revista dasartes edição 43

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Na matéria de capa da Dasartes 43, Agnaldo Farias analisa a produção da artista Claudia Jaguaribe, que também conversa com Adriano Casanova sobre seu trabalho e a fotografia na atualidade. Você confere ainda matérias exclusivas sobre a Bienal de Istambul, a vencedora do Prêmio PIPA Virgínia de Medeiros, entrevistas com os artistas Julio Villani e Alexandre da Cunha e muito mais. Além de seções já conhecidas do nosso leitor, como De Arte a Z, Livros, Resenhas, Notas do Mercado e Coluna do Meio, entre outras.

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Page 1: Revista Dasartes Edição 43
Page 2: Revista Dasartes Edição 43

Com exposição em Chicago, a obra do artista em suas próprias palavras

Uma seleção de exposições imperdíveis

02 61

05 68

09 76

14 85

17 87

25 94

43 101

49 105

Uma resenha e vários lançamentos

Uma seleção de exposições pelos olhos de nossos colaboradores

A jovem e sua obra em mostra na Galeria IBEU

Personagens que moldaram a história da arte do outro lado do cavalete

Fatos e fotos das principais feiras do mundo

Acontecimentos que marcaram o mês nas galerias e leilões

Vernissages e eventos do circuito de arte

Um giro completo no circuito artístico em pequenas notas.

Marcia Milhazes / Power 100

Virgínia de Medeiros, a vencedora do PIPA assume posições com uma obra contundente

Agnaldo Farias desvenda a produção da artista

Espalhada pela cidade e seus dois conti-nentes, a mostra que encanta e indigna

Com ateliês em Paris e São Paulo, o artista falou de seu processo de criação

Carta do Editor Reflexo - Alexandre da Cunha

Destaques da Agenda Livros

Resenhas

Garimpo - Tatiana Chalhoub

Flashback - Musas da Pintura

Feiras - Parte, Frieze e ArtBo

Notas do Mercado

Coluna do Meio

De Arte A Z

Outras Notas

Alto Relevo

Capa - Claudia Jaguaribe

Do Mundo - Bienal de Istambul

Ateliê do Artista - Júlio Villani

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COMO LER A

ÍCONES DE NAVEGAÇÃO

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Page 3: Revista Dasartes Edição 43

Carta do Editor

Na capa: Claudia Jaguaribe, da série Abákatu.

Carta inspirada no livro “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carrol.

Edouard Manet, “Dejeuner sur I’herbe”, 1863

Do-ho Sun, “Floor”, 2008Anish Kappor, “Leviathan”, 2013

Ivan Navarro, “Ocio”, 2005Jeff Koons, “Rabbit”, 1986

A arte é como um jardim

por onde perseguimos um coelho

que nos leva por um túnel

bebemos de certas obras e nos sentimos pequenos

outras nos fazem crescer

mas apenas algumas,

diferentes para cada pessoa, nos deixam prontos

para abrir a porta e entrar

em outro mundo.

Bem-vindo à sua nova Revista DASartes. Venha com a gente procurar as suas obras de arte.

Equipe Dasartes

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Page 4: Revista Dasartes Edição 43

Destaques da Agenda

Pensada e executada especialmen-te para o local, a mostra – inspirada no universo do Palácio do Catete, da Galeria do Lago – consiste em uma instalação composta por 16 jarras contendo tinta azul para canetas tin-teiros (utilizadas pelos presidentes do palácio na assinatura de docu-mentos) sobre balanços pendurados por cabos de aço no teto da galeria.

Exposição inédita dividida em dois segmentos, o primeiro incluindo um percurso que vai dos anos 1950 a 2000 reunindo 64 obras de várias técnicas e o segundo apresentando 9 pinturas dos anos 1960 e 1970. Complementa a mostra o lança-mento do livro “Antônio Dias” que traz uma análise profunda desta co-leção por Sérgio Martins.

Fluidostática - Ursula Tautz Antônio Dias

GALERIA DO LAGOMUSEU DA REPÚBLICARIO DE JANEIRO / RJ

ATÉ 06/12

GALERIA MULTIARTEFORTALEZA / CE

ATÉ 28/11

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Dois importantes eventos históricos estão na origem formal desta expo-sição, que se assume também como uma homenagem pessoal de Kudo ao multifacetado artista uruguaio Jo-aquim Torres Garcia: o incêndio que devorou o acervo do MAM-RJ em 1978 e a inundação, em 1990, da cidade Novo Oriente, pelas águas da usina hidroelétrica de Três Irmãos.

Uma compilação com 32 obras que sintetizam os 30 anos de trabalho da artista. Com curadoria de Luisa Duarte, a retrospectiva tem caráter introdutório ao trabalho de um dos maiores nomes da arte contempo-rânea.

James Kudo - Epítome da Paisagem

Adriana Varejão - A Pele do Tempo

DESTAQUES DA AGENDA

LUCIANA CARAVELLOARTE CONTEMPORÂNEA

RIO DE JANEIRO / RJATÉ 28/11

ESPAÇO CULTURALAIRTON QUEIROZFORTALEZA / CE

ATÉ 29/11

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Page 5: Revista Dasartes Edição 43

Exposições, programas de filmes, performances, programas públicos e publicações com curadoria de So-lange Farkas e curadores convida-dos.

A mostra reúne 28 obras, de gran-de e pequeno porte do artista, que dá vida a galhos e raízes do sertão sergipano.

19º Festival de Arte

Contemporânea SESC Videobrasil - Panoramas do Sul

Cícero Alves dos Santos - Véio

DESTAQUES DA AGENDA

SESC POMPÉIRA E GALPÃO VB

SÃO PAULO / SPATÉ 06/12

SESC SANTO AMAROSÃO PAULO / SP

ATÉ 13/12

8 DESTAQUES DA AGENDA

A mostra coletiva contempla nomes de 35 artistas visuais e também exemplares de arte tribal brasilei-ra, configurando-se em um amplo panorama de expressões, estilos e vertentes imagéticas.

A última exposição do ano da Matias Brotas Galeria une duas individuais, com curadoria de Marcus Lontra e obras de Suzana Queiroga e Mai--Britt Wolthers tendo o azul como destaque.

In the Meantime Blue: A Terra é Azul

GALERIA TINA ZAPPOLI

PORTO ALEGRE / RSATÉ 18/12

MATIAS BROTAS GALERIA

VILA VELHA / ESATÉ 14/02/16

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Page 6: Revista Dasartes Edição 43

Jardim de Esculturas do MAM Foto: Nelson Takeyama

“Bambi” por Nino Cais Foto: Divulgação

De Arte A Z

O Jardim de Esculturas do MAM SP (projeto de Burle Marx) ganhou o primeiro lugar, na categoria Urbana, no Prêmio Abilux, da Associação Brasileira da Indústria de Iluminação. De autoria de Marcos Castilha, o projeto de iluminação destaca os detalhes das peças que compõem um dos principais acervos brasileiros expostos a céu aberto, com 30 obras dispostas em seis mil metros quadrados no entorno do museu.

A parceria entre o artista Nino Cais e a editora Cosac Naify continua rendendo frutos. Após ilustrar livros de Valter Hugo Mãe no ano passado, Cais assina as delicadas imagens do livro “Bambi”, que chega às livrarias pela primeira vez em português. Para a obra, o artista trabalhou com colagens de silhuetas de animais sobre recortes de livros de botânica, entre outros.

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Regina Silveira e sua obra, “Touch” Foto: Douglas Lopes

DE ARTE A Z

E o destino do casarão neoclás-sico que abriga a Casa Daros foi selado: a construção em Bo-tafogo foi vendida para o grupo Eleva Educação, que pretende transformar o local em uma ins-tituição de ensino.

O projeto Travessias – Arte Contemporânea na Maré chegou ao seu quarto ano de atividades consolidando--se na agenda cultural da cidade como um projeto de reflexão e discussão sobre a arte contemporânea e as transformações do espa-ço urbano na atualidade. O Galpão Bela Maré recebeu a mostra, que contou com no-mes de peso, como Regina Silveira e Eduardo Coimbra, que produziram obras olhan-do para a Maré.

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Tché Rugg, “Confinamento Contemporâneo”, 2015 Foto: Divulgação

Leonilson, “Os Pensamentos do Coração”, 1988 Foto: Rômulo Fialdini

DE ARTE A Z

A Fundação Ema Klabin, em São Paulo, promove uma nova série de intervenções artísticas no pátio interno da casa denominada In-tervalo Contemporâneo. “A ideia é que os trabalhos instalados nesse espaço sejam um contraponto à coleção adquirida por Ema Klabin, inserindo o debate de uma produ-ção contemporânea no percur-so da visitação regular”, explica o curador da série, Renê Foch. O primeiro artista convidado é Tché Ruggi, com a obra “Confinamento Contemporâneo” (2015).

O artista Leonilson será tema de encontro no dia 9 dezembro, no auditório do MAM SP, entre espe-cialistas da área e amigos do artis-ta. O evento é parte do trabalho de produção do “catálogo raisonné”, que percorrerá toda a obra de Le-onilson, primeiro artista contempo-râneo brasileiro a ser contemplado com uma publicação dessa nature-za. Um inventário das obras pesqui-sadas e catalogadas até o momen-to será disponibilizado ao público no site do Projeto Leonilson.

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© Guayanilla–Peñuelas, Puerto Rico. Cortesia Dia Art Foundation. © Allora & Calzadilla. Foto: Myritza Castillo

1947-1951, Oitava Trienalle Foto: Divulgação

DE ARTE A Z

Conhecido por suas impressionantes esculturas de animais, o artista chinês Huang Yong Ping ocupará o Grand Palais en-tre maio e junho de 2016, durante a sétima edição da “Mo-numenta”. Sua instalação será composta por oito ilhas, com uma estrutura que as sobrepõem lançando sombras sobre o contorno metálico do teto de vidro.

“Puerto Rican Ligths (Cuerva Vientos)” é o novo projeto de Allora & Calzadilla, que consis-te na instalação da obra de Dan Flavin, “Puerto Rican Light (to Jeanie Blake)”, de 1965, den-tro de uma caverna em Porto Rico. Para ver a instalação, que estará disponível até 23 de se-

GIRO DAS ARTES

Um dos eventos mais esperados por designers do mundo todo tem sua próxima edição confirmada. A XXI Esposizione Inter-nazionale della Triennale di Milano (XXI Expo Design) foi oficialmente anunciada aos brasileiros durante o seminário XXI Exposição Inter-nacional Triennale di Milano, que aconteceu em São Paulo. A expo-sição nasceu em 1923.

tembro de 2017, os visitantes precisarão fazer uma trilha de cerca de duas horas.

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Page 8: Revista Dasartes Edição 43

Márcia Milhazes Cia de Dança Fotos: Ana Clara Miranda

Outras Notas

A investigação contínua sobre o gesto e sua linguagem, que per-meia a trajetória de Marcia Milhazes, agora se amplia para além da dança em um projeto multidisciplinar que a coreógrafa apresenta no Oi Futuro Flamengo a partir de 7 de dezembro: Em “Sempre Seu”, além de criar um espetáculo inédito para o espaço – inspira-do em uma série de cartas escritas por figuras célebres e anônimas –, Marcia convidou um grupo de artistas a desenvolver trabalhos “site specific”, que não apenas dialogam entre si mas têm a dança

O GESTO ARTÍSTICO

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Page 9: Revista Dasartes Edição 43

como ponto de convergência. Beatriz Milhazes, Chico Cunha, Ana Clara Miranda e Gustavo Gelmini aceitaram o desafio e participam da ocupação artística, que começa já na fachada do prédio com um desenho de Cunha. Ainda na área externa, a vitrine externa do Oi Futuro abriga uma sequência de 13 fotografias de Ana Clara, com detalhes do gestual dos bailarinos da companhia. No primeiro nível, monitores exibem imagens do cineasta Gustavo Gelmini sobre as mesmas cenas retratadas na vitrine, agora em movimento.

