – e, por conseguinte, da sociedade –, em relação ao meio ambiente. Tendo em vista que um dos grandes problemas ambien-tais, na atualidade, refere-se ao consumo desenfreado da população e à consequente geração de resíduos, tal mudança culmina com a utilização dos recursos ambientais de forma sustentada, levando-se a um con-sumo consciente.

Dentre as diversas ações para pro-mover tal conscientização, destacam-se as abordagens que têm como referência o princípio dos 3Rs, apresentado na chamada “Agenda 21”, a saber: redu-ção, reutilização e reciclagem. Apesar de serem bastante difundidos, tais princí-pios ainda encontram barreiras em sua implementação, principalmente, quando se observa o consumo cotidiano dos cidadãos. Além de questões voltadas à mudança de comportamento, é patente o desconhecimento do que pode ser fei-to com determinados resíduos, como o óleo de cozinha.

Com o intuito de contribuir para uma melhor gestão dos detritos, bem como de promover atitudes ecologicamente corre-tas, pesquisa coordenada pela professora Marisa Alves Nogueira Diaz, da Universi-

dade Federal de Viçosa (UFV), busca pro-duzir sabão e sabonetes medicinais a partir de óleo residual, aliado à investigação e à comprovação da existência de proprieda-des farmacológicas pesticidas em extratos de plantas da região de Viçosa (MG).

De acordo com a pesquisadora, o descarte do óleo usado na cozinha é um grave problema ambiental, especialmente, no Brasil. Caso o material seja despejado nas pias de cozinhas, ainda que ocorra o processo de tratamento de esgoto, parte do líquido permanece retida no encanamento, de modo a atrair diversos tipos de pragas, além de contribuir para enchentes, tão frequentes nos grandes centros urbanos do País. Importante ressaltar, ainda, que o óleo chega intacto aos rios e às represas, fica na superfície da água e pode impedir a entrada de luz – elemento que alimenta o fitoplâncton, conjunto de organismos es-senciais à cadeia alimentar aquática.

Os recursos hídricos, porém, não são os únicos a sofrer os impactos do descarte. Ao atingir o solo, o óleo também promove sua impermeabilização, dificultando o es-coamento de água das chuvas. Além desse problema, a demorada decomposição do material promove a emissão de metano – o gás do chamado “efeito estufa” – na atmosfera, contribuindo com o superaque-cimento terrestre.

Trata-se de um dos principais resultados da conferência Eco 92 (ou Rio 92). O documento estabe-leceu parâmetros para comprome-timento das nações com a solução dos problemas socioambientais, por meio de seus governos, de suas empresas e entidades de ter-ceiro setor.

Page 39: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 39

Motivações e estudosAo chegar em Viçosa, em 2006, Ma-

risa Diaz oferecia um curso na Semana do Fazendeiro, tradicional evento da região, intitulado “Sabão Rural”. Em resumo, o ob-jetivo da iniciativa era promover a conscien-tização acerca do meio ambiente, aliada ao problema de descarte do óleo de cozinha. À época, para que as aulas ficassem mais atra-tivas, a pesquisadora decidiu acrescentar plantas medicinais com atividades farmaco-lógicas – principalmente, antimicrobianas, sarnicidas e carrapaticidas – já comprova-das ao sabão feito com óleo residual.

Inspirada pela experiência, dois anos mais tarde, a professora aprovou, na FAPEMIG, o projeto de pesquisa que seria realizado em parceria com a empresa Jr. In Bio, ligada ao curso de Biologia da UFV. A proposta era pesquisar plantas medici-nais com atividade antimicrobiana e incor-porá-las ao óleo vegetal residual. “Deu tão certo que trocamos o óleo residual pelo de macaúba e desenvolvemos um sabonete a

partir da planta aquática que pesquisáva-mos à época. O processo foi patenteado, além de ter gerado trabalhos acadêmicos”.

A partir daquela primeira proposta, surgiram outras diversas proposições de pesquisa, como o projeto “Obtenção e avaliação de produtos fitossanitários al-ternativos para uso no controle de mastite bovina”, que detém o apoio do CNPq e conta, entre seus desdobramentos, com a produção de sabão com propriedades far-macológicas. Neste caso, contudo, o foco está no pequeno produtor, que, conforme ressalta a pesquisadora, não tem condição financeira de usar antibióticos para tratar a mastite bovina. O produto serviria, por-tanto, como alternativa para assepsia das mãos, antes da manipulação do animal. Reduz-se, assim, o risco de contaminação e disseminação da doença no rebanho.

“Além disso, a pesquisa objetiva a realização de um estudo fitoquímico das plantas mais ativas, para verificar qual o princípio ativo responsável pelo efeito.

Até o momento, descobrimos o compos-to responsável pela reação antimicrobia-na de duas das plantas investigadas”, conta Marisa Diaz.

