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AO

LE

ITO

R

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Alessandra Ribeiro, Lorena Tárcia, Luana Cruz, Luiza Lages, Mariana Alencar, Maurício Guilherme Silva Jr.,Tuany Alves, Vanessa Fagundes, Verônica Soares, William Araújo Editoração: Fatine OliveiraMontagem e impressão: GlobalPrint Editora Gráfica ltda.Tiragem: 25.000 exemplaresCapa: Fatine Oliveira

Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]

Site: www.minasfazciencia.com.brInfantil: www.minasfazciencia.com.br/infantil Facebook: www.facebook.com/minasfazcienciaTwitter: @minasfazcienciaInstagram: @minasfazciencia

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Romeu Zema

SECRETARIA DE ESTADO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Manoel Vitor de Mendonça Filho

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Evaldo Ferreira VilelaDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Paulo Sérgio Lacerda BeirãoDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Thiago Bernardo Borges

Conselho CuradorPresidente: Clélio Campolina Diniz Membros: Esther Margarida Bastos, Eva Burger, João dos Reis Canela, Luiz Roberto Guimarães Guilherme, Marcone Jamilson Freitas Souza, Michele Abreu Arroyo, Nilda de Fátima Ferreira Soares, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Roberto do Nascimento Rodrigues, Valentino Rizziioli

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

EXPEDIENTE

REDES SOCIAIS

Quem são, afinal, os responsáveis pela construção do conhecimento? Normalmen-te, tendemos a lembrar dos pesquisadores, cujo papel se apresenta como fundamental ao desenvolvimento de práticas e teorias científicas. Isso não quer dizer, porém, que os cientistas estejam sozinhos em tal empreitada. Afinal, os processos de descoberta e maturação de saberes são fruto de permanente esforço coletivo que envolve estudantes, profissionais técnicos, colaboradores administrativos, entre outros personagens.

Na reportagem especial desta edição, MINAS FAZ CIÊNCIA discute, justamente, os bastidores da produção científica realizada – minuto a minuto, dia a dia, ano a ano – a partir da reunião de talentos, expertises e visões de mundo. Ao invés de recorrer aos pesquisadores, a jornalista Mariana Alencar visitou universidades e laboratórios de pesquisa para conversar com outros tantos profissionais, dedicados, há décadas, à roda vida do conhecimento. Afora apreciar belas histórias, o leitor terá a oportunidade de conhecer funções e rotinas bastante peculiares (às vezes, especializadíssimas), sem as quais a ciência não se concretiza.

Dentre o rico “cardápio” de produções coletivas do saber, apresentamos, neste número, os resultados do trabalho de pesquisadoras do Hemominas, que se dedicam à concepção de teste para detecção de vírus em pacientes que passaram por transplante de rins. A expectativa, além de reduzir problemas relacionados a infecção, é produzir protocolos que permitam intervenção rápida, garantindo o sucesso da operação. Ainda na área da saúde, vale conhecer, também, as novas soluções ao dilema que, há mais de cem anos, desafia grupos de pesquisadores nos quatro cantos do mundo: a identifica-ção precisa dos mecanismos responsáveis pelo infarto do miocárdio. Pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora têm abordado o tema a partir de modelagem computacional, com resultados promissores. Espera-se que a melhor compreensão de tais mecanismos guie o desenvolvimento de novas drogas e terapias.

Do “território” da saúde à seara das Relações Públicas, importante atentar-se – a partir de investigação do Departamento de Comunicação Social da UFMG – às ines-crupulosas atividades dos chamados “laboratórios de controvérsias”, responsáveis, em tempos de big data, pela disseminação de incertezas. As novas tecnologias, que potencializam o alcance e os danos de tais controvérsias, também estão no cerne da chamada Juscibernética, área que diz respeito á informática jurídica decisória, ou seja, uso de sistemas de inteligência artificial capazes de produzir decisões por si mesmos. A jornalista Lorena Tárcia dedica-se à abordagem de estudos que focam nos prós e contras da relação entre Direito e novas tecnologias.

Nossas narrativas não param por aí! Você pode conferir o perfil dos consumidores de produtos falsificados na capital mineira e descobrir se é um falsificaholic; conhecer estudo sobre colecionadores de arte, o primeiro em caráter sistemático que aborda o co-lecionismo no país; saber detalhes sobre iniciativa que vem fortalecendo o ecossistema de inovação no Centro-Oeste do Estado; ou, ainda, aprender sobre a importância dos Planos Nacionais Pós-Graduação, implantados, no Brasil, desde 1975.

Por fim, reparem no selo estampado na capa desta edição. Sim, devemos celebrar: em 2019, a revista MINAS FAZ CIÊNCIA completa 20 anos. Ao longo de duas décadas, a publicação ajudou a divulgar o conhecimento e a contar a história da ciência no Estado. Para comemorar, estamos preparando diversas ações, incluindo entrevistas e exposi-ção, que relembrarão os principais marcos de sua trajetória. Uma dica: se você é um assinante recente, pode acessar todas as edições antigas, desde a primeira (lançada em dezembro de 1999, com apenas 20 páginas e uma tiragem de cinco mil exemplares!) em nosso site: http://minasfazciencia.com.br

Ótima leitura!

Vanessa FagundesDiretora de redação

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4 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/JUL/AGO 2018

ÍNDICE

ENGENHARIA CIVILJunção de resíduos materiais a compósitos cimentícios diminui efeitos nocivos do crescimento urbano à natureza

44

MOBILIDADELaboratório Mobilidade Terres-tre desenvolve veículos autôno-mos e pesquisa condições técni-cas, sociais e jurídicas para sua implementação

51

HIPERLINKE-book Mulher Faz Ciência, es-tatísticas sobre a internet, recur-sos e aplicativos educacionais

55

MEDICINA Debate sobre princípios éticos da graduação em Medicina es-timula, na Unimontes, elabora-ção de novo código de conduta

42

MICROBIOLOGIA Estudo internacional revela, sob o ponto de vista molecular, os malefícios do consumo ex-cessivo de proteínas

39

CONTEMPORÂNEASAtlas da biodiversidade busca fa-cilitar identificação de áreas prio-ritárias à conservação ambiental

56

ENTREVISTA Hercílio Martelli Júnior analisa trajetórias, índices e perspectivas dos Programas de Pós-Graduação (PPG) brasileiros

06

10 SAÚDEPesquisadoras da Hemominas investem em teste para detecção de vírus em pacientes que realizaram transplante de rins

DIREITOTese de doutorado e grupos de estudo sobre Juscibernética problematizam prós e contras da relação entre Direito e novas tecnologias

14

26

20 COMUNICAÇÃOInvestigação na área das Relações Públicas revela como “laboratórios” de controvérsias disseminam incertezas sobre aquecimento global

ESPECIALReportagem desvela ofício de profissionais que, para além dos pesquisadores, revelam-se essenciais ao dia a dia da ciência

EMPREENDEDORISMO Centro-Oeste de Minas Gerais ganha ecossistema de inovação, apto a gerar e premiar empresas e iniciativas empreendedoras

23

17 ADMINISTRAÇÃOO que caracteriza o consumidor de produtos falsificados em centros comerciais populares de Belo Horizonte?

35 MODAPesquisa analisa modo como os filósofos, desde a Antiguidade, discutiram impactos estéticos, sociais, culturais e econômicos da Moda

47 ARTE Perfis, motivações e rele-vância do ofício de colecio-nadores de arte são anali-sados em pesquisa

32 TECNOLOGIA Modelagem computacional auxilia especialistas a desvendar enigma secular, referente ao infarto do miocárdio

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2017 5

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução de seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte.

CIÊNCIA ABERTA

“Sem garantia de ser 100% seguro: evitar sites desconhecidos e com histórico de sensacionalismo. Nem sempre faço, mas procuro, também, pelo artigo original co-mentado na notícia.”Roberto Takata (@rmtakata)Via Twitter

“Ver se a pessoa que escreveu a matéria tem algum tipo de certificação no assunto; conferir com a/o fonte/artigo original e, em caso de dúvidas, perguntar pro pessoal do @sciencevlogsbr.”@vinimarangonVia Twitter

“Procurar a fonte original é essencial!”Viviane AlvesVia Instagram

“Pesquisar sobre o assunto em diversas fontes.”Paty PibsVia Instagram

“Fazer ciência... ganhando discernimento. Rs!”Cristina Costa NetoVia Instagram

"Só contratando um revisor que modere as postagens, e, de quebra, com uma aula que explique onde foi encontrado o erro da pos-tagem.”Fabiana Kühne Via Facebook

"Hoje em dia, confio (e sigo) autores, e não mais, necessariamente, veículos de comu-nicação.”Luísa GabrielVia Facebook

"Acho que se deve pesquisar em outras fon-tes.”Marcinho Carellos Via Facebook

"Geralmente, só leio em meios confiáveis. Quando não, procuro saber informações mais específicas sobre como, onde e quan-do a pesquisa/o estudo foi publicada(o), além de buscar informações sobre amos-tragem e período. Não é garantia definitiva, mas, nesses casos específicos, as notícias verdadeiras costumam ter bastante informa-ção sobre o desenvolvimento do estudo."Fernanda Freitas Via Facebook

notícias falsas

Quais suas estratégias

para evitar

sobre ciências ?

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6 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

ENTREVISTA

Nações não se desenvolvem sem ciência. De outro modo, como pensar no aprimoramento da pesquisa sem inves-timento – constante e qualificado – em atividades e ambientes de formação de problematizações e produtos científicos? Tais “territórios”, mais conhecidos como Programas de Pós-graduação (PPG), são tema de estudo e preocupação constante do professor Hercílio Martelli Júnior, do Centro de Ciências Biológicas e da Saú-de da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), além de membro da Câmara de Assessoramento (Ciências da Saúde) da FAPEMIG e da Área Interdisci-plinar da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Recentemente, ele e outros pesqui-sadores publicaram, na prestigiosa revista Science, o estudo “Brazil´s endangered postgraduate system” (“Sistema de pós--graduação em risco no Brasil”, em tradu-ção livre), por meio do qual é apresentada uma série de relevantes dados quantitati-vos e qualitativos. No artigo, os professo-res analisam dados históricos da pós-gra-duação no País, além de mostrar como a falta de investimentos põe em risco a evo-lução do sistema. Doutor em Estomatopa-tologia, pela Faculdade de Odontologia de

Maurício Guilherme Silva Jr.

Ode a “nossos potenciais inatos”

Professor da Unimontes e membro da Câmara de Assessoramento da FAPEMIG, Hercílio Martelli Júnior analisa

excelências e desafios da pós-graduação no Brasil

Piracicaba (FOP-Unicamp), Martelli Júnior reconstrói, nesta entrevista, a trajetória dos PPGs no País, além de discutir as perspec-tivas da ciência brasileira e comentar ca-racterísticas dos seis Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG), implantados, por aqui, desde 1975.

O que significam os programas de pós-gra-duação para o Brasil?

Importante ressaltar que, quando se refere à pós-graduação (PG), em sentido es-trito (mestrado e doutorado), referimo-nos a um robusto sistema, o mais organizado da educação brasileira. Tal conjunto de cursos é relativamente recente, e remonta à década de 1960. Em quase seis décadas, chegou-se a cerca de 7 mil cursos de mes-trado e doutorado, com quase 4.600 Progra-mas de Pós-Graduação (PPG), distribuídos em 49 áreas temáticas. Se projetarmos uma média de 20 pesquisadores por PPG, são 92 mil profissionais, altamente qualificados e treinados para gerar conhecimento e de-senvolvimento para o País. Este complexo chega a todas as regiões brasileiras, embora com assimetrias. Aquela com menor núme-ro de PPGs é a Norte, com 266. Ou seja, a capilaridade e o envolvimento regional se fazem presentes. Como exemplo, cito o Ins-

tituto Evandro Chagas, no Pará, e sua atua-ção nas arboviroses da Amazônia brasileira, com avanços consideráveis nos estudos da febre amarela e do vírus Zika. Como, exatamente, se estruturaram os es-tudos de pós-graduação no País?

“A educação nos torna livres através do conhecimento, e também nos torna iguais, através de sua capacidade para o máximo desenvolvimento de nossos po-tenciais inatos”. Com tal pensamento do professor Anísio Spínola Teixeira, nasce, em 1951, a Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior (Ca-pes). Naquele ano, cria-se o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as duas principais agências públicas para financiamento e desenvolvimento da ciência, tecnologia, inovação e formação de recursos huma-nos qualificados. Em 1950, o Brasil tinha 51.941,767 milhões de habitantes, com taxa de analfabetismo de 50,6%. Em 2018, a população saltou para 208.5 milhões de habitantes, e, em 2016, a taxa de analfa-betismo caiu para 7,2%. Neste contexto histórico, quando se fala da PG nacional, automaticamente, menciono a Capes. Po-rém, há outros momentos históricos mar-cantes: em 1916, nasce a Academia Brasi-

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019 7

Andrey Librelon/Unimontes

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8 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

leira de Ciência; 18 anos depois, cria-se a Universidade de São Paulo, e, em 1948, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Embora a sistematização para criação dos primeiros cursos de PG no Brasil ocorra posteriormente, no princí-pio da década de 1950, já se identifica, na UFMG, o primeiro doutorado em Direito, e, no começo da década seguinte, um mestra-do em Odontologia na UFRJ. Neste cenário, a Capes começa a planejar ações para en-volver a PG como instrumento de desen-volvimento do Estado, além de estímulos ao desenvolvimento econômico e social. Tal processo culminará com o surgimento dos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) em meados da década de 1970.

Qual a relação de cada um dos seis Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG), im-plantados por aqui, desde 1975, com seus tempos históricos?

Esta reflexão é vital à compreen-são do Sistema Nacional de PG (SNPG). Embora os PNPGs sejam delimitados por momentos temporais, e se iniciem em 1975, certos fatos merecem lembrança. A Capes nasce como “Campanha Nacional” para formar quadros docentes. Em 1953, surge o Programa Universitário, principal linha da Capes junto a universidades e institutos de ensino superior. São contra-tados professores visitantes estrangeiros, estimulando-se o intercâmbio e a coopera-ção entre instituições. Em 1974, a estrutura da Capes é alterada, e seu estatuto passa a ser de “órgão central superior, gozando de autonomia administrativa e financeira”. O primeiro planejamento, com cinco anos de duração, enfatizava a importância da ca-pacitação docente para atender as institui-ções brasileiras e a perspectiva de integra-ção ensino-pesquisa. Entre 1982 e 1985, o II PNPG contava com premissas de conso-lidação da pós-graduação – e de sua indis-sociabilidade da existência de condições materiais e institucionais indispensáveis à plena realização de suas finalidades – e da existência da pós-graduação baseada em docentes e pesquisadores engajados. Tam-bém é fundamental mencionar o SNPG, ou seja, a avaliação. No II PNPG, buscou-se aperfeiçoar os mecanismos avaliativos e a participação da comunidade científica.

O III PNPG, já na Nova República, apresenta tendência vigente à época: a conquista da autonomia nacional. Era im-portante o progresso da formação de PG de alto nível, com vistas à independência eco-nômica, científica e tecnológica. Embora o IV PNPG não tenha sido formalmente publi-cado, como os demais, a Capes, em 1996, dedicou um “Documento” à PG, no qual destaca a evolução do SNPG; os expressivos desequilíbrios observados na PG; a pressão da demanda por PG e a maior articulação da própria Capes com outros organismos constituídos. O V PNPG (2005-2010) in-corpora o princípio de que o sistema edu-cacional é fator estratégico no processo de desenvolvimento socioeconômico e cultural da sociedade brasileira. Este planejamento introduziu o princípio da indução estratégica nas atividades da PG, em associação com as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) e os Fundos Setoriais, além de aprofunda-mento no sistema de avaliação qualitativo, solidariedade entre os cursos e seu impacto social, combate às assimetrias e colabora-ções internacionais.

Vivemos, agora, o VI PNPG (2011-2020), o mais longo de todos os planos existentes, com desafios e perspectivas relevantes: a multi e a interdisciplinaridade entre as principais características da PG; importantes temas da pesquisa; e o apoio à educação básica e a outros níveis e moda-lidades de ensino, especialmente, o médio. Tais desafios se inserem numa década com mudanças profundas na geopolítica mundial e impactos em diferentes setores da socie-dade. Mudanças são nítidas, por exemplo, no setor agrário. Impulsionada por novas tecnologias, recursos humanos já bem qua-lificados no Brasil e no exterior e gestões competitivas das empresas e dos negócios, a agricultura brasileira atingiu produtividade extraordinária. Dentre as temáticas desafia-doras, estão a Amazônia e o mar. A Capes também recebe novas atribuições, com a criação das Diretorias de Educação Básica. Nos anos 1970, formavam-se quadros ca-pacitados. Hoje, há ações de relevo, com destaque internacional do Brasil em áreas como Medicina Tropical, Agricultura, Odon-tologia, Biocombustíveis, Física e Zika vírus. Caminhamos, a passos largos, para enten-

der que a inter e a transdisciplinariedade são vitais aos desafios contemporâneos e aos problemas cotidianos.

De modo mais geral, desde a implantação do primeiro Plano, que conquistas o se-nhor destaca quanto à qualidade e à abran-gência da pós-graduação no País?

Há importantes conquistas, como o acesso de profissionais a cursos de mes-trado e doutorado, que no passado era bas-tante limitado e difícil, e a regionalização da PG. Outrora, havia necessidade de longos deslocamentos, sobretudo do Norte e Nor-deste para o Sudeste e o Sul. Este fenômeno foi significativamente reduzido. Importantes estímulos da própria Capes e do CNPq pos-sibilitaram nucleações, além dos mestrados e doutorados interinstitucionais. A ambiên-cia que a PG criou em várias instituições, ao suscitar programas destacados de iniciação científica e tecnológica, e esta proximidade entre dois níveis da educação (graduação e PG) – sempre desejável, mas ainda tímido ou falho. Destaco, ainda, o desenvolvimento de redes temáticas, com diversos PPGs e perfil interdisciplinar, a formação de RH para atuação em setores privados e públicos. Na última avaliação da Capes, quadrienal, em 2017, tivemos 496 PPGs com conceitos 6 e 7, considerados consolidados e com desta-que nacional e internacional. Em Minas Ge-rais, observou-se a existência de 26 PPGs com conceito 7, e 32 com nota 6. Em região extensa como Norte, Noroeste, Vale do Mu-curi e Jequitinhonha, que, há pouco mais de uma década, não tinha um único PPG, hou-ve, além de expansão de PPGs, um conceito 6, em Ciências da Saúde, na Unimontes.

E quais os principais entraves ao desen-volvimento da pós-graduação no País?