Toda a galeria do quarto nível, onde os bailarinos se apresentam, será envolvida por cenografia criada pela artista plástica Beatriz Milhazes – uma cortina de desenhos e elementos de sua pintura. É dela também o desenho que ocupa o grande vitral, no térreo.

O ciclo se fecha na galeria do quinto nível com uma instalação de Chico Cunha, representando ao mesmo tempo o fim e o início da ocupação, ao criar uma ponte com a primeira obra, na fachada do prédio. O artista criou desenhos extremamente realistas e de gran-des dimensões, nos quais busca a valorização do bailarino, o intér-prete que verdadeiramente revelará a linguagem da dança. Neste espaço, os bailarinos fazem breves performances, sempre às terças e quartas, nos horários de maior movimento. O projeto segue até 21 de fevereiro de 2016.

OUTRAS NOTAS

A intenção é que cada espaço revele um pouco do espaço seguinte, até chegar à obra

coreográfica completa

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Iwan & Manuela WirthFoto: Reprodução BBC

Outras Notas

A revista americana “ArtReview” divulgou sua tradicional e aguar-dada lista das 100 personalidades mais importantes do mundo da arte em 2015: “The Power 100”. Entre os brasileiros, estão a gale-rista Luisa Strina, que subiu da 65ª para a 55ª, em comparação com o ano passado; o trio dono da galeria paulistana Mendes Wood DM (Pedro Mendes, Matthew Wood e Felipe Dmab) que subiu da 99ª para a 93ª, e o curador e diretor do MASP Adriano Pedrosa, que caiu da 93º para 96ª. O empresário e colecionador mineiro Bernar-do Paz, do Instituto Inhotim, presente na lista nos últimos anos, não consta na listagem de 2015. Nenhum novo nome surgiu entre os brasileiros, e nenhum artista ou diretor de feira do Brasil faz parte da lista. Quem lidera o ranking é o casal de galeristas suíços Iwan e Manuela Wirth. O artista plástico chinês Ai Weiwei, que estava em 15º em 2014, em uma subida vertiginosa, toma o 2º lugar do gale-rista norte-americano David Zwirner, que agora está em 3º. A que-da mais brusca foi a da Sheika Al-Mayassa bint Hamad bin Khalifa Al-Thani, do Qatar, patrocinadora oficial e presidenta do Qatar Mu-seums Authority (QMA), que foi de 13º para 87º lugar. Você pode ver a lista completa nas notícias do site Dasartes.

POWER 100

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Alto RelevoPOR LEANDRO FAZOLLA

Jéssica, da série “Fábula do Olhar”, 2013

VIRGÍNIA DE MEDEIROS

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“Em torno dos meus marítimos”, 2014Foto: Everton Ballardin

ALTO RELEVO

Em tempos conflituosos e de acirrados debates políticos, é comum que a arte saia ganhando com produções fortes e questionadoras sobre os caminhos trilhados pela sociedade. Essa afirmação pode ser exemplificada pela produção de Virgínia de Medeiros - vencedora do Prêmio PIPA 2015 pelo júri de premiação e pelo voto popular – e a forma como ela se insere no conturbado quadro político e social do Brasil de hoje. A artista, nascida em Feira de Santana, na Bahia, apresentou na exposição dos finalistas ao prêmio, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, uma mostra concisa e em profundo diálogo com a atualidade. Suas obras abordavam questões tão plurais quanto identidade de gênero, religião, desigualdade social e até mesmo a busca por um lugar no mundo. Enxergando a arte como uma ferramenta política e de autoconhecimento, mas sem abrir mão de uma forte verve poética, Virginia parte, sobretudo, de um profundo diálogo com pessoas, tornadas personagens de narrativas ácido-doces em vídeos, fotografias e outras mídias.

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Page 11: Revista Dasartes Edição 43

“Em torno dos meus marítimos”, 2014

Tal diálogo surge de forma literal: Virgínia dá voz aos marginaliza-dos a partir de um íntimo processo de envolvimento com cada um e com seus relatos pessoais, normalmente inseridos em um contexto poético-documental que percorre eixos ficcionais e realistas, como acontece em “Em torno dos meus marítimos”. Na obra, a artista nos apresenta Marinalva, mulher que, após se casar e sair do país, retor-na fugida do marido, de quem passara a sofrer violência doméstica, e dedica seus dias ao Manilas Bar, espaço que recebe marinheiros de vários países quando aportam na Bahia. No vídeo, o espectador ouve a história narrada por Marinalva ao mesmo tempo em que co-nhece o espaço, seus visitantes e, de tempos em tempos, contempla a imensidão do mar, que guarda em si tantas histórias e segredos como a própria narradora. Através da visão de um binóculo, aproxi-ma-se ainda mais da intimidade de Marinalva, que, com o objeto em mão, diariamente espera que cheguem, pelo mesmo horizonte por onde um dia partiu, aqueles que hoje dão sentido à sua existência.

“Sérgio Simone”, 2007 - 2014Fotos: Everton Ballardin

ALTO RELEVO

“Sérgio e Simone”, obra que esteve na Bienal de São Paulo no ano de 2014 e foi premiada no 18º Festival de Arte Contemporânea Videobrasil com o Prêmio de Residência ICCo, contrapõe, em um único vídeo, de forma simultânea, duas filmagens de uma mesma pessoa em momentos distintos: quando usava o nome de Simone e se travestia de mulher e, anos depois, quando, convertido depois de uma overdose, voltou a usar o nome de batismo, Sérgio, e se tornou membro de uma igreja evangélica.

Apesar de se pautar na contraposição dos discursos de Sérgio/Simone, a obra traz implicitamente uma série de debates sobre iden-tidade de gênero, religião e a forma como tais assuntos têm perme-ado a sociedade brasileira nos últimos anos, ecoando questões polê-micas como a chegada da bancada evangélica ao Congresso. Se, de um lado, vemos Simone, cabelos longos, em uma cachoeira, falando abertamente de sua sexualidade e do candomblé; do outro vemos Sérgio, de terno e gravata, no meio da cidade, afirmando que sua vida e seu corpo tinham sido dominados pelo demônio no passado.

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Page 12: Revista Dasartes Edição 43

ALTO RELEVO

Virgínia acredita que seu desafio é contribuir, por meio de seus trabalhos, com os amplos debates em voga atualmente.

Para a artista, “a questão da sexualidade é o pano

de fundo de questões religiosas e uma das

formas mais eficazes de controlar uma pessoa é

controlar sua sexualidade”

Esse controle se deixa entrever nas falas de Sérgio, que renega seu passado e enterra sua “personalidade” anterior, ao mesmo tempo em que busca a conversão daqueles que o ouvem. No vídeo, as duas gravações por vezes dividem a tela, sobrepõem-se, juntam-se, separam-se, uma delas assume o protagonismo para logo em seguida se tornar coadjuvante da narrativa. A estratégia não faz juízo de valor, não cria discursos binários entre certo e errado (como muitas vezes acontece nos debates sobre o assunto), mas faz com que o espectador confronte polos antagônicos, de contornos borrados, nos quais uma série de “sérgios” e “simones” se encontram diariamente, e dá a ele o direito às próprias conclusões.

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Série produzida em colaboração com o Mestre Júlio Santos

Encerrando a exposição estão as obras mais delicadas dessa seleção. Na série “Fábula do Olhar”, Virgí-nia fotografou e ouviu os relatos de moradores de rua – que o público também ouve, sobrepostos um ao outro – e pediu que cada um rela-tasse como desejaria ser represen-tado. Por meio da antiga técnica de fotopintura, que consiste em pintar por cima das fotografias em preto e branco, tornando-as coloridas, a ar-tista mescla realidade e ficção, refa-zendo a imagem de cada morador de rua segundo seus próprios desejos. Essa imagem é ladeada pelas falas de cada um, fazendo o espectador perceber de forma diferente aqueles que comumente não são enxerga-dos no ir e vir das cidades.

A artistamescla

realidade e ficção,

refazendoa imagem de cada morador

derua segundo seus próprios

desejos.

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Page 13: Revista Dasartes Edição 43

“Fábulas do Olhar”, série produzida em colaboração com o Mestre Julio Santos

O envolvimento de Virgínia com tais discussões não se resume ao encontro com o outro, mas se adensa no encontro consigo mesma. Para um projeto futuro – que deve dar continuidade na residência em Nova Iorque que ganhará pela vitória no prêmio PIPA –, Virgínia começou a injetar hormônios masculinos no próprio corpo. Ainda que não saiba exatamente os desdobramentos que dará ao proces-so, a ideia é, segundo ela mesma, “falar sobre autonomia corporal em relação a nossas experiências e desejos – ter autonomia para criar o corpo que se deseja e o direito de escolher seu gênero e de transformar o seu corpo de forma segura”.

Cunhando no dia a dia o cerne de sua produção, em um exercí-cio quase antropológico, Virgínia retira do anonimato personagens que muitas vezes não têm voz e trata de suas realidades para além de qualquer maniqueísmo, permitindo que o espectador conheça as dores e os sabores de cada um, identificando e preenchendo com maior gama de cores um país que, a despeito de ser fundado na diferença, parece cada vez mais tentar restringir as infinitas possibi-lidades do ser em um código binário preto e branco.

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Page 14: Revista Dasartes Edição 43

CapaPOR AGNALDO FARIAS

Série “Bienal”

VISTAS EM PERSPECTIVA CLAUDIA JAGUARIBE

26 CAPA

A visão é uma fonte de apaziguamento; através dela travamos, já à distância, contato com objetos, acontecimentos e pessoas, e vamos estreitando relações com eles na proporção em que os ve-mos. Nesse sentido, a palavra “familiaridade” ganha amplitude ainda maior. Ver confirma a existência das coisas ao mesmo tempo em que confirma nossa própria existência. Um dentro do outro, coexis-tência íntima. O olhar mútuo, ainda que fugaz, é uma ação íntima e afirmativa da nossa existência e da existência do outro. E o que dizer então de se rever algo indefinidamente, constantemente, situação proporcionada pela facilidade com que hoje se fotografa e se com-partilha? A disseminação universal das câmeras fotográficas e ci-nematográficas vem gerando a vertiginosa proliferação de imagens, particularmente por parte dos amadores, que parecem obedecer ao impulso de fixação do que veem como estratégia de resistência à aceleração da vida.

Mas o compartilhamento compulsivo de imagens, o fluxo lento e intermitente de imagens

por meio das redes sociais, Instagram, Facebook, etc.,

denota um curioso desejo de se afirmar a existência apenas

porque se viu. Filmo, fotografo e compartilho, logo existo.