A pesquisadora destaca que o curso “Sabão Rural” ainda é oferecido, tanto na Se-mana do Fazendeiro quanto em outros perío-dos e espaços, a exemplo do Centro Tecnoló-gico de Desenvolvimento Regional de Viçosa (Cetev) – onde é possível contar com a cola-boração da ONG Engenheiros Sem Fronteira, formada por profissionais e estudantes de Engenharia que buscam ajudar comunidades social e economicamente carentes.

Ao analisar os desdobramentos dos projetos e seus encaminhamentos futuros, Marisa Diaz revela-se bastante otimista. “No momento, fazemos a associação de plantas nas formulações. Testamos uma espécie in vivo e os resultados foram pro-missores. Agora, esperamos o parecer da comissão de ética para iniciarmos os tes-tes – também in vivo – com outras varie-dades”, conclui.

Page 40: Minas Faz Ciência #58

40 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

PROJetO: Produção de sabão com propriedades farmacológicas, aliada à conscientização ambiental e sustenta-bilidade através da reciclagem de óleo vegetal residualcOORDeNADORA: Marisa Alves No-gueira DiazeDitAl: Pesquisa em Interface com a ExtensãovAlOR R$ 36.330,00

Material necessário

• Fogão comum e/ou forno de microondas doméstico• Balança de cozinha• Recipientes de alumínio ou ágata• Copo becker de plástico ou similar para medidas de

1000 ml• Colher de pau ou bastão de vidro• Fôrmas variadas de PVC e/ou silicone• Peneira• Coador de óleo de cozinha• Congelador ou freezer

Ingredientes para sabão básico

• 150g de sebo• 225 ml de óleo de soja de cozinha usado e filtrado• 62,25g de soda cáustica• 250 ml de álcool comercial

Modo de preparo

Dissolva e filtre previamente o sebo. Adicione o óleo de cozinha usado e filtrado. Separadamente, dissolva a soda em 125 ml de água. Coloque o sebo e o óleo em um recipiente grande e adicione o álcool. Aqueça ligeiramente a mistura e junte a solução de soda; mexa bem, até ficar cremosa. Numa fôrma, despeje o sabão ainda mole e deixe esfriar. Corte os pedaços de sabão depois de frio. (Observação: no lugar do sebo, pode-se usar a base para sabonete de glicerina transparente ou branca.)

Devido ao sucesso do curso “Sabão Rural”, Marisa Diaz foi convidada a produzir aulas a distância, de modo a oferecê--las no site do “Espaço do produtor” (https://www2.cead.ufv.br/espacoProdutor), iniciativa da UFV. Na internet, são apre-sentadas as informações para quem deseja iniciar-se no ofício da produção de sabões a partir de óleo usado. Segundo a pesquisadora, o processo é bastante simples e não requer equipamentos ou instrumentos sofisticados. Além disso, a fabri-cação pode ocorrer numa cozinha convencional, desde que todos os recipientes e instrumentos estejam bem higienizados.

Quanto à variedade dos produtos, é preciso partir da receita de sabão básico, para, em seguida, investir nos mode-los com propriedades farmacológicas. O sabão de losna ou arruda, por exemplo, pode ser usado no combate a piolhos e lêndeas; já o de erva-de-santa-maria é ótimo contra pulgas. Quanto ao uso dos sabões em seres humanos, a pesquisadora ressalta que, para além das mãos, deve-se evitar receitas elaboradas a partir do óleo de cozinha. Isso porque, em peles sensíveis, há o risco de reações alérgicas, apesar da filtragem dos resíduos líquidos.

E aí, quer produzir seu próprio sabão? Confira a receita abaixo!

Page 41: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 41

soC

Iolo

gIa

“Às vezes passava fome ao meu lado / E achava bonito não ter o que comer / Quando me via contrariado / Dizia: ‘Meu filho, o que se há de fazer!’ / Amélia não tinha a menor vaidade / Amélia é que era mulher de verdade”. Até quem nunca ouviu um trecho des-te famigerado samba, escrito nos idos de 1940, já aprendeu o significado que a canção atribuiu, perenemente, à palavra Amélia. Desde então, o nome tornou-se sinônimo de mulher sub-

missa, abnegada, afeita às tarefas do-mésticas. Setenta anos se passaram e, seguramente, hoje, os fãs de Mário Lago e Ataulfo Alves têm ainda mais motivos para cantar suas “saudades da Amélia”: a cada dia, amplia-se a participação da mulher brasileira no mercado de trabalho.

Análise do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (Cnae), divulgada em 2013, mostra que, em 2011, a disponibilização de empregos

Estudo aponta diferenças de oportunidades entre homens e mulheres nas profi ssões taxadas como “masculinas”

virgínia Fonseca

foRTE no trabalho, frágil no reconhecimento

Page 42: Minas Faz Ciência #58

42 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

femininos no Brasil alcançou 19,4 mi-lhões, crescimento de 5,93% em relação ao ano anterior. E não é apenas nas ocu-pações ditas femininas que o “sexo frágil” vem se firmando. Em Montes Claros, uma pesquisa analisou os impactos da inserção de mulheres em profissões representadas como ocupações masculinas, a exemplo de frentistas e policiais.

