revista minas faz ciência 50

52
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 1

Upload: fapemig

Post on 23-Mar-2016

225 views

Category:

Documents


5 download

DESCRIPTION

Espaços de Inovação - Parques tecnológicos reúnem idéias, saberes e experiências

TRANSCRIPT

Page 1: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 1

Page 2: Revista Minas Faz Ciência 50

2 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

EX

PE

DIE

NT

E

Page 3: Revista Minas Faz Ciência 50

AO

LE

ITO

R

EX

PE

DIE

NT

E

MINAS FAZ CIÊNCIADiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Fabrício MarquesRedação: Ana Flávia de Oliveira, Diogo Brito, Juliana Saragá, Marcus Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr., Virgínia Fonseca e William FerrazDiagramação: Beto PaixãoRevisão: Sílvia BrinaProjeto gráfico: Hely Costa Jr.Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Lastro EditoraTiragem: 20.000 exemplaresCapa: Hely Costa Jr, sobre foto de Marcelo Focado

Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://fapemig.wordpress.com/Facebook: http://www.facebook.com/FAPEMIGTwitter: @fapemig

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Antonio Augusto Junho Anastasia

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini, José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Rodrigo Corrêa de Oliveira

Este número da MINAS FAZ CIÊNCIA que você, leitor, acaba de receber tem um significado especial para a FAPEMIG. Com ele, completamos 50 edições já lançadas, um volume expressivo para uma publicação financiada com recursos públicos e destinada à cobertura jornalística de temas da Ciência, Tecnologia e Ino-vação (C,T&I). Ao longo dessa trajetória, a revista cresceu, amadureceu e, hoje, é reconhecida como importante veículo de divulgação científica, inspirando projetos semelhantes em todo o Brasil.

A primeira edição da MINAS FAZ CIÊNCIA foi lançada em dezembro de 1999, com 24 páginas, uma tiragem de cinco mil exemplares e distribuição gratuita. Já naquela época, chamou atenção por apresentar pesquisas desenvolvidas em Minas Gerais e estimular a discussão de temas científicos, aproximando-os do cotidiano das pessoas. Hoje, a revista está maior: são 52 páginas e uma tiragem de 20 mil exemplares, distribuída gratuitamente a leitores de todos os estados brasileiros e também do exterior. A proposta original se mantém: levar informações, fomentar o debate e propiciar o envolvimento dos cidadãos em questões relacionadas à C,T&I.

E nada melhor para celebrar esse marco que uma edição recheada de temas interessantes e relevantes. A começar pela reportagem de capa, que explora os parques tecnológicos, ambientes destinados à produção de conhecimento e locais onde ideias, saberes e tecnologias de ponta se encontram. Em Minas Gerais, o mais recente empreendimento é o Parque Tecnológico de Belo Horizonte – BH-TEC, inaugurado em maio deste ano. Nele, já estão instaladas 16 empresas cujo negó-cio está fortemente relacionado ao conhecimento e à inovação. Essas empresas já colhem os frutos de sua participação na experiência e a expectativa é que isto aconteça também no Parque Tecnológico de Viçosa, já em funcionamento, e nos outros quatro parques que ainda serão instalados no Estado.

Na área da saúde, um projeto conduzido por equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia busca desenvolver uma técnica baseada em biossensores para o diagnóstico rápido e preciso do infarto do miocárdio. Hoje, esse mal está entre as principais causas de óbitos no Brasil e no mundo e sua identificação precoce é fundamental para a sobrevivência do paciente. A pesquisa mostrou que é possível realizar o diagnóstico por meio de marcadores específicos que identificam enzimas cardíacas liberadas na corrente sanguínea quando as cé-lulas do miocárdio começam a morrer. De menor custo e fácil de utilizar, a técnica está sendo avaliada para aplicação no Sistema Único de Saúde.

Memória é o tema de outras duas reportagens desta edição. A primeira, escrita pela jornalista Virgínia Fonseca, apresenta uma pesquisa da Escola de Belas Artes da UFMG, que aborda a relação entre memória e arte a partir de monumentos ou manifestações visuais que remetem a catástrofes. Entre os casos estudados, estão o Memorial do Holocausto, na Alemanha, e o Parque de la Memoria, na Argentina. A jornalista Juliana Saragá, por sua vez, aborda um projeto da PUC Minas que tem como objetivo resgatar e valorizar a tradição da “vida de bairro”. Entre os desafios da equipe formada por pesquisadores das áreas de Sociologia, Arquitetura e His-tória, estão proteger o patrimônio cultural dos bairros situados no anel pericentral da cidade e articular as dimensões material (patrimônio construído) e imaterial, ou seja, o modo de vida dos moradores.

Desejamos a todos uma ótima leitura, ressaltando que é uma alegria para a equipe que participa do projeto chegar à quinquagésima edição. Agradecemos àqueles que participaram de sua concepção, há mais de 10 anos, e aos profis-sionais que desde então passaram pela redação; aos pesquisadores, dispostos a compartilhar conosco e com a sociedade os resultados de seu trabalho; e a vocês, leitores, que com a audiência, as críticas e as sugestões dão sentido ao nosso projeto de divulgação da ciência.

Vanessa FagundesDiretora de Redação

Page 4: Revista Minas Faz Ciência 50

ÍND

ICE

SOCIOLOGIAMapa dos Conflitos Ambientais de Minas procura identificar tensões decorrentes das relações dos homens entre si e com o ambiente

36

ÍNDIOS EM MINASUm tema pouco conhecido a respeito da história de Minas Gerais: a população indígena integrada ao sistema colonial

40

LEMBRA DESSA?Núcleo é capaz de investigar a física de formação da descarga, estudo sem precedentes que permite examinar o que gera um raio

47

5 PERGUNTAS PARA...Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Raul Antônio Raupp, comenta integração entre academia e setor privado

49

VIDA DE BAIRROSAvaliar como proteger o patrimônio cultural desses locais, situados no anel pericentral de BH, é o objetivo de pesquisadores da PUC Minas

44

ENTREVISTAO empreendedorismo entre jovens é o tema da conversa com o diretor do Future Centre da Telecom Itália, Roberto Saracco

16

SAÚDEPesquisadores desenvolvem técnica baseada em biossensores, mais rápida e precisa para diagnóstico de infarto agudo do miocárdio

12

TECNOLOGIA DE ALIMENTOSO que acontece quando se adiciona dióxido de carbono ao leite durante processo produtivo do queijo Minas?

20

A MEMÓRIANAS RUASMonumentos construídos em espaços públicos, como o Parque de La Memoria, em Buenos Aires, não deixam feridas serem esquecidas

24

GEOCIÊNCIASIntervenção humana e maneiras de ocupar o solo propiciam a formação de ilhas de calor em pontos diferentes da mesma cidade

28

MUSEU ITINERANTEProjeto da UFMG, caminhão especialmente equipado levará a Ciência a escolas públicas de todas as cidades do Estado

33

ENGENHARIAESPACIALEstudantes mineiros se preparam para construir banco de testes para inédito foguete universitário nacional

30

6 ESPECIALParques tecnológicos, como o BH-TEC, se destacam ao unir, em um único espaço, pesquisadores, empresários e setor público

Page 5: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 5

CA

RTA

S

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Gostaria de objetivamente agradecer e elogiar o brilhante trabalho dos responsáveis pela MINAS FAZ CIÊNCIA, que, junto à FAPEMIG, estão divulgando os projetos e os cientistas do nosso estado. Difundir a tecnologia e a ciência das nossas universidades é, sem dúvida, uma grande contribuição para o crescimento cientí-fico do nosso país.Fico realmente muito feliz por ter tido a oportu-nidade de apresentar um pouco do meu trabalho científico junto a esse meio de comunicação tão importante. Não tenho dúvidas de que terá gran-de contribuição e repercussão para a nossa so-ciedade na área de saúde e poderá servir como início de uma grande transformação para futuras melhorias desse setor.A Prescrição Eletrônica é um tema importan-tíssimo, discutido atualmente tanto em nível nacional como internacional, o qual aborda principalmente a segurança do paciente. Mo-tivo de grandes preocupações da Organização Mundial de Saúde, o tema está sendo votado no Brasil em projeto de lei de número 3344. Fiquei muito impressionada com a rapidez da equipe de comunicação, que demonstrou estar atenta aos acontecimentos políticos e científicos mais importantes e imediatamente abraçou a causa, com a preocupação de demonstrar e divulgar o tema de interesse de todos e que envolve qual-quer profissional da área de saúde.

Parabenizo, especialmente, o jornalista Mar-cus Vinícius, por ter sido o grande apoiador e orientador desta matéria. Finalmente, não tenho outra coisa a dizer, senão, muito obrigada!Wania Cristina da SilvaMestrandaUniversidade Federal de Ouro Preto Ouro Preto/MG

Esta semana, em Muriaé, recebi das mãos de um aluno esta revista, para ser mais preciso a edição nº 47. Junto com a revista, um sorriso de satisfa-ção, pelo fato de ele ter lido a matéria “Gotas de Energia”, felicidade por ter visto na matéria pu-blicada assuntos discutidos em sala (poder das pontas, densidade superficial de cargas, campo elétrico, indução...). Sua felicidade residia no fato de que ele havia entendido todo o funcionamento do equipamento e a minha foi de que ele real-mente havia aprendido e conseguido relacionar informações de sala com a matéria publicada. De posse da publicação, pude ler todo o conteúdo: linguagem direta, agradável, acessível, mas sem prejudicar o caráter de divulgação científica da revista. Ensinar é estar sempre aprendendo. Pa-rabéns pela revista.Carmelino MoraesProfessorMuriaé/MG Minha filha Tamires recebe a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Gosto muito da publicação: assuntos atuais, tudo de muito bom gosto, a diagra-mação, nem se fala. Parabéns pelo conteúdo. Minha filha está fazendo Engenharia Civil. Ela também faz estágio e quase não sobra tempo para ler. Eu aproveito e leio frequentemente.Agradeço por me enviar sempre a revista. Agra-deço de todo coração, peço que Deus abençoe o trabalho de toda a equipe que publica a revista, estão de parabéns pelo trabalho.Arlete Gomes(via e-mail)

O programa Ondas da Ciência que aborda o trabalho com a Prescrição Eletrônica pode ser ouvido em

fapemig.wordpress.com

@

Page 6: Revista Minas Faz Ciência 50

ESPE

CIA

L

6 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

Pris

mas

de

inov

ação

Impr

esci

ndív

eis a

o

dese

nvol

vim

ento

de M

inas

Ger

ais,

parq

ues t

ecno

lógi

cos

prod

uzem

co

nhec

imen

to a

parti

r da

confl

uênc

ia

de id

eias

, sab

eres

e

expe

riênc

ias

Maurício Guilherme Silva Jr.

Page 7: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 7

Num de seus fantásticos contos, o escritor argentino Jorge Luis Borges des-creve, em detalhes, a natureza do “Aleph”, uma espécie de ponto visual capaz de concentrar, nele próprio, todos os outros pontos do universo. Se, no relato literá-rio, pouquíssimos tiveram o privilégio de contemplar o misterioso “objeto”, na rea-lidade cotidiana, muitos são os indivíduos a participar de ambiente também bastante propício – como na metáfora borgiana – à múltipla “convergência”. Desde meados do século XX, os parques tecnológicos transformaram-se em ambiente promis-sor não apenas à construção de projetos e planejamentos de ponta – desenvolvidos por homens e mulheres fascinados pelos desafios da inovação –, mas também, e principalmente, à confluência de sonhos, experiências e ideais.

Atualmente, há mais de 2 mil esta-belecimentos de estímulo à inovação no planeta. Modernos “Aleph’s” a congregar empresas de inovação e centros de pesqui-sa, tais espaços, com o passar do tempo, tornaram-se grandes aliados às aspirações de desenvolvimento das soberanias. No Brasil, estima-se que, hoje, existam 75 experiências dessa natureza, sendo 25 em efetivo funcionamento. Em Minas Ge-rais, até o momento, estão em atividade os parques tecnológicos de Viçosa, na Zona da Mata, e de Belo Horizonte, o BH-TEC. Outras quatro propostas, com sede nos municípios de Juiz de Fora, Lavras, Itajubá e Uberaba, estão em andamento.

Nos últimos meses, o governo do Estado, por meio de sua Secretaria de Ciência,Tecnologia e Ensino Superior, ampliou as negociações com a União, em busca de recursos federais capazes de auxiliar o programa estadual para implantação de parques tecnológicos. Justamente de tais prospecções nasce-ram os estudos – em desenvolvimento – para ainda outros três novos espaços aptos a receber empresas de tecnologia e desenvolvimento de produtos – sempre, obviamente, em parceria com universi-dades e centros de pesquisa. Trata-se de projetos destinados às cidades de Bru-madinho, Três Pontas e Uberlândia.

Financiadora de todos os parques tecnológicos já articulados em Minas Gerais, com investimentos na ordem de R$ 40 milhões, a FAPEMIG auxilia todo o processo de concepção e desenvolvimen-to das iniciativas de inovação – assim como, após implementados os polos de tecnologia, passa a prestar auxílio de na-tureza diversa, por meio de seus editais, às empresas e centros de pesquisa. Tal apoio é fundamental aos “atores” envol-vidos, cuja rotina de trabalho diz respeito, como se sabe, às complexas exigências da produção e da transmissão de conhe-cimento. “Todos os nossos projetos têm fortíssima participação da FAPEMIG, que muito tem apoiado o parque e seus pro-tagonistas”, ressalta o professor Ronaldo Tadêu Pena, ex-reitor da UFMG e atual diretor-presidente do BH-TEC.

A administração do Parque Tecnológi-co de Belo Horizonte ocorre por meio da ação de uma série de instâncias. A Assembleia Geral reúne o reitor da UFMG, Clélio Campolina Diniz; o go-vernador do Estado de Minas Gerais, Antonio Augusto Anastasia; o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda; o presidente da Fiemg, Olavo Machado Júnior; e o presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-MG, Láza-ro Luiz Gonzaga. Já o Conselho de Administração é formado por quatro representantes da UFMG, indicados pelo reitor; dois do Governo do Esta-do, fruto de indicação do governador; dois da Prefeitura, recomendados pelo prefeito; um da Fiemg e um do Sebrae-MG, sugeridos pelos respec-tivos presidentes. Por fim, há o Con-selho Técnico-Científico, o Conselho Fiscal e a Diretoria Executiva.

Atualmente, além do apoio financeiro da FAPEMIG, o BH-TEC conta com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Governo do Es-tado, da Fiemg e do Sebrae.

Professor Ronaldo Tadêu Pena, diretor presidente do BH-TEC

Foto: Marcelo Focado

Page 8: Revista Minas Faz Ciência 50

8 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

Associação que reúne Governo do Estado, Prefeitura de Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), o parque tecnoló-gico instalado na capital mineira iniciou suas atividades com 16 empresas, se-lecionadas por meio de chamada pública. Enquanto algumas companhias realizam todas as suas atividades no parque, ou-tras trouxeram para a atual sede do BH--TEC – inaugurada em maio de 2012, bastante próxima ao campus Pampulha – apenas as atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Na sede funciona, além das 16 empresas, a diretoria executiva do BH-TEC.

Ao abrigar empreendedores das áre-as do saber nas quais a UFMG apresenta tradição de pesquisa – Ciências da Vida; Biotecnologia, Saúde Humana e Animal; Tecnologias da Informação e da Comuni-cação (TICs); Tecnologias para Entreteni-mento e Cultura; Energias Alternativas; e Meio Ambiente –, o BH-TEC acaba por re-velar sua vocação produtiva, caso se pense que o principal “artefato” desenvolvido pe-las empresas ali instaladas é, no final das contas, “conhecimento” – o qual, por sua vez, carece, justamente, do profícuo con-vívio entre empresários e pesquisadores para que se desenvolva de modo pleno.

Propostas coletivasOs desafios da confluência de

ideias, expectativas e planos nascem junto à própria idealização de um parque tecnológico. O advento do BH-TEC, por exemplo, remonta a discussões iniciadas em 1992, à época da gestão do prefeito Patrus Ananias, que solicitara ao Centro de Desenvolvimento e Planejamento Re-gional (Cedeplar), ligado à Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, uma série de propostas para Belo Horizonte. Como resultado da ação governamental, surge o primeiro documento – assinado pelos professores Clélio Campolina Diniz, hoje reitor da Universidade, e Mauro Borges Le-mos, presidente do Conselho de Adminis-tração do BH-TEC e, atualmente, também

presidente da Agência Brasileira de Desen-volvimento Industrial (ABDI) – com vistas ao desenvolvimento de polos de inovação na capital mineira.

“A proposta do parque foi estabele-cida por meio de metas. O projeto andou devagar devido a desafios naturais ao pro-cesso”, explica Ronaldo Pena, ao relatar que, após a proposta inicial da prefeitura, seguiu-se à busca de um local adequado para implantação do BH-TEC. No fim do ano 2000, à época do mandato do prefeito Célio de Castro, foi o professor Maurício Borges Lemos – então secretário de Pla-nejamento da Prefeitura de Belo Horizonte – o autor da sugestão do terreno, perten-cente à UFMG, como lugar ideal para o empreendimento. “Outros espaços haviam sido cogitados, mas todos os envolvidos no projeto sabiam que o parque deveria ficar perto da universidade”, ressalta Pena.

Naquele momento, afinal, revelavam--se as inúmeras vantagens da construção do parque em região próxima à maior instituição de ensino e pesquisa de Minas Gerais. Dentre tais fatores, destaque para a almejada natureza acadêmico-científica – identificada nas melhores experiên-cias ao redor do mundo – de um polo tecnológico. Em 2001, o professor Fran-cisco César de Sá Barreto, então reitor da UFMG, nomearia comissão especial com a missão de realizar, exatamente, os necessários estudos de viabilidade para instalação do futuro BH-TEC no terreno pertencente à universidade.

Formado pelos professores Clélio Campolina, Mauro Borges, José Aurélio Garcia Bergmann e Ronaldo Pena, tal grupo redigiu, à época, o documento responsável por indicar a conveniência do desenvolvi-mento do parque no quarteirão 15 do cam-pus Pampulha. “Optamos, daquele modo, por seguir o mesmo caminho de desenvol-vimento econômico aceito mundialmente. Trata-se de modelo de desenvolvimento econômico baseado em projetos de inova-ção, elemento que se acelera bastante no in-terior de um parque tecnológico”, comenta o atual diretor-presidente do BH-TEC.

Ao final do mandato do reitor Francisco César de Sá Barreto, é assinado o convênio de intenções que oficializa o desenvolvimen-

Trata-se de Ecovec, Embraer, Labtest, Instituto EBT, Way Carbon, Neocon-trol, Zunnit, Siteware, Labfar, Ena-com, ATI, Invent Vision, Samba Tech, Omnimed, Take.net e STA. Também o Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), deverá construir sua sede em área já destinada do parque.

Bancado pelo Governo de Minas, o primeiro prédio do BH-TEC é fruto de investimento no valor de R$ 28 milhões. Para além das empresas se-lecionadas, o edifício abriga, em seus 7,5 mil metros quadrados, miniaudi-tório, quatro salas de reuniões, cafe-teria e 88 vagas de estacionamento.

“Optamos por seguir o modelo de

desenvolvimento econômico baseado em

projetos de inovação, elemento que se acelera

bastante no interior de um parque tecnológico”

Ronaldo Tadêu Penadiretor presidente do BH-Tec

Page 9: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 9

to do projeto. Em seguida, já na gestão da rei-tora Ana Lúcia Almeida Gazzola, o professor Mauro Borges Lemos é encarregado de dar sequência à concretização do parque, que, a partir dali, seria formalizado como asso-ciação – já com os cinco parceiros que hoje constituem o BH-TEC. Em 2005, firma-se o acordo por meio do qual se estabelece que a UFMG haveria de ceder seu terreno ao empreendimento, pelo período de 30 anos, com possibilidade de renovação, enquanto a prefeitura se encarregaria das obras de in-fraestrutura e o Governo construiria a sede do polo de inovação.