27

Page 15: Revista Dasartes Edição 43

“Entre Vistas”, 2014, exposição no Itaú Cultural

CAPA

Essa é uma das versões contemporâneas do “cogito” cartesiano. E à inesgotabilidade do mundo, à sua miríade de faces e ângulos, reage-se atirando-se voluptuosamente sobre ele, esquadrinhando--o com as lentes. O resultado nada tem a ver com o controle que a posse das imagens pressupõe. As imagens são de todos e de nin-guém. Ver, hoje, já não traz mais apaziguamento, mas ansiedade; o que há é um estado de êxtase, uma dispersão vertiginosa que nos distancia do mundo em vez de aproximá-lo.

Há, portanto, que se reinventar constantemente o modo de olhar para as coisas, seja o corpo humano, seja o corpo das grandes ci-dades. E, para melhor cumprir esse objetivo, haverá um recurso mais favorável que outro? Nesse sentido, a melhor solução talvez seja, como pretende Claudia Jaguaribe, fazer uso combinado ou justaposto de várias linguagens e suportes de linguagem, em alguns casos simultaneamente.

28 CAPA

Com uma sólida formação em fotografia, Claudia Jaguaribe está entre os mais sofisticados pensadores e produtores de imagem, estática ou em movimento, pesquisando incansavelmente a plas-ticidade de sua linguagem e seus suportes. Ao longo das últimas duas décadas, ela vem fazendo uso fotos, filmes e vídeos. Imagens que podem vir impressas e suspensas em paredes, estampadas em páginas de livros, livros projetados para serem folheados, como é comum, ou abertos em narrativas sanfonadas, retráteis, cuja fruição nada tem a ver com o ritmo compassado dos primeiros. Quanto às imagens em movimento, imagens filmadas, são apresentadas em monitores de tela plana, projetadas nas paredes, por meio da retí-cula caleidoscópica de um “video wall” ou por meio de “tablets”, até aqui entre os suportes mais manuseáveis. Por fim, talvez o ponto alto de uma trajetória pontuada por pontos altos, chega-nos às sur-preendentes séries de esculturas, cada uma delas em si uma cola-gem imagética/construtiva, própria ao “skyline” entrecortado e con-fuso da metrópole, com seus volumes recebendo imagens coladas e projetadas.

Também o modo de expor as obras, o desenho expográfico de

suas mostras, vem merecendo uma atenção toda especial, mais

um tópico de sua poética.

29

Page 16: Revista Dasartes Edição 43

Série “Rio - Entre Morros”

Como aconteceu na “Entre Vistas”, na passagem de 2014 para 2015, na sede do Itaú Cultural, em São Paulo, onde, além do uso de todos os suportes mencionados, as imagens de formato horizon-tal do livro sanfonado que acompanhava a mostra foram distribuídas pelas duas paredes laterais, como se estivesse abraçando o espaço da exposição.

Desde que passou a enfrentar mais incisivamente as metrópoles, com destaque a São Paulo e Rio de Janeiro, Claudia Jaguaribe, por um esforço de compatibilização com um objeto excessivo e pletóri-co, viu-se obrigada a repensar o universo de fotografia, o repertório de suportes, assumindo os princípios técnicos do mosaico e da co-lagem como a essência de sua poética. Mas rigor o desconforto

com as formas habituais de apresentação da imagem fotográfi-ca e a consequente chegada aos procedimentos característicos do mosaico e colagem, remontam às primeiras séries fotográficas da artista, como “Retratos anônimos”, de 1996, e “O corpo da cida-de”, de 2000. Nesta, cada imagem, em formatos que variavam de dimensões medias, caseiras, a “outdoors”, resultava de um lento trabalho de edição, corte e colagem, para a montagem de unidades obtidas por meio de fragmentos, em todos eles explorando a sensu-alidade das cores, a discrepância entre formas orgânicas e as linhas retilíneas produzidas pela lâmina de facas e estiletes. Esse processo se mantém até hoje, embora muito mais complexo e adensado, do que é prova a mostra recente, “Topografias” (2012), composta por

Page 17: Revista Dasartes Edição 43

painéis cheios de movimento, vistas impossíveis, distorcidas e re-torcidas da celebrada paisagem carioca, Cristo Redentor, baía da praia de Botafogo, entre tantos ícones. Cada peça é um “puzzle” de fragmentos, sobreposições refrações feitas à base de colagem, separados um dos outros como pedaços de vitrais.

As vistas das cidades produzidas

por Claudia Jaguaribe, em São Paulo e no Rio de Janeiro, escapam das construções

monolíticas, compreensivas,

mentirosas do que são cidades dessa

magnitude.

CAPA 32

Série “Rio - Entre Morros”

Page 18: Revista Dasartes Edição 43

Série “Topografias”

Page 19: Revista Dasartes Edição 43

“Entre Vistas”

CAPA

A artista nos dá perspectivas múltiplas, mais aproximadas das relações entre a extensa e ostensiva massa edificada e as pessoas que, à maneira das formigas, que durante o dia vão roçando as an-tenas ao passar, à noite se recolhem em seus aconchegantes casu-los. No Rio de Janeiro, os aglomerados urbanos vão-se escorrendo pelos vales íngremes, em contraste com as porções de verde, o mar e as águas sempre presentes, como o céu e as nuvens. O mosai-co carioca é diferente da massa compacta das edificações de São

Paulo, igualmente inabarcável e veloz. Em ambas as metrópoles, o tumulto no rés do chão, as cadências assincrônicas de pessoas, au-tomóveis, ônibus, motos, bicicletas esbarrando-se, abalroando-se; as vagas complexas de ruídos e cheiros contrastando com a indi

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ferença dos prédios altos, sensíveis apenas às luzes e reflexos dos outros prédios, dos pedaços do céu que os recorta. Mas en-quanto o clima e a natureza do Rio de Janeiro expulsam as cidades para fora, a muralha de prédios e casas paulistanas indica que a vida é entrincheirada.

Paulo, igualmente inabarcável e veloz. Em ambas as metrópoles, o tumulto no rés do chão, as cadências assincrônicas de pessoas, au-tomóveis, ônibus, motos, bicicletas esbarrando-se, abalroando-se; as vagas complexas de ruídos e cheiros contrastando com a indiferença

dos prédios altos, sensíveis apenas às luzes e reflexos dos outros pré-dios, dos pedaços do céu que os recorta. Mas enquanto o clima e a natureza do Rio de Janeiro expulsam as cidades para fora, a muralha de prédios e casas paulistanas indica que a vida é entrincheirada.

CAPA 37

Page 20: Revista Dasartes Edição 43

CAPA

Em sua “Entre Vista”, com suas fotografias, livro, filme e es-cultura integralmente dedicados a São Paulo, a artista percorreu as edificações comerciais e residenciais, ciente de que sua opacidade não bloqueia de todo os sinais vagos do que lhes vão por dentro. Infiltrou-se para dentro desses ambientes desvendando os excer-tos das decorações disciplinadas dos escritórios, os cenários do-mésticos onde se confirmam a existência dos mesmos velhos ritos, a liturgia caseira, gestos e ações comezinhas, até o fecho do dia quando os moradores, fartos da jornada diária, postam-se impassí-veis sentados em sofás e poltronas, estátuas banhadas pelas luzes cambiantes das telas das tevês.

E na sequência dos casarões, cada vez mais escassos na me-trópole, seguiram-se as casas típicas de classe média alta e classe média, os sobrados, as moradias geminadas, até as habitações pre-cárias, como os cortiços e barracos. Uma trama irregular, mais amar-rada e harmônica nos bairros que bordejam o centro, vai se espa-lhando, avançando em blocos irregulares, emaranhados uns, outros esgarçados, pelos confins dilatados do município, emendando-se

Do público ao íntimo, a artista ultrapassou as cercas vivas, espessas e imponentes das

mansões, seus muros obturando todas as frestas que dão

acesso à vida secreta.

38

Série “Abá-katu”

nas cidades vizinhas. Em todas essas expressões do morar, essas compreensões do que seja uma moradia, todas elas derivadas de um mesmo padrão devidamente articulado ao lugar socioeconômico de seus habitantes, oferecem, em maior ou menor grau, aspectos essenciais de suas vidas.

Consciente de que na prática ver significa entrever, ver mal, im-precisamente, a artista enveredou pela vida embutida das casas paulistanas, interessada, sobretudo, nas pessoas que as habitam, nas famílias completas, avós, pais e filhos, nos casais, nos solteiros, naqueles que, por preferência ou premidos pelo custo de vida em uma cidade especialmente cara, dividem a moradia. A artista abor-dou o mundo que cada família constrói para si, produzindo visões sobre o que veem seus habitantes. Registrou, editou, reorganizou, reconstruiu os ambientes onde vivem, as luzes e sombras coloridas produzidas pelo concerto de lâmpadas e paredes, a solidariedade dos objetos com quem coabitam, a convivência desencontrada de signos da alegria, solidão, timidez, ostentação, tristeza, refinamento,

Page 21: Revista Dasartes Edição 43

Série “Sobre São Paulo”

CAPA

pobreza, extroversão, silêncio, tudo invariavelmente pontuado pelas vistas da cidade emolduradas por janelas e varandas.

Também emulada pela observação das metrópoles, Claudia Ja-guaribe, depois de fotos, filmes e livros, realizou alguma coisa única, ainda a espera de ser devidamente estudada, algo entre escultura, maquete, fotografia e cinema. Construções constituídas por volumes irregulares empilhados, em parte compactos, em parte vazados, com setores opacos e reflexivos, todos recobertos por imagens, algumas delas em movimento: sequências fílmicas semelhantes às que se desenrolam pela nossa cidade. Cada escultura um microcosmo, um fragmento das entranhas dessas grandes cidades.

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CINCO PERGUNTAS PARA CLAUDIA JAGUARIBE

Por Adriano Casanova

Qual foi sua primeira experiência como artista com o mercado da arte e como isso transformou sua maneira de atuar?

Quando comecei a expor em galerias, o mercado de arte para fo-tografia era bem pequeno. A relação entre artista e galeria era algo eventual, que só acontecia de fato durante a exposição. Quando fui para a galeria do Marcantonio Vilaça, nos anos 1990, começava uma grande mudança: passara a existir um mercado de arte com formadores de público e colecionadores. O galerista já pensava a relação com o artista e com a obra em suas muitas etapas, desde entender a produção, como fixar preços, uma estratégia de divulga-ção do nome do artista e, principalmente, a criação de uma relação de confiança, sem a qual nada funciona.

Além de expor suas obras nacional e internacionalmen-te, você possui uma editora de livros de fotografia. Como você une essas duas funções?

Sempre vi o meu trabalho de fotografia ligado à produção de li-vros. O livro para mim é como uma exposição portátil e vi a editora como uma forma de aprofundar esta questão. Pude desenvolver a minha pesquisa ligada a um grupo de pessoas que discute, inova e produz trabalhos de muita qualidade. O fotolivro tornou-se um dos mais requisitados formatos de apresentação para a fotografia em feiras e exposições, gera um enorme debate e interesse do público. Já tive meus livros expostos no Victoria Albert Museum de Londres e no Festival de Lienzhou na China, lado a lado com fotografias em exposições, o que não aconteceria em outras épocas.

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Foto: Mauro Almeida

Qual seria uma situação ideal para o artista que entra ou quer entrar para o mercado hoje?