O intuito da investigação, conduzida por um grupo da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), foi verifi-car como as mulheres que exercem essas

funções se representam – e são represen-tadas – pelos colegas do sexo masculino no exercício das atividades. Além disso, os estudiosos buscaram entender se, no imaginário dos referidos trabalhadores, há invasão do território masculino por parte das policiais e frentistas.

Os resultados mostraram-se para-doxais: embora as mulheres apresentem níveis de escolaridade superiores aos dos homens, persistem diferenças importantes de remuneração – com vantagem para os profissionais do sexo masculino. “Apesar

dos avanços no mercado de trabalho, com a presença feminina em atividades tradi-cionalmente tidas como masculinas, em relação às representações sociais, ainda há diferenciação entre os sexos”, pondera a professora Maria da Luz Alves Ferreira, coordenadora da pesquisa.

Para escolher as ocupações sobre as quais se debruçar, Maria da Luz conside-rou o fato de ser relativamente recente o ingresso de mulheres na carreira policial. E de as frentistas ficarem, no exercício de suas atividades, muito expostas, até mes-mo pelo tipo de uniforme adotado. Um levantamento quantitativo do número de homens e mulheres que atuam na Polícia Militar, e nos postos de combustíveis de Montes Claros, fez parte da prospecção de dados. Para captar o pensamento dos tra-balhadores sobre a inserção feminina nes-sas profissões, a pesquisadora explorou a metodologia de grupos focais, também com integrantes de ambos os sexos, que responderam a questões específicas sobre o objeto de estudo.

O universo da pesquisa era compos-to, em sua maioria (67%), por frentistas, enquanto os policiais militares da Área Integrada de Segurança Pública 98 cor-

Page 43: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 43

respondiam a 33% dos entrevistados. No total, 47% dos respondentes eram do sexo feminino e 53%, do masculino.

DiferençasOs índices educacionais estão entre

os principais parâmetros usados para ana-lisar as relações de desigualdade de gênero. Em Montes Claros, os estudos apontaram que não havia mulheres com apenas ensino fundamental, enquanto 10,5% dos homens encontravam-se nessa faixa. O nível médio – completo e incompleto – não apresentou muita discrepância entre os sexos. Porém, quando se trata do ensino superior, 35% das mulheres encontram-se a cursar algu-ma graduação, em comparação a apenas 5% dos homens. No ensino superior com-pleto e na especialização, as variações não passaram de 5% entre um sexo e outro, com predominante presença masculina.

Os resultados da pesquisa confir-maram, assim, uma tendência, observada no País, de diferenciação salarial entre homens e mulheres que trabalham na mesma ocupação: as últimas recebem até 28% menos, mesmo quando possuem es-colaridade maior. Dados do Dieese (2013) corroboram: em Belo Horizonte, em 2012, apesar de terem aumentado sua participa-ção no mercado, as mulheres recebiam até 79% do valor/hora percebido pelos ho-mens. “Constatamos que, embora tenha-mos tido grande avanço, já que elas estão ingressando mais no mercado de trabalho brasileiro, persistem as desigualdades”, conclui Maria da Luz.

A média de renda dos homens, na pesquisa, foi de R$ 1.463,15, enquanto a das mulheres ficou em R$ 1.078,76. “É importante ressaltar que as rendas foram consideradas em conjunto, o que justifica um alto desvio padrão, já que a renda de policiais é, consideravelmente, superior à dos frentistas”, esclarece a professora. No caso das policiais, a pesquisa verificou que o salário é equiparado, quando se trata da mesma patente. Porém, existem disparida-des no acesso, observando-se um número visivelmente maior de homens nos cargos mais altos. “Neste caso, a discriminação não é pela renda, mas dentro da própria carreira”, explica.

Ao longo da história, a mulher tem ocupado postos no mercado de trabalho que são definidos como majoritariamen-te femininos, em áreas como Educação e Saúde. Maria da Luz lembra que tais ocupações relacionam-se à dimensão do cotidiano doméstico das mulheres, que usualmente cuidam dos filhos e adminis-tram a casa. Nessas áreas em que são mais presentes, elas chegam a ter renda média 25% superior à dos homens.

“Isso indica que a desigualdade de renda apresenta duas faces: pode ser ve-rificada entre as carreiras e dentro delas”, analisa a pesquisadora. Em ambientes pro-fissionais com maioria de homens, porém, as mulheres, via de regra, ocupam posi-ções mais baixas e subordinadas. Conse-quentemente, recebem salários inferiores. Isso se confirmou no estudo de Montes Claros: quanto ao exercício da condição de chefia, por exemplo, nos casos analisados, nenhuma mulher está nesta posição, ao

passo que 15% dos homens entrevistados exercem liderança.