“Papo” de corredorAs empresas que ora desenvolvem

trabalhos no BH-TEC foram selecionadas – pelo Conselho Técnico-Científico – por meio da chamada pública finalizada em fevereiro de 2011. Conforme previa o re-gulamento da concorrência, as empresas interessadas eram livres para, de acordo com suas necessidades, demandar espa-ço físico com dimensões entre 30 e 400 metros quadrados. Hoje, como bons “mo-radores”, os grupos de base tecnológica acertam seus condomínios mensalmente, assim como pagam aluguéis conforme a área ocupada no prédio.

O interessante a ressaltar é que, mesmo com ocupações físicas, ramos do conhecimento e interesses absolutamente diversos, tais empresas de base tecnológi-ca fazem do convívio o grande trunfo para o crescimento. Segundo Marcelo Henrique Pereira, da gerência de negócios da ATI – que está há apenas um mês no prédio do BH-TEC e atua nos setores de Telecomu-nicações e Energia, com ênfase no desen-volvimento de softwares e hardwares para supervisão remota de plantas e segurança corporativa – todos esperam aproveitar ao máximo o ambiente voltado à inovação,

com o objetivo de absorver novos concei-tos e aprimorar processos. “Além disso, buscaremos criar parcerias que possibili-tem mais agilidade e redução nos custos de desenvolvimento de nossos produtos e soluções tecnológicas”, afirma.

Para Breno Rates, sócio-diretor da WayCarbon – que presta serviços de as-sessoria sobre mudanças climáticas, ges-tão de ativos ambientais, desenvolvimento de estratégias e estruturação de negócios com vista à ecoeficiência e à economia de baixo carbono –, fazer parte da iniciativa é um modo de “abrir novas possibilidades de negócios” e de se aproximar não apenas da UFMG, mas também de outros tantos grupos focados em pesquisa, desenvolvi-mento e inovação: “Já estamos colhendo

Em 2011, o Conselho Universitário modificou a cláusula do prazo de cessão, estendendo seu limite de duração a 1º de julho de 2041, sem possibilidade de renovação. A partir daí, todos os prédios integrarão o patrimônio da UFMG.

Foto

: Mar

celo

Foc

ado

Foto

: Mar

celo

Foc

ado

Tiago Delboni, diretor executivo da Zunnit Technologies

Breno Rates, sócio-diretorda Way Carbon

Page 10: Revista Minas Faz Ciência 50

10 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

bons frutos por meio de parcerias, em pro-jetos de P&D, com outras duas empresas das quais nos aproximamos ao chegar, em abril deste ano, ao BH-TEC”.

Diretor executivo da Zunnit Tech-nologies – especializada em Tecnologia da Informação, centrada na pesquisa e no desenvolvimento de sistemas de re-comendação, sobretudo para comércio eletrônico e provedores de conteúdo, Tiago Delboni lembra que a empresa – em processo de instalação no parque – nasceu dentro do Laboratório para Tra-tamento de Informação (Latin), ligado ao Departamento de Ciência da Computação da UFMG, e, aliás, agora é sócia dos em-preendedores por meio “de um formato de transferência de tecnologia inovador no mercado brasileiro”, ressalta Delboni, ao lembrar que, além do crescente es-treitamento de laços com a instituição de ensino e do ambiente propício à inovação, o BH-TEC será importantíssimo devido à repercussão permanente. “A exposição na

mídia facilita a abertura de negócios e a contratação de novos talentos. Queremos ser reconhecidos como referência em tecnologia de recomendação na América Latina, com atuação global”, destaca.

Já Rodrigo Monteiro de Mota, ge-rente de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação da Ecovec – empresa de Biotec-nologia nascida na UFMG e especializada na detecção e monitoramento de vetores de doenças urbanas (principalmente, do Aedes aegypti) –, a decisão de participar do parque tecnológico também envolveu, principalmente, a oportunidade de intera-ção com outros empreendedores. “Tanto é que a Ecovec – a primeira a efetivamente instalar-se no BH-TEC – já ‘encaixou’ im-portante parceria com a empresa Invent Vision. Nesse processo de interação, fruto, literalmente, de ‘conversas de corredor’, pretendemos construir uma armadilha automática de detecção do Aedes, projeto que, inclusive, foi objeto de contemplação no edital ‘Mestres e Doutores’ da FAPEMIG em 2012”, conta.

Mercado ímparAlém de ambientes para elaboração

dos mais sofisticados produtos e serviços, parques tecnológicos configuram-se como polos capazes de estimular – nas regiões onde se instalam – uma série de novas lógicas e parcerias de mercado. Nesse cenário, duas “instâncias” de ação carac-terizam-se como inerentes ao desenvolvi-mento de tais iniciativas. Trata-se, de modo direto, dos empreendimentos imobiliários públicos e privados. No BH-TEC, as duas vertentes revelam-se vitais à sobrevivência e à ampliação do projeto: “Por um lado, o empreendimento público torna-se res-ponsável por sustentar o parque. Se aqui construirmos mais um prédio, por exem-plo, poderemos garantir sua subsistência para sempre”, diz Ronaldo Pena.

Nesse sentido, já com vistas às (grandes) possibilidades futuras, Pena encomendou, junto ao escritório UJMN Architects & Designers – com sede na Filadélfia, nos Estados Unidos, e sob o comando de Robert W. McCauley –, o an-teprojeto arquitetônico da nova edificação. Trata-se do passo inicial de uma das duas

A área ocupadapela BH-TEC, em plano aberto

Foto

: Foc

a Li

sboa

Instalado em uma área de cerca de seis mil metros quadrados, o Parque Tecnológico de Viçosa (Tecnoparq) também já está em funciona-mento. Assim como no BH-TEC, sua proposta é criar um ambiente pro-pício à inovação e atuar como um vetor de indução do desenvolvimento local. Atualmente, três empresas de base tecnológica estão instaladas no local: Dinni Soluções em Sistemas, Laborural Serviços e Empreen-dimentos e Nexa Contact Center. Elas foram selecionadas a partir de um edital público, que funciona em fluxo contínuo – ou seja, qualquer empresa que se encaixe nas exigências do edital pode apresentar sua proposta, a qualquer momento.

As primeiras iniciativas para implantar um parque tecnológico na cidade da Zona da Mata mineira datam da década de 1990. Na época, uma pesquisa constatou haver grande interesse de empresas que traba-lham com inovação tecnológica de se instalar em Viçosa. O Tecnoparq é uma das unidades do Centro Tecnológico de Desenvolvimento Regional de Viçosa (Centev), que também abriga uma incubadora de empresas, uma central de empresas juniores e um núcleo de desenvolvimento so-cial e educacional. O projeto é uma parceria entre a Universidade Federal de Viçosa, a Prefeitura Municipal e o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da FAPEMIG.

PARqUE DE VIçOSA SE DESTACANA INDUçãO DO DESENVOLVIMENTO

Page 11: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 11

A chamada “modelagem” do plano de negócios ficou a cargo das empresas Accenture, Athié Wonrath e Junqueira & Ferraz Advogados, sob coordena-ção e responsabilidade do BDMG.

A incrível história do visionário criadorda mais importante área de inovação tecnológica do mundo

Nos idos de 1924, o estudioso Frederick Terman, natural da Califórnia – re-gião dos Estados Unidos, à época, ainda essencialmente agrícola –, partira rumo ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) com o intuito de realizar doutora-do em Engenharia Elétrica. Devido a problemas de saúde, porém, já em 1925, o pesquisador seria obrigado a retornar ao solo californiano, onde se integraria, de vez, ao corpo docente da Universidade de Stanford.

Na instituição de ensino, Terman resolve, de modo nada habitual ao perí-odo, “abrir as portas” do laboratório, que coordenava estudantes, professores e empresários interessados em desenvolver produtos, ideias e serviços inovadores (principalmente, no campo da microeletrônica). Ao longo das décadas seguintes, o visionário professor receberia, em seu “QG” acadêmico, alunos assaz criativos, a exemplo de Bill Hewlett e David Packard – hoje bastante conhecidos como fun-dadores da HP, grande empresa de computação, impressão, tratamento de ima-gem, equipamentos eletrônicos e venda de softwares e serviços.

Com o sucesso dos projetos desenvolvidos em seu laboratório, Frederick Terman via-se permanentemente sondado por empresas de natureza diversa, sem-pre ansiosas por montar ali, sob sua orientação, “fábricas” para desenvolvimento de produtos tecnológicos. Apesar de aparentemente tentadoras, aquelas propos-tas eram sempre recusadas pelo professor. Sabia ele, afinal, que seu laboratório em Stanford não deveria prestar-se à mera serialização de artefatos. Para ele, na-quele ambiente, seria muito mais relevante a possibilidade de investimento em elaboração e disseminação do conhecimento. Após a Segunda Guerra Mundial, tais princípios de Terman seriam fundamentais ao surgimento – e à consolidação – de marcas e invenções que, cada uma a seu modo, modificariam o planeta.

Em breves linhas, eis o relato dos primórdios de nascimento do cultuado Vale do Silício, região da Califórnia onde ficam cidades como Palo Alto e Santa Clara, estendendo-se até os subúrbios de San José. Nessas áreas, nasceram e/ou se localizam não menos do que as mais cultuadas empresas de base tecnológica da atualidade. Apenas de modo ilustrativo, que o leitor se lembre, para além da já citada Hewlett-Packard (HP), de “gigantes” como Apple Inc., Google, Facebook, Symantec, eBay, Yahoo!, Intel e Microsoft.

ARTEfATOS, NãO!

vertentes da “etapa 2” do desenvolvimento do BH-TEC. O outro ramo de tal fase refe-re-se ao delicado processo de concessão a empreendedores imobiliários privados das demais áreas do parque.

Trata-se, pois, dos primeiros movi-mentos em direção à outra imprescindível vertente de ação para desenvolvimento de um parque tecnológico: os empreendimen-tos imobiliários privados. Nesse ponto, que o leitor, ao menos por um segundo, ima-gine-se na pele do empresário imobiliário

que, decidido a investir tempo e recurso em novas possibilidades de negócio, busque construir algo no BH-TEC. Após a conclu-são de suas obras, você não só lutaria por ter de volta o que gastou, como gostaria de ampliar suas margens de lucro, não é verda-de? Antes, contudo, é preciso ter em mente que, por ser patrimônio público, o terreno onde se localiza o BH-TEC necessitará de cauteloso estudo de viabilidade econômica, levando em consideração os aspectos jurí-dicos para uso por corporações imobiliárias

de capital particular. Note-se que, em 1º de agosto de 2041, todos os imóveis constru-ídos passarão à propriedade da UFMG, que receberá, em seu orçamento de recursos próprios, o produto dos aluguéis pagos pe-las empresas residentes no parque.

O Banco de Desenvolvimento de Mi-nas Gerais (BDMG) foi a instituição escolhi-da para elaboração do plano de negócios capaz de nortear o processo de autorização do uso de áreas do BH-TEC pela iniciativa privada. Num futuro próximo, possivelmente, caberá a tais parceiros o investimento para a construção de edificações, que poderão ser exploradas, junto às empresas de base tec-nológica, ao longo do período da concessão. No que diz respeito às grandes corporações, conhecidas como “âncoras”, deverá haver, no parque tecnológico, a possibilidade de construção de sedes próprias, sempre com o compromisso de transferência da proprieda-de construída à UFMG em 2041.

Foto

s: F

oca

Lisb

oa

Nas duas fotos, fachada de um dos edifícios que farão parte da estrutura do BH-TEC

Page 12: Revista Minas Faz Ciência 50

SAÚ

DE

12 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

Virgínia Fonseca

Imunossensor desenvolvido em Uberlândia aprimora diagnóstico de infarto agudo do miocárdio

quandotempo é vida

“PANE” NO SISTEMA

Quando a obstrução de uma artéria impede que o sangue chegue ao coração, ocorre o infarto do miocárdio, que é a morte do tecido cardíaco no local não irrigado. A área necrosada deixa, então, de exercer sua função. “Se pensarmos o órgão como um sistema de ‘bombeamento’, ao perder 30%, 40% de sua capacidade, ele gera limitações no organismo, como cansaço, falta de ar, entre outros sintomas”, explica o médi-co cardiologista Almir Fontes, chefe do Setor de Ecocardiografia do Hospital das Clínicas da UFU. A arritmia, que é o descontrole no ritmo dos batimentos cardíacos, é uma das principais consequências da doença e pode levar à morte.

A intensidade do infarto varia de acordo com fatores como maior área atingida ou região es-pecífica do órgão. Segundo o cardiologista, em cerca de 30% dos casos, o doente não apresenta sintomas típicos, como dor no peito e, às vezes, ocorrem quadros atípicos, como cansaço súbito e mal-estar, daí a importância de se fazer check--ups e procurar sempre o médico, diante de qual-quer suspeita, para um diagnóstico preciso.Fo

to: C

etes

/Fac

ulda

de d

e M

edici

na/U

FMG

Page 13: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 13

O coração é um órgão oco compos-to de tecido muscular que, em um adulto, tem o tamanho aproximado de um punho fechado e pesa cerca de 400 gramas. Sua função é bombear o sangue para que per-corra todo o corpo, transportando o oxi-gênio e os nutrientes de que o organismo precisa para manter suas atividades vi-tais. O fato de o coração ser constituído por um músculo, o miocárdio, é o que possibilita ao órgão desempenhar esse papel, por meio do movimento de contra-ção que, nesse caso específico, recebe o nome de sístole.

Por sua vez, o músculo cardíaco é altamente vascularizado e precisa receber um suprimento de oxigênio para seguir trabalhando. Como em um mecanismo de auto-alimentação, ao bater, o coração também leva sangue para os seus próprios vasos. Quando esse processo falha – de-vido à obstrução das artérias, por exemplo – pode ocorrer o temido infarto do mio-cárdio, que é a “morte” de parte do tecido cardíaco, causada pela ausência de irri-gação sanguínea que transporta oxigênio para o órgão. Ao lado de outras doenças cardiovasculares, esse mal está entre as principais causas de óbitos hoje no Brasil e no mundo. A relevância social do tema motiva estudos em centros de pesquisa de todo o planeta e levou uma equipe da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) a desenvolver uma técnica, baseada em biossensores, mais rápida e precisa para diagnóstico da enfermidade.

A identificação precoce e segura de um quadro de infarto é fundamental para a sobrevivência do paciente, devido ao ca-ráter progressivo da doença. “A demora no diagnóstico pode afetar de forma intensa o funcionamento do coração, vasos san-guíneos e linfáticos que formam o sistema cardiovascular, levando à morte”, detalha a coordenadora da pesquisa, professora Ana Graci Brito Madurro, do Instituto de Genética e Bioquímica (Ingeb) da UFU. Em contrapartida, a detecção precoce pode aumentar as chances de recuperação e reduzir o tempo de internação, colaboran-do para a diminuição do impacto social e econômico na família do paciente. A pes-quisadora aponta reflexos significativos

também nos custos para o Sistema de Saúde, com a queda nos gastos hospita-lares, inclusive em unidades de terapia in-tensiva, pois, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, mais de 320 mil pessoas morrem por ano no País, tendo como causa doenças do coração.

Hoje, o diagnóstico do infarto agu-do do miocárdio em salas de emergência é baseado em sintomas, eletrocardiogra-ma, exame de sangue para detecção de substâncias indicativas (marcadores es-pecíficos) e angiografia ou angiograma, uma espécie de radiografia da anatomia do coração e vasos sanguíneos que utiliza contraste iodado (tintura). Embora existam vários testes disponíveis, nenhum é alta-mente sensível e específico, particularmen-te nos momentos iniciais do infarto. “Se por um lado o tempo é fator fundamental para o tratamento do paciente, por outro está também relacionado com os sintomas, a dosagem dos marcadores e os estudos eletrocardiográficos e angiográficos”, co-menta Ana Graci. Segundo a professora, as técnicas utilizadas atualmente são rela-tivamente eficazes para monitorar o quadro clínico do paciente, entretanto, demandam mão de obra qualificada, custo elevado e longo tempo de análise.

Tendo em mente a importância de reduzir o período necessário para detecção dos marcadores específicos e proporcionar mais agilidade ao diagnóstico, foi que os pesquisadores do Laboratório de Bioma-teriais (Ingeb) e do Laboratório de Filmes Poliméricos e Nanotecnologia (Instituto de Química) da UFU propuseram um método que utiliza biossensores. Além de diminuir o tempo do exame, o objetivo é proporcio-nar menor custo e mais facilidade de uti-lização da técnica, características que são de grande interesse tanto para o paciente, quanto para o Sistema de Saúde.

Rastros de um problemaQuando as células do miocárdio co-

meçam a morrer, há a liberação de uma grande quantidade de enzimas cardíacas na corrente sanguínea. Assim, o diagnóstico do infarto do coração por meio de marcado-res específicos é feito pela dosagem dessas enzimas. Muitas vezes, são realizadas várias

Page 14: Revista Minas Faz Ciência 50

14 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

medições no decorrer do dia, para melhor avaliação e acompanhamento do quadro clí-nico. Os marcadores mais pesquisados são a creatina fosfoquinase (CPK), transami-nase glutâmico oxaloacética (TGO), lactato desidrogenase (LDH), creatinina kinase-MB (CK-MB) e troponina T, sendo os dois úl-timos considerados os mais relevantes. Normalmente encontrados em baixos níveis no plasma sanguíneo de pessoas saudá-veis, eles são elementos indispensáveis para o diagnóstico definitivo do infarto, pois a elevação dos valores indica lesão do teci-do ou órgão específico. Da mesma forma, a normalização dos seus índices costuma ser um dos critérios para alta do paciente da unidade de terapia intensiva.

A CK-MB é um bom marcador para a lesão cardíaca aguda, devido à sua ex-celente especificidade, sendo que seu au-mento no plasma se dá dentro de duas a oito horas após o infarto. Essa enzima tam-bém é útil no diagnóstico de reincidência ou extensão da doença, pois sua concen-tração começa a decair em 24 horas, de-saparecendo de um a três dias. Elevações subsequentes são indicativas de um novo evento de infarto do miocárdio.

Já as troponinas permanecem eleva-das por muito mais tempo que a CK-MB: de cinco a nove dias para a troponina I cardíaca (cTnI) e até duas semanas para a troponina T cardíaca (cTnT), o que constitui uma vanta-gem na identificação do infarto, caso algum tempo já tenha se passado depois da ocor-rência. As cTnT e cTnI tornam-se mensurá-veis de três a quatro horas após o início do infarto agudo do miocárdio. Ambas podem ser utilizadas para o diagnóstico, porém a sensibilidade da cTnT é superior à de todos os outros marcadores, sendo considerada o padrão-ouro entre os marcadores bioquími-cos da necrose do tecido miocárdico.

Passos para a soluçãoO projeto pautou-se no desenvolvi-

mento de um biossensor para diagnóstico do marcador específico troponina T cardía-ca. O biossensor é um sistema que usa re-ações bioquímicas que ocorrem a partir de DNA, enzimas, tecidos, organelas, células, antígenos ou anticorpos para detectar um determinado componente. Eles podem ser

classificados em genossensores, quando empregam DNA; sensores enzimáticos, à base de enzimas; ou imunossensores, se utilizam antígenos ou anticorpos – este últi-mo, escolhido pelos pesquisadores da UFU.

Enquanto os exames convencionais de dosagem de enzimas levam cerca de 2 horas, com o imunossensor para a tropo-nina T cardíaca a resposta é obtida em até cinco minutos e a análise poderia ser rea-lizada fora do ambiente hospitalar, por meio de um equipamento portátil. Normalmente, os biossensores funcionam por meio de contato com fluidos corpóreos como san-gue, saliva ou suor, que são retirados do paciente. “A aplicação desse tipo de método é uma área de grande interesse atualmente, pois facilita o diagnóstico à distância”, ex-plica Ana Graci. Ela acrescenta que o sis-tema proposto é semelhante ao kit para a avaliação de glicose, disponível no mercado e de amplo acesso da população. Nele, uma pequena amostra de sangue é adicionada ao aparelho, gerando um sinal proporcional à concentração de glicose no sangue.

