resumo responsabilidade civil - direito das obrigações i

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  • 7/27/2019 Resumo Responsabilidade Civil - Direito das Obrigaes I

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    RESPONSABILIDADE CIVIL 483.do Cdigo Civilpor Filipe Mimoso e Patrcia Ganho

    Denomina-se responsabilidade civil o conjunto de factos que do origem obrigao de indemnizar os danos sofridos por outrem. A responsabilidadecivil consiste, por isso, numa fonte de obrigaes baseada no princpio doressarcimento dos danos. (M.L.)

    A fonte da obrigao de indemnizar exclusivamente legal, encontrando-se,por isso, tipificada na lei: no se admitem introdues jurisprudenciais oudoutrinrias que constituam situaes de responsabilidade civil noprevistas na lei ou com contornos diversos da previso legal. Isto nosignifica que a autonomia privada fique completamente afastada: o lesantee o lesado podem ajustar certos aspectos relativamente obrigao deindemnizao.A responsabilidade civil relaciona-se com a ressarcibilidade dedanos sofridos numa esfera jurdica, que sero suportados por

    outrem. necessrio, porm, ter em ateno que o princpio geral o oposto ao da responsabilidade civil, pois, por via de regra, osdanos so suportados na esfera jurdica onde ocorrem. Aresponsabilidade civil a excepo. Verificados determinadospressupostos, afasta-se o princpio geral, e os prejuzos sofridospor um sujeito so ressarcidos por outro, mediante umaindemnizao a pagar pelo responsvel.

    Nos termos gerais, a responsabilidade pode ser:

    Poltica Administrativa: v.g. a responsabilidade disciplinar do funcionriopblico Penal ou criminal Civil

    Cumpre estabelecer as principais diferenas entre a responsabilidade penalou criminal e a responsabilidade civil:

    Responsabilidade penal ou criminal: pretende-se punir o agente,podendo esta responsabilidade ser cumulada com a responsabilidade civil[v.g. crime de dano e obrigao de indemnizar]. A previso o crime, aconsequncia a pena. Rege-se pelo princpio da tipicidade e pressupe,

    sempre, a ilicitude [normalmente dolo].

    Responsabilidade civil: a previso o dano, a consequncia aindemnizao. A responsabilidade civil assenta numa clusula geral, tempor base o dano causado, no pressupe sempre a ilicitude do acto e, porvia de regra, basta a mera culpa, podendo haver responsabilidade civil semculpa.Face ao que foi exposto, encontramo-nos em condies de estabelecer umanoo aproximada de responsabilidade civil: excepo regra geral deimputao dos danos na esfera jurdica onde ocorrem, a responsabilidadecivil consiste no conjunto de factos que do origem obrigao deindemnizar os danos sofridos por outrem [ressarcibilidade].

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    Assim, se A. dolosamente rasga o livro de B., alm do crime de dano(responsabilidade penal), h a obrigao de indemnizar o prejuzo(responsabilidade civil).

    No seio da responsabili dade civil podemos distinguir :

    Responsabilidade contratual ou obrigacional Responsabilidade extra-contratual ou delitual Responsabilidade subjectiva Responsabilidade objectiva

    Relativamente distino entre responsabilidade obrigacional e extra-contratual, importa estabelecer a seguinte nota histrica:

    A Lei das XII Tbuas previa sanes especficas para o incumprimento deobrigaes: responsabilidade obrigacional [art. 798].A responsabilidade obrigacional resulta do incumprimento das

    obrigaes.

    A Lex Aquilia previa compensaes por danos causados em caso de delito:responsabilidade extra-contratual, delitual ou aquiliana [art. 483].Na responsabilidade delitual est em causa a violao de deveresgenricos de respeito, de normas gerais destinadas proteco doutrem.

    Ambas as responsabilidades assentavam, tradicionalmente, no princpio daculpa: a responsabilidade , em regra, subjectiva, em termos que veremosinfra. Relativamente distino entre responsabilidade subjectiva eobjectiva, importatecer as seguintes consideraes:

    Responsabilidade subjectiva ou delitual: a responsabilidade civilpressupe, regra geral, culpa [art. 483-2]. A culpa deve ser aqui entendidacomo um juzo moral ou de censura da conduta, seja ela praticada com doloou mera culpa. A actuao do agente , assim, ilcita e culposa: um delito.

    Na responsabilidade por culpa, que a regra geral (483., n.1), aresponsabilizao do agente pressupe um juzo moral da sua conduta, queleve a efectuar uma censura ao seu comportamento. (M.L.)

    Funes, segundo MENEZES LEITO:(da responsabilidade por culpa)

    Funo principal: reparao do dano Funo preventiva Funo punitiva

    Limitao da indemnizao no caso de mera culpa, art. 494.

    Pela repartio da indemnizao em funo da culpa dos agentes, emcaso de pluralidade de responsveis (497/2)

    Pela reduo ou excluso da indemnizao em caso de culpa do lesado

    (570.)

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    Irrelevncia da causa virtual

    Re spons abilid ade object iv a : constitui uma excepo regra geral daresponsabilidade subjectiva ou delitual (art. 483-2; excepcional, sendo aresponsabilidade subjectiva a regra), j que o dano provocado, ainda queindependentemente de culpa do agente. Pressupe um dano, comum a todaa responsabilidade civil, mas no existe delito, pois o agente no actuaculposamente.

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    Mo da lida de s de re sponsabilidade objectiva, consoante o t tu lo deimputao:

    o Responsabilidade pelo risco : tipificada na lei [art. 483-2],os danos devemser reparados por estarem relacionados com prticas de actividadeshumanas lcitas, mas normalmente geradoras de prejuzo [v.g. circulaoautomvel]; do risco inerente a essas actividades resulta o dever de repararo dano.

    Na responsabilidade pelo risco, admitida s nos casos previstos na lei (483/2e 499 e ss), prescinde-se desse juzo de desvalor, efectuando-se aimputao de acordo com critrios objectivos de distribuio do risco (porexemplo, a obteno de benefcios a partir de uma zona de riscos; apossibilidade de exercer controle sobre ela, ou a criao de perigos emresultado de uma actividade especifica). (M.L.)

    Funes:

    Funo principal: reparao do dano Desempenha ainda limitadamente funes acessrias de preveno

    o Responsabilidade p elo sacrifcio ou por actos lcitos : a lei autoriza oagente a agir, causando prejuzos a outrem e correlativa obrigao decompensao desses danos [v.g. constituio de servido legal depassagem].

    J na responsabilidade pelo sacrifcio, tambm se prescinde de um juzo dedesvalor da conduta do agente, sendo a imputao do dano baseada numacompensao ao lesado, justificada pelo sacrifcio suportado. (M.L.)

    - Funo exclusiva: reparao do dano.

    o Apesar de normalmente se associarem as classificaes feitas com aresponsabilidade extraobrigacional, tambm a responsabilidadeobrigacional assenta no princpio da culpa (art 798), sendo, pois, aresponsabilidade regra subjectiva. O devedor dever ter faltado aocumprimento com culpa, a responsabilidade , assim, subjectiva.Exemplo: devedor que falta ao cumprimento da obrigao, com culpa[responsabilidade subjectiva obrigacional].

    As responsabilidades obrigacional e extra-contratual podem ser,excepcionalmente, objectivas, independentemente de qualquer culpa: v.g.devedor que falta ao cumprimento da obrigao, sem culpa[responsabilidade objectiva obrigacional, art. 800].

    Responsabilidade obrigacional

    o Incumprimento de obrigaes contratuais [violao de direitos relativos]:frustrao da expectativa creditria.

    o A responsabilidade obrigacional, pressupe a existncia de uma relaointer-subjectiva, que primariamente atribua ao lesado um direito prestao, surgindo como consequncia da violao de um deveremergente dessa relao especifica. (M.L.)

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    o Culpa presume-se do devedor [art. 799].

    o A responsabilidade obrigacional sujeita aos prazos de prescrio gerais

    das obrigaes (309. e ss);o S h solidariedade na responsabilidade obrigacional quando esse regimeresulte da lei ou da vontade das partes [art. 513 - conjuno], ou seja seesse regime j vigorar para a obrigao incumprida.

    o Independente de subordinao: o devedor responsvel perante o credorpelos actos dos seus representantes legais [art. 800].

    Responsabilidade extra-contratual

    o Contrariedade ao princpio alterum non laedere [violao de direitos

    alheios, absolutos]: pe em causa o interesse na proteco, maximemediante deveres genricos de respeito, proteco de interesses alheios efiguras delituais especficas. Para ROMANO MARTINEZ estas figurasencontram-se intimamente interligadas, pelo que a delimitao supra insuficiente. Sublinhe-se que o regime da obrigao de indemnizao unitrio e comum. Ainda assim, cumpre apontar as diferenas de regimeseguintes [com preponderncia das primeiras]:

    o A responsabilidade delitual surge como consequncia da violao dedireitos absolutos, que aparecem assim desligados de qualquer relaointer-subjectiva previamente existente entre lesante e lesado. (M.L.)

    o nus da prova cabe ao lesa do [art. 487] : basta uma prova prima facie dailicitude, segundo critrios de normalidade.

    o Prazo Prescricional- O direito de indemnizao prescreve no prazo de trsanos [art. 498]

    o Na responsabilidade delitual a responsabilidade solidria quando foremvrias pessoas responsveis pelos danos [art. 497].

    Responsabilidade por facto de terceiro - Relao de comisso: ocomitente responde pelos danos que o comissrio causar [art. 500].

    Para ROMANO MARTINEZ: de iure condendo os prazosprescricionais deveriam ser idnticos, no se justificando asdisparidades previstas na lei.A doutrina aponta outras distines para alm destas:

    Caractersticas da responsabilidade extra-contratual, sem aplicao naresponsabilidade obrigacional:

    o Graduao equitativa da indemnizao [art. 494]

    o Indemnizao por danos no patrimoniais [art. 496]

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    Caractersticas da responsabilidade obrigacional, sem aplica o naresponsabilidade extra-contratual:

    o Danos patrimoniais puros ou primrios (p. ex., organizador de espectculoque tem de cancelar o espectculo porque o artista foi agredido) s soressarcidos em sede contratual, porque no mbito extraobrigacionalindemnizam-se unicamente frustraes de utilidades.

    Excluindo estas ltimas situaes, das nove diferenas de regime, as maisrelevantes esto relacionadas com o regime da prova da culpa e com osprazos de exerccio de direitos.

    De facto, na responsabilidade delitual basta uma provaprima facie dailicitude, baseada num critrio de normalidade e, em caso de violaocontratual, ao credor cabe a prova do incumprimento. Assim, ao lesadoincumbe, em qualquer caso, a prova do facto ilcito, pelo que a diferenareside na forma de determinao da culpa. Enquanto, na responsabilidade

    aquiliana, ela deduz-se de critrios de normalidade, na contratual, presumida.Em relao aos prazos prescricionais e de caducidade estabelecidos na leino h dvida que so diversos. De iure condendo deveriam ser idnticos,pois no se justificam as disparidades da lei.