Gêneros no trabalhoFoi, sobretudo, a partir da década de

1970, marco do crescimento da participação feminina no mercado, que a Sociologia do Trabalho incorporou, em suas pesquisas, a temática da divisão sexual e social do traba-lho. “Assume-se que existe, aí, uma dimen-são simbólica e cultural que só poderá ser satisfatoriamente explicada a partir do uso da categoria ‘gênero’”, explica a professora.

Na mesma época, ocorre, ainda, im-portante mudança no conceito do trabalho, que, anteriormente, era entendido apenas como atividade remunerada ou produtora de bens alocáveis ao mercado. Incorpora-se a atividade doméstica como categoria analítica e, consequentemente, ocorre ampliação do debate sobre as várias interfaces do trabalho, realizado para o mercado, ou no espaço do-méstico, por homens e mulheres.

Sob o olhar dos gêneros em Montes Claros

Quando questionados sobre o trabalho com homens ou mulheres na empresa, frentistas e policiais, masculinos e femininos, declararam sentir-se bem atuando ao lado de pessoas do sexo oposto. A maioria considerou o local de trabalho um ambiente harmônico.

Em relação à capacidade de homens e mulheres, nos postos de combustíveis, as falas mostram que, em geral, eles consideram que todos têm as mesmas capacidades. Entretanto, alguns ressaltam as qualidades femininas – fra-gilidade, criatividade –, ao mesmo tempo em que consideram certas atividades como “pesadas” para elas.

Já as mulheres frentistas consideram não haver diferença en-tre os sexos quanto às capacidades. Mas algumas também aponta-ram que existem atividades que elas não fazem tão bem quanto eles, devido à própria constituição física.

Os policiais relataram que se sentem bem trabalhando com as colegas do sexo feminino. Eles argumentam que não existe grande diferença entre o trabalho de homens e de mulheres na polícia, já que todos, quando vão ingressar, passam por testes físicos determinantes para atuação na corporação. Apenas um policial considerou a força física como aspecto que limita o desempenho da atividade feminina na PM.

As policiais femininas, mesmo considerando que todos têm ca-pacidade intelectual para exercer as atividades dentro do cotidiano da corporação, ressaltam que os homens podem ter mais capacidades para determinada tarefa, e vice-versa, dependendo do tipo de atividade.

Page 44: Minas Faz Ciência #58

44 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

PROJetO: Ainda precisamos avançar? Identidade de gênero das profissionais que exercem função masculina: as fren-tistas e as policiais femininas de Montes Claros - MGcOORDeNADOR: Maria da Luz Alves FerreiraeDitAl: Demanda UniversalvAlOR: R$15.445,50

A inserção das trabalhadoras no mercado, entretanto, veio acompanhada da tendência de segregar as mulheres em setores industriais e ocupações específi-cas. “Na maioria das vezes, elas exercem

funções definidas como menos qualifica-das, recebem rendimentos menores e são mantidas, hierarquicamente, em posição in-ferior à dos homens”, detalha Maria da Luz. As mulheres acabam mais requisitadas para

executar tarefas que exigem habilidades como destreza manual, atenção a detalhes e paciência para realizar trabalhos repetiti-vos. Essas capacidades, no entanto, não são consideradas como qualificação, o que faz com que as trabalhadoras continuem sendo submetidas a salários inferiores.

Ao longo das décadas, o aumento do ingresso da força de trabalho feminina no mercado não apresentou mudanças na for-ma como se dá tal inserção ou transforma-ções no sentido de promover a igualdade salarial. Verifica-se, segundo os pesquisa-dores, a presença massiva de mulheres em condições de trabalho precário, sem cartei-ra assinada e com instabilidade.

A evolução dos anos trouxe, antes, um paradoxo: por um lado, as mulheres têm conquistado melhores empregos com maior escolaridade. Por outro, segue a predominância dos “guetos femininos”, com ocupações que se tornam específicas deste gênero e com desigualdades sala-riais. Neste contexto, a explicação para as disparidades entre homens e mulheres encontra-se, de acordo com a professora, nas construções sociais e culturais, que impõem valores e lugares distintos ao trabalho de ambos, independentemente de características técnicas ou de escola-rização: as pessoas do sexo feminino são preparadas prioritariamente para o exercí-cio de atividades reprodutivas e as do sexo masculino, para atividades produtivas.

Atualmente, Maria da Luz conduz outro estudo na mesma linha, também apoiado pela FAPEMIG, em que estende o comparativo às cidades de Alfenas e Uberlândia. O leque de ocupações pes-quisadas expandiu-se e, agora, abrange juízas, delegadas, motoristas de ônibus e de moto-táxi, pedreiras e auxiliares de construção civil.

nesta fogueira?Quem colocou lenha sutiãMaria da Luz menciona trabalho publicado, em 2003, pelas pesquisadoras

Maria Cristina Aranha Bruschini e Maria Rosa Lombardi, que apresenta as mudan-ças ocorridas no País, sobretudo, depois dos anos 1970, como fatores explicativos do aumento da contratação da mão-de-obra feminina. Incluem-se, aí, transforma-ções de ordem demográfica, social e cultural, que afetaram não só as mulheres, mas o conjunto das famílias. Confira:

Expansão da escolaridade (especialmente de cursos supe-riores), que viabilizou o acesso das mulheres ao mercado de

trabalho em novas ocupações.