Pesquisa como vetor sustentador da PG é sinônimo de investimentos financei-ros e estruturais. Sobretudo, em pesquisa de fronteira e formação de pessoal com alta qualidade. Sem dúvida, a política de Esta-do no Brasil ainda é substituída pela polí-tica do gestor de cada mandato. Outro en-trave: dialogamos pouco e mal. Voltemos ao exemplo de Minas Gerais: temos 26 PPGs com conceito 7. Quantas vezes eles

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019 9

foram chamados a dialogar com órgãos da administração pública direta, para colaborar no enfrentamento de desafios do dia a dia? Quantas vezes são chamados, pelo setor in-dustrial, para contribuir com soluções frente aos desafios presentes? Veja a situação da educação básica nacional. Precisamos defi-nir melhor a atuação dos PPGs de natureza profissional e sua inserção nos desafios da sociedade. Fiquemos na torcida por resul-tados derivados do Projeto Institucional de Internacionalização da Capes.

De que modo minorar a desigualdade de PPGs nas diversas regiões?

Faltam diálogo, induções e progra-mas estruturantes. Diálogo, sobretudo, que respeite vocações regionais e apro-xime setores. Quanto às induções, para desenvolver e promover destaque em re-giões menos desenvolvidas, é necessário dar condições de trabalho e crescimento aos pesquisadores que ali mantêm viva a chama da PG. Por fim, os programas estru-turantes: não se faz pesquisa de boa qua-lidade e longeva sem estrutura e ambiente adequados, ainda que tenhamos seleto grupo de investigadores.

E como as restrições orçamentárias preju-dicam todo o processo?

Pensemos em um estudante de PG que, de forma perene, verifica a possibili-dade de cortes em sua bolsa de estudo, a limitação de contratações em instituições de ensino e a limitada cultura da transfe-rência do conhecimento para o setor priva-do, sobretudo industrial e/ou empresarial. Ele se sente ameaçado, e, por vezes, de-sestimulado, mesmo com enorme poten-cial e rica contribuição para o desenvol-vimento do País. De outro lado, pense no docente, que acumula atividades didáticas de cursos tecnológicos, ou da graduação, com as demais práticas universitárias bra-sileiras. Ele também se vê ameaçado, da descontinuidade de investimentos à falta de contratação de projetos de pesquisa, já contemplados em “chamadas públicas” de ampla concorrência. Há, ainda, a competi-ção para socializar produções em impor-tantes periódicos científicos e o respeito a prazos de relatórios técnicos e à formação do estudante de mestrado e/ou doutorado. Tais variáveis podem afastar o professor de suas práticas ligadas à pesquisa e à PG.

O senhor e outros pesquisadores brasileiros publicaram, na revista Science,

estudo sobre desafios da pós-graduação brasileira. Qual a repercussão do debate?

Participaram, da publicação, profes-sores da Faculdade de Medicina da UFMG (Ana Cristina Simões e Silva, Maria Chris-tina Oliveira e Eduardo Araújo Oliveira) e da Unimontes (Daniella Reis B. Martelli), que, há pelo menos uma década, dedicam-se a estudos sobre a cienciometria e a impor-tância destes indicadores para a P&D na-cional. A publicação “Brazil´s endangered postgraduate system” sinaliza os entraves dos cortes orçamentários e da descontinui-dade de ações exitosas para toda a cadeia de conquistas e relevo da pesquisa e da PG nacionais. Também alertamos que, sem este “casamento” indissociável entre os entes que representam nossa P&D e os atores na extremidade da cadeia, o Brasil perderá honrosas posições de destaque, como o percentual de publicações técnicas e cien-tíficas nas principais bases internacionais.

Por fim, como o senhor enxerga as pers-pectivas da ciência no Brasil?Há desafios interessantes e concretos, como a educação básica brasileira e a par-ticipação da PG neste cenário. Em 2017, a Academia Brasileira de Ciência publicou o documento “Um projeto de ciência para o Brasil”, com agenda temática riquíssi-ma, que inclui cidades sustentáveis, água, biodiversidade, ar e solo, dentre outros assuntos. Também vejo com satisfação publicações de alta qualidade, por pes-quisadores nacionais, com ou sem cola-borações estrangeiras, em periódicos de destaque. Cito os estudos do professor Jônatas Abrahão, da UFMG, que identi-ficaram vírus gigantes e repercutiram na Nature Communications, onde também se divulgou o trabalho do professor Ricardo Santiago Gomes, da mesma universidade, com colaboradores nacionais e internacio-nais. Há, ainda, a pluralidade de artigos científicos sobre a participação do vírus Zika e a microcefalia. Destaco, por fim, conquistas no sistema de P&D, como o Portal de Periódicos da Capes, a evolução da plataforma Lattes do CNPq, os parques tecnológicos, os núcleos de inovação tecnológica, apoiados pela FAPEMIG, os INCTs, as redes temáticas e o incremento da difusão científica qualificada.

Vivemos, agora, o VI PNPG

(2011-2020), o mais longo

de todos os planos existentes,

com desafios e perspectivas re-

levantes: a multi e a interdisci-

plinaridade entre as principais

características da PG; impor-

tantes temas da pesquisa; e o

apoio à educação básica e a

outros níveis e modalidades de

ensino, especialmente, o mé-

dio. Tais desafios se inserem

numa década com mudanças

profundas na geopolítica mun-

dial e impactos em diferentes

setores da sociedade.

Leia reportagem sobre tal pesquisa em MINAS FAZ CIÊNCIA nº 73.

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10 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

SAÚDE

Todo cuidado é pouco

Pesquisa do Hemominas busca desenvolver e padronizar uso de testes moleculares para

detecção de vírus em pacientes que passaram por transplante de rins

Tuany Alves

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019 11

O rim é um dos órgãos essenciais ao bom funcionamento do corpo humano. É ele que, por meio de processos de filtra-gem, elimina toxinas e regula a formação dos ossos, assim como controla a pressão sanguínea e o balanço químico e de líqui-dos da pessoa. Seu funcionamento, entre-tanto, pode ser prejudicado por uma série de fatores, a exemplo de doenças, causas genéticas ou pouca ingestão de água.

Quando os rins já não funcionam corretamente, é necessário, por vezes, re-correr a tratamentos que tentem substituir sua função. A hemodiálise é o método por meio do qual o sangue é filtrado e devol-vido ao corpo do paciente com menos impurezas. Já na diálise, uma solução es-pecial é infundida e drenada no abdômen da pessoa, sem contato direto com a cor-rente sanguínea. Na maioria das vezes, se não houver possibilidade de transplante, o tratamento é feito para o resto da vida. Mesmo após a cirurgia para substituição do órgão, os pacientes podem apresentar problemas, como infecções virais.

Pesquisadora da Hemominas, Mari-na Lobato Martins explica que pacientes com transplante renal – chamados, no sis-tema de saúde, de “terciários” – são con-siderados de alta complexidade e com alto custo. “Eles têm dois grandes problemas que precisam ser contrabalançados, como quaisquer outros transplantados: o uso da imunossupressão, para evitar a rejeição ao novo órgão, e o maior risco de infecção viral”, esclarece.

Segundo a pesquisadora, há diver-sos vírus prevalentes na população, mas em estado latente. Quando um paciente transplantado recebe a terapia imunos-supressora – que impede a rejeição do novo rim –, os microrganismos aprovei-tam a oportunidade para se reativar. “A infecção viral ativa pode danificar o órgão transplantado ou apresentar uma série de problemas, como atuar sobre as drogas imunossupressoras, levando à diminuição da vida útil do transplante ou à sua perda”, explica Marina Lobato.

De acordo com Luciana de Souza Madeira Ferreira Boy, também pesquisado-ra da Hemominas, a reativação pode acon-tecer tanto no órgão transplantado quanto

no próprio paciente, que já tenha o vírus. O risco é enorme! Afinal, entre 80% e 90% da população adulta têm, por exemplo, o Citomegalovírus (CMV) e o Poliomavírus (BKV). Por isso, “a chance de uma infecção ativa, por causa da imunossupressão, é muito grande. E isso é um problema preo-cupante na área de transplante”, informa Marina Lobato.

Ciente de tal demanda, as pesquisa-doras desenvolvem o “Estudo da infecção pelo Citomegalovírus humano (CMV) e pelo Poliomavírus (BKV) em pacientes com transplante renal: desenvolvimento de testes moleculares para detecção viral”, que visa avaliar o impacto da infecção por CMV e BKV em pacientes com transplante renal acompanhados pelo Centro de Ne-frologia do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte, ao longo de um ano. Os obje-tivos são desenvolver e padronizar o uso do teste molecular para detecção dos dois vírus, além de produzir protocolos de in-tervenção.

Além de Marina Lobato, coordenado-ra do estudo, e da mestranda Luciana Boy, o grupo conta com a participação de Pe-dro Macedo Souza, médico do Centro de Nefrologia da Santa Casa, e Edel Figuei-redo Barbosa Stancioli, do Laboratório de Virologia Básica e Aplicada do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Fede-ral de Minas Gerais (UFMG). Integram a equipe, ainda, Larissa Silva Lentz Braga e Julia Grichtolik Cantagalli Paiva, bolsistas de iniciação científica – com financiamento da FAPEMIG – ligadas ao Serviço de Pes-quisa, vinculado à Gerência de Desenvol-vimento Técnico Científico da Hemominas.

Testes fundamentais A equipe desenvolve o trabalho des-

de setembro de 2017. Atualmente, 67 pa-cientes são acompanhados. Segundo Ma-rina Lobato, na primeira parte do estudo, é necessário observá-los ao longo de um ano, com realização de coletas de fluidos (sangue e urina) em seis ocasiões: primei-ro, segundo, terceiro, sexto, nono e déci-mo segundo meses após o transplante. A pesquisadora explica que, em tal período, especialmente nos três primeiros meses,

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12 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

há maior possibilidade de reativação viral, posto que a imunoterapia é mais forte – com o intuito de evitar a rejeição do órgão.

Após recolher as amostras, realiza-se o teste molecular PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), para verificar a presença do vírus. Diferentemente de outros exames, o PCR não precisa que o paciente forme anticorpos para detecção do vírus. “Ele é usado para que se detecte o genoma viral”, conta Lobato.

Velho conhecido na área da saúde, a PCR é amplamente utilizada em pes-quisas. Cada vez mais, porém, o exame tem sido introduzido na prática clínica, de modo a se tornar obrigatório nas doações de sangue. Para a pesquisadora, no caso dos transplantes – e não apenas de rins –, seu uso também se revela muito impor-tante. “Os pacientes transplantados estão com resposta imune muito enfraquecida, devido às drogas imunossupressoras. Se

ocorrer reativação viral, portanto, ele não conseguirá produzir anticorpos. Com um teste molecular, identifica-se tudo isso”, ressalta.

Apesar de o estudo ainda estar em curso, Luciana Boy ressalta que já se ve-rificou alta prevalência dos dois vírus nos pacientes. Segundo ela, analisaram-se, no total, 129 amostras de 37 pacientes. “O DNA do BKV foi detectado em pouco mais de 50% do material; o CMV, em 32%. Além disso, vimos maior prevalência – de ambos – no segundo mês, conforme es-perado, pois, nos três primeiros meses, a imunossupressão está em seu nível máxi-mo”, informa.

A pesquisadora conta, ainda, que, em alguns pacientes, foi possível intervir e realizar o tratamento adequado. “Tivemos muitas detecções, e conseguimos acompa-nhar, pelo prontuário, que o médico rece-beu os resultados, interviu e houve melho-

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ra do paciente. De alguma forma, portanto, podemos dizer que, mesmo com pouco tempo, conseguimos contribuir”.

Marina Lobato destaca que a tec-nologia do teste molecular pode, em Mi-nas Gerais, evitar perda de transplantes ou complicações em pacientes, além de reduzir custos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e auxiliar as equipes médi-cas. “Quando propusemos o estudo, per-cebemos carência dos médicos em testes diagnósticos, que ficam sem saber como agir. Afinal, eles não têm certeza se o pos-sível quadro de piora se deve à rejeição do órgão, pelas próprias incompatibilidades, ou por algo que poderia controlar”, conta.

Prevenção Mais do que detectar o vírus, contu-

do, o grupo pretende compará-lo, por meio de testes já utilizados, e quantificar cargas virais. “O que significa quantificar? Saber

o nível de infecção da pessoa, pois tudo pode estar controlado. A quantificação da carga viral – ou o índice de infectividade – é importante para que o médico comece a tomar medidas diferentes, como trocar a intensidade de imunossupressão do pa-ciente”, explica.

Ao fim do estudo, a partir da quanti-ficação viral, os pesquisadores pretendem definir pontos de corte. Ou seja: o nível no qual o vírus se mostra como ameaça, para que o médico aja para evitar preocupações futuras. “Assim, poderemos estabelecer um protocolo para atendimento desse serviço de saúde no Hospital Santa Casa, levando-se em conta que cada instituição tem suas especificidades. Um estudo seria necessário para formulação de protoco-los específicos. A carga viral serviria de recomendação à conduta dos médicos”, informa.

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DIREITO

“É um tema que desperta paixões!” Assim Rômulo Valentini começou a defesa de sua tese de doutorado, intitulada “Jul-gamento por computadores? As novas pos-sibilidades da Juscibernética no século XXI e suas implicações para o futuro do Direito e do trabalho dos juristas”, defendida em 2018, pela Faculdade de Direito da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pouco antes, o professor orientador, Antô-nio Alvares da Silva, abrira a banca com o alerta, ao doutorando, sobre a complexa e longa arguição que o aguardava.

De fato, Juscibernética não é temática confortável no âmbito jurídico. O termo foi cunhado em 1974, por Mário Losano, na obra pioneira Lições de informática jurídica. A disciplina é dividida, cronologicamente, em três etapas. Teve início com a informática documental, quando floresceram os bancos de dados jurídicos, usados na ordenação da informação e sua posterior recuperação. Na

A defesa da tese foi gravada e pode ser assistida no link http://bit.ly/valenti-nitese.

Cib

erné

tica

jurí

dica

Polêmicas e embates éticos no entorno de uma das mais polêmicas inovações no campo do Direito contemporâneo

Lorena Tárcia

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sequência, criaram-se sistemas para con-trole de processos, tratamento de textos, ge-ração automática de documentos e decisões rotineiras, mas sempre como auxiliares nas decisões, sem substituí-las.

A fase contemporânea – e mais po-lêmica – diz respeito à denominada infor-mática jurídica decisória, com a criação de sistemas de Inteligência Artificial (IA) ca-pazes de produzir decisões por si mesmos. Aí se encontra o problema pesquisado por Valentini, ao buscar determinar se, no está-gio atual, é possível uma máquina elaborar textos, tecnicamente adequados, com deci-sões judiciais válidas para casos concretos.

“É uma tese provocativa, mas a rela-ção da informática com o Direito vem sendo discutida desde a década de 1970. O que tra-zemos de inovador é o elemento da realidade contemporânea”, defende o pesquisador.

Em 2014, quando começou sua pes-quisa, tudo era novidade. A partir de 2017, a realidade mudou, com a publicação de diversos artigos, notícias na mídia e, até mesmo, duelo “homem-máquina” na área jurídica, consequência do ritmo acelerado das inovações sociotécnicas.

Brasil X MundoO que difere a situação brasileira do

restante do Planeta, segundo o pesquisa-dor, é a “dissociação tecnológica”. Nos Es-tados Unidos, o uso do computador, no dia a dia forense, já é realidade, com sistemas especializados, que reduzem postos de trabalho e produzem peças jurídicas, aos moldes do site www.processeaqui.com.br. Porém, as diferenças são significativas, já que, de acordo com Valentini, somos o País com maior quantidade de processos per capita do mundo, sujeitos a muitas va-riações. “Eles não precisam da informática como tábua de salvação para o sistema ju-diciário. Para eles, as tecnologias são um suporte”, explica.

A obra de Richard Susskind, Tomo-row’s Lawyers, seria prova desta diferença entre os dois países. Nela, o autor estaduni-dense prevê um mundo de tribunais online, negócios jurídicos globais baseados em IA, mercados liberalizados, comoditização e terceirização, práticas simuladas baseadas na internet e novos empregos legais.

Plataforma na qual consumidores le-sados em uma relação de consumo podem processar uma empresa de forma simples e gratuita.

Outros destaques são o Canadá – com a empresa Ross Intelligence, uma das mais famosas referências de sistema de “advogado virtual” – e o Reino Unido – com a empresa Case Crunch, notória por vencer advogados humanos em um desafio na área de Direito Tributário.

Além disso, recentemente, outra em-presa, a LawGeex, demonstrou ser capaz de apresentar performance superior à dos especialistas humanos na análise de con-tratos, ao realizar, em poucos segundos e com maior índice de acerto, tarefas que os advogados humanos levaram, em média, 90 minutos para finalizar.

Já na China, país com massivo ín-dice de investimento em Inteligência Arti-ficial, as tecnologias na área jurídica têm sido direcionadas para a realização de políticas públicas e controle social, como coleta de dados pessoais e tecnologia de reconhecimento social, a fim de facilitar o trabalho das autoridades policiais e a pres-tação de serviços públicos, como emissão de passaportes e acesso ao crédito.

No entanto, Valentini alerta sobre o polêmico uso de IA no julgamento de cri-mes. “A aplicação na área criminal é uma questão delicada, mas a China parece se importar menos com os dilemas éticos e morais desses sistemas do que o Ocidente”.

Minas, destaque científicoEm 2018, o Ministério da Educação

(MEC) estabeleceu o “Direito Cibernéti-co” como disciplina curricular autônoma, ainda que optativa, para os cursos de Di-reito, por meio do parecer CNE/CES nº 635/2018. Apesar do atraso, o Brasil já possui diversas iniciativas consolidadas de pesquisa na área.

Valentini destaca o vanguardismo da Universidade Federal de Santa Cata-rina (UFSC), com o avançado Grupo de Estudos sobre Governo Eletrônico (E-gov), coordenado pelo professor Aires José Ro-ver, referência na área de pesquisa sobre Informática Jurídica desde a década de 1990.

No Rio de Janeiro, destacam-se as iniciativas do Instituto de Tecnologia e Sociedade, sob orientação do professor Ronaldo Lemos, bem como o Centro de

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Estudos em Direito e Tecnologia (Ceditec), vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em Brasília, o grupo de estudos Legal-AI, da Universidade de Brasília, consolida as iniciativas de pesquisa e aplicação prática na área, sobretudo as desenvolvidas pelo professor Ricardo Vieira de Carvalho Fernandes, CEO da Legal Labs e organizador de duas edições do “Congresso Internacional de Direito, Governo e Tecnologia”.

Em São Paulo, no ano de 2017, hou-ve a criação do Grupo de Estudo de Lógica, Inteligência Artificial e Direito (Geliad), in-tegrado pela Faculdade de Direito e outros departamentos da Universidade de São Paulo (USP), por iniciativa do professor Juliano Maranhão.