    Para ROMANO MARTINEZ, a distino entre ambas as responsabilidadestinha razo de ser numa economia agrcola ou pouco industrializada, emque se justificasse uma tutela diferente para direitos reais e obrigacionais.

    Todavia, preconceitos liberais e individualistas estiveram na origem dadistino bipartida supra. Essa distino entre responsabilidade obrigacionale extra-contratual adapta-se mal estrutura dos seguros, nomeadamentesuscitando problemas de interpretao dos contratos. No mesmo sentido,MENEZES LEITO discorda da contraposio entre:

    Responsabilidade delitual: violao de deveres primrios de prestao. fonte de obrigaes na medida em que dessa violao surge, pela primeiravez, uma relao obrigacional legal.

    Responsabilidade obrigacional: violao de deveres secundrios deprestao. Pressupe uma obrigao j existente, pelo que o dever deindemnizar sucedneo do dever incumprido [quando haja incumprimentodefinitivo, art.798] ou paralelo do dever em mora [quando haja mora no

    cumprimento, art.804].O autor, no seguimento de PESSOA JORGE, PAULO CUNHA, GOMES DA SILVAe MENEZES CORDEIRO, conclui que, efectivamente, a obrigao deindemnizao por incumprimento contratual ou pela mora no cumprimento,no se identifica com a obrigao j violada, j que o fundamento daprimeira o ressarcimento de danos, pela violao de direitos de crdito.

    Todavia, a responsabilidade obrigacional fonte de obrigaes nos mesmostermos que a responsabilidade extra-contratual, e no uma meramodificao da obrigao inicialmente constituda. A sua especialidade face segunda resulta de a sua fonte ser a violao de um direito de crdito, eno j de um direito absoluto.

    A diferena entre ambas resulta to-s do tipo de direitos violados:

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    Responsabilidade extra-contratual: violao de direitos absolutos,desligados de qualquer relao inter subjectiva preexistente.

    Responsabilidade obrigacional: violao de direitos relativos, conexos auma relao inter subjectiva que antes atribua direito a uma prestao.Face ao que foi referido, a summa divisio entre a responsabilidadeobrigacional e a responsabilidade extra-contratual encontra-se hojeesbatida: veja-se o desenvolvimento de especiais deveres de proteco daspartes no contrato, v.g. A natureza unitria da responsabilidade civil,enquanto um todo, tem tido ecos na doutrina nacional: o prprio legisladordotou o CC de regras gerais da responsabilidade civil comuns a ambas asresponsabilidades [arts. 483 ss]. A consequncia comum: obrigao deindemnizar [art.562 ss]. Em concluso, toda a responsabilidade civilassenta no princpio geral neminem laedere, ainda que com concretizaesespeciais que, como em todas as relaes de especialidade, no pretendemafastar as regras gerais nem advm de criao doutrinria ou

    jurisprudencial:

    Responsabilidade do produtor [j consagrada em DL, com aplicao dasregras delituais]

    Responsabilidade do vendedor e do empreiteiro [arts. 789 ss]

    Responsabilidade do vigilante [art. 491]

    ROMANO MARTINEZ prope a distino por pequenos ncleos deresponsabilidade, relacionados com certas actividades e profisses, nestestermos. Das concluses supra, certa doutrina apelida de terceira via daresponsabilidade civil as situaes em que no existe um direito primrio de

    crdito, por meio do qual algum possa exigir a outrem uma prestao, masa responsabilidade surge em consequncia da violao de deveresespecficos, e no apenas de deveres genricos de respeito, contrapostosaos direitos absolutos.

    Terceira viada Responsabilidade

    MENEZES LEITO e ROMANO MARTINEZ incluem na denominada terceiravia da responsabilidade civil as situaes de violao de deveres derivadosda boa f, geradoras de responsabilidade pr-contratual e ps-contratual.Esses deveres no dispem de tutela primria, atravs da aco de

    cumprimento, mas instituem deveres que constituem um plus relativamenteao dever geral de respeito. Para ROMANO MARTINEZ essa terceira via no verdadeiramente alternativa: se essas fontes de obrigaes no seenquadrarem em previses legais, no podem ser uma verdadeiramodalidade de responsabilidade civil. Exemplifiquemos:

    Culpa in contrahendo [art. 227]: violao de deveres especiais delealdade, informao e segurana. Para alm do disposto neste preceito,resulta da violao de deveres especiais, sendo, assim, em princpio,responsabilidade obrigacional, podendo ser extraobrigacional atendendo aodano causado;

    Culpa post pactum finitum [art. 239]: violao de deverescontratuais que subsistem aps extino do vnculo contratual, sendo, por

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    isso, em princpio, responsabilidade obrigacional, podendo serextraobrigacional atendendo ao dano causado;

    Contrato com eficcia de proteco para terceiro [v.g.arrendamento], e no contrato a favor de terceiro [art. 443]!, em que aresponsabilidade ser obrigacional ou extraobrigacional em funo do tipode danos;

    Relaes contratuais de facto, em que o incumprimento de deveresconsubstancia, normalmente, uma situao de responsabilidadeobrigacional.

    - Em todos os institutos enunciados a responsabilidade obrigacional,podendo ser extra-contratual atendendo ao dano causado. O progressivoalargamento do campo de aplicao da responsabilidade obrigacionaldificulta a delimitao com respeito s situaes extra-obrigacionais.

    Exemplifiquemos:

    Se o amigo do inquilino cai nas escadas do imvel que o ltimo arrenda, aresponsabilidade contratual face ao inquilino e delitual quanto ao amigo?

    o Se o inquilino, quando vai visitar o vizinho do andar de cima, cai no lancede escada

    Se um acidente entre dois comboios mata um utente no portador debilhete, a responsabilidade delitual? Seria responsabilidade contratual se outente tivesse comprado o bilhete? Sendo que supra conclumos que adistino no indispensvel, no podemos, todavia, prescindir dela. O CC

    soluciona este problema atravs da clusula geral de responsabilidade civil[art. 483-1], atravs da violao de deveres de proteco que no sefundam no acordo das partes: protege-se a integridade pessoal epatrimonial, fora do permetro contratual.Ressalve-se as diferenas de regime [vg art. 500 vs art. 800].O alargamento da responsabilidade obrigacional, incluindo deveres delituaisno contrato [obrigao de segurana, v.g.], contraria o princpio de tratar oigual de forma idntica. A incluso de deveres desse tipo seriadesnecessria, segundoROMANO MARTINEZ, j que os deveres acessrios do contrato decorrem dasregras gerais da responsabilidade civil. Fundar a responsabilidade por

    violao de direitos absolutos no negcio jurdico criaria uma hipertrofia dodireito contratual.

    Muito frequentemente, em caso de dano causado por acto mdico discute-se acerca da existncia de uma relao contratual entre o lesado e o autorda leso (mdico) ou entre o primeiro e o hospital onde o segundo labora.Discute-se, no s qual o tipo de contrato, como a relao entre os trsvnculos (do paciente com o mdico, entre este a entidade hospitalar eentre o paciente e o hospital).Em qualquer caso, quanto ao hospital, relevante reiterar que tendo sidoajustado um contrato, a cuja formao preside a regra do consensualismo(art 219.), a responsabilidade pelo incumprimento obrigacional. Trata-se

    indiscutivelmente de um contrato de prestao de servios atpico, quesegue o regime geral do mandato (art 1156.). Se durante a execuo do

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    contrato forma causados danos ao paciente por facto de terceiro (mdicocontratado pelo hospital para a prtica de actos mdicos), aresponsabilidade do hospital obrigacional por facto de terceiro. Por isso, ohospital responsvel, nos termos do art 800., n1, do CC, pelos actospraticados pelas pessoas que utilize para o cumprimento das suasobrigaes, incluindo o mdico ou mdicos que ajam em execuo daprestao correspondente aos actos mdicos integrados no contrato. Sendoirrelevante o tipo de vnculo existente entre o hospital e o mdico; paraefeito da responsabilidade objectiva estabelecida no citado art. 800., n 1,do CC, o terceiro (no caso, o mdico) tanto pode ser representante dohospital como agente utilizado para o cumprimento da obrigao. Bastaconcluir que o mdico foi utilizado pelo hospital para o cumprimento dosdeveres emergentes do contrato; cabe realar que, como decorre dadistino entre o regime da responsabilidade do comitente (art. 500.) e oregime da responsabilidade do devedor por acto de terceiro (art. 800.) ambas as situaes de responsabilidade objectiva neste ltimo caso no pressuposto a existncia de uma relao de comisso, nomeadamente de

    subordinao jurdica, razo pela qual o terceiro usado pelo devedor notem de ser trabalhador ou mandatrio deste.Poder-se-ia questionar esta concluso atendendo ao facto de, por via deregra, o doente sofrer danos corporais, maxime dano morte, e estes, sendodanos extra rem, estariam fora do mbito de proteco contratual. De facto,a responsabilidade obrigacional tem em vista o ressarcimento dos danoscirca rem, e os danos corporais extravasam o permetro de proteco dageneralidade dos contratos. Por isso, o empreiteiro no respondecontratualmente pela morte do dono da obra decorrente da queda doestuque na casa recm-construda, nem o vendedor pelos danos pessoaiscausados ao comprador pela exploso do aparelho elctrico vendido. Mas ocontrato de prestao de servio mdico tem por objecto a tutela da pessoa

    do paciente, pelo que os danos a este causado se encontram na esfera deproteco do contrato, sendo ressarcveis contratualmente.

    Face ao potencial concurso entre a responsabilidade delitual e a contratual,os partidrios da teoria da prevalncia da responsabilidade contratual emdetrimento da primeira, sustentam-na mediante recurso a trsargumentos:

    A existncia de um contrato estabelece deveres de proteco derivadosda boa f, mtuos e recprocos.

    O princpio da autonomia privada evidencia que, com a celebrao de umnegcio jurdico, as partes pretenderam afastar as regras daresponsabilidade extra-contratual.

    Crtica: a celebrao do contrato no priva as partes da proteco geral,no se renunciando defesa que teriam independentemente da celebraodo mesmo [ROMANO MARTINEZ].

    o Crtica: sendo certo que os prazos da prescrio so mais longos naresponsabilidade obrigacional [art. 309, 20 anos], dispondo o credor deuma tutela mais eficaz, os prazos de exerccio de direitos podem serbastante mais restritos nos contratos em especial do que aquele da

    responsabilidade extra-contratual [art. 498, trs anos], v.g. nos casos do

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    cumprimento defeituoso nos contratos de compra e venda ou deempreitada [ROMANO MARTINEZ].No mbito da responsabilidade extra-contratual, ao lesado no pode seraplicado um prazo prescricional que o coloque numa situao pior da queestaria nos termos gerais do art. 498: trs anos. Esta teoria, apesar dascrticas supra, coerente com a relao de interaco entre os dois tipos deresponsabilidade, e no de especialidade. As regras da responsabilidadeobrigacional aplicar-se-o, assim, a danos extra rem [provocados nocumprimento daobrigao, mesmo que por actividades laterais, provocandoprejuzos na pessoa e no restante patrimnio do credor]. Exemplo: oincndio que deflagre durante as obras de reparao de um prdiopresumir-se-ia culpa do empreiteiro [responsabilidade obrigacional,presuno deculpa art. 799].