Continuo achando que é fundamental uma formação ampla para que o artista saiba se diferenciar. É importante ter referências de outras áreas e contato com uma produ-ção intelectual crítica. Por isso, as boas escolas são luga-res importantes para a discussão e formação. É evidente que, se forem escolas de arte, podem dar uma dimensão técnica ainda melhor, mas conheço excelentes artistas que vieram das ciências, da filosofia e das letras e resol-veram na prática a questão técnica. Fora a formação, é importante o artista entender que ele tem que ser também um empreendedor de si mesmo: saber escrever sobre o seu próprio trabalho, saber se inserir em editais e procurar uma boa galeria. Há excesso de pessoas, lugares e even-tos. Não adianta estar em todos, somente nos certos.

CAPA 42

Em um circuito cultural instável e em constante movimento, como se manter tanto tempo sendo uma artista com uma produção sólida, referên-cia para jovens talentos?

A arte contemporânea passa por muitas variáveis tec-nológicas que acarretam novas discussões conceituais. Sempre tive muito interesse em pesquisa de linguagem e inovação de processos. A fotografia foi uma das primei-ras formas desta discussão e continua presente em tudo.

CAPA

A fotografia é interdisciplinar e esta característica abre

muitas possibilidades do fazer e conceituar. É uma linguagem

que permite constante inovação e invenção, o que me coloca

perto de futuros talentos.

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A fotografia já ocupa um espaço importante dentro do circuito das artes visuais e é uma das poucas mídias que tem uma vida paralela. Com esse panorama, como vê seu futuro?

O futuro da fotografia para mim é impossível de se pre-ver. O que sei é que se antes aprendíamos a ler agora as crianças aprendem a ver e fotografar. Com certeza essa é a base do futuro!

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Ateliê do Artista

Como iniciou sua trajetória saindo de Marília para Paris? Fale um pouco sobre o seu pro-cesso de maturação/criação.Os pincéis fazem parte da minha vida desde a infância em Marília: tive a sorte de ter uma vizinha que restaurava painéis e pinturas de igrejas da região, e dava aulas de pintura; eu vivia enfurnado no seu ateliê. Adolescente, montei um ateliê na fazenda dos meus pais. De Marília, fui para São Paulo estudar na FAAP, de lá para a Amazônia. Não que houvessem por aquelas terras escolas de Belas Artes, mas eu queria ver na fonte a geome-tria indígena. Pela mesma razão, vim parar na Europa: ver de perto as obras do Louvre, da National Gallery de Londres, que devorara, criança, em livros e revistas – sem mencionar as que vira minha professora reproduzir: você não imagina a emoção de reconhecer no Prado um Velázquez visto no fundo de um quintal em Marília!

Fotos: Bz

POR SYLVIA CAROLINNE

JULIO VILLANI

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Estudei na Watford School of Arts, em Londres. Saí de lá pensando em ir para Berlim, mas passei por Paris e nunca mais fui embora. Cursei dois anos a École des Beaux Arts e, a partir daí, comecei realmente a ter “meu ateliê” aqui.

Existe uma disciplina no seu dia a dia?Não penso no meu dia a dia em termos de “disciplina”, mas acredito que tenha uma: começo e termino sistematicamente meus dias no ateliê; mesmo quando volto tarde, não deixo de passar um bom momento por lá. E, apesar de ter prazer em ver amigos, exposições, filmes, dia bom mesmo é dia em que não preciso sair do ateliê!

Como você administra ateliê, exposi-ções e viagens? Existe uma equipe?Administrar um ateliê é uma noção que só surgiu nos últimos anos – quando passei a ter não um, mas dois ateliês –, mesmo se navegar entre Paris e São Paulo, para mim, represente ir para casa e voltar para ela. Trabalho com galerias nas quais exis-tem equipes queridas e supereficientes. Mas minha assistente mesmo – a que re-conhece minhas obras pelo título,

ATELIÊ DO ARTISTA 45

Page 24: Revista Dasartes Edição 43

ATELIÊ DO ARTISTA

acha os objetos que me interessam e re-solve mil problemas técnicos –, é minha mulher. Acho que ela é o pedaço de mim atento aos detalhes, a minha metade ca-paz de lidar com a logística das emoções.

Que referências você usa em seu tra-balho?Às vezes me pergunto quais são as que não uso. Devo muito à linhagem dos ar-tistas que professam que é importante “se divertir seriamente”, como Picabia; à dos neoconcretos, que introduziram o sensível na geometria; e à dos que incor-poraram o real em suas obras, instituindo que na arte não há “impureza”: Schwit-ters, Cornell, Picasso. Desde então, das montagens do Farnese às justaposições fotográficas de Baldessari, foram mui-tas as maneiras de achar arte nos obje-tos achados. Não só me identifico com estes, como ainda carrego no coração a geometria indígena, a poesia do Calder e do Volpi, a inventividade da arte popular, o humor mordaz do grupo OuLiPo. Sem esquecer as letras do Caetano, a liberda-de dos “ready-mades” do vovô Duchamp, a capacidade do Drummond a preservar sua infância.

46 ATELIÊ DO ARTISTA

O que você acredita uniformizar a lin-guagem de suas obras?O uso de uma geometria sensível, a in-vestigação do caráter lúdico das línguas e seus deslizes de sentidos, a abertura ao real por meio dos materiais incorporados.

Quando entra o título no processo?De uma maneira geral, no fim, com a peça pronta. Mas, de vez em quando, gosto de me impor o exercício de partir de um título – como quem parte de um objeto achado: está aqui tal coisa, tal palavra. O que você consegue fazer a partir dela?

Como você lida com a deterioração de suas obras?Presto uma atenção danada nos mate-riais que uso, nas combinações de maté-rias que faço. Produzindo uma peça em um material com o qual não tenho experi-ência, avanço supercautelosamente, para ter certeza de que não vou fazer uma obra efêmera. Mas, mesmo tomando cuidado, sei que os materiais são vivos e reagem ao tempo e às condições ambientais. É sempre com interesse que revejo traba-lhos antigos, e como evoluíram. Isso dito, certas montagens são feitas para não du

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ATELIÊ DO ARTISTA

rar mesmo, servem só para me levar de um ponto A a um ponto B no trabalho. Podem desaparecer, mas a ideia persiste e pode res-surgir um dia, às vezes anos depois.

Quais as últimas obras?Tem sempre mil coisas acontecendo ao mesmo tempo no ateliê: pinturas, maquetes de joias, colagens, projetos de tapetes, assem-blages. Preciso ter pelo menos três mesas com projetos em anda-mento!

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Do Mundo

“Esta Bienal de Istambul será a mais dispersa da história. Vai lhe fazer conhecer o Bósforo muito bem”, afirmou a curadora Carolyn Christov-Bakargiev em entrevista sobre a mostra, que encerrou em 11 de novembro. O Bósforo é o canal de 30 km de extensão que conecta o mar Negro ao mar de Mármara, dividindo Istambul, a maior cidade da Turquia, em dois continentes: de um lado a Europa e do outro a Ásia. Essa localização estratégica fez do Bósforo palco de conflitos econômicos, políticos e religiosos protagonizados por grandes impérios ao longo da história.

NAVEGANDO PELOS NÓS DA HISTÓRIA BIENAL DE ISTAMBUL

POR THAIS GOUVEIA

Adrian Villar Rojas

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Michelangelo Pistoletto

É nessa antiga geografia, preenchida de histórias e tensões que, pela 14ª vez, se desenrola mais uma Bienal de Istambul. A presente edição cumpre com a tradição desta Bienal que, desde 1987, vem apresentando curadorias relacionadas à cidade. “SALTWATER: A Theory of Thought Forms” (Água Salgada: uma teoria sobre formas pensadas, em tradução livre) faz da água salgada e do sal, elemento fundamental para a manutenção da vida e responsável pelas sinapses cerebrais, fios condutores dessa narrativa que se desdobra, desliza, atravessa e mergulha por entre formas, nós e ondas do Bósforo.

DO MUNDO 51

Page 27: Revista Dasartes Edição 43

Pinar Yoldas (instalação em ônibus aquático)

BIENAL DE ISTAMBUL

O fato de boa parte dos trabalhos estarem bem dispersos e insta-lados em locações privadas, além das galerias e dos museus, como casas abandonadas, barcos, garagens, hammams; torna a experi-ência dessa bienal mais direta e íntima. Cada local foi escolhido de-vido à sua importância histórica, política e cultural. O pequeno espa-ço privado é defendido pelo celebrado escritor turco Orhan Pamuk, em seu manifesto A Modest Manifesto for Museums como zona de acontecimento da arte. Para ele, estar em um lugar menor e inti-mista torna nossa experiência com a arte mais profunda e reserva-da, sem a frieza de museus. “O futuro do museu está em nossas casas”, ele afirma no manifesto, impresso na entrada do Museu da Inocência. A bienal faz abrir as casas de Istambul e, por apenas um breve período, revela suas histórias veladas, particulares e extraor-dinárias para o mundo.

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Imigração, deslocamentos e conflitos entre os muitos

povos que habitam ou habitaram a região surgem como referência em vários

pontos da Bienal

DO MUNDO

O Museu da Inocência – que acolhe pinturas do artista Arshi-le Gorky – foi criado a partir da obra homônima de Orhan Pamuk. Cada andar do discreto edifício apresenta uma série de gabinetes com cenários correspondentes a cada capítulo do livro, sugerindo imagens e objetos acerca da história de amor entre Füsun e Kemal, protagonistas do romance. A obra de Gorky, situada no último an-dar, complementa o imaginário em torno do universo dos persona-gens. O museu incorpora e cumpre com as premissas defendidas no manifesto do escritor, proporcionando ao visitante uma experiên-cia mais acessível, individual e emocional.

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Wael Shawky (projeção de vídeo em um hamman)

Deniz Gul

O genocídio armênio, um dos temas centrais da mostra, foi abor-dado por diversos artistas, tornando visíveis as camadas mais pro-fundas dessa ferida encoberta. Mas ainda muito presente. Destaca--se a instalação The flesh is yours, the bones are ours, de Michael Rakowitz, composta por ossos, gesso e desenhos. Os ossos foram escavados na ilha de Sivriada e pertencem a alguns dos mais de 80 mil cachorros que foram abandonados na ilha à sua própria sorte, como parte do projeto de “limpeza” de Istambul no mesmo período que ocorria o massacre armênio. Já o gesso alude ao artesão ar-mênio Gabaret Cezayirliyan que, contratado pelo império Otomano para reconstruir a cidade atingida por diversos incêndios nos anos 1870, criou boa parte dos ornamentos Art Nouveau, embora essa informação seja omitida pelos turcos, que cobrem as fachadas dos edifícios desse estilo na cidade.

Page 29: Revista Dasartes Edição 43

Localizada na fronteira entre Turquia e Armênia, Ani foi um dia uma importante cidade fundada 1.600 anos atrás e, após centenas de invasões por diversos imperadores e povos, foi totalmente aban-donada em 1700. Sua história é o tema do filme e instalação criada pelo belga Francis Alys para o espaço DEPO, no bairro de Karakoy. O filme se passa nas ruínas de Ani. Ou o que restou dessas de-pois de passarem diversas vezes pelas mãos de saqueadores turcos em suas tentativas de eliminar o passado armênio da cidade. Exibe crianças da região entoando sons, com pequenos instrumentos si-milares a uma flauta, que mimetizam os cantos de diversas espécies de pássaros, evocando o retorno da vida ao lugar.

BIENAL DE ISTAMBULFr

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Cildo Meireles

As diversas obras que aludem a esses traumas da região são, al-gumas vezes, intercaladas por viagens marítimas, em deslocamentos lentos e silenciosos. Entre um baque e outro, o balanço das ondas atua como espécie de bálsamo e vai, pouco a pouco, desmantelan-do convicções acerca da complexidade cultural da região, do lugar da arte, da veracidade da História.

