minas faz ciência 39

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Divulgação científica- esquistossomose- identificação genética-animação-câncer-fungo do bem

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3MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009

Carol e Fapê, primeiros bezerros de pro-veta de Minas Gerais, foram um marco na utilização de técnicas de fertilização in vi-tro que, hoje, fazem do Brasil referência no uso de biotécnicas reprodutivas.

Trabalho com tintas fabricadas a partir de terra resulta em uma cartilha que foi distribuída a escolas da rede pública de Belo Horizonte, Betim, Contagem e Jabo-ticatubas.

Pesquisa identifica tipo de fungo que pode ser utilizado no controle de microorganis-mos prejudiciais à qualidade do café.

Empresa desenvolve kit nacional para identificação genética humana que apre-senta vantagens como a alta eficiência e o baixo custo.

Projeto pioneiro determina indicadores que podem predizer a resistência à in-sulina em homens adultos, auxiliando na prevenção e tratamento.

Banco Mineiro de Tumores Humanos é fonte para estudos diversos sobre a do-ença, proporcionando o avanço do conhe-cimento na área.

Sumário

Histórias infanto-juvenis que também en-sinam sobre ciência e meio ambiente. Co-nheça o trabalho do médico, entomólogo, ambientalista e escritor Ângelo Machado.

Divulgação científica

Esquistossomose

Animação

Câncer

Resistência à insulina

Descomissionamento

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42

46

4826

50

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20

23

30

Trabalho coordenado por pesquisadores do René Rachou mapeia a ocorrência de espécies de moluscos hospedeiros do Schistosoma mansoni em cinco estados, en-tre eles Minas Gerais.

Software livre para captura digital de movimento em tempo real é ferramen-ta para uma produção audiovisual de alta qualidade.

O fechamento de uma mina de urânio em Caldas (MG) origina importantes traba-lhos para recuperação de áreas degrada-das, que servirão de modelo para outras regiões do país.

Lembra dessa?

Pigmentos minerais

Identificação genética

Fungo do bem

Fratura ortopédica em animais

Especial

Nova tecnologia de implante ortopédico em animais associa duas modalidades de fixação óssea e garante, além de maior efi-ciência, recuperação mais rápida.

Em 2009, a FAPEMIG assinou acordos de cooperação com instituições de diferentes países, abrindo a possibilidade de inter-câmbio e projetos conjuntos para pesqui-sadores do Estado.

Paulo Beirão, pesquisador e presidente do Conselho Curador da FAPEMIG, fala sobre as propostas e os desafios da 4ª Conferên-cia Nacional de C&T

Projetos em desenvolvimento no Estado auxiliam pessoas com algum tipo de defici-ência, garantindo maior autonomia nas tare-fas cotidianas e melhor qualidade de vida.

Tecnologia assistiva

Opinião

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteú-do é permitida, desde que citada a fonte.

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

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MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 20094

MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 20094

ExpedienteAo leitor

MINAS FAZ CIÊNCIAAssessora de Comunicação Social e Editora: Vanessa Fagundes (MG-07453/JP)Redação: Vanessa Fagundes, Ariadne Lima (MG-09211/JP), Juliana Saragá e Raquel Emanuelle Dores (estagiária)Colaboração: Carolina Jardim, Desiree Antônio, Letícia Orlandi e Virgínia FonsecaIlustrações: Bruno VieiraRevisão: Aline LuzProjeto gráfico/Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Lastro EditoraTiragem: 15.000 exemplaresFotos: Glênio Campregher, Marcelo Focado e Lila AlvesAgradecimentos - Agradecemos a todos os colaboradores desta publicaçãoRedação - Rua Raul Pompeia, 101 - 12.º andarSão Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Aécio Neves

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Alberto Duque Portugal

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto BorgesDiretor Científico: José Policarpo G. de AbreuDiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte PereiraConselho Curador:Presidente: Paulo Sérgio Lacerda BeirãoMembros: Afonso Henriques BorgesAnna Bárbara de Freitas ProiettiEvaldo Ferreira VilelaFrancisco Sales HortaGiana MarcelliniJoão Francisco de AbreuJosé Cláudio Junqueira RibeiroJosé Luiz Resende PereiraMagno Antônio Patto RamalhoPaulo César Gonçalves de AlmeidaValder Steffen Júnior

Capa: 787 da BoeingFoto: Divulgação BoeingNº38 jun. a ago./2009

Minas Gerais tem um grande potencial na área da ciência, tecnologia e inovação. Aqui estão reunidas, por exemplo, 12 universidades federais, o maior número por Estado, além de duas universidades estaduais e centros de pesquisa importantes. Já estão em funcionamento, também, 13 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, centros responsáveis por pesquisas de ponta em temas considerados estratégicos. Ferramentas como a Lei Mineira de Inovação e editais específicos servem de incentivo para que empresas invistam em inovação, alimentando um ciclo de desenvolvimento. Por esses e outros motivos, o Estado vem ganhando reconhecimento e visibilidade.

A matéria de capa desta edição apresenta um trabalho que é exemplo da liderança de Minas Gerais na área científica. O estudo, coordenado por pes-quisadores do Centro de Pesquisas René Rachou, irá mapear a ocorrência de caramujos hospedeiros do Schistosoma mansoni, causador da esquistos-somose, em cinco estados brasileiros. A doença é considerada, hoje, como de categoria 2 entre as doenças negligenciadas – ou seja, uma enfermidade persistente, apesar de haver estratégias de controle. Somente no Brasil, esti-ma-se que existam cerca de cinco milhões de pessoas infectadas. O trabalho permitirá conhecer melhor a distribuição da doença e, com isso, possibilita-rá um planejamento mais eficaz das formas de controle e tratamento.

Outro trabalho de peso é a implantação do Banco Mineiro de Tecidos e Tumores, uma iniciativa pioneira no país. Por meio da coleta e armazena-mento de amostras, o Banco pretende oferecer condições para pesquisas e produção de conhecimento sobre o câncer. Dessa forma, será possível buscar tratamentos mais eficazes, definir melhores rotinas de diagnóstico e realizar estudos genéticos. O Banco já reúne mais de 200 amostras de diferentes tumores de maior incidência no Brasil – gástricos, prostáticos, intestinais, mamários, renais, de pele e de bexiga. A proposta, agora, é ampliar a coleta e estabelecer novas parcerias com instituições e laboratórios de pesquisa, de forma a permitir o aprofundamento dos estudos.

Na área de Tecnologia da Informação, pesquisadores da Fumec e da UFMG desenvolveram um software livre para captura de movimentos, se-melhante ao utilizado para desenvolvimento de jogos como o Fifa Soccer ou para a realização de filmes como o recente Avatar. O trabalho promete ter grande impacto no mercado brasileiro: além de não existir no mundo um software livre com essa funcionalidade, até então era preciso importar essa tecnologia. Os estudos, voltados para animação de personagens e jogos, são pioneiros no país.

No Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), um trabalho irá orientar as atividades do país no que diz respeito ao desco-missionamento (fechamento) e recuperação de regiões degradadas pela mineração de urânio. A pesquisa utiliza como modelo uma lavra de urânio localizada no município de Caldas, a primeira a ser implantada no país. Suas atividades foram encerradas após 15 anos de operação e, agora, os pesqui-sadores testam métodos de recuperação que levam em conta a presença de elementos radioativos e de outros tipos de metais.

E como a ciência não deve ficar guardada na gaveta, conheça o trabalho de divulgação científica realizado pelo médico, entomólogo, ambientalista e escritor Ângelo Machado. Ele é conhecido por sua paixão pelas libélulas (descreveu 48 novas espécies do inseto) e por seu trabalho como divulga-dor, quando contribuiu com revistas como a Ciência Hoje e a Ciência Hoje das Crianças. Atualmente, ele se dedica aos livros infanto-juvenis, nos quais mistura ficção e lições sobre a Mata Atlântica, animais e história do Brasil.

Estes são apenas alguns exemplos do que aguarda por você nesta edição. Boa leitura!

Vanessa FagundesEditora

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5MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN. A AGO. / 2009

Cartas

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, preencha o cadastro no site http://revista.fapemig.br ou envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG

/ Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Publicação trimestral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIGnº 38 - junr. a ago. 2009

MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as car-tas enviadas à Redação podem ou não ser publicadas e, ainda, que se reserva o direito de editá-las, buscando não alterar o teor e preservar a ideia geral do texto.

“Sou professor do Curso de Técnico em Química da Escola Municipal Governador Israel Pinheiro de João Monlevade/MG (EMIP – QUÍMICA) e venho por meio des-te agradecer pelas informações através dos artigos e reportagens que esta revista pro-porciona. Parabenizo pela entrevista com Luiz Carlos Molion (edição n° 38) - exce-lente abordagem. Uso as reportagens e os artigos como tema para os alunos fazerem resenhas e discutirem em sala de aula e vejo que são muito produtivas. Muito obri-gado por incentivar a Ciência através da MINAS FAZ CIÊNCIA”.

Huita do Couto MatozoProfessor/EMIP

João Monlevade/MG

“Os artigos publicados me ajudam muito até para lecionar, colocando os conheci-mentos atuais das pesquisas ao alcance dos meus alunos. Estou querendo fazer um trabalho de pesquisa com plantas medici-nais para desenvolver um mestrado e nas edições encontro tópicos muito importan-tes para me direcionar”.

Nereida da Silva CostaCataguases/MG

“Sou jornalista e gostaria de estar por dentro da produção científica realizada em Minas Gerais. Recentemente, tive o primeiro conta-to com a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Lia a entrevista com o pesquisador da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Carlos Molion, sobre o aquecimento global e achei seu pensamento bastante pertinente. Me interessei pela revista e gostaria de recebê-la”.

Stênio Costa AguiarJornalista

Montes Claros/MG

“Agradeço à FAPEMIG pela minha inclusão na lista dos destinatários da revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Aqui em terras goianas passei a ser uma “formiga divulgadora” dos importan-tes trabalhos e matérias impressas. Amigos e colegas de trabalho ficam surpresos ao ver o esforço em prol da ciência traduzido na quali-dade de cada edição”.

Benicio Araújo Goiânia/GO

“Meu nome é Fabiane, sou técnica em Bio-tecnologia e estudante de Gestão Ambiental. Conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA atra-vés de uma professora de genética e gostei muito. Por isso estou enviando este e-mail para solicitar as edições futuras”.

Fabiane do Espírito SantoRibeirão das Neves/MG

“Olá, pessoal da MINAS FAZ CIÊNCIA! Eu recebo essa ótima revista há quase dois anos. Agora mudei de endereço e gostaria de continu-ar tendo acesso ao valioso conteúdo de vocês. Meu novo endereço, juntamente com meus dados, está citado a seguir. Um grande abraço para todos, muita força, entusiasmo e mais sucesso ainda!”

Leandro Elias MoraisViçosa/MG

“Agradeço pelo envio das revistas, gostei muito do conteúdo e achei a impressão muito boa. Fico orgulhoso do nosso Estado ter uma revis-ta tão boa assim”.

Adriano Inácio de OliveiraUberaba/MG

“Conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA e gostei muito. Aproveito para parabenizar a todos. Tem reportagens bastante interessantes e instrutivas, tenho certeza de que ela será muito útil para mim e para minha filha que está em idade escolar”.

Luzia PiresCaeté/MG

“Recebi os exemplares na manhã deste sá-bado e fiquei muito satisfeito com a riqueza

de assuntos e a grande competência nas interpretações de uma gama diversificada de temáticas. Parabéns a toda equipe da revista pela qualidade do trabalho, condu-zido de forma impessoal e republicana!”

Rodrigo Graziani OliveiraIpatinga/MG

“Estou de fato satisfeito com a atenção a mim dispensada e agradeço a manei-ra como fui atendido. O trabalho de vocês tem uma qualidade indiscutível e nem é necessário comentar a importância das informações veiculadas pela revista. Para-béns e obrigado por me incluir em seu rol de assinantes”.

Jefferson Vieira CruzLagoa Santa/MG

“Recebo há tempo a revista dessa Funda-ção, o que me proporciona conhecimento e satisfação. Minas Gerais cria oportunidade para pesquisas importantíssimas. Gostaria de continuar recebendo os exemplares que são muito interessantes e que trazem conhecimentos atualizados”.

Maria das Dores LimaFranca/SP

“Sou estudante de Engenharia Ambiental. Portanto, muito me interessa receber em minha residência essa revista trimestral. Soube que suas matérias abordam publi-cações e pesquisas e que são muitíssimo importantes, tanto do ponto de vista cientí-fico e cultural como, no meu caso, profissio-nal. Agradeço a atenção e, em especial, por me proporcionarem um enorme aprendi-zado e crescimento profissional.”

Natália Cristiane M. dos Anjos Ferreira

Sete Lagoas/MG “Sou funcionária da Prefeitura de Belo Horizonte e tive oportunidade de ler a re-vista MINAS FAZ CIÊNCIA. Gostei muito da forma como expõem as realizações do Governo do Estado e, assim, gostaria de assinar tal publicação, pois isso será útil em minha vida profissional.”

Izabela de Souza Alves TorresArquiteta

Belo Horizonte/MG

“Obrigada pela atenção e pelas revistas enviadas. É de extrema importância pra mim o conteúdo de publicações que en-fatizam o crescimento científico de Minas Gerais, uma vez que sou aluna de Biolo-gia, residente no Estado. Garanto que farei bom uso das revistas.”

Danielle Tanise FagundesMatozinhos/MG

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Entrevista

Ciência, literatura e

libélulas

Ao chegar na única casa cheia de árvores e plantas de uma das avenidas mais movimentadas de Belo Horizonte, já nos esperava na varanda uma das figuras mais simpáticas e divertidas do meio científico brasileiro. Bem disposto e muito receptivo, nosso entrevistado nos conduziu até o escritório, onde aconteceria a conversa para a MINAS FAZ CIÊNCIA. Pelo caminho, a paixão de infância do médico, entomólogo, ambientalista e escritor Ângelo Machado é perceptível nos quadros e esculturas de libélulas em todos os tamanhos e formatos.

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Médico de formação, Ângelo Machado não chegou a exercer o ofício – em suas palavras, “por falta de vocação”. Passou, então, a lecionar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Depois de sua aposentaria, prestou concurso novamente e voltou à UFMG, desta vez como professor do Departamento de Zoologia. Durante todo esse tempo, continuou pesquisando sobre as libélu-las, que lhe despertam interesse desde os 15 anos de idade. Chegou a escrever mais de cem artigos científicos sobre neurobiologia e entomologia e descreveu 48 novas espécies e quatro gêneros desse inseto.

Aos 50 anos tornou-se escritor. Hoje, possui 33 livros infantis publicados e em todos eles existe a preocupação de despertar o interesse para a ciência atra-vés de histórias que falam sobre o meio ambiente, a fauna e a flora brasileiras. Também adaptou algumas de suas obras para o teatro – uma das mais populares é Como sobreviver em festas e recepções com bufê escasso, há anos em cartaz na capital mineira. E o que era para ser uma entrevista se tornou um bate-papo, re-gado a muito bom humor, no qual Machado contou sobre sua carreira literária, a importância da divulgação científica e sua paixão pelas libélulas.

Suas histórias misturam literatura e ciência. Como é possível juntar as duas áreas, a princípio tão distintas?

Alguns críticos literários acreditam que somente a ficção pode existir nas histó-rias para crianças. Mas eu acho que, às vezes, a realidade é mais extraordinária que a ficção, especialmente quando falamos da natureza. Por isso eu misturo realidade e ficção. O grande desafio do cientista é saber adaptar a linguagem científica para a literária. Escrevi meu primeiro livro, O menino e o rio, há 22 anos. Comecei a escrever e achei que não ficou bom - sem querer, estava complicado demais. Então gravei a história como se estivesse contando para uma criança, passei para o computador, trabalhei em cima e no fim deu certo. O objetivo principal do escritor infantil é despertar o gosto e o prazer pela leitura. Se ele atingiu isso, sucesso. Mas ele também pode ensinar alguma coisa. É o que eu faço na maioria dos meus livros. E é um desafio levar a criança a aprender sem que ela saiba que está aprendendo. Se ela perceber que o livro é didático, já passa a não gostar porque é coisa da escola.

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Como a ciência aparece em suas histórias?

A idéia, é misturar realidade e ficção. Em O velho da montanha, por exem-plo, eu apresento minha experiência numa tribo indígena. Esse livro chegou a ganhar o prêmio Jabuti de Literatura. Aprende-se nele muita coisa sobre o costume de índios, antropologia, lín-guas - mas não deixa de ser uma his-tória de aventura. Já o livro Os fugitivos da esquadra de Cabral aborda a história do Brasil. A inspiração veio de uma fra-se na carta de Pero Vaz de Caminha sobre a história de dois degredados: “Creio, senhor, que com esses dois degredados ficam mais dois grumetes, que saíram do navio esta noite”. Ou seja, dois adolescentes que estavam na esquadra de Cabral realmente fugiram, mas ninguém sabe o que aconteceu com eles. No livro, eu conto essa his-tória, digo porque eles fugiram, para onde foram. E, dessa forma, apresen-to a história e a mitologia dos índios.

No final é que vem o que é realidade ou não. Ou seja, os meus livros viram divulgação cientifica no fim. Quando as crianças lêem, não sabem se estou in-ventando e nem quero que elas saibam. E quando chegarem no final é que vão pensar: “Ah é!”. Esse livro deu certo. Fui ao Programa do Jô Soares na época do lançamento e ele começou a vender muito, ficou uns dois meses na lista dos mais vendidos. Mas foi por engano. Por engano?

É, porque não existe lista dos mais vendidos para livro infanto-juvenil. Mas estava vendendo tanto que as pessoas achavam que era não-ficção, que era história real. Ele realmente é o meu maior livro, muito bem ilustrado, com descrição de como era a Mata Atlânti-ca, os bichos que existiam e as línguas indígenas. Outra coleção de sucesso é Que bicho será? Eu considero essa co-leção a coisa mais importante que já fiz na minha vida.

Por que?

Bem, um mundão de crianças, a partir dos três anos, está lendo essa coleção. Sabe, criança tem muito a ver com cientista - os dois são movidos pela curiosidade, eles querem conhecer o mundo, descobrir para que servem as coisas. Só que o cientista procura na literatura, na internet, e a criança per-gunta. Às vezes, a família se irrita: “Que menino chato!”, “Que menino curio-so!”, “Você já me perguntou isso!”. Essa acaba sendo uma fase de inibição da curiosidade. Se a criança sobrevive a ela, ou vai ser cientista ou vai ser alguém com a mente inquisitiva, sem-pre questionando as coisas. Eu fiz essa coleção para despertar o raciocínio e aumentar a curiosidade. Um dos livros que faz muito sucesso é Que bicho fez o buraco? Esse livro já foi traduzido para o espanhol e só o governo mexicano comprou 80 mil exemplares. Aqui no Brasil já foram vendidas três remessas de 120 mil para o Ministério da Edu-

Literatura e ciência: em suas histórias para crianças e jovens, Machado mistura ficção com curiosidades e informações sobre a natureza e a história do Brasil.

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Usuário
Nota
Tirar acento de ideia
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cação. A compra para distribuição nas escolas impulsiona as vendas. Como surgiu esse interesse pela literatura?

Eu fui muito influenciado pela minha família. Meu tio, Aníbal Machado, é um escritor famoso. A minha tia Lúcia Ma-chado de Almeida é uma escritora de literatura infantil, muito conhecida por suas obras publicadas na Coleção Vaga-lume, como O escaravelho do diabo. Mi-nha prima, Maria Clara Machado, mais conhecida pelas peças de teatro, tam-bém me influenciou. Meu pai também escrevia. Eles é que não sabem como é que surgiu um cientista na família. Sempre tive vontade de escrever, mas o cientista possui uma autocrítica mui-to grande. Eu sempre achava que ainda não estava bom. Mas uma das coisas que me levaram a escrever foi pen-sar o seguinte: o cientista e o escri-tor precisam ter criatividade, só que a criatividade do cientista é limitada por aquilo que ele acha verdade. E eu queria criar o absurdo. Por exemplo, no livro A barba do velho da barba exis-te um velho que mora no 10º andar e sua barba vem até o chão. E tem outro velho com uma barba de dois quilô-metros, ele mora no alto do Pico da Neblina. Como cientista eu não posso ter um velho de barba desse tamanho, mas, como escritor, o velho é meu, eu ponho a barba do tamanho que eu qui-ser. Você libera a sua criatividade.