Queda da fecundidade, que reduziu o número de filhos por mu-lher, nas cidades mais desenvolvidas, liberando as mulheres para os postos de trabalho.

Alteração da constituição da identidade feminina voltada para o trabalho produtivo, resultante da atuação das mulheres nos

espaços públicos.

Transformações culturais nos valores relativos ao papel social da mulher, impactado pela atuação do movimento feminista.

As autoras apontam, como mudanças, a alteração do perfil de trabalhadoras dos anos 1980, composto, geralmente, por jovens, solteiras e sem filhos, e que passa a ser integrado por mulheres mais velhas, casadas e com filhos. A responsa-bilidade de cuidar da prole, tradicionalmente reconhecida como atividade feminina, deixa de ser empecilho para o ingresso nos postos de trabalho. A ampliação da participação pode ser explicada tanto pela necessidade de complementar a renda familiar quanto pela elevação da escolaridade, que qualifica as mulheres para com-petir no mercado, embora persistam piores condições para o trabalho feminino.

Nos quesitos “concentração de tarefas” e “dupla jornada”, as mulheres con-tinuam à frente, já que a inserção no mercado não as exime de outras atribuições culturalmente associadas ao sexo feminino. Nos grupos focais pesquisados em Montes Claros, quando perguntadas sobre a dupla jornada, as trabalhadoras foram unânimes em afirmar que o fato de estarem inseridas no mercado e, consequente-mente, de contribuírem com a renda familiar, não as isenta dos cuidados com a casa e com os filhos ou da supervisão destas atividades.

Page 45: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 45

lEM

BR

a D

Essa

?

Para grande parcela da população, o termo radioatividade remete a episó-dios trágicos da humanidade, repletos de espírito bélico e de potencial destru-tivo. Pouco se sabe, contudo, que, hoje, a tecnologia está diretamente ligada a áreas da ciência voltadas à garantia da qualidade de vida e ao desenvolvimento econômico e social. Dentre tais práticas, a técnica da irradiação por raios gama insere-se no cotidiano dos indivíduos de maneira multifacetada, por auxiliar da conservação de produtos alimentícios à modificação – ou indução – de cores em pedras semipreciosas.

Em Minas Gerais, o Laboratório de Irradiação Gama (LIG) do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nu-clear (CDTN), juntamente ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) – sediado no estado de São Paulo –, opera neste segmento. Trata--se, aliás, dos dois únicos laboratórios de natureza estatal a trabalhar com tais procedimentos. Inaugurado em 2002, o LIG teve suas operações iniciadas com pesquisas ligadas à irradiação de alimentos e coordenadas, à época, pelo físico Alexandre Soares Leal. A inicia-tiva foi tema da edição nº 21 da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, de dezembro de 2004 a fevereiro de 2005.

Os estudos buscavam a conserva-ção da qualidade de produtos alimentí-cios, por meio do uso de uma fonte de radiação ionizante – no caso, os raios gama. A energia penetra na estrutura do alimento e elimina grande parte dos microrganismos, que se formam em seu material orgânico ou o contaminam du-rante processos de manuseio e armaze-namento, comprometendo a qualidade do produto e sua durabilidade. O trabalho foi desenvolvido com aporte financeiro da

FAPEMIG, em parceria com a Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Fundação Ezequiel Dias (Funed).

O conhecimento adquirido com o trabalho de irradiação de alimentos con-feriu, à equipe do Laboratório, grande expertise na manipulação da tecnologia. Sob coordenação de Luiz Carlos Duarte Ladeira, atual diretor do LIG, as aplica-ções da técnica de irradiação ganharam ramificações e atendem a diversos seg-mentos, além do trabalho de pesquisa e extensão em parceria com múltiplas instituições, como UFMG, Ufla, Ufes, do Espírito Santo, e Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH). “As finalidades de pesquisa e extensão demandam cerca de 20% do período de operações do La-boratório, que funciona 24 horas por dia. Fontes emissoras de radiação expiram mesmo durante o período de ócio. Além disso, trata-se de recursos onerosos. Por essa razão, o LIG atua no atendimen-to a segmentos comerciais, evitando que o material seja perdido sem aplicações práticas”, explica.