    ROMANO MARTINEZ discorda da exemplificao supra: se responsabilidade do produtor o DL que a consagra aplica as regras delituais,o mesmo critrio pode ser estabelecido para os danos extra rem,

    justificando-se a aplicao da responsabilidade extra-contratual. O mesmoautor prope a distino seguinte:

    Danos extra rem: danos pessoais e no restante patrimnio doaccipiens/destinatrio do pagamento/credor e de terceiros [no inclui oprejuzo causado no objecto da prestao] ap lica m- se as regras daresponsabilidade extra-contratual arts. 483. e ss.

    o Danos pessoais [v.g. ferimentos causados por exploso de garrafa degs].o Danos noutros bens do credor [v.g. animal enfermo que contagiou osdemais].o Viga defeituosa que causou a runa da casa do dono da obra, v.g.o Parceiro pensador que, no mbito de obrigao pecuria, alimentou ogado com refeies estragadas que havia adquirido previamente aofornecedor, devendo indemnizar o parceiro proprietrio, v.g. Pode invocardireito de regresso contra o fornecedor da rao.

    Danos circa rem, por excluso de partes: danos causados no objecto daprestao, to-s aplicam-se as regras da responsabilidade obrigacional(arts. 798. e ss.).

    o Diminuio ou perda do valor da coisa

    o Custos contratuaiso Valor da eliminao dos defeitoso Montante dispendido em estudos e parecereso Diferena de preo para aquisio de bem substitutivoo Lucros cessanteso Outras despesas derivadas do incumprimento:

    - Renda da casa arrendada por perodo em que no foi possvel us-la

    - Custo da sementeira perdida porque as sementes so de fraca qualidade eno germinaram

    - Despesas judiciais na aco em que se exige a execuo especfica ou aresoluo do contrato

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    Quando se assista simultaneamente a danos extra rem e circa rem, o credortem direito a uma pretenso indemnizatria, embora exista concurso denormas [uma s pretenso, um nico pedido processual, com duplofundamento: responsabilidade extra-contratual e obrigacional]. Todavia, asregras que regem a indemnizao so comuns s duas responsabilidades[art. 562 ss.], ainda que o fundamento de direito seja diverso. Ainda assim,o princpio da liberdade de opo entre as pretenses delitual e contratual maioritrio na doutrina e na jurisprudncia. No extremo oposto, situa-se aregra do no-cmulo, absurda segundo ROMANO MARTINEZ.

    Levada ao limite, o filho do dono da obra no poderia demandardelitualmente o empreiteiro pelos ferimentos do pai como consequncia dodefeito da prestao, v.g., mas to-s no caso de morte do mesmo. Paraevitar que o lesado seja menos protegido na hiptese de ter celebrado umcontrato, deve admitir-se a possibilidade de concurso de normas [princpioda liberdade de opo].

    ROMANO MARTINEZ conclui pela superao da rigidez dos conceitosjurdicos da responsabilidade contratual e delitual.

    As relaes obrigacionais caracterizam-se pela existncia de deveresespecficos. O devedor fica adstrito realizao de uma prestao-normalmente complexa- em benefcio do credor. Esses deveres especficosdecorrem normalmente de um contrato que no carece de umaformalizao especial para a sua concluso.Mas os deveres especficos, por exemplo de um mdico relativamente aopaciente podem no resultar de um contrato, mas de um negcio unilateral por exemplo, de uma promessa pblica (art. 459.) feita pelo hospital oude uma actuao em gesto de negcios (arts. 464. e ss.).O devedor numa relao obrigacional fica obrigado a cumprir deveresespecficos para com o credor. De facto, o devedor, especialmente quandoconhecedor da actividade, que domina o cumprimento da prestao e quemelhor pode demonstrar se realizou bem ou mal o seu dever. Da apresuno de culpa do art. 799., n 1.

    No Cdigo Civil, por um lado, estabeleceu-se uma clusula geral deresponsabilidade civil (art. 483., n. 1) e, por outro, tanto no campocontratual art 800., n.1), como extracontratual (art. 500.) foi admitidauma responsabilidade objectiva por acto de terceiro. Da que, no DireitoPortugus, a violao de deveres de proteco enquadra-se na clusula

    geral do art. 483., n. 1, pois tais deveres no se fundam no acordo daspartes. A proteco da integridade pessoal e patrimonial das partes estfora do permetro contratual.Por outro lado, incluir deveres delituais (p.ex., uma obrigao de segurana)no contrato estende a responsabilidade contratual para domnios que elano pretende regular.

    Concluso:

    S se admite recurso responsabilidade extra-contratual [violao dedireitos absolutos] quando:

    o A prestao causou danos em bens do patrimnio do credor, semdependncia do contrato cumprido: danifica-se uma obra jexistente.

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    o Exemplos:

    Adaptao de um comutador a uma mquina, fazendo uma fendanesta, vg.

    Instalao de uma cmara frigorifica num camio, estragando omotor, vg.

    Obras de reparaes de edifcios

    Subempreitadas de acabamentos [v.g. instalaes elctricas]

    Admite-se recurso responsabilidade obrigacional quando:

    o Haja entrega de uma coisa com defeito [cumprimento defeituoso]

    o Se realize uma obra imperfeita

    o No basta que o prejuzo tenha sido causado por um facto ilcito praticadona altura da realizao da prestao

    o Os prejuzos que excederem o sinalagma contratual entram no campoaquiliano.

    Do exposto conclui-se que os danos causados no objecto da prestao socirca rem, mas se forem ocasionados prejuzos em outros bens do credor,estar-se- perante situaes de danos extra rem. Exemplificando, se a

    mquina fornecida explode, a perda do valor desta um dano contratual,mas os prejuzos causados na fbrica onde ela fora instalada fundamentamo recurso responsabilidade aquiliana.Por conseguinte, os prejuzos que tanto podiam ser causados contraparte,como a qualquer terceiro, so danos extra rem.

    Todos os demais so danos circa rem; ou seja, estes determinam-se porexcluso de partes.

    Para haver responsabilidade contratual necessrio que o dano derive doincumprimento e no basta o facto de o prejuzo ter sido causado por umfacto ilcito praticado na altura da realizao da prestao; aresponsabilidade obrigacional s abrange os danos que se encontram nombito do sinalagma; os prejuzos que excedem o risco contratual entramno campo aquiliano. Nada obsta, pois, a que, entre as partes num contrato,a responsabilidade seja extracontratual.Se responsabiidade do produtor, a lei (Decreto-Lei n. 383/89, de 6 deNovembro) aplica as regras delituais, no h razo para no se estabelecero mesmo critrio com respeito aos danos extra rem.No caso de danos causados pessoa ou no restante patrimnio do credor

    justifica-se, portanto, a aplicao das regras da responsabilidadeextracontratual.

    RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJECTIVA

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    O artigo 483. vem estabelecer uma clusula geral de responsabilidade civilsubjectiva, fazendo depender a constituio da obrigao de indemnizaoda existncia de uma conduta do agente (facto voluntrio), a qualrepresente a violao de um dever imposto pela ordem jurdica (ilicitude),sendo o agente censurvel (culpa), a qual tenha provocado danos (dano),que sejam consequncia dessa conduta (nexo de causalidade entre o factoe o dano). (M.L.)Enunciaremos aqui os cinco pressupostos tradicionais da responsabilidadecivil subjectiva [art. 483-1]:

    Facto (que pode corresponder a uma aco ou a uma omisso)

    Ilicitude [violar ilicitamente] (o facto praticado pelo agente ter de serilcito)

    o No se verifica na responsabilidade por facto lcito

    Culpa [com dolo ou mera culpa] (a actuao do agente dever serculposa)

    o Prescinde-se na responsabilidade pelo risco

    Dano [pelos danos] (tem de existir um dano na esfera do lesado)

    Nexo de causalidade entre facto e dano [resultantes da violao] (necessrio que exita uma relao causal entre o facto e o dano, art. 563.)

    Em todos os tipos de responsabilidade civil imprescindvel que haja umdano e a imputao desse dano a algum.Faltando um dos pressupostos j no existir responsabilidade civil,pressupostos so cumulativos.A funo da responsabilidade civil no punitiva, mas sim ressarcitria.

    FACTO

    O facto voluntrio do lesante remete-nos para um comportamento humano,dominvel pela vontade, expresso da conduta de um sujeito responsvel.No se exige inteno, nem sequer actuao [contra o que a redaco doart. 483-1 pode indiciar], bastando a conduta sob o controlo da suavontade.

    Efectivamente, tratando-se de uma situao de responsabilidade civilsubjectiva, esta nunca poderia ser estabelecida sem existir umcomportamento dominvel pela vontade, que possa ser imputado a um serhumano e visto como expresso da conduta de um sujeito responsvel. Nose exige, porm, que o comportamento do agente seja intencional ousequer que consista numa actuao, bastando que exista uma conduta quelhe possa ser imputada em virtude de estar sob o controle da sua vontade.No so, por isso, factos voluntrios, por estarem fora do controle davontade do agente, os acontecimentos do mundo exterior causadores dedanos (queda de raios, tremores de terra, ciclones). Mas mesmo fenmenosrespeitantes ao agente podem no constituir factos voluntrios sempre que

    ao agente falte a conscincia ou no possa exercer domnio sobre a suavontade. No envolve, por isso, responsabilidade civil a situao de o

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    agente destruir um vaso de porcelana precioso, porque cai sobre ele emconsequncia de uma sncope cardaca, ou for submetido a coaco fsicapara esse efeito. Se existir algum domnio da vontade j pode, porm, haverresponsabilidade como na hiptese de a destruio do vaso ter resultado deum gesto brusco do agente. (M.L.)

    No so factos voluntrios:

    Os factos naturais Os factos praticados pelo lesante sempre que lhe falte a conscincia e odomnio sobre a vontade [v.g. coaco fsica, e no moral!].O facto voluntrio (danoso) pode revestir duas formas:

    Aco [art. 483]: existe um dever genrico de no lesar direitos alheios[neminem laedere], pelo que no se exige qualquer dever especfico. Aimputao da conduta ao agente apresenta-se como simples.