Como surgiu a inspiração para o primeiro livro?

Foi muito interessante porque, na época em que comecei, eu já ia às es-colas para falar com as crianças sobre ecologia, bichos e meio ambiente. E conversando com as crianças em uma escola, me perguntaram: “Por que to-dos os rios são sujos?” Aquela criança achava que na natureza todos os rios eram sujos e que o homem é quem limpava. E por que isso? Porque o úni-co rio que ela conhecia era o Rio Ar-rudas, um esgoto a céu aberto. Naque-la época, a Copasa estava anunciado o quanto custava para limpar a água do Rio das Velhas e levá-la até a torneira

das casas. Na cabecinha dela, na natu-reza, os rios são normalmente sujos e o homem é quem limpa. Meu primeiro livro, O menino e o rio, começa com a pergunta do menino para o professor: “Por que todos os livros são sujos?”.

Mas antes de ser escritor o senhor já era cientista. Como começou a carrei-ra nesta outra área?

Eu me formei em Medicina, mas não ti-nha vocação para médico. Então fui fa-zer ciência básica e dava aula de Neu-roanatomia, ensinava como o cérebro é, como ele funciona. Como hobby, eu estudava insetos - as libélulas eram as que eu mais gostava. Quando me apo-sentei como professor de Neuroana-tomia, fiz concurso novamente e voltei para a Universidade para ensinar Zoo-logia. Ou seja, o hobby virou profissão. Tornei-me professor de Entomologia, que é a ciência que estuda os insetos. Daí eu fiquei sem hobby. E como a gente não pode viver sem hobby, co-mecei a escrever livros. Hoje, tenho 33 livros publicados. No tempo de estudante, participei do Show Medici-na junto com o Jota D’Angelo. Com a experiência adquirida naquela épo-ca, comecei também a adaptar meus livros para o teatro. Tem uma peça mi-nha em cartaz nesta 36º Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, chama-se A Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará. Inclusive, o primeiro papel da atriz Débora Falabella foi de Cha-peuzinho Vermelho, nessa peça. O senhor tem um estudo sobre o imaginário das crianças. Como foi esse trabalho?

Eu fiz um estudo sobre a imagem que as crianças têm da floresta. Entrevistei muitas crianças e cheguei à conclusão de que a imagem é muito ruim. Se você perguntar a uma criança o que é floresta ela responde que é o lugar onde moram os bichos maus, como o lobo mau. E o que mais que tem lá? “Só lobo. Ah... floresta é onde vive a vovo-zinha também”, dizem. Eles misturam as histórias infantis. Percebi que, se de-pendesse da decisão das crianças de até quatro anos, todas as florestas do

mundo seriam destruídas. Mas, se pa-rarmos para pensar, tudo de ruim está na floresta: Joãozinho e Maria se per-dem na floresta; em Branca de Neve, a madrasta má manda o caçador matar a menina na floresta; Chapeuzinho Ver-melho encontra o lobo na floresta. Eu estudei muito isso. Inclusive coleciono as histórias da Chapeuzinho Vermelho, tenho umas 50 versões. E as de antes de Charles Perrault são muito piores. Em uma delas, o lobo mata a vovozi-nha, tira o sangue dela, faz uma sopa e dá pra a menina tomar.

Chega a ser macabro...

Pois é. Na Amazônia, entrevistei uma menina sobre histórias da floresta. E ela me contou: “A floresta é muito pe-rigosa. Uma vez, a menina queria andar na floresta e a mãe falou: não entra que o bicho vai te pegar. Daí a menina entrou na floreta, o bicho pegou e ela ficou dentro da barriga dele falando assim: Meu pai, me salva que o bicho mau me pegou. E o pai: Não, bem feito porque você entrou na floresta. A me-nina: Mãe, me salva que o bicho mau

“O objetivo principal do escritor infantil é despertar o gosto e o prazer pela leitura. Se atingiu isso, sucesso.

Mas ele também pode ensinar alguma coisa. É um desafio levar a

criança a aprender sem que ela saiba que está

aprendendo. Se ela perceber que o livro é

didático, já passa a não gostar porque é coisa da

escola.”

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me pegou. A mãe: bem feito, você en-trou na floresta. Daí vem a madrinha, passa o terço na barriga do bicho, que explode, e ela salva a menina”.Fui perguntar para a mãe da criança porque ensinou aquela história, já que eles trabalham na floresta. E ela me disse: “Depois ela aprende, doutor. Elas não agüentam carregar castanha, elas não agüentam andar na floresta. Vão atrasar a gente. Eu tenho que deixar eles dentro de casa e eles não podem sair senão se perdem, então preciso colocar medo mesmo”. Quando esses contos de fada surgiram, provavelmen-te também era para criar medo de flo-resta nas crianças. Eu não sou contra os contos de fada, mas alguns podem mudar. Eu mudei. O meu Chapeuzinho Vermelho e Lobo Guará é completamen-te diferente, nele o lobo é bonzinho.Um exemplo de quando o Ângelo zoó-logo ajuda o Ângelo escritor. Um ami-go meu descobriu que a alimentação do Lobo Guará é mais fruta que carne. 76% de fruta. Então eu mudei isso na minha história. No final, o lobo entra na casa pra comer a vovozinha e Cha-peuzinho Vermelho pergunta: “Lobo Guará, pra quê esse nariz tão grande?” E o Lobo Guará: “Chapeuzinho Verme-lho, pra quê essa melancia tão gran-de?”. Ela: “Pra você comer”. Daí ele come a melancia, percebe que gosta de frutas e os dois ficam amigos. Neste livro, aprende-se um montão de coisas sobre o lobo, o cerrado, as plantas do cerrado... Eu, como cientista, descobri uma peculiaridade da biologia do Lobo Guará que me permitiu, como escri-tor, fazer uma história diferente. Aí me perguntam: por que você nunca fez um livro sobre libélulas? Porque nunca arrumei uma história muito excitante que tivesse como protagonista a libé-lula. Meu compromisso é com os me-ninos, e não com o bicho que gosto.

Alguns artigos indicam um desin-teresse dos jovens pela ciência. Qual o problema, em sua opi-nião?

É difícil dizer porque comparado, por exemplo, com Matemática, em geral eles gostam mais de ciência. Se você analisa comparativamente, a ciência é

“Quando se fala de divulgação científica,

é preciso lembrar que quem paga a

ciência no Brasil é o povo. A maioria das

descobertas são feitas pelas universidades

públicas. Então, acho que o cientista tem a obrigação de divulgar

a ciência para a população em geral.”

bem aceita. Depende muito do pro-fessor. A principal qualidade dele é despertar na criança o interesse pela ciência.

E quem lhe despertou esse inte-resse?

O professor Henrique Marques Lisboa, catedrático da Faculdade de Medicina. Chegou na escola de aperfeiçoamento, quando eu tinha oito anos, para nos en-sinar ciência. Nos levou para a Fazenda Velha pra colher bicho na água, para criar maria sapuda, para ver metamor-fose. Foi ele quem despertou o meu interesse pela ciência. Depois vieram outras pessoas. Mas naquele momento eu fui atraído pelo bom professor que o Marques Lisboa era.Mais tarde, comecei a gostar de inse-tos. Vale falar um pouco dele, que é um dos maiores divulgadores de ciência que conheço: o professor Newton Dias dos Santos. Eu devia ter uns 15 anos quando peguei um inseto enor-me na fazenda do meu pai. Minha tia Lúcia Machado de Almeida me disse que tinha um professor no Instituto de Educação, o Newton Santos, que daria o nome das libélulas se eu as levas-se lá. Eu, menino de 15 anos, cheguei meio trêmulo, com as cinco libélulas na mão, e falei: “Professor, a tia Lúcia disse que o senhor podia dar o nome dessas libélulas pra mim”. Ele olhou

e falou: “Não vou dar nome de libé-lula nenhuma não”. Fiquei apavorado. Ele continuou: “Você é que vai achar os nomes”, e me deu o manuscrito da tese dele sobre libélulas da região de Lagoa Santa. Ele disse: “Vai pra casa, tenta identificar, amanhã você volta e vamos ver se você acertou”. No dia seguinte eu voltei. Havia acertado alguns nomes, outros não, e ele me mostrou porque eu tinha errado. Nas férias, seis meses depois, eu estava no Museu Nacional, estagiando com o professor Newton Santos. Notem que ele sabia muito bem o nome das libé-lulas. Mas se me respondesse eu teria cinco nomes, como ele não fez isso eu estudo libélula a vida inteira. E hoje, aos 75 anos, descobri a impor-tância das libélulas. Sabe qual? Fazer do Ângelo Machado um velho feliz. Eu passei a maior parte do meu tempo me divertindo com libélulas, trabalhan-do em pesquisa.Depois também conheci o padre Pe-reira, da Igreja de Lourdes, que estuda-va besouros. E comecei a sair com ele toda semana para pegar insetos. Com ele, fiz pelo menos 10 grandes viagens à Amazônia. Dei aulas de Neuroanato-mia durante 30 anos e de Zoologia por 22 anos. Hoje estou aposentado, mas continuo indo ao Departamento. Hoje, se me perguntam o que sou, digo zo-ólogo, ambientalista e escritor. Mas na área científica trabalho em duas linhas:

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obrigação de divulgar a ciência para a população em geral. Isso nem sempre é fácil. Por exemplo, às vezes vejo uma revista da academia sobre matemáti-ca e não consigo entender absoluta-mente nada. Mas é possível divulgar a maioria dos trabalhos. Acho que de-veria ser uma obrigação mesmo. Não só o público poderia entender mais o mundo, mas também valorizar mais a ciência. Quem manda é o povo através de seus representantes. Então o povo deve votar e cobrar de seus represen-tantes a divulgação de temas da ciên-cia e do meio ambiente. E o povo só vai exigir se tem noção da importância da ciência – está aí um dos papeis da divulgação científica.

Qual a importância da divulgação científica para os jovens?

Eu diria que o mundo em que eles vi-vem está cheio de informações cien-tíficas. Por exemplo, estou vendo essa mata, mas para valorizá-la, preciso en-tender para que ela serve, o que é a clorofila, para que serve o gás carbô-nico e o oxigênio. O que quero dizer é que o mundo é tecnológico e é im-portante que as pessoas conheçam um pouco de ciência para entender melhor o que está acontecendo a sua volta. O jovem gosta de entender aquilo que é do cotidiano dele. Na minha área, a Zo-ologia, é mais fácil porque os meninos gostam muito de bichos, e os jovens que adquirem essas informações serão adultos com um conhecimento mais profundo do mundo em que vivem. Eu ensino Entomologia para os alunos de Biologia. Meu aluno pode não se tornar um entomólogo, mas quando ele for à Serra do Cipó vai entender mais sobre os insetos, o que aquele besouro está fazendo, porque aquele bichinho está fazendo armadilha para caçar outro. Então, acho que a vida é uma curtição maior quando a gente sabe um pou-co de ciência. Sem falar que as ciências ambientais são mais do que curtição, a preservação do planeta passa pelas ciências ambientais.

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Raquel Emanuelle Dores

com libélulas e com espécies ameaça-das de extinção. No segundo, trabalho com a Fundação Biodiversitas. Tenho nesta área uns seis livros, como autor e como editor, sempre ligados à Bio-diversitas. (Pega um livro de capa ver-melha) Este é o último editado, o Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção no Brasil. São 1400 pági-nas, 627 espécies, cada uma tem um capítulo. Eu fiz alguns capítulos.

E o que o senhor acha do atual mercado de publicações sobre ci-ência para crianças e jovens?

Não acompanho muito este mercado, mas destaco o trabalho de duas revis-tas: a Ciência Hoje, que é da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que considero como divul-gação científica de altíssimo nível, e a Ciência Hoje das Crianças, que é um sucesso. A Ciência Hoje para adultos vende bem, mas tem concorrentes, como a Superinteressante. Já a Ciência Hoje das Crianças é para um público infantil, tem jogos, brincadeiras, entre outros.

O senhor já escreveu para a Ciên-cia Hoje das Crianças, não é?

Durante vários anos trabalhei como coordenador da sucursal da Ciência Hoje em Belo Horizonte. Assim, ajudei a criar e escrevi para a Ciência Hoje das Crianças. Só depois comecei a fazer divulgação através da literatura. Também ganhei o prêmio José Reis, na categoria divulgação científica, assim como o Roberto Carvalho, jornalista que trabalhava comigo, ganhou o prê-mio na categoria jornalismo cientifico. Quando começamos a Ciência Hoje para Crianças, um problema que preví-amos é que os cientistas não saberiam escrever para esse público. Mas, apesar de não ser muito comum, existem sim cientistas que conseguem fazer essa transposição e, por isso, a revista tem dado certo. Outra coisa que sempre perguntam: porque que prefiro os livros para crianças? É porque acho mais impor-tante. Foi o que falei para um escritor que me indagou sobre isso: “Olha, o

menino vai aprender a gostar de ler conosco. Se a gente fizer um livro cha-to, ele vai deixar a literatura de lado”. Então temos a responsabilidade de criar o leitor, e é uma responsabilidade enorme para o escritor infantil. É mais difícil ainda quando a literatura faz di-vulgação científica porque o risco de chatear é maior. Por exemplo, depois da Conferência ECO-92, muita gente passou a cobrar livros para a conscien-tização ambiental das crianças. E saiu muito livro ruim. O defeito principal é a mensagem muito direta, como por exemplo, “vamos salvar as florestas”. Saiu um agora que dá a mensagem an-tes da literatura, então, atrapalha tudo.O fato de eu ser cientista me atrapa-lhou no começo - por definição, cien-tista é chato. Não liam meu livro, mas já taxavam de chato. Lembro que a primeira vez que fui no Programa do Jô Soares, tive esse problema. Ele me anunciou como professor, cientista. Aí eu pensei: nossa, vai ser uma chatice. Ele me perguntou: “Por que você gosta de libélula?” Daí eu falei, “Olha, Jô, no começo eu não gostava só de libélula, eu gostava de tudo quanto era inse-to. Foi minha mãe que descobriu que eu gostava de inseto. Quando eu tinha um ano e meio, me achou debaixo da cama comendo uma barata. Você está rindo, Jô, mas eu não como mais barata não. As baratas de hoje não são como as de antigamente.” Daí ele disse, “Ah, você tem razão. Acho que você não deve mais comer barata. No máximo um grilo ou uma formiga.” E isso desa-nuviou tudo.

O que o senhor acha da cobertu-ra jornalística sobre ciência que é realizada hoje?

Antigamente, cobriam mais ciência e meio ambiente. O Estado de Minas, por exemplo, tinha um caderno só para essas áreas. Hoje, a seleção é muito sensacionalista. Já o trabalho de revistas como a Ciência Hoje valoriza o cientista brasileiro. Quando se fala de divulgação científica, é preciso lem-brar que quem paga a ciência no Brasil é o povo. A maioria das descobertas são feitas pelas universidades públi-cas. Então, acho que o cientista tem a

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Mapeamento

AlvoencontradoO trabalho busca registrar

a ocorrência de espécies de moluscos do gênero Biomphalaria, hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni, agente causador da esquistossomose.

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Georreferenciamento de criadouros de moluscos auxiliam no combate à esquistossomose

A fim de tomar medidas mais efe-tivas para o controle de uma doença é fundamental conhecer bem o meca-nismo de transmissão e disseminação da enfermidade. Parece óbvio, mas para algumas doenças consideradas negligenciadas – um conjunto de en-fermidades associadas à situação de pobreza, a precárias condições de vida e a disparidades em saúde -, nem sem-pre é fácil o caminho para desenvolver estudos na área. Apesar de serem res-ponsáveis por quase metade da carga de doença nos países em desenvolvi-mento, os investimentos em pesquisa, tradicionalmente, não priorizaram esse tipo de trabalho. O quadro se agrava quando se observa que, até a década de 70, as patentes dos medicamentos mais utilizados no mundo eram de uni-versidades e/ou de institutos públicos de pesquisa e, a partir daí, progressiva-mente, elas passaram para as mãos do setor privado.

O Brasil, neste cenário, se des-taca por manter diversos projetos envolvendo doenças negligenciadas. A produção de conhecimento sobre uma doença como a esquistossomo-se, classificada, segundo a Organização Mundial de Saúde, na categoria 2 de negligenciadas (enfermidade persis-tente, apesar de haver estratégias de controle), ganha ainda mais relevância. O projeto “Complementação da Car-ta Planorbídica nos estados de Minas Gerais, Paraná, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte” é um exemplo de produção de conhecimento para ampliar estratégias de controle.

Seu objetivo é registrar a ocor-rência de espécies de moluscos do gênero Biomphalaria, hospedeiros in-termediários do Schistosoma mansoni, agente etiológico da esquistossomose. O coordenador da pesquisa, Omar dos Santos Carvalho, pesquisador e chefe do Laboratório de Helmintolo-gia e Malacologia Médica (LHMM)

do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR/ Fiocruz Minas), explica a ne-cessidade do mapeamento. “O princi-pal problema é que ainda não conhe-cemos, de forma ampla, a distribuição dos três hospedeiros intermediários do S. mansoni no Brasil. Algumas espé-cies que são refratárias ao parasita são muito semelhantes às espécies epide-miologicamente importantes e poucos são os pesquisadores que sabem fazer esta diferenciação”, afirma.

No Brasil, segundo Carvalho, exis-tem 11 espécies e uma subespécie dos caramujos do gênero Biomphala-ria. Dessas, B. glabrata, B. straminea e B. tenagophila são hospedeiras inter-mediárias do Schistosoma mansoni. De acordo com o pesquisador, a capaci-tação dos técnicos responsáveis pelas atividades do inquérito em cada esta-do é muito importante. “Com o mapa de distribuição das espécies do gênero Biomphalaria em mãos, as autoridades de saúde poderão direcionar melhor as medidas preventivas e de controle da esquistossomose, com economia de recursos financeiros e humanos, uma vez que teremos disponível a lo-calização dos moluscos suscetíveis ao S. mansoni”, explica o coordenador.

Esquistossomose no BrasilA esquistossomose mansônica é

uma doença infecciosa parasitária e sua evolução clínica varia desde a for-ma assintomática até aquelas extre-

mamente graves, constituindo um dos mais importantes e graves problemas de saúde pública para o país. “A esquis-tossomose acomete, sobretudo, a po-pulação mais necessitada, já fragilizada por outras patologias decorrentes da falta de saneamento básico, de educa-ção sanitária e de alimentação adequa-da”, explica Omar Carvalho. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Ge-ografia e Estatística (IBGE), 52,2% dos municípios brasileiros contam com serviços de esgotamento sanitário e apenas 33,5% dos domicílios são aten-didos por rede geral de esgoto. Dos 5.507 municípios existentes em 2000, 2.630 não eram atendidos por rede coletora, utilizando soluções alternati-vas como fossas sépticas e sumidou-ros, fossas secas, valas abertas e lança-mentos em cursos d’água.

Estima-se que a esquistossomose ainda esteja presente em mais de 50 países, totalizando cerca de 200 mi-lhões de casos no mundo. Endêmica em várias regiões tropicais e subtropi-cais do planeta, calcula-se que seja res-ponsável por mais de 200 mil mortes por ano, além de trazer sofrimento aos pacientes, por se manifestar de forma

Malacologia é o ramo da biologia que estuda os moluscos. Os estudos malaco-lógicos incluem a taxonomia, a fisiologia e a ecologia destes animais. Uma das razões para estes estudos é que algumas espécies de caramujos são hospedeiros de parasitas humanos. Outras espécies, como muitos cefalópodes (lulas, polvos e escargot,por exemplo) têm importância econômica e nutricional, sendo objetos de pesca ou de cultivo.