“Mas, sem modéstia, em termos de destaque científico, creio que Minas Gerais tomou a dianteira nesse debate”, orgulha--se Valentini. A Faculdade de Direito da UFMG, em 2018, ofertou diversas disci-

plinas de graduação e pós-graduação na área da Juscibernética, com destaque para as iniciativas do professor Roberto Novaes, com o curso “Ciência de dados aplicada ao Direito”, e dos professores Leonardo Pa-rentoni e Renato César Cardoso, com a disciplina “Direito e Inteligência Artificial”.

“Além dessas, foram abordadas as questões referentes aos vieses dos algorit-mos aplicados aos processos judiciais, em disciplina conduzida pelo professor Dierle José Coelho Nunes e as implicações da Inte-ligência Artificial para o futuro das relações de trabalho, em disciplina ofertada, em conjunto, por mim e pelo professor Antônio Álvares da Silva, meu orientador do doutorado”, nomeia.

Em termos de grupos de pesquisa, também na UFMG, desde 2013, foram en-campadas, institucionalmente, as iniciati-vas do Grupo de Estudos em Direito Eletrô-nico (Gedel) – originado de uma das mais antigas listas de discussões temáticas so-bre Direito Eletrônico em grupo de estudos coordenado pelo próprio Valentini e pelo

Possível desvalorizaçao do trabalho dos profissionais da área jurídica.

Risco de “engessamento” do Direito em dados pré-existentes.

Replicação de vieses de julgamento já existentes, sem inovação.

Aceitação, como normal, de decisões injustas ou enviesadas das máquinas.

Esvaziamento ou empobrecimento dos debates sobre o sistema jurídico.

Para se informar sobre a proposta do grupo e conhecer formas de par-ticipar dos debates, acesse http://ideiaonline.org/ ou envie e-mail para [email protected].

professor Antônio Gomes de Vasconcelos. “Temos, ainda, o Instituto de Referência em Internet e Sociedade (Iris), orientado pelo professor Fabrício Bertini Pasquot Polido, e o grupo Direito e Tecnologia da Informa-ção (DTI), sob a coordenação do professor Leonardo Parentoni.

Fora do âmbito universitário, desta-ca-se, como iniciativa da sociedade civil, o Instituto Direito e Inteligência Artificial (Ideia), ação dos desembargadores Wilson Benevides (TJMG) e José Eduardo Resen-de Chaves Junior (TRT3), criado em 2018. O grupo é aberto a profissionais e estudan-tes de todas áreas, e discute, diariamente, temas polêmicos referentes à Juscibernéti-ca e suas implicações na sociedade.

Prós e contrasEmbora considere difícil apontar pontos positivos e desafiadores relacionados à aplicação da Inteligência Artificial no campo do Direito, pois tudo depende das escolhas humanas, o professor Valentini indicou aspectos a serem considerados.

Ganhos de eficiência no processo de trabalho, ao eliminar tarefas repetitivas.

Redução do tempo de tramitação dos processos e custos.

Liberação de juristas para atividades menos burocráticas, mais intelectuais e

criativas.

Ampliação da clareza e da objetividade dos processos.

Elevação do pensamento jurídico e dos estudos acadêmicos.

Pontos positivos Pontos negativos

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ADMINISTRAÇÃO

Você é um falsificaholic?

Pesquisa traça perfis dos consumidores de produtos falsificados na capital mineira

Nos últimos 12 meses, você se lem-bra de ter comprado algum produto falsifi-cado? A pergunta foi feita a 401 moradores de Belo Horizonte, de diferentes classes sociais e de ambos os sexos, com idade entre 18 e 65 anos – 68,4% admitiram ter comprado mercadorias do tipo no ano anterior, motivados, principalmente, pelo preço. O índice é representativo de toda a

população adulta da capital, com margem de erro de quatro pontos percentuais.

A pesquisa foi realizada entre novem-bro e dezembro de 2017. Os locais das en-trevistas domiciliares acabaram sorteados com base em dados demográficos do Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Na região com mais pessoas, di-recionamos maior número de entrevistas.

Se havia predominância de mulheres, rea-lizaram-se mais conversas com elas”, ex-plica Matheus Lemos de Andrade, diretor do Instituto Olhar, responsável pela aplica-ção dos questionários, e autor da tese de doutorado que apresenta a sistematização e a análise dos resultados.

O trabalho foi realizado junto ao Gru-po de Estudos em Marketing, Consumo e

Alessandra Ribeiro

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18 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

Sociedade (Gemacons), do programa de pós-graduação em Administração da Pon-tifícia Universidade Católica de Minas Ge-rais (PUC Minas). Uma das contribuições da pesquisa é a elaboração de um modelo teórico para analisar o comportamento do consumidor em relação à compra de catego-rias específicas de produtos, e não apenas dos falsificados como ideia geral e abstrata.

Defende-se a tese de que a compra de produtos falsificados é influenciada pela ética e pelos valores pessoais dos consu-midores, e varia conforme características demográficas, do processo de compra e do tipo de produto. “Na perspectiva de uma ética relativista – quando alguém compara

Fashion

e calça seu julgamento ético com o que ob-serva ao seu redor –, uma pessoa pode falar que prefere comprar falsificados a defender grandes empresas que praticam margens de lucro exorbitantes no País”, exemplifica.

Analisaram-se 13 tipos de produtos, agrupados em quatro categorias: pirataria, fashion, eletrônicos de uso pessoal e fár-macos. Agrupados na primeira categoria, DVDs de filmes e CDs de música estavam no topo da preferência dos consumidores (37,3% e 36%, respectivamente), segui-dos das roupas falsificadas (34,1%). Por outro lado, parece haver mais cautela na compra de itens como medicamentos (2,4%) ou câmeras digitais (2%).

“Pode ser muito antiético e arris-cado, tanto comprar quanto vender um remédio. Mas roupa não é tão compli-cado assim, pois não coloca ninguém em risco”, relata Andrade, a partir das justificativas ouvidas dos consumidores. “Percebemos que as pessoas têm atitudes diferentes em relação a falsificados, de acordo com o produto”, resume.

Os consumidores foram classifica-dos em quatro perfis: “não-compradores autorregulados”, caracterizados pela re-jeição ética e pela recusa por falsificados (30,2%); “esporádicos tolerantes”, que eventualmente compram e apresentam jul-gamento ético intermediário sobre tal com-

O que levar?Índice médio de compra de falsificados

DVD de Filme

37,3%

Software

26,8%

CD de Música

36,0%

Fármacos Eletrônicos de uso pessoal

Pirataria

Celular

11,0%

MP3 player

6,5%

Câmera fotográfica digital

2,0%

Medicamento

2,4%

Artigo de higiene pessoal

11,8%

Perfume

11,9%

Roupa

34,1%

Relógio

16,2%

Tênis/Sapato

21,6%

Óculos escuros

21,6%

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019 19

portamento (31,9%); “seletivos-libertos”, que adquirem apenas algumas categorias desses produtos e consideram a prática vantajosa e eticamente aceitável (23,4%); e os falsificaholics, que compram com fre-quência, sem nenhuma culpa.

Questão de status?Os resultados mostram que os mais

jovens têm maior tendência a comprar falsificados. Para quem ganha mais de dois salários mínimos, em toda as faixas etárias, o consumo diminui à medida que a renda aumenta. Apenas na faixa de ren-dimentos inferior a dois salários mínimos, ele é menor que na faixa imediatamente acima – uma possível explicação está no fato de que, neste estrato social, há outros produtos de primeira necessidade.

“Muitas vezes, a categoria de pro-dutos falsificados é a mais acessível ao consumidor. Imagine que você queira comprar uma calça jeans: onde encon-trará a calça mais barata em Belo Hori-zonte? Provavelmente, o Shopping ‘Oi’ terá uma das opções mais em conta. Não

“Começo minhas observações e as intercalo com algumas perguntas sobre os consumidores que Marciano atende. De acordo com sua percepção, os consumidores de falsificados são de todas as classes sociais: ‘Aqui no shopping dá de tudo! É rico, é pobre, é patricinha, mauricinho, favelado. Aqui tem de tudo!’ Apesar do predomínio de pessoas aparentemente pobres, noto que em meio a toda aquela gente há pessoas bem vestidas e famílias inteiras fazendo compras. [...] Depois de uma ou duas horas, percebo que, para acessar os consumidores, teria que ir para a ‘linha de frente’. As tentativas de entrevistar os consumidores foram frustradas e geraram desconfiança. Nesse ambiente, as pessoas ficam mais alertas e desconfiadas! Foram dezenove incur-sões de três a quatro horas, ao longo de quatro meses. Percebo que os consumidores avaliam criteriosamente cada peça. Tocar o produto é uma prática recorrente. [...] Marciano também me diz que as pessoas pegam para saber se a peça é de qualidade. O vendedor me alerta sobre a importância de saber avaliar o produto, já que a qualidade varia desde falsificações ‘de segunda linha’ a “réplicas perfeitas, que nem o fabricante saberia identificar’. [...] Em meus atendimentos, costumava enfatizar a marca: ‘Este é Quicksilver! Este é da Polo!’. Foi uma senhora que me alertou: ‘Olha aqui, moço, eu não ligo pra essas etiquetas. Quero uma calça bonita que caia bem no meu marido. A marca pode ser qualquer uma!’. [...] Marciano me diz que os pobres compram qualquer produto, seja para uso próprio ou para presentear, e preferem os produtos que possuem a logo aumentada, em destaque. Já os ricos tendem a ser mais criteriosos e buscam produtos de ‘primeira linha’, as réplicas, produtos que são idênticos aos originais e geralmente são mais discretos.”

quer dizer que a pessoa busque um falsi-ficado; ela procura uma calça. O produto falsificado também tem funcionalidade”, pondera o autor do trabalho.

Como parte da pesquisa, de dezem-bro de 2015 a março de 2016, ele atuou como vendedor de uma banca de roupas no Shopping Oiapoque, tradicional centro comercial da capital mineira – metodologia denominada “observação participante com inspiração etnográfica”. A experiência, via-bilizada com recursos do Fundo de Incen-tivo à Pesquisa da PUC Minas, gerou cerca de 20 páginas de anotações e 52 minutos de entrevistas gravadas com vendedores e consumidores.

O relato etnográfico pode ser lido no artigo “Falsificado, sim. Mas de coração! Uma investigação interpretativa sobre o ato de presentear com produtos falsificados”. O texto é um dos capítulos do livro Cultura e consumo no Brasil: estado atual e novas perspectivas, lançado pela Editora PUC Minas, em 2018, com apoio da FAPEMIG.

“Percebi que as pessoas não com-

pram falsificados só pela questão da mar-ca. Os mais pobres, principalmente, estão em busca de um estilo e querem expressar este estilo. Como eles não têm como ex-pressá-lo a partir de uma marca original, vão para o produto falsificado”, observa.

Segundo Andrade, o senso comum de que as pessoas compram falsificados apenas para ganhar status, por causa da marca, já foi muito discutido na literatu-ra especializada, e há consenso de que a perspectiva deve ser ampliada. “Um pobre, quando usa um falsificado, sabe que as pes-soas olham para ele e percebem que aquilo é falsificado. Já uma madame que mora na Zona Sul, tem nível superior e anda de carro importado, se puser uma bolsa Louis Vuitton, mesmo falsificada, ela, a mulher, confere status ao produto e passa a blefar com seu próprio status social”, compara. O pesquisador afirma: efetivamente, é muito mais comum que a classe média e os ricos usem falsificados, com o objetivo do blefe, do que os mais pobres.

Quem vai querer?!Confira trechos das impressões do pesquisador Matheus Lemos de Andrade, que, entre 2015 e 2016, também atou como vendedor de roupas no Shopping Oiapoque, em metodologia de estudo denominada “observação participante com inspiração etnográfica”.

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RELAÇÕES PÚBLICAS

Laboratório de controvérsias

Luana Cruz

Estudo analisa

campanha de relações

públicas financiada

por empresas do setor

de energia e orientada

a plantar incertezas

sobre existência do

aquecimento global

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019 21

A ciência e a opinião pública en-volvem controvérsias que fazem parte do processo coletivo de produção de conhe-cimento. O que talvez não paremos para pensar diz respeito à constatação de que agências de relações públicas, corpora-ções, agentes políticos, cientistas, jorna-listas e personalidades midiáticas podem interferir nos rumos das discussões cien-tíficas. Muitas vezes, tais “atores” contam com estratégias concebidas para evitar a formação de consensos e a movimentação de públicos.

Eis o tema da pesquisa de Daniel Reis Silva, na tese “Relações Públicas, Ciência e Opinião: lógicas de influência na produção de (in)certezas”. O estudo busca compreender a campanha de relações pú-blicas financiada por grandes corporações do setor de energia, e orientada a criar dú-vidas sobre a existência do aquecimento global antropogênico.

O pesquisador trabalha com a ideia de “manufatura de incertezas sobre as mu-danças climáticas” – a construção social da dúvida – e a tentativa de criar um cenário de ambiguidades, no qual os sujeitos fiquem imobilizados, sem saber como agir ou em quem acreditar. Daniel Reis destrincha cam-panhas que buscam, até mesmo, negar a existência das mudanças climáticas.

“Importante compreender que essa campanha não assume a forma de conjunto linear de ações, mas a de um emaranhado de estratégias de influência. Incorpora, por exemplo, a elaboração de falsas petições, a criação de grupos de fachada, para defen-der pontos de vista, e a confecção de mate-riais didáticos enviesados, para estudantes do ensino fundamental”, explica.

De acordo com o cientista, a pes-quisa vai além da denúncia da existência de tais ações, mas almeja compreender as dinâmicas e lógicas de influência que as conformam. “Busca-se entender como a dúvida é socialmente engendrada, como a comunicação atua nesse processo e quais as consequências dessas ações, especial-mente, na opinião pública e na mobilização de públicos”, afirma.

Para entender as estratégias de in-fluência, o pesquisador mergulhou no uni-verso das incertezas. E acompanhou, em

profundidade, um think tank específico, o Heartland Institute, de modo a explorar a participação na rede de criação de dúvidas sobre as mudanças climáticas.

Think tanks: raio-XSegundo Daniel Reis, os think tanks

são ideológicos e operam com financia-mento de grupos aparentemente neutros, que servirão como porta-vozes perante a opinião pública. “A estratégia visa ocul-tar interesses privados, fazendo com que posicionamentos ganhem força na esfe-ra pública, a partir da ideia de isenção. Assim, ao invés da própria indústria de carvão fazer campanha para defender seu produto, ela cria um grupo de supostos especialistas neutros, que terão, como função, realizar essa defesa, em nome de uma verdade científica ou do interesse público, o ocultar seus interesses finan-ceiros subjacentes”, detalha.

A pesquisa mostra que os think tanks ideológicos estão, atualmente, no centro da campanha de criação de dúvidas so-bre as mudanças climáticas. Além disso, recebem financiamento milionário de cor-porações e pessoas ligadas à indústria de energia, para atuar enquanto instituições “neutras”. “Eles contribuem de manei-ra decisiva para o clima de incerteza, na medida em que dificultam a compreensão sobre quais interesses privados perpassam os posicionamentos envolvidos no debate climático”, ressalta.

Durante a experiência de acompa-nhamento do think tank Heartland Institute, o desafio para o pesquisador foi desvelar elementos criados para permanecer ocul-tos. Segundo Reis, a lógica desses grupos é manter os interesses privados, que os motivam, afastados dos holofotes públi-cos, sob o risco de perda de influência.

O foco do cientista era estudar as práticas comunicativas dentro do grupo, de maneira a tentar elucidar as lógicas que perpassam suas ações de “manufatura de incertezas”. Um dos principais achados da pesquisa, de acordo com o especialista, é a forma em rede como atuam os think tanks.

Ao mesmo tempo em que a lógica em rede torna difícil seguir os rastros de

Eles funcionam como laboratórios de ideias. São grupos de reflexões ou organizações de pesquisas sobre políticas públicas capazes de emitir recomendações a atores públicos.

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cada grupo, ela fortalece suas mensagens, a partir de dinâmica circular, que oculta as origens de cada posicionamento. “Nesse ponto, o acompanhamento do grupo foi semelhante à construção de um grande quebra-cabeças, no qual cada peça está escondida – e nem todas podem ser en-contradas”, esclarece.

Construção social A pesquisa sinaliza que a ciência é

construída socialmente, a partir de práticas retóricas. De acordo com Daniel Reis, isso implica o afastamento de visões positivis-tas, que igualam ciência a uma verdade superior, inata e objetiva. “Ao contrário de tal visão, em nosso entendimento, o fazer científico é permeado de contradições e processos não lineares de negociação, que abrem espaços para intervenções estraté-gias diversas, dentre as quais, estão ações de relações públicas”, esclarece.

Mais especificamente sobre mudanças climáticas, o pesquisador apurou que relató-rios do Painel Intergovernamental sobre Mu-danças Climáticas da ONU (IPCC) mostram a necessidade de mudanças sem precedentes na vida moderna, com intuito de limitar o aquecimento do planeta, a 1,5º C, até 2052. “Tais mudanças impactariam radicalmente a vida de todos nós, já que precisaríamos di-minuir nossa pegada de carbono, limitar o uso de automóveis e viagens de avião, assim como o consumo de energia, além de alterar a alimentação”, analisa.

Diante de tantas alterações – muitas delas inconvenientes para o dia a dia –, como podemos apoiar e aceitar tal cenário? Conforme Daniel Reis, isso só pode ocor-rer quando houver certeza de que o IPCC e seus cientistas estão corretos, e de que tais

medidas são imperativas para preservação da vida na Terra como a conhecemos. Em outras palavras: quando houver consenso social sobre o tema. Nesse ponto, entra em jogo a “manufatura de incertezas” e a in-terferência de práticas de relações públicas nos rumos de uma controvérsia.

“A campanha com a qual lidamos na tese não é orientada a convencer cientistas, mas a criar dúvidas na opinião pública. Ela atua de forma a sugerir, à população, que o debate científico não está encerrado, de modo a criar estratégias comunicativas orientadas a evitar a formação dos consen-sos necessários para a adoção de medidas significativas de controle de emissão de gases estufa”, conclui.

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INOVAÇÃO

Universidade empreendedora

Alessandra Ribeiro

Grupo da UFSJ ajuda a formar ecossistema de inovação no Centro-Oeste de Minas

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24 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

Em 2018, a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) destacou-se como a mais engajada no Empreenda.Co-nexão, etapa final do programa de pré-ace-leração de startups Empreenda. Em Ação!. A iniciativa, que conta com apoio institu-cional da FAPEMIG, reuniu 53 projetos apresentados por 15 instituições de ensino superior de Minas Gerais. A UFSJ teve três equipes premiadas na competição – todas formadas por professores e estudantes do campus Centro-Oeste Dona Lindu, locali-zado em Divinópolis.

O bom desempenho é atribuído ao Grupo de Inovação Tecnológica (Grite), criado, em 2013, por professores do cur-so de graduação em Bioquímica, com o objetivo de fomentar a cultura da inova-ção e do empreendedorismo no campus. A proposta consiste em formar alunos en-

gajados no desenvolvimento de produtos e processos inovadores para a sociedade, com potencial de se tornarem donos dos próprios negócios.