    Omisso [art. 486]: exige-se um dever especfico de praticar o actoomitido, j que no existe um correspondente dever genrico de evitar aocorrncia de danos para outrem, o que tornaria a vida em sociedadeinsustentvel e multiplicaria as ingerncias na esfera jurdica alheia. Aomisso implica a obrigao de reparar danos se a lei ou negcio jurdicoimpem a prtica do acto omitido.Ou seja, essa imputao ao agente exige algo mais: a sua onerao com umdever especfico de praticar o acto omitido.

    o O dever especfico de garante pode ser criado por contrato [v.g. algumestar obrigado a vigiar um doente mental, evitando que se suicide].

    o Ou pode ser imposto pela lei [arts. 491., 492. e 493.].No direito alemo, apartir de disposies semelhantes, tem-se defendido adoutrina dos deveres de segurana no trfego ou dos deveres de prevenodo perigo delituais, alargando-se a responsabilidade por omisso para almdos casos tipificados na lei.Esta doutrina teve influncias entre ns [ANTUNES VARELA, MENEZESCORDEIRO e SINDE MONTEIRO].Nestes termos, sempre que algum tenha sob seu controlo coisas ou exeraactividades potencialmente perigosas, susceptveis de causar danos aoutrem, tem igualmente o dever de tomar as providncias adequadas aevitar a ocorrncia de danos, respondendo por responsabilidade por

    omisso no caso contrrio.ILICITUDE

    A imputao permite que o dano sofrido numa esfera jurdica seja suportado(indemnizado) por outrem.A imputao delitual assenta num delito, que, para a responsabilidade civil,corresponde a uma violao voluntria de regras jurdicas. O delitopressupe que algum tenha actuado ilicitamente praticando um factocontrrio lei; na expresso da lei: violar ilicitamente o direito de outrem(art. 483., n. 1). A ilicitude uma infraco lei que decorre daviolao de um dever jurdico.

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    A ilicitude deve aqui ser entendida enquanto um juzo de desvaloratribudo pela ordem jurdica ao:

    Resultado da conduta do agente [teoria do desvalor do resultado]: aaco causal preenche logo o requisito da ilicitude, v.g. a morte da vtima[doutrina da aco causal]. No procede: se o agente actuou conforme asregras do trfego parece incorrecto considerar presente a ilicitude.

    Comportamento do agente [teoria do desvalor do facto]: posiomaioritria. O comportamento do agente deve ser avaliado, e no oresultado causal. Face teoria da aco final, o comportamento ser ilcitoquando prossiga um fim proibido pela lei. Conclui-se: a leso de bens

    jurdicos imediatamente constitutiva de ilicitude quando o agente tenhaactuado com dolo; no caso de actuaes meramente negligentes, tem deselhe acrescentar a violao de um dever objectivo de cuidado. A ilicitudedistingue-se da ilegalidade, na medida em que esta pressupe ainobservncia de um nus jurdico: ser ilcita a conduo em excesso de

    velocidade, e ilegal a venda de um imvel verbalmente.

    A ilicitude no se aufere em relao ao resultado, mas pressupe antes umaavaliao do comportamento do agente. De acordo a doutrina da acofinal, a ilicitude avaliada atravs da prossecuo de um fim no permitidopelo Direito (inteno de praticar a leso no ilcito doloso, ou violao dodever objectivo de cuidado no ilcito negligente). No h, por isso, ilicitudesempre que o comportamento do agente, apesar de representar uma lesode bens jurdicos, no prossiga qualquer fim proibido por lei.Pode-se, assim, considerar que a leso de bens jurdicos s imediatamente constitutiva de ilicitude no caso de o agente ter actuadocom dolo. No caso de actuaes meramente negligentes no se mostrasuficiente a simples leso de bens jurdicos, tendo que lhe acrescer aviolao do dever objectivo de cuidado por parte do agente. (M.L.)

    A violao de um dever jurdico pode revestir:

    A violao de um direito de outrem/violao de direitos subjectivos:

    A primeira variante de ilicitude prevista no artigo 483./1 Do Cdigo Civilconsiste na violao de direitos subjectivos. Esta modalidade de ilicitudetem como caracterstica especial o facto de, ao se exigir uma leso de umdireito especfico, se limitar a indemnizao frustrao das utilidades

    proporcionadas por esses direitos, no se admitindo assim nesta sede atutela dos danos puramente patrimoniais. Efectivamente, neste caso afuno da primeira variante de ilicitude prevista no artigo 483/1, no sereconduz tutela genrica do patrimnio do sujeito, mas antes tutela dasutilidades que lhe proporcionava o direito subjectivo objecto de violao.(M.L.)

    o Direitos de personalidade [v.g. vida, corpo e sade], cuja proteco tem,alis, dignidade constitucional (artigos 24. e ss da CRP)

    o Direitos reais [v.g. propriedade, propriedade industrial e direitos de autor]

    o Direitos de crdito: a sua tutela apenas se efectua nos termos daresponsabilidade contratual [art. 798] ou da clusula geral do abuso do

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    direito [art. 334]. A indemnizao limitada frustrao das utilidadesproporcionadas por esse direito, no se admitindo a tutela de danospuramente patrimoniais [pure economic loss].

    o Entre ns, a lei ainda expressa quanto tutela da simples posse pelaresponsabilidade civil (1284.), o que permite abranger nesta sede osdireitos pessoais de gozo que atribuem ao seu titular a protecopossessria, como o arrendamento, o comodato e a parceria pecuria(1037/2, 1125/2 e 1133/2).

    o Relativamente aos direitos familiares parece possvel aqui incluir osdireitos familiares de natureza patrimonial, como o direito dos cnjuges meao dos bens comuns, e os direitos de administrao sobre os bens dosmenores. A lei , alias, expressa na previso de obrigaes de indemnizaonesta sede (1681/1, 1901/2, 1940/4 e 1945.), as quais tm que seconsiderar correspondentes a esta variante da ilicitude delitual. J quantoaos direitos familiares de natureza pessoal (como o direito fidelidade do

    cnjuge ou o poder paternal sobre os filhos), a lei estabelece sanes deoutra ordem.

    o Para alm disso, haver ilicitude sempre que sejam violados direitos depersonalidade, como o direito ao nome e ao pseudnimo (72 a 74); nodivulgao de escritos confidenciais (75 a 78), imagem (79.) e intimidade da vida privada (80.).

    A violao de preceito legal destinado a proteger interessesalheios/normas de proteco:[tutela de interesses particulares, sem que lhes seja atribudo em exclusivoo aproveitamento de um bem, um verdadeiro direito subjectivo (exemplos,discutveis: defesa da sade (fumo), imposto aduaneiro, regras de combate poluio, obrigao de iluminao de locais de acesso de pessoas, etc.].Correspondem ao direito de mera ordenao social.Assim, por exemplo, a falsificao de documentos ou a violao das regrasdo Cdigo da Estrada prejudica as pessoas que confiam na veracidade dodocumento ou no correcto comportamento dos outros intervenientes notrfego pelo que, embora no se possa dizer que existam direitossubjectivos com esse contedo, possvel nestes casos exigir indemnizaocom fundamento na violao de uma norma destinada protecodoutrem.

    o CANARIS e MENEZES CORDEIRO: qualquer norma jurdica, ainda que noescrita, deve integrar o conceito de norma de proteco.

    o Requisitos:

    a) A no adopo de um comportamento, definido em termos precisospela norma;

    b) Que o fim dessa imposio seja dirigido tutela de interessesparticulares;

    c) A verificao de um dano no mbito do crculo de interesses tutelados

    por esta via.

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    Exige-se, assim, em primeiro lugar, que algum tenha desrespeitadodeterminado comando, sem o que no haver base para estabelecer o juzode ilicitude. No basta, porem, qualquer norma jurdica, exigindo-se que ofim da norma consista especificamente na tutela de interesses particularese no do interesse geral. Se a norma for dirigida a proteger o interessepblico e s reflexamente atingir interesses particulares, estarnaturalmente excluda a possibilidade de um particular exigir indemnizao.Finalmente, exige-se que o dano se verifique no crculo de interesses que anorma visa tutelar, sendo excluda a indemnizao relativamente a outrosdanos, ainda que verificados em consequncia do desrespeito da norma.Exemplos interessantes, referidos pelo Prof. ANTUNES VARELA, decasos em que os danos verificados em consequncia da noadopo da conduta devida nada tm a ver com o circulo deinteresses tutelados pela norma, o primeiro diz respeito situaode uma criana ter sido electrocutada por ter subido a um poste delinha elctrica colocado abaixo da altura regulamentar e o segundode um motociclista que, conduzindo em excesso de velocidade,

    provoca que o passageiro que transportava sofra uma bronquitedevido aco das correntes de ar. Em ambos os caos, no se podeestabelecer a responsabilidade do infractor por esses danos, umavez que as normas no se destinavam a preveni-los.

    Ao contrrio do que sucede na categoria de ilicitude anterior, neste casoser naturalmente admitida a indemnizao dos danos puramentepatrimoniais. (M.L.)

    Tipos delituais especficos: previses especficas decomportamentos ilcitos

    Para alm da previso geral da responsabilidade civil subjectiva no artigo483., estendida omisso pelo artigo 486., encontram-se espalhadas peloCdigo diversas previses delituais que permitem estabelecer tipos delituaisespecficos, para alem das categorias gerais de ilicitude. Entre elessalienta-se nomeadamente:

    o Abuso do direito [art. 334]: clusula geral de ilegitimidadedoexerccio do direito sempre que o seu titular exceda manifestamente oslimites impostos pela boa f, pelos bons costumes ou pelo fim social eeconmico desse mesmo direito [MENEZES CORDEIRO]. Relativamente aosbons costumes, estes podem ser entendidos como as proibies resultantes

    da moral social dominante. J quanto funo scio-econmico, esta deveser entendida como um respeito pelo fim da norma que procedeu criaodo direito subjectivo, impondo-se assim ao titular que no desvirtue asutilidades sociais e econmicas que presidiram a essa criao.No se limita a abranger o exerccio abusivo de direitos subjectivos,compreendendo igualmente outras posies jurdicas, incluindo aspermisses genricas de actuao [v.g. autonomia privada ou a leso dodireito de crdito de terceiro].