Omar dos Santos Carvalho, pesquisador do René Rachou e coordenador do estudo

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crônica. No Brasil, a transmissão ainda ocorre em 19 estados e constitui uma das endemias mais importantes, pois, apesar do esforço do sistema de saú-de, estima-se que ainda existam cerca de cinco milhões de casos. Segundo Omar Carvalho, os dados mais abran-gentes publicados sobre a prevalência da esquistossomose datam de 1950 e foram realizados por Pellon & Teixei-ra em 1950. O Ministério da Saúde já está desenvolvendo um projeto para atualizar as informações através de um novo inquérito de prevalência da doença.

No Brasil, a enfermidade ocorre em uma grande extensão do territó-rio, com número expressivo de formas graves e óbitos. Agrava este quadro

da Saúde (MS) a partir de recomenda-ção do Grupo Assessor do MS para o Controle da Esquistossomose”, expli-ca. A ideia é que estas atividades se-jam, posteriormente, estendidas para outros estados.

O projeto piloto está sendo de-senvolvido na região da Estrada Real, em Minas Gerais, pelo LHMM/CPqRR, em parceria com a Secretaria de Es-tado de Saúde (SES-MG). Cinquenta e oito municípios desta área, que ainda não possuem dados sobre moluscos, estão sendo pesquisados. A escolha da região para implantação do projeto-piloto foi feita em acordo a SES-MG, por meio do Programa de Controle da Esquistossomose, e possui duas vertentes.

A primeira é uma preocupação antiga, uma vez que o Projeto Estra-da Real engloba inúmeros municípios do estado, com prevalência variável da esquistossomose, sendo que alguns destes municípios exibem nas propa-

o fato de ser uma endemia de difícil prevenção, uma vez que os moluscos possuem hábitos aquáticos. “Esse fato, associado às inúmeras localidades sem saneamento ou com saneamento bási-co inadequado, são fatores relevantes para manutenção da transmissão e do ciclo do parasita”, explica o pesquisa-dor.

Trabalho de campoOs levantamentos da distribuição

dos moluscos do gênero Biomphalaria vêm sendo realizado nos estados de Minas Gerais, Paraná, Bahia, Pernambu-co e Rio Grande do Norte. Segundo o coordenador do projeto da carta planorbídica, esses são os estados que estão mais avançados nesta atividade e possuem pessoal já treinado para coleta, exame e identificação dos mo-luscos. “Este é o primeiro projeto vi-sando conhecer a distribuição destes moluscos no Brasil. Seu financiamento foi uma decisão política do Ministério

Nos cinco estados que participam do trabalho, os moluscos são colhidos nas margens e no fundo de cursos d’água. Depois, são examinados em laboratório para detectar a presença do S. mansoniFoto: Marcelo Focado

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volvimento de técnicas de biologia molecular, utilização de ferramentas de geoprocessamento e formação de pessoal. O tempo previsto para a conclusão da carta nos cinco estados é de dois anos. No último dia 15 de dezembro de 2009, uma reunião con-vocada pela Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores (CDTV/MS), em Brasília, apresentou o projeto aos gerentes dos programas de controle da esquistossomose dos estados, es-clarecendo diversos pontos, principal-mente a estratégia de treinamento e a utilização de instrumentos de localiza-ção por satélite, por exemplo.

Segundo Omar dos Santos Car-valho, que também é coordenador do Programa Integrado de Esquistos-somose da Fundação Oswaldo Cruz (PIDE/Fiocruz) e membro do Comitê Assessor do Ministério da Saúde para o Controle da Esquistossomose, o fato de Minas Gerais assumir a coordena-ção demonstra que o estado possui pessoal qualificado para coordenar e executar as atividades, além do reco-nhecimento de que Minas possui mas-sa crítica de pesquisadores voltados para o estudo da malacologia.

Letícia Orlandi

A esquistossomose é uma doen-ça que ocorre em diversas partes do mundo de forma não controlada. No Brasil, ela é conhecida popularmente por xistossomose, xistosa, doença dos caramujos, moléstia de Pirajá da Silva e barriga d‘água. O agente cau-sador da infecção varia conforme a região do mundo. No nosso país, a esquistossomose é causada pelo Schistossoma mansoni. A descrição completa do trematódeo foi feita em 1908, pelo cientista baiano Pirajá da Silva, que realizou suas primeiras ob-servações em 1904, quando estudou os ovos do parasita eliminados por um doente em Salvador. De forma resumida, o ciclo da enfermidade se dá a partir de ovos eliminados

com as fezes do hospedeiro huma-no. Quando atingem a água, os ovos liberam as larvas, denominadas mira-cídios, que se desenvolvem e nadam por meio de cílios, até eventualmen-te encontrar um caramujo, que lhe serve como hospedeiro intermediá-rio. É no interior desse molusco que o miracídio se desenvolve até a fase de cercária, que é capaz de penetrar a pele de seres humanos, alojando-se nas veias do intestino e fígado.

Em muitos casos, há obstrução da circulação, sendo esta a causa da maioria dos sintomas da doença, que pode ser crônica e levar à morte. As áreas mais atingidas são pés e pernas e os locais de maior transmissão são as valas de irrigação, açudes e peque-

nos córregos. O desenvolvimento do parasita no homem leva aproxima-damente seis semanas (período de incubação), quando atinge a forma adulta e reprodutora já no seu habitat final, o sistema venoso. A liberação de ovos pelo homem pode permanecer por muitos anos. O diagnóstico é fei-to por exame de fezes ou sorológico e o tratamento com medicamentos antiparasitários, substâncias químicas que são tóxicas ao parasita. Naqueles casos de doença crônica, as compli-cações requerem tratamento especí-fico. As formas de prevenção são o saneamento básico, a educação sani-tária, o tratamento dos doentes e o combate ao molusco.

gandas turísticas forte apelo para utili-zação de rios e lagos. “E muitos destes cursos d’água estão povoadas por mo-luscos infectados”, explica o pesquisa-dor. A segunda vertente foi a decisão política das autoridades estaduais de saúde em iniciar o treinamento dos seus técnicos mesmo antes da imple-mentação do projeto. “O piloto inclui capacitação de profissionais de saúde em coleta, embalagem, exame e iden-tificação de moluscos. Os trabalhos de campo já foram realizados em oito municípios”, esclarece.

A técnica de coleta do molusco no campo consiste em raspar, com uma concha de metal perfurada, a vegeta-ção submersa, as margens e o fundo dos cursos d’água identificados como possíveis criadouros das espécies. Na superfície, o material recolhido é cuidadosamente analisado à procura dos moluscos. Os profissionais obser-vam as folhas e os pequenos gravetos, onde os espécimes jovens ou peque-nos costumam ficar presos. À medida que encontram os moluscos, eles são transferidos para um recipiente plásti-co sem água. O frasco recebe uma eti-queta com o número de identificação referente às anotações da caderneta de campo. As equipes, após o reconhe-cimento do local, vão identificar, assi-

nalar e georreferenciar os criadouros, caracterizando aqueles de importância epidemiológica em relação à frequên-cia da população ao local. A busca dos moluscos é realizada em diferentes pontos de cada criadouro, para se ob-ter uma boa amostragem da malaco-fauna presente.

Os moluscos são levados, então, aos laboratórios de cada município investigado, onde será feita a pesquisa de larvas de S. mansoni, por dois mé-todos: exposição à luz de lâmpadas incandescentes ou esmagamento das conchas entre placas de vidro. Munido com pinças de pontas finas ou estile-te, o profissional retira os pedaços da concha e examina cuidadosamente o molusco sob microscópio. Em segui-da, uma amostra dos moluscos será identificada através da morfologia dos órgãos internos (aparelho reprodutor masculino e feminino) e da concha.

PerspectivasA “Complementação da Carta Pla-

norbídica nos estados de Minas Ge-rais, Paraná, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte” conta com finan-ciamento do Ministério da Saúde (MS) e obteve apoio da FAPEMIG por meio de diversos projetos, como o desen-

Você sabia?

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Tecnologia

Iniciar novo jogo?

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Software livre para captura de movimentos e animação de personagens é novidade no mundo dos games

Ronaldinho Gaúcho dribla o pri-meiro, o segundo, aproxima-se da pe-quena área e dispara o chute certeiro. Depois do gol, é só sair para comemo-rar. O personagem desta jogada cor-re como Ronaldinho, dribla, faz gol e comemora como ele. Mas a diferença está nas proporções bem mais com-pactas assumidas pelo craque neste jogo, já que se trata do Fifa Soccer, um game digital que reproduz equipes de futebol do mundo todo, com carac-terização precisa dos seus atletas. O “milagre tecnológico” que possibilita a qualquer jogador do Fifa Soccer ser Ronaldinho, Beckham ou Cristiano Ronaldo por um dia chama-se captura de movimento.

Os gestos do personagem são tão parecidos com os desses atletas por-que, na verdade, são seus próprios movimentos, captados por um progra-ma de computador e armazenados em bancos de dados acessados na medida em que os comandos do videogame são acionados. Essa tecnologia, utili-zada em praticamente todos os jogos digitais recentes, poderá em breve ser empregada também por desenvolvedo-res brasileiros, a partir de um software livre criado por meio de uma parceria entre pesquisadores da Universidade Fumec e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O projeto é conduzido pelo coor-denador do curso de Tecnologia em Jogos Digitais da Fumec, João Victor Boechat Gomide, e pelo professor Arnaldo de Albuquerque, do Departa-mento de Ciência da Computação da UFMG. O passo inicial foi dado cer-ca de dez anos atrás, quando Gomide trabalhava como finalizador de efeitos na Rede Globo, no Rio de Janeiro. Ele realizou os estudos preliminares para aplicação da técnica na animação dos personagens do Sítio do Picapau Ama-relo, mas, por fim, optou-se por fazer o trabalho em Nova Iorque, já que não havia no país alguém que trabalhasse com a tecnologia. “Ao voltar para Belo Horizonte e para a vida acadêmica, procurei parcerias na UFMG para de-senvolvermos o projeto que, inicial-mente, era um produto comercial. De-pois, resolvemos abrir o código e hoje trabalhamos para que seja um software livre”. O produto final será disponibi-lizado em um portal para desenvolve-dores do mundo todo.

João Victor Gomide acredita que a iniciativa terá um grande impacto nes-te campo, pois, atualmente, não existe no mundo um software livre com esta funcionalidade. No mercado nacional, os efeitos podem ser ainda mais di-retos, pois, embora a ferramenta seja amplamente utilizada no mundo todo, gerando uma produção audiovisual de alta qualidade, no Brasil existem ape-

nas dois equipamentos deste tipo. Os estudos, voltados para animação de personagens e jogos, são pioneiros no país. “Praticamente não há um históri-co de pesquisas nesta área”, conta o pesquisador.

Revolução digitalA utilização da captura de movi-

mentos no desenvolvimento de jogos é uma realidade com a qual os usu-ários atuais encontram-se familiariza-dos. Mas representa uma evolução que os jogadores dos antigos videogames talvez sequer imaginassem – no clás-sico PacMan dos anos 1980 os pixels eram tão grandes que eram visíveis na tela, sob forma de “quadradinhos”. “Atualmente é possível trabalhar com uma resolução bem maior, que torna a imagem muito próxima da original e as animações também podem ser feitas em tempo real”, diz Gomide.

Segundo o professor, o mercado de animação para jogos digitais está entre os grandes patrocinadores das pesquisas na área de captura de movi-mento. Trata-se de uma tecnologia em evolução, mas já bastante amadurecida, utilizada no mundo todo, nos princi-pais jogos e também no cinema. Entre os exemplos recentes estão os filmes Avatar e Os fantasmas de Scrooge. A técnica permite “colocar” os persona-gens onde for necessário, inclusive em cenários reais. O personagem Gollum,

Cena do Fifa Soccer, jogo criado a partir da captura de movimentos dos jogadores. O software criado possibilitará aos desenvolvedores brasileiros acesso a essa tecnologia

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A história da captura de movi-mento surgiu na década de 1990, em cinema e comerciais. Na medida em que a tecnologia foi crescendo, des-pertou, em um primeiro momento, certa rejeição – alguns animadores alegavam que a técnica não poderia ser vista como arte. Em 1999, o pro-grama Donkey Kong, uma série de animação dos Estados Unidos, foi proibido de disputar o Emmy sob alegação de que ele não era arte

(animação). Curiosamente, alguns anos depois, quando surgiu o perso-nagem Gollum, do filme O Senhor dos Anéis, cogitou-se até mesmo criar uma nova categoria no Oscar para o ator que animava esse tipo de per-sonagem.

A tecnologia na área de anima-ção segue evoluindo e atualmente é possível captar o movimento de várias pessoas que estejam atuando. Isso possibilita que em filmes como

Os Fantasmas de Scrooge e no cam-peão de bilheteria Avatar o cenário possa ser, em determinados mo-mentos, simplesmente uma sala com os atores em ação. Atores e diretor precisam ter muita concentração e saber exatamente o que se preten-de. Posteriormente, o resultado é inserido em um cenário virtual e são feitas as finalizações. Uma nova ma-neira de se fazer cinema, em que a arte é indissociável da tecnologia.

do filme O Senhor dos Anéis – O retorno do rei (2003), tornou-se famoso por ser construído desta maneira. O ator Andy Serkis fez os movimentos, que foram aplicados no personagem, e este foi in-serido em cenas gravadas, nas quais ele interagia com outras pessoas.

Brasil entra em campo Mocap (abreviatura da expressão

em inglês Motion Capture) é a denomi-nação comum aos softwares de captura de movimentos existentes no merca-do. Por isso, o programa desenvolvi-do pelos pesquisadores da Fumec e UFMG está sendo chamado de Open-MoCap. Ele possibilita desde a captura do movimento de uma pessoa que es-teja atuando até a transmissão deste movimento para o personagem virtual. “Antes, o Brasil era apenas consumidor desta tecnologia, utilizávamos o que vi-

nha praticamente pronto. Agora, não só teremos a tecnologia, como será um software livre”, comenta Gomide.

Atualmente, a técnica mais utili-zada baseia-se em marcadores, pon-tos refletores afixados na pessoa que será origem dos movimentos a serem captados. Os locais específicos para disposição dos marcadores são as ar-ticulações, sobre uma roupa preta uti-lizada pelo ator. Para fazer a captura em si, pode-se usar vários princípios, baseados no mapeamento do campo magnético ou em câmeras, por exem-plo. No caso do OpenMoCap, a equipe optou por câmeras, o que proporciona inclusive mais liberdade de ação para o ator. Leds (luzes) de infravermelho são posicionados para iluminar todo o set. E na frente da lente da câmera é co-locado um filtro para o infravermelho. Assim, o equipamento de filmagem capta, na verdade, apenas os pontos brilhantes no corpo do ator (marca-dores). O software entra, então, em ação, mapeando as coordenadas des-ses pontos e seguindo-os ao longo dos quadros do vídeo.

Gomide conta que o desenvolvi-mento do programa exigiu trabalho intenso, pois envolve conhecimentos interdisciplinares que associam ques-tões como visão computacional, física, processamento de imagem, entre ou-tras. Nesse sentido, ele destaca que tem sido fundamental a colaboração

de outros professores da Fumec e da UFMG, além dos alunos iniciação científica e de mestrado, como David Flam, cuja dissertação colaborou dire-tamente para a construção do código do programa. O projeto tem o apoio da FAPEMIG desde 2006 e, a partir de 2007, também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq).

Luzes, câmeras, açãoO OpenMoCap já está pronto e os

pesquisadores seguem trabalhando em aprimoramentos. Eles estudam, ainda, em que instituição de licenciamento de software livre farão o seu registro, para que fiquem definidas as regras de utilização. A equipe está satisfeita com o resultado atingido até o momento e espera ter, até o final de 2010, o pro-grama disponível em um portal, para livre acesso pelos interessados. “A nossa proposta era desenvolver um produto que fizesse captura de mo-vimento e estamos dando um passo além, que é tentar disponibilizar isso para o público em geral e chamar de-senvolvedores para colaborar”, come-mora Gomide.

O professor acredita que, em um futuro não muito distante, a conver-gência entre essa e outras tecnolo-gias permitirá que uma pessoa, talvez mesmo em sua casa, possa criar seu próprio jogo ou desenho animado. “É preciso saber apenas como construir os pontos refletores e ter câmeras. Atualmente, temos testado algumas

Uma ideia na cabeça e a tecnologia na mão

João Victor Gomide, da Fumec: iniciativa de grande impacto no mercado brasileiro.

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EXEMPLOS A SEGUIR?José Policarpo Gonçalves de Abreu

Tem sido divulgado à exaustão o avanço que nosso país teve nestes últimos anos em termos de geração de conhecimento, tendo o Brasil subido para o décimo terceiro posto no ranking mundial que contabiliza o número de publicações em periódicos indexados interna-cionais. Isto, todavia, não tem sido acompanha-do pari passu do aumento de depósitos de pa-tentes em nível internacional, levando muitos analistas à inevitável comparação entre Brasil

e Coréia do Sul. Alguns pesquisadores discordam dessa comparação mostrando graves incongruências na mesma. À parte essas considera-ções, não há como negar o grande fosso existente entre os resultados mostrados por ambos indicadores. Vale dizer, não há como ignorar a dicotomia existente entre geração de conhecimento e obtenção de produtos derivados.

Apesar da promulgação de Leis de Inovação, a federal em 2004, e algumas estaduais em anos subsequentes, há ainda muitas dificuldades para que se atinja a salutar interação entre o setor acadêmico, em grande parte responsável pela geração de conhecimento e o empresa-rial, na maioria das vezes aquele que produz inovação. Desconfianças, embora bem menores do que em passado recente, ainda teimam em existir em ambas as partes.

Ao entender a grande importância dessas leis para nação, a FAPE-MIG tem perseguido uma real aproximação entre ambos os setores, de forma a reduzir o abismo existente entre os indicadores mencio-nados. Para tal, no papel de agência indutora – como consta em sua missão – vem lançando editais, em parceria com empresas (Fiat, Whirl-pool, Vale), que visam obter resultados concretos que possam conduzir a desenvolvimento verdadeiramente sustentável para nosso país. De-senvolvimento este de difícil existência sem um verdadeiro equilíbrio entre Ciência, Tecnologia e Inovação, vale dizer, sem a real integração entre universidade e empresa.

Esse é um exemplo a ser seguido, o qual na verdade não é uma novidade em si. O Brasil, à frente de muitos outros países, deu um enorme salto através da promulgação da Lei n° 9.991 de 2000, a qual sabiamente estabelecia um melhor caminho para construir um sistema elétrico de alta eficiência através da pesquisa e do desenvolvimento inovador da tecnologia.

Houve no início, como natural, alguns titubeios, mas os programas de P&D de muitas concessionárias acabaram por se afirmar como ge-radores de tecnologias e aplicações práticas, além de ter permitido às empresas, em parceria com universidades e centros de pesquisa, de-senvolver e capacitar seu pessoal, preparando-o para os novos desafios que a modernidade tem lhes imposto.

Por outro lado, as oportunidades e os recursos colocados à dispo-sição das Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTs) produ-ziram nos últimos anos um salto, tanto qualitativo quanto quantitativo,

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webcams. Elas ainda são muito ruido-sas, mas estão chegando novas tecno-logias neste sentido”, antecipa.

Enquanto isso, existem também outros projetos para utilização do sof-tware. Um deles, já em andamento, é fa-zer um curta-metragem com o grupo de teatro Galpão. Gomide conta que já existe o roteiro, fotografias, per-sonagens e o OpenMoCap deverá ser usado para animar os personagens.

Virginia Fonseca

A tecnologia de captura de movimentos não é exclusividade do ramo de entretenimentos. Há algum tempo, ela vem sendo usada com sucesso também em outras áreas, como medicina e esportes. Nas últimas Olimpíadas, a equipe australiana, por exemplo, utilizou um sistema de captura de movi-mentos para monitorar e aperfei-çoar o desempenho dos seus atle-tas. “Os esportistas são colocados em uma esteira para correr, andar ou realizar outros gestos que são captados e avaliados. A par-tir daí, pode-se ver o padrão de movimentos e estudar formas de melhorá-lo, através de diferentes posturas”, esclarece o professor João Victor Gomide.

Sistema similar pode ser usa-do em hospitais para diagnosticar doenças com Mal de Parkinson e outros problemas neurológicos, através do exame da forma como o paciente caminha. Neste sentido, existe no país um software produ-zido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para estudos acadêmicos na área médica.