Em pouco mais de cinco anos de atuação, o Grite foi responsável pelo de-pósito de mais de 30 patentes, além de seis registros de softwares, e pela criação de 20 startups – ao menos cinco acabaram premiadas em programas de aceleração. A trajetória rendeu moção da Câmara Mu-nicipal de Divinópolis, pelo estímulo ao desenvolvimento da cultura da inovação local. Atualmente, o grupo trabalha, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), no mapeamento do ecossistema de inova-ção da Região Centro-Oeste do Estado.

A criação de um ecossistema de ino-vação local começou a ganhar contornos

em 2016, quando professores do campus Centro Oeste da UFSJ e da unidade do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) em Divinópolis reuniram-se no “1º Encontro de Inovação Tecnológica”, pro-movido pelo Grite. As discussões passa-vam por alternativas para que as pesquisas realizadas nas duas instituições fossem, prioritariamente, de caráter colaborativo, com viés tecnológico e aplicado.

Três integrantes do Grite já foram contemplados pelo programa Doutorado Acadêmico para Inovação (DAI), lançado, em 2018, pelo Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o intuito de fortalecer a pes-quisa, o empreendedorismo e a inovação nas instituições brasileiras. “Anteriormen-te, a maioria das teses defendidas era pura-mente acadêmica. Agora, muitas delas vol-

Startups premiadas

Lavigne Diagnósticos(Melhor ideação – Emprenda.Conexão 2018)

Desenvolve testes diagnósticos rápidos, menos invasi-vos e mais baratos que os convencionais, para doenças negligenciadas. A proposta é economizar em logística laboratorial, para eliminar entraves burocráticos. O pú-blico-alvo são consumidores diretos, farmácias e labo-ratórios, além do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ipsum(1º lugar na etapa local do Empreenda. Em Ação!)

Empenhada no desenvolvimento do aparelho multisse-letor para doenças e no desenvolvimento das fitas ou pastilhas de nanotubos de carbono. A proposta é desen-volver um kit diagnóstico prático, rápido e sensível, com um aparelho portátil e de fácil manuseio.

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tam-se ao desenvolvimento de produtos”, compara Alexsandro Galdino, professor da UFSJ e coordenador do Grite.

Da aula à empresaAs instituições participantes do Em-

preenda. Em Ação! oferecem disciplinas de graduação e pós-graduação voltadas ao empreendedorismo, nas quais os alunos participam da idealização, do planejamento e da produção de um modelo real de ne-gócio. No campus Centro-Oeste da UFSJ, a grade curricular da graduação passou a contar com conteúdos de administração e marketing, por exemplo.

A startup Ipsum, idealizada na disci-plina “Biotecnologia Aplicada à Saúde”, foi a primeira colocada no evento local do Em-preenda. Em Ação!, em São João del-Rei.

A startup Sôbet, idealizada na disciplina “Práticas em bioquímica analítica”, alcan-çou o segundo lugar no Prêmio Gerdau de Inovação Universidade-Mercado, entregue durante o Empreenda.Conexão!. As outras duas startups premiadas no evento foram a Lavigne HPV e a Herbio Health Solutions, concebidas na disciplina “Introdução à inovação tecnológica: da ideia ao produto”.

“A proposta era que os alunos formas-sem times para pôr em prática uma ideia inovadora. Eles recebiam toda a capacitação por parte dos professores, com material do Sebrae, para apresentar seus planos de ne-gócios e de viabilidade de mercado”, lembra o coordenador do Grite. As melhores ideias desenvolvidas nas disciplinas participaram de seletiva em Divinópolis, o Grite Demo-day, que envolveu 106 alunos de graduação e pós-graduação, distribuídos em 23 equi-

pes. As três primeiras colocadas foram para a final, o Empreenda.Conexão, na cidade de Ouro Preto.

Os estudantes também têm acesso a palestras de cunho tecnológico e webinars, que já contaram com a participação de pes-quisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT) e da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Um dos pré--requisitos para a seleção dos palestrantes é que tenham algum produto ou processo patenteado, licenciado ou transferido ao setor produtivo.

“O foco é o desenvolvimento de tec-nologias que possam melhorar as vidas das pessoas. Este caminho é um dos primordiais a ser seguido pela Universidade, que também se beneficia, pois recebe contrapartida para investir, inclusive, na própria infraestrutura de laboratórios”, analisa Galdino.

Sôbet(1º lugar no Grite Demoday; 2º lugar no Prêmio Gerdau de Inovação Universidade-Mercado; selecionada para os programas Startup Show e IBM Day)

Fabrica sobremesas geladas saudáveis, à base de pro-bióticos e superfrutas (ricas em nutrientes, com pro-priedades funcionais), sem adição de adição de açúcar, lactose, nem gordura. O público-alvo são pessoas com síndromes metabólicas ou restrições alimentares – in-clusive, veganos.

ProbioFull(Startup destaque do Programa Acelera Mestrado e Doutorado Fiemg LAB/FAPEMIG)

Com o uso de lactobacilos isolados e selecionados a partir dos resíduos da fabricação de queijos na região de Divinópolis, produz alimento funcional, com pro-bióticos altamente nutritivos. A ideia é ampliar o esco-po de atuação para outros setores, além do alimentício, como farmacêutico, de cerveja artesanal, de cosméti-cos e nutrição animal.

ProbioCau(Selecionada no Programa InovAtiva Brasil – Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços/Sebrae)

Produz suco de cacau probiótico de grande valor nutricional, graças à presença de lactobacilos vivos isolados e selecio-nados durante a produção de queijos da região. O produto é uma novidade no mercado brasileiro, por não ser de origem láctea, o que favorece consumidores com intolerância à lac-tose ou alergia às proteínas do leite, por exemplo.

Herbio Health Solutions (Melhor spin-off – Empreenda.Conexão 2018)

Destinada à criação de fórmulas farmacêuticas de liberação modificada, com o objetivo de aumentar a comodidade do paciente e a adesão aos tratamentos. Desenvolve produto à base de cannabidiol, subs-tância extraída da maconha, que tem demonstrado eficácia no tratamento de doenças como a epilepsia.

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ESPECIAL

No backstage do saber

Alinhado às metas dos pesquisadores, ofício de uma série de profissionais

revela-se fundamental à roda vida das teorias e práticas científicas

Mariana Alencar

A ciência, definitivamente, é um trabalho coletivo. Diversos, afinal, são os profissionais a auxiliar os pesquisadores em seus estudos. Para conhecer melhor tal realidade, MINAS FAZ CIÊNCIA visitou laboratórios para desvendar o trabalho de seis técnicos, es-pecializados em processos vitais aos questionamentos e resultados das investigações científicas.

Durante a visita, foi possível perceber que a prática científica não se constrói, realmente, por meio do trabalho de uma só pessoa. Em laboratórios de áreas as mais diversas, técnicos, estudantes, faxineiros, professores e pesquisadores unem-se, e dialogam mui-to, para tornar possível a produção do conhecimento. Confira, nas próximas páginas, tais histórias de união, responsabilidade e saber.

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Partículas invisíveisEm 1998, uma fábrica de semicon-

dutores situada em Contagem (MG) estava prestes a encerrar as atividades. A empre-sa, surgida nos anos 1980, contava, desde a fundação, com a participação de um de-dicado funcionário, que segurou sozinho os perrengues envolvidos no fechamento da fábrica. Antônio de Pádua de Assis, ou Pádua, como preferem os colegas, ficou responsável por vender os equipamentos da finada companhia. Em tal processo, ele acabaria por conhecer professores do Ins-tituto de Ciências Exatas (ICEx) da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Dois anos após o fechamento da fá-brica, veio o convite dos pesquisadores: Pádua passaria a atuar como responsável pela “sala limpa” do departamento de Fí-sica do ICEx, onde, hoje, aos 66 anos, o profissional – técnico em eletrônica, ins-trumentação e semicondutores, realiza ma-nutenção, de segunda a sexta-feira, entre 8h e 17h. “Geralmente, chego às 7h, antes do horário formal, pois preciso saber se está tudo funcionando, antes mesmo de os pesquisadores chegarem. A universidade tem problemas, por exemplo, de forneci-mento de energia elétrica. Por isso, chego, verifico o funcionamento do ar-condicio-nado, dou uma geral na sala e me preparo para a chegada de todos”, explica.

A sala limpa é um laboratório abarro-tado de microscópios e outros equipamen-tos, que permitem a análise de materiais de dimensões minúsculas. Por isso, o nível de partículas no ambiente deve ser o mí-nimo possível. Normalmente, o ar contém cerca de 500 milhões de tais partículas, in-visíveis a olho nu. No espaço mantido por Pádua, o valor deve ser de 10 mil, mil ou 100 partículas, a depender da classificação da sala. “Tudo que os pesquisadores fazem neste laboratório tem dimensão microscó-pica, ou seja, o tamanho das ‘sujeiras’ que encontramos no ambiente. Por isso, a sala precisa ser limpa, para que a pesquisa não seja comprometida”, explica o técnico.

Para manter o nível de partículas no valor esperado, é preciso manutenção cons-tante. O valor não pode fugir ao esperado. É aí que entra o trabalho de Pádua! Uma de suas funções é trocar os filtros que limpam o ar da sala. Em resumo, há três tipos de filtros: o primeiro deve ser trocado sema-nalmente; outro, de seis em seis meses;

além de um último conjunto, renovado anualmente. “Este é mais complicado, pois em valor muito alto. Por isso, muito antes do período de troca, te-nho que avisar o pessoal a abrir lici-tação para compra de novos filtros”.

Outra maneira de manter a sala com a quantidade ideal de partículas se dá por meio da tempe-ratura. O ambiente não tem janelas e é resfriado por um sistema de ar-condicionado, ligado 24 horas por dia. Segundo Pádua, as tem-peraturas baixas e estáveis são es-senciais ao controle da umidade e da pressão do ar dentro.

O controle de temperatura também permite a conservação dos materiais químicos alocados no laboratório. “Às vezes, é pre-ciso repetir um experimento anos depois de ele ter sido feito pela primeira vez. As condições de temperatura precisam ser as mesmas nas duas ocasiões, para que os resultados não sejam afetados. Por isso, o ar-condicionado nunca desliga”, afirma.

A sala limpa do departamento de Fí-sica da UFMG compõe-se de um conjunto de três espaços, divididos pelas classifi-cações do número de partículas: 100; mil; ou 10 mil. Em todas elas, a temperatura é muito baixa; e a luz, alaranjada, pois certos insumos alocados são fotossensíveis. Para entrar ali, é preciso vestimenta especial: ma-cacão, touca, luvas e sapatilhas. Isso tudo para que aquele que vem de fora não conta-mine o ambiente. A cada vez que Pádua en-tra na sala, para dar auxílio aos estudantes, precisa vestir uniforme próprio: “Tem dias que entro e saio mais de 50 vezes, e, a toda hora, preciso mudar a roupa. É cansativo, mas extremamente necessário”.

Há quase 15 anos, Pádua encara seu trabalho como oportunidade de conhecer pessoas e trocar informações com outros es-pecialistas. “Diferentemente de uma empresa, onde precisamos ‘segurar’ informações, aqui, a troca é constante. A pesquisa não é indivi-dual, mas coletiva. Sempre ajudo os alunos e pesquisadores, que, quando chegam, não sabem, por vezes, o que fazer, e eu os treino. Vem gente de vários lugares, e até de outras universidades. É por isso que gosto tanto da-qui! Há muita liberdade, e a hierarquia tende a existir só no papel”, destaca.

Acervo pessoal

Antônio de Pádua realiza controle preciso da temperatura e das condições do ar na chamada "sala limpa"

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Morte em prol da vidaA tanatopraxia é uma técnica de con-

servação de cadáveres, associada a ques-tões estéticas. Por meio de tal prática, a decomposição é paralisada, e a aparência do corpo se modifica, para que permaneça como em vida. O método é comumente usa-do em funerárias, mas, na Faculdade de Me-dicina da UFMG, também se aplica à con-servação dos corpos doados para estudo.

O profissional responsável por essa ação atende pelo nome de José Eustáquio Pereira Barboza, de 34 anos, técnico em Anatomia e Necropsia da Faculdade. No cargo há pouco mais de 5 anos, Barboza prepara os corpos que chegam à univer-sidade e os torna aptos ao uso em sala de aula. Ele explica que, embora utilize bas-tante a tanatopraxia, as técnicas de embal-samamento, que permitem a conservação do cadáver por longo período de tempo, também são usadas.

“No primeiro passo da preparação, drenamos todo o sangue no corpo, que é retirado à medida que inserimos um flui-do – normalmente, o formol – no lugar. Para isso, uma bomba simula o coração humano. Por meio dela, é possível injetar pressão similar à arterial. Isso permite que o fluido entre sem que vasos, artérias ou órgãos sejam danificados”, explica.

A rotina do técnico revela-se bastan-te dinâmica. Durante as 40 horas semanais de trabalho, ele prepara e auxilia as aulas práticas, ajuda médicos e pesquisadores no Laboratório de Anatomia para realiza-ção de estudos e dá manutenção nos 102 corpos hoje mantidos na Faculdade de Medicina da UFMG, além de prepará-los quando chegam à instituição.

“A relação com os alunos é muito boa. Eles se interessam bastante pelo assunto. Em todo início de semestre, sou respon-sável por apresentar aos calouros o Labo-ratório. A experiência é ótima. Entretanto, há uma parte curiosa em minha profissão: quando chega um corpo no fim de semana, nos feriados, ou, até mesmo, em minhas fé-rias, tenho que largar tudo e vir à Faculdade, pois o processo deve começar a ser feito nas primeiras horas após o falecimento”, conta.

No imaginário coletivo, associa-se a profissão de Barboza a algo macabro, vi-são potencializada por filmes e séries de terror. No entanto, para o técnico, sua pro-

fissão ajuda a salvar vidas. Ao adentrarmos o Laboratório de Anatomia da Faculdade, é possível perceber importante frase, em latim, a decorar uma das paredes do local: “Hic mors caudet sucurrere vitae”, que, em tradução, livre significa “Aqui, a morte se alegra a socorrer a vida”.

“Lidamos com a morte cientifica-mente. Entretanto, é preciso muito respei-to, e transmitimos isso aos alunos. Lida-mos com a matéria, mas ali existiu uma vida que amou, foi respeitada, e optou por doar o próprio corpo à Medicina. Essas pessoas, mesmo após o óbito, contribuem com a formação de médicos, que, no futu-ro, salvarão novas vidas. É um gesto muito nobre”, destaca o profissional.

Os motivos que levaram o técnico a exercer a profissão aparecem ainda em sua infância. Desde muito novo, Barboza sentiu necessidade de desvendar o corpo humano, principalmente, após a morte: aos 10 anos, precisou encarar o falecimento do pai, e, durante o velório, de quem ficou im-pressionado com a serenidade das feições. Impactado com a imagem, começou a in-vestigar como aquilo era possível. Já adul-to, decidiu fazer um curso de tanatopraxia, o que o levou a trabalhar numa funerária. Anos depois, ingressou no curso de En-fermagem, com o intuito de aprimorar os conhecimentos sobre o corpo humano.

“A morte é muito difícil de ser abor-dada. Por isso, muitos profissionais lidam com ela por falta de opção. No meu caso, porém, foi uma escolha. Trabalho nesta área porque quero! Se não tivesse meu ofí-cio, não existiriam condições para que os os alunos estudassem”, defende.

Apesar de gostar do que faz, o técni-co conta que ainda existe muito preconcei-to com a profissão. No início de sua carrei-ra, a visão negativa de parte da sociedade impactou na vida de Barboza, mas, com o passar do tempo, e com o hábito de fazer terapia, isso deixou de ser um problema. “Há muita gente que nos encara como doi-dos. Tenho que escutar comentários horrí-veis. Já vivi situações de pessoas que não queriam pegar na minha mão, por exem-plo. Minha mulher sempre escuta comen-tários do tipo ‘Como você tem coragem de dormir na mesma cama que ele?’. Isso é chato demais, pois nossa profissão não recebe o valor que tem”, desabafa.

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Ao decidir tornar-se doadora, a pes-soa recebe uma carteirinha, que certifica a opção. Entretanto, após o falecimento, os parentes de primeiro grau são responsáveis por autorizar a doação. A Faculdade de Me-dicina da UFMG possui banco com registro de mais de dois mil interessados. Diante de tal informação, pergunto a Barboza se ele próprio é doador: “Não. Mas pretendo. No momento, acho complicado. Como minha família é muito religiosa, o sepultamento, para eles, é a única opção. Espero que essa visão mude um dia”, comenta.

Resistência ao tempoUm conjunto de três salas interliga-

das formam o Laboratório de Cristalografia do ICEx, na UFMG. Antes conhecido como “Laboratório de Raios X”, o local deixou de ser apenas um suporte para estudantes da Universidade, e, hoje, também atende a em-presas privadas, que o procuram para aná-lises cristalográficas de materiais diversos.

O responsável pelo local é Alexandre Moreira, de 58 anos, que, desde 1980, ocupa o cargo de técnico em Radiologia. Na adolescência, ele frequentou um colé-

mestre em Ciências na área de Física”, con-ta. Ao longo dos quase 40 anos em que está na UFMG, o técnico também aproveitou para se graduar em outros cursos, bem diferentes da sua área de atuação: História e Direito. “A História é uma paixão desde os tempos de colégio. Já o Direito veio de decisão mais pragmática: queria prestar concurso público na área, mas, com o tempo, vi que não tinha muito talento para isso”, brinca.

O tempo de estadia de Moreira na UFMG quase remonta ao momento em que o difratômetro mais antigo da Universidade chegou ao Laboratório. Ambos estão ali há, praticamente, quatro décadas, período de muitas transformações. “O nome e o uso do Laboratório mudaram. Antes, era só um suporte. Agora, atendemos muita gente. Graças a esforços de pesquisadores dedicados, ele se tornou o que é hoje. Con-tamos, até mesmo, com grupo de estudos em Cristalografia, algo impensável quando cheguei aqui. Também o difratômetro se modificou, pois foi atualizado pelos pes-quisadores. Ele já resistiu a alagamentos e acidentes”, relembra.

Mesmo que o tempo de permanência no local seja longo, Alexandre Moreira fala com empolgação de seu trabalho, e diz não se sentir cansado. Assim como o antigo di-fratômentro, ele resiste ao tempo e às mu-danças. A cada demanda, novos aprendi-zados; a cada ano, outras tantas histórias. Tristeza com o ofício? Em 40 anos de prá-tica, jamais. “O ato de acordar e vir para cá sempre foi, se não um prazer, no mínimo, algo leve. Nunca reclamei de ter que vir ao laboratório. Quando você fica mais anti-go no local, as pessoas te respeitam mais. Vejo que isso acontece comigo”, completa.