A metodologia baseia-se em uma tecnologia bastante utilizada para fins de diagnóstico: a produção de eletrodos im-pressos. O eletrodo é formado por um su-porte, normalmente de PVC ou cerâmica, sobre o qual é depositada uma fina película de material condutor. Sobre esta é aplicada outra camada, de material isolante, conec-tada ao aparelho de medição e, por fim, é afixada a biomolécula que será usada para reconhecer o “alvo”. No caso do diagnós-tico de infarto do miocárdio, trata-se de um anticorpo específico para a troponina T que, em contato com a amostra de san-gue a ser analisada, provoca uma reação capaz de gerar um sinal elétrico indicativo da presença desse biomarcador.

Para a otimização do sistema, o grupo propôs a modificação da superfície desses eletrodos com polímeros funciona-lizados, que permitem melhor imobilização da anti-troponina. “Os polímeros tornam o sistema mais seletivo e sensível, além de aumentar a eficiência da fixação e estabiliza-ção das biomoléculas durante a produção, o que contribui para fazer crescer o tempo de estocagem dos biossensores, facilitando sua comercialização”, adianta a professora.

Os professores Ana Graci e João Marcos estão à frente dos trabalhos nos laboratórios da UFU

Equipe conta com profissionais de diferentes formações, nas áreas de Ciências Biológicas e Exatas

Fotos: André Carnero

Page 15: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 15

De acordo com a pesquisadora, atualmente existe um interesse crescente quanto à aplicação desses sistemas para a produção em grande escala de sensores para análise clínica de doenças. Sensores de tamanho reduzido, baixo custo, elevada sensibilidade e detecção em tempo-real são desejados, particularmente em diagnós-ticos que possam ser realizados fora do ambiente hospitalar, como em residências, consultórios e até mesmo se o paciente estiver em viagem – situações em que o resultado deve ser rápido e pequeno volu-me de amostras é requerido.

A produção dos eletrodos impressos está em fase de desenvolvimento, coorde-nada pelo professor João Marcos Madur-ro, do Laboratório de Filmes Poliméricos e Nanotecnologia, sendo que a equipe criou uma tinta com elevada condutivida-de e estabilidade para a aplicação sobre o substrato de cerâmica. Os novos polímeros utilizados como plataformas para a imobi-lização do anticorpo específico para a tro-ponina T cardíaca mostraram-se eficientes na detecção. “Além do tempo de respos-ta rápido e do fácil manuseio, o material apresenta grande potencial para miniatu-rização e produção em massa”, destaca a professora. Os imunossensores poderão ser incorporados em exames laboratoriais em larga escala ou em testes individuais, além do atendimento à demanda governa-mental brasileira e de outros países quanto à detecção de doenças humanas.

Outra vantagem apontada é o bai-xo custo e a possibilidade de produção a partir de material disponível no país. Se-gundo Ana Graci, atualmente, somente as biomoléculas utilizadas são importadas. O projeto para desenvolvimento do imu-nossensor para marcador cardíaco está em andamento, sob patente, visando à produ-ção independente dos eletrodos impressos funcionalizados com polímeros. Além da produção da plataforma, encontra-se em andamento uma etapa importante para a sua utilização, que são os testes com amostras reais de pacientes infartados e a determinação do limite de detecção, que aponta a quantidade mínima a partir da qual o sistema consegue reconhecer a presença do marcador específico.

Esses são alguns dos passos ini-ciais para a utilização médica em gran-de escala. E, enquanto caminha nesse sentido, a equipe segue aprimorando as pesquisas. Para complementar o diag-nóstico, um novo biossensor está em fase de desenvolvimento, visando à de-tecção da proteína C-reativa (PCR), um marcador considerado referência para inflamação, contribuindo para predizer com maior exatidão o risco cardiovascu-lar. Nesse caso, seria possível realizar o acompanhamento preventivo de pessoas com predisposição, resultando em me-lhor qualidade de vida para os pacientes e auxiliando os profissionais de saúde no diagnóstico precoce de lesões cardíacas.

Ana Graci explica que este é ape-nas um dos desdobramentos dos estu-dos. Devido ao caráter multidisciplinar, o projeto envolve profissionais com diferentes formações nas áreas de Ci-ências Biológicas e Ciências Exatas, propiciando a integração de grupos que atuam em atividades de pesquisa e inovação tecnológica na UFU. Além de professores do Instituto de Genética e Bioquímica e do Instituto de Química, alunos de pós-graduação investigam aspectos diversos relacionados ao tema. “Ele colabora para a formação de recursos humanos de alto nível em bio-tecnologia e nanotecnologia”, corrobora a coordenadora. Até o momento foram produzidas duas teses de doutorado, cinco dissertações de mestrado e um projeto de iniciação científica, voltados para a criação de novas plataformas para a concepção de dois genossenso-res (diagnóstico de hepatite e de câncer de próstata), um biossensor enzimático para detecção de lesão do tecido hepá-tico e dois imunossensores (diagnósti-co da leishmaniose e infarto agudo do miocárdio). Com o apoio da FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq), foi possível também o depósito de duas patentes: “Metodologia para construção e utilização de genossensor eletroquí-mico para diagnóstico da hepatite B” e “Dispositivo óptico para detecção de marcador específico de lesão cardíaca”.

PRINCIPAL CAUSADE MORTE

As doenças cardiovasculares, com aproximadamente 320 mil óbitos anuais, aparecem em primeiro lugar entre as causas de morte no Brasil, re-presentando quase um terço dos óbi-tos totais e percentual significativo das mortes na faixa etária de 30 a 69 anos de idade, atingindo a população adulta em plena fase produtiva.

PROJETO: Desenvolvimento de imu-nossensor para diagnóstico do infarto agudo do miocárdioCOORDEnADOR: Ana Graci Brito MadurroMODALIDADE: Programa Pesquisador Mineiro – PPM IIIVALOR: R$ 48.000

Pesquisadores buscam viabilizar produção, em grande escala, de biossensores com polímeros funcionalizados

Foto

: And

ré C

arne

ro

Page 16: Revista Minas Faz Ciência 50

16 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

ENT

REV

ISTA

A história é bem conhecida, já deu ori-gem a vários livros e virou filme vencedor de três estatuetas do Oscar. Em 2004, com 19 anos e ainda estudante na Universidade de Harvard, Mark Zuckerberg criou com alguns amigos o Facebook, hoje conhecido como a maior rede social do mundo. Para se ter uma ideia, estima-se que, a cada minuto, o Facebook receba 451 novos usuários que, até agosto deste ano, chegarão à casa do 1 bilhão de assinantes. O jovem empresário, dono de uma das maiores fortunas do pla-neta, foi eleito em 2010 a personalidade do ano pela revista norte-americana Time, por ter “mudado a forma como os seres huma-nos se relacionam”.

O exemplo é emblemático, mas não o único quando se trata de empreendedo-rismo entre jovens. Para Roberto Saracco, cientista da computação, professor e di-retor do Future Centre da Telecom Itália, sediado em Veneza, as novas tecnologias de informação e comunicação tornaram o mercado propício a iniciativas empreende-doras. “Uma das coisas mais espantosas que temos hoje - e as pessoas ainda não perceberam isso - é que tudo é muito ba-rato. Tudo custa nada”, defende ele, nesta entrevista à MINAS FAZ CIÊNCIA.

Saracco atualmente leciona na Poli-técnica de Turim (Itália) disciplinas sobre multimídia e telecomunicações. Ele esteve no Brasil para uma série de compromis-sos, entre eles uma palestra em Belo Ho-rizonte, na sede da FAPEMIG, que abordou

Mundo deoportunidadesPara Roberto Saracco, novas tecnologias e baixo custo das transações ajudam jovens a se transformar em empreendedores Vanessa Fagundes

a importância de se transformar estudan-tes em empreendedores. Esse também é o foco de seu trabalho na Itália. O Future Centre é um centro de pesquisa focado no impacto econômico das inovações na área de telecomunicações. Sua missão é identi-ficar e desenvolver novas oportunidades de negócios relacionados à área.

Ele está ligado ao projeto do Euro-pean Institute of Inovation & Technology (EIT) e coordena um dos seis centros de excelência europeus na área de tecnolo-gias da informação e comunicação (EIT ICT Labs - http://eit.ictlabs.eu). Lá, estu-dantes de todos os países – inclusive do Brasil – trabalham no desenvolvimento de projetos em linhas como cloud compu-ting e cidades digitais. Com base em sua experiência, Saracco afirma: a cultura da inovação deve ser estimulada cedo, e não apenas dentro das escolas. O ambiente familiar, por exemplo, é decisivo na for-mação de novos empreendedores.

O senhor irá proferir uma palestra so-bre as formas de estimular o empre-endedorismo entre os jovens. Por que esse tema é importante?Bem, o mundo mudou muito nestes úl-timos dez anos. O que temos visto é que tecnologias de informação e comunicação tornaram possível diminuir o custo de entrar no mercado. Uma das coisas mais espantosas que temos hoje – e as pessoas ainda não percebem isso – é que tudo é

Page 17: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 17

Foto

: Dio

go B

rito

Page 18: Revista Minas Faz Ciência 50

18 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

muito barato. Tudo custa nada. E toda vez que eu digo isso, as pessoas duvidam e respondem: “não, tudo é caro”. Não é verdade, tudo é muito barato, é impressionante. Podemos comprar ba-nanas na Europa por 20 centavos. Aqui, no Bra-sil, vocês provavelmente conseguem comprar por menos. Como algo tão tecnológico como a banana pode custar tão pouco? Porque é preciso lembrar que existe um agricultor que vai até a ár-vore colher a fruta, um caminhão que transporta as bananas para o porto e um navio que, de lá, as transporta para qualquer outro lugar do mundo. Quando o navio aporta você tem outro caminhão que transporta as bananas para a loja, um fun-cionário que as coloca nas prateleiras e, no fim, elas vão te custar 20 centavos. É incrível, não é?

Mas é diferente quando você pensa em pro-duto de alta tecnologia, não? Aí é que está. A banana só é tão barata porque ela carrega alta tecnologia. Há uma confusão hoje entre o que é alta tecnologia e o que não é. Eu usei a banana como exemplo porque essa é uma reação comum: as pessoas não acham que a banana é um produto tecnológico. Mas ela é extremamente hi-tech. Se não fosse, não seria possível vendê-la por 20 centavos. Anteriores à banana, você tem pesquisas sobre processos de conservação, reações químicas, sistemas de irrigação, além de uma grande logística para ga-rantir que o custo de transporte para uma distân-cia de milhares de quilômetros não influencie no preço do produto e a fruta continue acessível. E toda essa logística está relacionada a novas tec-nologias de comunicação e informação (TICs). Existe uma grande quantidade de tecnologia por trás disso. As pessoas tendem a associar as TICs com computadores, laboratórios, equi-pamentos avançados... Mas elas estão em todo lugar. Se não, não seria possível ir ao supermer-cado e comprar uma banana por 20 centavos. Esse é o ponto.

Essas novas tecnologias estão associadas a novas oportunidades de negócios, correto?Sim. O mais espetacular sobre nossa sociedade atual é que conseguimos diminuir os custos das transações. Esses custos costumavam ser muito maiores. E se os custos são altos, isso significa que você precisaria ter um grande capital para iniciar qualquer empreendimento. Hoje, os cus-tos são tão pequenos que cada pessoa pode ser um empreendedor, pode começar um negócio

próprio. Por exemplo, você pode vender coisas no eBay (empresa americana de co-mércio eletrônico – www.ebay.com) e isso não te custará nada. Mas o eBay é um sis-tema tremendamente complexo, existe uma grande quantidade de tecnologia por trás do site que permite seu funcionamento. Você também pode anunciar seus produ-tos no Youtube e, novamente, não custará nada para você. Mas há muita coisa por trás daquilo. Resumindo, é possível geren-ciar e comunicar um negócio pela internet sem custos.

E atingir mais pessoas também...Hoje o mercado é todo o mundo. Pensan-do em um negócio tradicional, é necessá-rio um mercado para qualquer coisa que se esteja vendendo. Você tem um mercado potencial, mas nem todas as pessoas para quem você fala irão comprar seu produto. Para alcançar um pequeno grupo, forma-do por seus clientes reais, você precisava anunciar para todo um grande mercado. Isso significa gastar muito dinheiro para passar a mensagem. E com o custo do transporte, seus clientes não poderiam estar muito longe, senão o produto final seria inacessível. Hoje, o mercado é todo o planeta e você consegue alcançar a to-dos gastando muito pouco dinheiro. Nesse grande mercado, você identifica nichos, que podem ser compostos por poucas pessoas e estar em países diferentes. As grandes empresas não conseguem se di-rigir a nichos tão pequenos como esses, pois custariam muito para a organização. Mas uma única pessoa pode fazer isso. Por isso, hoje, qualquer estudante pode se tornar um empreendedor.

no Brasil, também existem tentativas no sentido de estimular o empreende-dorismo entre estudantes. O senhor acredita que quanto mais cedo essa cultura da inovação for ensinada, me-lhor? Por exemplo, as escolas deve-riam investir nisso?Muita coisa é ensinada na escola, mas estimular a cultura da inovação vai além disso e envolve todo o ambiente. Até mesmo dentro de casa essa cultura pode ser ensinada. Claro que a escola tem um

Page 19: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 19

enorme potencial para estimular o em-preendedorismo, mas não é preciso es-perar os professores para começar esse tipo de lição. Claro, você não vai ensinar uma criança de dez anos o que significa se tornar um empreendedor. Mas você pode ensiná-la a aprender história de um modo em que ela seja participante. Em vez de ensiná-la a procurar as informa-ções no livro, vamos dizer: “OK, havia um imperador romano neste local. Vá à internet, procure e leia sobre isso, tire suas conclusões”. Vamos mostrar como ser um agente ativo nesse processo. Ser pró-ativo é o primeiro passo para ser em-preendedor. Se você estuda de uma forma em que todo dia te dizem o que ler, o que aprender, o que fazer... Isso não cria um espírito empreendedor. E é preciso enten-der que, o que quer que você faça, será melhor se usar algo que já testaram an-tes. Isso costumava ser chamado de có-pia e era algo condenável. Mas não: você pode copiar desde que acrescente algo. Essa é a parte crucial: acrescentar algo. A contribuição pode ser na etapa inicial ou no topo, e quanto mais alto ela começou, mais alto ela irá. Precisamos entender isso, pois, para muitos professores, isso é errado. Muitos dizem “você deve apren-der pelo livro e não deve copiar”. A vida é aprender com os outros – e acrescentar. Empreendedorismo, então, é acrescentar alguma coisa. Isto é algo que pode come-çar bem cedo. E empreendedorismo não se resume a copiar e acrescentar. Tam-bém é parceria. Se nós dois trabalhamos juntos, chegamos a algo maior. Esses são os pontos cruciais que a escola pode trabalhar. E aí, claro, a universidade deve ir além de sua grade curricular e abordar questões como gerenciamento de pesso-as, comunicação, entre outros. O senhor dirige um centro de pesquisa na Itália que busca transformar pes-quisas em inovações para o mercado. Isso é um desafio em seu país?É um desafio em qualquer lugar. Trans-formar pesquisas em inovação é, pri-meiro, uma questão de foco, de desco-brir as áreas em que você quer investir. Existem muitas áreas e não é possível

trabalhar com todas, precisamos focar em algumas. No Future Centre, focamos em dados: como obtê-los, como visualizá-los, como levá-los para as pessoas, como in-centivar o empreendedorismo, como gerar novos negócios nesse campo.

Que lições poderiam ser aproveitadas aqui no Brasil?Nós tivemos uma boa experiência com estu-dantes brasileiros que passaram pelo EIT ICT Lab. Lá, exploramos o potencial da inovação. E, ao observá-la, é preciso pensar na econo-mia – isso vale para qualquer país. Para fazer dinheiro, você deve vender seu produto em algum lugar. Então, nós incentivamos: pense no Brasil. Onde seu produto faria a diferença? Como você deve adaptar a ideia desenvolvida aqui para ter sucesso no Brasil?

Vocês recebem estudantes de todo o mun-do no laboratório italiano do EIT. Qual a im-portância dessa experiência internacional? Como o senhor vê o Programa Ciência sem Fronteiras, do governo brasileiro?Eu acho que é um programa muito bom, que basicamente acabou de começar. Fizemos a primeira seleção para a Itália em dezembro, estamos esperando a chegada desse grupo. Assinamos com o Brasil uma participação pelo período de cinco anos. No centro que eu dirijo, teremos três estudantes brasilei-ros. Se pensarmos em toda a Itália, devemos ter milhares. Eles estão chegando não para aprender, mas para fazer projetos conosco. Esse é um programa muito importante, que abre oportunidades. Normalmente, os estu-dantes permanecem de seis meses a um ano em nosso laboratório e esse período é sempre muito bom para nós e para eles. Depois dis-so, alguns até permanecem na Itália, mas a maioria volta.

Há semelhanças entre Brasil e Itália na área de Ciência e Tecnologia?Bem, ambos estamos correndo atrás dos Esta-dos Unidos. Isso é comum. Vejo muito poten-cial também, especialmente no Brasil – vocês estão crescendo muito rápido. A pirâmide so-cial está ficando achatada, mais e mais pesso-as estão tendo acesso à educação e a novas oportunidades. Resumindo, há um grande po-tencial a ser explorado.

Page 20: Revista Minas Faz Ciência 50

TEC

NO

LOG

IA D

E A

LIM

ENTO

S

20 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

Saboroso,

popular e

tecnológico

Pesquisador da Epamig investiga os

múltiplos efeitos benéficos da adição

de dióxido de carbono (CO2) ao leite

durante processo produtivo

do tradicional queijo Minas

Maurício Guilherme Silva Jr.

Page 21: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 21

Sem ele, definitivamente, a “hora do café” não seria a mesma. Alimento tradi-cional à mesa de milhões e milhões de bra-sileiros, o queijo Minas tornou-se popular em função dos muitos predicados que o definem. Poucos sabem, contudo, que, além de saudável, prático e saboroso, este clássico derivado do leite enfrenta uma sé-rie de desafios em seu processo de fabrica-ção. Se, hoje, o chamado “mercado lácteo” mundial passa por significativas mudanças de paradigma – fruto, em grande medida, das pressões econômicas sobre as indús-trias do setor –, a busca por inovação tec-nológica surge como eficiente alternativa para que, ao mesmo tempo, seja possível aprimorar a qualidade dos produtos e am-pliar a competitividade das empresas.

Dentre tais inovadoras estratégias para desenvolvimento de laticínios, o uso de dióxido de carbono (CO2) tem desperta-do vasto interesse dos especialistas. Trata--se, afinal, de composto químico seguro, de aplicação simples e baixo custo. Estu-dos em “países economicamente estáveis” demonstram que o emprego do CO2 na indústria de queijos proporciona, ao pro-cesso de produção, benefícios como dimi-nuição do tempo de coagulação e aumento da firmeza da coalhada. “Além disso, há maior liberação de soro, redução da dose de coalho, alterações no rendimento e me-lhor controle do processo”, ressalta Junio Cesar Jacinto de Paula, doutor em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universi-dade Federal de Viçosa (UFV) e professor do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, ligado à Empresa de Pesquisa Agropecuá-ria de Minas Gerais (Epamig).

Com apoio financeiro da FAPEMIG, o pesquisador realizou experimentos, em escala industrial, nas dependências do Laticínio Ita, na cidade de Itabirito (MG). À frente dos equipamentos da empresa, coordenou a fabricação de queijos Minas (frescal e padrão) com adição de dióxido de carbono ao leite pasteurizado. “Pre-tendíamos usar o CO2, ‘in loco’, numa in-dústria tradicional – o que, aliás, remete à vivência da produção de queijos Minas no Estado –, para que chegássemos a resulta-dos condizentes com a realidade”, explica Junio de Paula. Ao longo do estudo, além

das etapas de produção, realizaram-se análises físico-químicas, microbiológicas e sensoriais no Instituto “Cândido Tostes”, e investigações do perfil de textura e das propriedades microestruturais e reológicas – relativas à “mecânica dos fluidos” – nos laboratórios da UFV.