    No mbito da responsabilidade civil, a previso do abuso de direitos assumeduas funes: a primeira a de limitar as possibilidades de excluso dailicitude por parte de quem exerce um direito subjectivo prprio; a segunda

    a de estabelecer o carcter ilcito dos comportamentos que se apresentemcomo contrrios aos vectores referidos no artigo 334., acrescentando

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    assim uma pequena clusula geral, que pode funcionar em substituio dapreviso da ilicitude por ofensa dolosa dos bons costumes, prevista no &826 BGB, e no mbito da qual pode ser admitido o ressarcimento dosdanos patrimoniais puros. Neste sentido, o artigo 334. no se limitara abranger o exerccio abusivo de direitos subjectivos, compreendendoigualmente outras posies jurdicas, incluindo as permisses genricas deactuao, como a autonomia privada ou o direito de aco judicial. Poderoser aqui includos comportamentos como a leso do direito de crdito porterceiro; a actuao do devedor por forma a beneficiar ou prejudicar algumdos seus credores em relao aos outros; e a interpretao de acesmaterialmente infundadas, ou cujo xito para o autor seja absolutamentedesproporcionado com os prejuzos causados ao ru.

    o No cedncia em caso de coliso de direitos [art. 335]: A colisode direitos pode ocorrer em circunstncias vrias, sendo os direitos iguaisou desiguais. No caso de os direitos serem iguais, como nos exemplos devrios comproprietrios pretenderem utilizar ao mesmo tempo a coisa

    comum (art. 1406. , n. 1) ou vrios caadores pretenderem caar aomesmo tempo na mesma coutada, a soluo prevista na lei impe que cadaum dos titulares se abstenha de comportamentos que embora se situem naesfera de competncia do seu direito, impliquem para os outros titularesigualmente a impossibilidade de o exercer. No caso de os direitos seremdesiguais, como no exemplo de coliso entre o direito do locatrio ao gozoda coisa (art. 1031. b)) e o direito do proprietrio de nela fazer reparaesurgentes (art. 1038. e)) o titular do direito inferior deve ceder perante otitular do direito superior.Se, em qualquer dos casos, no se verificar essa cedncia, naturalmenteque estar preenchido o requisito da ilicitude para efeitos daresponsabilidade civil, ficando assim o que desrespeitou o dever da

    cedncia sujeito a responder pelos prejuzos causados. (M.L.)

    o Ofensa ao crdito e ao bom nome [art. 484]: uma previsodelitual especfica; considerando ilcita a ofensa do crdito ou do bom nome,quer das pessoas singulares, quer das pessoas colectivas., sendo naverdade dispensvel face previso da clusula geral [art. 483].

    Neste mbito, importa atender, nomeadamente, actividade jornalstica.

    A norma (art. 484.) tem de ser conjugada no campo da responsabilidadecivil, nomeadamente atendendo regra geral do art. 483., n. 1. A ilicitude

    da ofensa no dpende da veracidade ou falsidade do facto difundido; aindaque verdadeiro pode haver ilicitude na divulgao de certo facto sobre ocrdito ou bom nome de uma pessoa, tendo em conta, mormente a tutelada vida privada.De igual modo, a culpa do agente no aferida pela veracidade oufalsidade do acto, mas atendendo aos comportamento que, no plano mdio,seria exigvel. O animus injuriandi ou o animus nocendi pressupes ilicitudee culpa e no dependem da veracidade ou falsidade do facto.

    Relativamente aos factos falsos, pacfico que a sua divulgao sejasempre proibida. Todavia, quando a divulgao respeite a factosverdadeiros, maxime no exerccio da actividade jornalstica, coloca-se o

    problema da denominada exceptio veritatis:

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    - A veracidade dos mesmos excluiria a sua ilicitude, segundoMENEZES LEITO e MENEZES CORDEIRO, mais recentemente, sempre queessa divulgao assegurasse um interesse pblico legtimo: as agncias deinformao encontrar-se-iam legalmente autorizadas para tal, no mbito doexerccio de um direito.

    - Em extremos opostos encontramos: ALMEIDA COSTA, defensor de que averacidade ou falsidade irrelevante, devendo admitir-se a difuso sempreque corresponda a interesses legtimos; eANTUNES VARELA, apologista de que at os factos verdadeiros constituemuma ofensa do crdito ou do bom nome da pessoa, singular ou colectiva.

    - PESSOA JORGE, por seu lado, sustenta que s h responsabilidade porfactos verdadeiros se a divulgao integrar os pressupostos de umapreviso penal [v.g. difamao ou injria].

    A afirmao ou difuso de factos falsos sempre proibida, pelo que oagente que com dolo ou negligncia adopte esse comportamentoresponder por todos os danos causados ao visado. Quando aos factosverdadeiros, a sua divulgao poder ser admitida, mas desde que tal seefectue para assegurar um interesse pblico legtimo. Parece-nos ser esta amelhor forma de interpretao do art. 484.. Efectivamente, se, porexemplo algum resolve divulgar prticas de m administrao dosnegcios pblicos, no faz sentido a sua responsabilizao com fundamentono art. 484., uma vez que essa divulgao de interesse pblico numasociedade democrtica. Mas j haver naturalmente responsabilidade se adifuso desse facto, sendo prejudicial, no corresponder a qualquerinteresse legtimo (como na hiptese de algum divulgar a quantidade de

    operaes plsticas a que um cantor se submeteu).Convir ainda salientar que o art. 484. parece ser em rigor dispensvel,uma vez que o art. 483. j prev a violao de direitos subjectivos comocategoria de ilicitude, e manifesta a existncia de um direito subjectivo aobom nome e reputao (art. 26., n. 1, da Constituio) e intimidade davida privada e familiar (art. 80. do Cdigo Civil). (M.L.)

    o Responsabilidade por conselhos, recomendaes e informaes[art.485]: uma previso especfica; regra geral, no h qualquerresponsabilidade, mesmo que esses conselhos, recomendaes e

    informaes hajam sido prestados com negligncia, j que essa prestaose funda na mera obsequiosidade, em termos displicentes. Ao receptor cabea deciso de determinar-se ou no por eles, suportando os riscos dessadeciso.

    Da leitura do art., a contrario, MENEZES CORDEIRO e MENEZES LEITOconcluem pela responsabilidade de quem os prestar com dolo, sustentandoque qualquer actuao dolosa envolve necessariamente responsabilidadepor parte do agente relativamente aos danos causados pela informaofalsa.[animus decipiendi ou nocendi].

    Contra, PESSOA JORGE e ALMEIDA COSTA, que afirmam a excluso da

    responsabilidade em todos os casos admitindo, no entanto, a

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    responsabilizao no caso de o agente ter actuado com abuso de direito(334.).

    Nestes termos, h responsabilidade pela prestao de conselhos []:

    - Com dolo (n. 1)

    - Assuno da responsabilidade (n. 2): os conselhos [] no so, aqui,prestados em termos displicentes, mas sim constituindo uma verdadeiragarantia contra a ocorrncia de danos na esfera do receptor.

    - Dever jurdico de aconselhamento (n. 2): v.g. deveres acessriosderivados da boa f [arts. 227 e 762-2] ou obrigao de informao [art.573].

    - Crime [v.g. ilcitos relativos informao da situao das sociedadescomerciais].

    A hiptese mais frequente de aplicao deste regime decorre da terceirahiptese: por existir o dever jurdico de dar conselhos, recomendaes ouinformaes, nomeadamente em razo da actividade desenvolvida. Assim, oadvogado, o engenheiro, o tcnico de contas, o consultor econmico, etc.,desde que prestem um conselho, recomendao ou informao no mbitoda sua activdade, podero ser responsabilizados pelos danos causado. Umexemplo muito frequente desta situao encontra-se no dever de prestarinformaes e esclarecimentos pr-contratuais, impostas em determinadoscontratos, nomeadamente para tutela do consumidor ou parte dbil narelao contratual. pressuposto da aplicao deste regime que o conselho,recomendao ou informao seja devido em razo da actividade em causa.Deste modo, se algum pedir um conselho a um consultor econmicodurante um jantar com amigos, o conselho pode no ter sido prestado nombito da actividade profissional.

    Segundo MENEZES LEITO a razo est com MENEZES CORDEIRO.Efectivamente, o recurso clusula geral do abuso de direito apresenta-secomo dispensvel no caso em que o agente encara a prestao deinformao apenas como um expediente para causar danos ao receptor.Esse tipo de conduta extravasa claramente das razes pela qual a leiconsagra a irrelevncia destas comunicaes, pelo que o agente no sepode considerar abrangido pela excluso do artigo 485/1, respondendo

    antes por todos os danos causados. (M.L.)

    *Nota: a distino entre conselhos, recomendaes e informaes, baseia-se no facto de os dois primeiros serem exortaes a uma conduta dodestinatrio, sendo o conselho uma exortao directa e a recomendaouma exortao implcita, referida atravs da descrio das boas qualidadesde uma pessoa ou coisa. Pelo contrrio, na informao no existe qualquerproposta de conduta, mas antes uma mera descrio objectiva de factos. Astrs situaes tm em comum o facto de o destinatrio ser susceptvel dese determinar pela comunicao recebida, o que coloca o problema daimputao dos danos causados em consequncia dessa determinao.(M.L.)

    Causas de excluso da ilicitude

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    A lei prev que, para haver responsabilidade, a violao dos direitossubjectivos ou das normas de proteco tem que ser realizada ilicitamente(483), admitindo assim a possibilidade de essa violao ser efectuadalicitamente. Essa situao ocorrer sempre que o agente tenha actuado nombito de uma causa de excluso de ilicitude ou causa de justificao, casoem que a ilicitude indiciada , no caso concreto, excluda em virtude de oagente se encontrar no mbito de uma situao especfica que produz a

    justificao do facto. (M.L.)

    Exerccio de um direito: no actua ilicitamente quem age no exercciode um direito subjectivo [v.g. constituio de servido de passagem,art.1550-1; art. 1349., n. 1, colocar andaime em prdio alheio; art.1349., n. 2, colheita de bens em prdio alheio].

    o No exerccio de um direito, considerando-se que, se algum tem umdireito subjectivo e o exerce, no deve responder pelos danos da

    resultantes para outrem, de acordo com o brocardo qui suo iure nemini facitiniuram. Assim, por exemplo, se algum tiver uma licena de caa podercaar num determinado terreno em que tal lhe seja permitido, sem que oseu proprietrio possa reclamar indemnizao pelas peas de caaabatidas.

    o Se, do exerccio do direito, resultar um dano, o lesado sercompensado[v.g. art. 1554, art. 1349. n. 3], mas no h ilicitude, pelo que estacompensao devida no mbito de uma responsabilidade objectiva, porintervenes lcitas.

    o Esta causa de justificao deve ser hoje entendida em termos restritivos,

    face s limitaes dos direitos subjectivos: deve ser ponderado eventualabuso do direito ou coliso de direitos [arts. 334 e 335], os quaisrestringiro a operatividade desta causa de justificao

    o De todo o modo, o agente apenas se exonera da responsabilidadese selimitar a desfrutar das utilidades que correspondem ao exerccio legal doseu direito, respondendo por outros danos que a sua actuao provoque.

    Assim, por exemplo, o caador que pode caar no terreno no deixar deresponder pelos danos em coisas ou pessoas que provocar em virtude deno ter tomado as precaues necessrias.

    No fundo, o agente apenas se exonerar de responsabilidade se se limitar adesfrutar das utilidades que correspondem ao exerccio legtimo do seudireito, no deixando de responder, verificados os demais pressupostos daresponsabilidade, por outros anos que provoquem com a sua actuao.(M.L.)

    Cumprimento de um dever: se vigorar o dever de adoptar uma conduta,o sujeito pode estar forado a acat-la, ainda que, para tal, tenha queinfringir outros direitos relativos a posies jurdicas alheias e cuja infraconormalmente acarretaria a ilicitude do facto.

    o Havendo conflito de deveres, h preponderncia do dever que se

    considere superior.