Força femininaQuase 240 km separam o Laborató-

rio de Cristalografia da Central de Análise e Prospecção Química da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Ambos são mul-tiusuários – ou seja, atendem demandas de públicos diversos, dentro e fora da comunidade acadêmica, e são compostos por equipamentos caros, que requerem um técnico especializado para manuseá-los. Assim como Alexandre Moreira, Lidiany Zacaroni, técnica responsável pelo Centro de Análise, tem grande satisfação com seu trabalho na Universidade.

gio técnico, e se especializou em instru-mentação. Devido à necessidade de profis-sional apto a operar os equipamentos de raio X do ICEx, Moreira assumiu o cargo que ocupa até hoje. Sua função é operar os difratômetros de raios X no local, atividade dividida com outra técnica, Carla Pereira.

“Quase diariamente, recebemos de-mandas de usuários que solicitam a rea-lização de medidas de difração de raios X de materiais diversos. As amostras nos são entregues nas mais variadas formas: aço, placas, pastilhas, pó etc.”, explica Moreira, ao explicar que há duas demandas princi-pais: a primeira se relaciona apenas à me-dição, e, geralmente, vem dos pesquisado-res; a outra é a análise dos dados obtidos por meio da medição. “Além de operar o equipamento, preciso fazer interpretação da medida. Isso é mais comum no caso de empresas”, explica.

Para dar conta das solicitações, Mo-reira se qualificou por meio de um mestrado em Cristalografia, realizado no início da dé-cada de 1990, na Universidade de Londres. “A curiosidade é que não existe curso equi-valente no Brasil. Portanto, por aqui, sou

Acervo pessoal

Alexandre Moreira promove análises cristalográficas de materiais os

mais diversos

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aparecem coisas e pessoas novas. Não há rotina exata. Por isso, gosto muito do que faço. Tenho permanen-te contato com áreas diferentes, o que me obriga a estudar e a pesqui-sar”, garante.

Símbolo de Ouroboros

Quando Marco Anacleto che-gou à UFMG, o Brasil ainda vivia sob ditadura militar, a ovelha Dolly estava longe de existir e a internet era bem diferente da que atualmente conhece-mos. Em 31 de outubro de 1978, ele começou a trabalhar na Universidade, como desenhista projetista, cargo que ocupa até hoje. À época, era respon-

sável por fazer ilustrações científicas para pesquisadores da Escola de Veterinária. Seu tempo se dividia entre os desenhos de animais e as aulas do curso de Belas Artes, na mesma instituição de ensino.

A ilustração científica pode ser de-finida como “a comunicação visual da ciência”, por transformar descrições e descobertas – uma galáxia distante, o ciclo

Zacaroni chegou à Ufla em 2009, mas apenas em 2013 é que passou a ocupar o cargo de técnica de laboratório. Formada em Química, ela é responsável por atender demandas de pesquisadores, alunos e empresas que buscam o setor para realização de diferentes análises químicas. Ao todo, a profissional trabalha com cinco técnicas diferentes.

“Realizamos, principalmente, a cro-matografia líquida e gasosa. Em relação a esta última, há aquela com detecção de ionização química e a espectometria de massas. fazemos, também, análises tér-micas. Apesar de parecerem específicas da área, atendemos a pessoas de Zotecnia, Agronomia, Farmácia, Veterinária e muitas outras”, explica a profissional, ao destacar que faz as análises e, em seguida, realiza o tratamento dos dados. “Como há muita de-manda, preciso me organizar. Desde o ano passado, também ofertamos cursos aos alunos, para que possam aprender a usar o Laboratório. Além disso, damos suporte aos pesquisadores”, conta.

Lidiany Zacaroni admite que um dos problemas de trabalhar no Laboratório rela-ciona-se à questão de verbas destinadas à Universidade. Em sua visão, o problema pode impactar a entrega de demandas, e, conse-quentemente, prejudicar a pesquisa de vários cientistas. “Já aconteceu de um equipamento quebrar e não ter verba para consertá-lo, mas sempre tento dar um jeito”, relembra.

Apesar dos problemas, ela se diz muito feliz com o trabalho. Além disso, a afinidade com a atividade faz com que sempre busque aprimorar conhecimentos. “É um trabalho muito dinâmico, e sempre

de vida animal ou a composição de uma célula – em imagens. O primeiro contato das crianças com o trabalho de tais ilus-tradores se dá nos livros didáticos, ainda na escola. Já nas publicações acadêmicas, em teses, dissertações e livros, o trabalho busca exemplificar, visualmente, o que é abordado em texto.

Era esse o trabalho de Marco Ana-cleto em sua estadia na Escola de Veteri-nária. Após graduar-se, o desenhista pas-sou a atuar, profissionalmente, na Escola de Belas Artes. Terminou o mestrado e se tornou responsável pelo Laboratório de Fotografia, Teatro e Cinema, sua “casa” por 25 anos subsequentes. Ali, também passou a pesquisar a computação gráfica, de modo a auxiliar no desenvolvimento de técnicas de animação.

Porém, assim como a figura mística de Ourobouros, em que a cobra morde o próprio rabo – de maneira a indicar a ideia de destruição e renovação –, o profissional abandonou a Escola de Belas Artes e vol-tou a fazer aquilo que lhe deu espaço den-tro da Universidade: ilustração científica.

“Depois de 25 anos na Belas Artes, senti necessidade de mudar. Estava com

Marco Anacleto ilustra novas espécies de plantas e animais descobertos

por pesquisadores

Lidiany Zacaroni realiza cinco diferentes técnicas de análise química

Acervo pessoal

Acervo pessoal

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saudade da ilustração científica. Estou há quase seis anos no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), onde, já no primeiro dia, senti-me muito em casa. É curioso, pois tenho mania de falar, inconscientemente, que voltei ao ICB, mas jamais tinha traba-lhado aqui. Meu trabalho se assemelha ao que fazia na Escola de Veterinária. Então, tendo a fazer tal associação”, relembra.

Em sala decorada por quadros com desenhos de animais de variadas espécies, além de trabalhos inacabados, o Laborató-rio de Ilustração Científica do ICB também é preenchido por mesas largas (próprias para desenho), computadores, e muitos lápis de cor, canetas coloridas, pincéis e outros materiais artísticos. Em tal ambien-te, Marco Anacleto passa oito horas diá-rias, marcadas pelo atendimento a variadas demandas de estudantes, professores e pesquisadores da instituição.

“Geralmente, um pesquisador me procura para fazer ilustração, pois desco-briu, por exemplo, nova espécie. Ele me traz o bichinho e a descrição textual, que deve acompanhar o produto final. Na maioria das vezes, preciso fazer o desenho de uma estru-tura daquele exemplar, e, por isso, participo, indiretamente, da pesquisa. Afinal, preciso aprender e discutir as especificidades da es-pécie junto ao pesquisador”, analisa.

Para Anacleto, o mais complicado, em sua rotina, é lidar com prazos. A exces-siva organização permite-lhe entregar as ilustrações no tempo certo. “Nem sempre é só fazer o desenho. Preciso entender o que acontece. Há casos em que o assunto é totalmente novo para mim. Tenho, então, que pesquisar muito sobre o assunto, para não fazer nada errado”, conta.

Outra atividade desenvolvida pelo desenhista projetista, segundo ele, diz res-peito à realização de experimentos. Curio-so e empolgado com a profissão, Anacleto busca misturar diferentes técnicas de de-senho e testar aquelas que dão certo para cada demanda. Segundo ele, é comum que os ilustradores optem por apenas uma técnica, como lápis de cor, aquarela ou nanquim. “Comigo, é ao contrário: quan-to mais técnicas são misturadas, melhor o resultado. Aqui, crio espécies híbridas de desenhos”, diverte-se.

Encontrar a similaridade entre arte e ciência é um desafio para Ana-cleto. Até então, porém, tudo tem dado muito certo. Desde sua mudança de “casa”, o ICB tem se transformado numa galeria de arte aberta. Basta rápido passeio pelos corredores do prédio para que nos deparemos com inúmeras imagens de espé-cies animais e vegetais. A exposi-ção dos desenhos impulsionando outros movimentos artísticos. “O prédio perde frieza e ganha cor. Até o comportamento das pes-soas tem mudado. Hoje, en-contramos, por aqui, cientistas e estudantes que desenham, dançam, cantam, atuam... Tudo isso, com a intenção de entreter a comunidade cien-tífica, e, ao mesmo tempo, de promovem o conhecimen-to”, celebra o artista, aos 65 anos.

Acidentes acontecemO Laboratório de Criogenia do de-

partamento de Física da UFMG conta com enormes tanques lotados de nitrogênio e hélio. Trata-se de lugar frio, espaçoso, ba-rulhento. Ali, a impressão é de que, a qual-quer momento, algo de muito errado pode acontecer, como vazamentos perigosos. Tal impressão também é compartilhada por Leandro Simões, responsável pelo local. Ele conta que, quando ingressou na Uni-versidade, para ocupar o atual cargo, não seria capaz de exercer as funções exigidas pelo setor: “É muita responsabilidade!”.

Entretanto, ao longo dos três anos que ocupa a função de técnico de labo-ratório, Simões desenvolveu rotina que torna seu trabalho menos assustador. “Sou responsável pela manutenção. A primeira coisa que faço, ao chegar, é me certificar de que tudo funciona da forma correta. É pre-

Todos os trabalhos de Anacleto es-tão reunidos em seu blog pessoal: http://marcoanacleto-scientificillus-trator.blogspot.com.

ciso atenção, pois, quando há problemas, os tanques só podem ser consertados no exterior. Isso é um desafio para a Universi-dade”, esclarece.

O Laboratório de Criogenia é res-ponsável por fornecer nitrogênio, líquido e gasoso, e gás hélio a todo o Departamen-to. Os pesquisadores usam os produtos químicos em seus estudos, e, para que os resultados obtidos estejam corretos, é pre-ciso garantir a pureza dos elementos. Eis o outro trabalho a cargo de Simões.

“Tenho que manter pura a parte de nitrogênio gasoso. Se a pureza se altera um pouco, os professores reclamam. Já o hélio deve estar totalmente limpo. Também preciso cuidar da água pressurizada, usada nas pesquisas. Certifico-me de que ela es-teja sempre a 18°C”, explica.

Para que o nitrogênio permaneça em estado líquido, deve ser mantido em tem-peraturas menores que - 196º C . Já o hé-lio, no Laboratório, fica temperatura menor do que - 296º C . São níveis muito baixos – e, no caso do hélio, podem, até mesmo, causar queimaduras de terceiro grau. Isso, inclusive, já aconteceu com Simões. “Fui medir o volume de hélio no tanque. Duran-te o procedimento, uma borracha, acoplada ao material que uso, se soltou e fez com que parte do gás se encostasse em mim. Estava de luva e, ainda assim, abriu quei-mei a pele. Foi horrível! Desde então, meu cuidado é redobrado”, assegura.

Leandro Simões está sempre atento aos mínimos detalhes,

no delicado Laboratório de Criogenia

Acervo pessoal

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32 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019

TECNOLOGIA

Labirintos do coração

Verônica Soares

Estudo inovador em modelagem computacional identifica mecanismo previsto desde a década

de 1970 e contribui para compreensão do infarto do miocárdio

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2019 33

Quando as artérias coronárias estão obstruídas, o coração é afetado pela falta de oxigenação, de modo a caracterizar um infarto do miocárdio – o “ataque cardíaco”. Por que, entretanto, uma simples obstru-ção, em cerca de 1% das diversas artérias a nutrem o órgão vital, pode resultar em fatalidade? Eis um dos grandes mistérios a intrigar, há cerca de meio século, os especialistas da Medicina. A luz para a resolução deste enigma veio da Universi-dade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em estudo desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Ciências Exatas (DCC/ICE).

Por meio da análise de ressonância magnética de pacientes e do uso de mo-delagem computacional, para simular as áreas deterioradas pela obstrução da coro-nária, o grupo deu um grande passo rumo à validação de uma teoria proposta há 50 anos. Com a referida modelagem do cora-ção de um paciente que sofreu infarto, os pesquisadores conseguiram simular o que acontece nas áreas afetadas pelo infarto, depois do ocorrido.

Rodrigo Weber dos Santos, pro-fessor do Departamento de Ciência da Computação e do programa de mestrado e doutorado em modelagem computacio-nal da UFJF, revela que a pesquisa foi um grande passo para resolver o mistério ao redor de uma das doenças que mais ma-tam no mundo. “Na ressonância magnéti-ca, conseguimos ver onde está o infarto, com representações no computador. Com o uso de modelos matemáticos para si-mular o funcionamento do pulso elétrico, mostramos o aparecimento de arritmias fatais que tiveram como origem a re-gião do infarto. Foi o primeiro artigo do mundo a revelar tal processo, ao menos, em simulações detalhadas de corações humanos”, explica o pesquisador, cuja primeira experiência profissional, como recém-graduado, foi em um dos mais im-portantes centros de pesquisa do mundo, o CERN, acrônimo para o Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire, sediado na Suíça, que abriga o famoso superacelera-dor de partículas.

A modelagem computacional apli-cada à Biomedicina trabalha com o uso de técnicas e modelos mate-máticos para a solução de proble-mas ainda sem explicação baseada em pesquisas clínicas e laborato-riais. Criam-se sistemas computa-cionais para a reprodução eficiente de fenômenos de interesse.

Dados de 2016, do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), indicam que, mundial-mente, 30% das mortes decorrem de doenças cardiovasculares. O hábito de fumar, a hipertensão, a diabetes e o colesterol alto estão entre os fatores que levam à obs-trução dos vasos sanguíneos, de modo a provocar a necrose, popu-larmente conhecida como infarto.

O pulso elétrico age como o regen-te de uma orquestra: se algo erra-do acontece com ele, o ritmo de todos os músicos se perde, e faz com que a música pare. Na década de 1970, pesquisas experimentais, realizadas em animais, sugeriram que a região infartada poderia funcionar como fonte de arritmias fatais. Mas, com a impossibilidade de fazer testes precisos em pacien-tes, a teoria jamais havia sido pro-vada. Agora, há fortes evidências que apoiam essa teoria.

Em 2019, Rodrigo foi premiado com o Endeavour Research Lea-dership Awards Australiano, que reconhece líderes internacionais em pesquisa. Somente quinze cientistas internacionais foram agraciados, sendo ele o único da América Latina.

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Labirinto elétricoQuando uma pessoa sofre infarto,

o tecido afetado pela artéria coronária torna-se altamente heterogêneo, com a presença de células mortas e vivas. Tal condição cria um verdadeiro labirinto, onde o pulso elétrico – que dita o ritmo do batimento cardíaco – se perde e fica preso, de maneira a causar arritmia car-díaca. Naquele ambiente, o pulso elétrico começa a reestimular a mesma área do músculo cardíaco, de forma desgover-nada. Em vez de bater em ritmo normal, o coração começa a “tremer”, e, sem o trabalho de irrigação do sangue ao corpo, função do órgão vital, o paciente morre.

Com base no sistema real do coração, explicitado em ressonâncias magnéticas de pessoas que sofreram infarto, o grupo criou um modelo computacional da área afetada. Em seguida, realizaram simulações e com-pararam os resultados com as teorias exis-tentes sobre a arritmia cardíaca após infarto. “Foi um grande passo, por meio do qual verificamos que uma das teorias, proposta há meio século, consegue explicar o proble-ma. Não posso dizer que resolvemos todo o mistério, pois a modelagem é sempre outra hipótese. Precisamos de mais experimen-tos. Porém, nossas novas simulações com dados de pacientes representam um grande avanço”, pondera Weber.

A partir dessa pesquisa, fica cada vez mais claro o mecanismo que leva o paciente de infarto ao óbito, em função de arritmia cardíaca. “Quanto mais informa-ções obtemos sobre o mecanismo envol-vido, mais investimentos podem ser feitos para resolver o problema da morte súbita por arritmia. Ao compreendê-lo melhor, desenvolveremos novas drogas e terapias para tentar solucionar a questão e diminuir o índice de mortes”, afirma.

Além disso, o mecanismo de mode-lagem computacional do coração poderá ser usado, por médicos, para diagnóstico

de áreas do músculo cardíaco que possam vir a causar arritmia. “Esperamos que, em futuro próximo, os médicos possam com-binar a ressonância à modelagem com-putacional como propusemos em nosso artigo. Assim, poderemos calcular a pro-babilidade de uma região analisada gerar arritmias fatais. Com o tempo, esperamos que essa nova metodologia possa virar uma técnica clínica não-invasiva, que as-sista o médico no seu dia a dia”, comenta.

Colaborações internacionaisPara chegar ao resultado inédito, pu-

blicado nos Scientific Reports da editora Nature, um dos periódicos mais renomados do mundo, parte da pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do edital Pesquisador Visitante Especial (PVE), que permitiu a vinda do pesquisador Sergio Alonso, da Universitat Politècnica de Catalunya de Barcelona, à UFJF. Ele contri-buiu com projetos relacionados a modela-gem computacional.

O projeto também contou com ajuda financeira do CNPq, da própria UFJF e da FAPEMIG. Além disso, Rafael Sachetto, professor da Universidade de São João del-Rei, ex-aluno da UFJF, usou a temática estudada na pesquisa em seu pós-dou-

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIGPROJETO: Modelos Computacionais Multi-Escala e Multi-Físicos para o Estudo de Patologias CardíacasCOORDENADOR: Rodrigo Weber Dos SantosINSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)CHAMADA: UniversalVALOR: R$ 40.168,38

O artigo pode ser acessado no se-guinte endereço: www.nature.com/articles/s41598-018-34304-y.

torado. O artigo conta com a colabora-ção de Bernardo Martins Rocha, também professor do Departamento de Ciência da Computação e do programa de mestrado e doutorado em modelagem computacional da UFJF; e dos pesquisadores Fernando Otaviano Campos, João Filipe Fernandes e Titus Kuehne.

“Ao longo dos anos, publicamos vá-rios artigos, mas este foi a cereja do bolo, o último do projeto”, esclarece Rodrigo Weber, para quem o trabalho de pesquisa se dá como numa produção cinematográfica: muitas mãos e cabeças, com apoio de dife-rentes pessoas: “É importante dar créditos à equipe, como fazem ao final dos filmes”, co-menta, ao lembrar que, durante seu douto-rado, chegou a receber uma caixa com mais de 100 artigos pelo correio, enviada por um pesquisador parceiro no exterior. “Não há ciência sem colaboração”, completa.

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FILOSOFIA

Alessandra Ribeiro

Pesquisa revela reflexões de grandes filósofos, da Antiguidade ao século XX, sobre a Moda

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Não é possível começar esta repor-tagem sem registrar uma coincidência: Tarcísio D’Almeida, autor da tese de douto-rado “As roupas e o tempo: uma Filosofia da Moda”, respondeu ao pedido de entre-vista, por e-mail, no dia de 19 de fevereiro de 2019 – mesma data da morte de Karl Lagerfeld, diretor criativo da Chanel. Era quase uma obrigação perguntar ao pes-quisador, já no início da conversa, sobre a contribuição do estilista para a maneira como pensamos a Moda contemporânea. “Lagerfeld encerra o capítulo no qual a criatividade sofre cada vez mais com a cri-se do paradigma criativo”, respondeu.