Os resultados da pesquisa corroboram a ideia de que os benefícios tecnológicos e econômicos gerados são suficientes para ampliar o estudo acerca do uso de dióxido de carbono para a fabricação de queijos. “Não havia, na literatura, trabalhos que avaliassem, industrialmente, os efeitos da incorporação do CO2 ao leite para a produção dos tipos Minas frescal e padrão”, conta, ao esclare-cer que o principal objetivo do trabalho foi, justamente, a avaliação, em escala industrial, dos múltiplos impactos, no produto final, do referido composto químico.

Como propósitos específicos, a pes-quisa buscou qualificar distintos processos de incorporação de CO2 e verificar seus efei-tos quanto aos aspectos tecnológicos e às características físico-químicas e microbio-lógicas dos dois tipos de queijos elabora-dos no Laticínio Ita. “Verificamos, ainda, as mudanças de rendimento, a evolução dos

A alta popularidade dos queijos Mi-nas (frescal e padrão) no mercado brasileiro diz respeito não apenas às singulares propriedades gastronômi-cas do alimento, mas também à natu-reza de seu processo de feitura. Além do alto rendimento e do baixo custo final, o produto se destaca pela fabri-cação simplificada – o que, no fim das contas, acaba por resultar em preços acessíveis a todas as classes sociais.

Apesar de coordenada pela Epamig, a pesquisa se desenvolveu, na verdade, com a tese de doutorado de Junio de Paula, sob orientação do professor Antônio Fernandes de Carvalho, da UFV. As empresas Laticínio Ita (onde ocorreu a fabricação dos queijos, com adição de CO2) e Air Liquide do Bra-sil (que forneceu o gás CO2) também apoiaram o projeto.

Page 22: Revista Minas Faz Ciência 50

22 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

índices de maturação durante o armazena-mento, a ‘aceitabilidade’ sensorial, a mi-croestrutura e a capacidade de acidificação do fermento lático na fabricação do Minas padrão e nas propriedades mecânicas e reo-lógicas do Minas frescal”, conclui.

EconomiaDiversas pesquisas hoje realizadas

no Brasil – bastante similares ao projeto coordenado por Junio de Paula – revelam a tendência, no atual cenário do setor de alimentos, pela substituição dos métodos de prevenção – que alteram química e fi-sicamente os alimentos – por métodos menos severos. “Grande atenção tem sido dada a novas tecnologias de processamen-to e acondicionamento, tais como atmosfe-ra modificada, embalagens ativas e adição de CO2”, explica o professor, que há mais de dez anos investiga o uso de dióxido de carbono em produtos derivados do leite.

Já em seu mestrado, defendido em 2004, na UFV, o pesquisador da Epamig buscava avaliar a estabilidade de bebida carbonatada – o mesmo gás encontrado nos refrigerantes, fruto da adição de CO2 – à base do soro de queijo. Ao longo da pes-quisa, Junio de Paula pôde perceber que a

própria literatura corroborava os princípios de seu trabalho: os benefícios tecnológicos e econômicos gerados pelo uso do dióxido de carbono justificariam a aplicabilidade da técnica. Além disso, serviriam de incentivo a outras tantas pesquisas acerca do tema.

Somem-se, a tal constatação, os rela-tos informais, surgidos nas próprias indús-trias do setor, sobre a enorme diminuição de gastos resultante do uso de leite acidificado, durante a fabricação de queijos, por meio da injeção de CO2. “A economia gerada e a di-minuição de uso de coagulantes revelavam--se suficientes para garantir, em apenas dois meses e meio, total retorno do investimento feito na implantação do sistema”, diz.

Barreiras legaisNo Brasil, um dos principais entraves

ao uso de CO2 durante o processo de pro-dução de queijos diz respeito à legislação do País. Considerado inócuo ao consumo humano – já que se trata de “Produto Reco-nhecido como Seguro” ou Generally Recog-nized as Safe (GRAS), conforme a expressão em inglês –, não carece de ser declarado no rótulo dos alimentos oferecidos, nas gôndo-las, à população. Apesar disso, o Serviço de Inspeção Federal proibiu a adição de dióxi-do de carbono ao leite.

“Como justificativa, infere-se que os possíveis efeitos microbiológicos, relata-dos na literatura, possam gerar negligência no que refere às boas práticas de produção do leite e seus derivados”, afirma Junio de Paula, ao declarar, porém, que os princi-pais efeitos benéficos da iniciativa, em relação ao queijo Minas, têm caráter estri-tamente tecnológico. “Sendo assim, acre-ditamos que a legislação sobre o assunto poderia avançar, tendo por subsídio, inclu-sive, a nossa pesquisa”, diz o professor.

Importante ressaltar que o próprio projeto coordenado por Junio precisou de autorização especial do Serviço de Inspeção Federal, para que pudesse se realizar numa fábrica de queijos. Os resultados da pesqui-sa, já publicados em revistas nacionais, têm sido usados por indústrias do setor, que, no momento, mobilizam-se – juntamente à As-sociação Brasileira das Indústrias de Quei-jos (Abiq) – em defesa da liberação do uso da inovadora tecnologia no Brasil.

A pesquisa desenvolvida sob coordenação da Epamig investigou dois dos mais conhecidos queijos oferecidos ao consumidor brasileiro. Conforme revelam as prin-cipais características de ambos, contudo, trata-se de produtos categoricamente distin-tos. Obtido por coagulação enzimática do leite, com ação de bactérias láticas específi-cas, o “frescal” destaca-se – segundo revela seu próprio nome – como produto fresco, semigordo e de alta umidade. Também chamado de “queijo de massa branda, mole ou macia”, possui formato cilíndrico, peso entre 0,3 kg e 5,0 kg, cor esbranquiçada, odor suave, baixa acidez e curta durabilidade – o que, aliás, exige consumo rápido.

Por outro lado, o “padrão” – também conhecido como curado, padronizado ou prensado –, apesar da origem em Minas Gerais, também é produzido em diversos outros estados brasileiros. Queijo de massa prensada – à qual se adiciona fermento lático me-sofílico –, possui período de maturação relativamente curto (de 20 a 30 dias), entre 10°C e 12°C. Além disso, apresenta formato cilíndrico, com faces planas, bordas retas, peso de 0,8 kg a 1 kg, crosta lisa e amarelada, consistência semidura e sabor levemente ácido.

Entre aqueles de massa crua, os queijos Minas destacam-se, significativamente, como os mais populares do País. Juntos, representam cerca de 8% do mercado bra-sileiro. Em 2010, o “Frescal” foi o quinto mais fabricado no Brasil, com volume total de 40.070 toneladas. No que diz respeito ao “Padrão”, no mesmo período, verificou-se produção de 8.855 toneladas.

MINAS EM DOIS SABORES

Aparelho usado para medir pH do tanque de fabricação de queijos

Equipamentos para análise microestrutural do dióxido de carbono no leite

Foto

s: J

unio

de

Paul

a

Page 23: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 23

PROJETO: Influência da adição de dióxido de carbono (CO2) na fabricação de queijo Minas COORDEnADOR: Junio Cesar Jacinto de PaulaMODALIDADE: Demanda UniversalVALOR: R$ 23.961

Quinta maior nação em volume de litros, o Brasil responde por 5,3% da produção mundial de leite. Neste cenário – e como fruto da tríade “tradição, clima e topografia” –, Minas Gerais revela-se o principal estado brasileiro a produzir o “ouro líquido branco” e a fabricar queijos, sendo responsável por mais da metade da produção nacional. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa), a indústria queijeira é o principal destino (33%) do leite do País.

“Nos últimos anos, a produção de queijos tem aumentado expressivamen-te. Os maiores aumentos ocorreram no período em que a população apresentou maior poder aquisitivo. Ou seja, após a implantação do Plano Real”, explica Junio de Paula. Em 2010, conforme estatística da Abiq, foram produzidas – sob inspeção for-mal – 801.440 toneladas do alimento, com aumento de 11% em relação a 2009. Ao se considerar que o mercado formal equivale a

60% da comercialização total, pode-se con-cluir que a fabricação, na verdade, ultrapas-sou 1,3 milhão de toneladas há dois anos.

Em meio a tal gigantesca produção, diversas pesquisas já identificaram “pon-tos críticos” durante o processamento dos queijos, com destaque para problemas re-lativos à matéria-prima, ao tanque de co-agulação e à salmoura. “As bactérias do grupo coliformes são indicativas de con-dições higiênico-sanitárias inadequadas”, afirma o pesquisador. Microrganismos psicrotróficos têm destaque especial, por alterarem os produtos sob refrigeração, devido à produção de enzimas (lipases e proteases) que degradam os lipídeos e as proteínas, resultando em alterações sen-soriais e de textura do alimento.

Ao longo dos anos, diversos surtos de doenças foram associados à ingestão de queijos, devido, principalmente, à presença, nos produtos, de Staphylococcus aureus, de E. coli, B. cereus, Listeria monocytoge-

nes e de Salmonella sp. Falhas ocorridas ao longo de todo o processamento, aliadas a temperaturas inadequadas de conservação durante a comercialização, são fatores que contribuem para a venda dos alimentos fora dos padrões regulamentares.

“A dificuldade de exportação e os principais problemas com a produção de queijos no Brasil relacionam-se, princi-palmente, à baixa qualidade do leite pro-duzido, às péssimas condições de fabri-cação e à falta ou ineficiência da cadeia de frio”, explica Junio de Paula. Muitas ve-zes, portanto, os processos de fabricação e armazenamento são responsáveis pela contaminação, o que, em certos casos, pode, até mesmo, transformar-se em pro-blema de saúde pública. “Neste sentido, o estudo da aplicação do CO2 nos queijos Minas é também um modo de avaliar os efeitos de tal estratégia tecnológica contra uma série de contaminações microbioló-gicas”, completa.

LáCTEAS TONELADAS DE SAÚDENova tecnologia pode também auxiliar combate à contaminação dos laticínios

Técnicos trabalham na embalagem dos queijos

Análise da textura, importante para o estudo da fabricação de queijo Minas

Foto

s: J

unio

de

Paul

a

Page 24: Revista Minas Faz Ciência 50

24 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

HIS

TÓR

IA

“Uma ferida aberta”: esse é o simbolismo do Parque de la Me-moria, monumento às vítimas do terrorismo de estado construído em Buenos Aires, Argentina. Inaugurado em 2007, o parque é composto por quatro trilhas de concreto em que estão afixadas 30 mil placas de pedra, nas quais são gravados os nomes de homens, mulheres e crian-ças mortos ou desaparecidos sob ação do governo durante o regime ditatorial que tomou conta do país nas décadas de 1970 e 1980.

O local é tido como um espaço de reflexão e lembrança para cada uma das pessoas ali incluídas – até o momento foram gravados 9 mil nomes e o trabalho segue em andamento, pois estima-se em 30 mil o nú-mero de vítimas. A própria forma de construção do monumento, como um

A artede lembrarMonumentos construídos em espaços públicos perpetuam a memória de fatos contemporâneos

Virgínia Fonseca

Altar popular no local da boate Cromañón, em que 194 pessoas morreram e centenas ficaram feridas, durante um incêndio, em dezembro de 2004 - Buenos Aires, Argentina

Foto

: Mar

ia M

elen

di

Page 25: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 25

“corte” na terra, é alusiva à cicatriz deixada na sociedade argentina pela repressão. Toda essa representatividade torna o parque um dos mais emblemáticos objetos de estudos sobre a relação entre memória e arte, campo de pesquisa da professora Maria Angélica Melendi, da Escola de Belas Artes da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Em meados dos anos 1990, Maria Angélica iniciou um trabalho de análise de arquivos contemporâneos, focado em obras de arte que apontavam para a memória de catástrofes como o holocausto, genocídios, ditaduras. A partir desta pesquisa, a profes-sora começou a investigar também monu-mentos que estavam sendo feitos – sobretu-do na América Latina, que é o seu campo de estudos – em homenagem a desaparecidos e mortos pelo terrorismo do estado, vítimas de ditaduras. Na época, havia iniciativas de memoriais na Argentina, Uruguai e Chile. “Eu os relacionei com os monumentos fei-tos depois da II Guerra Mundial para identi-ficar as diferenças. E fui notando que havia alguns grupos, sobretudo na Alemanha, de artistas que faziam antimonumentos, con-tramonumentos, que tendiam à horizonta-lidade e, às vezes, à desaparição”, conta a professora. A percepção levou a um projeto de pesquisa intitulado “Monumentos hori-zontais; a memória nas ruas”.

Uma mudança de posição da arte quanto aos monumentos pode ser consta-tada nas últimas décadas. A relação nega-tiva estabelecida após a II Guerra Mundial, quando a arte se afasta do monumental e da representação, inverte-se nos anos 1980. “Começa uma demanda de monumentali-zação, ou pelo menos de se fazer recorda-tórios, memoriais, há uma reaproximação”, comenta a professora. Entretanto, esse novo contato com o artista não se dá de modo au-tomático, ele encontra-se com esta deman-da, mas a forma clássica da monumentali-dade já não funciona. Então, o desafio é criar novas maneiras de representar a lembrança.

A maior transformação se dá, porém, quanto ao objeto da representação. Enquan-to os monumentos clássicos eram de vitó-rias, os contemporâneos em geral são rela-tivos à derrota. Um dos principais exemplos neste sentido é o memorial aos veteranos da Guerra do Vietnã. “Ele lembra os soldados que morreram e não os generais que co-mandavam”, valida a pesquisadora.

Maria Angélica percebeu também que, apesar de ter havido essa reaproximação com a arte, os monumentos estão cada vez mais independentes dos artistas. O próprio Parque de la Memoria, na Argentina, foi uma iniciativa de associações de direitos humanos e de parentes das vítimas.“Eles se tornam cada vez mais populares, às vezes partem não do poder público, mas dos pró-prios moradores”, infere.

O monumental e o memorialComo maneiras de resgate da me-

mória, os monumentos assumem diversos

formatos, nem sempre grandiosos. Na Ale-manha, a pesquisadora cita placas de bron-ze colocadas no passeio em frente às casas e que informam situações ocorridas com seus antigos moradores, como assassina-tos, prisões. Outros optam pela realização de performances ou formas diferenciadas de memorial. No Peru, um grupo se reuniu em frente à casa de governo para lavar e dependurar bandeiras em protesto contra o ex-presidente Alberto Fujimori. O que era a ação isolada acabou se espalhando, atraiu pessoas que se juntaram espontaneamente, tomou o país e motivou manifestações simi-lares mesmo em outras nações – inclusive no Brasil, onde por vezes se presenciou a lavagem de bandeiras de partidos políticos e até times de futebol. Às vezes, o ato sai do campo artístico e conclama multidões.

No Brasil não há, ainda, modelos de grandes monumentos horizontais cons-truídos. Existem exemplos que podem ser considerados no sentido de resgate e manutenção das lembranças, mas que não costumam estar no espaço público. Maria Angélica cita obras da artista mineira Ro-sângela Rennó, como Imemorial e Cicatriz, que apontam para essas memórias repri-midas. O paulista Nuno Ramos também é mencionado por sua instalação 111, sobre o massacre do Carandiru. Mas esses tra-balhos ficam em galerias de arte e não nas ruas ou permanentemente expostos.

A pesquisadora acredita que o fato de as manifestações, neste sentido, serem menos usuais no País esteja ligado à forma algo “mediada” como aqui se deu a passa-gem do processo ditatorial para a democra-

A expressão refere-se mesmo à posi-ção horizontal dos monumentos, em contraponto à verticalidade que cos-tumava predominar nestas obras.

Jochen Gerz, Monumento contra o racismo / Monumento invisível,1993 - Saarbruck,Alemanha

Foto: Martin Blanke, Berlin e Gerz Studio

Page 26: Revista Minas Faz Ciência 50

26 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

cia. “No Brasil, a ditadura termina já com a anistia, com as pessoas voltando do exílio. As coisas tendem, então, mais à celebração dos que voltaram do que à lembrança dos que se foram”, considera. Ela explica que na Argentina, por exemplo, a ferida de fato permanece aberta. As juntas ditatoriais fo-ram julgadas e condenadas, mas receberam indulto de um governo constitucional que veio em seguida. “A coisa não está fechada e vai ser difícil fechar, eu acredito”, reflete.

O artista e o ativistaManifestações visuais como as que

ocorreram nos últimos anos, em que foram colocadas centenas de cruzes nas areias da Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em protestos pelas vítimas da violência, pela tragédia na região serrana do Estado, entre outras, são consideradas pela pes-quisadora como uma apropriação estética de grupos ativistas. “São ativistas, não são artistas, mas usam formas que vêm da arte, porque causa mais impacto”, analisa. Embora, acrescenta, de alguma maneira se aproximem do campo da arte, já que se uti-lizam desse formato para chamar atenção.

Outro movimento que começou a acontecer no Brasil está relacionado à ideia de se colocar flores, fotos e outros objetos que lembrem as vítimas em espaços onde tragédias tiveram lugar. Para a pesquisadora, esta postura é reflexo de uma conduta co-mum nos Estados Unidos. Porém, não se tra-ta apenas de “importar” um comportamento. Em certa medida, ela ressalva, há anos isso já ocorre no interior do país – representado, por exemplo, pelas cruzes afixadas em rodovias, que marcam locais de acidentes – embora a cidade tenha perdido esta cultura.

Ao construir o seu próprio “altar” nos pontos que indicam tragédias e fatos marcantes, os indivíduos tomam em suas mãos o poder da rememoração. Esta ação

também tem um forte significado para a professora. É como se as pessoas, mui-tas vezes pertencentes a classes menos favorecidas, soubessem que estão tão de-samparadas que só podem contar consigo mesmas para preservar aquilo que precisa ser lembrado, ninguém fará isto por elas.

Todas essas ações têm em comum seu objetivo e sua contribuição para a pre-servação da memória de uma comunidade. Memoriais, representados seja por gran-des monumentos ou por fotos, objetos, funcionam como testemunhas dos fatos e quase como documentos. “Não tem que ser aceito cem por cento, mas também não é questionado. Fica preservado neste sen-tido, da memória”, reforça Maria Angélica.

O poético e o políticoNo Brasil, desde o final do século

XX, existem jovens artistas que se unem em grupos e têm se apropriado da cidade para realizar intervenções. Eles fazem ações ativistas nos espaços públicos, chamando para a recuperação da cidade, denunciando situações insustentáveis. Porém, têm um caráter mais voltado para o tempo presente.

De acordo com a professora, esses projetos de memória são mais poéticos do que políticos. Ela acredita que isso ocorre porque os conflitos são menores e novamente vê nisso uma herança cultural clara. “Eles não vivem em uma lembrança do passado, estão visualizando problemas de hoje, enquanto os artistas do resto da América Hispânica ainda reivindicam al-guma solução para questões passadas que não se resolveram completamente”, diz.

O mito e o ritoAs conclusões dos estudos levaram a

pesquisadora a refletir o quanto de religioso há nos procedimentos de rememoração: não da religião convencional, mas em um sentido

mais amplo, da repetição de rituais. Tal como uma procissão lembrando os mortos, colo-cam-se flores, velas e determinados atos que são ritualísticos. Para Maria Angélica, é uma espécie de “mito sem rito”, formas de rela-ção com o espaço e o tempo que vêm de um passado longínquo. Uma questão que, para a maioria das pessoas, chega pela religião católica, mas que remonta a épocas arcaicas. “Há uma transposição do sagrado, que vem de eras bem antigas, do que seria uma es-pécie de culto aos mortos”, pondera. E como uma descoberta leva a outras, a professora já se dedica, a partir dessa constatação, ao seu próximo desafio: estudar os rastros do sagra-do na arte contemporânea.