Quase duas horas era o tempo que se levava para chegar à ilha de Buyukada, ao sul do mar de Mármara, onde estavam localizadas as obras de oito artistas. Para chegar até a obra do argentino Adri-án Villar Rojas, instalada na ilha, era necessário cruzar a casa em ruínas que serviu de exílio para o intelectual marxista Leon Trotsky, entre 1929 a 1933. A obra The Most Beautiful of All Mothers, uma imponente série de 17 esculturas de animais compostas de fibra de vidro e dejetos, alude às atuais migrações desesperadas e trágicas de refugiados que precisam passar pela Turquia para chegar à Eu-ropa Ocidental.

DO MUNDO 57

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Nguyen Huy An (vista da sala)

A tentativa humana de negociar com o passado traumático se faz visível na obra do vietnamita Nguyen Huy An, apresentada no Hrank Dink Foundation, no bairro de Sisli. Guaches e aquarelas sombrias sobre papel e seda e tecidos pretos recortados na forma de som-bras de objetos revelam o mal-estar do Vietnã pós-guerra. Como um resíduo da massa sombria e disforme da memória que nunca desaparece. A escolha do artista e das obras para a fundação se faz coerente. Criada em 2007, em memória ao editor do jornal Agos, assassinado em frente à sede do jornal no mesmo ano, surgiu com intuito de desenvolver atividades que possam estreitar relações e resgatar a herança cultural de gregos, armênios, judeus, assírios e outros povos da Antiga Anatólia.

BIENAL DE ISTAMBUL 58

Anna Boghiguian

Page 31: Revista Dasartes Edição 43

Nikita Kadan

A presença desses povos na região e o desaparecimento de seu legado também são focos dessa Bienal. A metáfora da água salga-da e sua relação entre o visível (o que está acima da superfície) e as forças invisíveis (submersas) aludem aos registros da própria His

tória. Essa última, reconhecidamente parcial e hierárquica, acaba por definir o que deve chegar a nós (à superfície), e o que deve ser apagado ou permanecer invisível (submerso).

Essas forças invisíveis foram chamadas pela socialista, teosofis-ta e feminista Annie Besant (1847-1933) de “formas pensadas”, em seu livro publicado em 1905. Essas formas seriam como forças vibráteis da esfera imaginária corporificadas graças ao desejo e ao pensamento. Para Christov-Bakargiev, que escolheu as imagens dessas formas para ilustrar o material gráfico da bienal e seu con-ceito como um dos eixos curatoriais, defende o livro como referência para as primeiras teorias estéticas sobre a arte abstrata moderna.

Se toda arte é uma forma criada a partir do desejo, seria ela en-tão dotada, segundo Heidegger, de poder transformador e curativo, até mesmo para as feridas mais profundas, abertas há dezenas, centenas, milhares de anos atrás. Trata-se de, em meio às muitas ondas e nós que nos atravessam, se colocar à escuta e com auxílio da arte abrir o campo da ação para a criação de novas formas que atuem no fluxo da História. E, quem sabe, alterar o curso de seus acontecimentos.

DO MUNDO 61

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Obra em exposição na Bienal de São Paulo Foto: Edouard Fraipoint

Reflexo

“Utilizo processos muito simples em termos de técnicas. Vejo minha prática como anotações de coisas existentes no mundo, que são combinadas; ‘re-arranjadas’, criando uma ilusão de um novo objeto que pode ser contemplado.

por ele mesmo

ALEXANDRE DA CUNHA

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Esses objetos são quase os mesmos que en-contro em estado bruto, mas eles sofrem um pequeno deslocamento ou interferência que os torna relevantes em outro contexto. Não são exatamente ‘ready-mades’, mas têm a vocação de serem esculturas e, ao mesmo tempo, propor uma reflexão sobre o uso dessas estruturas em nosso cotidiano.

Meu interesse por esse material está no aspec-to formal (formas, cores, superfícies), mas tam-bém no uso cultural e social desses elementos.”

Às vezes, é só uma questão de virar um objeto muito familiar ao contrário e poder

descobrir certa elegância nele.

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Escultura criada para o MCA Chicago Plaza Project, 2015

“Os projetos de esculturas ao ar livre trazem um elemento novo que se relaciona com arquitetura e espaços sociais. Existe um processo demorado e delicado quando se instala algo em um espaço público. A relação da obra com a paisagem e toda a negociação com o público se dá de uma forma totalmente diferente de uma escultura mostrada no espaço protegido da galeria. O processo de produção também acontece em outro ritmo, são etapas e mais etapas de planejamento, de conversa com outros profissionais, etc.

Tenho aprendido muito nesse processo e acho que essa experiência me faz voltar aos trabalhos mais intimistas com uma energia diferente. Na minha prática, preciso desses desafios, tenho que conviver frequentemente com alguns riscos no processo.

A dúvida funciona como combustível para o próprio

processo e isso é muito estimulante. Acho que, se não

fosse isso, talvez já tivesse parado de fazer o que eu faço.

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Mandala II Foto: Edouard Fraipoint

“Uma mudança importante tem sido a forma como a pintura está mais presente na minha prática. Considero os trabalhos de parede relevos, ou esculturas de parede, mas eles se referem à pintura como linguagem. O uso da cor, da tela e dos materiais que são do universo pictórico estão cada vez mais presentes. Vou fazer pela primeira vez uma exposição em que tudo estará exposto na parede, sem qualquer escultura ocupando o espaço e isso é uma novidade. Sinto que os trabalhos de parede ganharam autonomia e não precisam mais do diálogo com a escultura.”

O que mais me estimula não é criar novas formas, mas fazer um exercício

de olhar as que estão lá ao redor.

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LivrosPOR MARIA BEATRIZ MUSSNICH

Minha Primeira Coleção Organização: Camilla Bloisa Nankin Edições e Arte – R$75,00

“Liberdade para criar sem rigor, extrapolar convenções para poder ver o mundo, literalmente, de cabeça para baixo”. Essa é uma das propostas do livro “Minha Primeira Coleção”, que acaba de ser lan-çado no mercado editorial infantil. O livro – de atividades lúdicas e criativas – faz parte de um box também composto por cinco obras encartadas (pôsteres) dos artistas brasileiros contemporâneos Ca-rolina Martinez, Danielle Carcav, Fabrício Lopez, Tatiana Blass e Pe-dro Varela. Uma ideia inovadora, que pretende despertar o olhar e o gosto das crianças pelas artes visuais.

As atividades desafiam os pequenos a se aventurarem em experi-ências diferentes, como “desenvolver um olho sensível para obser-var arte”, “brincar com alto relevo”, “usar o corpo como tela”, “testar novos suportes”, “experimentar um videoarte”, “fazer uma perfor-mance” e, por que, não “criar o próprio ateliê de arte em casa”?

A organizadora do projeto, a arquiteta Camilla Bloisa, conta que a ideia surgiu a partir de um artigo que leu em uma revista. “Dizia que se os pais comprarem um vinho por ano para o filho, quando ele completasse 18 anos, ele teria uma enorme coleção. Então, por que não começar a criar uma pequena coleção de arte para o filho e dividir momentos afetivos de criação com ele?”, explica. Apaixonada por arte e educação, Camilla trabalhou na Fundação Roberto Mari

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Page 36: Revista Dasartes Edição 43

nho e fez um mestrado em gestão de museus na Boston Univer-sity. Para ela, o grande diferencial do “Minha Primeira Coleção” é criar um vínculo interativo entre os pais e os filhos, por meio da arte. Incentivar pais e adultos responsáveis para que sejam mentores nas atividades criativas das crianças. Uma das inspirações de Camilla foi observar o hábito dos pais europeus, que levam os filhos com frequ-ência a museus e têm uma vivência gostosa de aprendizado.

LIVROS

O lançamento do box “Minha Primeira Coleção” foi acompanhado de uma pequena exposição de obras dos artistas do projeto e tam-bém de um miniateliê para as crianças pintarem, na Livraria Cul-tura do Fashion Mall, zona sul do Rio. No site do “Minha Primeira Coleção”, as crianças podem encontrar mais atividades de criação. O livro também ganhará uma versão eletrônica em breve. E fica a dica: “Um lembrete para os pais: O processo de criação deve ser livre, principalmente das expectativas em relação ao resultado final (a obra) produzido pelas crianças. #papo em casa”.

A ideia é que a criança também goste de arte

porque tem uma ligação afetiva com aquilo, porque criou uma pintura ou teve uma experiência divertida

com os pais.

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Lançamentos

Yolanda Mohalyi – A grande viagemMaria Alice MillietDan Galeria – 256 p. - Doação para museus e instituições

A publicação do livro definitivo sobre a vida e a obra Yolanda Mohalyi, 36 anos depois de sua morte, represen-ta a conclusão de um compromisso assumido pelo casal de amigos Jur-gen e Bárbara Bartzsch de zelar pela obra da artista e divulgar o seu lega-do. Escrito pela historiadora Maria Alice Milliet, o livro contextualiza de forma concludente a obra de Yolanda e sua importância no cenário da arte contemporânea brasileira.

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LIVROS

Uma vez de olhos abertos, abra-os novamenteNazareno232 p. – R$ 100,00

A edição compreende a documen-tação das obras realizadas pelo artista durante os anos de 1998 até 2015. Conhecido por obras em diversos for-matos, como desenhos, esculturas, instalações entre outras mídias, na publicação, Nazareno traz uma cole-tânea com diversos textos autorais e materiais de acervo pessoal, possibili-tando ao leitor uma interação com seu universo. O livro foi editado pelo pró-prio artista e contém mil exemplares disponíveis em inglês e português.

72 LIVROS

Mauro PivaMarcos MoraesCobogó – 224 p. – R$ 115,00

Primeiro livro monográfico de Mauro Piva, com mais de 120 obras em aquarela, guache, óleo, grafite e tinta acrílica, produzidas com imensa delicadeza e realismo. O livro percorre quase uma década da trajetória do artista, compondo um amplo recorte de seu meticulo-so trabalho e ressaltando o virtuosismo na realização de cada uma de suas imagens. O livro conta com um texto bilíngue do professor de História da Arte e cura-dor independente Marcos Moraes, para o qual o artis-ta “pertencente a essa linhagem contemporânea que desenvolve suas propostas enfrentando seus dragões ou moinhos de vento, sem arrefecer, sem se deixar encantar pelo cântico das sereias ou se embevecer com as promessas de uma Vênus, mas ironicamente atuando na esteira de uma ausência de compromisso com a tradição ou com os modismos”.

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LIVROS

Subterrânea Notas EntrópicasAtelier SubterrâneaDistribuição Gratuita

O Atelier Subterrânea realizou e recebeu, durante nove anos, em Porto Alegre, exposições, palestras, exibições de vídeo, performances e diversos outros formatos de projetos artísticos. Para marcar o encerramento das atividades do local, foi lançado este livro, que apresenta entrevistas com os cinco artistas que mantiveram o espaço – Gabriel Netto, Guilherme Dable, James Zortéa, Lilian Maus e Túlio Pinto. Assuntos como o começo da Subterrânea, as dinâmicas de ateliê, as exposições marcantes, os conflitos, a gestão e o final dessa trajetória são alguns dos pontos que marcaram as conversas conduzidas por Isabel Waquil. A publicação também conta com um ensaio visual, com imagens selecionadas separadamente pelos cinco artistas e organizadas em uma única narrativa.