No caso do grupo da Fumec e UFMG, a princípio o programa foi pensando apenas para animação, mas Gomide adianta que existe interesse por parte de professores do Departamento de Educação Fí-sica em desenvolver um trabalho interdisciplinar. “Já que vamos ter a tecnologia, por que não ampliar as aplicações?”.

Palavra-chaveNo cinema e na vida real

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Saúde

Na batalha contra o

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Banco de tumores ajuda na produção de conhecimento sobre a doença e os possíveis tratamentos

Pele clara, exposição ao sol em ex-cesso e um diagnóstico: o comerciante Eduardo Augusto Lana, 51 anos, estava com câncer de pele. Ele se prepara-va para a cirurgia de retirada do tu-mor quando decidiu contribuir para o avanço da ciência. Lana foi um dos 200 pacientes a doar parte do tumor e do tecido afetado para o Banco Mineiro de Tecidos e Tumores (BTT). “Foi uma oportunidade de colaborar com a evolução da medicina e dos estudos sobre a doença e de ajudar pessoas que estão na mesma situação que a minha. Sinto-me honrado”, declara.

Embora o câncer de pele seja o mais frequente no Brasil, correspon-dendo a cerca de 25% de todos os tumores malignos, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), quando detectado precocemente, apresenta altos percentuais de cura. Esse foi o caso de Lana. O paciente, que já havia removido dois tumores superficiais, nas costas e no nariz, re-agiu bem à cirurgia e encontra-se em perfeito estado de saúde.

A implantação do BTT e a coleta das primeiras amostras de tecidos e tumores tiveram início em julho de 2007, a partir da atuação conjunta entre o Hospital Alberto Cavalcan-ti (HAC), da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), e a Funda-ção Ezequiel Dias (Funed). Segundo o coordenador do projeto, o cirur-gião oncológico, Alberto Julius Alves Wainstein, a criação do Banco é uma

resposta à necessidade de produzir mais conhecimento sobre as células tumorais. “Com a busca de tratamen-tos mais eficazes para pacientes com câncer, definição de melhores rotinas de diagnósticos e prognósticos mais precisos. Pretendemos beneficiar não apenas os pacientes oncológicos, mas a população como um todo”, ressalta.

A coleta da amostra é simples e rápida. Ocorre durante a cirurgia de retirada do tumor, mediante autori-zação do paciente, sem nenhum pro-cedimento adicional (leia mais na pág.

seguinte). “Dos 200 pacientes incluídos no estudo, alguns doaram mais de um tipo de tecido, acumulando 206 amos-tras de diferentes tumores de maior incidência no Brasil – gástricos, pros-táticos, intestinais, mamários, renais, de pele e de bexiga”, informa a biomédica e subcoordenadora do projeto, Karine Sampaio Lima.

Incremento à pesquisaA instalação do Banco é um traba-

lho pioneiro no Estado e recebeu todo apoio da FAPEMIG, que liberou recur-

Análise macroscópica de amostras de tecido e tumores. A imagem ampliada 400 vezes mostra um adenocarcinoma (tumor maligno) ovariano.

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to vai incentivar outras instituições a aproveitar as amostras. O ideal seria que todos os hospitais criassem um banco. A nossa pesquisa é o pontapé inicial”, destaca Silva. “Outros futuros bancos podem aproveitar esse conhe-cimento e aplicá-lo”, observa.

A equipe pretende continuar com as atividades do BTT, aprofundar os estudos, padronizar novos procedi-mentos, ampliar a coleta para outras unidades hospitalares da Rede Fhemig e estabelecer novas parcerias com ins-tituições e laboratórios de pesquisa. “A implantação do Banco foi o início de um trabalho grandioso. Confiamos na amplitude do projeto e no poten-cial de trazer avanços científicos para a área da medicina oncológica”, pontua Lima, destacando a relevância da coleta de mais amostras. “Quanto mais tiver-mos, melhor para os estudos e mais precisão nos resultados”, aponta.

Carolina Jardim

Projeto: “Implantação do Banco Mineiro de Tumores Humanos – projeto piloto”Modalidade: Edital Gestão em Saúde para o SUSCoordenador: Alberto Julius Alves WainsteinValor: R$712.763,64

Com o mapa genético dos pacientes em mãos e in-formações contidas no DNA, especialistas indicam o tra-tamento mais adequado para o controle de doenças e até a adoção de hábitos que evitem problemas aos quais o paciente tem predisposição. Esse é o mundo da medi-cina personalizada.

A criação do Banco Mineiro de Tecidos e Tumores vem a atender a esta nova realidade em que diagnósticos são adaptados à genética de cada um. O estudo detalha-do das mutações dos tumores levará a diagnósticos mais precisos, tratamentos mais específicos e medicamentos mais eficazes aplicáveis a cada um, considerando as parti-cularidades de sua doença. “Os tumores tem uma impres-são digital própria. Porém, muitos pacientes são tratados com o mesmo medicamento. Com a análise do perfil ge-nético de cada tumor, podemos descobrir comportamen-

tos biológicos diferenciados e desenvolver tratamentos baseados nessas alterações”, explica Wainstein.

Segundo ele, pacientes com o mesmo tipo de tumor, como o câncer de mama, apresentam diferenças como fatores de crescimento, alterações nos receptores de membrana e nos marcadores de superfície da célula tumoral. “Graças a essas informações é possível saber quem se beneficia mais com determinado medicamen-to”, ressalta.

Um dos grandes desafios da medicina, segundo o pes-quisador, é definir tratamentos que eliminem somente as células tumorais do paciente, já que a quimioterapia ata-ca células normais importantes para o organismo. “E essa é a nossa missão: buscar alternativas que nos ajudarão a vencer a batalha contra o câncer e a beneficiar o maior número de pacientes possível”, almeja.

sos da ordem de R$712,7 mil para o projeto. No Brasil, existem apenas dois centros desse tipo, o gerenciado pelo Hospital A.C.Camargo e o do Institu-to Nacional de Câncer (Inca), ambos na capital paulista. O projeto é consi-derado uma fonte incremental, sendo o ponto de partida para outras frentes de pesquisa. “Um banco ativo em Mi-nas Gerais é essencial para o desenvol-vimento de outros estudos. Por meio dele, pesquisadores podem utilizar os tumores e obter informações de gran-de valor científico”, explica Lima.

As amostras dos tumores de cân-cer de mama têm sido de grande uti-lidade para o mastologista e douto-rando em Saúde da Mulher, Henrique Lima Couto. “Sem o Banco, não seria possível dar andamento à minha pes-quisa, cujo tema é a relação entre a alteração da proteína folistatina com a sobrevida das pacientes”, destaca. “A disponibilidade das amostras me per-mite testá-las e analisá-las a qualquer momento”, acrescenta.

De acordo com Wainstein, a pos-sibilidade de fazer testes nos tumores é um fator que garante mais agilidade na fabricação de medicamentos con-tra o câncer. “Geralmente, demora em média 12 anos para um remédio ser comercializado. Com a possibili-dade de fazer testes nos tecidos, esse tempo se reduz significativamente”, complementa.

Doação e coletaApós consentimento do paciente

por escrito, os tecidos e tumores são coletados durante a cirurgia, realizada no Hospital Alberto Cavalcanti. Toda amostra é encaminhada para a Funed, onde é codificada, processada – quan-do são retirados os tecidos adjacen-tes –, e armazenada a -80°C. Parte do tumor é separada para extração de DNA e RNA e criação de acervo de biomoléculas. O restante é usado no estabelecimento de cultura celular primária. Segundo Luciana Maria Silva, biologista celular da Fundação Ezequiel Dias, o próximo desafio é estabelecer linhagens celulares. Dessa forma, o tu-mor permanece vivo, pronto para ser utilizado em testes de medicamentos, quantas vezes for preciso. “Atualmen-te, compramos linhagens do exterior a custos altos. Com o Banco, vamos estabelecer culturas primárias com características brasileiras, favorecen-do os estudos e beneficiando a po-pulação nacional. Todo este material poderá ser utilizado, posteriormente, para diversos estudos incluindo a de-terminação do perfil genético de cada tumor”, adianta.

Durante o período de implantação do BTT, foram padronizados os proto-colos e procedimentos de rotina para a coleta de dados e armazenamento das amostras. “Sendo piloto, o proje-

Medicina personalizada, benefícios individuais

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Prevenção

Pesquisadores propõem método de baixo custo para prever resistência à insulina a partir de medidas

corporais

O corpo falaA saúde do corpo humano depen-

de do equilíbrio de uma série de subs-tâncias que circulam por ele, dentre elas a glicose, principal fonte de ener-gia para o organismo. Obtida a partir do consumo de alimentos ricos em carboidratos ou açúcares, como pães, massas e doces, sua falta ou excesso no sangue pode causar problemas de saúde como fraqueza, desmaios, e até doenças cardíacas e diabetes.

O controle da quantidade de gli-cose no sangue depende da ação de várias substâncias, destacando-se dois hormônios produzidos pelo pâncreas: a insulina e o glucagon, que agem, res-

nativos para a predição da resistência à insulina, uma resposta anormal do corpo à ação do hormônio sobre os músculos e tecido adiposo, que pode resultar em aumento da concentra-ção de gordura corporal e sanguínea, diabetes, elevação da pressão arterial, entre outras alterações. Os fatores, juntos ou combinados, impulsionam o risco de diabetes, doenças renais, car-díacas e cerebrais, como o derrame.

A pesquisa foi feita por um grupo que vem se dedicando aos estudos so-bre a saúde masculina e, por isso, tem a peculiaridade de ser voltada apenas a homens. Mas além da adequação à linha de trabalho da equipe, que in-

pectivamente, diminuindo e aumen-tando sua concentração. No entanto, há casos em que a atuação desses hor-mônios é prejudicada porque o corpo desenvolve uma espécie de resistência a eles, o que pode desencadear ma-les graves. Para prevenir esses males, é preciso conhecer o quanto antes a situação do indivíduo, o que é feito com a realização de alguns exames es-pecíficos que são caros e, muitas vezes, indisponíveis para utilização rotineira.

Foi pensando em oferecer uma so-lução de menor custo que professores do Departamento de Nutrição e Saú-de da Universidade Federal de Viçosa (UFV) estão avaliando métodos alter-

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cluiu seis professores e um aluno de pós-graduação sob a coordenação da professora Lina Rosado, o método é em especial pertinente, já que uma das principais causas da resistência à insuli-na, o acúmulo de gordura na região do abdômen, é freqüentemente constata-da entre indivíduos do sexo masculino.

A proposta consiste em determi-nar indicadores antropométricos e metabólicos que poderão ser utiliza-dos para analisar a probabilidade do organismo se tornar menos sensível ao hormônio. Entre os indicadores antropométricos, considerou-se para o estudo medidas de peso, altura, pe-rímetro da cintura e do quadril, diâ-metro abdominal sagital e percentual de gordura corporal. Os indicadores metabólicos incluem níveis glicêmicos e perfil lipídico sanguíneo (colesterol e frações e triglicérides).

O trabalho se apoiou no conceito de que medidas corporais podem for-necer informações sobre o estado de saúde do indivíduo, especialmente nas correlações encontradas entre algu-mas dessas medidas e a incidência da resistência à insulina. O perfil da distri-buição de gordura, por exemplo, é um indicativo de que o organismo pode ser menos sensível à ação do hormô-nio pancreático, como acontece com

indivíduos que tendem a acumulá-la na região do abdômen ou mesmo que es-tejam muito acima de seu peso ideal.

Fatores como altas taxas de coleste-rol no sangue, especialmente do LDL-c, o colesterol “ruim”, taxas reduzidas de HDL-c, o colesterol “bom”, e envelhe-cimento também apresentaram relação com a presença de resistência à insulina e são prenúncios de possíveis doenças cardíacas. A base para o estudo, expli-ca Lina, foram relatos científicos que apontavam a relação entre alterações das medidas corporais e metabólicas e a prevalência de doenças crônicas.

Os dados foram coletados por nu-tricionista responsável pelo atendimen-to e, para isso, foram necessários apenas aparelhos como balança eletrônica, fita métrica inelástica, antropômetro (usa-do para medir a altura ou partes longas do corpo), calíper (para medição do di-âmetro abdominal sagital), aparelho de bioimpedância elétrica (para avaliação da gordura corporal) e uma mesa, onde o paciente possa se deitar.

Segundo a professora, o método pode ser uma alternativa do Sistema Único de Saúde (SUS) para a realização de exames para a determinação de re-sistência ao hormônio em substituição aos disponíveis, que possuem as des-vantagens de serem técnicas invasivas,

caras e não serem totalmente adequa-das para o uso clínico. Um dos mais usados, o índice HOMA-IR, (da sigla em inglês Homeostasis Model Assess-ment of Insulin Sensitivity), uma fórmula matemática que leva em consideração os níveis de insulina e de glicose no sangue após período de jejum, não possui um padrão para avaliações indi-viduais, além de ser oneroso.

Na ausência de um método eficien-te e barato, muitos postos de saúde não realizam os testes para predição da resistência à insulina e pessoas que podem apresentar a característica des-conhecem o fato. Isso pode contribuir para o agravamento do quadro, já que, com as informações sobre o seu esta-do, médicos e nutricionistas poderiam prescrever cuidados com a alimenta-ção e a prática de exercícios físicos ao paciente para impedir doenças futuras.

Análises Para testar o método e avaliar

quais dentre as variáveis seriam mais eficazes para predizer a resistência à insulina, os pesquisadores realizaram um estudo com 150 homens, morado-res de Viçosa (MG), com idade entre 20 e 60 anos, que não tinham mani-festado doenças cardiovasculares, dia-

Usuário
Nota
Faltou a legenda que a Vanessa pediu (legenda para os vegetais) Uma vida sadia, com atividades físicas e uma boa alimentação, também ajudam a prevenir doenças cardíacas e diabetes.
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futuramente, tenhamos condições de avaliar melhor a saúde dos indivíduos considerando as particularidades ine-rentes à idade e sexo”, diz.

A expectativa é de que a avaliação antropométrica, que já rotina no aten-dimento realizado por nutricionistas, possa ser utilizada não apenas para ava-liação do estado nutricional dos indiví-duos, mas também fornecer outras in-formações sobre a saúde dos mesmos e do risco de doenças. A garantia desse diagnóstico pelo SUS poderia acarretar redução de gastos com o tratamento de doenças, já que ela serve como sub-sídio para agir na prevenção dos ma-les. Lina lembra dado da Organização Mundial da Saúde de que entre 2005 e 2015 cerca de R$50 bilhões serão gastos com tratamento a doenças do coração, diabetes e derrames.

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Desireé Antônio

Projeto: “Determinação de indicadores antropométricos e metabólicos para predição da resistência à insulina em indivíduos do sexo masculino”Modalidade: Edital Gestão em Saúde para o SUSCoordenador: Lina Enriqueta Frandsen Paez de Lima RosadoValor: R$26.896,00

A técnica desenvolvida pelos pesquisadores da UFV pode ser um aliado valioso na luta contra problemas crescentes entre a população masculina como as do-enças cardíacas e o diabetes, que em 2025 irá atingir 4,5 milhões de brasileiros, segundo levantamento de 2006 da Federação Internacio-nal de Diabetes.

Apesar dos números, muitos portadores desconhecem que possuem o mal, o que dificulta a adoção de medidas adequadas para uma vida mais sadia. Como o surgimento de doenças está re-lacionado ao sedentarismo e so-brepeso, a professora aconselha a prática de exercícios físicos e alimentação equilibrada, que inclui cereais integrais e grãos, legumi-nosas, como feijão e vagens, frutas, verduras e leite e derivados com baixo teor em gordura. O cardá-pio deve ainda contemplar carnes, principalmente a de peixes. Deve-se também evitar o consumo ex-cessivo de sal, café e álcool. “Tam-bém se deve utilizar o óleo vegetal para o preparo dos alimentos, evi-tando-se frituras e preparações à milanesa”, alerta.

Cuidando delesbetes, problemas de pressão arterial ou consumido medicamentos que in-fluenciassem no controle glicêmico.

O levantamento, feito entre agosto e setembro de 2007, incluiu questioná-rios sobre o histórico de saúde deles e de familiares e hábitos como fumo, consumo de bebida alcoólica e seden-tarismo, além das medições propostas pelo método. Eles também tiveram as taxas de glicose e de insulina medidas para análise pelo índice HOMA-IR, pelo qual seria detectada a resistência à insulina e seriam considerados os parâmetros de comparação.

A partir dos resultados encontra-dos foram propostos pontos de corte: 89,3 cm para o perímetro da cintura, 20 cm para o diâmetro abdominal sa-gital, 23,1 de percentual de gordura corporal e 24,8 para o Índice de Mas-sa Corporal, calculado pela divisão do peso pelo quadrado da altura. Segun-do Lina, os resultados foram bastante positivos, em especial das variáveis pe-rímetro da cintura e diâmetro abdo-minal sagital, que tiveram os melhores desempenhos.

A professora ressalta, no entanto, que ainda são necessários mais estu-dos considerando a utilização desses indicadores também em mulheres, adolescentes e idosos. “Espera-se que,

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Tecnologia assistiva

Segurar um copo para tomar água, recortar uma folha de papel, tomar o ônibus para ir para casa ou ao traba-lho. Coisas simples, que a maioria das pessoas faz todos os dias, mas verda-deiros desafios para aqueles que, por algum motivo, perderam os movimen-tos das mãos ou a visão, total ou par-cialmente. Foi pensando em dar mais autonomia a quem tem alguma dessas características que dois projetos fo-ram desenvolvidos por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Ge-rais (UFMG): uma órtese, espécie de luva com dispositivos eletrônicos que

Novas tecnologias proporcionam independência a deficientes visuais e a quem perdeu os movimentos das mãos

Mais autonomia

simulam tendões, permitindo o movi-mento voluntário de abertura e fecha-mento da mão; e um sistema de sinali-zação eletrônica, que facilita o acesso de deficientes visuais a ônibus e táxis sem depender de outra pessoa.

Criada por membros do Labora-tório de Bioengenharia (Labbio) da UFMG, sob a coordenação do profes-sor Marcos Pinotti, a órtese possibilita que pessoas que perderam os movi-mentos das mãos voltem a realizar ações simples, como abri-las, fechá-las e segurar objetos. Ele revela que a ex-pectativa é que o produto, que ainda é

um protótipo e está em fase de testes, esteja no mercado até o final do ano.

A órtese foi desenvolvida, inicial-mente, pensando em pessoas que so-freram lesões no plexo braquial, con-junto de nervos que parte da região cervical e originam as ligações nervo-sas que permitem os movimentos dos membros superiores. O dano é muito comum entre aqueles que sofreram aci-dentes de moto, em sua maior parte jo-vens e, muitas vezes, de baixa renda. “A luva seria uma forma de restituir parte da rotina que essas pessoas tinham an-tes do trauma”, justifica Pinotti.

A órtese é uma luva robotizada, feita com material antialérgico e flexível. “Tendões artificiais” são ligados a um motor e, por meio de sinais elétricos, o movimento de abrir e fechar a mão pode ser realizado.

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O equipamento consiste em uma luva robotizada, feita com material antialérgico e flexível, que se asseme-lha a uma lycra. Ele possui estruturas que atuam como tendões presentes no antebraço e são conectadas a um

motor que funciona com base em si-nais mioelétricos, isto é, emitidos pe-los músculos durante os movimentos de contração ou relaxamento. São ao todo dez tendões, sendo um par para cada dedo das mãos.

Na parte posterior da luva, os tendões são conectados a uma mola que produz uma força contrária ao movimento “ditado” pelos eletrodos, permitindo a abertura dos dedos da órtese. Segundo o engenheiro meca-trônico Daniel Rocha, um dos respon-sáveis pela elaboração de luva, a mola também tem a função de aumentar a vida útil da luva.

Para que a órtese funcione, eletro-dos são postos sobre dois músculos superiores ativos, que podem ser os ombros ou mesmo a face. Ao se mo-verem, eles emitem sinais elétricos de baixa intensidade. Os estímulos são captados por um microcontrolador li-gado a um pequeno motor, que aciona os tendões. Dessa forma, o movimen-to, que deverá ser feito pela mão, é “comunicado” à luva. O equipamento é movido à bateria recarregável, colo-cada numa pequena bolsa levada pelo usuário.