Monumentos clássicos Monumentos contemporâneos

Monumento equestre do Imperador Marco Aurélio, Roma. 176 d CMonumento aos veteranos da guerra

do Vietnã (1982) – Washington D.C., Estados Unidos

Obelisco da Vitória (1873) – Berlim, Alemanha Memorial do Holocausto (2005) – Berlim, Alemanha

Monumento ao Duque de Caxias, (1960) autor Vitor Brecheret. Praça Princessa Isabel, São Paulo.

Parque da la Memoria (2007) – Buenos Aires, Argentina

PROJETO: Monumentos horizontais; A memória nas ruasCOORDEnADOR: Maria Angélica Melendi de BiasizzoMODALIDADE: Demanda UniversalVALOR: R$ 35.161

Parque de la Memoria: nomes de vítimas da ditadura gravados nas pedras e na lembrança – Buenos Aires, Argentina

Foto

: Mar

ia M

elen

di

Page 27: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 27

NO

VA

ID

ENT

IDA

DE

Dinâmica, contemporânea, moder-na: assim pode ser definida a nova logo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), apresentada no último dia 22 de junho. “O objetivo principal dessa criação foi revitalizar a identidade visual da FAPE-MIG, de forma a deixá-la mais atual e em sintonia com os valores e missão da Fundação”, explica o presidente da Fun-dação, Mario Neto Borges.

“A logo original era muito estática e rígida. Com a de 25 anos criamos uma identidade contemporânea e conceitual. A partir dela foi concebida a nova logo, que apresenta linhas mais dinâmicas. Ela foi conceituada a partir dos três eixos de atu-ação da FAPEMIG – Ciência, Tecnologia e Inovação – com o triângulo, símbolo da bandeira de Minas Gerais, representando cada um desses eixos”, explica Hely Cos-ta Jr. , designer responsável pela criação.

A nova identidade visual já pode ser vista no portal (www.fapemig.br) e

Mais modernae dinâmica

começou a ser utilizada na papelaria, do-cumentos e peças gráficas da instituição.

Pesquisadores e bolsistas deverão utilizar a nova logo nos documentos en-viados à Fundação. Peças gráficas, como banners de eventos e projetos apoiados pela FAPEMIG, também deverão ter a apli-cação da nova marca. O download do ar-quivo pode ser feito no portal, através do link http://migre.me/9LP1r

Inovação e modernizaçãoA FAPEMIG é a agência de fomento

à pesquisa e à inovação científica e tec-nológica do Estado. Hoje, ela é também uma das principais agências de fomento do País. Com orçamento que ultrapassa os R$ 300 milhões, seus recursos são investidos no financiamento de projetos, concessão de bolsas, intercâmbio de pes-quisadores, divulgação científica, intera-ção com empresas, dentre outros. Os 25 anos da FAPEMIG, celebrados em 2011, foram marcados não só pelo reconhe-

cimento, mas também por importantes parcerias firmadas. Grandes mudanças também marcaram o Jubileu de Prata: uma nova estrutura institucional começou a funcionar e uma nova sede a ser cons-truída. Com espaço adaptado para aten-der às necessidades de uma agência de fomento, primando pela sustentabilidade, as obras do complexo devem ser finaliza-das no início de 2013. O objetivo é tornar a Fundação mais moderna e ágil.

O lançamento do livro “FAPEMIG 25 anos – História em Pesquisa”, no final de maio deste ano, encerrou as comemorações de 25 anos da Fundação. No encontro, foi assinada uma importante parceria entre a FAPEMIG e a Fiemg/Sebrae na área de ino-vação, foco de atuação da FAPEMIG para 2012. “Não vamos deixar de atuar no eixo da ciência pura apoiando a atividade aca-dêmica, mas atualmente temos dois fortes objetivos: a internacionalização da ciência mineira e a inovação da indústria no Esta-do”, afirma o presidente da FAPEMIG.

Nova logo da FAPEMIG. Dinamismo e contem-poraneidade foram os conceitos utilizados

Page 28: Revista Minas Faz Ciência 50

GEO

CIÊ

NC

IAS

28 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

Ilhasde calorPesquisa mostra como a intervenção do homem pode ser responsável pela variação de temperatura em pontos diferentes de uma mesma cidade Diogo Brito

Page 29: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 29

O termo ilha de calor é um conceito que foi desenvolvido na América do Norte e nada mais é do que o aumento e a permanência de temperaturas elevadas em uma ou mais regi-ões de uma cidade. Um exemplo simples e fá-cil de ser percebido: a sensação de calor ao ca-minhar durante a noite por uma avenida como a Afonso Pena, uma das mais movimentadas de Belo Horizonte, é maior que a percebida du-rante uma caminhada no mesmo horário pelo Parque Municipal. Isso acontece por haver no parque um grande espaço verde, com árvores e lagos, diferente do restante do Centro da ci-dade, caracterizado por várias alterações em decorrência da urbanização.

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisou diversos pontos da capital mineira para mapear as regiões que pos-suem as ilhas de calor. A pesquisa consta-tou que a intervenção do homem e a manei-ra como é ocupado o solo são algumas das grandes responsáveis pela formação dessas ilhas. Os resultados chamam a atenção para a necessidade de arborização da cidade e de preservação das áreas verdes já existentes, como o Parque Municipal.

A pesquisa teve início em 2008 e uti-lizou 20 termo-higrômetros, aparelhos que

medem a umidade do ar. Eles foram dis-tribuídos em várias regiões de Belo Hori-zonte, desde Venda Nova, no extremo norte da capital, até o Belvedere, no extremo sul. Quatro estações climáticas oficiais e dois aeroportos também auxiliaram na pesquisa com o envio de dados sobre o clima. A co-ordenadora do projeto, Magda Luzimar, do Instituto de Geociências da UFMG, explica que as medições foram realizadas durante todo o ano, mas os dados avaliados foram aqueles colhidos nos meses de inverno, à noite. “Nessa época, não temos chuvas e a noite é o momento em que a energia do sol absorvida está sendo liberada”, diz.

Magda afirma que muitos fatores con-tribuem para a formação das ilhas de calor, como a topografia da região, a densidade urbana e também o tipo de material usado na urbanização. “Uma região como a Serra do Curral, com boa parte de sua vegetação pre-servada e nenhuma intervenção do homem, não é uma ilha de calor, pois toda a energia do sol é absorvida pelas árvores e usada nos processos naturais das plantas. Como exem-plo oposto, temos a região central de Belo Horizonte, com muitos edifícios, avenidas as-faltadas e poucas árvores. Isso retém o calor e dificulta a dispersão de energia”.

A forma como as cidades foram cons-truídas contribui para agravar o problema. Prédios muito próximos dificultam a disper-são de energia e também são causa do au-mento da temperatura. “O calor que deveria ser liberado no período noturno fica retido nessas áreas. Ao invés de ir para a atmos-fera, permanece numa espécie de “bate e rebate” entre o concreto”, completa.

Climas variadosComo já era esperado, a maior con-

centração de calor na capital mineira foi identificada no Centro da cidade. De acor-do com Magda, mesmo com o conforto térmico causado pelas sombras dos pré-dios durante o dia e os corredores de ar, no período da noite toda a energia absorvida não é devolvida para atmosfera. Isso pro-voca a sensação de calor e transforma a região em um núcleo de aquecimento.

Uma curiosidade fica por conta da re-gião de Venda Nova. Mesmo com as altas temperaturas registradas e a forte sensação

de desconforto térmico durante o dia, a região é considerada um núcleo de resfriamento. Contribui para isso a grande presença de ca-sas ao invés de edifícios. Com isso, no perí-odo noturno, a energia do sol é liberada para a atmosfera. O mapa produzido a partir dos dados coletados (abaixo) mostra que o bairro Mangabeiras, Centro-Sul de BH, é uma das áreas com menor média de temperatura, fato que, em parte, também pode ser explicado pela predominância de casas ao invés de pré-dios e pela grande presença de árvores.

A formação de ilhas de calor tem con-sequências diversas. Uma delas é a mudan-ça do próprio clima da capital. De acordo com a pesquisadora, a literatura científica mostra que Belo Horizonte possui duas es-tações bem definidas: uma seca e uma chu-vosa. A primeira tem início no final do mês de março, marcando o começo do outono, e permanece até o final de setembro, fina-lizando o inverno. A segunda, caracterizada por elevadas temperaturas e pancadas de chuva, inicia-se no final de setembro, com a primavera, e permanece até meados de mar-ço, com o final do verão. Mas, a partir dos dados coletados, a equipe percebeu que a intervenção humana está criando climas lo-cais ou microclimas. Esse é um ponto que, de acordo com a pesquisadora, ainda pode ser explorado em estudos futuros.

A pesquisa mostra não apenas a lo-calização das ilhas de calor, ou dos pontos que são considerados áreas de resfriamen-to, como o Parque Municipal, mas também indica que o planejamento detalhado sobre o clima e os efeitos da intervenção humana auxilia em uma melhor estrutura climática. Com o conhecimento de como são forma-das as ilhas de calor, é possível planejar como será feita qualquer modificação no uso do solo e, dessa maneira, a urbanização pode ser feita de forma prática e funcional, observando cada característica da região.

PROJETO: Mapeamento das unidadesclimáticas urbanas e ilhas de calordo município de Belo HorizonteCOORDEnADOR: Magda Luzimar de AbreuMODALIDADE: Demanda UniversalVALOR: R$ 46.331

Page 30: Revista Minas Faz Ciência 50

30 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

ENG

ENH

AR

IA E

SPA

CIA

L

Meio século se passou desde que o homem foi, pela primeira vez, ao espaço. O ano era 1961 e o mundo vivia a Guerra Fria quando o soviético Yuri Gagarin deu a volta em órbita ao redor do planeta e anunciou, fascinado, que “a Terra é azul”. Ao longo desse tempo, o Brasil tem ouvido, sempre em outros idiomas, as frases célebres que acompanham cada conquista espacial. Com o objetivo de contribuir para o fomento de pesquisas nacionais na área, estudantes de Engenharia Mecatrônica da Pontifícia Uni-versidade Católica de Minas Gerais (PUC--MG) trabalham no projeto de uma bancada de teste para motores de foguetes.

O equipamento, primeiro a ser construído no país a partir de trabalhos acadêmicos, contribui para uma propos-ta que reúne outros grupos em torno da ideia de montar o também inédito foguete universitário nacional. Cada instituição colaboraria com uma parte da construção do foguete, de acordo com a sua espe-cialidade acadêmica. “Nós não temos um

O céu (não)é o limite

Estudantes mineiros se preparam para construir banco de testes para foguete universitário Virgínia Fonseca

Page 31: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 31

curso na área de aeroespacial, mas temos o de mecatrônica, que envolve mecânica e eletrônica, então, percebemos que éra-mos capazes de projetar e desenvolver a bancada de testes para o motor”, conta o professor do Instituto de Ciências Exatas e Informática da PUC-MG, Welerson Ro-maniello Freitas, que coordena os alunos.

A iniciativa de participar dessa “em-preitada” aeroespacial veio dos próprios estudantes, idealizada pelo aluno Bruno Garkauskas Neto. Hoje, sete graduandos se dedicam ao projeto, sob orientação do pro-fessor Romaniello, que foi convidado para coordenar a equipe. Trata-se de um banco para medir a potência (empuxo) do motor. O objetivo é proporcionar testes que permitam averiguar se o motor é capaz de um empu-xo suficiente para erguer uma determinada carga. No caso do trabalho em andamento, o grupo planejou um banco capaz de testar motores pequenos, com o empuxo de 10 quiloNewtons – o que, a título de ilustração, seria o suficiente para levantar um carro po-pular com massa de uma tonelada. As pro-jeções estão de acordo com a proposta do protótipo de foguete universitário, que deve ter dimensões reduzidas. “Não podemos comparar, por exemplo, com os foguetes norte-americanos, estamos falando de coi-sas distintas”, lembra o coordenador.

De acordo com o projeto, a plata-forma será constituída por uma estrutura similar a uma balança, com dois braços de aço. Para permitir o equilíbrio, é colocado de um lado um contrapeso móvel e, de ou-tro, uma armação rígida de concreto sobre uma célula de carga – um tipo de sensor para medição de força em tração (ou peso em compressão). O motor é, então, conec-tado na parte inferior da célula de carga e, ao ser acionado, exerce pressão sobre este dispositivo, provocando sua deformação. Quanto maior a alteração provocada na cé-lula, maior o empuxo do motor.

O banco deve ser construído na Fa-zenda da PUC-MG, em Esmeraldas, região Metropolitana de Belo Horizonte, mas montado sobre chassis, para que seja pos-sível deslocá-lo, caso necessário, até al-gum lugar onde se queira realizar os testes. Isto facilitaria a utilização do equipamento por outras instituições, como a Universida-

de Federal de Minas Gerais (UFMG), que trabalha no projeto de um motor para o foguete universitário.

Segundo o professor, inicialmente o grupo havia previsto construir o projeto para a parte estrutural, porém, logo per-ceberam que já tinham isso pronto e que dispunham, inclusive, do material para sua execução. Os alunos levantaram uma série de informações, fizeram visitas ao Institu-to de Aeronáutica e Espaço (IAE), em São José dos Campos (SP), para conhecer a única bancada de testes que há no país. “Visualizamos que seríamos capazes de construir também o projeto hidráulico, um conjunto de válvulas de controle que vai monitorar o combustível e todos os fluidos que passam pelo foguete, além das tem-peraturas das câmaras e da chama”, conta Romaniello. Ele explica que será possível avaliar o rendimento do motor, seu con-sumo em determinado espaço de tempo, contribuindo para as adequações neces-sárias. Também faz parte do desafio da equipe criar uma alternativa para a coleta de dados, ou seja, interfaciar todos os ins-trumentos com um computador, possibili-tando operar o controle de maneira remota.

Os alunos já se dedicam à constru-ção da parte estrutural e, paralelamente, à busca de recursos junto a entidades finan-ciadoras, visando aporte para aquisição de equipamentos necessários na execução do projeto hidráulico. Obtidos os recursos, Romaniello calcula que sejam necessá-rios de seis a nove meses para apresentar o banco pronto, montado sobre chassis, conforme planejado.

Um grande passo para o PaísA construção da plataforma de testes

e de um foguete universitário tem, sobre-tudo, o aspecto de desenvolver a cultura aeroespacial no Brasil, incentivando que se exercitem esses estudos acadêmicos. “A partir de bancadas de foguetes como essa podem surgir trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses, tudo já evo-luindo para essa área”, antevê Romaniello. O pesquisador faz uma comparação com a indústria automotiva, que no passado recebeu estímulos por meio de projetos que investiam na construção de um veículo

“A partir de bancadas de foguetes como essa podem surgir trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses, tudo já evoluindo para essa área”

Welerson Romaniello Freitasprofessor do Instituto de Ciências Exatas e Informática da PUC-MG

Page 32: Revista Minas Faz Ciência 50

32 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

universitário. “Hoje, por exemplo, já temos instalada no país uma boa indústria auto-motiva. E não temos pesquisadores e nem atividades numa massa significativa liga-dos ao setor aeroespacial”, pondera.

Além disso, o lançamento de um satélite ou foguete abrange aspectos tec-nológicos das diversas engenharias dis-poníveis no mundo. Desde a Engenharia Civil, para construção da base, até a parte mecânica, eletrônica, de controle e auto-mação, metalúrgica e de materiais, am-biental e de informática. Trata-se, segundo o professor, de um exercício de ponta para todos os ramos envolvidos e com amplos desdobramentos possíveis. Ele cita como exemplo a utilização do cristal líquido, hoje existente em variados componentes, desde relógios de pulso a celulares, e que deriva do projeto Apollo nos Estados Unidos. “As coisas nunca são estanques ou ficam restritas àquilo que estamos pesquisando. Há sempre desdobramentos e, às vezes, eles são maiores que o objeto em que esta-va a atenção inicial”, afirma.

Resultados práticos de longo pra-zo, claro, também são apontados pelos pesquisadores. A capacidade do país de

construir foguetes e lançar satélites traz reflexos positivos em questões ligadas a monitoramentos climáticos, ambientais, de segurança, entre outros.

Para o infinito e além...O professor Romaniello conta que a

iniciativa de unir esforços na construção do foguete universitário partiu do engenheiro e empresário mineiro Rene Nardi, proprietário de uma empresa de engenharia de projetos para o setor aeroespacial. Ele divulgou a ideia de incentivar a construção de um pro-tótipo de veículo espacial a partir do conhe-cimento gerado nas próprias universidades. Cada instituição assumiria uma parte distin-ta do processo, de acordo com a sua experti-se - a uma caberia propósito de desenvolver, por exemplo, o motor; outra projetaria a fu-selagem; e assim sucessivamente. “Através da Inotech, empresa de inovação sem fins lucrativos, estamos tentando agrupar algu-mas universidades para esse desafio. Temos a participação da PUC-MG e da UFMG, outras interessadas estão se organizando”, relata o engenheiro Rene Nardi.

Nardi adianta que o projeto do motor já foi desenvolvido pela UFMG e algumas

partes estão sendo construídas. Com o intuito de desenvolver tecnologia nacional no setor, a empresa prospecta recursos para execução das propostas. “Tanto neste quanto em outros trabalhos que realiza-mos, tudo o que projetamos foi criado no país, por brasileiros, segundo processos nacionais. O Brasil tem tudo o que é ne-cessário para fazer o foguete”, garante.

Esta perspectiva é compartilhada com o estudante Bruno Neto, da PUC-MG, que desde os 17 anos (hoje está com 25) ali-menta o sonho – e tentativas – de construir um foguete. “Sempre fui muito voltado para o setor de Aeronáutica, fiz curso técnico na área e quando iniciei a graduação em Me-catrônica fiquei especialmente encantado com a parte de propulsão”, conta. O aluno já fazia experimentos com pequenos foguetes e, quando começou a encontrar problemas nos resultados dos seus ensaios, resolveu ir mais fundo na parte teórica. As experiências se transformaram, assim, em um projeto, que acabou envolvendo outros colegas. Em busca de bibliografia para a proposta inicial, que era a construção de um minifogue-te, Bruno viajou a São José dos Campos, onde conheceu o engenheiro Rene Nardi. Foi então que o conhecimento encontrou-se com a “vontade de fazer” e o jovem cientista organizou o grupo em Belo Horizonte. Ele acredita que as expectativas para o setor no país são boas. “Baseado no que tenho visto, este campo está se expandindo em uma ve-locidade grande no Brasil”, considera.

Para o professor Welerson Romaniello, a proposta de construção do foguete está no contexto de uma mudança que precisa acon-tecer no Brasil e que está em andamento. “Vem de uma cultura do setor produtivo, que quer incentivar essa postura no país, e a uni-versidade tem que passar também a produzir mais inovação”, analisa. O pesquisador ob-serva que ainda há uma grande discrepância entre o volume de produção científica nacio-nal e o processo de inovação. E, segundo ele, a atitude de transformar algo que não fique restrito ao papel é um passo importante para alterar esse quadro, gerando patentes, rique-za, e não apenas mão de obra. “É louvável a proposta de criar o espírito de inovação tec-nológica e louvável a iniciativa dos alunos que se organizaram para construir”.

Foto

: Mar

ta C

arne

iro

O programa de exploração espacial Apollo foi idealizado pelo presidente John F. Kennedy no início da década de 1960 e desenvolvido pela agência espacial norte-americana Nasa (Na-tional Aeronautic and Space Administration) com o objetivo de levar o homem à Lua. Uma trágica estreia, em 1967, resultou na morte dos três astronautas da Apollo 1 devido a um incêndio provocado por curto circuito. Após intensos estudos – algumas missões tripuladas chegaram a ser adiadas –, em 1968 foi feita uma excursão pela órbita da Terra com a Apollo 7. E, em 1969, Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins finalmente comprovaram que o ser humano era capaz de chegar à Lua. A última missão do projeto foi realizada em 1972.