74 LIVROS

Transição e quedaEduardo Montelli, Jonas Arrabal e Mayra Martins RedinDinâmica Gráfica e Editora Pingado-Prés – Distribuição gratuita

Pensada como um livro-catálogo experimental, a obra apresenta registros fotográficos de trabalhos presentes na exposição do projeto de intercâmbio ar-tístico “Transição e queda: proposições para constru-ção de meios”, textos das curadoras Daniela Mattos e Gabriela Motta sobre suas visões acerca do projeto e uma série de outras proposições artísticas seleciona-das por Eduardo, Jonas e Mayra a partir do que de-senvolveram em diálogo durante o projeto. A maneira como as imagens e os textos surgem ao longo das páginas sugere relações imprecisas, diálogos incom-pletos, pontos de identificação e diferença entre seus pensamentos e suas práticas.

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Page 39: Revista Dasartes Edição 43

LIVROS

Coleção Lina Bo BardiOrganização: Marcelo FerrazEdições Sesc São Paulo e o IPHAN

Coleção de seis livros sobre a obra da arquiteta de origem italiana Lina Bo Bardi, sendo um inédito (so-bre o Solar do Unhão) e cinco revistos e ampliados. Com textos da própria Lina, de André Vainer, Cecília Rodrigues dos Santos, dentre outros, os livros trazem croquis, aquarelas, desenhos simples feitos à mão, maquetes, imagens da época das construções e fo-tos atuais. Cada publicação é inteiramente dedicada a uma obra da arquiteta. A edição bilíngue (português e inglês) traz depoimentos de Lina Bo Bardi a respeito de seus projetos, somados a análises contemporâneas dessas obras e farta ilustração.

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Variações de Formas Lunares,1954Foto: Divulgação

Resenhas

por Raphael Couto

Têm se tornado frequente nos centenários de artistas, escritores, músicos para que se formem mostras retrospectivas e lançamentos de livros, compilações, catálogos raisonés, reforçando a importância de um artista dentro do complexo panorama nacional. Mola mestra da exposição de Milton Dacosta no Centro Cultural Correios de Niterói, cidade natal do pintor modernista, a exposição reúne trabalhos de diversas coleções públicas e privadas, além do acervo da própria família do artista.

MILTON DACOSTA

1915-2015

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Entre suas diversas fases, a mostra não deve ser olhada como uma retrospectiva, mas um panorama do artista-indivíduo, que dialoga com seus contemporâneos, que sofre influências de seu tempo e espaço e que investiga múltiplas linguagens da arte. Dos grupos que funcionavam nos porões da então Escola Nacional de Belas Artes (onde hoje funciona o museu homônimo) à influência da Escola de Paris, a partir do prêmio de viagem conquistado em um salão de alunos da ENBA , Milton Dacosta transitou entre a pintura acadêmica e o concretismo, entre o desenho, a pintura e a gravura. Das vênus às figuras geometrizadas, as temáticas retratadas por Dacosta não são em nada inovadoras, motivo pelo qual seu fazer ganha importância: a estrutura dos retratos geometrizados, com foco em uma linha divisória e equilíbrio de cores gráficas, dialoga fortemente com a gravura e suas vênus, de traço mais livre e orgânico, mas ainda focado na linha e no equilíbrio de espaços.

Junto a uma centena de trabalhos de Dacosta, a mostra também exibe seu lado colecionador, com obras de diversos artistas que conviveram com o pintor niteroiense, em trocas e aquisições, constituindo o acervo da família. Uma exposição que enfim nos mostra o lado mais humano do artista, longe do mito, destacando o papel que Dacosta tem na formação de uma inegável importância da geometria na arte brasileira.

MILTON DA COSTA 1915-2015

PALÁCIO DOS CORREIOS

NITERÓI/RJDE 19/10 ATÉ 19/12

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O Tema da Festa, 2015Foto: Romulo Fialdini

por Alecsandra Matias de Oliveira

PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA

A atual edição do Panorama da Arte Brasileira, com curado-ria de Aracy Amaral e Paulo Miyada, no MAM SP, traz um ques-tionamento daqueles que todos têm, mas poucos são os corajo-sos a fazê-lo: afinal, o que é arte brasileira? E, pior: o que é arte brasileira contemporânea? Esstas não são perguntas novas: elas rondam artistas, curadores, críticos, pesquisadores e o público, desde, pelo menos, os anos 1920 – mais marcadamente, quan-do emerge o sentimento de “brasilidade” nos modernistas, esfor-çados pela valorização das raízes e tipos humanos e pelo regis-tro das paisagens urbanas e rurais. Vicente do Rego Monteiro e Victor Brecheret buscam, por exemplo, a figura e os mitos indí-genas; Tarsila cobiça as cores caipiras; Di Cavalcanti, Portinari e Segall colocam em primeiro plano negros, mestiços e imigrantes.

RESENHAS 79

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PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA

Todos eles perseguem “o moderno” por intermédio das vanguardas europeias. Hoje, a produção contemporânea, em grande parte, revi-ve e se refere-se a esse passado modernista. Contudo, a 34ª. edi-ção do Panorama, com o título Da Pedra Da Terra Daqui, envereda por uma ideia ousada: reviver o “antes da invenção do Brasil”.

A atual edição do Panorama da Arte Brasileira, com curadoria de Aracy Amaral e Paulo Miyada, no MAM SP, traz um questionamen-to daqueles que todos têm, mas poucos são os corajosos a fazê-lo: afinal, o que é arte brasileira? E, pior: o que é arte brasileira con-temporânea? Esstas não são perguntas novas: elas rondam artistas, curadores, críticos, pesquisadores e o público, desde, pelo menos, os anos 1920 – mais marcadamente, quando emerge o sentimento de “brasilidade” nos modernistas, esforçados pela valorização das raízes e tipos humanos e pelo registro das paisagens urbanas e rurais. Vicente do Rego Monteiro e Victor Brecheret buscam, por exemplo, a figura e os mitos indígenas; Tarsila cobiça as cores cai-piras; Di Cavalcanti, Portinari e Segall colocam em primeiro plano negros, mestiços e imigrantes. Todos eles perseguem “o moderno” por intermédio das vanguardas europeias. Hoje, a produção con-temporânea, em grande parte, revive e se refere-se a esse passado modernista. Contudo, a 34ª. edição do Panorama, com o título “Da Pedra Da Terra Daqui”, envereda por uma ideia ousada: reviver o “antes da invenção do Brasil”.

MAM-SPSÃO PAULO/SP

DE 03/10 ATÉ 13/12

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Carlos Zerpa, Anaconda. Foto: Tárlis Schneider

por Francisco Dalcol

10ª BIENAL DO MERCOSUL

A 10ª Bienal do Mercosul foi anunciada como um retorno às ori-gens, uma retomada da primeira edição, de 1997, e de seu foco na arte latino-americana. Interrompe-se, assim, o movimento de inter-nacionalização das últimas edições.

Desde que afirmou que partiria “de obras e não de artistas”, o curador-chefe, Gaudêncio Fidelis, sinalizou uma bienal museológica. E, de fato, é uma grande mostra histórica e de viés contemplativo o que se vê em Porto Alegre, até 6 de dezembro, nas exposições que ocupam espaços como a Usina do Gasômetro, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), o Memorial do Rio Grande do Sul e o Santander Cultural. Seguindo o estilo de curadoria que realizou no Margs quando foi diretor, de 2011 a 2014, Fidelis toma um extenso conjunto de obras do século 18 à atualidade (mais de 600), buscan-do conexões sem se guiar por cronologias, gêneros ou linguagens.

RESENHAS 81

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São 20 países representados, mas há uma grande quantidade de arte brasileira frente ao reduzido número de artistas estrangeiros. Não por acaso, o destaque é a remontagem de “Tropicália” (1967), de Hélio Oiticica. Daí essa Bienal do Mercosul ser mais de arte bra-sileira do que de arte latino-americana.

Algumas exposições têm propostas interessantes, como a que destaca trabalhos olfativos para discutir a visão como sentido privi-legiado (“Olfatória: o cheiro na arte”); a que reúne obras com ma-teriais precários para enfatizar o caráter efêmero da arte (“A poeira e o mundo dos objetos”); a que problematiza os processos de ur-banização nos países latinos (“Biografia da vida urbana”); e as que confrontam os diferentes modernismos nas Américas (“Modernismo em paralaxe e Antropofagia neobarroca”).

Contudo, são todas mostras com títulos mais instigantes do que o que de fato entregam. Entre o discurso e a prática, há distâncias e lacunas – obras que parecem “fora de lugar”, aproximações que ilustram teorias e trabalhos que preenchem espaços para sustentar teses. Por outro lado, há atravessamentos que geram renovadores diálogos, como a reunião das vertentes construtivistas nos diferen-tes países das Américas.

Ao privilegiar obras históricas, a 10ª Bienal do Mercosul contri-bui para a formação de público. Entretanto, com tamanha ênfase revisionista, essa edição fica a dever a margem de descoberta que poderia oferecer.

10ª BIENAL DO MERCOSUL

10ª BIENALDO MERCOSUL

PORTO ALEGRE/RSDE 23/10 ATÉ 06/12

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Footsteps 300

por Flavia Dalla Bernardina

VIK MUNIZ

Em sua estreia no Museu Vale, Vik Muniz apresenta uma retros-pectiva dae sua produção artística, com mais de 100 obras expos-tas. Como um empresário de sua própria arte, ele faz a curadoria e a montagem da exposição, com obras que revelam sua trajetória na apropriação de objetos de uso comum e alguns trabalhos recentes. É evidente que se apropriar de elementos do cotidiano e transfor-má-los em obras de valor artístico, de fato, não é uma novidade.

Seja por meio de geleias, de um prato de macarrão que chega ao fim, de grãos de diamante, areia ou meninos de açúcar – o artista tem sempre uma história que ele (não) conta. Entretanto, há que se reconhecer que a obra, e o próprio Vik Muniz – ao circular acessivel-mente na vernissagem , como também na visita guiada que antece-deu à abertura –, aproxima mais quando se apropria.

Isso nos lembra da dicotomia aura x vestígio, apontada por Walter Benjamin no início do século passado e que não poderia estar mais atual: a aura é o aparecimento de uma distância, por mais próxima que esteja, enquanto o vestígio é o aparecimento de uma proximi-

RESENHAS 83

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dade, por mais distante que esteja. É como se o artista colocasse à nossa porta uma campainha que nos alertasse acerca da presença de algo – seja ele um distanciamento ou uma aproximação.

A busca pela correspondência perfeita entre o campo das ideias e sua materialização, a imagem mental como fio condutor à concre-tização da obra, que nos conecta com algo que encontramos e a conexão como função da arte, são palavras de ordem para o artista.

A questão da memória coletiva é latente e constantemente ativa-da, como nas obras da série “The Best of Life” (O melhor da revis-ta Life), em que fotos emblemáticas que marcaram a história são redesenhadas pela memória fotográfica do artista (segundo ele, o livro que possuía contendo tais imagens havia desaparecido). Na sequência, os desenhos foram fotografados e expostos de maneira desfocada. O homem pisou na Lua com o pé direito ou o esquerdo? O casaco do John John tinha quantos botões no enterro do pai? Quem se importa, se todos já vimos essas imagens ainda que não as tenhamos presenciado. As memórias inventadas – todas são – reinauguram as sinapses entre artistas, obra e público.