Pinotti conta que é preciso treino para o uso do equipamento, mas isso é algo bastante rápido e simples. “Duas sessões de uma hora são suficientes para se familiarizar com a tecnologia”, diz. O treinamento consiste em rea-prender a controlar os movimentos da mão e a sincronizá-los com o do músculo que fornecerá os sinais.

A fim de facilitar a adaptação, os usuários utilizam, durante as sessões, um sistema formado por duas peque-nas lâmpadas LED - uma vermelha, outra verde - que se acendem confor-me o movimento feito. Dessa forma, a pessoa sabe como e com intensidade deve mover o músculo para que a luva funcione corretamente.

Evolução As pesquisas para a criação da ór-

tese começaram em 2005 e envolve-ram uma equipe de sete pesquisadores do Labbio de diversas áreas, incluindo engenheiros mecânicos, mecatrônico, eletricista e uma terapeuta ocupacio-nal. Nesta fase inicial, o projeto contou com recursos da Financiadora de Estu-dos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico (CNPq). A FAPE-MIG também apoiou o projeto em sua

Equipe do Labbio/UFMG, com o pesquisador Marcos Pinotti (à direita): tecnologia inovadora já tem depósito de patente

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Desireé Antônio

Outro projeto que tem como foco a tecnologia assistiva (que visa à melhoria da qualidade de vida de pessoas que possuem algum tipo de deficiência) é um sistema de sinali-zação eletrônica, o DPS 2000, que possibilita a deficientes visuais usa-rem o transporte público de forma independente.

O equipamento, cujo funciona-mento é baseado na tecnologia da transmissão de informação por ra-diofrequência, é composto por um transmissor que fica com o usuário e um receptor, instalado nos ônibus. O transmissor é previamente pro-gramado com informações sobre as linhas de transporte mais usa-das. Equipado com um único botão e com instruções de mensagens de voz, o aparelho pode ser operado totalmente pelo próprio deficiente visual sem ajuda de outra pessoa.

Quando se está no ponto de ôni-bus, a pessoa seleciona a opção que deseja e um sinal de rádio é conti-nuamente enviado até o automóvel se aproximar do local. Quando está a cem metros do ponto, o receptor nele instalado capta o sinal e o mo-torista é informado, através de luzes e sons, que há um deficiente visual no ponto. Ao chegar, um autofalan-te integrado ao receptor informa o número da linha e dá instruções de embarque ao passageiro.

“O protótipo já está pronto e em fase de testes”, conta Júlio de Melo, professor do Departamento de En-genharia Mecânica da UFMG e um dos responsáveis pelo projeto. O sistema foi instalado em caráter ex-perimental na linha interna de ônibus da Universidade durante o mês de janeiro para avaliações iniciais.

O atual modelo, concluído em setembro, é uma evolução de outros que começaram a ser elaborados em 2002, quando o projeto recebeu recursos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), e em 2006, quando teve iní-cio a participação de pesquisadores da Universidade. A partir daí, foram

fase clínica por meio de bolsa de pós-graduação, segundo Pinotti essencial para a obtenção dos resultados.

Até chegar ao modelo atual, con-cluído em 2009, foram produzidos outros dois modelos de luvas, mais pesados por causa da bateria e do material que a compunha. De acordo com o pesquisador, a meta era chegar a uma órtese que assegurasse maior liberdade de movimentos e que fosse confortável e esteticamente agradá-vel, características que ainda faltam à maioria dos produtos disponíveis no mercado. Alguns modelos ainda utili-zados têm funcionamento mecânico e são formados por hastes que “pu-xam ou empurram” os dedos. Além de pouco prática e até incômoda, a órtese mecânica é pesada e desperta certa resistência nos usuários pela sua aparência. “Muitas pessoas não usam as órteses porque elas se assemelham a garras e destoam muito do corpo”, conta Daniel Rocha.

Vários experimentos foram reali-zados em laboratório para determinar as condições de operação da luva, den-tre elas qual a fonte de energia mais adequada e qual material mais agradá-vel para sua confecção, antes de serem iniciados testes clínicos, em 2007.

Quatro pacientes com lesões no plexo braquial do Centro Geral de Reabilitação (CGR), em Belo Horizon-te, testaram a eficácia da luva na reali-zação de pequenas tarefas do dia a dia como segurar copos e mover objetos. Segundo Daniel, os resultados foram bastante satisfatórios. “Eles se adapta-ram bem e rapidamente à órtese, até mais do que esperávamos.”

A reação desses primeiros usuá-rios em relação ao equipamento foi objeto da tese de doutorado da tera-peuta ocupacional Kátia Meneses, in-tegrante do grupo que o desenvolveu. No estudo, similar a uma pesquisa de satisfação, foram avaliados itens que vão desde a facilidade de manejo na realização de tarefas até a apreciação estética.

Atualmente, novos testes estão sendo feitos no Hospital Universi-tário de Pernambuco, desta vez com um grupo de 20 pacientes que tiveram

Acidente Vascular Encefálico (AVE), um tipo de derrame no qual ocorre a interrupção de fluxo sanguíneo para o cérebro, impedindo que alguns múscu-los recebam sinais nervosos e fiquem paralisados. O trabalho é parte da tese de doutorado de um dos pesquisado-res do Labbio, Rodrigo Cappato, que atualmente leciona na universidade pernambucana e transferiu a sua pes-quisa para lá.

Ele conta que o número de pacien-tes que sofreram um AVE é maior do que os que apresentam lesão do ple-xo braquial e, por isso, essa aplicação poderia beneficiar um número maior de pessoas. A disseminação do uso da luva entre os pacientes pode ocorrer a partir da prescrição médica ou das in-dicações dos terapeutas ocupacionais. “Eles ainda não indicam porque não conhecem a tecnologia, mas podem vir a prescrevê-la como um auxílio à terapia”, diz.

Além de ser mais leve e confortá-vel que os modelos antigos, a órtese proposta pela UFMG é mais barata do que suas correspondentes impor-tadas. As luvas devem custar, segundo projeções da equipe, entre R$2 mil e R$2,5 mil. As estrangeiras, por sua vez, custam em torno de R$5 mil (mode-los mais simples) e R$10 mil (as mais elaboradas).

Como a tecnologia envolvida na produção da órtese é inédita no Bra-sil, o pedido de sua patente foi depo-sitado em 2005 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), órgão responsável pelo registro. Para viabili-zar sua produção, alguns dos pesquisa-dores planejam fundar uma empresa, que provavelmente será incubada na Inova-UFMG, a incubadora de empre-sas da universidade. “Ainda temos que passar por uma série de trâmites bu-rocráticos para obter as certificações dos órgãos de saúde, como o Ministé-rio da Saúde e a Agência de Vigilância de Saúde (Anvisa). O que temos ainda é um protótipo, mas estamos corren-do atrás disso”, finaliza.

Direito de ir e vir

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Projeto: “Aperfeiçoamento de equipamento eletrônico para comunicação entre portadores de deficiências visuais e meios de transporte coletivo e individual”Modalidade: Projeto InventivaCoordenador: Júlio Cézar David de MeloValor: R$18.000,00

feitos aprimoramentos como a subs-tituição do visor com a programação pelo uso de som, o aumento do raio de alcance da transmissão e a troca de um chip produzido por um único fa-bricante por outros encontrados mais facilmente. A bateria de nove volts foi trocada por uma recarregável.

Outra realização dos pesquisadores foi a criação de um design adequado às necessidades do público-alvo. Para defi-nir o melhor formato para o transmis-sor, os responsáveis fizeram uma pesqui-sa com alunos do Instituto São Gabriel, escola de Belo Horizonte especializada no ensino para deficientes visuais, a fim de descobrir como gostariam que fosse o aparelho. O pedido mais recorrente foi que não houvesse quinas pontiagu-das, que poderia machucá-los, mas sim arredondadas. O projeto foi elaborado pela empresa de design Criativina, incu-bada na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).

De acordo com Melo, o produ-to deve começar a ser fabricado em larga escala ainda neste ano por uma empresa criada pelos cientistas que desenvolveram a tecnologia, a Geraes Tecnologias Assistivas. O transmissor deve custar R$250 e o receptor a ser instalado no ônibus, cerca de R$650.

A adoção do sistema nas cidades,

no entanto, ainda pode demorar algum tempo porque isso depende da autori-zação e adesão de órgãos de trânsito e da administração pública. “Agora que já temos o sistema pronto, pretende-mos marcar algumas reuniões com a prefeitura e com a BHTrans”, adianta o professor. Antes da implantação, os pesquisadores pretendem realizar um teste maior com um grupo de alunos do São Gabriel e algumas das linhas que servem o local.

A previsão mais próxima de instala-ção do sistema é em Jaú, município de São Paulo com 840 mil habitantes, onde as negociações já estão bem adiantadas. Segundo Adriano Assis, engenheiro elé-trico da equipe do DPS 2000 e sócio da empresa, a adequação do trânsito local está sendo realizada e a instalação deve ocorrer até maio deste ano.

Retribuição O DPS 2000, cuja patente foi depo-

sitada em 2001 e contemplado com o Prime 120, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), foi criado graças à inspiração de uma pessoa que não tem nada a ver com a área de engenharia elétrica, o vendedor de produtos far-macêuticos Dácio Pedro Simões. Em 1996, numa noite em que esperava pelo ônibus na praça da Liberdade, em

Belo Horizonte, ele encontrou um deficiente visual e se ofereceu para avisá-lo quando seu ônibus chegasse. Enquanto aguardavam, um carro da linha usada por Dácio passou, mas ele permaneceu no lugar para ajudar o senhor cego. Algum tempo depois, outro ônibus de sua linha passou. Quando o terceiro ônibus chegou ao ponto, Dácio pediu licença ao seu conhecido e partiu. Minutos após sua saída, começou a chover.

“O único pensamento do Dá-cio durante sua volta para casa era como o deficiente faria para pegar seu ônibus, sozinho e na chuva”, lembra Júlio de Melo, que contou a história. A partir desse dia, Dácio buscou formas de dar mais liberda-de a deficientes visuais para usar o transporte público. Antes de propor a ideia do DPS, ele pensou num sis-tema de placas e outros parecidos.

Já com o conceito do sistema em mente, mesmo sem sua tecnolo-gia, ele foi a uma mostra de projetos promovida pelo Sebrae na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Belo Horizonte, para apresentá-lo. Apesar de não ser aluno e não estar inscrito no evento, ele pôde apresen-tá-lo e acabou entre os aprovados, recebendo recursos e orientações da instituição para dar continuida-de ao projeto, o que fez por conta própria até procurar a UFMG. Hoje aposentado, aos 80 anos, ele é de-tentor de parte da patente do DPS 2000, cujo nome, formado por suas iniciais, é uma homenagem ao seu envolvimento com a causa.

O DPS 2000, que funciona a partir da transmissão de dados por radiofrequência, promete facilitar a vida dos portadores de deficiência visual.

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Meio ambiente

Mais energia, menos impactos para oambiente Projeto de recuperação de áreas degradadas inédito no país é desenvolvido em Minas Gerais

No início da década de 1980, o município mineiro de Caldas, no sul do Estado, recebeu um empreendimento pioneiro: a implantação da primeira la-vra nacional de urânio. A mina operou por quase 15 anos e teve suas ativi-dades encerradas em 1995, mas reas-sumiu, nos últimos anos, um papel im-portante nas pesquisas ambientais do Brasil. Lá estão sendo realizados, com a participação de pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tec-nologia Nuclear (CDTN), estudos que deverão orientar as atividades do país no que diz respeito ao descomissio-namento (fechamento) e recuperação de regiões degradadas pela mineração de urânio.

A cadeia produtiva do urânio no Brasil, da mineração à fabricação do

combustível para as usinas nucleares, é atualmente de responsabilidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Ao contratar um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) na iniciativa privada para o descomissionamento da mina de Cal-das, a INB solicitou paralelamente ao CDTN um programa de pesquisa para dar suporte a estas atividades. “O ob-jetivo é que tenhamos um grupo for-talecido capaz de tratar essa questão, pois é sabido que teremos mais minas – não só as de urânio e as que apresen-tam material radioativo associado, que exigem tratamento diferenciado – para passar pelo processo de descomis-sionamento”, conta a professora Ana Cláudia Queiroz Ladeira. Ela trabalha no projeto em parceria com o Setor de Meio Ambiente do CDTN, repre-sentado pelo pesquisador Otávio Euri-co de Aquino Branco. Os estudos têm o apoio da FAPEMIG e estão inseridos, também, no Instituto Nacional de Ci-ência e Tecnologia (INCT) de Recursos Minerais, Água e Biodiversidade.

Caetité, na Bahia, foi a segunda mina de urânio implantada no Brasil e é atualmente a única em funciona-mento, abastecendo as usinas Angra 1 e Angra 2. Há previsões de que entre em operação uma terceira, na reserva Santa Quitéria, Ceará. Segundo Otávio Eurico Branco, o programa nuclear do país está passando por uma reformu-lação com vistas a atender a demanda

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energética e a tendência é o aumento da capacidade de produção de urânio para novas centrais nucleares. “Este projeto de fechamento de mina de urânio em andamento no município de Caldas é pioneiro, principalmente por se tratar de um sítio com material radioativo, e possibilitará experiência para lidar com as outras minas”, pondera.

Contornando efeitos colaterais

De acordo com os pesquisadores, as minas de urânio exigem um com-portamento diferenciado, pois envol-vem elementos radioativos e também outros metais. Embora a extração em Caldas tenha sido interrompida há mais de 15 anos, permanecem no local cerca de 100 milhões de toneladas de resíduos sulfetados depositados du-rante o período de operação ao redor da cava ou nos 14 “bota-fora” – espé-cies de depósitos de material de baixo teor retirado da antiga mina. Além dos problemas comuns de áreas degra-dadas, existe a questão da drenagem ácida, gerada em dois desses bota-fora, devido a presença de sulfetos. “Esse material, quando exposto ao ar e ação de bactérias do próprio meio, produz ácido sulfúrico. A água da chuva ou mesmo de nascentes que passe por ele torna-se ácida”, explica Ladeira.

Em Caldas, tem-se uma vazão que varia de 150m³ a 300m³ por hora de água ácida que contém urânio, manga-nês, ferro, alumínio e outros metais. Há alguns anos a professora vem estudan-do as formas mais viáveis de promover o tratamento deste efluente. A INB trata hoje a drenagem ácida com cal, elevando o pH, para que haja a preci-pitação dos metais, dentre eles o urâ-nio. Assim, a parte líquida é liberada no meio ambiente, dentro dos padrões, e o precipitado gerado, contendo urânio e os outros metais, volta para a cava da mina. Isso tem ocorrido há mais de 12 anos. Estima-se que, desde então, den-tro da cava da mina já foram deposita-das mais de 150 toneladas de urânio. O custo deste processo, entretanto, é elevado, com o consumo mensal mé-dio de 350 toneladas de cal.

Um dos primeiros estudos de-senvolvidos por Ladeira, em parceria

com pesquisadores da área de Biolo-gia, buscou utilizar bactérias sulfato redutoras isoladas do próprio am-biente para tratar a drenagem. A ideia era reverter o processo da natureza por meio da ação desses microrganis-mos, convertendo o sulfato da água ácida de volta em sulfeto, como ele era anteriormente. “Ao precipitar o sulfeto, leva-se junto o manganês e o ferro, por exemplo, pois os sulfetos são compostos de metais e enxofre”, esclarece a pesquisadora. A proposta esbarrou, entretanto, na questão dos volumes a serem tratados. “Como a vazão é grande, seria necessário uma área muito extensa para a ação das bactérias, o que tornou o processo pouco atrativo”, comenta.

Atualmente, a equipe tem concen-trado as pesquisas em métodos quími-cos capazes de acelerar essas trans-formações. A professora explica que o manganês constitui um problema, por-que sua separação requer que o pH da água fique em torno de 11. “Isso é que aumenta o consumo de cal e a gera-ção de precipitado, pois não podemos só fixar o pH em 7, na neutralidade, e descartar para o ambiente, porque o manganês não é removido neste pH e o efluente não atenderá ao padrão de lançamento”, conta. Assim, ela trabalha na utilização de um catalisador que possibilite retirar o manganês com o pH neutro.

Um dos principais trabalhos tem sido ainda no sentido de retirar o urâ-nio da água ácida e mesmo do precipi-tado depositada na cava da mina e re-aproveitá-lo na cadeia de produção do combustível nuclear. “Além de tentar recuperar o urânio, que tem valor agre-gado, isso ajudaria a resolver a questão relativa a um dos passivos ambientais”, complementa Otávio Branco.

O processo para retirada do urâ-nio no efluente ácido já está bastante adiantado, em fase semi-industrial. A opção adotada pelos pesquisadores em parceria com a INB foi utilizar um tipo específico de resina de tro-ca iônica que é colocada em colunas, funcionando como um filtro. “A água passa e o urânio fica retido na resina. Quando esta satura, usamos um líqui-do próprio para remoção do metal e

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O PRAD deverá estar pronto até 2011, mas os pesquisadores esclare-cem que a sua execução levará de 10 a 15 anos, sob contínuo monitoramen-to, seguindo a experiência de casos semelhantes acompanhados por eles no exterior. Será feito um plano inte-grado, envolvendo todos os aspectos e estabelecida a ordem de execução. “As ações apontadas para cada caso vão passar por estudos de avaliação, levantamentos de dados específicos, modelagem ambiental, hidrológica, cli-matológica, análises para calcular os riscos e custos de cada possibilidade, elegendo, a partir daí, as melhores op-ções”, detalha Branco.

Virginia Fonseca

Projeto: “Reversão da acidez da água gerada em mina descomissionada de urânio”Modalidade: Programa Jovens DoutoresCoordendor: Ana Cláudia Queiroz LadeiraValor: R$12.390,00

Descoberto pelo químico alemão Martin Klaproth em 1789, o mineral urânio (U) é o mais pesado entre os elementos naturais. Do final do século XIX e até meados do século XX, estudos permitiram desvendar sua proprie-dade de emitir partículas radioativas (radioatividade) e controlar a quebra dos seus átomos. O calor produzido por essa fissão produz o vapor que mo-vimenta as turbinas das usinas nucleares, gerando energia elétrica. A principal aplicação comercial do urânio é, portanto, na geração de eletricidade, mas ele também possui usos na medicina e na agricultura.

O mineral encontra-se, em estado natural, nas rochas da crosta terrestre. Não tem uma cor característica, pode ser amarelo, marrom, ocre branco, cin-za e outras cores relacionadas à terra. Após a extração, a rocha é submetida a um procedimento chamado lixiviação, para retirada do urânio. Daí resulta um licor, que é levado à usina de beneficiamento, onde passa por uma série de processos químicos até se transformar em um sal de cor amarela, o con-centrado de urânio, cuja composição química é o diuranato de amônio, co-nhecido como yellowcake ou concentrado de U3O8. Até a geração de energia elétrica, o urânio passa por outras etapas do chamado “ciclo do combustível nuclear”: a conversão em gás, o enriquecimento isotópico, a produção de pó de UO2, a fabricação de pastilhas e a montagem do elemento combustível.

O Brasil possui uma das maiores reservas mundiais de urânio, ocupando a sétima posição, e a única mina em operação da América Latina (Caetité), com capacidade de produção de 400 toneladas/ano de concentrado de urânio.

Fonte: INB (www.inb.gov.br)

Um mineral promissor

Cava da mina de urânio, em Caldas (MG), e um bota-fora, espécie de depósito de material de baixo teor radioativo situado próximo à bacia de recolhimento de água ácida.

o resultado é uma solução concen-trada de urânio que pode ser reapro-veitada”, explica Ladeira. No início do procedimento, a água ácida apresenta em torno de 14mg do metal por litro e, ao final, podem ser obtidos de 3g a 10g de urânio por litro. Quanto ao precipitado da cava, a recuperação do urânio tem sido estudada por meio de técnicas hidrometalurgicas como a lixiviação alcalina, seguida de resina de troca iônica e precipitação para obtenção do concentrado de urânio denominado yellowcake.