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    Assim, por exemplo, o mdico que apenas dispe de um nmero limitado deunidades para efectuar transfuses de sangue pode, em caso de excesso desinistrados, optar por privilegiar os doentes em maior risco, sem que actueilicitamente.

    o A iseno da ilicitude implica que o dever seja efectivamente cumprido,no bastando a simples coliso. Se, em caso de conflito, o agente optar porno cumprir nenhum, responde pelo incumprimento dos dois.No exemplo anterior, se as unidades de sangue no existem no hospital poro medico se ter esquecido de as solicitar na altura devida, naturalmente queele responder pelos danos causados.

    o Problema do dever de obedincia hierrquica.

    Legtima defesa [art. 337]: atitude defensiva do agente que, estando aser vtima de uma agresso, pe termo a essa agresso pelos seus prpriosmeios [similitudes com o direito de resistncia, art. 21 CRP]. um meio

    para reagir tendo em conta afastar uma agresso actual e ilcita, no sendopossvel, em tempo til, recorrer autoridade pblica.A legtima defesa vem prevista no art. 337. e pode ser:- prpria ou alheia;- pessoal ou patrimonial.

    Requisitos da legtima defesa:

    o Agresso: que corresponde a uma ofensa a pessoas ou bens, por aco oupor omisso;

    o Contra pessoa do agente ou de terceiro, ou patrimnio do agente ou deterceiro [caso em que ser gesto de negcios, semautorizao].

    o Actualidade e contrariedade lei dessa agresso;

    o Impossibilidade de recurso aos meios normais;o Adequao: proporcionalidade e racionalidade, ou haver excesso delegtima defesa [o prejuzo causado pelo acto defensivo manifestamentesuperior ao que poderia resultar da agresso].

    A legitima defesa pressupe antes de tudo a existncia de uma agresso, aqual consiste numa actuao finalisticamente dirigida provocao de uma

    leso para outrem, como actuao finalstica a agresso correspondenecessariamente a uma conduta humana, o que exclui a legitima defesacontra animais ou coisas inanimadas, salvo quando utilizados comoinstrumento de uma actuao humana.A lei no distingue entre os tipos de leso que podem ser visados pelaagresso, admitindo tanto leses pessoais como patrimoniais, querrespeitante ao agente quer a terceiro. Admite-se assim tanto a legitimadefesa de bens pessoais, como a vida, a liberdade e a honra, como alegitima defesa de bens patrimoniais, como a propriedade, quer sejamrespeitantes ao agente quer a terceiro. A legtima defesa em relao aoterceiro constituir um caso de gesto de negcios (464 e ss), salvo se tiversido por autorizada.

    necessrio ainda que essa agresso seja actual e contraria lei. Poractual entende-se em execuo ou iminente, o que exclui desta causa de

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    justificao a atitude do agente que pretenda castigar agresses passadasou antecipar-se a eventuais agresses futuras, por contraria lei entende-se a exigncia do carcter ilcito da agresso pelo que quaisquer leseslcitas de direitos do agente no admitem o recurso legitima defesa. No assim permitida ao agente a defesa se este estiver a ser preso emconsequncia de mandato judicial, ou se a agresso de que est a serobjecto j constituir legitima defesa.Outro pressuposto da legtima defesa a impossibilidade de recurso aosmeios normais. Caso o agente pudesse parar a agresso, apelando, porexemplo, para um polcia que se encontrasse prximo, naturalmente queno lhe permitida a defesa, esta, porem, j lhe ser permitida se o recursoaos meios normais se revelar incompatvel com a dignidade do agente,impondo-lhe, por exemplo, a fuga agresso. Efectivamente, o agente no obrigado, perante uma agresso, a adoptar atitudes humilhantes para siprprio com a fuga, podendo fazer cessar essa agresso pela defesa. A fuga

    j parece, porem, impor-se se a agresso provier de inimputvel (umacriana de cinco anos encontra-se a apontar uma arma de fogo) uma

    vez que a esta no atenta contra a dignidade do agente e a eventualdefesa (no caso, matar a criana) apresentar-se-ia como totalmentedesproporcionada.

    Finalmente, exige-se que o prejuzo causado no seja manifestamentesuperior ao que pode resultar da agresso. Este requisito deve serinterpretado no sentido de que a defesa, embora podendo exceder a lesoque resultaria da agresso, tem que corresponder em termos deracionalidade a esta no podendo ser desproporcionada. No seria assimlicito que algum abatesse a tiro quem injuria outrem ou pretendo realizarum pequeno furto, mas j ser permitida essa defesa se a agressopretender causar ofensas corporais graves ou corresponder a uma tentativa

    de violao.A lei prev ainda que o acto possa ser igualmente justificado, ainda quehaja excesso de legtima defesa, desde que esse excesso corresponda aperturbao ou medo no culposo do agente (337./2). Em rigor, entende-seque nesse caso no estaramos perante uma causa de excluso da ilicitude,uma vez que no lcito ao agente actuar em excesso de legtima defesa,mas antes perante uma causa de excluso da culpa, consistente no medoinvencvel causado pela agresso. (M.L.)

    Tal como na aco directa, o erro indesculpvel quanto aos pressupostos

    pode implicar a obrigao de indemnizar o agressor (art. 338.). Aco directa [art. 336]: s pode ser realizada quando estiver em causaum direito subjectivo do prprio agente entendida em termos restritivos,dado ser uma atitude ofensiva.

    Assim necessrio que: Esteja em causa a realizao ou proteco de um direito subjectivo

    do prprio agente;

    Seja impossvel recorrer em tempo til aos meios coercivos normais;

    A actuao do agente seja indispensvel para evitar a inutilizaopratica do direito;

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    O agente no exceda o que for necessrio para evitar o prejuzo;

    O agente no sacrifique interesses superiores aos que a sua actuaovisa realizar ou assegurar.

    A aco directa s pode ser realizada quando estiver em causa um direitosubjectivo do prprio agente, no parecendo possvel a sua utilizao emrelao a direitos alheios. A lei admite expressamente o seu exercciorelativamente propriedade (1314), a outros direitos reais (1315); posse(1277) e aos outros direitos pessoais de gozo (1037/2; 1125/2; 1133/2 e1188/2). Assim, por exemplo, se algum v um objecto seu ser furtado podeimpedir o ladro de fugir para o recuperar. J nos parece que os direitos decredito no podero ser tutelados pela aco directa, no sendo licito aocredor obrigar pela fora o devedor a cumprir nem retirar-lhe os bensnecessrios para assegurar esse cumprimento.Para alm disso, a aco directa exige a impossibilidade de recorrer emtempo til aos meios coercivos normais. Essa impossibilidade no tem,

    porm, que ser absoluta, bastando que, face ao tempo de resposta habitualdo meio coercivo a que se teria de recorrer, seja previsvel que no seconseguisse realizar ou assegurar o prprio direito. Assim, por exemplo, possvel a subtraco ao ladro do objecto furtado, se, chamando a polcia,este se pusesse em fuga.A aco directa pressupe ainda que o direito ficasse inutilizadopraticamente sem essa actuao do agente, o que significa que sem ela oagente perderia o direito ou deixaria de o poder exercer.A aco directa est, no entanto, ainda condicionada pelo facto de o agenteno poder exceder o que for necessrio para evitar prejuzo. Toda equalquer actuao d agente que no possa, por isso, justificar-se pelo fimde evitar a ocorrncia de danos para o agente ser, por isso, ilcita.Por ltimo, a aco directa estar excluda sempre que implique paraoutrem maiores prejuzos do que os que se pretendia evitar para o agente.Apenas verificados estes pressupostos possvel recorrer aco directa,que a lei esclarece que pode consistir na apropriao, destruio oudanificao de uma coisa, na eliminao da resistncia irregularmenteoposta ao exerccio do direito, ou noutro acto anlogo (art. 336. , n. 2).Qualquer desses actos pode implicar a ocorrncia de danos para outrem,mas o preenchimento dos pressupostos da aco directa afasta a ilicitudedo facto, irresponsabilizando assim o agente pelos danos causados.

    Estado de necessidade [art. 339]: ao contrrio do que sucede na

    legtima defesa, o estado de necessidade apenas justifica o sacrifcio, debens patrimoniais, permitindo-o quando o agente pretenda remover umperigo de um dano manifestamente superior, a ocorrer na sua prpriaesfera de terceiro, ainda que em certos casos imponha uma obrigao decompensar os danos sofridos pelo lesado (art. 339., n. 2).

    Estaro aqui naturalmente abrangidas situaes em que, por exemplo, oagente resolve arrombar um carro para transportar um ferido inconscienteao hospital, ou, para evitar o atropelamento de um peo, desvia o seu carro,indo embater noutro.

    Exemplos de escola, capitao de navio que, em caso de tempestade, lanacarga ao mar (situao com previso legal especfica) ou bombeiros que,

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    para fazer um quebra-fogo, pegam fogo a um pinhal, evitando, assim, que oincndio atinja uma povoao.

    O estado de necessidade s se coloca se o sacrifcio de bens patrimoniaisfor realizado no mbito de uma esfera jurdica distinta daquela ameaadapor um perigo manifestamente superior. Assim se, no primeiro exemploacima referido, o carro arrombado pertencer ao prprio ferido, a situao jno ser de estado de necessidade, mas antes de consentimento presumido(art. 340.). Da mesma forma tem que ser sacrificados bens alheios e nobens do prprio agente. No segundo exemplo, referido se o agente selimitar a destruir o seu carro em consequncia do desvio, j no teremosestado de necessidade, mas antes gesto de negcios (464.). (M.L.)

    Con sen timent o do les ado [art. 340]: a responsabilidade civil tutelainteresses privados, normalmente disponveis, pelo que o seu titular poderenunciar a essa tutela. A existncia de consentimento retira ao acto lesivo,regra geral, a sua natureza ilcita [in violenti non fit iniuria].

    O acto continuar, ainda assim, a ser ilcito (art. 340., n. 2) se aleso for contrria a:

    - Proibio legal (v.g. eutansia)

    - Bons costumes (v.g. sadomasoquismo)

    o A leso considera-se consentida quando feita no interesse do lesado e deacordo com a sua vontade presumvel: fico legal de consentimento queequipara o consentimento presumido ao consentimento efectivo [art. 340-3] (v.g. acto mdico urgente, com paciente inconsciente. A actuao ser

    em gesto de negcios, excluindo-se a ilicitude da assuno de negciospelo gestor)No n. 3 do art. 340., em vez do consentimento implcito, est uma ficode consentimento, normalmente associado a actos mdicos.O artigo 340/3 equipara ao consentimento efectivo o consentimentopresumido, considerando que este ocorre sempre que a leso se deu nointeresse do lesado e de acordo com a sua vontade presumvel. Parece claroque esta norma se refere ao instituto da gesto de negcios (464 e ss),esclarecendo que a assuno da gesto em termos de respeito pelointeresse do lesado e de acordo com a sua vontade presumvel exclui ailicitude da conduta do gestor.