Perfil multiusoAs aplicações também atendem

aos mais diversos setores. No segmento alimentício, além da eliminação de to-xinas dos alimentos, a equipe combate pragas e realiza a desinfestação de frutas

e grãos. “A técnica é vantajosa e substi-tui a aplicação de agrotóxicos e demais tratamentos químicos, prevenindo o depósito de resíduos químicos nos ali-mentos”, explica Luiz Ladeira. Dentre os novos campos de uso da técnica, estão a conservação de obras de arte a partir da eliminação de fungos e insetos, a esterilização de produtos médicos e far-macêuticos e a modificação de produtos industriais, como polímeros e outros derivados sintéticos, com a finalidade de lhes conferir maior resistência e du-rabilidade – técnica muito utilizada pela indústria mecânica para prolongar a vida útil de contactores elétricos. Outra im-portante linha de atuação do Laboratório é a modificação ou indução de cores em gemas semipreciosas, sendo os mine-rais mais usados a turmalina e o quartzo. De acordo com Luiz Carlos Ladeira, do ponto de vista econômico, as aplicações da irradiação ao segmento das pedras é extremamente representativo para Minas Gerais, maior produtor mundial de ge-mas coradas, responsável por cerca de 25% da produção mundial. “O proces-so de irradiação de pedras permite, em poucas horas, alcançar tonalidades que, pelo ciclo natural, poderia levar anos ou, até mesmo, milênios”, garante. De acor-do com o pesquisador, o LIG produz, por ano, até 50 toneladas de pedras tratadas por meio da técnica.

A irradiação pode auxiliar, ainda, o tra-tamento de sangue e hemoderivados. O LIG atende a centros de hematologia – como a Clínica Romeu Ibrahim e o Hemoservice –, além de manter acordo com o Hemominas para tratamento de seus estoques, em caso de falha mecânica ou inoperância das má-quinas. “Por ano, cerca de 4 mil bolsas de sangue de 450 ml são irradiadas em nosso laboratório”, explica o pesquisador.

William Rocha Ferraz

Radiação que purifi ca

Laboratório do CDTN usa técnica com raios gama para eliminação de impurezas e microrganismos de materiais diversos

Dispositivo eletromecânico de comando que possibilita o controle de cargas elétricas em um circuito de potência. Sua função é acionar e desligar motores, sistemas de iluminação, resistências e outros equipamentos que funcionem com eletricidade.

Page 46: Minas Faz Ciência #58

46 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

21 3

45

5 P

ERg

UN

Tas

PaR

a..

.

Javier santaolalla Camino e Manuel Tardaguila sancho

Com nome inspirado em uma série de sucesso da TV americana, 12 espanhóis juntaram-se para realizar a divulgação científica de maneira bem diferente. Multidisciplinar, o grupo The Big Van Theory – Científicos

sobre rodas, criado em 2013, conta com engenheiros, bioquímicos, físicos, matemáticos e outros tantos profissionais e busca divulgar os últimos avanços da ciência – de modo simples, divertido e compreensível

ao público leigo. A “trupe” – que se apresenta em bares, teatros e escolas com a missão de levar a divulgação científica a outros níveis – participou, recentemente, da 13ª Conferência Internacional sobre Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, realizada na cidade de Salvador (BA). MINAS FAZ CIÊNCIA conversou com Javier Santaolla Camino, engenheiro de telecomunicações e doutor em Física, e Manuel

Tardaguila Sancho, , bioquímico com doutorado em Biologia Molecular,.

Diogo brito e verônica Soares

O que os motivou e quando decidi-ram começar o projeto?

Quando nos conhecemos e vimos o trabalho de cada um dos integrantes, tivemos uma surpresa. Individualmente, criávamos conteúdos científicos de entre-tenimento ao vivo. Juntos, nosso trabalho resultou em um desempenho que nos sur-preendeu. Percebíamos, além disso, a falta de um formato similar para transmitir a ciência a um público em geral e uma série de pessoas pouco interessadas no assun-to. Isso nos motivou a lançar este projeto. Para alguns dos participantes, a paixão pelo teatro é também uma grande motiva-ção, assim como a vontade de transmitir a importância da pesquisa. É uma troca do conhecimento com o público.

Como mensuram os resultados? É pos-sível afirmar que sua comunicação está melhor após a criação do The Big Van Theory?

Estamos à procura de maneiras de medir o impacto de nossas ações, para nos ajudar a ter ideia do efeito dessa forma de comunicação científica. Não sabemos, quantitativamente, o impacto de nossas ações e atividades. Estamos ainda ava-liando o resultado de uma pesquisa que fizemos com a plateia nos shows. Foram mais de 600 entrevistas. Contudo, pode-mos dizer, positivamente, que, em 2014, atingimos um público tradicionalmente jo-vem, que antes estava longe da ciência. A reação do público nos dá uma boa ideia da dimensão das ações. É comum que os fre-quentadores de nossos shows venham dar parabéns ao fim das apresentações, dizen-

do que chegamos a um formato dinâmico, mas rigoroso, para transmitir a ciência. O riso é um bom termômetro.

Quais os planos do grupo para os próximos anos?

Temos muitas propostas e atividades que queremos desenvolver no futuro. De-sejamos continuar com o formato de mo-nólogo, mas também são possíveis con-tribuições em televisão, jornais, revistas e livros. A formação de pesquisadores, para que eles possam transmitir os seus conhe-cimentos de maneira mais eficiente, é outra das linhas de atuação nas quais devemos focar nossos esforços nos próximos anos. Também temos planos para shows maio-res, que incluem música, matemática e, talvez, mágica.