Por outro lado, embora a utilização de materiais de uso comum aproxime o público das obras, talvez ela diminua os buracos existen-tes entre o que o artista pretende e o que concretiza, a ponto de não se saber se estamos nos aproximando ou nos afastando. No apagar das luzes, quem se importa com a verdade? Que seja o que eu digo sobre a obra, e não de fato o que a obra seja. Que seja o que eu sinto da obra, e não o que dizem sobre ela.

VIK MUNIZ

MUSEU VALEVITÓRIA/ESDE 15/10/15

ATÉ 14/02/16

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Garimpo

A carioca Tatiana Chalhoub teve duas obras premiadas, no ano passado, durante a coletiva “Novíssimos”, na Galeria Ibeu: “Último suspiro” e “Sem título/Desenho sobre o sublime”. A coletiva anual – que, aos moldes dos salões de artes plásticas, tem como objeti-vo divulgar a produção de arte nacional – rendeu como prêmio para Tatiana uma individual na tradicional galeria, que fica localizada em Copacabana. Com curadoria de Cesar Kiraly, a primeira individual da artista, intitulada “O Brilho do Bronze”, apresenta objetos de vidro em formato irregular, uma escultura de bronze, que brilha no título, uma

TATIANA CHALHOUB

POR CHANDRA SANTOS

?????

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escada, uma piscina de plástico, um tríptico de pintura e um vídeo. Em todos os trabalhos há respiração hesitante, ritmo em mudança. Na série “trabalhos específicos do ateliê”, ela impôs como limite seu espaço de trabalho diário para executar as peças. O teto de concreto, o chão modular, as paredes de alvenaria, os pilares que sustentam o pé direito vertiginoso formavam um conjunto atraente de possibilidades a serem exploradas. A brutalidade dos materiais e a escala se tornaram um assunto presente em cada tentativa de reinterpretação desse espaço.

Para Cesar Kiraly, curador da exposição, “esta primeira individual concerne a operação de passagem da sensibilidade móvel à inerte, um tanto também ao retorno, mas em bases próprias, de delicadeza. Tatiana a promove enfatizando como o fôlego o permite. A hesitação se expande para a respiração difícil, asmática, em alguns momentos, intransigente quase, de modo a permitir o estado contemplativo associado a tal aparente quebra na vitalidade”.

Por vezes abstratos, ora geométricos e modulares, cada trabalho embarca

sua lógica própria de acontecimentos e resultados.

GARIMPO 87

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Amedeo Modigliani ‘Nu couché (Reclining Nude)’

Flashback

O artista e sua Musa – “The Artist’s Muse” – exposição seguida de leilão com curadoria na Christie’s, mostrou de perto as modelos que inspiraram grandes artistas a produzir algumas de suas obras mais importantes. Essas fontes inspiradoras, que podiam ser as amantes, ou desconhecidas, ou mesmo o próprio irmão, contribuíram para a produção de obras que mudariam a forma e a direção da arte moderna do século 20.

De muitas maneiras, e muitas vezes sem saber ou sem querer, essas musas ajudaram a criar um culto aos grandes artistas e vira-ram personagens centrais da história do modernismo. É nessa rela-ção pintor-modelo, onde ele, inspirado pelo que vê ou atormentado pelo que sente, tenta captar o retrato psicológico do objeto retrata-do; nessas harmonias e tensões está a ideia central da curadoria.

MUSAS DA PINTURA

POR CANDIDA SODRÉ

88 FLASHBACK

Durante duas semanas, musas e musos tomaram conta das ga-lerias do Rockefeller Center, atraindo centenas de colecionadores e curiosos. Gente de todo tipo e idade, disposta a descobrir novos entendimentos e sentidos para aquelas pinturas e esculturas cheias de intimidade, paixão, luz e cor.

– Não há dúvida, este é “O” nu de Modigliani, aquele com que eu sempre sonhei – comentou um colecionador embevecido, diante do mais erótico e belo nu da série que “Modi”, como chamavam os amigos, pintou em 1917.

Voltando no TempoNo século 19, o pintor de retratos era rei e suas pinturas descre-

viam com bastante fidelidade a realidade. Mas, com o fim do século se aproximando, as novas gerações quiseram registrar a alma de seus modelos. Pretendiam definir, na pintura, a relação entre o que eles pintavam e a verdadeira essência espiritual de suas musas.

Courbet e Manet pintaram suas Olímpias radicais, Tolouse-Lautrec, prostitutas e atrizes decadentes de Montmartre; Van Gogh retratou

“Estas são obras que inspiram e respiram vida e sem a

ideia de ‘Musa’ elas seriam apenas retratos”, reforça Jussi

Pylkkanen, presidente da Christie’s e leiloeiro.

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Courbet femme nu couchee

MUSAS DA PINTURA

humildes camponeses, e Cezanne, os jogadores e as banhistas da Provence. Muitas das musas, tantas sem nome, marcaram uma direção nova na pintura moderna. Picasso descreveria o momento: “Devemos pintar o que está na face, no seu interior, ou por trás dela?” O século 20 viu a chegada de supermusas, personificadas por Jeanne Hebuterne, Henriette Darricarrere, Dora Maar, Marie Therese Walter, Diego Giacometti.

Courbet“Femme nue couchee” (1862) foi arrematado por USD 15,2 mi-

lhões, um recorde para Gustave Courbet.Realista, Courbet não se limitava a pintar o objeto ou a musa que

estava diante de si: ele a redescobria e, através da perfeição de cor e textura, conseguia com que a diva estivesse quase em pessoa diante do espectador.

90 FLASHBACK

Em “Femme nue couchee”, Courbet fez uma interpretação de um tema clássico do Renascimento. Nessa tela, ele se relacionou com a tradição, em um equilíbrio perfeito com a modernidade; homena-geou os mestres do passado, abrindo caminho para as inovações temáticas e visuais de uma nova geração de pintores. Assim como Modigliani, Courbet chocou e a ele foi negado um lugar no salão de exposições tradicional.

LichtensteinSegundo maior preço do leilão, “Nurse” vendeu por US$ 95,3

milhões, preço recorde para o artista.A enfermeira de Lichtenstein está ao lado das Marylin, Liz Taylor

e Jackie Kennedy de Andy Warhol, figuras ícones que definiram o movimento Pop Art e entraram para a história da pintura figurativa. Criada no auge da carreira de Roy Lichtenstein, em 1964, “Nurse” é talvez sua heroína mais importante.

Produto da década de 1950, saída de uma história em quadrinho, a

enfermeira “platinum blonde” com olhos azuis que faíscam, “sexy femme fatale”, faz parte de um

drama que envolve e seduz. Parece que muitos querem levá-la pra casa.

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FLASHBACK

Modigliani“Nu couche” é a fusão do idealismo clássico com realismo sensual

e invenção modernista, diz Pylkkanen. Há quem diga que Modigliani só não foi cubista porque eram fortes nele as raízes italianas: era um apaixonado pelo Renascimento.

Assim como o próprio Modigliani, sua musa é a italiana, judia, de cabelos e olhos negros. Voluptuosa, saudável, colorida pelo sol do Mediterrâneo. Do ângulo em que a retrata, o artista está tão pró-ximo dela que parece pronto a mergulhar. Esse foi um dos nus de uma série criada em 1917, estimulada pelo amigo e marchand Le-opold Zborowski. No final desse ano, aconteceu a única exposição individual da curta vida de Modigliani e foi um escândalo.

Organizada por Zborowski, ela apresentaria ao público alguns dos nus mais sensuais. Um deles foi parar na vitrine da galeria, como um chamariz para a exposição. Não tardou e parisienses se aglomeraram na frente da pequena galeria, nariz literalmente encostado no vidro. A polícia não gostou e, alegando algum “atentado ao pudor e aos bons costumes”, fechou a exposição que, nesse momento, entrou para a história da arte.

No final desse ano, aconteceu a única

exposição individual da curta vida de Modigliani e

foi um escândalo.

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Lichtenstein Nurse

E no leilão...Diante de uma sala lotada, uma sofisticada plateia, Jussi Pilkka-

nen comanda o leilão. A musa mais atraente, a mais disputada da noite, é a de Modigliani. A postos nos telefones que ladeiam a sala de leilões, especialistas aguardam que os colecionadores confirmem seus lances a distância, mãos levantadas, competindo com a sala e com outros telefones. A corrida leva uns 10 minutos – são quatro ou cinco candidatos e depois dois, que disputam, até o final, a tela de 1917.

Vem de bem longe o lance vencedor, o martelo bate “sold!” (ven-dido!) avisa o leiloeiro. Um bilionário colecionador chinês arrematou por US$ 170 milhões o “Nu deitado”, de Modigliani, a segunda obra mais cara da história dos leilões. E, pelo que tudo indica, a tela deve ser levada para um museu na China. Posto merecido para uma musa de nossa história.

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Feiras

Entre 1 e 4 de outubro, aconteceu a 10ª edição da ArtBO, feira de arte de Bogotá, na Colômbia. A feira, que atraiu cerca de 35 mil visitantes, reuniu 84 galerias de vários países. Do Brasil, estiveram presentes as galerias Eduardo Fernandes, Sé, Nara Roesler, Luiza Strina, Luciana Brito, Jaqueline Martins e Vermelho. Administrada pela Câmara de Comércio de Bogotá, e contando com um formato mais aberto, a feira incluía um grande número de projetos paralelos e estandes de órgãos do Estado, museus e similares, sendo um espaço de propaganda não apenas para a arte local, mas também para a própria cidade de Bogotá em seus diferentes aspectos culturais.

Tendo baixo número de galerias e ar-tistas europeus, a feira se diferencia das outras do circuito internacional e apos-ta em artistas latino-americanos, com preponderância de obras de contextos

ARTBOpor Leandro Fazolla

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FEIRAS

locais. Chamavam atenção pela feira a grande quantidade de obras com refe-rências políticas, geográficas e sociais, enquanto obras de caráter mais for-malista surgiam em parcelas menores. As galerias brasileiras investiram nes-se aspecto e levaram um bom número de obras com carga conceitual e, por vezes, traçando relações com a própria Colômbia, como foi o caso da obra de Lydia Okumura na Galeria Jaqueline Martins, originalmente concebida para a participação da artista na Bienal de Medellín, em 1981. Em um estande próprio, Maurício Ianês dava expediente conversando com os visitantes e fazen-do um mapeamento do que lhes vinha à cabeça quando perguntados sobre as ideias de arte, cultura, sociedade e política, para, depois, criar ligações e constituir uma teia afetiva de imagens.

Para além da ArtBO, o circuito alter-nativo de arte de Bogotá também se torna um espetáculo à parte durante a feira. Aproveitando o fluxo, a cidade fervilha com visitas a coleções particu-lares, galerias, projetos artísticos e fei-ras menores. É o caso da Odeón Feira de Arte Contemporânea, que este ano

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tinha como convidado o Brasil e conta-va com a presença das brasileiras Blau Projects, Central Galeria de Arte, Lume, Casa Nova Arte, Athena Contemporâ-nea e Portas Vilaseca. Localizada em espaço menor, a feira gerava maior inti-midade dos visitantes com os galeristas e artistas, facilitando conversas e con-tatos. Chamavam atenção a individual com grandes obras de Andrey Zignatto na Blau Projects, que já recebia o es-pectador no primeiro piso, e os traba-lhos com grades de Daniel Murgel que, concluídos em Bogotá, geravam es-treita relação com o espectador. Perto dali, a feira Barcú transformou diversas casas em espaços culturais, permitindo aos visitantes – sobretudo os turistas – um agradável passeio pelas ruelas de Bogotá. Ainda que marcada por obras de qualidade mais baixa, resultado de um formato sem curadoria, a feira valia a visita exatamente por seu viés alter-nativo e contra “o sistema” e por exibir um pouco de tudo da arte contemporâ-nea colombiana.