O grupo já concluiu também um estudo sobre a estabilidade química do precipitado da cava e sua completa caracterização. Os sedimentos e solos da região também passarão por uma análise. “Vamos avaliar a migração do urânio, para saber qual a possibilidade de ele estar saindo do sítio para as re-dondezas”, adianta Ladeira.

Recuperação integradaO Plano de Recuperação previsto

para Caldas contempla quatro passi-vos ambientais: a cava, os bota-fora, a

bacia de rejeitos e a área industrial da antiga mina. A recuperação dessas áre-as será trabalhada de maneira integra-da, de forma a se perceber a soma dos efeitos e como um processo interfere no outro. “Existe um esforço de tra-balhar conjuntamente, não só na área ambiental, mas dentro dos problemas como um todo. Esse projeto nos pos-sibilitou unir diversos trabalhos que vi-nham sendo desenvolvidos de maneira isolada, agora com a parceria também da INB e UFMG, no âmbito do INCT”, afirma Branco.

Alguns aspectos nos arredores da mina estão sendo acompanhados, como a avaliação da concentração de elementos contaminantes nas bacias hidrográficas que drenam a região, bem como no solo e plantas. “Esse e outros trabalhos complementam uma base avançada de informações que já temos”, diz o pesquisador. Ele lembra que o CDTN detém conhecimentos sobre todo o histórico da mina, pois tem acompanhado as atividades no local desde os estudos iniciais de im-plantação.

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serviços associados”, afirma o médico veterinário João Henrique Moreira, que, desde 2001, faz parte da equipe de pesquisadores em reprodução da Embrapa Gado de Leite. A Embrapa teve expressiva contribuição para o desenvolvimento e aplicação comer-cial da técnica no Brasil, contribuindo com trabalhos de pesquisa, cursos, treinamento de recursos humanos e parcerias com empresas e produtores no desenvolvimento e validação de tecnologias.

Hoje, não se concebe mais o mer-cado de bovinos de alto valor sem a fertilização in vitro. A utilização da téc-nica é quase uma premissa para quem investe em genética de ponta. “O que mais nos impressionou foi a velocida-de com que a técnica foi incorporada no setor produtivo, se tornando um sucesso comercial e quebrando o pa-radigma do ‘conservadorismo’ do pro-dutor rural. Atualmente, mais de 75% dos embriões bovinos transferidos no Brasil são produzidos em laboratório. Mas mesmo com este cenário, a FIV ainda tem limitações técnicas que pre-cisam ser solucionadas pela pesquisa, como o caso da criopreservação (con-gelação), cujos resultados ainda são in-satisfatórios”, relata o pesquisador.

O Brasil responde atualmente por 85% da produção mundial de embri-ões bovinos por FIV. Existem laborató-rios operando em praticamente todas as regiões do país, assim como filiais em países como o Paraguai, Colômbia, Venezuela, México, China e Austrália. Além dos laboratórios de produção de embriões, a fertilização in vitro possibilitou o desenvolvimento de um mercado associado de materiais e ser-viços e boa parte dos equipamentos e insumos utilizados, que antes eram importados, já estão sendo desenvol-vidos e produzidos no país.

Em 2010, Carol e Fapê comemo-ram seu aniversário de 10 anos. Elas continuam como doadoras da Embra-pa Gado de Leite, responsável pelo Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro, que está completando 25 anos e tem especial interesse em estudos nesta raça, incluindo o desen-volvimento e adaptação de diferentes biotécnicas reprodutivas.

Lembra dessa?

Carol e Fapê. Assim foram bati-zadas as bezerras de proveta que, quando nasceram, há 10 anos, simbo-lizaram um importante avanço no de-senvolvimento científico e tecnológico de Minas Gerais. Carol foi a primeira bezerra de proveta da raça holandesa, concebida por meio de técnica total-mente desenvolvida no Estado. Fapê, a primeira bezerra da raça Gir, também nasceu a partir da técnica de Fertili-zação In Vitro (FIV). O nome foi uma homenagem à FAPEMIG, financiadora das pesquisas desenvolvidas pela equi-pe de reprodução da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora (MG).

A novidade foi tema de reporta-gem da edição nº 4 da MINAS FAZ CIÊNCIA e deixou os produtores rurais mineiros ouriçados. Afinal, era uma possibilidade futura de aumentar significamente a produtividade do re-banho. A diferença é expressiva: uma vaca saudável, que gera um bezerro por ano, pode produzir em torno de

Brasil é destaque na produção de embriões bovinos por fertilização in vitro

Bezerros de proveta

40, no mesmo período, através da fer-tilização in vitro. A técnica permite que embriões obtidos de uma vaca de bom potencial genético sejam transferidos para o útero de uma outra vaca, de-nominada barriga de aluguel, onde a gestação se desenvolve.

Até a época em que o projeto começou (1998), a FIV ainda era uma técnica de uso restrito e comercial-mente inexpressiva no Brasil. A partir de 2000, os avanços em seu desenvol-vimento possibilitaram o início da apli-cação comercial com sucesso e, em poucos anos, a FIV se tornou a técnica mais utilizada na multiplicação de fê-meas bovinas geneticamente superio-res. Graças à FIV, o Brasil é hoje o país com o maior número de transferências de embriões bovinos no mundo, líder e referência no uso de biotécnicas re-produtivas, principalmente em zebuí-nos. “O Brasil deixou de ser importa-dor para ser exportador de genética bovina, assim como de tecnologias e

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Notas

FAPEMIG reajusta valor de bolsas

A FAPEMIG reajustou, em março, os valores de suas bolsas de Iniciação Científica e Pós-doutorado. O reajuste foi feito para acompanhar os valores pra-ticados pelas agências nacionais de fomento, que também tiveram um aumento. Os novos valores têm validade a partir de 1º de março e a diferença retroativa será repassada às instituições na próxima remessa trimestral. Com isso, a Bolsa de Iniciação Científica (BIC) teve reajuste de 20%, passando de R$300 para R$360. As bolsas de Pós-doutorado, modalidades Júnior e Empresarial, subiram de R$2.218,56 para R$3.200, um reajuste de 44%. A modalidade Sênior passou de R$3 mil para R$4 mil, 33% de acréscimo.

Depois do lançamento da Rede Dengue e da Rede Malária, Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estão discutindo a criação de uma rede para pesquisas sobre tuberculose. Representantes da FAPEMIG e das Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados do Amazonas (Fapeam) e do Rio de Janeiro (Faperj), além de pesquisadores dos três Estados, reuniram-se em março para delinear uma parceria que prevê investimentos de cerca de R$6 milhões. As ca-racterísticas do edital ainda estão sendo discutidas, mas a previsão é que a chamada para apresentação de propostas seja aberta no final do mês de abril.

Rede para pesquisas em tuberculose

Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação

Em maio, será realizada em Brasília a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (4ª CNCTI). A educação de qualidade, a contribuição brasileira para a ciência e a inovação no mundo e o papel da ciência, da tecnologia e da inovação na redução da desigualdade social são alguns dos assuntos a serem debatidos no encon-tro.

Até o fim de março, conferências regionais acontecerão em todo o Bra-sil. A do Sudeste está marcada para os dias 30 e 31 de março no Centro de Convenções de Vitória, no Espírito Santo. O encontro reunirá gestores públicos, pesquisadores, professores, alunos, trabalhadores e empreende-dores para a discussão dos desafios e oportunidades na área de CT&I. A conferência regional funciona como uma preparatório para a nacional. Ins-crições e outras informações no site http://www.crcti-sudeste.com.br/

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O Amapá aprovou a criação de sua Fundação de Amparo à Pesquisa. A Fundação Tumucumaque, como será chamada, estará vinculada a Secretaria Estadual da Ciência e Tecnologia (Setec) do Estado e terá como finalidade promover o desenvolvimen-to científico, tecnológico e de inovação no Amapá. Inicialmente, o quadro funcional da nova FAP será composto por 16 pessoas e a Fundação terá orça-mento de R$300 mil. Um conselho superior terá a finalidade de julgar e orientar assuntos de interesse da instituição com o apoio de Câmaras Científicas que serão formadas por pesquisadores e doutores daquele Estado.

Na opinião do presidente do Conselho Nacio-nal das Fundações de Amparo à Pesquisa, Mario Neto Borges, que também é presidente da FAPE-MIG, a criação dessa FAP será uma motivação para que Roraima, Rondônia e Tocantins também façam suas agências de fomento à ciência, tecnologia e in-formação. Segundo ele, a iniciativa do Amapá é uma “demonstração da crença de que ciência, tecnologia e inovação são vetores importantes para o desen-volvimento social e econômico do país”.

Ciclo de palestras de CT&I já tem datas marcadas

O Ciclo de Palestras Ciência, Tecnologia e Ino-vação terá continuidade em 2010. Organizado pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensi-no Superior (Sectes), o projeto tem como objetivo promover o debate e difundir temas ligados à área. Já em seu terceiro ano, o Ciclo de Palestras definiu as datas dos encontros de 2010. Eles acontecerão em 19 de março, 16 de abril, 21 de maio, 18 de junho, 16 de julho, 20 de agosto, 17 de setembro, 15 de outubro, 19 de novembro e 10 de dezembro. O convidado de março será o professor William Dietrich, da Universidade de Berkeley, Califórnia (EUA). Ele irá proferir a palestra “Towards a unified science of the Earth’s surface: opportunities for synthesis among hydrology, geomorphology, geo-chemistry and ecology”. Para receber informações e convite para os próximos eventos, escreva para [email protected]

Produto apoiado pela FAPEMIG tem pedido de patente aprovado pelo INPI

Uma mini-estação de tratamento de esgoto que despolui uti-lizando radiação solar e ainda possibilita a reutilização da água na agricultura. Assim é o Sistema de Tratamento de Água Residuária, um produto inovador desenvolvido pela Intec Ambiental, empresa viçosense vinculada à Incubadora de Empresas de Base Tecnoló-gica do Centev/UFV. A Intec acaba de receber a comprovação do depósito do pedido de patente. “A conquista de uma patente para a empresa é a consagração de um árduo trabalho de pesqui-sa e comercial, possibilitando a inserção segura de um produto validado para atender às necessidades da sociedade”, ressaltou o diretor técnico da empresa, Rafael de Oliveira Batista.

O produto foi desenvolvido com o apoio financeiro da FA-PEMIG, dentro de seu Programa de Apoio à Pesquisa em Empre-sas (Pappe). Esta é a única mini-estação de tratamento de esgoto doméstico do mundo que utiliza radiação solar no processo de desinfecção de bactérias patogênicas. A vantagem desta tecnologia é o baixo custo e a redução de impactos ao meio ambiente. “Os outros tipos de estação existentes no mercado utilizam processos de tratamento químicos ou que envolvem consumo de energia elétrica”, explica o diretor técnico.

Amapá cria sua Fundação de Amparo à Pesquisa

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Divulgação

Inspiração que vem da terraCartilha ensina a aproveitar os recursos naturais na produção de tinta

O colorido estampado nos muros da Escola Municipal Paulo Rodrigues de Águila, em Jaboticatubas, cidade da Região Metropolitana de Belo Hori-zonte, revela o apreço dos alunos pela natureza e indica o despertar de uma vocação artística. Sobre o concreto, a tinta ganha forma de rio, árvores e animais, até se transformar em uma floresta. A pintura é o resultado de um mês de empenho dos alunos de terceira e quarta séries do ensino fundamental, que se dedicaram à pro-dução de tinta a partir de pigmentos minerais, extraídos do solo do próprio município.

Com o guache e pincéis em mãos, eles celebraram o experimento e se consagraram como os pequenos cien-

Oficina realizada com os alunos de escola de Jaboticatubas (MG). A cartilha produzida ajuda a disseminar conhecimentos e estimula a criatividade.

tistas da escola, aptidão que nem mes-mo eles conheciam. O procedimento não é tão complexo quanto parece. Quem comprova isso são as pesquisa-doras Joice Saturnino, Claudina Maria Dutra Moresi, Juliana Alves dos San-tos Oliveira e Onice Maria de Sousa, autoras da cartilha “Arte e ciências: os pigmentos minerais”. O material ensina como aproveitar os recursos naturais na produção de tinta e serviu de base para o trabalho desenvolvido pelos alunos de Jaboticatubas. “Todos podem fazer. É um processo artesanal, que proporciona maior contato com a terra, de onde é retirada a matéria-prima”, explica Joice.

A cartilha, produzida com o apoio da FAPEMIG através do Programa de Popularização da Ciência e Tecnologia, cumpriu seu propósito. Além de disse-minar conhecimentos científicos, ser-viu para apurar a disciplina dos alunos, conforme descreve Valéria Soares de Oliveira, professora e coordenadora da escola Paulo Rodrigues de Águila. “Escolhi as turmas mais agitadas, pois queria trabalhar a concentração e ob-servar qual seria a reação dos alunos”, relata. “Todos ficaram interessados, participando de tudo e colaborando entre si. A escola ganhou outra cara depois que pintamos o muro. E os alu-nos também”, conta.

PesquisaO material surgiu de uma exten-

sa pesquisa desenvolvida pela equipe da Escola de Belas-Artes (EBA) e do Departamento de Química do Institu-to de Ciências Exatas (ICEX) da Uni-versidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG), da qual as autoras da

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37MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009

ra é distribuir mais cartilhas em outras instituições de ensino, bibliotecas e centros de pesquisa.

Arte e ciênciaEncontrados nas regiões mais

ricas em depósitos naturais de fer-ro, os pigmentos minerais variam de amarelo-ocre até o preto, passando pelo vermelho, o verde e o roxo e são utilizados em telhas, pisos, vidros, ce-râmicas e tintas diversas. Além disso, os pigmentos podem ser utilizados para a arte. Essa aliança entre a pro-dução científica e o fazer artístico está expressa na obra de Maria Luiza Cer-queira. A artista plástica participou da exposição de lançamento da cartilha, em maio de 2009, na galeria da Escola de Belas-Artes da UFMG. A partir dos pigmentos minerais, ela criou placas de papel reciclado nos tons de vermelho e amarelo. “A minha ideia foi simular a textura do barro”, explica a artista, que valoriza a utilização de métodos caseiros em suas obras. “Os recursos naturais estão aí, na terra, à nossa fren-te. É só transformar torrão em pó”, ressalta.

Carolina Jardim

Em sua edição nº 30, a MINAS FAZ CIÊNCIA trouxe uma repor-tagem sobre projeto da Universi-dade Federal de Viçosa (UFV) que também trabalha com a tinta feita a base de terra. O trabalho de ex-tensão, batizado “Cores da Terra”, reúne professores, alunos, pintores e a população local. O grupo já re-cuperou igrejas e casas da região, além de realizar oficinas no Estado e no Espírito Santo. A matéria está disponível no site da revista: http://revista.fapemig.br

Projeto: “Artes e ciências - os pigmentos minerais”Modalidade: Edital de Popularização da CiênciaCoordenadora: Claudina Maria Dutra MoresiValor: R$31.750,05

cartilha fazem parte. O trabalho foi iniciado em novembro de 2006 e con-sistiu no levantamento, coleta e análise dos pigmentos encontrados nas cida-des mineiras de Rio Acima, Ouro Pre-to, Itabirito e Belo Vale. Em seguida, a equipe trabalhou no desenvolvimento da cartilha e na organização de ofici-nas com os professores da rede públi-ca de ensino.

“A educação artística ainda é ca-rente nessas instituições. Nossa inten-ção foi introduzir conceitos interdis-ciplinares para os alunos e despertar um novo olhar sobre a terra”, diz a pesquisadora Joice Saturnino. “A car-tilha, destinada a alunos do ensino médio e fundamental, proporciona um encontro da arte com a ciência e co-loca novas possibilidades ao alcance de todos que querem enriquecer suas experimentações com o uso de recur-sos minerais”.

Com uma abordagem didático-pe-dagógica, a cartilha também já foi uti-lizada por professores de escolas de Belo Horizonte, Betim e Contagem. O material detalha a composição dos pigmentos naturais, sua ocorrência na natureza, formas de extração, concei-tos de cor, luz, tinta, classificação dos solos e curiosidades sobre técnicas antigas de pintura.

As escolas que receberam a carti-lha tiveram três meses para desenvol-ver algum projeto com os pigmentos e demonstrar o aprendizado obtido com o estudo do material. “Foi muito enriquecedor. Depois da produção da tinta, todos os alunos queriam repetir a dose”, conta Valéria. O objetivo ago-

O objetivo da equipe é distribuir mais exemplares da cartilha em bibliotecas e centros de pesquisa

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Estima-se que, no Brasil, o nome do pai não figure em pelo menos 25% dos registros de nascimento, o que corresponde a quase um milhão de crianças por ano. Em alguns locais do país, a situação é ainda pior. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Maceió, por exemplo, 42% dos re-gistros civis são feitos sem a indicação do nome pai. Os registros incomple-tos causam diversos danos sociais, morais e psicológicos e o CNJ preten-de lançar, ainda no primeiro semestre de 2010, uma campanha nacional pela “paternidade responsável”, convocan-do as mães para que identifiquem o suposto pai. Para isso, parcerias com tribunais de Justiça devem ser fecha-das nos estados nos próximos meses e o CNJ tem como argumento a deci-são do Superior Tribunal de Justiça, de julho de 2009: desde então, a negativa do suposto pai em realizar o exame de DNA é definida como uma presunção de paternidade.

Esse exemplo da confiança depo-sitada no teste de DNA revela outros aspectos. Para as análises de paterni-dade e de Identificação Genética Hu-mana, muitos laboratórios brasileiros ainda utilizam kits comerciais impor-tados. Com a crescente demanda do mercado, o elevado custo e as difi-

Identificação Genética

Identificação genética

Produtos de alta eficiência e menor custo ”made in Brazil” podem facilitar a identificação humana e

animalculdades de importação, tornaram-se mais frequentes os casos de descum-primento dos prazos de entrega pelos fornecedores e, consequentemente, de atrasos da entrega do resultado do exame. O principal reagente utilizado neste exame é produzido por poucos laboratórios e sua comercialização é regida por extensa lista de mecanis-mos. A importação normalmente é fei-ta dos Estados Unidos e da Inglaterra e as dificuldades de acesso são consi-deradas um entrave tecnológico, uma vez que existem no Brasil pessoas e laboratórios capacitados.

A chance de oferecer um produ-to de alta eficiência e menor custo, possibilitando a redução de prazos e ampliando o acesso a essa tecnologia, motivaram uma empresa da capital mineira, a Biocod, a desenvolver kits nacionais de identificação genética. O projeto contou com financiamento do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas – Pappe, parceria entre a FA-PEMIG e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O teste de paternida-de consiste em comparar pequenas re-giões do DNA, repetitivas e variáveis, entre os indivíduos envolvidos e ava-liar, através de índices e probabilidades estatísticas, as possibilidades de paren-tesco. O kit desenvolvido pela Biocod

utiliza a genotipagem destas pequenas repetições de DNA após amplificação pela técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR) e análise em se-quenciador automático. Atualmente essa é a metodologia mais difundida para a verificação de parentesco.

Segundo estimativas dos pesquisa-dores, utilizando os kits desenvolvidos pela empresa, é possível gerar uma economia de até 70% na realização dos testes. “Para análises diagnósticas em laboratórios comerciais e estudos científicos, onde um grande número de pessoas é avaliado, testes rápidos, econômicos e que utilizam a estrutura operacional básica de um laboratório de biologia molecular são altamente desejáveis, uma vez que essa economia e rapidez são repassadas ao cliente fi-nal”, explica a bióloga Cristiane Lom-mez de Oliveira, coordenadora do projeto.

Atualmente, os kits desenvolvi-dos estão sendo utilizados dentro da própria Biocod e a ideia é viabilizar a comercialização para outros laborató-rios interessados. “Os preços já estão definitivamente mais acessíveis à po-pulação de maneira geral. Mais impor-tante que a necessidade de adequação do registro civil, a identificação da pa-ternidade determina a responsabilida-

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de conjunta na criação dos filhos. Além de privações materiais, as pessoas sem registro paterno muitas vezes sofrem com a ausência de referências afetivas e culturais e enfrentam diversas for-mas de preconceito. Observa-se ain-da que, com a evolução da medicina, torna-se cada vez mais importante conhecer a origem genética dos indi-víduos no que tange à prevenção, diag-nóstico e tratamento de doenças e a busca por melhor qualidade de vida”, acredita Cristiane.