Professor do curso de Design de Moda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), D'Almeida iniciou, há quase uma década, a graduação em Letras, na Universi-dade Federal de Pernambuco – e o sotaque não deixa dúvidas. Em 1994, ingressou no curso de Linguística da Universidade de São Paulo (USP). Lá, deu continuidade à trajetó-ria acadêmica. Em 2005, concluiu mestrado em Ciências da Comunicação, com pesqui-sa sobre Jornalismo de Moda. Desde 1998, é colaborador com artigos de crítica da área nos jornais Folha de S. Paulo, O Tempo e Valor Econômico. É, ainda, autor do livro Moda em diálogos: entrevistas com pen-sadores (Memória Visual, 2012) – no qual o filósofo francês Gilles Lipovetsky aparece como um dos entrevistados.

A tese de doutorado também foi de-fendida na USP, em 2018, no departamen-to de Filosofia, onde, pela primeira vez, a Moda se tornou objeto de reflexão. “Fui muito bem acolhido pelas professoras Ma-rilena Chaui e Olgária Matos [orientadora], as quais me receberam com a verdadeira essência dos filósofos: a arte do pensar sobre todo e qualquer tema”, revela D’Al-meida. Curiosamente, a defesa da primei-ra tese sobre Moda, numa universidade brasileira, também ocorreu na instituição paulista: “A Moda no século dezenove”,

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de Gilda de Mello e Souza, apresentada no departamento de Sociologia, em 1950.

Estudos filosóficosA proposta de D’Almeida, por ele

denominada “história filosófica da Moda”, baseia-se nos principais autores e obras da Filosofia, desde os primeiros registros pro-duzidos na Antiguidade grega, por filósofos como Platão e Aristóteles, sobre o ritual das vestimentas. Em seguida, aborda reflexões de Tomás de Aquino, Montaigne e Mon-tesquieu sobre o luxo e as Leis Suntuárias, destinadas a limitar os excessos e a regular os sinais exteriores do prestígio nas cortes medievais e renascentistas. O ato de se ves-tir passaria a produzir reflexos no gosto, na aparência, na hierarquia e no âmbito social.

Mais tarde, nos primórdios do ca-pitalismo, são analisadas as ideias dos oitocentistas Voltaire e Jean Jacques Rousseau, além de pensadores do século 19, como Hegel e Kant. Ao último, aliás, atribui-se a autoria da seguinte máxima: “É sempre melhor... ser um tolo na Moda que um tolo fora de moda”.

A transição para o século XX tem como expoentes os filósofos Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud. Se, até então, o pensamento acerca da Moda tinha como pano de fundo a alta costura, a modernidade industrial é marcada pelo processo de democratização, com novas modalidades de criação, produção e con-sumo, propostas pelo prêt-à-porter (pronto para vestir). Por fim, a discussão alcança obras mais recentes, a exemplo do legado de Walter Benjamin e Theodor Adorno.

A abordagem proposta difere das cronologias históricas, que, segundo o au-tor, consideram o período do Renascimen-to como marco da Moda. Na perspectiva da História, a evolução das indumentárias se deu, a princípio, com o objetivo da pro-teção (quando o homem matava animais para retirar sua pele e se proteger do frio); depois, esteve relacionada ao pudor (com forte influência do clero, na era cristã me-dieval); finalmente, a roupa ganhou status de ornamento (mais do que simplesmente vestir, assumiu a função de exibição, de forma paramentada).

O pesquisador observou, ao longo dos séculos, como as produções filosó-ficas dos pensadores refletiram impactos estéticos, sociais, culturais e econômicos das roupas. O conceito de Moda teria sur-gido no século XVI, com Michel de Mon-taigne, e, no XVII, com o escritor Jean de la Bruyère. “Juntamente a outros pensadores e literatos, eles observaram as potências es-téticas das indumentárias e da Moda”, diz.

A compreensão inicial acerca do fenômeno é fundada na compreensão do vestuário e de sua importância para os in-divíduos nos ritos sociais. Com a evolução dos estudos sobre o tema, sobretudo no século XX, tal entendimento se estendeu e adquiriu novos sentidos e destinações. “A Moda passa a ser compreendida como sis-tema, com o surgimento e o fortalecimento da tríade ‘criação-produção-consumo’ da alta costura”, descreve.

A pesquisa enfatiza a dimensão tem-poral. “O tempo e a Moda – que é índice do tempo, da era, de cada sociedade em

Vestir-se é, também, produzir reflexos no gosto, na aparência e nas práticas sociais

Vogue/ Reprodução

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sua evolução durante os séculos – sempre estabelece-ram, entre si, relações de coexistência”, afirma o autor. Que o diga uma das frases inscritas na epígrafe da tese, atribuída a Walter Benjamin: “Para o filósofo, o aspecto mais interessante da Moda é sua extraordinária capaci-dade de antecipação”.

Inspirado na perspectiva do intelectual alemão e da Escola de Frankfurt, D’Almeida convida à reflexão sobre a origem da noção de gosto e suas metamorfoses na Moda, “sob os auspícios do mercado e do capital que tudo trans-formam em produtos descartáveis”. O que se pretende é ajudar a compreender o “mal-estar contemporâneo” dos fenômenos da imitação de comportamentos sociais segun-do “modelos”.

Cultura Na atualidade, afirma o professor, a Moda não é mais

compreendida, exclusivamente, a partir do vestuário. Ela está presente, até mesmo, nas indústrias automobilística e de smartphones, por exemplo. Pensá-la tornou-se essen-cial para a reflexão acerca de características morais, sociais e afetivas, que constituem e definem o comportamento de uma cultura. O pesquisador lembra que, no Brasil, na gestão do ministro Gilberto Gil, nos anos 2000, a Moda passou a ser reconhecida como patrimônio cultural.

D’Almeida coordena dois projetos, vinculados à FAPEMIG, sobre a Moda nos estados de São Paulo e de Minas Gerais. O primeiro pretende investigar as origens históricas e culturais da tradição de empresas têxteis na metrópole paulista, com o objetivo de traçar reflexão em torno da emergência da cidade e de sua expansão no de-correr do século 20.

A segunda iniciativa busca compreender o jeito mineiro de fazer Moda. A ideia é realizar mapeamento histórico da rede de produção industrial e tecnológica das indústrias têxteis no Estado. Em seguida, pretende--se analisar a linha evolutiva dos criadores que produzem valores simbólicos e culturais.

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ALIMENTAÇÃO

Verônica Soares

Dietas ricas em proteína favorecem envelhecimento e aparecimento de doenças

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Churrasco, feijoada e queijo minas estão entre as delícias da cozinha brasi-leira. Mas, se consumidos com frequência e em excesso, compondo dietas ricas em proteínas, podem fazer mal a sua saúde. Isso ocorre porque o excesso de proteínas gera um efeito perverso no organismo: quanto maior o consumo, mais as célu-las quebram as moléculas, aumentando a quantidade de aminoácidos de maneira muito rápida; essa alta velocidade leva ao aumento de “erros” no sistema.

Tais erros contribuem para que as cé-lulas funcionem mal, de modo a favorecer o envelhecimento precoce, o aparecimento de doenças neurodegenerativas e alguns tipos de câncer. Eis a conclusão de estudo colaborativo internacional, que contou com a participação da professora Viviane Alves, chefe do Laboratório de Biologia Celular de Microrganismos, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG). Além de Vi-viane, participaram da pesquisa cientistas da Austrália e da Inglaterra, países onde o consumo de proteínas, como carnes, ovos, leite e derivados, é bastante alto.

Trata-se do primeiro estudo a de-monstrar ligação direta entre o consumo de proteínas e o envelhecimento, com contri-

Viviane Alves também é coorde-nadora do projeto de divulgação científica CeTOXY, que você pode acompanhar pela página www.facebook.com/cetoxylbcm.

Segundo levantamento con-duzido pela Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE), em 2017, o Brasil estava em 3º lugar no ran-king de países que mais consomem carne bovina no mundo. A média de con-sumo do alimento, pelos brasileiros, é de 25,9 kg/per capita ao ano. Em primeiro lugar na lista, está a Argen-tina, seguida por Paraguai, Brasil, Estados Unidos e Austrália.

Líder do estudo, com atualção no instituto Sahmri da Universidade de Adelaide, na Austrália, Chris Proud deu entrevista ao site The Advertiser / Adelaide Now, na qual comparou o efeito identificado pela pesquisa ao do excesso de veloci-dade em um veículo: “Quanto mais rápido você for, maior a probabili-dade de cometer um erro”, disse.

buições para diferentes áreas de pesquisa, como aquelas voltadas a nutrição e a inves-tigações sobre produtos naturais que podem regular o metabolismo e aumentar a longe-vidade. A pesquisa teve artigo publicado no periódico de alto impacto Current Biology e repercussão midiática internacional.

Envelhecimento saudável“Há muitos anos, centenas de pesqui-

sadores estudam a relação entre alimenta-ção e saúde. Sabe-se que, quanto menor a ingestão de calorias, a chamada ‘restrição calórica’, maior a longevidade. Ou seja, envelhecemos mais lentamente e de forma saudável”, explica a professora, ao lembrar que carboidratos e proteínas são os mais estudados no contexto do envelhecimento: “A ingestão destes nutrientes, sem controle, pode alterar nossas células de várias for-mas. Já havia muitos indícios, na literatura, de que a ingestão excessiva de proteínas di-

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minui o tempo de vida dos seres humanos. Nosso estudo permitiu entender melhor como e por que isso acontece”.

O trabalho recorreu a três modelos experimentais: “No Brasil, trabalhei com o verme Caenorhabditis elegans, que, há décadas, tem substituído animais na pes-quisa”, esclarece a professora. Na Aus-trália, os experimentos foram feitos com células humanas, e, na Inglaterra, com a drosófila, popularmente conhecida como mosquinha da fruta.

Nos três modelos, em níveis celular e molecular, os pesquisadores demonstra-ram que a ingestão de proteínas em exces-so faz com que as células precisem meta-bolizar mais rapidamente estas moléculas, e a rapidez resulta em envelhecimento.

“Normalmente, esses aminoácidos são usados pelo organismo para as fun-ções vitais. Porém, quanto mais proteína ingerimos, maior a velocidade necessária para as células produzirem os aminoácidos. E, quanto mais rápido o processo, maior a chance de o organismo gerar proteínas de-feituosas, que levam ao mal funcionamento das células e a consequente diminuição de sua sobrevida”, explica Viviane Alves.

Segundo a professora, ainda pode le-var um bom tempo até que os estudos sejam conduzidos em seres humanos, mas os re-sultados com os modelos de laboratório já permitem inferir consequências para a saúde humana. Cientistas interessados nas ligações entre nutrição, saúde e expectativa de vida têm agora outro importante modelo para dar sequência a pesquisas que busquem com-preender as relações entre as proteínas que consumimos e o envelhecimento saudável.

“Tanto o verme Caenorhabditis ele-gans quanto a drosófila, apesar de gran-des diferenças, quando comparados aos seres humanos, têm vias metabólicas parecidas com as nossas. Os achados nestes modelos também foram observa-dos em células humanas cultivadas. Fu-turamente, poderemos estudar como esse processo se dá em mamíferos e seres humanos que consomem muita proteína, como os praticantes de atividades físicas intensas”, comenta a professora.

A professora celebra a publicação do artigo sobre a pesquisa, como resultado de trabalho de cinco anos, “com muitas mãos e cabeças envolvidas”: “Chegamos

Sabia mais sobre as pesquisas da professora com o verme Cae-norhabditis elegans e ouça o po-dcast Ondas da Ciência sobre o tema: https://wp.me/p8fW2s-3Tf.

a um dado inédito sobre a ligação entre o consumo de proteína, o aparecimento de erros metabólicos e o envelhecimento. Manteremos a colaboração para elucidar outros aspectos. O professor Chris Proud, por exemplo, estuda como o processo de consumo de proteínas, e o uso dos ami-noácidos pelas células resulta em doenças como diabetes e câncer”, detalha.

Outras proteínasImportante lembrar que o consumo

de proteínas não se dá exclusivamente pela ingestão de carnes, ovos e peixes. Proteínas também são encontradas em ampla variedade de leguminosas, como grão de bico e lentilhas, além de frutas secas, como nozes, sementes e vegetais. De acordo com a professora Viviane Alves, não importa a fonte: qualquer excesso de proteínas, de qualquer origem, pode levar a defeitos na célula, resultando em enve-lhecimento acelerado e doenças associa-das à velhice. “É aquela máxima: tudo em excesso faz mal. O trabalho mostra isso em detalhes moleculares”, conclui.

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MEDICINA

Mariana Alencar

Pesquisa da Unimontes investiga preceitos éticos no processo de

formação em Medicina

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É comum, no dia a dia, ouvirmos pessoas queixando-se da falta de empatia, do respeito com o próximo e da educação das pessoas que nos cercam. O problema não é exclusivo do cotidiano de cidadãos comuns, pois também está presente na formação de novos médicos. O sentido de tratamento ao outro tem ganhado novas nuances, à medida que a sociedade se mo-difica, e, consequentemente, se complexi-fica. Neste contexto, surge a demanda por formação ética e humanística na graduação em Medicina. Afinal, é por meio dela que se formam os profissionais responsáveis por cuidar da saúde da população.

A Declaração Universal sobre Bioé-tica e Direitos Humanos", publicada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unes-co), destaca que o Estado deve fomentar a educação e a formação bioética em todos os níveis, além de estimular a difusão de informação e conhecimentos relacionados à Bioética. Como consequência disso, no ano de 2014, o Conselho Nacional de Educação (CNE) promulgou as novas di-retrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em Medicina, que reforçam a necessidade de “formação geral, humanis-ta, crítica, reflexiva e ética”. Sendo assim, o graduado deve ser capacitado para atuar em diferentes graus de atenção à saúde, com responsabilidade social e compro-misso de defender a cidadania, a dignidade humana e a saúde integral do ser humano.

As percepções referentes ao tra-tamento ao próximo, somadas às dire-trizes promulgadas pelo CNE, foram as principais motivações para realização do projeto “Ética na formação em Medicina”. Coordenado por Simone Costa, professo-ra do curso de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), a pesquisa demonstrou necessidade de re-forçar a formação ética na graduação, uma vez que os estudantes vivenciaram situa-ções conflituosas ao longo da graduação O estudo também mostra que a relação entre ensino, Medicina, serviços e comunidade deve ser balizada pelos princípios éticos e morais da classe médica.

Código de Ética Segundo Simone Costa, o estudo

possibilitou a elaboração de um Código de

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIGPROJETO: Ética na formação em MedicinaCOORDENADOR: Simone de Melo CostaINSTITUIÇÃO: Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)CHAMADA: UniversalVALOR: R$ 13.860

Ética do Estudante de Medicina (CEEM), para uso na Universidade. “A construção do documento contou com participação de alunos e professores, de forma coletiva. Sua elaboração propiciou reflexões ao gru-po, no sentido de orientar a comunidade acadêmica sobre a importância da forma-ção de graduandos cidadãos. O Código foi discutido e apresentado ao colegiado do curso, para fins de implementação”, conta a pesquisadora.

Construiu-se o CEEM a partir da identificação de situações eticamente conflituosas, por parte dos estudantes de Medicina. Tais comprovações resultam da coleta de informações realizada por meio de questionário aplicado a 281 estudan-tes, regularmente matriculados no curso. Durante a realização da pesquisa, também houve entrevistas com 24 alunos, repre-sentantes de todos os anos da graduação.

O estudo coordenado por Simone Costa rendeu, ainda, uma dissertação de mestrado em cuidado primário em saúde, desenvolvida por Márcia Menezes, além de publicações de artigos e resumos, apresentações em eventos, vídeo de cur-ta duração, para leigos, e orientações de iniciação científica. Em um desses artigos, os pesquisadores defendem que toda a universidade compreenda suas respon-sabilidades na tarefa de educar os futuros profissionais segundo novo paradigma “do cuidar”. Para que isso ocorra, é preciso afastar, dos docentes, a ideia da perfeição técnica, focada em equipamentos e na cura a qualquer custo, o que leva o médico, por vezes, a esquecer a vida humana envolvida no processo.

Ainda que tenha apresentado resul-tados positivos, o grupo de pesquisadores encontrou dificuldades, principalmente, em relação à definição de estratégias que possam ser adotadas na Unimontes, com vistas a propiciar espaços de discussão e reflexão coletiva dos problemas, ao longo da graduação.

“Outro desafio a destacar seria a cria-ção de instrumentos necessários para so-lução e/ou minimização de situações con-flituosas, vivenciadas, pelos estudantes, na busca pela construção do agir profissional eticamente correto, além do CEEM. Como dificuldade, deve-se enfatizar, também, a garantia do ensino de princípios éticos ao longo da formação médica, que requer sensibilização de todos os docentes à atual demanda da sociedade: formação ética do profissional de saúde”, aponta Costa.

O artigo “Elaboração coletiva do código de ética do estudante de Medicina” foi publicado na revista Bioética, em 2017, assinado por Márcia Mendes Menezes, Fernan-do Ribeiro Amaral, Caroline Urias Rocha, Camila Rodrigues Ribeiro, Luciana Colares Maia, Cristina Andrade Sampaio e Simone de Melo Costa.

A Declaração Universal sobre "Bioética e Direitos Huma-nos", publicada pela Organiza-ção das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cul-tura (Unesco), destaca que o Estado deve fomentar a educa-ção e a formação bioética em todos os níveis, além de esti-mular a difusão de informação e conhecimentos relacionados à Bioética.

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ENGENHARIA CIVIL

Sólidos e sustentáveis

Reaproveitamento de resíduos da construção civil em compósitos

cimentícios minimiza efeitos nocivos do crescimento urbano à natureza

William Araújo

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Apesar dos constantes debates sobre impactos ambientais causados pela popu-lação planetária, os números continuam a crescer: atualmente, a Terra abriga 7,7 bi-lhões de habitantes, conforme a plataforma internacional World O Meters, licenciada durante a “Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20)”, ocorrida, em 2012, no Rio de Janeiro. Neste montante, segundo o Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil colabora com 209 milhões de cida-dãos, de modo a ocupar a quinta posição, dentre os mais populosos do mundo.

O País, porém, não está na lista dos mais povoados. Isso se dá por conta da extensão terrestre nacional, que reduz a densidade demográfica. Ainda segundo o IBGE, 86,6% dos brasileiros vivem em grandes cidades, próximas, curiosamente, de regiões com áreas verdes.