A equipe da PUC Minas, Bruno ao centro e professor Romaniello à direita (sentado), apresenta protótipo da bancada de testes

Page 33: Revista Minas Faz Ciência 50

EDU

CA

çã

O

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 33

Quando surgiam ao longe, em seu colorido caminhão, não havia quem perma-necesse alheio. Bastavam os primeiros “ru-gidos” do motor para que a alegria tomasse conta da população, prontamente à espera daqueles intrépidos visitantes, sempre dis-postos a distribuir sonho, sorriso e arte. Caso o leitor se reconheça na breve des-crição dos sentimentos ligados à chegada das trupes de circo a pequenos municípios mineiros, prepare-se para surpresa ainda maior. Substitua a alegria dos picadeiros

Sobre rodas e com atrações interativas, Museu Itinerante

Ponto UFMG viajará por Minas para fomentar debate em

torno da produção científica, educação e cultura

Maurício Guilherme Silva Jr.

pela magia da ciência e, se for capaz, res-ponda rapidamente: “Que reação teria diante da bela e misteriosa carreta ali estacionada, em cuja boleia exibe-se, vasto e inquieto, nada menos do que ‘o conhecimento’ – e sua fascinante miríade de possibilidades?”

Pois não pense tratar-se, meu caro, de ficção científica: tal fabuloso veículo já existe e está mais próximo do que se pos-sa imaginar. Em julho último, foi oficial-mente inaugurado, na Praça de Serviços da Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), o Museu Itinerante Ponto UFMG, caminhão especialmente equipado com o objetivo de desenvolver uma de série de “ações articuladoras”, capazes de estreitar os laços entre o conhecimento científico – produzido nas instituições de ensino superior e nos centros de pesquisa – e a sociedade. “Nosso intuito é chegar a alu-nos e professores da educação básica de cidades mineiras e promover momentos de contato com experimentos e objetos de aprendizagem preparados especialmente

Page 34: Revista Minas Faz Ciência 50

34 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

para esse público, que, muitas vezes, não tem acesso a essa oportunidade”, explica a professora Tânia Margarida Lima Costa, coordenadora geral do projeto.

Iniciativa que conta com o apoio da FAPEMIG, da Secretaria de Estado da Edu-cação de Minas Gerais, do Ministério da Ci-ência, Tecnologia e Inovação e da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), o Ponto UFMG não se destacará, apenas, como espaço físico. Trata-se, também, da possibilidade de registrar a presença da universidade nos locais onde o veículo se instalar. “A ideia não é apenas oferecer vi-sitas à população. Desejamos criar relações com as cidades, de maneira a identificar suas demandas e incorporá-las aos projetos apresentados. Buscaremos interação dife-rente, ao instigar discussões e estimular a emoção, o impacto e a surpresa. Após cada viagem, o Museu retornará diferente. Vamos trocar e socializar experiências, de modo a agregar um pouco da cultura de cada loca-lidade”, destaca Tânia Costa, que também é diretora do Centro Pedagógico UFMG.

Por meio do Museu Itinerante, para além da divulgação e debate da rotina de produção dos centros de pesquisa, pretende-se a criação de comunidades de cultura científica e o estímulo ao trabalho em rede. Somem-se a tais intuitos o com-partilhamento de experiências e desafios e a possibilidade de fazer com que os alu-nos tenham ideias originais e ponham em prática tudo o que absorverem. “A alfabeti-zação científica passa a ser compreendida como necessidade para a formação de uma ‘cultura’ fundamental ao exercício da cida-dania”, comenta Jessica Norberto Rocha, coordenadora pedagógica do projeto.

Compreenda-se “cultura científica”, conceito a amparar o Museu Itinerante Ponto UFMG, segundo discussão elaborada pelo professor Carlos Vogt, da Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp). De acordo com tal princípio, para ampliar a relação entre ciência e sociedade, é fundamental buscar estratégias que superem a mera “divulgação” ou a simples “inserção”, no cotidiano das pessoas, de temas relativos à produção do

No Museu Itinerante, há cinco salas para exposições interativas e uma para projeção em 3D; na foto, a Sala dos Sentidos, que permite interação dos visitantes

Foto

: Foc

a Li

sboa

O Museu sobre rodas, pronto para partir

Page 35: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 35

saber: “Para nós, investir em cultura científica significa ampliar o conhecimento e, ao mes-mo tempo, fomentar discussões em torno de ciência, tecnologia, cultura e inovação”, res-salta a professora Tânia Costa.

Fora de salaO Ponto UFMG permanecerá no Cen-

tro Pedagógico da Universidade. Assim que se “entregar” às estradas mineiras, passará a atender às escolas públicas de todas as cidades do Estado. Nos intervalos entre as viagens, o Museu Itinerante ficará no campus Pampulha, onde será visitado por estudantes e professores de Belo Horizonte. Segundo os idealizadores do projeto, con-tudo, isso não basta: “Buscamos repensar os espaços de aprendizagem e levar os pro-fessores a fazer o mesmo. Não se trata, pois, de apenas levar o museu aos alunos, para que eles o visitem e, na semana seguinte, voltem para a escola sob a mesma rotina de aprendizado”, destaca Tânia Costa.

Ao invés disso, espera-se que toda a comunidade escolar seja influenciada pela experiência de “pensar” a Ciência para fora da sala de aula. “Os professores precisam refletir sobre como isso pode ser feito com suas turmas e comunidades”. Já os pesqui-

sadores do Ponto UFMG precisam superar a singela questão: como, efetivamente, es-timular os profissionais da educação funda-mental? “Como forma de contribuir para a manutenção do Museu Itinerante, oferecere-mos cursos de aperfeiçoamento de educa-ção científica. Além disso, serão desenvol-vidos materiais didáticos para fundamentar pedagogicamente as ações e as atividades”, explica a coordenadora geral.

Também a história por trás da elabora-ção do projeto guarda elementos importan-tes à compreensão da natureza humanista do Ponto UFMG. Amadurecida desde 2006, a iniciativa mobilizou não apenas pesquisa-dores, mas também estudantes de gradua-ção de diversas áreas do saber, como letras, biologia, pedagogia, matemática, sociolo-gia, computação, direito, enfermagem, en-genharias e comunicação social. Ao longo do tempo, os estudantes puderam encontrar – ou redefinir– sua área de atuação profis-sional, a partir, justamente, da experiência e do envolvimento junto à iniciativa. Tal constatação é reveladora dos efeitos pro-porcionados, até mesmo internamente, pelo “espírito” da iniciativa, sempre em busca de inovadoras estratégias para disseminação da “cultura científica”.

Ambientes do Museu Itinerante ensiname divertem ao mesmo tempo

Juntas, as áreas – interna e externa – do caminhão a abrigar o Museu Itine-rante ocupam área aproximada de 800 metros quadrados. Na veículo, há cinco salas de exposições interativas e uma para projeção em 3D. “Já no ambiente ex-terno, que compreende um palco e o en-torno da carreta, são oferecidas dezenas de experimentos, práticas responsáveis pela articulação entre diferentes áreas do conhecimento”, explica Jessica Norberto. Por fim, o Ponto UFMG conta com área para realização de diversas oficinas, todas coordenadas por professores da Univer-sidade. Confira, pois, o que os visitantes poderão “saborear” em cada ambiente:

Sala Útero – Nela, as pessoas têm sen-sações similares às vividas durante a “estada” na barriga materna. Enquanto uma televisão reproduz vídeos do desenvolvimento embrio-nário, outra captura a imagem do visitante. Além disso, uma cadeira vibratória imita os movimentos sentidos pelo bebê.

Sala dos Sentidos – Os visitantes po-dem interagir com o ambiente, descobrindo diversas formas de perceber o mundo (quais sejam: audição, tato e visão). Projeções e ob-jetos reproduzem os órgãos que permitem ao homem ter contato com o ambiente.

Sala Biomas – O público assiste a ima-gens sobre como o homem interfere no meio ambiente. A experiência busca conscientizar as pessoas a mudar de atitude e melhorar a con-dição do ser humano no planeta.

Sala Projeção 3D – No espaço de ci-nema, vídeos em 3D apresentam fascinantes viagens por ambientes da Terra, para que – com óculos especiais – todos compreendam a grandeza e diversidade do planeta.

Sala Submarino – Cinco telas com-põem o ambiente, que simula a sala controle de um “submarino especial” submerso em águas profundas. Através de escotilhas, os visitantes podem ver seres abissais e as con-dições de vida na região.

Sala Cidades – Eis a oportunidade de visitar diversas cidades do mundo, por meio de telas especiais. Os visitantes têm a possi-bilidade de perceber que, hoje, a tecnologia é capaz de lhes “transportar” a lugares distantes.

POR DENTRO DA MáqUINA

PROJETO: Museu Itinerante Ponto UFMGCOORDEnADORA GERAL: Tânia Margarida Lima CostaMODALIDADE: Edital de Popularização da Ciência e Tecnologia VALOR: R$ 494.000

Foto

s: F

oca

Lisb

oa

De cima para baixo, a Sala Útero e a Sala Biomas

Page 36: Revista Minas Faz Ciência 50

36 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

SOC

IOLO

GIA

Estudo mapeia tensões ambientais do Norte de Minas e busca proposta de desenvolvimento sustentável

Virgínia Fonseca

Page 37: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 37

“O sertão está em toda a parte”, dizia Guimarães Rosa em seu Grande Sertão: Veredas. Na interpretação dos estudiosos, mais que um espaço geográfico, o sertão representa, para o escritor, a referência a uma realidade política, social, psicológica: o reflexo de muitos conflitos vivenciados pelo homem, alguns morais, outros concretos. Já em 1956, ano em que foi publicado o ro-mance, Riobaldo, o narrador, adverte seu in-terlocutor a respeito de um tema não apenas palpável, mas atual: se ele (o entrevistador) tinha ido conhecer as potencialidades natu-rais e culturais do lugar, havia chegado tar-de, pois tudo estava já degradado. O pensa-mento do personagem tem sua razão de ser. Não apenas o ambiente físico, mas o próprio modo de vida sertanejo, que por quase 200 anos foi o cenário predominante no Norte de Minas Gerais, passaram, nas últimas déca-das, por profundas modificações. O que o protagonista “vivencia” é apenas o começo de uma série de mudanças nos processos produtivos que provocaram uma alteração nas relações dos homens entre si e com o meio ambiente na região.

As tensões decorrentes desta reor-ganização estão identificadas no Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais – Me-sorregião Norte de Minas. O trabalho integra um projeto extenso, que mapeou conflitos por todo o Estado (veja box). A palavra “ambiental”, no caso, é conceitual e envol-ve também as relações sociais, partindo da ideia de que o ambiente existe em interação com os seres humanos, seus processos e relações. Mais do que identificar as situa-ções que originam conflitos, os pesquisado-res pretendem que o estudo viabilize ações e políticas públicas capazes de proporcionar visibilidade e fortalecimento participativo de populações afetadas por modelos excluden-tes de exploração da natureza.

No norte de Minas, a resistência de grupos considerados como povos tradi-cionais é um dos fatores de relevância nas relações mapeadas pela equipe de pes-quisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), coordenada pelo professor Rômulo Soares Barbosa. Em um território que abrange 89 muni-cípios, foram identificados cerca de 60 conflitos, relacionados a infraestrutura (20

ocorrências); atividade agrícola, pecuária e florestal (15); atividade industrial (8); áreas protegidas (7); atividades agroindustriais (3); demanda territorial (3); uso e ocupação do solo (1) e dinâmicas urbanas (1). Não obstante a classificação, a maior parte dos focos de tensão tem como pano de fundo o fato de que o modelo de vida dessas po-pulações locais, muitas vezes, não é consi-derado na elaboração das políticas públicas propostas para o manejo e conservação do ecossistema, o que evidencia conflitos entre as comunidades, os ambientalistas e o Esta-do, além de diminuir a eficiência das ações de preservação propostas. As Matas Secas, bioma que traduz a paisagem característica da região, tornaram-se foco de disputa entre atores sociais, políticos e econômicos.

A ocupação histórica da região indi-ca a presença de comunidades indígenas e quilombolas autônomas que viviam em interação. Posteriormente, os bandeirantes introduziram a pecuária extensiva, com a criação de gado solto às margens do Rio São Francisco, por meio de grandes fazen-das ao redor das quais surgiram núcleos camponeses que desenvolveram o modo de vivência social chamado “cultura sertaneja”. As fazendas, que se estabeleceram com o uso da mão de obra escrava negra e indíge-na, tinham na pecuária extensiva sua matriz econômica e destinavam sua produção ao mercado baiano e núcleos de mineração. Ao mesmo tempo, pequenos proprietários, posseiros e agregados que viviam no sertão constituíram seu modelo econômico pró-prio, baseado nas relações de parentesco, vizinhança e compadrio, caracterizado por uma agricultura diversificada e extrativis-ta, associada à criação de gado “na solta”, atividades que proporcionavam sua sub-sistência. As ligações entre as famílias dos fazendeiros e desses camponeses eram de interdependência. Estudos indicam que en-tre 1750 e 1947 a região vivia praticamente dos seus próprios recursos.

Foi em meio a esse sistema de produ-ção que se constituíram os primeiros agru-pamentos que originaram algumas cidades da região, como Januária, Matias Cardoso, Itacarambi e São João das Missões. A partir do final da década de 1960 até meados dos anos 1980, porém, políticas voltadas para a

A definição de povos tradicionais adotada pelos pesquisadores abrange os grupos étnicos que apresentam as seguintes particularidades: serem po-liticamente minoritários, terem identi-dade distinta da “homogênea” nacio-nal, residirem há um longo período em determinada área e subsistirem dos recursos naturais do ambiente.

Page 38: Revista Minas Faz Ciência 50

38 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

industrialização alteraram a lógica existente. Os programas adotados giravam em torno de quatro eixos: agricultura irrigada, mono-cultura de eucalipto, pecuária extensiva e monocultura de algodão. “Como a implan-tação não se deu de forma homogênea, esta nova forma de produção trouxe consequên-cias, como expropriação dos agricultores, degradação ambiental e concentração fundi-ária, acentuando as desigualdades sociais e desestruturando o modo de vida sertanejo”, analisa Rômulo Barbosa.

A região, que um dia foi palco de tí-picas cenas sertanejas, é hoje fronteira de forte expansão da agroindústria. Somada a esse fator, teve início a implementação da segunda etapa do Projeto Jaíba, programa de irrigação que entrou em operação no final da década de 1980, a partir de uma parce-ria entre os governos federal e estadual. A permissão de desmate para irrigação está vinculada ao cumprimento de condicionan-tes ambientais. “E essa compensação se dá principalmente com a criação de unidades de conservação”, detalha Rômulo Barbosa.

Paradoxo da preservaçãoO problema que dá origem aos con-

flitos na região é claro e reside em um pa-radoxo: os levantamentos identificaram que as unidades de conservação da Mata Seca a serem criadas, para as quais são escolhidas as regiões de maior biodiversidade, coinci-dem com as áreas de intensa presença da população tradicional. “Isto leva à luta po-lítica de povos que são ‘encurralados pelos

parques’ e que foram historicamente expro-priados pelo processo de modernização das fazendas”, esclarece o professor.

São representantes dessas popula-ções os indígenas, remanescentes quilom-bolas e vazanteiros – estes últimos consti-tuíram sua subsistência a partir do manejo do ecossistema do rio, cujas vazantes per-mitem o acesso a terras periodicamente fertilizadas por matéria orgânica, bem como um farto suprimento de peixes nas lagoas marginais: povos que dependem da pesca, criação animal, extrativismo e plantio, cujo modo de vida permite a manutenção e a per-feita interação com o meio ambiente.

Quando são delimitados os territórios dos parques, estas pessoas são diretamente afetadas, pois não são proprietários: detêm apenas o usufruto da terra, por ocupação tra-dicional. Assim, ao serem estabelecidos os espaços de preservação nas regiões de maior biodiversidade, essa população passa a não poder mais utilizar as terras e as matas. Po-rém, o fato de as áreas de maior biodiversidade coincidirem com a ocupação desses povos fala por si. Para os pesquisadores, isso é prova de que o modo de vida por eles adotado pos-sibilita a convivência em harmonia com o am-biente, sem danos ao ecossistema da região. “E eles têm consciência disso. ‘Estamos sendo punidos por termos cuidado bem da terra’, esse é o sentimento deles”, conta Rômulo.

Em movimentoDiante da constatação de que é viá-

vel o uso dos recursos naturais pela po-

pulação local sem que haja degradação, o grupo está avaliando a reconversão de algumas áreas. “Parte dessas terras que passaram por desapropriação poderia ser convertida em unidades de uso sustentá-vel”, pondera Rômulo. Neste sentido, ele destaca a importância dos esforços que vêm sendo empreendidos por mediadores como a Pastoral da Terra e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). O professor ressalta que a ação dessas entidades é muito importante para a transformação dos estudos em resultados.

Promover a discussão, junto às ins-tâncias responsáveis, para construção de uma contraproposta com estratégias de melhoria da qualidade de vida destes povos: esse é o papel exercido pelos mediadores. Por meio desta conscientização e articula-ção política local, a população tradicional sai do estado de “encurralados pelos par-ques” para a posição de “vazanteiros em movimento”. O pesquisador do CAA-NM Carlos Dayrell reafirma que a parceria com os trabalhos da Unimontes proporciona a visibilidade das comunidades impactadas pelos grandes projetos econômicos, o in-tercâmbio de iniciativas de resistência e de proposição e o diálogo com a academia. “O estudo coloca em cena a existência de sujeitos sociais que vivem nessas regiões. Sujeitos que se apresentam não apenas para denunciar, mas e principalmente, para colo-car suas propostas”, relata.

Os estudos indicam que não há dú-vidas quanto à necessidade de promover

Fotos: Rômulo Barbosa/2008

Faixa afixada na Ilha da Ressaca, território reivindicadopela comunidade quilombola da Lapinha, município de Matias Cardoso

Agricultores conduzem carroça de melancia em região de Mata Seca, no entorno do Projeto Jaíba

Page 39: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 39

políticas de conservação da região, pois ela está ligada à preservação do Rio São Francisco, de nascentes e lagoas, e ao processo de sobrevivência da população. Mas também está claro para os pesqui-sadores que as comunidades locais são compromissadas com essa conservação. “É preciso revelar e valorizar as estratégias

culturais, produtivas, usadas por esses po-vos, que são de inclusão econômica e que foram invisibilizadas ao longo do tempo”, argumenta o professor.

Dessa forma, as pesquisas no Norte de Minas estão diretamente as-sociadas a um processo de mudança nas estratégias de preservação. Rômulo

avalia que o caminho seja a construção de propostas conjuntas, sem imposição, considerando os conhecimentos e pro-cessos sociais da comunidade. “É possí-vel proporcionar a conservação das Ma-tas Secas com esses povos e por esses povos, aliada a políticas para qualidade de vida”, ressalta.

O termo “Mata Seca” é utilizado no Brasil para caracterizar as Florestas Estacio-nais Deciduais (FED), um tipo de vegetação que perde mais de 50% das folhas na es-tação seca. Ocorre geralmente em regiões que passam por pelo menos três meses secos no ano e cuja temperatura média fica acima de 25º C. No País, este ecossistema é encontrado predominantemente no Nor-deste e no Centro-Oeste e cobre 3% do território nacional. Essas matas são natural-mente fragmentadas e localizadas em dife-rentes biomas, como cerrado e caatinga, ou entremeadas às formações sempre verdes da Amazônia e Mata Atlântica. Comumen-te convertidas em áreas de pastagem e agricultura, elas têm sido historicamente negligenciadas em termos de pesquisas e esforços conservacionais, se comparadas a outras formações.