Identificação genética animal

Além da paternidade humana, o projeto considerou também o cres-cimento explosivo da demanda de identificação genética animal, devido à inserção no país das práticas inter-nacionais para registro genealógico implementadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Além disso, os criadores de bovinos têm investido recursos subs-tanciais no aprimoramento genético de seus rebanhos, tendo em vista o grande potencial do Brasil como ex-portador de carne. Segundo o grupo de pesquisadores, no que diz respeito à identificação gênica de animais como

bovinos e equinos, o benefício maior é a legitimação genética dos reba-nhos, agregando valor ao patrimônio dos criadores e contribuindo para um maior desenvolvimento da pecuária e equinocultura nacionais.

A importação de kits para a reali-zação de exames genéticos neste seg-mento é considerada inviável, devido à possibilidade de realização dos mes-mos com tecnologia nacional, a baixo custo. “Kits comerciais para identifica-ção genética humana e animal nacio-nais não existiam. Entretanto, alguns poucos laboratórios já realizavam testes de identificação genética huma-na utilizando estratégias próprias. Na genética animal isso não acontecia e o projeto desenvolvido pela Biocod nessa área foi pioneiro”, explica Cris-tiane. O mercado é tão promissor que levou à criação de uma outra empresa, vinculada à Biocod: a Linhagen, geran-do 18 postos de trabalho, com espe-cialização na identificação genética de equinos e bovinos, credenciada pelo MAPA e que também realiza testes genéticos relacionados ao aumento da produtividade de leite e carne.

Na criação animal, a estimativa de valor genético dos reprodutores de-pende diretamente de dados precisos sobre genealogia, para que haja suces-

Equipe da Biocod, empresa que trabalha com o desenvolvimento de métodos de

identificação genética humana e animal.

O trabalho, que já recebeu prêmios, contou com financiamento da FAPEMIG por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas.

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DNA é a abreviação do ácido desoxirribonucleico, considerado o “tijolo” de construção genético da vida. Ele é encontrado no núcleo das células, dentro de peque-nos pacotes genéticos chamados cromossomos. O DNA é formado no momento da concepção e não sofre alte-rações, mesmo depois da morte do indivíduo. Ingestão de medicamentos e tratamentos com radiação, por exemplo, não produzem mudanças no DNA que possam alterar o resultado de um teste de parentesco. É a extrema varia-bilidade no DNA que supera a variabilidade de outros sistemas utilizados anteriormente. Através de sua análise, é possível diferenciar um indivíduo do outro, já que todas as pessoas apresentam um padrão único em seu DNA, menos os gêmeos idênticos (univitelinos).

Existem outros tipos de exames de sangue que ten-tam resolver casos de dúvidas sobre parentesco. Esses exames variam desde a tipagem dos grupos sanguíneos ABO, tipagem dos Antígenos Leucocitários Humanos (abreviação em inglês = HLA), até o DNA, considerado o mais exato. O exame de HLA, muito utilizado no passado e ainda hoje quando não se dispõe da tecnologia do DNA, vem sendo rapidamente substituído. Os métodos de exa-me em DNA requerem quantidade menor de sangue do

que os testes de paternidade tradicionais, além disso, as células do sangue não precisam permanecer vivas do mo-mento da coleta até o início da fase analítica. Isto torna o procedimento de coleta mais rápido e ordenado. O DNA é uma molécula estável e pode ser extraído e congelado por períodos prolongados.

A maior vantagem é, sem dúvida, a precisão do exa-me. A tipagem sanguínea ABO só consegue excluir 13 em cada 100 indivíduos falsamente acusados e o HLA, nos melhores laboratórios do mundo, só consegue excluir 95 em cada 100 indivíduos falsamente acusados. A chance do teste em DNA por PCR detectar, por exemplo, um homem que esteja sendo falsamente acusado de ser o pai biológico, é superior a 99,99%. Em todos os casos, sejam os que serão posteriormente enviados a um laboratório de referência, ou que sejam coletados no próprio labo-ratório em que o teste propriamente dito será realizado, é imprescindível que se tenha uma série de controles da qualidade do exame, desde a etapa de identificação dos indivíduos, até a elaboração e entrega do laudo. O exame de DNA para fins de identificação pessoal e determina-ção de paternidade é considerado o maior avanço do sé-culo na área forense.

O DNA e os testes

so dos programas de melhoramento genético e para que se evite a endoga-mia excessiva (alto grau de parentesco entre os animais do rebanho), o que pode trazer consequências como o surgimento de anomalias. Os primei-ros testes para confirmação de genea-logia em animais domésticos surgiram ainda no início do século XX, por volta de 1930, quando soros para tipagem sanguínea de bovinos foram produ-zidos. Associações norte-americanas de criadores queriam confirmar os pedigrees dos produtos submetidos a registro, tendo em vista programas de melhoramento genético na bovinocul-tura. Outras espécies animais foram posteriormente estudadas. No Brasil, somente para bovinos e equinos a ti-pagem sanguínea é normatizada pelo Ministério da Agricultura e exigida para registro de reprodutores, doadoras de embriões e principalmente dos pro-dutos de transferência de embriões. Também em alguns casos de dúvida em produtos de inseminação artificial o teste é solicitado por associações de criadores.

Os exames seguem padrões mun-

diais e isso permite que, por exemplo, no caso de um reprodutor testado na Europa e que tenha seu sêmen expor-tado para o Brasil, não haja problemas na verificação de parentesco de seus produtos feita aqui. Basta que se so-licite uma cópia do teste de DNA do reprodutor para que a verificação seja concluída. “A importação de sêmen, embriões e até mesmo de animais há muito vem ocorrendo no Brasil, o que justifica a necessidade da introdução efetiva de tais exames. Sem essa pos-sibilidade, o rebanho brasileiro pode ficar estagnado no que diz respeito à introdução de programas realistas de avaliação genética. Também há o risco de fraudes em pedigrees de alguns ani-mais, lesando os compradores”, expli-ca a bióloga.

RegulaçãoA determinação de vínculo gené-

tico através do DNA vem sendo utili-zada há vários anos como ferramenta jurídica, principalmente em ações de filiação. Atualmente, esses exames são realizados em laboratórios públicos e privados, com a utilização de diferen-

tes metodologias e regras que, geral-mente, são adaptadas de protocolos internacionais. Devido à falta de nor-mas nacionais que estabeleçam regras para a realização dos exames, o Mi-nistério Público do Estado de Minas Gerais iniciou, desde o final do ano de 2006, o estudo de uma proposta de lei para a regulamentação e padronização desses exames, que tem por objetivo estipular parâmetros para a coleta de material, a execução e a liberação de resultados, acarretando um grande ga-nho de qualidade e confiabilidade nos testes para determinação do vínculo genético. Um protocolo técnico e uma cartilha já foram lançados, em 2009, com o resultado das discussões dos trabalhos conduzidos por um grupo de estudos liderado pelo Ministério Públi-co Estadual (MPE), com a participação da Agência Nacional de Vigilância Sani-tária (Anvisa), Instituto de Criminalís-tica da Polícia Civil, Vigilância Sanitária Estadual, Secretaria de Estado de Saúde e vários laboratórios e entidades priva-das de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal.

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o prazo de armazenamento das amos-tras e da documentação.

“A normatização do exame pode representar um grande auxílio para os cidadãos que o utilizam e para a so-ciedade de modo geral, uma vez que melhorará a fiscalização deste proce-dimento e certificará, de forma padro-nizada, a qualidade dos resultados ob-tidos nos diferentes laboratórios que estarão habilitados para a realização dos exames de DNA no país”, afirma Cristiane. Em relação aos animais, a vantagem da regulação poderá ser a oportunidade de oferecer tais exames para espécies, até então, fora do alcan-ce dos testes para verificação de pa-rentesco e identificação individual.

O trabalho com o desenvolvimen-to de kits nacionais para identificação genética e as demais atividades da Bio-cod renderam à empresa mineira, em 2009, o prêmio José Costa, uma das mais significativas condecorações em-presariais de Minas Gerais, concedida pelo jornal Diário do Comércio e pela Fundação Dom Cabral. A cada dois anos, o prêmio homenageia empre-sas e empreendedores mineiros. “Na área de atuação da empresa, a biotec-nologia, o investimento constante em inovação é fundamental. Foi através do apoio e de recursos financeiros de instituições de fomento, além de investimentos próprios, que a Biocod estruturou o setor de pesquisa e de-senvolvimento, que atualmente conta com diversos projetos em andamen-to, com uma equipe de profissionais altamente qualificados, além de um moderno parque tecnológico”, avalia Cristiane Lommez.

Letícia Orlandi

Projeto: “Produção de kits para identificação genética e insumos estratégicos para biologia molecular”Modalidade: Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas – PappeCoordenadores: Cristiane Lommez de Oliveira Valor: R$140.592,55

A Biocod participou deste estu-do que, além do projeto de lei (PL) 1.497/2007, em tramitação no Con-gresso Nacional, gerou um regulamen-to técnico elaborado com o objetivo de garantir parâmetros de qualidade para coleta, execução e liberação de exames. O projeto dispõe sobre uma série de questões, dentre elas os re-quisitos para que o laboratório possa realizar exame de DNA no Brasil, exi-gindo que possua certificação válida de proficiência ou atestado de garantia de qualidade. Também trata das meto-dologias admitidas para o exame e da capacidade técnica dos peritos que fir-mam o laudo. Estipula a forma de iden-tificação das partes e dos laboratórios, o procedimento da coleta do material e sua devida identificação, o número mínimo de marcadores que devem ser analisados para cada tipo de exame, o Índice de Paternidade Combinado (IPC) exigido para o caso de inclusão de paternidade, os requisitos exigidos para a elaboração do laudo pericial e

A meta da equipe era desenvolver um kit de identificação genética de alta eficiência e baixo custo, alternativa ao produto importado. A economia prevista é de até 70%. Na área de genética animal, o projeto da empresa foi pioneiro.

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Cladosporium cladosporioides. A primeira vista, esse nome não passa de um conjunto de sílabas difícil de soletrar, até mesmo para cientistas e etimólogos. Porém, conhecê-lo é ape-nas questão de tempo, principalmente para aqueles que apreciam um bom café ou estão envolvidos, direta ou in-diretamente, com a produção cafeeira.

O ano era 1989 quando a agrôno-ma Sara Maria Chalfoun, pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária

Cafeicultura

Protetor do bom cafezinhoPesquisa identifica fungo associado à bebida de boa qualidade

de Minas Gerais (Epamig), começou sua investigação sobre a influência dos microrganismos na qualidade do café. Ela partia do pressuposto que con-dições ambientais específicas como temperatura e umidade relativa do ar favoreciam o desenvolvimento de bac-térias, fungos e leveduras no fruto.

A pesquisa de campo levou a uma descoberta revolucionária para a ca-feicultura: foi verificado que um dos microrganismos, ao contrário dos

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Protetor do bom cafezinho demais, estava associado a bebidas de

boa qualidade. Para a surpresa da estu-diosa, tratava-se de um fungo, o Clados-porium cladosporioides. Daí em diante, o anônimo microorganismo tornou-se objeto de estudo, ganhou identidade e até apelido: fungo do bem.

Era o início de um trabalho pro-missor. Sara, em parceria com o pro-fessor Carlos José Pimenta, da Univer-sidade Federal de Lavras (Ufla), e com o então doutorando Marcelo Cláudio Pereira, atualmente bolsista de pós-doutorado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Café (INCT Café), identificou que a antibiose é um dos mecanismos de atuação do C. cladosporioides. “Ele impede o desen-volvimento de outros microrganismos pela capacidade de parasitá-los e de produzir metabólitos tóxicos. Além disso, o ‘fungo do bem’ não promove fermentações lática e butírica típicas de outros fungos que prejudicam a qualidade final do produto”, explica a estudiosa.

Os pesquisadores também des-cobriram que em plantações de café que recebiam tratamentos fitossanitá-rios (uso de defensivos agrícolas para combate de pragas), o C. cladosporioi-des sofria redução drástica ou deixava de existir, não exercendo, assim, seu papel de bioprotetor. “Com isso, sen-timos a necessidade de desenvolver uma formulação contendo o fungo, visando reintroduzí-lo ou equilibrar a sua população nas áreas cafeeiras”, explica Sara.

O primeiro passo foi isolar o C. cla-dosporioides, que, segundo a pesquisa-dora, possui o status de GRAS (Generaly Regarded Air Safe), isto é, não causa mal nem à planta nem ao homem. Em se-guida, a equipe trabalhou no desenvol-vimento e teste de formulações com o agente biológico, prolongando a vida sob condições de armazenamento e o estabelecimento no campo.

Para manipulação e seleção do fungo foi criada uma biofábrica, iniciativa importante

para a transformação do conhecimento científico em inovação tecnológica.

O fungo identificado parasita outros microorganismos que prejudicam a

qualidade final do café

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Descoberto por um pastor de ovelhas na Abissínia, no início do sé-culo XV, o café conquistou o mundo rapidamente. Ao lado da cerveja, é a bebida mais popular e apreciada do planeta. No Brasil, o fruto chegou no ano de 1727 e passou a ter for-te influência na economia. O país é o maior produtor mundial de café, sendo responsável por 30% do mer-cado internacional, volume equiva-lente à soma da produção dos ou-tros seis maiores países produtores. É também o maior exportador e o segundo mercado consumidor, atrás somente dos Estados Unidos. So-mente em Minas Gerais, é produzi-da mais da metade do café nacional. Segundo estimativas da Companhia

Nacional de Abastecimento (Conab), o país deverá colher para a safra de 2010, entre 45,89 e 48,66 milhões de sacas de 60 quilos de café (arábica e conilon) – um acréscimo de 16,3% a 23,3% em relação a 2009.

Apesar da posição de liderança, a cafeicultura brasileira não é uma das mais competitivas do mundo. As plantações de café localizadas próximas às grandes massas de água (rios, represas) são as mais afetadas por pragas e apresentam problemas constantes de perda de qualidade. Estima-se que 30% da cafeicultura nacional, constituída de 25 milhões de hectares e 300 mil produtores de café, encontra-se nessa condição.

A média histórica de desvalori-

zação do café de pior qualidade em relação ao de melhor qualidade é de 30%. Nesse contexto, segundo a pesquisadora, o produto gerado pelo “fungo do bem” torna-se ainda mais promissor. “A tecnologia permi-te preservar ou introduzir o agente protetor, permitindo que pelo me-nos um terço dos frutos presentes nos cafeeiros e que secam na planta antes da colheita não sejam compro-metidos pelos fungos prejudiciais”, ressalta. Sara atenta para a exigência dos próprios consumidores. “A utili-zação crescente de produtos natu-rais, inócuos à saúde humana e meio ambiente atende a demanda mundial dos consumidores cada vez mais conscientes desses benefícios”, diz.

O desenvolvimento da fórmula po-derá atender a uma grande demanda de produtores que perdem qualidade no café, com problemas graves em di-ferentes regiões do país. “Ele pode ser uma ferramenta única, capaz de subs-tituir o uso de produtos químicos que têm um apelo extremamente negati-vo”, argumenta.

A fazenda Santa Helena, em Alfe-nas, testou o produto em março do ano passado. Margeada pela represa de Furnas, a lavoura sofria com alto teor de umidade e, consequentemente, com a proliferação de pragas. O uso de defensivos agrícolas acabou levan-do à extinção do C. cladosporioides. “Depois da aplicação do produto em 50 plantas verificamos a multiplicação do fungo, já ajudando no combate dos microrganismos prejudiciais à qualida-de do café e na melhora do gosto da bebida”, relata Paulo Sérgio da Silva, técnico em Agropecuária da fazenda. “Deixamos de estourar algumas xíca-ras”, conta Silva, se referindo a bebidas de qualidade inferior, expressão típica da cultura cafeeira.

O produto ainda não está à venda. A invenção foi patenteada em 2004 e está disponível como uma tecnologia em fase de transferência. Mediante pagamento de royalties para as insti-tuições criadoras, empresas podem

Sara Maria Chalfoun, da Epamig

Carlos José Pimenta, da Ufla

Ouro negro

adquirir o direito de exploração e comercializá-lo. “Nossa expectativa é que o produto já esteja no mercado pronto para ser utilizado na safra de café de 2011”, diz.

BiodefensivoOs microrganismos prejudiciais à

qualidade do café pertencem a vários gêneros. Na década de 50, pesquisado-res já citavam o fungo Fusarium concolor como agente causador da pior bebida do café. Além de influenciar no sabor, cor e odor do produto, alguns micror-ganismos lançam toxinas prejudicais à saúde humana, as chamadas micotoxinas, como os das seções Circumdati (Asper-gillus ochraceus, principal representante) e Nigri (A. carbonarius e A. niger).

Para o controle dos microrganis-mos, existem tratamentos com produ-tos à base de cobre e de cloreto de benzalcônio, porém, sem muita eficácia, conforme descreve Sara. “Para que se atinja um bom resultado, são neces-sárias várias aplicações, o que torna a medida sem eficiência prática”, explica.

O agente bioprotetor surge como uma nova alternativa de tratamento. “Não existe produto similar, com pos-sibilidade de proteger continuamente a qualidade do café”, diz. De acordo com a pesquisadora, em 1,4 mil fungi-cidas (produtos que destroem fungos)

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Carolina Jardim

Projeto: “Otimização de processos de produção em escala industrial de agentes bioprotetores e enzimas pectinolíticas em uma empresa de base tecnológica”Modalidade: Projeto estruturadorCoordenador: Sara ChalfounValor: R$181.963,00

registrados no país, apenas 16 são bio-lógicos - 1,1% do total de defensivos. Para ela, a tendência é a redução cada vez maior do uso de fungicidas sinté-ticos, o que vem ao encontro de re-levantes preocupações com a saúde e com o meio ambiente.

Uma fábrica de inovaçõesPara a manipulação e seleção do

fungo, foi instalada, em 2007, uma bio-fábrica no Sistema de Incubadoras da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Sua função é gerar produtos inovado-res para serem empregados na agro-pecuária, na indústria alimentícia e no meio ambiente. Existem outras biofá-bricas em Itapetininga (SP) e em Vitó-ria da Conquista (BA) que trabalham, principalmente, com produtos deriva-dos do fungo Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana.

Na de Minas, já foram identificados microrganismos capazes de garantir a proteção de cultivos, o controle de doenças e pragas, a absorção de me-tais existentes no solo, a solubilização do fosfato, a produção de enzimas e até a purificação da água utilizada na agricultura. “Estamos empenhados no desenvolvimento de métodos susten-táveis de melhoria de processos e pro-dutos, com preocupações prioritárias como a segurança alimentar e preser-vação do meio ambiente”, ressalta a estudiosa.

Para a implantação, os pesquisa-dores contaram com recursos do Programa de Incentivo a Inovação da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e da FAPEMIG, além da assessoria do Instituto Inovação. Também apoiaram a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Peque-nas Empresas (Sebrae), a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) e a Prefeitura Municipal de Lavras. Recentemente, a biofábrica recebeu recursos do INCT Café e do Programa Prime – Primeira Empresa Inovadora, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

A biofábrica funciona como uma

empresa, gerida pelos setores de Ma-rketing e Vendas; Pesquisa, Desenvolvi-mento e Inovação; Recursos Humanos e Finanças; Compras; Produção e Con-trole de Qualidade, que se desdobram em outros departamentos. A área de produção é composta por um setor de isolamento, identificação e multi-plicação dos microrganismos e é equi-pada com microscópio, incubadoras e estufas de secagem.

Os microrganismos identificados com potencial para aproveitamento são mantidos em sala climatizada. A empresa conta, ainda, com um espaço para equipamentos de precisão entre os quais balanças, microscópios óticos e cromatógrafo líquido de alta preci-são. Outro setor destina-se a embala-gem, rotulagem e coleta de amostras para controle de qualidade. “Muitos profissionais já nos procuraram inte-ressados no modelo. Estamos dispos-tos a dividir experiências, orientar e multiplicar tudo o que aprendemos”, conta.