    No n. 1 do art. 340., o consentimento do lesado pode ser expresso, mastambm implcito; por exemplo, no mbito de competies desportivas,v.g., no boxe, o atleta implicitamente consente nas leses quecorrespondam s regras do jogo. O consentimento s abrange as leseslcitas, ist as praticadas de acordo com as regras do jogo e no haverqualquer excluso da ilicitude se o jogo praticado for ilegal ou ofender osbens costumes [v.g. duelo, art. 340-2].

    CULPAA culpa pressuposto normal da responsabilidade civil, sendo aresponsabilidade objectiva excepcional, como j tivemos oportunidade de

    mencionar [art.483-2]. Tradicionalmente, a culpa era entendida em sentidopsicolgico [nexo de imputao do acto ao agente, pela sua vontade,

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    segundo GOMES DA SILVA]. Hoje, autores como MENEZES CORDEIROconsideram-na um juzo de censura, em sentido normativo, como a omissoda diligncia que seria exigvel ao agente de acordo com o padro deconduta que a lei impe. Nestes termos, o juzo de culpa representa umdesvalor atribudo pela ordem jurdica ao facto voluntrio do agente, que visto como axiologicamente reprovvel. A culpa pressupe a imputabilidadedo agente.

    A ilicitude (anteriormente referida) e a culpa so dois pressupostos distintose autnomos da responsabilidade civil; esta distino tanto vale no mbitoda responsabilidade extraobrigacional como da responsabilidadeobrigacional.

    A culpa pode revestir duas modalidades:- dolo;- negligncia ou mera culpa.

    Pressupe:

    Imputabilidade: para que o agente possa ser censurado peloseucomportamento sempre necessrio que ele conhecesse ou devesseconhecer o desvalor do seu comportamento e que tivesse podido escolher asua conduta.Da que se considere existir falta de imputabilidade quando o agente notem a necessria capacidade para entender a valorizao negativa do seucomportamento ou lhe falta a possibilidade de o determinar livremente.Sendo a imputabilidade pressuposto do juzo de culpa, naturalmente que oagente fica isento de responsabilidade se praticar o facto em estado deinimputabilidade (488/1), o que a lei presume que se verifica sempre que oagente seja menor de sete anos ou interdito por anomalia psquica (488/2) *por fora do artigo 350/2, esta presuno pode ser ilidida,demonstrando in casu a capacidade de entender ou querer doagente.A contrrio, todos os outros se presumem imputveis,salvo se provarem no caso concreto a sua inimputabilidade..

    Conforme resulta do artigo 488/1, a falta de imputabilidade no exclui, noentanto, a responsabilidade, sempre que, sendo transitria, seja devida aum facto culposo do agente. Assim, quem inconscientemente causou danosa outrem em virtude de ter ingerido substncias psicotrpicas, ou se terdeixado adormecer a conduzir veculos automveis, no deixa de responder

    por esses danos. No entanto, a responsabilidade continuar a ser excludase a inimputabilidade, ainda que resultante de um facto culposo do agente,seja definitiva *Ser, por exemplo, o caso de algum sofrer lesescerebrais que o tornam inimputvel, como resultado de um factoculposo seu. Naturalmente que no faria sentido que esse factoculposo, de origem remota, bastasse para responsabilizar o agentepor todos os danos que futuramente viesse a causar em estado deinimputabilidade.A lei admite ainda no artigo 489/1, a possibilidade de, por motivos deequidade, responsabilizar total ou parcialmente o inimputvel pelos danosque este causar, desde que no seja possvel obter a devida reparao daspessoas a quem incumbe a sua vigilncia, estabelecendo ainda que a

    fixao de indemnizao no pode privar o inimputvel dos alimentos

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    necessrios conforme o seu estado e condio, nem dos meiosindispensveis para cumprir os seus deveres de alimentos.Esta norma levanta vrias questes. Em primeiro lugar, manifesta a suasubsidiariedade em relao responsabilidade dos vigilantes (491),exigindo-se, portanto, para a sua aplicao, ou que no exista vigilante, ouque, existindo, ele no seja responsvel pela situao, ou ainda que, sendoresponsvel, no tenha meios para pagar a devida reparao. Por outrolado, parece que esta norma pressupor que a responsabilidade apenas notenha ocorrido em razo da inimputabilidade do agente, pelo que ter esteque ter praticado um facto ilcito que seria considerado culposo se o seuautor fosse imputvel. No parece, por isso, que exista aqui uma situaode responsabilidade pelo risco, tratando-se antes de umaresponsabilidade baseada na ilicitude objectiva, em que, por motivosde equidade, se dispensa a imputabilidade como pressuposto da culpa.

    - PESSOA JORGE: responsabilidade objectiva pelo risco, que prescinde daculpa.

    - MENEZES LEITO e ANTUNES VARELA: no se trata de responsabilidadeobjectiva pelo risco, mas sim responsabilidade baseada na ilicitudeobjectiva em que, por motivos de equidade, se dispensa a imputabilidadecom o pressuposto da culpa.O primeiro dos autores refere ainda que essa norma [art. 489] subsidiria responsabilidade dos vigilantes [art. 491], exigindo-se, para a suaaplicao:

    Que no exista vigilante

    Que exista vigilante, mas que no seja responsvel

    Que exista vigilante, responsvel, mas sem meios para proceder reparao do dano. A distino entre dolo ou mera culpa [negligncia] no to importante no direito civil quanto no direito penal, embora ainda assimimplique responsabilidade diferente: se o agente actuar negligentemente, aindemnizao pode ser fixada em montante inferior, equitativamente [art.494]; por outro lado, o agente poder responder apenas se agirdolosamente [v.g. art. 485-1 e 814].

    Nota:Querendo o legislador responsabilizar algum sem culpa, afirma-o de modo

    bvio. No mbito da responsabilidade contratual, alm do j citado art.800., veja-se nomeadamente o disposto no art. 813., em cujo preceito, emvez de se empregar o termo imputvel, pretendendo responsabilizar ocredor por actuaes no culposas, recorreu-se expresso sem motivo

    justificado.Esta tomada de posio do legislador encontra-se bem patente no art.1040.. No n. 1, querendo responsabilizar sem culpa o locatrio, utiliza aexpresso motivo no atinente sua pessoa; mas no n. 2, porque aresponsabilidade do locador subjectiva (baseada em actuao culposa),prescreve-se: se a privao ou diminuio no for imputvel ao locador.

    A distino entre dolo e negligncia tem, porm, ainda uma grande

    importncia para efeitos da dogmtica do ilcito civil. que se oagente agir com dolo actua logo ilicitamente, desde que lese algum direito

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    subjectivo alheio ou um interesse objecto de uma norma de proteco(483). Se, porem, no existir uma actuao dolosa do agente, s haverilicitude, se o agente violar um dever objectivo de cuidado na leso de bens

    jurdicos, o que implica reconhecer estar presente na negligncia umrequisito suplementar de ilicitude e no apenas uma forma de culpa. (M.L.)

    A distino entre negligncia e dolo tem escassa relevncia nombito da responsabilidade civil, mas importa atender a algumasdiferenas:

    a indemnizao pode ser limitada em caso de mera culpa (art. 494.); em determinados casos a indemnizao pressupe dolo (exemplos):

    o responsabilidade por conselhos, recomendaes ouinformaes (art,. 485., n. 1);

    o responsabilidade quanto ao objecto da prestao em caso demora do credor (art. 814., n. 1);

    o assuno do risco no havendo dolo do devedor (art. 815., n.

    1).

    Excluindo diferenas de regime, como nos exemplos indicados,independentemente de o agente ter actuado com dolo ou negligncia aobrigao de indemnizar no se altera; paga o mesmo.

    A sano para as actuaes dolosas ou negligentes consiste sempre naobrigao de reparar os danos sofridos (483).A lei responsabiliza o agente se este tiver actuado com dolo (817/1, 815/1 e1681/1) e em caso de actuaes negligentes concedida ao tribunal apossibilidade de fixar equitativamente a indemnizao em montante inferior

    aos danos causados, em ateno s circunstncias do caso (494), o que nose admite em relao s actuaes dolosas. (M.L.)

    Dolo:

    O dolo, para efeitos de responsabilidade civil corresponde inteno doagente de praticar o facto.O agente pratica o acto:- com inteno de produzir um determinado dano;- aceitando hipoteticamente esse efeito danoso- correndo o risco de que esse prejuzo possa ocorrer.

    Modalidades de dolo:

    o Directo: o agente quer a verificao do facto, sendo a sua condutadirigida directamente a produzi-lo.

    - Exemplo: A quer matar B, e efectivamente f-lo.

    In dire ct o ou ne ce ss rio: o agente no dirige a sua actuao directamentea produzir a verificao do facto, mas aceita-o como consequncianecessria da sua conduta.

    - Exemplo: A. incendeia a casa de B. sabendo que, nesse momento, estol a dormir a mulher e os filhos deste.

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    Eventual: o agente representa a verificao como consequncia possvelda sua conduta e actua, conformando-se com a sua verificao

    - Exemplo: automobilista que, circulando perto de um pinhal, lana umcigarro aceso para a estrada ou que passa um sinal vermelho.

    No dolo directo, clarssima a inteno do agente em praticar o facto, comono exemplo de algum, pretendendo a morte de outrem, o atingir a tiro.

    No dolo necessrio essa inteno no to clara mas encontra-seigualmente presente. Assim, por exemplo, o indivduo que coloca umabomba numa embaixada, no intuito de protestar contra determinado pasestrangeiro, sabe que a sua actuao ir inevitavelmente implicar a morteou ferimentos graves para os que se encontrarem no respectivo edifcio,pelo que a sua aco deve tambm considerar-se tambm como intencionalem relao a essas leses.

    J no dolo eventual, a sua distino da negligncia consciente mais fluidamas no deixa de existir, uma vez que a actuao do agente, no visando ofacto como consequncia directa nem necessria da sua conduta,representa uma conformao to grande com a possibilidade da suaverificao, que chocaria considerar a situao como de mera negligencia,ainda que consciente. Imagine-se, por exemplo, que a violao das regrasde trnsito pelo agente consiste em ele entrar conscientemente na auto-estrada a alta velocidade em contra-mo, comportamento que toda a gentesabe que, salvo hipteses excepcionais, conduz necessariamente a umacidente. Neste caso, a qualificao do acidente como meramentenegligente ofenderia o senso comum, pois dificilmente se poderia dizer queo agente estava convencido de o seu comportamento nunca conduziria aofacto.

    Mera culpa ou negligncia: resulta da imputao de um facto ao agente;desleixo, imprudncia ou inaptido; o resultado danoso deve-se falta decuidado, imprevidncia ou impercia do agente; comportamento ainda assimcensurvel por falta de diligncia. Contrariamente ao dolo, s h ilicitude seo agente violar um dever objectivo de cuidado: requisito suplementar deilicitude, e no apenas uma forma de culpa. As presunes legais de culparespeitam negligncia e no ao dolo [arts. 491 e 799]: presume-sesomente a actuao culposa, e no dolosa. Em qualquer modalidade de

    negligncia o agente no deseja efectivamente a verificao do facto. J nanegligencia no se verifica essa inteno, mas o comportamento do agenteno deixa de ser censurvel em virtude de ter omitido a diligencia a queestava legalmente obrigado.

    o Consciente: o agente representa a verificao do facto comoconsequncia possvel, mas actua sem se conformar com a sua verificao.

    o Inconsciente: o agente, violando o dever de diligncia a que estavaobrigado, no chega sequer a representar a verificao do facto.