No Norte de Minas Gerais, as Ma-tas Secas estão predominantemente em zonas de transição entre o cerrado e a caatinga. Como existem poucos levan-tamentos sobre a fauna e a flora dessas áreas, elas são consideradas de grande importância botânica e foram classifica-das como área prioritária para conserva-ção e pesquisa. Além disso, trata-se de uma das regiões mais pobres do Estado e possui presença marcante de populações tradicionais, como indígenas, quilom-bolas e outros habitantes que utilizam recursos naturais para sua subsistência.

Entre dois domínios Mata Atlântica ou caatinga? Devi-

do à ocorrência diversificada, do ponto de vista ecológico, existe um debate so-bre a qual desses domínios pertencem

as Florestas Extensionistas Direcionais. Em 2008, a inclusão, pelo Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deste ecossistema na área de aplicação da Lei da Mata Atlântica, limitando seu corte, ocasionou uma reação por parte dos ruralistas, no sentido de passar a considerar as Matas Secas como caatin-ga. As discussões resultaram, em 2010, na criação da Lei Estadual 19.096/2010, que retirou esse domínio da área de pro-teção da Mata Atlântica. No mesmo ano, porém, a lei foi “derrubada” por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Ministério Público Estadual. A Adin já reflete resultados dos estudos realizados pelo grupo da Unimontes, pois baseou-se em subsídio técnico da rede Tropi-dry, que articula pesquisadores.

MATAS SECAS: MUITO IMPORTANTES, POUCO PRESERVADAS

O Mapa dos Conflitos Ambientais é resultado de uma parceria entre o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (Gesta/UFMG), o Núcleo de Investigação em Jus-tiça Ambiental da Universidade Federal de São João del-Rei (Ninja/UFSJ) e pesqui-sadores do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social (PPGDS) da Unimontes. Entre 2007 e 2010, o projeto buscou identificar, caracterizar e classificar casos de violação do direito ao meio am-biente evidenciados na primeira década do século XXI nas 12 mesorregiões do Estado: Metropolitana de Belo Horizonte, Vale do Jequitinhonha, Triângulo Mineiro/Alto Para-naíba, Central Mineira, Oeste de Minas, Vale

do Rio Doce, Vale do Mucuri, Norte de Mi-nas, Noroeste de Minas, Campo das Verten-tes, Sul/Sudoeste de Minas e Zona da Mata.

Com vistas a um levantamento qua-litativo, os trabalhos envolveram uma pes-quisa documental e a consulta a órgãos oficiais para prospecção de situações de conflito, além de entrevistas com integran-tes de associações, sindicatos, movimen-tos sociais envolvidos. Também foram rea-lizadas oficinas com representantes desses grupos, visando a articulação e a troca de experiências. A ideia é que o mapeamento possa ser utilizado como base para políti-cas públicas focadas na sustentabilidade e na democratização da apropriação dos territórios.

Embora o mapa tenha sido conclu-ído, ele segue sendo utilizado como um “observatório” dos conflitos e como base para outros projetos em execução. Em nível estadual, os trabalhos foram coor-denados pela professora Andréa Luisa M. Zhouri, da Faculdade de Filosofia e Ciên-cias Humanas (Fafich) da UFMG. Os re-sultados estão disponíveis no site: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/

CONfLITOS AMBIENTAIS EM MINAS

PROJETO: Mapa dos Conflitos Ambientais do Estado de Minas Gerais - Etapa: Mesorregião Norte de MinasCOORDEnADOR: Rômulo Soares BarbosaMODALIDADE: Demanda UniversalVALOR: R$ 20.311

Page 40: Revista Minas Faz Ciência 50

40 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

HIS

TÓR

IA

A Minas Gerais indígena

A partir de documentos eclesiásticos do século XVIII, pesquisa revela cotidiano dos índios em solo mineiro e interpreta sua importância para a formação do Estado

Maurício Guilherme Silva Jr.

Page 41: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 41

De sol a sol, para além do árduo trabalho compulsório, eles ousaram viver. Mesmo sob intenso sofrimento, souberam sonhar, amar, e, a seu modo, subverter ordens estabelecidas. Tais peculiaridades do modo de vida dos milhares de índios a habitar as Minas Gerais do século XVIII podem hoje ser investigadas em meio ao vasto volume de documentos, guardados por instituições de natureza diversa, acerca do chamado Ciclo do Ouro. Como exem-plo, tomem-se os arquivos das igrejas – e outros tantos estabelecimentos religiosos –, onde “repousam” inventários e relatos capazes de, neste novo milênio, auxiliar significativamente a pesquisa sobre a his-tória dos indígenas em solo mineiro.

Que o diga o Arquivo da Cúria do município de Mariana (MG), onde, em 56 volumes de devassas eclesiásticas, en-contram-se nada menos do que 768 regis-tros de delitos cometidos por índios e/ou seus descendentes. Para não falar, no mes-mo “fundo”, das 135 ocorrências, também ligadas à população indígena, encontradas junto a 8.019 processos matrimoniais. Justamente com o objetivo de interpretar a extensa documentação sobre o assunto, a professora Maria Leônia Chaves de Resen-de, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del--Rei (Decis/UFSJ), desenvolveu o projeto de pesquisa responsável por apurar e in-vestigar, de modo sistemático, o cotidiano de tais povos, então residentes no Estado.

Em seu estudo, conforme ressal-tado, a pesquisadora recorreu, entre ou-tros, a “suportes documentais de cunho eclesiástico” – denúncias e processos de “banho” (casamento) –, lavrados ao lon-go de todo o século XVIII. “A investigação buscou recuperar a experiência vivida por populações indígenas ou descendentes, de diversas procedências étnicas, dester-rados de suas aldeias, expulsos de suas terras ou aprisionados pelas bandeiras

nos sertões, e que passaram a viver nas vilas e lugarejos das Minas Gerais”, ex-plica Leônia Chaves, ao ressaltar que, por “cobrir” todo o território no período, a documentação se revela admirável e ilus-trativa: “Por meio dela, podemos acom-panhar os dilemas culturais dos indíge-nas, impostos pelo contato interétnico no mundo colonial”.

Trata-se, em suma, de vestígios do passado capazes de remontar à trajetória dos índios no cotidiano setecentista de Minas Gerais. Em outros termos, a leitura dos documentos permite o resgate da his-tória das populações indígenas por meio dos mais frugais “causos” do dia a dia, assim como de “registros de fragmentos dos indivíduos, de seu tempo, de suas práticas e vivências”, segundo expressão da professora, que, em seguida, define geograficamente a problematização de seu estudo. “A pesquisa levanta a presen-ça e a experiência cotidiana dos índios e seus descendentes em vilas e lugarejos da Minas Gerais colonial, como Ouro Pre-to, Mariana, São João del-Rei, Tiradentes ou Diamantina”.

Força identitáriaOs povos indígenas investigados

pelo projeto coordenado pela professora Leônia Chaves detinham múltipla proce-dência étnica. Dessa forma, a diversida-de de costumes dos botocudos, caiapós, puris ou coroados diluía-se, com facili-dade, por meio de sua rotina nas vilas coloniais. “Ali, todos viviam sob a con-dição de ‘índios’ e ‘carijós’; de mestiços, ‘caboclos’, ‘curibocas’, ‘cabras’, ‘bastar-dos’, ‘mamelucos’ ou, simplesmente, como ‘gentios ou negros da terra’”, es-clarece a pesquisadora, ao lembrar que, por essa razão, foram designados como “índios coloniais’”.

Destribalizados por diversas razões, os povos indígenas – muitos dos quais nascidos “dentro” da sociedade colo-

Trata-se, em síntese, dos processos de justiça e inquisição desenvolvidos, nas Minas Gerais setecentistas, pela alta cúpula da Igreja Católica.

A investigação resulta do aprofun-damento da tese de doutorado da pesquisadora, defendida, em 2003, junto à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Page 42: Revista Minas Faz Ciência 50

42 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

nial – foram integrados à sociedade, “a mais das vezes, na condição de mesti-ços”, apesar das múltiplas procedências e origens étnicas. “Tais indivíduos foram incorporados à vida sociocultural das vilas e povoações da Minas Gerais sete-centista. Apesar da adscrição nitidamente indígena, posto que assim eles se iden-tificavam e eram também reconhecidos como tal pelos outros, experimentaram intenso contato com os colonos”, con-ta Lêonia Chaves. Nas vilas coloniais, os índios criaram um grupo específico, que demarcou diferenças com relação a outros componentes da sociedade, tais como brancos, negros e mulatos. A as-cendência indígena, afinal, é que definiria a inserção desses indivíduos no contexto das Minas colonial. “Tributários de um legado comum – o de ser ou ter origem no ‘gentio da terra’ –, também se distin-guiram de outros índios, isto é, daqueles que não haviam sido ‘domesticados’”, explica a pesquisadora. Trata-se, neste caso, dos “índios bravos”, que viviam nos sertões. “Integrados ao mundo colonial, eles construíram uma ‘distintividade’. Ainda que destribalizados dos grupos de origem, reconheciam-se como herdeiros de uma origem indígena”.

ProtagonismoA partir dos dados recolhidos e

interpretados junto a fontes eclesiásti-cas – trabalho que contou com o auxílio dos estudantes Lidiane Santos e Carlos Henrique Cruz, bolsistas de Iniciação Científica –, Maria Leônia Chaves de Re-sende demonstrou o relevante papel dos índios, e seus descendentes, para a con-solidação – política, cultural, econômica etc. – das Minas Gerais: “Se muitos dos aspectos de formação da sociedade mi-neira, durante o século XVIII, ilustram de modo cristalino o processo de exclusão,

exploração e destruição das populações indígenas, ele também é expressão do quanto esses grupos contribuíram para a constituição do Estado”.

Neste cenário, buscou-se de-monstrar que, para além da chacina a que estiveram expostos ao longo do pe-ríodo setecentista, os índios participa-ram da vida social e cultural da região. “Trata-se não da retomada da história de uma etnia ou de um grupo indígena em especial, mas das muitas histórias daqueles que sobreviveram ao desen-raizamento de seu povo e souberam capitanear o seu lugar na sociedade mi-neira. Por isso mesmo, elegi o período colonial como marco, pois é o momento consagrado como o de grandes reveses e de impacto sobre as populações nati-vas, lugar da espoliação, que colocou as sociedades indígenas como ‘vítimas’ das iniquidades dos brancos”.

A “consequência natural” de tal processo teria sido o extermínio das po-pulações indígenas à época do “mundo colonial” (leia box), de modo a sacrali-zar “as máximas de que os índios foram exterminados ou reduzidos, nas matas, à condição de ‘perigosos e bestiais’, para lançar mão dos próprios termos da épo-ca”, ressalta Leônia Chaves. Ao contrário disso, em seu estudo, a pesquisadora buscou “encontrar” os índios e seus des-cendentes no próprio convívio cotidiano das Minas: “Procurei recuperar os frag-mentos da trajetória de índios de diversas origens, que foram destribalizados e pas-saram a viver nas vilas e arredores”.

Page 43: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 43

A despeito de a “Minas do ouro” ter re-cebido a alcunha de “terra dos cataguás”, em reconhecimento aos indígenas como “senhores de todas as Gerais” – e ainda que a presença dos índios tenha se transformado, inúmeras ve-zes, em tema das “discussões administrativas e eclesiásticas” –, tais povos foram literalmente ignorados “por parte expressiva da historiogra-fia mineira”, conforme ressalta Leônia Chaves, em texto desenvolvido para a Revista do Arqui-vo Público Mineiro.

Segundo a pesquisadora, mesmo que “uns poucos historiadores” admitissem a presença de índios no Estado ao longo do século XVIII, “ante-cipavam ressalvas, ao reduzirem sua atuação aos primeiros contatos, sem os tomar sequer como agentes da história e da formação sociocultural de Minas”. Na aferição de certos especialistas, os povos indígenas não passariam de “apên-dices” em seus estudos, “prestando-se, quase sempre, de penduricalhos à ação colonizadora e ao protagonismo português, como testemunham as obras clássicas da historiografia, que apenas tangenciaram a questão”.

Daí, aliás, o “silêncio avassalador” a que foram sujeitados os milhares de índios coloniais de Minas. “Objeto de raríssimas pesquisas, a etno-história indígena mineira deixou esparsas contribuições, situação ainda mais agravada quando se percebe a desproporção entre a pro-dução acadêmica e a riqueza qualitativa e quan-titativa das fontes depositadas nos arquivos”. Se extensa é a documentação acerca do cotidiano dos povos indígenas – material categoricamente propício ao desenvolvimento de “investigações de grande fôlego e de diversos matizes” –, resta a pergunta fundamental. “Como entender essa indigência bibliográfica sobre a trajetória dos índios em Minas Gerais?”

A resposta, segundo a professora Leônia Chaves, está ligada tanto ao “‘tratamento’ dado à questão indígena, pelas políticas coloniais de su-cessivos governos, quanto à própria genealogia da historiografia mineira”. Dentre as justificativas para a ausência dos índios nos relatos históricos, há vertentes, por exemplo, que a aproximam da ação das “expedições de conquista” – também conhecidas por “entradas e bandeiras” –, em fins do século XVII e início do XVIII. “Penetrando os

sertões, essas campanhas teriam avançado in-discriminadamente sobre o território, devastan-do aldeias e dizimando toda a população nativa. Chacinados pela violência e crueldade dos colo-nos, os índios teriam desaparecido da história”.

Tal discurso “vitimizador”, como se pode perceber, realça a crueldade dos colonizadores, tomados como responsáveis pelos atos atrozes contra os nativos. “O mais significativo é que, considerados exterminados por essas investi-das devastadoras, os índios foram excluídos da história de Minas, não tendo participado de sua construção e, por extensão, abandonados como tema de estudo pelos historiadores”, interpreta a pesquisadora, ao destacar, porém, que as parti-cularidades da política indigenista em solo mi-neiro, também devem ser ponderadas.

“A Coroa Portuguesa proibiu o acesso às Minas, decretando certas ‘áreas proibidas’, te-mendo os descaminhos do ouro levado a cabo por ávidos contrabandistas. Essa deliberação também recaiu sobre as ordens religiosas, que nutriam grande autonomia e foram, por isso, proibidas de pastorear na capitania”, afir-ma Leônia, para quem “a decisão acabou por comprometer os estudos sobre as estratégias de ‘civilização’ dos índios, tema tão caro às in-vestigações sobre o papel de cristianização da Igreja na colônia”.

Apesar disso, a “ausência formal das or-dens religiosas” não encerrou, completamente, as relações entre Igreja e grupos indígenas. Ao contrário, e por isso mesmo, transformou-se em prática singular do clero secular – o que, na acepção da pesquisadora, merece análise pro-funda. Que o diga o exemplo de atuação do padre Pedro Mota, “índio cropó educado com o propó-sito de arrebatar sua gente para o seio da Igreja”.

Por fim, importante ressaltar que o fato de Minas Gerais ter acolhido ampla mistura de grupos – com distintas e diversas procedências e origens –, “numa mescla de brancos, negros, índios”, fez com que o Estado apresentasse complexa configuração étnica e social. Sobre tal assunto, muito ainda há de ser desvendado: “Ao adotar a perspectiva dos povos indígenas, a historiografia transforma o próprio curso da his-tória de Minas, dando a conhecer uma narrativa inédita e ainda tão pouco difundida”.

À MARGEM DA HISTÓRIA?

PROJETO: Gentios Brasílicos: Índios Coloniais na Minas Gerais SetecentistaCOORDEnADORA: Maria Leônia Chaves Resende MODALIDADE: Demanda UniversalVALOR: R$ 28.900

Page 44: Revista Minas Faz Ciência 50

44 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

PAT

RIM

ôN

IO

Juliana Saragá

Page 45: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 45

“Seu” Adelson de Oliveira passou cada um dos seus 72 anos de vida no Lagoi-nha, bairro tradicional de Belo Horizonte. Se perguntarem por Adelson no bairro, talvez pouca gente conheça, já que o aposentado é conhecido como “Saveia” desde a infância. O apelido ele herdou do pai, que nos car-navais se fantasiava de “mulher velha” no extinto Bloco Leão da Lagoinha. “Saveia” é figura popular e escreve para uma coluna no jornal no bairro. Nela, ele dá dicas culturais, opina sobre os acontecimentos locais e ainda procura amigos e moradores antigos na seção “Cadê Você”. Além disso, joga bola em um time do bairro, formado por jogadores acima dos 60. Atualmente, ele está organizando mais uma edição da festa “Amigos da Lagoinha”, exclusiva também para pessoas acima de 60 anos nascidas e criadas no bairro. “Fazemos comida, bate-mos papo, dançamos. É muito divertido!”,

anima-se. Resgatar e valorizar a tradição desta “vida de bairro” faz parte da missão do aposentado e também é objeto de estudo para pesquisadores do Programa de Pós--graduação em Ciências Sociais da PUC Minas. Em função da natureza do tema, sua equipe tem formação multidisciplinar, nas áreas da sociologia, arquitetura e história. São dois os seus principais desafios. Pen-sar como proteger o patrimônio cultural dos bairros situados no anel pericentral da cida-de e como articular as dimensões materiais – patrimônio construído – com a dimensão chamada imaterial, ou seja, os modos de vida dos moradores.

Um pouco de história...Inspirada no modelo das mais mo-

dernas cidades do mundo, como Paris e Washington, Belo Horizonte foi proje-tada pelo engenheiro Aarão Reis entre 1894 e 1897. O projeto dividiu a cidade em três principais zonas: a área central urbana, a área suburbana e a área rural. No centro, o traçado geométrico e regular estabelecia um padrão de ruas retas, for-mando uma espécie de quadriculado. Mais largas, as avenidas seriam dispostas em sentido diagonal. Essa área receberia toda a estrutura urbana de transportes, educa-ção, saneamento, comércio e assistência médica, e abrigaria os edifícios públicos dos funcionários estaduais. Seu limite era a Avenida do Contorno, que naquela épo-ca se chamava 17 de Dezembro. A capital traçada era um lugar elitista. Seus espaços estavam reservados somente aos funcioná-

rios do Governo e aos que tinham posses para adquirir lotes. “Contrariando os planos de Aarão Reis, que imaginava o crescimen-to da cidade partindo da zona urbana, as ocupações se deram mais intensamente na chamada zona suburbana. Dentro do anel da Avenida do Contorno ficaram os grupos de maior poder aquisitivo. Os imigrantes, trabalhadores que vieram para construir a cidade, não podiam pagar os preços altos dos lotes e foram para a região pericentral”, explica Luciana Teixeira, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas e pesquisadora res-ponsável pelo projeto.

Patrimônio socialPode ser considerado patrimônio todo

bem que recebe algum tipo de valor por um determinado grupo de pessoas. “O patrimô-nio não precisa ser necessariamente mate-rial, pode ser uma prática cultural, um lugar, enfim, algo que recebeu uma atribuição de valor pela sociedade. Esta atribuição nem sempre é consensual e geralmente há uma disputa para isso. Com o tempo, as pessoas vão incorporando este valor, apesar da re-sistência inicial”, explica a pesquisadora.

O primeiro objeto de proteção da ca-pital mineira foi a área no interior da Ave-nida do Contorno. Os primeiros conjuntos

Page 46: Revista Minas Faz Ciência 50

46 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

tombados se localizam nessa região, como a Praça da Liberdade, o bairro Funcionários e o Centro da cidade. Mas os bairros locali-zados no entorno da Avenida do Contorno, objeto do estudo, são tão antigos quanto os do interior. “Eles foram ocupados e forma-dos na mesma época e também merecem atenção quanto à proteção de seu patrimô-nio. Nosso desafio foi pensar a relação entre a arquitetura das casas e os modos de vida e as relações de vizinhança. Como preservar os dois patrimônios e que tipos de proteção que eles devem ter para que estas relações permaneçam”, esclarece.