Quais os maiores desafios e dificu-lades para promover a ciência de maneira diferente?

A maior, até agora, é o aspecto eco-nômico, referente à necessidade de apoio a nossa atividade científica. Embora os especialistas e o público – assim como agências de fomento e centros de pesqui-sa – recebam, de forma muito positiva, o nosso trabalho, a crise econômica e o fraco compromisso com a comunicação cientí-fica põem em risco este formato. Também há dificuldade em manter o equilíbrio entre o conteúdo científico e a experiência lúdi-ca do show. Em geral, quanto mais denso o conteúdo, mais difícil é, para o grande público, aproveitar o show. Isso não signi-fica que temos de abranger temas fáceis e

tratar o público de modo infantil. Falamos de temas difíceis na ciência, como bóson de Higgs e mudanças climáticas. Porém, para fazer o show funcionar, trabalhamos com simplificações e comparações em for-mato de monólogos. Precisamos, contudo, manter o rigor científico.

Como vocês escolhem os temas a serem apresentados ao público? É a piada que orienta a temática? Outra questão: há agenda de reuniões?

Nós nos reunimos, principalmente, na estrada, onde estamos e podemos discutir os assuntos do grupo de forma mais direta. Antes das reuniões, usamos e-mails diários para trocar opiniões e organizar tudo. Mo-nólogos e temas são, normalmente, escolhi-dos individualmente. A partir daí, concentra-mo-nos em um tema de que gostamos, ou achamos particularmente interessante, e tentamos dissecar, vendo a maneira mais divertida e acessível para o entendimento do público. As piadas vêm mais tarde. O mais importante é que o conteúdo seja claro e a transmissão, didática. Como critérios, pen-samos em algo que afeta a vida das pessoas – como o câncer – ou que deve se tornar muito importante, em um futuro próximo, para a maioria de nós, a exemplo da ge-nômica. As piadas aparecem naturalmente depois disso. No palco, é possível refinar o texto, eliminando partes que não funcionam e adicionando piadas ou respostas às per-guntas mais frequentes.

(Para saber mais sobre o trabalho do grupo, acesse: http://www.thebi-gvantheory.com/)

Page 47: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAI/JUN 2014 47

lEIT

UR

as

No entanto, há que se ter em mente que a imagem, cultivada, segundo Benjamin, pela alegoria do drama barroco alemão, está muito longe da concepção nietzscheana da bela visua-lidade apolínea, ligando-se, antes, ao fragmento e à ruína. Aliás, a própria natureza inspira os poetas do período não sob o aspecto de sua produtividade e florescimento como ocorre, por exemplo, no romantismo –, mas no de feneci-mento para a natureza, entendida em sua tran-sitoriedade como história natural (Naturgeschi-chte) (Benjamin, 1991, p. 355).

a arte e seu viés social

LIVRO: Varia aesthetica – Ensaios sobre arte & sociedadeAUTORES: Rodrigo DuarteEDITORA: RelicárioPÁGINAS: 374ANO: 2014

LIVRO: O descredenciamento filosófico da arteAUTORES: Arthur C. DantoTRADUçãO: Rodrigo DuarteEDITORA: AutênticaPÁGINAS: 252ANO: 2014

Um dos principais especialistas em indústria cultural no Brasil, o renomado professor e pesquisador Rodrigo Duarte, do Departamento de Filosofia da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reúne, nesta abrangente e saborosa obra, 17 ensaios em torno de temas ligados à relação entre arte e sociedade. No livro, conforme ressalta Eduardo Jardim, o au-tor envolve-se, com arguta profundidade, no rico debate sobre questões relativas, por exemplo, ao potencial político das ex-pressões artísticas.

Os textos de Varia aesthetica pro-blematizam motes estéticos os mais diversos, do Barroco ao velho e bom

Professor emérito de Filosofia da Uni-versidade de Columbia, o norte-americano Arthur C. Danto (1924-2013) foi um dos mais influentes críticos de arte do mundo. Além de colaborar com uma série de céle-bres revistas – entre as quais, The Nation, Punch Rewiew e Artforum –, o autor presi-diu a American Philosophical Association e a American Society for Aesthetics. Toda a erudição e a intensidade do verbo de um dos mais importantes estetas da atualidade aparecem em O descredenciamento filosó-fico da arte, obra escrita após o clássico A transfiguração do lugar-comum e na qual são discutidas questões cruciais ao debate das expressões artísticas.

Com sua verve peculiar, Danto abor-da, no livro, temáticas de vasta dimensão, a

rock’n’roll. Com olhar aguçado sobre a contemporaneidade, mas sem jamais se distanciar do rigor acadêmico-científico, Duarte discute questões como “a relação entre som e imagem”, “o construto esté-tico-social”, o “‘conceito pseudomorfose’ em Adorno” e a “plausibilidade da pós--história”.

sobre filósofos e artistasexemplo dos ensaios “A apreciação e a in-terpretação de obras de arte”, “Linguagem, arte, cultura, texto” e “Filosofia como/e/da literatura”. Com prefácio de Jonathan Gil-more e tradução de Rodrigo Duarte, a obra revela-se imprescindível aos interessados pelos enigmas e pelas profundezas ine-rentes às multipossibilidades dos bens e processos estéticos e culturais.