Na avaliação da pesquisadora, a criação da biofábrica é um grande sal-to para a transformação do conheci-mento científico em inovação tecnoló-gica. “Tudo isso foi proporcionado por instituições de fomento à pesquisa que nos deram total suporte para a cria-ção de produtos inovadores. Pela bio-diversidade, nosso país e Estado são laboratórios a céu aberto. Temos que aproveitar esse potencial”, ressalta.

A meta dos pesquisadores é que outra biofábrica, num futuro próxi-mo, seja instalada no parque tecno-lógico de Lavras (MG), promovendo a geração de renda e emprego e le-vando a pesquisa até a utilização pelo produtor.

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A fratura de um osso é uma ex-periência difícil para os animais de estimação – e também para os donos deles. Além da perda temporária de movimentos e da dor provocada, que deixa o animal inquieto, o processo de recuperação é mais delicado. Depen-dendo da lesão, o cão ou gato deve passar por uma cirurgia para a fixação

Medicina Veterinária

Somando forçasNovo tipo de implante ortopédico para cães combina técnicas de fixação óssea e promete mais eficácia

lho com o tema fixação de fraturas. O novo método consiste na combinação entre duas modalidades de fixação ós-sea, em que uma haste de aço cirúrgi-co é colocada dentro do osso e uma placa ortopédica é colocada acima dele, ambas ligadas entre si por parafu-sos ortopédicos.

O objetivo do estudo foi desen-volver um sistema de fixação óssea que desse maior estabilidade às fra-turas mais fragmentadas, com ossos que se partem em pedaços menores, especialmente aquelas que ocorrem no corpo de ossos longos. Segundo Muzzi, o sistema, que ganhou o nome Plate-Nail por associar as técnicas da haste bloqueada e da placa óssea, tem melhor desempenho na recuperação porque sua rigidez impede a movimen-tação prematura das partes do osso. Quando ocorre a fratura, explica o professor, o osso fica sujeito à ação de várias forças - de compressão, rotação, angulação (encurvamento) e de afasta-mento entre as partes (cisalhamento) -, o que pode dificultar a recuperação. O novo sistema neutraliza de forma eficaz essas forças que prejudicam o processo de reparação do osso.

Por essa característica, o método é indicado especialmente para casos em que a lesão é mais complexa, quando há ossos que podem se quebrar em mais de um local ou mesmo caso de perda óssea. “A rigidez proporciona-da pelo sistema favorece a junção dos fragmentos do osso”, explica o veteri-nário. Após o tempo de recuperação, que varia conforme a lesão e as con-dições de saúde do animal, o material pode ser retirado ou mesmo continu-ar no corpo do animal, já que o aço cirúrgico é inerte. Também por causa dessa propriedade, o risco de rejeição é teoricamente nulo.

Resultados O método está sendo desenvolvi-

do desde 2007 e, de acordo com Le-onardo Muzzi, tem apresentado bons resultados tanto nos testes com má-quinas quanto com animais. Os primei-ros experimentos foram baseados em ensaios biomecânicos, com aparelhos que simulavam as condições de im-plantes nos cães. Mais tarde, foram re-

óssea do local afetado, uma técnica em que o osso é imobilizado com algum tipo de material para que ele se re-construa.

Geralmente, usa-se nas operações um pino dentro do osso ou uma placa para proporcionar maior estabilidade ou algo como uma tala que envolve a pata e imobiliza a área lesionada. Com o objetivo de tornar a recuperação mais eficaz, professores do Departa-mento de Medicina Veterinária da Uni-versidade Federal de Lavras (UFLA) criaram um novo método de implante ortopédico para tratar fraturas em ossos longos de cães: o fêmur e a tí-bia, localizados nas patas traseiras, e o úmero, nas dianteiras.

A técnica foi desenvolvida por uma equipe composta por dois professores do Departamento, um aluno de gradu-ação e uma de pós-graduação, lidera-dos pelo professor Leonardo Muzzi. O grupo, dedicado à clínica cirúrgica animal, já realizou outros estudos nas áreas de ortopedia e de cirurgia de tecidos moles, mas é o primeiro traba-

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Desireé Antônio

Prevenir é o melhor remédio. Por isso, a mestranda em medicina veteriná-ria pela UFLA, Luciana Mesquita, alerta para o cuidado especial com a possi-bilidade de atropelamentos, que correspondem a cerca de 80% dos acidentes com animais domésticos. Também podem gerar fraturas por quedas de locais altos - com altura igual ou superior à do animal -, ferimentos por armas de fogo, brigas com outros animais ou mesmo maus tratos. Para evitar que eles se machuquem, Luciana e o professor do curso de Medicina Veterinária da PUC Betim, Alysson Lamounier, dão algumas dicas:• Evite deixar os animais soltos na rua. Ao levá-los para passear, mantenha-os

com coleira e com um guia. Segure firme a coleira, pois eles podem correr ao ver outros animais, momento em que pode ocorrer o atropelamento.

• Quem vive em apartamento ou casa com sacada deve instalar telas nas janelas e evitar colocar móveis próximos a elas para que eles não subam e caiam de lá.

• Para quem tem crianças pequenas, evite que elas passem muito tempo com o animal no colo porque podem deixá-los cair. “Muitas vezes, a criança acha que o animal é um brinquedo e o aperta ou mesmo o joga no chão”, justifica Lamounier.

• Caso o animal tenha caído ou se machucado, uma dica para saber se o dano foi grave é observar se ele está miando muito ou ganindo ou se ele deixa de apoiar alguma das patas no chão.

• Se o animal tiver sofrido uma fratura, deve-se ter cuidado ao abordá-lo por-que ele pode se tornar agressivo por causa da dor. Para levá-lo ao veteriná-rio, você deve se aproximar dele falando suavemente, tentando tranquilizá-lo. Se julgar necessário, use uma focinheira.

• Evite tocar o membro fraturado; não faça talas ou outros tipos de imobili-zações e não puxe o membro ou tente recolocar algum osso no lugar. Caso seja uma fratura exposta, coloque apenas um pano limpo sobre o local e vá para o veterinário.

• Não dê medicamentos aos animais sob hipótese alguma. Analgésicos e anti-inflamatórios de uso humano podem causar problemas como gastrite nos cães ou gatos.

Cuidados com seu amigo

alizados testes em cadáveres e, depois, em animais vivos que sofreram algum tipo de fratura, em sua maioria vítimas de atropelamentos por carros, e que foram levados ao Hospital Veterinário da Universidade para tratamento.

Apenas no hospital da UFLA são feitas, em média, quatro operações por semana de fraturas em animais de pe-queno porte, como cães e gatos, além de outros casos de problemas ortopé-dicos. “Ainda estamos fazendo testes biomecânicos e coletando dados para comparação com outras técnicas, mas o desempenho tem sido ótimo”, avalia o pesquisador. Também há previsão de que, ainda neste ano, a técnica seja tes-tada em outras espécies como cava-

Acima, radiografia do fêmur de um cachorro com fratura . O osso foi estabilizado cirurgicamente com o implante Plate-Nail para fixação óssea.

los ou mesmo em humanos, mas isso depende de algumas modificações nos implantes.

Por se tratar de um método iné-dito, a universidade depositou um pedido de patente no ano passado no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi). Segundo o professor, o método está sendo comercializado, desde o ano passado, por uma empre-sa que produz as hastes para estabilizar os ossos. “O custo é um pouco mais elevado se comparado às técnicas co-mumente utilizadas, mas o ganho em eficácia é grande”, diz.

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Especial

Mineração, Engenharia Mecânica, Ciências Biológicas, He-matologia e Biocombustíveis. Essas são apenas algumas das áreas a serem beneficiadas pela internacionalização da FA-PEMIG. Em 2009, a Fundação estabeleceu parcerias nacionais e internacionais, levando a pesquisa mineira para além das fronteiras do estado. “Ciência não tem fronteiras”, destaca o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges. Para ele, a internacionalização é de extrema importância. “Primeiro, por-que amplia as possibilidades para pesquisadores e instituições de pesquisa mineiros interagirem com outras instituições do mundo. Segundo, porque marca a consolidação da FAPEMIG como agência de porte, que não fica restrita ao Estado ou ao País, beneficiando o desenvolvimento científico e tecno-lógico”.

Entre as ações realizadas em 2009 estão o lançamento de um edital em parceria com o Instituto Nacional Francês para Pesquisa em Ciência da Computação e Automação (In-ria) e acordos com o Instituto Politécnico de Torino, da Itália, e o Intercâmbio Acadêmico Brasil-Alemanha (DAAD). Foi também no ano passado que a FAPEMIG lançou o Programa de Iniciação Científica Internacional, destinada a alunos da graduação, e regulamentou a realização de estágio sanduíche para bolsistas dos cursos de doutorado com conceitos 6 e 7 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Em 2010, outras parcerias estão em etapa avançada de negociação e algumas, que já foram estabelecidas, serão exe-cutadas. É o caso do acordo assinado com a Fundação Alemã para a Pesquisa Científica (DFG), que prevê o desenvolvi-mento de pesquisa conjunta entre a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e a Universidade de Heidelberg na área de Ciências da Vida e Computação Biológica. Serão destina-dos cerca de 57 mil euros para o projeto, a serem investidos meio a meio pelas duas instituições.

Experiência internacionalO primeiro acordo internacional da FAPEMIG para fi-

nanciamento de projetos foi firmado com o Inria, em mar-ço de 2008, durante a visita de representantes do Instituto Francês à FAPEMIG. “Esperamos que este seja o começo de uma sólida cooperação e que possamos desenvolver diver-sos projetos em parceria”, afirmou, na ocasião, o presidente do Inria, Michel Cosnard. No ano passado, a união das duas instituições resultou em um edital que contemplou quatro projetos de pesquisa em Minas, destinando a eles R$ 500 mil

ao todo. Um deles, na área de mineração de dados, é coorde-nado pelo pesquisador Wagner Meira Júnior, da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, a cooperação científica com outros países é muito importante por unir diferentes perspectivas e dar aos alunos uma experiência in-ternacional. “Temos boa capacidade de formação mas é per-ceptível que o aluno que tem uma experiência internacional volta com outra visão, bem mais ampla, de como funciona a pesquisa”, diz o pesquisador, que destaca a grande afinidade técnica entre Brasil e França.

Atualmente, outras duas instituições francesas negociam parcerias com a FAPEMIG. Uma delas, que envolve também a Universidade Federal de Itajubá (Unifei), visa à qualificação e ao treinamento de engenheiros para aplicação na indústria de helicópteros. Outra parceria está prevista com a Agence Nationale de la Recherche (ANR), situada na região francesa de Nord-Pas-de-Calais, considerada similar a Minas Gerais pelo desenvolvimento avançado na área de mineração.

Na Itália, a instituição mineira também conseguiu bons aliados. A relação com o Instituto Politécnico de Torino já possibilitou o intercâmbio de pesquisadores e estudantes e prevê avanços em 2010. Além das bolsas, a parceria deve incluir o financiamento de uma pesquisa conjunta na área de Engenharia Mecânica entre o Instituto e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Outra entidade parceira é o órgão de fomento à pesquisa Finpiemonte, com o qual a FA-PEMIG negocia um acordo para financiamento de pesqui-sas sobre biocombustíveis, no valor de 1 milhão de euros. A montadora de automóveis Fiat também integra a lista de parceiros italianos. Em 2009, foi lançado um edital conjunto entre a Fundação e a empresa e a nova proposta é trazer para Minas o Centro de Pesquisas da Fiat.

Ainda na Europa, um acordo com a Romênia pode ser firmado este ano. O alvo serão projetos de pesquisa em En-genharia Mecânica, envolvendo a UFU. Em outro continente, com a Austrália, os planos são de assinar com a Universidade de Queensland um acordo que contemple o financiamento de pesquisas e o intercâmbio de pesquisadores.

Não é apenas do outro lado do Atlântico, porém, que a FAPEMIG tem buscado aliados. Um projeto de grande por-te está sendo planejado com o National Institute of Heal-th (NIH), dos Estados Unidos, para pesquisas relacionadas a sangue e pulmões. A iniciativa envolverá os trabalhos do Estudo Multicêntrico Internacional em Doadores de Sangue (REDS), que já envolve pesquisadores de Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e, mais recentemente, do Rio de Janeiro.

FAPEMIG passa por processo de internacionalização, estabelecendo parcerias com instituições de fomento e pesquisa de outros países

Além dasmontanhas

A área de mineração é uma das que serão beneficiadas pelos acordos internacionais assinados pela FAPEMIG

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49MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009

Notas

O maior aquário de água doce do Brasil já está aberto para visitação na Fundação Zôo-Botânica de Belo Ho-rizonte. Inaugurado em março, o es-paço possui cerca de três mil metros quadrados e é o primeiro a retratar exclusivamente a vida na Bacia do São Francisco. Nele, os visitantes terão a oportunidade de conhecer diferentes espécies de peixes e obter informa-ções sobre o “Velho Chico”. Entre os destaques da ictiofauna estão surubins, dourados, curimatãs e matrinxãs.

Resultado de uma parceria entre a Prefeitura e o Ministério do Meio Ambiente, as obras do aquário come-çaram em 2006, com a meta de pro-mover a conservação da vida aquática do Velho Chico por meio de exibições dos ecossistemas e de sua interpreta-ção, educação e pesquisa. Ao longo dos últimos três anos, outros parceiros adotaram esta idéia como Cemig, Co-devasf, Copasa, Epamig, Instituto Esta-dual de Florestas (IEF), Sesc, Prefeitura Municipal de Pirapora, Sociedade dos Amigos da Fundação Zoo-Botânica e Instituto Terra Brasilis.

O Aquário da Prefeitura abriga 22

Belo Horizonte ganha maior aquário de água doce do Brasil

recintos (tanques) que, em seus va-riados tamanhos e formatos, contam com mais de um milhão de litros de água. Esses recintos foram ambienta-dos de forma a representar o rio São Francisco propiciando as condições adequadas para exibição de espécies em cativeiro. A maior atração do com-plexo é o Aquário São Francisco, com capacidade para 450 mil litros de água representando um “braço” do Velho Chico, onde o visitante poderá conhe-cer uma cenografia que apresenta tan-to a sua “margem”, quanto o “fundo” do rio. A diversidade da vida também é representada através das relações complexas e dependentes da fauna, da flora e do homem.

A proposta é que o aquário seja um espaço para lazer, entretenimento e, principalmente, para a difusão do conhecimento e defesa da preserva-ção ambiental. O horário de funciona-mento do aquário é de 9h às 16h, de terça a domingo.

O aquário em detalhes• 1.200 peixes de 50 espécies

• 22 tanques nos dois pavimentos com 1 milhão de litros de água.

• Espécies como pirambeba, piau-três-pintas, mandi prata, cascudo e suru-bim.

• Aquário São Francisco, com capa-cidade para 450 mil litros de água, representando um “braço” do Ve-lho Chico, com uma cenografia que apresenta tanto a margem quanto o fundo do rio.

• Auditório, espaços de exposição lúdi-cos, jardins, laboratório, lagoa margi-nal, lanchonete e lojinha.

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MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 200950

Opinião

Paulo Sérgio Lacerda Beirão*

Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para serem eficazes precisam ser continuadas, sem riscos de mudanças bruscas de rumo. É uma situação peculiar, pois, conquanto de-pendam dos governos, essas políticas precisam ter durações que frequen-temente ultrapassam os mandatos dos governantes. Para se alcançar a necessária continuidade é imprescin-dível buscar consensos na sociedade para conseguirmos encontrar pro-gramas suprapartidários lastreados nos mais legítimos interesses locais e nacionais. Em suma, políticas de CT&I devem ser políticas de esta-do e não apenas de governo. É com esse mote que se está organizando a 4ª Conferência Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação (4CNCT&I), a ser realizada em Brasília, de 26 a 28 de maio. Espera-se nessa conferência auscultar todos os setores da socie-dade, principalmente aqueles envolvi-dos na produção e na utilização de conhecimento.

O Brasil vem experimentando um expressivo avanço na área de CT&I. Alcançamos recentemente a 13ª posição no ranking de países pro-dutores de conhecimento científico, com a publicação em 2008 de 2,63% de todos os artigos científicos publi-cados em revistas internacionalmen-te indexadas. Nada mal para um país que produziu apenas 0,52% das pu-

blicações mundiais há 20 anos. Cres-cemos em produção científica mais do que o resto do mundo e já somos responsáveis por mais da metade da produção científica de toda a Ameri-ca Latina. Em 2008, superamos a mar-ca de 10 mil doutores titulados por ano, o que representa mais do que o dobro dos titulados em 2000. Esse é um exemplo do bom resultado de políticas consistentes e continuadas. Se temos razões para comemorar, também temos fragilidades que pre-cisam ser superadas. As estratégias para essa superação deverão ser um ponto central da 4CNCT&I.

Primeiramente, é importante en-tendermos que existe um Sistema de CT&I em construção. Em um passado recente havia uma completa desarti-culação nas ações de CT&I em todos os âmbitos. Questões importantes como a de energia nuclear e sistemas de vigilância aérea foram decididas comprando “pacotes” tecnológicos sem ouvir os nossos especialistas. Ha-via pouco diálogo entre as diferentes agências de fomento, bem como en-tre as agências estaduais e federais de CT&I, que executavam isoladamente suas políticas. A dissociação entre a produção de conhecimento e o se-tor empresarial ainda era mais acen-tuada. Felizmente esse quadro está se revertendo - em algumas áreas mais do que em outras -, mas ainda muito se precisa avançar.

Há de se destacar a atuação da FAPEMIG nesse sentido. Embora apenas a partir de 2007 ela tenha passado a receber integralmente os recursos orçamentários constitucio-nalmente definidos, ela já vem pro-movendo um notável salto qualitativo da nossa pesquisa. Mais que isso, ela vem se articulando com programas do governo federal de forma a trazer mais recursos para apoiar grupos de pesquisa de excelência, sem prejuízo de ações voltadas para problemas mais específicos do estado. Com o decisivo apoio da FAPEMIG, constitu-ímos em Minas Gerais 13 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, programa criado no ano passado pelo Ministério de Ciência e Tecnolo-gia. Paralelamente, foram revigorados

programas de qualificação de pessoal ligado à CT&I e à educação superior em Minas Gerais. Programas de estí-mulo à inovação nas empresas foram criados, permitindo apoio a projetos de Pesquisa e Desenvolvimento e à colocação de doutores nas empresas. Graças ao conjunto dessas ações, re-cursos internacionais e privados vêm sendo atraídos para atividades de CT&I no nosso Estado.

Além da consolidação do Sistema Nacional de CT&I, a 4CNCT&I irá abordar outros três eixos: a interface entre a produção de conhecimentos e a inovação nas empresas; ações estratégicas, principalmente volta-das para a nossa política industrial e comércio exterior; e ações para o desenvolvimento social. Algumas questões e desafios perpassam todos os eixos. Destaco a questão da edu-cação como um dos mais sérios gar-galos a serem superados. Dar opor-tunidade às nossas crianças e jovens a uma educação de qualidade, que estimule a criatividade e a capacidade de resolver problemas, é uma tarefa enorme para a qual nenhum esforço será grande demais. O país não po-derá realizar um desenvolvimento baseado em CT&I sem vencer esse desafio.

Outra tarefa essencial é estabe-lecermos marcos legais condizentes com as necessidades desse desen-volvimento. O controle burocrático e processual atualmente existente, além de arcaico, é pesado e ineficaz, de tal ordem que retarda ou até in-viabiliza o prosseguimento de muitas pesquisas, nos colocando em desvan-tagens em relação a pesquisadores de outros países. Mais grave ainda, a carga burocrática frequentemente recai sobre o pesquisador, roubando-lhe precioso tempo. Dessas discus-sões espera-se que seja consolidado um sistema de CT&I socialmente res-ponsável, comprometido e articulado com o desenvolvimento sustentável, econômico e social do Brasil.

* Pesquisador, professor titular da UFMG, presidente do Conselho Curador da FAPEMIG

Conferência Nacional de CT&I: desafios

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