Os bairros selecionados para o estu-do foram os tradicionais Bonfim, Lagoinha, Floresta, Santa Tereza, Carlos Prates e Padre Eustáquio, com foco para os quatro primei-ros. Eles são chamados de “bairros históri-cos” e suas histórias de origem estão muito vinculadas à própria formação e construção da nova capital. Mas, diferentemente do que ocorreu na zona urbana, não sofreram um intenso processo de substituição de casas por prédios e, principalmente, de função residencial para comercial. Tudo isso con-tribuiu para a manutenção de um patrimônio tanto arquitetônico, quanto cultural, repre-sentado por modos de apropriação do es-paço e por relações de vizinhança de caráter mais tradicional.

Charme de bairroCasas singelas, compras no mercadi-

nho da esquina, uma conversa na praça, a observação da janela: o charme da vida de bairro atraiu grandes escritores como Pe-

dro Nava e Carlos Drummond de Andrade, que já foram moradores do Floresta. E nem só de famílias antigas e tradicionais vivem estes bairros, cujo encanto tem atraído tam-bém os jovens. É o caso da publicitária Pau-la Seabra, que há dois anos mora no Santa Teresa. “Lá eu me sinto em uma cidade do interior dentro da cidade grande”, conta. A zona boêmia e as atividades culturais, ca-racterísticas principais do bairro, encantam a juventude e atribuem ao Santa Teresa uma mistura de modernidade e tradição. “O anti-go me atrai”, explica a publicitária.

Como parte do projeto, foi realizado um roteiro de entrevistas que investigou as per-cepções que os moradores têm pelos bairros e algumas características foram observadas. “O Floresta e o Santa Teresa têm uma relação de proximidade muito forte. Quando pergun-távamos a um morador do Floresta qual outro bairro ele escolheria para morar, eles respon-diam Santa Teresa, e vice-versa. São bairros irmãos que têm uma relação de vizinhança e modos de vida muito parecidos. A diferença é que o Floresta é um bairro mais familiar, ca-tólico, enquanto no SantaTeresa a tradição se renova com a juventude nos bares e eventos culturais”, detalha a pesquisadora.

Quando se fala em Bonfim, a primeira palavra associada foi o cemitério, que é pa-trimônio tombado do bairro. “Percebemos nas entrevistas que o Bonfim e o Lagoinha ainda enfrentam um estigma negativo da re-lação com drogas , prostituição e presença da polícia. Mas “Seu” Adelson, morador nato do Lagoinha, não concorda com essa fama “de jeito nenhum”. Para ele, a vivência no bairro

é “maravilhosa” e ele o considera um local tranquilo e charmoso. O aposentado ressalta a importância das políticas de conservação do patrimônio. Recentemente, um programa da prefeitura possibilitou que os moradores votassem em um bem que gostariam que fosse revitalizado. “O conjunto IAPI ganhou na primeira edição. Agora votamos pela revi-talização da Rua Itapecerica para melhorar o problema das drogas”. Para “Seu” Adelson, a revitalização vai transformar o local em um “dos melhores bairros para se viver” e ainda trazer gente nova. “Nosso filhos vão querer voltar com a Lagoinha bonita”, antecipa-se.

DesafiosUma das hipóteses do grupo de pes-

quisadores é que, apesar dos avanços na concepção e nas práticas de proteção ao pa-trimônio urbano municipal e de todo um mo-vimento de descentralização e democratização da política cultural, a proteção aos bairros situados fora da zona urbana encontra uma série de dificuldades, entre elas a de reconhe-cer, como patrimônio da cidade, as áreas fora do seu espaço central e com características de ocupação e maneiras de percepção dis-tintas. “Identificamos a necessidade de os patrimônios materiais e sociais serem pen-sados conjuntamente. É preciso pensar que um patrimônio não deve ser necessariamente monumental e produzido por uma elite. Casas que não levam nomes de arquitetos famosos, que não têm um estilo arquitetônico definido, mas que possuem grande valor social devem ser protegidas”, alerta. Para a pesquisadora, a população e as políticas públicas devem reconhecer essa arquitetura popular como patrimônio passível de proteção. “São retratos de diferentes ocupações sociais. A identidade e riqueza de uma cidade estão diretamente li-gadas à sua diversidade”, conclui.

O projeto rendeu diversos artigos e, como produto final, um livro será publica-do em breve.

Time do Pitangui, bairro Lagoinha, na década de 80

Foto

: arq

uivo

pes

soal

PROJETO: Bairros Históricos de Belo Horizonte: Patrimônio Cultural e Modos de VidaCOORDEnADOR: Luciana Teixeira de AndradeMODALIDADE: Demanda UniversalVALOR: R$ 20.541

Page 47: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 47

LEM

BR

A D

ESSA

?

Em todo o mundo, mais da metade das interrupções em linhas de transmissão e distri-buição de energia são causadas por descargas elétricas, que provocam sobrecarga em pontos das redes. Minas Gerais concentra os raios mais potentes e uma das maiores incidências de descargas do planeta, o que faz com que a região necessite de dispositivos de proteção mais resistentes e de maior eficácia. O estudo dessas descargas tem uma vertente econômica muito importante, como explica o professor da Escola de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Silvério Visa-cro Filho, coordenador do Lightning Research Center (LRC), ou Núcleo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Descargas Atmos-féricas. Os projetos desenvolvidos pelo LRC têm hoje abrangência global e resultaram em mais de duzentas publicações sobre o assunto.

Em 2001, a MINAS FAZ CIÊNCIA anuncia-va em sua edição n° 7 a criação do LRC, fruto de uma parceria entre a UFMG e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Naquele ano, o LRC foi considerado o único centro de excelência em descargas atmosféricas da Améri-ca Latina. Hoje, o centro se consolida como um dos três mais importantes do mundo. Visacro Filho relata: “desde o início, nossa meta foi bus-car excelência científica e tecnológica em nível internacional, visando impactar comunidades científicas de todo o planeta com um aprofunda-mento inédito nas pesquisas”.

Criado para ser autossustentável e pro-porcionar desenvolvimento científico e tecnoló-gico em interação com o mercado, o LRC adotou a estratégia de converter os fundos arrecadados nos projetos em recursos para o próprio cen-tro, programando-se assim para não sofrer in-terrupções por falta de verba. Isso possibilitou ampliar a estação do Morro do Cachimbo – que, em princípio, media apenas correntes de raio –,

transformando-a no maior complexo de pesqui-sas de descargas atmosféricas a céu aberto do mundo, com cinco ambientes de estudos distin-tos. “Os medidores foram digitalizados e hoje possibilitam a aferição integral da onda de raio, com resoluções de tempo muito maiores, o que oferece uma visão mais detalhada sobre o fenô-meno e sua formação”, diz.

Com a tecnologia modernizada, o LRC foi o primeiro núcleo de estudos de descargas atmosféricas a registrar dados de uma onda de raio em um espaço de milionésimos de segun-dos. “Esta detecção permite extrair informações sobre a física de formação da descarga, um estu-do sem precedentes que nos permite investigar o que gera um raio”, explica Visacro. Câmeras ul-trarrápidas foram integradas a sistemas de detec-ção de descargas, tornando possível a captura de imagens dos estágios iniciais de sua formação. O complexo possui duas redes de transmissão experimentais de diferentes configurações, para abstração das tensões e interferências induzidas em cada uma delas ao receber uma descarga e aparatos que receptam e distinguem efeitos dos campos elétricos gerados por descargas diretas ou em uma área de até 100 m².

Os softwares que possibilitam a interati-vidade de todos os aparelhos são desenvolvi-dos pelo Lightning Research Center. Para isso, o núcleo possui um edifício-sede, construído no campus da UFMG, ao qual estão integrados seis laboratórios especializados com equipa-mentos de alta tecnologia. Neles, são reali-zados testes a partir dos dados coletados. “O Complexo do Cachimbo e a unidade da UFMG estão articulados de forma complementar. De-pendo do Cachimbo para coletar dados e do laboratório para apurá-los”, explica Visacro. Os eventos são reproduzidos nos laboratórios para que suas particularidades possam ser exa-minadas pela equipe, sob a supervisão de sete

docentes de formação acadêmica multidiscipli-nar. “Nós viemos da Engenharia, mas tivemos de caminhar para o campo da Física. A conver-gência de conhecimentos possibilita extrair o máximo de cada pesquisa e compreendermos o fenômeno integralmente, para então projetar-mos ferramentas de proteção muito mais sofis-ticadas e eficazes que as convencionais”.

Antes da criação do LRC, toda a medição de raios realizada no mundo tinha por referência os dados coletados a partir de medições reali-zadas na Suíça. Entretanto, esses valores são pouco representativos para Minas, onde a inten-sidade média da corrente de um raio é de 45 mil amperes, contra 30 mil da média europeia. Além disso, as condições climáticas distintas também influenciam na forma das descargas. Hoje, devi-do à precisão das medições realizadas pelo LRC, as estatísticas obtidas pelo centro mineiro torna-ram-se referência em todo o Brasil e em muitos países de clima tropical, já que a similaridade climática é maior do que a da Suíça.

Um projeto do LRC em fase experimental promete incorporar ainda mais acuidade aos re-sultados de suas aferições. Os testes estão sen-do realizados em dez pontos distintos nos esta-dos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro e consistem na instalação de um equipamento de captura de correntes de raios junto a torres de telecomunicação construídas em grandes altitu-des. Quando um raio ocorre próximo ao local, os aparelhos coletam e armazenam propriedades da descarga. A precisão das mensurações feitas pelos receptores ainda está em análise. “Quan-do a exatidão das medições dos equipamentos for constatada, validaremos as pesquisas. A proposta é que, em um futuro próximo, esse aparelho esteja espalhado por todo o território brasileiro. Teremos amostras de correntes de todas as regiões do país e pesquisas ainda mais significativas”, ressalta o professor.

Referência na área, núcleo de estudos registra dados de descarga elétrica em milionésimos de segundos

Caçadoresde raios

William Ferraz

Page 48: Revista Minas Faz Ciência 50

48 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

LEIT

UR

AS

Uma abordagem histórica da carto-grafia, uma das formas mais antigas de re-presentação da superfície da Terra, é o tema de História da Cartografia e Cartografia Sis-temática, voltado para alunos de graduação e pós-graduação em Geografia e áreas afins. Escrito pelo pesquisador mineiro José Flávio Morais Castro, pós-doutor em Cartografia Histórica pela Faculdade de Letras da Uni-versidade do Porto, de Portugal, e contando com apoio da FAPEMIG, o livro mostra como o mapa sempre esteve presente nos grandes momentos da história da humanidade como elemento de orientação dos mais variados povos, como importante instrumento de pla-nejamento e gerenciamento do espaço.

Morais Castro ressalta que, com a introdução dos recursos computacionais na cartografia, o processo de análise de informação tornou-se interativo, principal-mente com o uso da cartografia digital, dos sistemas de informações geográficas e da

internet. “Entretanto, métodos e técnicas desenvolvidos na cartografia convencional (ou analógica) não devem ser negligencia-dos nas aplicações ligadas a essas tecno-logias”, adverte o autor.

Rico em ilustrações coloridas, o vo-lume é dividido em três partes. Na primei-ra, a ênfase é na história da cartografia, co-meçando dos povos primitivos e chegando até o século XX. Na segunda, o foco recai sobre as concepções em torno do tema. Fi-nalmente, a terceira parte elege a cartogra-fia sistemática como assunto, destacando a carta topográfica e os métodos analógico e digital da Morfometria.

LIVRO: História da Cartografiae Cartografia SistemáticaAUTOR: José Flávio Morais CastroEDITORA: Editora PUC MinasPÁGInAS: 104AnO: 2012

LIVRO: O sonho de Einstein – Em busca da Teoria do Todo AUTOR: Pietro GrecoTRADUÇÃO: Letizia Zini EDITORA: Editora UnicampTÍTULO ORIGINAL: Il sogno di EisteinPÁGINAS: 152ANO: 2011/2012

A Idade Média marca o retrocesso da Cartogra-fia. Os ‘cartógrafos’ medievais foram dominados pelo sentido cristão, com fortes expressões simbólicas e ar-tísticas. Utilizaram a Orbis Terrarum dos romanos, para fins cristãos, tendo Jerusalém como centro. Produzi-ram os mapas T-O – harmonia divina (Isidoro, 570-636, bispo de Sevilha) – nos quais a Ásia ocupava a metade superior do O, com a Europa e África ocupando, cada uma, a metade da parte inferior

Chegamos, então, a 1905. É um dos anos mais criativos de Albert Einstein. E de toda a física. Nesse ano realmente admirável, o jovem, que conseguiu finalmente um emprego fixo no Departamento de Pa-tentes de Berna, lança três foguetes flamejantes que, segundo as palavras de Louis de Broglie, de repente iluminam o céu escuro da física. Trata-se dos três famosos trabalhos sobre o movimento browniano, o efeito fotoelétrico e a relatividade restrita

História da Cartografia

O sonho de EinsteinAo ler a extensa bibliografia sobre

Albert Einstein (1879-1955), algo incomo-dava Pietro Greco: todos os autores falam com profunda admiração do gênio cientí-fico do alemão. Mas quase todos, quando falam dessa forma de um dos mais famosos cientistas de todos os tempos, referem-se à atividade que realizou em pouco mais de dez anos, entre 1905 e 1917, quando contribuiu, por exemplo, para o surgimento da Teoria Quântica, a redefinição dos conceitos de espaço e tempo e a consolidação da Teoria Atômica da Matéria, e deixam de lado quase toda a atividade científica que Einstein de-senvolveu nos 40 anos seguintes.

Nessa perspectiva, a tese de Greco, em O sonho de Einstein, é que os últimos 40 anos de vida científica de Einstein não devem ser envoltos no “silêncio piedoso e, ao mesmo tempo, embaraçoso, com que familiares costumam proteger o parente que, de repente, perdeu o juízo”.

O ponto de partida é a carta mais lon-ga do cientista para seu melhor amigo, Mi-chele Besso, a última de um epistolário que é o mais “completo, articulado e comple-xo” da história científica contemporânea.

O autor, Pietro Greco, é formado em Química, jornalista científico do diário L’Unitá e consultor científico e coautor do programa de TV Pulsar. Storia della scienza e della tecnologia Del ‘900, transmitido pela emissora italiana RAI. O livro integra a cole-ção Meio de Cultura, que procura apresen-tar textos em linguagem acessível a todos os leitores, e não apenas aos iniciados.

Page 49: Revista Minas Faz Ciência 50

2

1 34

5

Como o senhor avalia a integração entre o meio acadêmico e as empresas privadas?

Como um desafio. E a obrigação nossa — sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) — é superar desafios. As po-líticas públicas voltadas para o desenvolvimento do Brasil, em todas as áreas, trazem inseridas a estratégia nacional de CT&I. Como a base de produção de conhecimento cresceu, precisamos levá-la, agora, a contribuir para o aumento da competitividade das empresas. A tendência é esse movimento de inovação se propagar por todo o setor produtivo. Se na liderança das ca-deias produtivas estão as grandes organizações, seus fornecedores podem ser empresas bastante pequenas. Quando uma empresa maior adota a inovação, ela exige que seus fornecedores ino-vem também. As empresas pequenas, por sua vez, podem fazer parcerias com as universida-des ou buscar mecanismos de apoio à inovação do governo, como a subvenção econômica da agência de fomento do MCTI, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) . A Ciência e a Inova-ção trazem benefícios para toda a sociedade, em todas as áreas do conhecimento.

A Estratégia nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o período de 2012-2015 prevê investimento de recur-sos públicos da ordem de R$ 75 bilhões. Esse valor é suficiente para financiar o que se planeja?

Temos uma boa possibilidade de investir em tudo aquilo que estamos propondo, mas o valor ainda não é suficiente para toda a demanda. Além do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, temos tido reforços orçamentários. Por exemplo, fazendo associa-ções com o Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES), que nos permite financiar diretamente as empresas para o pro-cesso de inovação. Só no ano passado e neste, foram mais de R$10 bilhões de reforço.

O Brasil tem experiências muito bem sucedidas em setores como petróleo, agro-negócios e aeroespacial. Como levar esse sucesso a outras áreas?

Mais uma vez, com a participação das em-presas, especialmente das empresas privadas. Indicadores de países desenvolvidos, como os asiáticos, por exemplo — onde o desenvolvi-mento é mais recente —, mostram que os inves-timentos empresariais são bem mais altos do que os governamentais. Aqui, não é assim. Note que os exemplos citados, todos, estão muito ligados a iniciativas dos governos. Mas o desenvolvi-mento é uma responsabilidade de toda a socie-dade. MCTI, FAP’s e secretarias estaduais devem trabalhar juntos para que as empresas, estimula-das pelo Estado, invistam mais. Os instrumentos para isso podem ser a oferta de crédito, isenção tributária e estímulo à cooperação entre os vários agentes, ou a criação de parques tecnológicos, onde atuam empresas e academia com objetivos comuns. E também a cooperação internacional, dentre outros.

Por falar em internacionalização, o Ciência sem Fronteiras é um programa — realizado pela sua pasta, junto com o Mi-nistério da Educação e órgãos de fomento — que deve enviar milhares de estudantes de graduação e pós-graduação do Brasil para intercâmbio com o exterior. Existe um plano para absorver esses jovens depois?

A internacionalização da Ciência é muito importante. Precisamos estar conectados com

o que acontece no mundo. E o valor da Ciên-cia é universal. Quando a gente compara nossa produção com a de outros países podemos per-ceber mais rapidamente a qualidade do nosso trabalho. Mandar estudar fora, além de promo-ver a internacionalização, permite direcionar o estudo em áreas estratégicas para o país, como Engenharia e Ciências Naturais, focos do pro-grama. O ministério está empenhado em criar uma estrutura para recepcionar esses jovens de volta, encaminhá-los para empregos ade-quados e permitir seu pleno desenvolvimento profissional. Vi com muita satisfação que a FA-PEMIG tem programas, semelhantes, de fixação de pesquisadores e de internacionalização, que são duas áreas estratégicas para a CT&I. Minas Gerais tem um destaque em relação aos outros estados por seu dinamismo na promoção do crescimento, fundamental, e da divulgação das políticas públicas. E a FAPEMIG exerce um pa-pel muito importante nesse cenário. Queremos fazer parcerias e aproveitar essa contribuição.

E, com relação aos centros de pes-quisa, como o senhor avalia os InCT’s ?

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia é o maior sucesso, uma configuração voltada para estimular o desenvolvimento científico nacional, que estimula a conjugação de esforços a fim de atingirmos objetivos de maior nível de complexi-dade da pesquisa. Junta forças de vários grupos menores e permite melhores resultados, elevando escala e qualidade da produção científica. O minis-tério vai continuar apoiando os INCT’s.

5 P

ERG

UN

TAS

PAR

A..

.

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 49

Marco Antônio RauppGaúcho de Cachoeira do Sul, o dirigente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) assumiu a

pasta aos 73 anos. Somente nessa área são mais de 40 anos de experiência ativa. Físico, PhD em matemática, ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), dentre outros destaques, foi fundador e diretor geral do

Parque Tecnológico de São José dos Campos, presidente das sociedades brasileiras Para o Progresso da Ciên-cia (SBPC) e de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC). No ano passado, presidiu a Agência Espacial

Brasileira. Na função de ministro desde janeiro de 2012, Raupp conversou com MINAS FAZ CIÊNCIA durante sua visita à FAPEMIG, no final de maio. “Gostei do que vi aqui”, afirmou ele.

Por Marcus Vinicius dos Santos

Você pode ouvir essa entrevista no podcast On-das da Ciência e no videocast Ciência no Ar:

fapemig.wordpress.com

@

Page 50: Revista Minas Faz Ciência 50

VA

RA

L

50 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012

Criação: Hely Costa Jr.

A M

InAS

FAZ

CIÊ

nCIA

se vo

lta p

ara s

ua p

rópr

ia hi

stória

: par

a mar

car a

s 50

prim

eiras

ediçõ

es d

a rev

ista,

uma i

mag

em fo

rmad

a com

as ca

pas d

esse

s núm

eros

Page 51: Revista Minas Faz Ciência 50

MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012 51

Page 52: Revista Minas Faz Ciência 50

52 MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012