A necessidade do equilíbrio entre crescimento urbano e preservação do meio ambiente é fundamental ao País, e, por isso, estimula uma série de discussões acadêmicas. De acordo com os estudos de Sondagem da Construção, realizados, em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), de 2012 a 2016, o Brasil enfrentou franca queda no Índice de Confiança da Constru-ção (ICST), que reflete as perspectivas de negócio no setor da construção civil.

Desde junho de 2016, contudo, os indicadores sobem e caminham para mé-dias consideradas, ao mesmo tempo, mo-deradamente pessimistas e otimistas. Em outras palavras, o setor da construção civil voltou a crescer.

Os resultados econômicos da urba-nização revelam-se interessantes ao mer-cado, mas criam riscos para a natureza. A impermeabilização do solo, a destinação dos resíduos sólidos e líquidos, a poluição no ar, no solo e nas águas, além do aumen-

to da temperatura, estão entre os proble-mas causados e combatidos pelos centros urbanos. No eixo desta balança, aparecem a construção e a Engenharia civis.

EquilíbrioO desenvolvimento de tecnologias

capazes de minimizar danos ao meio am-biente, que, ao mesmo tempo, sejam eco-nomicamente viáveis à indústria, está entre as diretivas do projeto “Novos materiais de reforço para produção de compósitos cimentícios”, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), financiado pela FAPEMIG.

Liderado por Rafael Farinassi Men-des, doutor em ciência e tecnologia da ma-deira e coordenador adjunto de Engenharia de Materiais da Ufla, o grupo recorre a materiais não convencionais – borracha de pneus, plástico de garrafas PET, bambu, bagaço de cana-de-açúcar, restos de sisal, casca de café, coco e madeira de pinus e eucalipto, provenientes do corte de árvo-res – para fabricação de produtos a serem usados na construção civil. “Usamos resí-duos de outras cadeias, que nos servem de matéria-prima para o desenvolvimento de outros produtos. Trata-se de novos mate-riais, com novas propriedades”, explica.

Em busca de melhoramento para produtos usados na construção civil, pes-quisadores adicionam, aos compósitos cimentícios dos blocos, índices de 0%, 2,5%, 5%, 7,5% ou 10% de materiais não convencionais. Em seguida, testam as ca-racterísticas físicas, mecânicas e térmicas da mistura. “No que diz respeito à econo-mia, conseguimos melhorias de até 10%

http://www.worldometers.info

Formados a partir da junção de ou-tros materiais, para melhoria de de-sempenho, servem de matéria-prima para fabricação de produtos usados na construção civil.

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do valor em massa dos materiais. Ou seja: a cada cem blocos fabricados, dez são transformados à mistura não convencional, de modo a diminuir custos de produção”, afirma Mendes.

O objetivo da pesquisa perpassa as novas propriedades dadas aos blocos. Como o cimento é aglomerante, e funciona como um dos principais materiais da cons-trução civil, os reflexos do uso dos novos materiais se estende ao meio ambiente. O reaproveitamento de resíduos, que seriam descartados na natureza, diminui impactos nocivos à natureza e estimula uma série de benefícios para a indústria e os cidadãos.

Acrescidos de materiais não conven-cionais, os blocos demonstraram melho-rias físicas, como diminuição de peso e minimização das patologias da construção civil (fissuras, trincas, infiltrações, rompi-mentos etc.). Com respeito à temperatura, houve otimização do isolamento térmico, o que resultou em decréscimo de cinco graus com a mistura que continha entre 7% e 10% de resíduos da borracha de pneus. Na manutenção das propriedades mecânicas, os blocos mantiveram a resis-tência à compressão (carga).

De acordo com Mendes, os políme-ros das garrafas PET podem ajudar em vários cenários, ao substituir o amianto, que é nocivo e está proibido, e aumentar a resistência e a durabilidade de produtos como telhas. “Atualmente, são usadas as fibras de polipropileno, que aumenta 40% no custo da telha. Por isso, falamos, no-vamente, em reaproveitamento de resíduos e em propriedades mecânicas adequadas”, diz o coordenador.

A preocupação nacional com a urba-nização e a geração de resíduos é antiga. E precisa continuar em pauta. Por isso, o interesse em soluções criativas que au-

http://www.abmtenc.civ.puc-rio.br

PARTICIPAÇÃO DA FAPEMIGPROJETO: Novos materiais de reforço para produção de compósitos cimentícios COORDENADOR: Rafael Farinassi MendesINSTITUIÇÃO: Universidade Federal de Lavras (Ufla)CHAMADA: Demanda UniversalVALOR: R$ 56.953,68

mentem o equilíbrio entre homem e na-tureza resultou, também, na fundação da Associação Brasileira de Materiais Não Convencionais (ABMTENC), que se dedi-ca ao “estudo e ao desenvolvimento das ciências de materiais e tecnologias não convencionais”. Além disso, a entidade se dedica a divulgar artigos, realizar congres-sos e “estimular e promover a pesquisa e a difusão de conhecimentos” na área.

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ARTE

Meu acervo, minha vida

Colecionadores relacionam-se com objetos de forma afetiva, são legitimadores, agentes da

memória, e, acima de tudo, amantes das artes plásticas

Luana Cruz

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Seduzido por obras de arte, e pelo privilégio de contemplá-las, o coleciona-dor acaba por reunir dezenas, centenas e milhares de objetos do desejo. Em Belo Horizonte e na região central de Minas Gerais, o movimento do colecionismo cresceu significativamente nos últimos 25 anos. Para que se tenha ideia, quatro importantes museus do Estado – Inimá de Paula (2008) e Artes e Ofícios (2006), na capital; Oratório (1998), em Ouro Preto; e Inhotim (2006), em Brumadinho –, fun-dados nesse período, só existem graças a doações de coleções privadas.

“Existem vários tipos de coleciona-dores, desde bilionários a pessoas de clas-se média. Em comum, está a grande paixão pelas artes plásticas, pelos objetos de arte. O colecionador cumpre papel fundamental, pois adquire as obras por gosto pessoal e subsidia a atividade dos artistas”, analisa Adriano Gomide, professor e diretor da Es-cola Guignard da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg).

Gomide mergulhou no universo dos colecionadores durante a tese de doutorado, motivado pela ascensão da prática e pelo envolvimento pessoal com o tema. Para tal, pesquisou o papel dos colecionadores de arte moderna e contemporânea no sis-tema brasileiro, e, principalmente, mineiro. O trabalho, já citado como primeiro estudo sistemático sobre colecionismo no Brasil, destrinchou acervos de cunho privado, re-unidos por indivíduos sem qualquer rela-ção ou envolvimento oficial com os órgãos públicos, e cuja aquisição de obras de arte baseou-se em interesses pessoais.

Universo de colecionadoraDona de mais de mil obras de arte, a mineira Priscila Freire relata o prazer de cons-truir seu entorno com peças carinhosamente garimpadas

“Não sou eu quem chama o objeto; é ele que me encontra. O objeto me seduz. Quando vejo alguma coisa e me apaixono, tomo muito cuidado, pois não é possível encher a vida com milhões de coisas, porque aquilo vira um ajuntamento sem sen-tido. Contudo, se o objeto me seduz, eu compro”, garante a colecionadora Priscila Freire, de 85 anos, que vive em Belo Horizonte e reúne mais de mil peças, dentre quadros, objetos, desenhos e artesanatos populares.

Ela foi superintendente dos museus de Minas Gerais, coordenadora do Sistema Nacional de Museus e diretora do Museu de Arte da Pampulha. Escreveu livros in-fantis, trabalhou na extinta TV Itacolomi e chegou a atuar como atriz. Ao longo de seu caminho pela cultura, montou a vasta coleção que hoje compõe a chácara onde mora.

Priscila Freire foi entrevistada pelo professor Adriano Gomide, após o en-cerramento do corpus da tese, mas é homenageada em um post-scriptum, por ter oficializado doação, à Uemg, de sua coleção de artes e objetos, de todo o acervo documental de sua biblioteca, além da propriedade onde mora – que inclui uma reserva particular ecológica com 49.147,18 m2. A entrevista concedida por ela, ainda inédita, está em fase de edição, junto ao processo de institucionalização de todo o material doado. A casa continua de usufruto da colecionadora, e ainda não está aberta ao público.

A colecionadora destaca o prazer em olhar o objeto de arte em casa, especial-mente, se é de um artista que gosta muito. “Coleciono desde criança. Não podia ter um quadro de Renoir, mas recortava, numa revista, a reprodução de um quadro dele. Guardava sem nem saber quem era o artista, mas ficava muito sensibilizada com a arte”, lembra.

Priscila Freire gosta e coleciona artistas modernos, como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari, José Pancetti e Guignard. Deste último, reúne cerca de 20 obras, de desenhos a quadros. “O que chamo de moderno pertence aos anos 1940 e 1950. Depois, vem uma fase abstrata, pela qual já não sinto tanta afinidade, embora reconheça bonitos trabalhos”.

Ela também tem grande apreço pela arte popular, e, em especial, por produ-ções mineiras dos vales do Jequitinhonha e do São Francisco. “Comprei pequenas coisas na Comissão Desenvolvimento Vale Jequitinhonha (Codevale), pois os arte-sãos tinham dificuldade de pôr em circulação”.

Durante entrevista para Minas Faz Ciência, um especialista em obras de arte visitou a casa de Priscila Freire para medir e fotografar um desenho de Tarsila do Amaral, feito em 1924, quando paulistas vieram conhecer Minas Gerais. A pintora esboçou uma fazenda em São João del-Rei, que se tornou, ao mesmo tempo, obra de arte e documento daquela viagem dos modernistas.

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O pesquisador entrevistou dez cole-cionadores, a fim de conhecer motivações, estratégias e ideias relacionadas ao ato de reunir obras de arte. Trata-se de Ricardo Giannetti, Carlos Perktold, Neuber Siquei-ra, Manfred Ernst Leyerer, João Carlos F. Ferraz, Oswaldo Corrêa da Costa, Pedro Paulo Filgueiras Barbosa, Delcir Antônio da Costa, Fátima Pinto Coelho e o marido, Jorg Hagedorn, além de Ângela Gutierrez.

Segundo Adriano Gomide, uma das funções da pesquisa foi desmistificar a conotação negativa do colecionismo. “Ou-tras áreas da ciência, como a Psiquiatria, tratam o tema de forma pejorativa, com re-ferências aos acumuladores”, destaca. Não é este o caso do estudo de Gomide, que analisa o legado deixado pelos coleciona-dores como “agentes de arte e alta cultura”.

No ver do professor, a coleção envol-ve o ato voluntário de pesquisar, procurar e adquirir obras. É diferente de um acervo pelo qual se tem a obrigação legal de reu-nião e preservação de objetos. “Para co-leção, existe o substantivo colecionador e o verbo colecionar. Para acervo, não existe o termo ‘acervador’, nem mesmo ‘acervar’. Há um curador, mas nem sempre a pessoa está, nesta função, envolvido pelo ato vo-luntário de ajuntar”, argumenta.

Em justificativa à relevância social dos colecionadores, o pesquisador conta que a origem de grandes museus ingleses e fran-ceses do século XX são coleções privadas.

“Em inglês, fala em collections, em referência a coleções ou acervos, sem distinção. Fora do país, o colecionismo não é visto com pre-conceito como aqui”, afirma Gomide.

PerfisCertos colecionadores focam suas

aquisições em apenas um artista, de quem compram desenhos ou obras gi-gantescas. Outro perfil é o do “álbum de figurinhas”, que ajunta um pouquinho de cada categoria artística. Há, ainda, quem esteja dedicado a coleções de criadores de uma só cidade ou país, ou aqueles que recortam suas preferências por temas e períodos da história.

“Existem megacolecionadores de obras milionárias, mas há muita gente que separa parte do salário para comprá-las. Eles frequentam escolas de arte, galerias e exposições, para ver os trabalhos e pôr preço”, conta o pesquisador.

Um dos maiores colecionadores do Brasil é o diplomata Gilberto Allard Cha-teaubriand, com cerca de 7 mil obras reu-nidas. Bernardo Paz, fundador do Inhotim, também se destaca pela quantidade e pela representatividade do que reuniu. Ambos não foram entrevistados, na tese, pelo pro-fessor Adriano Gomide, mas são sempre lembrados como referências.

O pesquisador cita, ainda, o casal americano Mary Louise Stevens (1879–1953) e Walter Arensberg (1878–1954), colecionadores das obras de Marcel Du-champ, criador dos ready made. “Certos colecionadores, a exemplo desse casal, ficam amigos e acompanham a vida e a carreira do artista”, conta o professor. A obra Com barulho secreto, de Duchamp, contou, inclusive, com a colaboração de Arensberg. O amigo ficou responsável por inserir um objeto barulhento no rolo de barbante, sem revelar a ninguém.

O próprio Adriano Gomide é coleciona-dor, e reúne trabalhos de amigos e colegas de escolas por onde passou, além de obras que trocou durante a vida. Segundo ele, não se trata de atividade sistemática, apesar dos muitos objetos que guarda. Ele também atuou como artista, por mais de 25 anos, mas, atualmente, se declara “aposentado”.

Acervo pessoal

Acervo da colecionadora Priscila Freire reúne mais de mil preciosidades artísticas

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LegitimadoresUma coleção pode começar sem a

intenção de legitimar obras ou artistas. Mesmo assim, de acordo com o pesquisa-dor, os colecionadores assumem tal papel: “Um dos entrevistados na tese conta que começou a colecionar pôsteres porque não conhecia o mercado de arte em Belo Horizonte. Depois, viu que não era isso e começou a comprar”.

Geralmente, as coleções adquirem vulto, e os colecionadores apuram a intui-ção. Antes mesmo de artistas começarem a aparecer, via legitimação da história da arte, são comprados por esses agentes. Assim, a coleção pode virar referência so-bre o artista. Em Belo Horizonte, o colecio-nador Manoel Macedo apostou em obras de Amadeo Luciano Lorenzato, quando ninguém lhe dava muito valor. “O artista fazia exposições, mas não tinha grande apelo”, explica Gomide. Atualmente, Ma-cedo tem mais de 200 obras e promove exposições sobre o Lorenzato.

Eis o caso, também, do grande co-lecionador Gilberto Chateaubriand, que comprou obras de Lígia Clark na década de 1960, quando ela ainda não era um grande nome. “O valor intrínseco da obra estava lá. O que o trabalho traz de contribuição à história da arte – em termos de avanço, elementos formais, novos modos de fazer e ver o mundo – já se encontrava lá, quando a pessoa o fez. Isso só vai ser reconhecido mais tarde”, explica o pesquisador.

Gomide ainda cita o processo de le-gitimação promovido por alguns de seus entrevistados. “As coleções de peças sa-cras de Ângela Gutierres acabam por se tornar objetos obrigatórios para quem quiser estudar oratórios e Barroco Mineiro. Pedro Paulo Filgueiras está colecionando, por gosto, um artista de Governador Vala-dares, que iniciou carreira em Belo Hori-zonte. Pareceu-me uma aposta”, conta.

Historicamente, colecionadores têm papel importante na manutenção da me-mória e na história do Brasil. Segundo Gomide, a própria Igreja Católica operou como ajuntadora de peças, que, hoje, pro-tagonizam parte do turismo religioso no País. “Outro grande agente de coleção foi Dom Pedro II, que deixou um legado de obras do Império”, lembra.

Sistema da arteUma coleção exposta ou doada a um

museu se tornará objeto de contemplação pública, mas continuará com pertencimen-to privado. Durante a pesquisa, Adriano Gomide não investigou a natureza jurídica das doações, nem mesmo a valoração das coleções. De outro modo, descobriu que cada colecionador decide o quanto quer publicizar as obras de seu acervo, por questões pessoais ou de segurança.

“A coleção é fruto de dedicação e gosto. Na tese, não faço julgamentos mo-rais, nem mesmo, das obras que visitei. Entrevistei colecionadores de arte contem-porânea e moderna, de esculturas sacras, dentre outros. Estava muito mais interes-sado no colecionismo do que na origem do dinheiro dessas pessoas, que já são alvo de preconceito. Há outros pesquisadores que tratam de furtos de obras e espólios de guerra”, explica.

Relembre alguns dos artistas citados nesta reportagem

Marcel Duchamp (1887- 1968): pintor, escultor e poeta francês. Inventor dos ready made,

a transmutação de elementos da vida cotidiana ao campo das artes.

Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995): pintor e escultor belo-horizontino, considerado

uma das maiores personalidades das artes visuais de Minas Gerais. Como legado, deixou

dezenas de quadros que retratam a paisagem de bairros populares.

Lígia Clark (1920-1988): pintora e escultora belo-horizontina contemporânea, que se

autointitulava “não artista”. Dentre as grandes obras, estão Máscara abismo, Contra re-

levo e Os bichos.

Pierre-Auguste Renoir (1841-1919): pintor francês, iniciou o movimento impressionis-

ta. Conhecido por celebrar a beleza feminina em obras como Odalisca, Mulher amamen-

tando e Lise com sombrinha.

Alberto da Veiga Guignard (1896-1962): pintor nascido em Nova Friburgo (RJ), mas

radicado em Minas Gerais e famoso por retratar paisagens mineiras. Pintou o céu, as

cores, os muros e o povo da terra pela qual se apaixonou.

Tarsila do Amaral (1886-1973): pintora, desenhista e tradutora paulista. Uma das

figuras centrais da pintura e da primeira fase do movimento modernista no Brasil.

Um de seus quadros mais famosos, o Abaporu inaugurou o movimento antropofá-

gico nas artes plásticas.

Glossário de artistas

Um colecionador pode ter, reunidos em apenas uma sala, valores acima de R$ 10 milhões. Gomide lembra de leilão na capital mineira, em 2016, no qual foram vendidos dois quadros de Alberto da Veiga Guignard, respectivamente, por R$ 4,5 mi e R$ 900 mil. “É um artista alto no merca-do: o preço sobe porque se reconhece seu valor e há escassez de obras. Não existem mais Guignards sendo feitos. Trata-se, inclusive, de artista muito falsificado por outros”, explica o pesquisador.

Por meio de sua pesquisa, Adria-no Gomide sente que sistematizou uma curiosidade pessoal – e de muitas pessoas – sobre o colecionismo: “Falo de dentro do sistema. Dirijo uma escola de arte, fre-quento leilões, negocio e faço arte. Mas faltam discursos de dentro. Por isso, mi-nha pesquisa se mostra como visão inter-na. Tive coragem de olhar, com ares mais objetivos, para algo muito próximo”.

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MOBILIDADE

Somos todos passageiros

Luiza Lages

Laboratório da Ufla desenvolve tecnologias inteligentes de transporte e analisa como os novos veículos circularão nas ruas brasileiras

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Carros voadores, veículos controla-dos por sistemas remotos e recursos de In-teligência Artificial: para ambientar tramas futuristas, a ficção científica recorre, com frequência, a meios de transporte astutos e autônomos. Em muitas frentes, porém, a mobilidade terrestre avança a pontos de convergência com os territórios ficcionais. “Veículos inteligentes já são realidade em grande parte do mundo. Precisamos es-tudar e debater como eles serão inseridos nas ruas e em nossa sociedade, além de discutir questões de segurança e adapta-ções necessárias a receber as novas tec-nologias”, afirma o professor Danilo Alves de Lima, coordenador da Área de Veículos Autônomos/Inteligentes do Laboratório de Mobilidade Terrestre (LMT) da Universida-de Federal de Lavras (Ufla).