FEIRAS 97

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Inciou mais uma edição da Frieze London e Frieze Masters, junto com as feiras também o Sculpture Park e as habituais aberturas de múltiplas exposi-ções e eventos, que terão lugar por toda Londres ao longo desta semana. Logo na entrada, a Gagosian Gallery inicia o trajeto na Frieze London com uma indi-vidual de Glenn Brown de desenhos e esculturas que mais nos remete a uma exposição de qualidade ímpar e nos faz esquecer por alguns minutos que esta-mos em uma feira comercial. A multipli-cidade de galerias internacionais é mara-vilhosa e consegue nos trazer um painel global dos caminhos da arte, com boas surpresas, mas também muita repetição.

Dentre as surpresas, uma volta ao humor e à leveza nas obras que, mesmo quando utilizam elementos mais fortes, o fazem com sutileza e nos instigam a pensar na busca do artista e em sua tra-jetória para chegar à obra em questão.

Passando para a Frieze Masters, é um prazer imenso podermos ter conta-to com peças que habitualmente ficam separadas de nós por barreiras amare-

FRIEZEpor Sylvia CarolinneLondres, 14 a 17/11

FEIRAS 98

las ao chão ou aos olhos atentos dos fi-éis escudeiros protetores dos museus.

A expografia dos estandes, misturando peças do renascentismo italiano Moretti com móbiles de Alexander Calder ou Ri-chard Serra com Soulages, faz do caminho dos largos corredores um passeio cultural por toda a história da arte e o melhor de tudo a se brindar das feiras comerciais.

Sorte de quem pode comprar, mas mais sorte ainda de quem pode admi-rar, mesmo que por tão curto espaço de tempo, tais peças a uma distância íntima, que faz esquecer a multidão que se encontra logo ao lado.

Dentre as galerias brasileiras, há quatro representantes na Frieze Mas-ters. Nara Roesler nos brinda com uma individual de Tomie Ohtake, prestigia-da por seu filho Ricardo, digna da gran-de artista. Wanda Pimentel veio com a galeria Anita Schwartz, completando a apresentação de seus trabalhos expos-tos na Tate Modern, dando um painel bem interessante de sua trajetória ar-tística. A Baró traz David Medalla com peças sagazes e que definitivamente combinam com o espírito renovador do artista e, concluindo o time, a Dan Ga-leria, em sua posição de destaque, vem com artistas brasileiros e internacionais mostrando seu poder de fogo.

FEIRAS 99

Page 51: Revista Dasartes Edição 43

Apesar da chuva, mais de 2.700 con-vidados lotaram a abertura da feira Par-te e prestigiaram suas 40 galerias. O grupo Aluga-se foi novamente o desta-que da feira, oferecendo mais uma gin-cana: o comprador escolhia um valor no cardápio e rodava a “roda da fortuna”, deixando a mão da sorte definir a obra que levaria pra casa. Uma fila enorme se formou para rodar e ganhar.

O Clube do Colecionador do MAM SP chamou atenção com as obras para este ano, incluindo “Prateadas”, de Nazareth Pacheco, uma fotografia com efeito tri-dimensional que fazia todos se aproxi-marem para conferir. Thiago Toes foi ou-tro destaque da galeria OMA, com uma obra que preencheu a parede com más-caras de bandido nas cores da moda, bem alinhada às manchetes do dia.

O projeto solo da dupla e casal Re-jane Cantoni e Leonardo Crescenti foi

PARTEpor André FabroSão Paulo – SP, Paço das Artes, de 4 a 8/11

FEIRAS 100

um grande sucesso. A plataforma me-tálica interagia com o público por meio de luzes e espelhos e virou brinquedo de muita gente.

Mais uma vez, a Parte atraiu seu pú-blico cativo e mostrou que veio pra fi-car. Leia mais sobre a feira buscando por ela no site dasartes.com.br.

FEIRAS 101

Page 52: Revista Dasartes Edição 43

Escultura de Louise Bourgeois

Obra de Lucio FontanaFoto: Christie’s Images Ltd.

Foto: Christie’s Images Ltd.

Notas do Mercado

1. TEMPORADA DE LEILÕES de novembro em Nova York mostrou que, fora daqui, não há crise. Vários artistas tiveram re-cordes de preços para suas obras, incluindo Cy Twombly, Roy Lichtenstein, Lucio Fonta-na, Louise Bourgeois e Felix Gonzalez-Tor-res. Ainda assim, o clima na sala de vendas e os resultados ficaram aquém dos do ano passado: Christie’s vendeu o total de US$ 1 bilhão, contra US$ 1,4 bilhão em 2014. De acordo com Brett Gorvvy, diretor de arte contemporânea da casa, a culpa está na es-cassez de lotes na faixa dos US$ 40 milhões, que representam uma fatia importante nes-se mercado. Outros comentários culparam preços exagerados para trabalhos de menor qualidade na faixa de US$ 10 milhões.

2. EX-TAXISTA MILIONÁRIO foi o comprador da obra mais cara da temporada. “Nu Reclinado”, de Amadeo Modigliani, foi arrematada por surpreendentes US$ 170 mi-lhões, mais que o dobro do recorde

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Foto: Cortesia Sotheby’s

3. WARHOL EM BAIXA foi a surpresa da temporada e o comentário entre os habitués do circuito nova-iorquino. Sete telas do artista não encontraram com-pradores e o conjunto “Four Marilyns” foi vendido por US$ 36 mi-lhões, abaixo da garantia dada pela Christie’s, de US$ 44 milhões. Mas nem tudo é cinza no mundo de Andy Warhol: a tela “Mao” foi vendida por US$ 47 milhões e “Electric Chair”, estimada em US$ 6 a 9 milhões, alcançou US$ 11 milhões.

de preço anterior para obras do artista, que era de US$ 71 milhões, tornando-se a segunda obra de arte mais cara a ser vendida em lei-lão. A notícia ganhou ainda mais fôlego quando se descobriu que o comprador é Liu Yiqian, bilionário chinês que começou a vida como camelô e taxista e fez fortuna no mercado financeiro nos anos 1980 e 1990. Yiqian é conhecido por sua extravagância e pela amplitude de sua coleção de mais de 2.300 peças, que vão desde antiguidades asiáticas a esculturas de Jeff Koons. No ano passado, um vídeo do colecionador bebendo chá em uma vasilha antiga, adquirida por US$ 36 milhões, tornou-se viral e solidificou ainda mais a fama do chinês.

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Cildo Meireles, “Resposta - Não está aqui o que você procura”, 1970 - 1996. Oferecido pela Phillips

The Contemporary Art Market Report, 2015

5. LATINO-AMERICANOS ainda não tiveram seus leilões de novembro, mas uma das maravilhas da nossa nova revista digital é que esta nota será atualizada. Volte a esta página depois do dia 25 de novembro para ver os destaques entre os resultados.

4. ARTPRICE analisou os resultados dos principais leilões e vendas privadas de arte contemporânea entre julho de 2014 e julho de 2015 e concluiu que houve queda nos índices gerais de valores e nos volumes totais de vendas em leilões de arte contemporânea. O estudo aponta que o mercado segue concentrado: dez artistas fo-ram responsáveis por 35% das receitas de vendas em leilões de arte contemporânea e 68% deste volume é resultado das vendas de obras de 100 artistas. Obras de artistas

brasileiros representaram 0,8% da receita desse mercado no pe-ríodo. Os Estados Unidos voltam a ocupar do topo do ranking de maior mercado de arte contemporânea, que havia perdido para a China nos últimos anos. Saiba mais baixando o estudo completo em www.artprice.com

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Coluna do Meio

Galeria NicoliAbertura da Exposição de Cristina SáFotos: Divulgação

Ana Luiza Rossi, Cristina Sá e Renata Junqueira

Cristina Sá e Carla Pilão

Denise Mattar, Carla Pilão e Cecilia Neves

Cristina Sá

Cynthia Caiaffa, Beto Pandiani e Cristina Sá

Mario Nicoli Filho e Erica Nicoli

Cicila Street

Cristina Sá, Mario Nicoli Filho e Carla Pilão

Fabia Marques e Pedro Paulo de Sena Madureira

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Galeria Espaço Arte M. MizrahiAbertura da exposição Wakabayashi Fotos: Divulgação

Equipe Espaço Arte M. Mizrahi

Família Wakabayashi

Kazuo Wakabayashi com a equipe do Espaço Arte M. Mizrahi

Kazuo Wakabayashi, Mayer Mizrahi e Denise Mizrahi

Hikari Wakabayashi, Patricia Paganin, Kazuo Wakabayashi e Luiz Antônio Carvalho Franco

Julio Soares, Kazuo Wakabayashi e Eva Cristina Marra

COLUNA DO MEIO 107

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Atelier Fernando JaegerAbertura de exposição e lançamento de livroFotos: Paulo Jabur

Kazuo Wakabayashi e Yutaka Toyota

Alessandra Monteiro e Ana Cartaxo

Bel Augusta e Antonio Cláudio Leite

Olívio Tavares e Hikari Wakabayashi

Antonio Cláudio Leite e Regina Kato

Fernando Jaeger, Regina Kato e Ruy Teixeira

Mayer Mizrahi e Denise Mizrahi

Analu Prestes

Elisa von Randow e Paula Juchem

COLUNA DO MEIO 108

Oi Futuro FlamengoAbertura do Projeto ARTE Pública de Ni da Costa e Leo AversaFotos: Marco Rodrigues

Marisa Lima, Ana Luiza Violland e Angélica Accioly

Ado Azevedo e Liliana Magalhães

Ana Fay e Gisele Camargo

Regina Kato e Marcos Cardoso

Alice e Loic Gosslin

Marisa Lima, Fernando Jaeger e Regina Kato

Alberto Saraiva e Leo Aversa

Arlete Gonçalves, Alberto Saraiva e Shirley Fioretti

COLUNA DO MEIO 109

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Pinakotheke CulturalLançamento do catálogo da exposição Opinião 65 – 50 Anos DepoisFotos: Paulo Jabur

Cora Ronai e Sergio Augusto

Ricardo Barreto, Juliana Caloi e Raquel Fukuda

Antonio Dias e Vandinha Klabin

Marcela e Leo Aversa com seu filho Martin

Rodrigo Andrade, Leo Aversa e Lucas Lins

Madalena Mendes de Almeida e Ni da Costa

Antonio Dias, Paola Chieregato e Clara Gerchman

COLUNA DO MEIO 110

Eurípedes Junior, Christina Penna e Clara Gerchman

Frederico Morais, Carlos Vergara e Max Perlingeiro

Lauro Cavalcanti e Max Perlingeiro

Roberto Magalhães, Frederico Morais e Carlos Vergara

Frederico Morais e Bebeto Gouvêa Chateaubriand

Franklin Pedroso, Maria Carmen Perlingeiro e Antonio Dias

Wal Weissmann e Fernando Ortega

Carlos Vergara e Ângelo Venosa

COLUNA DO MEIO 111