    Em ambas as situaes o agente no deseja efectivamente a verificao

    do facto, ainda que a omisso do dever de cuidado a que estava obrigado otorne responsvel. No primeiro caso o agente chega a representar a

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    possibilidade de se verificar o facto, mas essa possibilidade por eleafastada (algum, que conduz em desrespeito s regras de transito, admitea possibilidade de provocar um acidente, mas convence-se que tal noacontecer). No segundo caso, o agente infringe o seu dever de dilignciasem que tenha qualquer representao em relao ao facto (alguminfringe as regras de transito sem sequer equacionar a possibilidade deprovocar um acidente).

    A distino entre o dolo eventual e a negligncia consciente tnue, masainda assim relevante para efeitos da limitao da indemnizao [art. 494]e para afastamento da responsabilidade por dolo [arts. 485 e 814]. O doloeventual implica uma conformao to grande com a possibilidade daverificao do facto que chocaria e ofenderia o senso comum considerar asituao como mera negligncia [v.g. conduo em contra-mo].

    Face polmica, trs teorias pretenderam dar resposta ao problema (doloeventual vs negligncia consciente):

    Teoria da verosimilhana: face ao grau de probabilidade de ocorrncia dofacto, o agente agiria com dolo eventual se configurasse averificao dofacto como extremamente provvel. No procede.

    Frm ula hipo ttica de FRANK : o agente agiria com dolo eventual se, tendoconsiderado como certo o resultado, no teria adoptado comportamentodiferente. No procede.

    Fr mu la pos itiva de FRANK : o agente agiria com dolo eventual se, tendoprevisto a verificao do facto como possvel, seconformasse e noalterasse consequentemente o seu comportamento teoria consagrada noart. 14-3 CP e corresponde efectivamente melhor forma de resolver casoscontroversos como o clssico exemplo dos mendigos que estropiavamcrianas para as melhor explorarem na caridade publica, acabando porcausar a moprte de algumas. manifesto que dificilmente se poderiaaceitar a qualificaao dessas mortes como resultado de mera negligencia,limitando-se o dolo s ofensas corporais graves. Segundo esta formula, oagente que pratica na vitima esse tipo de lesoes representa claramente apossibilidade de elas conduzirem morte desta, e conforma-se com a suaverificaao, enquanto que as outras teorias so de aplicaao dificil nestetipo de casos..

    Nota: A falta de conscincia da ilicitude no pode relevar paradistinguir o dolo da negligncia [como prope a teoria do dolo],constituindo antes uma causa de excluso da culpa em geral.

    Critrios de apreciaao e graduao da culpa

    Critrios de apreciao da culpa, comuns a ambas asresponsabilidades [art.487-2 e 799-2]:

    o Critrio concreto: a diligncia que o agente pe habitualmente nos seusnegcios. No procede.

    o Critr io ab stract o : a diligncia-padro do bom pai de famlia (o bonuspater familias), o homem mdio a culpa determina-se em abstracto,

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    atendendo a um elemento objectivo adicional, as circunstncias do casoconcreto [art.487-2]. Nestes termos, a diligncia exigida a um profissional maior do que aquela exigida ao homem comum.No exerccio de qualquer actividade pode haver erros: o automobilista teveum erro de conduo, o engenheiro cometeu um erro de clculo, ometeorologista errou na previso; e estes erros consubstanciaro um factoculposo caso se incluam na previso do art. 487., n. 2, respeitante apreciao da culpa. A actuao ser passvel de censura atento o padromdio que lhe era exigido.O bonus pater familias remete para o padro do homem mdio, pelo queno interessa a situao especial do agente, mas o padro comum que seriaexigvel quele tipo de pessoas; este padro de normalidade atenuadocom as circunstncias do caso, no da pessoa (agente).Por isso, na apreciao da culpa no parece relavante distinguir entre umprofissional especializado e um profissional menos experiente: a qualquerum exigido um comportamento adequado ao padro mdio, tal comoestabelecido pelo art. 487., n. 1. Em qualquer caso dever-se- atender

    especial diligncia exigida a um profissional especializado. Na apreciao daculpa no se pode atender a aspectos relacionados com o devedor emconcreto, como o facto de ser jovem ou idoso, experiente ou inexperiente;assentando no critrio abstracto da lei impe-se um comportamento mdioindependentemente da situao particular do devedor em concreto.

    Graduao da culpa: arts. 494, 490, 507-2 e 570

    Tal sucede, em primeiro lugar no atrigo 494, onde se considera que noscasos de negligencia do agente a indemnizaao pode ser fixada emmontante inferior aos danos causados, tomando em consideraao o grau deculpabilidade, a par da situaao economica do agente e do lesado e dasdemais circunstancias do caso. A graduaao da culpabilidade tambmconsiderada relevante em caso de pluralidade de responsveis pelos danos(490), caso em que a obrigaao de indemnizaao solidria (497/1),repartindo-se nas relaoes internas de acordos com a medida dasrespectivas culpas, que se presumem iguais (497/2 e 507/2). Finalmente agraduaao da culpabilidade releva em caso de concurso com a culpa dolesado, caso em que a ponderao das culpas de ambos que poderdeterminar a concessao, reduao ou exclusao da indemnizao (570).Cabe, por isso, examinar em que termos se pode estabelecer essagraduao da culpabilidade: (M.L.)

    Culpa grave: equiparada ao dolo [art. 1323-4]; corresponde a umasituao de negligencia grosseira, em que a conduta do agente sseria susceptivel de ser realizada por uma pessoa especialmentenegligente, uma vez que a grande maioria das pessoas noprocederia da mesma forma.

    Culpa leve: corresponde situao em que a conduta do agente noseria susceptivel de ser praticada por um homem mdio,correspondendo assim a sua actuao omissao de diligencia dobonus pater familias.

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    Culpa levssima: a conduta do agente s no seria realizada porumapessoa excepcionalmente diligente; mesmo um homem mdiono aconseguiria evitar; no considerada culpa, excepto no mbitodo Cdigo de Valores Mobilirios [art. 487-2]

    Prova da culpa; presunes

    Em relao prova da culpa, o nus da prova cabe ao lesado, nos termosgerais [art.487-1]: a culpa do autor da leso [lesante] deve ser provadapelo lesado, salvo presuno legal de culpa, demonstrando em tribunal ocarcter objectivamente censurvel da conduta daquele.A previso dessa regra geral , na verdade, desnecessria: esta soluo jresultava dos arts. 483-1 e 342-1. Essa prova muito difcil de realizar[probatio diabolica], reduzindo as possibilidades de o lesado obter umaindemnizao. As presunes de culpa invertem o nus da prova [art. 350-1] e so ilidveis, nos termos gerais [art. 350-2]: as dificuldades de provainerentes tornam mais segura a obteno de indemnizao, pelo lesadolevando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a funaoindemnizatria praticamente apague a funao sancionatria.

    O Cdigo Civil prev as seguintes presunes de culpa: a) danos causadospor incapazes; b) danos derivados de edificios ou outras obras; c) danoscausados por coisas ou animais; e d) danos derivados do exercicio deactividades perigosas. Todas estas presunoes de culpa corrrespondem asituaoes em que se verifica uma fonte especifica de perigo, cujacustdia se encontra atribuida a determinado sujeito, resultandoassim a sua responsabilizaao da violaao de deveres de segurana dotrfego, que lhe impunham evitar a ocorrncia de danos resultantes dessa

    fonte de perigo. (M.L.)

    Para ROMANO MARTINEZ e MENEZES LEITO, correspondem, na verdade, aexemplos de responsabilidade subjectiva, e no objectiva:

    Danos causados por incapazes [art. 491]:

    o Pessoas obrigadas a vigiar outras [vigilantes]: por lei [pais e tutor] ou pornegcio jurdico [prestao de servio ou contrato de trabalho, lar que seobriga a cuidar de um doente]

    o Incapazes naturais: menores e interditos por anomalia psquica; nopressupe a inimputabilidade do vigiado [art. 488].

    o Admite-se a relevncia negativa da causa virtual.

    o A responsabilidade solidria se o vigiado for imputvel e se o vigilantefor responsvel [art. 497].

    o O inimputvel responsvel se [art. 489]:

    - No existir vigilante;

    - Existir vigilante, que no possa ser responsabilizado;-Existir vigilante, responsvel, sem meios para pagar areparao do dano.

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  • 7/27/2019 Resumo Responsabilidade Civil - Direito das Obrigaes I

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    O artigo 491. vem regular a responsabilidade pelos danos causados pelosincapazes naturais, estabelecendo uma presuno de culpa das pessoas aquem, por lei ou negcio juridico, incumbe a sua vigilncia, que por serilidida atraves da demonstrao de que cumpriram o seu dever devigilncia, ou que os danos continuariam a produzir-se, ainda que otivessem cumprido (relevncia negativa da causa virtual). Aresponsabilizao parte da presuno de no cumprimento do dever devigilncia, por parte das pessoas sobre as quais este recai, seja por lei (casodos pais ou do tutor), seja por negcio juridico (contrato de trabalho ouprestao de servios, que tenha esse dever por objecto) indiciada atravsda prtica de um facto danoso pelo incapaz natural (menor ou deficientefisico ou mental). No se trata, por isso, de uma responsabilidade objectiva,admitindo-se que a presuno de culpa possa ser ilidida atravs da prova deque se exerceu a adequada vigilncia sobre o incapaz.A responsabilidade do vigilante no pressupe a inimputabilidade dovigiado, mas apenas a sua incapacidade natural. Pode assim, o vigiado ser

    considerado imputvel (488.) e continuar a existir a responsabilidade dovigilante, caso em que ambos respondero solidariamente (497.). Se ovigiado for inimputvel, em princpio, s o vigilante responder (491.), sse admitindo aco contra o vigiado, por motivos de equidade, no caso deser impossvel exigir responsabilidade ao vigilante (489.).(M.L.)

    Danos causados por edifcios e outras obras [art. 492]:

    o O nus da prova cabe ao lesado, segundo ANTUNES VARELA e ajurisprudncia maioritria, embora MENEZES LEITO defenda que, salvofacto natural, a runa de um edifcio indicia o incumprimento de deveres,pelo que o nus recai sobre o responsvel pela construo ou conservaoque deve genericamente demonstrar que no foi por sua culpa que ocorreua ruina do edifico ou obra, nomeadamente pela prova da ausncia de vciosde construo ou defeitos de conservao, ou que os danos continuariam averificar-se, ainda que no houvesse culpa sua.

    o O fundamento desta responsabilizaao no se baseia no perigo causadopelos imveis salvo no caso do (salv