Com atuação multidisciplinar, o LMT explora diversas linhas de estudos em En-genharia, Administração, Ciência da Com-putação, Economia, Medicina e Direito, com foco nos sistemas de transporte inteligentes. Cerca de 50 integrantes, dentre professores, mestrandos, doutorandos e estudantes de graduação, conduzem pesquisas e propõem alternativas para a questão.

Para Danilo Lima, as grandes discus-sões e o trabalho a ser desenvolvido, em re-lação a novas tecnologias de mobilidade, não recaem sobre a concepção de novos equipa-mentos de transporte. “Falta debate sobre a interação dos veículos com os passageiros transportados, com os demais veículos – não autônomos ou inteligentes –, e acerca da re-lação entre a cidade e tais meios”, reflete.

O que a cidade precisa ter para re-cebê-los? Qualquer localidade está apta a conviver com eles? Veículos inteligentes poderão circular em quaisquer ambien-tes? Serão autônomos por quanto tempo? Como funcionará a manutenção? De que baratear custos? No caso de acidentes, quem será o culpado? Que leis regerão tal tipo de transporte? Eis uma série de per-guntas apresentadas pelo próprio pesqui-sador, como base das discussões no setor e do trabalho desenvolvido no Laboratório.

Além do estudo para produção de veículos inteligentes, o LMT se debruça sobre modelos de negócio relacionados a mobilidade terrestre, regulamentação e trâmites legais para pôr veículos inteligen-tes em circulação. Há preocupação, ainda, com mecanismos e requisitos técnicos para certificação das novidades tecnológicas. “O brasileiro gosta de tecnologia. E nosso mer-cado consumidor é grande. Temos, sim, que fazer pesquisa na área, para levar tudo ao esclarecimento das entidades governamen-tais relacionadas ao assunto. É fundamental entender o que é preciso para implementar os novos veículos no Brasil, com segurança jurídica e tecnológica”, diz Andrea Marti-nesco, coordenadora de estudos jurídicos e fatores humanos do Laboratório.

Rotas tecnológicasOs pesquisadores atuam na concep-

ção de sistemas de localização, percepção, navegação, reconstrução de dados, con-trole e assistência ao condutor de veículos inteligentes. Um dos objetivos é desenvol-ver tecnologias de baixo custo. É o caso de um equipamento de detecção e alerta de sonolência desenvolvido no grupo. “Todos os veículos mais modernos têm algum nível de assistência. O problema está em seu alto custo. Trabalhamos para criar o sistema com o uso de smartphone, forma barata de inserir esse tipo de tecnologia em veículos”, explica Danilo Lima.

A primeira pista de testes para veícu-los da América Latina é um dos principais projetos do Laboratório. Uma área de 21 mil m² foi demarcada no campus universi-tário, para construção do espaço, e o pro-jeto está em fase de aquisição de recursos. Com quatro tipos diferentes de pistas (em estrada, fora de estrada, em ambiente urba-no e em ambiente agrícola), a construção funcionará como uma cidade inteligente. O objetivo é simular diferentes situações que o veículo encontraria nas ruas brasileiras, o que inclui aspectos de sinalização, pre-sença de pedestres e estrutura existente, além de questões mais específicas.

Hoje, grande parte dos testes em veí-culos inteligentes é feita, primeiramente,

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em pista de testes, para, depois, chegar às ruas dos centros urbanos. “Se o Brasil não tiver uma pista de testes, os veículos circularão direto nas cidades. É um grande risco, pois a realidade na qual o veículo

“Não adianta abordar a mobilidade apenas sob o viés tecnológico, pois, ao chegar ao mercado, a tecnologia pode nem sequer ser implementada ou difundida”, afirma Joel Yutaka Sugano, professor da Ufla e coordenador de modelos de negócios ino-vadores do LMT. Como fazer com que uma tecnologia inovadora consiga ter penetração de mercado, com sucesso e sem rejeição?

Eis a questão a guiar os estudos conduzidos pelos pesquisadores. De acordo com Sugano, toda inovação entra como uma incógnita no mercado, que não consegue absorvê-la de imediato. “Existe, tecnicamente, um abismo entre os ‘adotadores' inician-tes e o mercado de massa. Como cruzar esse abismo por meio da inovação é papel na área de negócios”, afirma.

O grupo estuda diferentes recortes para modelos de negócio de veículos inteligentes. A partir dos diferentes tipos de equi-pamento, trabalha-se com a introdução de meios autônomos no mercado brasileiro, considerando as especificidades e os fatores necessários à introdução da tecnologia no País. Confira!

Cruzamento de provedores

será inserido, em relação às vias e à infraes-trutura, não é, necessariamente, prevista. Com a pista em operação, torna-se possível apontar adequações necessárias aos veícu-los, certificá-los e homologá-los”, diz Lima.

O LMT trabalha em parceria com o Instituto Nacional de Metrologia, Qualida-de e Tecnologia (Inmetro), para promover a regulamentação e a homologação de siste-mas dos veículos inteligentes que chegam

Mobilidade como serviço

Toda a mobilidade pode se transformar em serviço. O conceito de MaaS, Mobility as a service, descreve mudança dos meios de transporte de propriedade pessoal para so-luções de mobilidade consumidas como serviço. Isso se dá por meio da combinação de provedores de transporte públicos e privados em um gateway unificado, que cria e gerencia a viagem. “Um provedor vai, por exemplo, combinar modais de diferentes serviços de mobilidade, para que o usuário se desloque. De um ponto a outro, ele usa o metrô, depois um carro compartilhado, uma bicicleta, e anda a pé. A inteligência artificial aponta o que é mais interessante naquele momento, e considera o que pode beneficiar tanto a saúde quanto o custo para aquela pessoa”, explica Sugano.

Carro como plataforma

Um carro, hoje, é um produto não conectado, mas, no contexto de mobilidade inteligente, torna-se uma plataforma de negó-cios. A conexão em rede e a possibilidade de que diversos apli-cativos estejam integrados a ele permitem a reunião de produtos e serviços oferecidos por diferentes empresas, em um mesmo espaço e de alto valor agregado para o usuário final.

Carro como serviço

Dentro do modelo inteligente de mobilidade, um carro pode ser pensado não como produto a ser comprado, mas “aces-sado”. Empresas como Über, Cabify e Yellow, de carros, bicicletas e patinetes compartilhados, já trabalham com tal ideia. “Daqui para frente, o modelo padrão não será o do carro tradicional, em que o dinheiro fica parado como ativo que se deprecia, mas o de serviço. Isso muda o modo como funcionam seguros, pedágios, garagens e plataformas. A so-ciedade, como um todo, se transforma”, diz Sugano.

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ao Brasil. “Hoje, nossos principais proje-tos estão na área de certificação e de ho-mologação. Fazemos estudo de caixa preta e de sistemas de controle. Atuamos dentro das principais tendências na área: novos modelos de negócio, veículo como serviço e integração dos meios inteligentes com as cidades inteligentes”, conta o pesquisador.

Caminhos legais“O veículo é autônomo porque a ten-

dência é tirar cada vez mais o motorista de dentro dele. Além disso, juridicamente, a pessoa atrás do volante é o sujeito de di-reitos e obrigações”, afirma Andrea Marti-nesco. A Sociedade dos Engenheiros Auto-motivos define uma escala de automação do nível 0 ao 5. Quanto maior o número, menor a ação de condutores humanos no veículo.

Para cada estado de automação, com suas particularidades, são avaliadas diver-sas questões legais, como responsabilida-de civil, questões de seguro, ou, no Direito Penal, a cadeia de envolvidos no acidente.

“Atuamos na proteção jurídica do consumidor, que está lá como condutor, a partilhar o controle, ou como passagei-ro. Fora dele, o veículo compartilha a via pública, onde deve existir o respeito entre o veículo autônomo e os demais usuários: pedestres, ciclistas, motociclistas e condu-tores de outros tipos de veículos. A atuação do Direito é transversal. Precisamos avaliar em que nível de amadurecimento a tecno-logia está, para entender como ela entraria nas vias públicas e como a sociedade vai encará-la”, completa Martinesco.

Para a coordenadora do LMT, é es-sencial que, para produzir segurança, os novos veículos passem por simulações e deslocamentos em pistas fechadas, e só depois sejam testados em condições reais de trânsito. A pesquisadora lembra que as discussões sobre veículos inteli-gentes, realizadas por representantes das Convenções Internacionais sobre Trânsito Viário, refletem-se nos códigos de trânsito dos países signatários. “Eles discutem, e nós precisamos fazê-lo aqui. É preciso en-tender o que existe em matéria de regula-mentação, para que nossos pesquisadores,

Foram assinadas duas “Conven-ções internacionais sobre trânsito viário”: a primeira, em Genebra, no ano de 1949; a segunda, da qual o Brasil é signatário, em 1968, na cidade de Viena.

que desenvolvem tecnologia e modelos de negócio, tenham consciência do que está sendo aprovado”, diz.

Para Martinesco, o governo brasi-leiro ainda conhece muito pouco sobre sistemas de transporte inteligentes e não está apto a autorizar o trânsito de veícu-los autônomos em vias públicas. “Esses meios, em desenvolvimento, estão sendo testados em simuladores e pistas fechadas, mas, em algum momento, terão que circu-lar em vias públicas”, destaca. A pesquisa-dora argumenta que a atual visão se limita à Engenharia: sabe-se que a tecnologia existe e que o brasileiro se interessa por veículos com tecnologias de assistência ao condutor. “As montadoras enxergam bom mercado, mas como regulamentar tudo? O Brasil precisará acompanhar toda a mo-vimentação na ONU e em outros países, como China, Japão, EUA e Suécia”, afirma.

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VERSAL

Mulher Faz CiênciaAstrônoma da Nasa, historiadora indígena, descobridora de vulcão e premiada técnica em meio ambiente são algu-mas das mulheres que integram o livro digital Mulher Faz Ciência: dez cientistas, muitas histórias, desenvolvido pelo projeto “Minas Faz Ciência”. A obra, de autoria da jornalista Alessandra Ribeiro, com diagramação de Fa-tine Oliveira e coordenação de Vanessa Fagundes, busca inspirar meninas apaixonadas por tecnologia, pesquisas e descobertas. Download grátis: http://bit.ly/mulherfaz-ciencia.

Lorena Tárcia

Apps para aprenderNo universo móvel, indicamos cinco aplicativos de cursos online nas mais diversas áreas do co-nhecimento: Udemy Cursos e Tutoriais; LinkedIn Learning; Udacity; Coursera e Ted Talks. Informá-tica, idiomas, habilidades profissionais e palestras sobre temas atuais estão entre as opções – muitas gratuitas; algumas, pagas. As descrições e links para download estão disponíveis em nosso site: http://bit.ly/appscursos.

Recursos educacionaisEm busca de recursos digitais para usar na sala de aula ou complementar os estudos? A plataforma de recursos educacionais digitais do Ministério da Educação (MEC) reúne mais de 30 mil vídeos, animações e textos desti-nados a ensino e aprendizagem. O espaço colaborativo permite publicar recursos, compartilhar material de ou-tros autores e relatar experiências. A plataforma é aberta e se destina a toda comunidade escolar. Acesse https://plataformaintegrada.mec.gov.br.

Estatísticas úteisA plataforma Hootsuite e a agência We Are Social publi-cam, anualmente, pesquisa atualizada com estatísticas sobre internet, redes sociais, universo mobile e e-com-merce. O relatório 2019 revela que mais de 360 milhões de pessoas de todo o mundo entraram pela primeira vez, na internet, no ano passado. No total, 57% da população planetária está agora conectada. No Brasil, a penetração é de 70%, com 149,1 milhões de usuários. Além disso, 140 milhões de brasileiros usam as redes sociais, sendo 61% a partir dos telefones celulares. Acesse: http://bit.ly/estatisticas2019.

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CONTEMPORÂNEAS

Há, em Minas Gerais, enorme biodiversidade, distri-buída em quatro grandes biomas: mata atlântica, cerrado, caatinga e campos rupestres. Em função dessa multipli-cidade, são necessárias informações a respeito de áreas prioritárias para conservação. Com o intuito de delimitar tais territórios, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado solicitou, à comunidade científica, um atlas que expusesse as regiões importantes. O trabalho serviu de base para ado-ção de políticas públicas, relacionadas à delimitação dos espaços de manutenção e de pesquisa, dentre outros.

Entretanto, com o passar do tempo, o atlas ficou de-fasado e tornou necessária a revisão de seus dados. As-sim, desde junho de 2018, pesquisadores da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com as organizações não governamentais WWF-Brasil e Fundação Biotiversitas, trabalham na produção de novo material. A demanda partiu do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e ganhou o nome “Áreas prioritárias: estratégias para con-servação da biodiversidade e dos ecossistemas em Minas Gerais”. A proposta, portanto, é identificar o melhor con-junto de áreas para conservação e restauração de espécies e ecossistemas no Estado.

Integrante do projeto, Adriano Paglia, professor do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Bio-lógicas da UFMG, explica que o trabalho de revisão do atlas tem sido feito a partir de conhecimentos biológicos desen-volvidos nos últimos anos. Levam-se em consideração, tam-bém, as modificações antrópicas – ou seja, causadas pelo ser humano –, como desmatamento, alterações climáticas, avanço das fronteiras agrícolas, urbanização, dentre outras. Como metodologia, recorreu-se ao “planejamento sistemáti-co”, que determina elementos importantes para conservação e aponta custos, dificuldades e metas de ação.

“Trata-se da compilação de informações espaciais de alvos de conservação, como espécies ameaçadas, recursos

Mapa da biodiversidade

Pesquisadores mineiros atualizam dados a respeito de áreas

prioritárias para conservação da fauna e da flora

Mariana Alencar

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hídricos, ecossistemas importantes para economia etc. Em relação a cada elemen-to, estipulamos metas: quanto a ciência entende ser necessário conservar a partir daquele espaço?”, explica o pesquisador, ao destacar que também são avaliadas as dificuldades para manutenção, expressa, por exemplo, na presença de atividades humanas. “Ao fim do processo, juntamos as camadas para produzir um atlas único, que nos mostrará as melhores alternativas de conservação”, detalha.

O principal objetivo do projeto está na criação de um banco de dados geo-gráficos de biodiversidade, capaz de re-lacionar os ecossistemas com atividades antrópicas, de modo a permitir análises espaciais que orientem as atividades de rotina e de tomada de decisões governa-mentais associadas ao meio ambiente. O produto final terá diversas aplicações, e poderá ser usado em iniciativas como fiscalização ambiental, conservação da biodiversidade, recuperação de florestas, gestão de recursos hídricos e de sistemas de regularização ambiental.

Oficinas e consultasA elaboração do atlas inclui, também,

encontros com especialistas de diversas

áreas, como Geologia, Sociologia e Engenha-rias. Desde o início do projeto, realizaram-se, na UFMG, duas grandes oficinas, para discu-tir questões econômicas e/ou relacionadas à Biologia. Nos eventos, foram apresentadas e debatidas variáveis de pressão e conflito para a conservação, bem como critérios usados para sua proposição e bases de dados espa-ciais pré-selecionadas.

“Na primeira atividade, chamada ‘ofi-cina de custos e oportunidades do projeto’, tivemos participação de pessoas do setor produtivo, empreendedores, da indústria e da mineração, para apresentar e discutir as atividades humanas que se relacionam à conservação. Isso foi muito importante, também pois vimos o outro lado, não só o viés ambiental”, explica Paglia.

Já a “oficina de alvos e metas para conservação da biodiversidade no âmbito do projeto áreas prioritárias: estratégias para a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas de Minas Gerais” con-vidou especialistas da Biologia, que anali-saram mapas de distribuição de diferentes espécies animais e vegetais. “Isso nos ser-viu de subsídio ao mapa final”, relembra.

O atlas tem previsão de ser apresen-tado no fim deste ano, mas, nos próximos

meses, será realizada outra oficina, para que se debatam os resultados já compila-dos e consolidados pelos pesquisadores. Nesta ocasião, serão apresentadas as prin-cipais estratégias para as áreas prioritárias já definidas, como a necessidade de cria-ção de novas unidades de conservação, estímulo à recuperação ambiental, fortale-cimento de parcerias com o setor produti-vo, dentre outras ações estratégicas.

Quando finalizado, o projeto “Áreas prioritárias: estratégias para conservação da biodiversidade e dos ecossistemas em Mi-nas Gerais” servirá de instrumento de ges-tão territorial, assim como o primeiro mapa, produzido no início dos anos 2000. Com a delimitação das áreas, a participação da comunidade científica e da sociedade civil e o estudo de critérios técnicos a respeito da conservação, o projeto servirá como orien-tação do desenho de políticas públicas e da rotina de decisões de todo o Sistema Esta-dual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) na gestão ambiental do Estado.

Vulnerabilidades Após os desastres ambientais ocor-

ridos pelos rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho, o novo mapa tam-bém apontará vulnerabilidades de áreas importantes à biodiversidade. Entretanto, o trabalho não será fáci. Segundo Adriano Paglia, há, no projeto, a intenção de detec-tar tais riscos ambientais das regiões prio-ritárias associadas a possíveis rompimento de barragens, mas faltam informações im-portantes para delimitação de tal perito.

“A questão é complexa, pois não sabemos claramente qual seria o percurso dos rejeitos, caso a barragem se rompa. Existem simulações de computadores que levam em conta o relevo, a topografia do local, o que nos garante indícios do per-curso. Não temos, porém, acesso à infor-mação”, lamenta o pesquisador.

O projeto também busca a identificação e o apontamento de outras vulnerabilidades, como mudanças no clima, questões sociais, associadas à dificuldade de acesso da po-pulação aos recursos ambientais, erosão de solos, e, consequentemente, sedimentações do curso d’água – o que prejudica a oferta de recursos à população. Ao todo, mais de 100 pessoas estão envolvidas no projeto.

João Marcos Rosa

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Ao contrário do modo como Monteiro Lobato (1882-1942) enxergava o urupê de pau podre (os fungos Pycnoporus sanguineus também são chamados de “orelha-de-pau”), ele não “modorra silencioso no recesso das grotas”. A espécie serve, principalmente, para sustentação dos nutrientes da mata. Sua função medicinal, em relação às plantas, tem propiciado es-tudos sobre o controle de doenças. Longe de ser, “no meio de tanta vida, sem vida”, trata-se de um dos res-ponsáveis pela manutenção da “natureza brasílica, tão rica de formas e cores”

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