Uma diferenciação talvez possa ser feita, com grande dificuldade, da seguinte maneira. A distinção entre profundidade e superfície é perpendicular à distinção filosoficamente mais corriqueira entre interno e externo. É difícil traçar a distinção entre interno e externo sem recorrer, em cada questão, às filosofias da men-te e do conhecimento, mas a interpretação de superfície pressupõe caracterizar o comporta-mento externo de um agente com referência à representação interna desse comportamento, presumida como sendo do agente, e o agente se encontra numa posição um pouco privilegiada com respeito ao que são suas representações.

Page 48: Minas Faz Ciência #58

Emblemático na culi-nária nacional, o arroz com feijão teve sua popularização impulsionada por fatores históricos, como o pronun-ciado gosto do monarca português Dom João VI por arrojados deleites gastronômicos. Atualmente, com a comprovação científica de que a combinação assegu-ra importante complementação nutricional, pesqui-sadores buscam tornar a iguaria aprazível aos mais diferentes paladares. Há muita ciência aplicada por trás da textura, do aroma e do sabor que chegam às mesas e cardápios do País. A equipe de Ciência no Ar foi à Epamig conhecer um pouco dos estudos que envolvem o cultivo do arroz, um dos componentes da mistura. Assista!

As Minas Gerais são conhecidas pela beleza e pela importância de sua bacia hidrográfica: as reen-trâncias hídricas estampam cartões postais, que atraem olhares dos quatro cantos do mundo, e a abundância das nascentes confere ao Estado a alcunha de “caixa d’água brasileira”. Zelar pela conservação de tão relevante recurso é indis-pensável. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) monitora os rios mineiros em mais de 500 pontos, visando à preservação da qualidade das águas. Amostras são colhidas e analisadas com base em cerca de 60 critérios. As informações permitem a aferição dos pontos mais atingidos pela poluição. O programa Ondas da Ciência conversou com especia-listas da área e revela detalhes de como os estudos funcionam. Confira!

hIP

ER

lIN

k

CoM o TEMPERo Da INoVação

ÁgUas MINEIRas

48 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

Page 49: Minas Faz Ciência #58

Certo ou errado: por que é tão difícil modificar aquilo em que cremos? “Eu não quero estar certo” é o título de interessante artigo publicado no website da revista The New Yorker. Nele, é apresentado o trabalho de pesquisadores que buscam compreen-der por que certas pessoas insistem em acreditar em coisas que, simplesmente, não são verdadeiras.

O mote do texto foi a publicação, no mês de abril, dos resultados de estudo conduzido, durante três anos, por pesquisadores da área de Ciência Po-lítica e Pediatria. Os especialistas buscaram verificar se campanhas pró-vacinação poderiam modificar a atitude dos pais em relação às vacinas. Quer saber a resposta? Confira no blog Minas faz Ciência.

Não se trata de uma versão de reality show es-trelada por homenzinhos verdes. A bola da vez é um surpreendente achado, feito pela sonda espacial Ke-pler, da Nasa, que tem ganhado as primeiras páginas de diversos sites de curiosidades e notícias. Trata-se da descoberta do grande irmão da Terra, apelidado de Megaterra, localizado a 560 anos-luz.

A novidade causou controvérsia entre astrôno-mos, por se tratar de planeta de amplas dimensões – com diâmetro 2,3 vezes maior que o da Terra –, além de densa composição de rochas e outros sóli-dos, algo que especialistas da área não acreditavam ser possível. Até então, especulava-se que a força gravitacional de um astro tão robusto atrairia um en-velope de gás durante sua formação, tornando-o pre-dominantemente gasoso. Certas linhas de pesquisa sugerem que a composição do novo planeta possa ser favorável ao desenvolvimento de vida. E você, leitor, o que acha?

CRENças À PaRTE

BIg BRoThER sIDERal

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 49

Page 50: Minas Faz Ciência #58

50 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014

Va

Ra

lNe

sta b

ela im

agem

, reg

istra

da p

or A

man

da S

éllos

Rod

rigue

s – es

tuda

nte d

o cu

rso

de C

iência

s Bio

lógi

cas n

a Pon

tifíci

a Uni

vers

idad

e Cató

lica d

e Min

as G

erais

–, a

laga

rta

da m

arip

osa H

ypsip

yla g

rand

ella

cons

ome v

asos

cond

utor

es d

e seiv

a de m

ogno

bra

sileir

o (S

wiete

nia m

acro

phyll

a).

Aman

da S

éllo

s Ro

drig

ues

Page 51: Minas Faz Ciência #58

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014 51

Page 52: Minas Faz Ciência #58

52 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2014