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23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7e5ce54c82c8fa3c80257c3500581ce4?OpenDocument 1/31 Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 110/2000.L1.S1 Nº Convencional: 2ª SECÇÃO Relator: BETTENCOURT DE FARIA Descritores: LINHAS ELÉCTRICAS DE ALTA TENSÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E A DECISÃO DIREITOS DE PERSONALIDADE COLISÃO DE DIREITOS ABUSO DE DIREITO Data do Acordão: 02-12-2013 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / DIREITOS DE PERSONALIDADE / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DA PROPRIEDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS - DIREITOS E DEVERES SOCIAIS. DIREITO DO AMBIENTE - RUÍDO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS. Doutrina: - Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 60 e ss.. - Antunes Varela, RLJ, Ano 114°-75. - Batista Machado, “Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium”, RLJ anos 117 e 118. - F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Proc. Civil, 7.ª ed., p. 281. - Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, p. 63 e ss.. - Pires de Lima e Antunes Varela, p. 298 e ss.. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 334.º, 335.º, 369.º, 370.º, 497.º, 1305.º, 1346.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 514.º, 660.º, N.º2, 664.º, 665.º, 668.º, 684.º, N.ºS 2 E 3, 690.º, 716.º, 722.º, 729.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 16.º, 25.º, 26.º, N.º1, 66.º. LEI DE BASES DO AMBIENTE, LEI N.º 11/87, DE 7-04 (LBA): - ARTIGOS 2.º, 5.º, 22.º. DL N.º 292/2000, DE 14-11 (REGULAMENTO GERAL DO RUÍDO), ACTUALMENTE SUBSTITUÍDO PELO DL N.º 9/2007, DE 17-01. Referências Internacionais: DUDH: - ARTIGO 24.º. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 21-9-1993, C.J. S., ANO I, T. III, P. 21; -DE 15-03-2007, PROCESSO N.º 587/07, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT; -DE 28-10-2008, PROCESSO N.º 3005/08, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT; -DE 28-02-2012, PROCESSO N.º 4860/05.0TBBCL.G1.S1; -DE 30-05-2013, PROCESSO N.º 2209/08.0TBTVD.L1.S1, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT. Sumário : I - A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só ocorre quando a decisão não conhece de todas as questões submetidas à apreciação do tribunal, o que não sucede, em sede de apelação,

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23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 110/2000.L1.S1Nº Convencional: 2ª SECÇÃORelator: BETTENCOURT DE FARIADescritores: LINHAS ELÉCTRICAS DE ALTA TENSÃO

OMISSÃO DE PRONÚNCIACONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E A DECISÃODIREITOS DE PERSONALIDADECOLISÃO DE DIREITOSABUSO DE DIREITO

Data do Acordão: 02-12-2013Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1

Meio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTAÁrea Temática:

DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / DIREITOS DE PERSONALIDADE /EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES /FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - DIREITOS REAIS /DIREITO DA PROPRIEDADE.DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS /PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS- DIREITOS E DEVERES SOCIAIS.DIREITO DO AMBIENTE - RUÍDO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / INSTRUÇÃO DOPROCESSO / SENTENÇA (NULIDADES) / RECURSOS.

Doutrina:- Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 60 e ss..- Antunes Varela, RLJ, Ano 114°-75.- Batista Machado, “Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium”, RLJ anos117 e 118.- F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Proc. Civil, 7.ª ed., p. 281.- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, p. 63 e ss..- Pires de Lima e Antunes Varela, p. 298 e ss..

Legislação Nacional:CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 334.º, 335.º, 369.º, 370.º, 497.º, 1305.º, 1346.º.CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 514.º, 660.º, N.º2, 664.º, 665.º, 668.º,684.º, N.ºS 2 E 3, 690.º, 716.º, 722.º, 729.º.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 16.º, 25.º, 26.º,N.º1, 66.º.LEI DE BASES DO AMBIENTE, LEI N.º 11/87, DE 7-04 (LBA): - ARTIGOS 2.º, 5.º, 22.º.DL N.º 292/2000, DE 14-11 (REGULAMENTO GERAL DO RUÍDO), ACTUALMENTESUBSTITUÍDO PELO DL N.º 9/2007, DE 17-01.

Referências Internacionais:DUDH: - ARTIGO 24.º.

Jurisprudência Nacional:ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:-DE 21-9-1993, C.J. S., ANO I, T. III, P. 21;-DE 15-03-2007, PROCESSO N.º 587/07, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT;-DE 28-10-2008, PROCESSO N.º 3005/08, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT;-DE 28-02-2012, PROCESSO N.º 4860/05.0TBBCL.G1.S1;-DE 30-05-2013, PROCESSO N.º 2209/08.0TBTVD.L1.S1, DISPONÍVEL INWWW.DGSI.PT.

Sumário : I - A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só ocorrequando a decisão não conhece de todas as questões submetidas àapreciação do tribunal, o que não sucede, em sede de apelação,

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relativamente às questões que não são de conhecimento oficioso enão constituíam o objecto do recurso, tal como delimitado pelorecorrente.

II - A nulidade da decisão por contradição ente os fundamentos e adecisão ocorre quando a fundamentação adoptada conduz a umaconclusão e a decisão extrai outra, oposta ou divergente.

III - Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade constituemuma emanação dos direitos fundamentais de personalidade,nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a umambiente de vida sadio, pelo que a sua violação é ilícita.

IV - Tal ilicitude, decorrente da colocação de linhas eléctricas dealta tensão no prédio dos réus, 4 metros acima do local deimplantação da sua casa de morada de família, que produzem ruídoe lhes causa inquietação, dispensa a aferição do nível de ruídopelos padrões legais estabelecidos.

V - O nexo de causalidade, naturalístico, estabelecido pelasinstâncias, constitui matéria de facto que o STJ tem de acatar, porestar subtraída ao seu controle.

VI - Embora o direito à integridade pessoal não seja em absolutoum direito imune a quaisquer limitações, em caso de conflito dedireitos, designadamente com o de desenvolvimento de umaactividade que actua na realização de um interesse público, aprevalência a que alude o art. 335.º do CC poderá impor ao seutitular limitações ou a sua cedência perante aquele interesse.

VII - Se ficou provado que é tecnicamente viável para a autoraremover do prédio destes tais linhas aéreas, quer alterando o seutrajecto, quer inserindo-as subterraneamente, resulta clara aprevalência dos direitos de personalidade, sendo de ordenar talalteração.

VIII - O abuso do direito, na modalidade de venire contra factumproprium, assenta em 3 pressupostos: uma situação objectiva deconfiança; um investimento na confiança; e a boa fé da contra-parte que confiou.

IX - Se os réus sempre se opuseram à colocação das linhas, não seapurando sequer que hajam construído (ou alterado a sualocalização) a sua casa debaixo do local sobrevoado por aquelasdepois de licenciada aquela colocação, não se verificam ospressupostos referidos em VIII.

Decisão Texto Integral:

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - EDA – Electricidade dos Açores, S.A., intentou a presente acçãodeclarativa com processo ordinário contra AA e mulher, BB,pedindo

que lhe seja reconhecido o direito de entrar no prédio dos réussituado na freguesia de Pico da Pedra (Açores), com aviso prévio eda forma que menor prejuízo lhes cause, para realização dasmanutenções e beneficiações que se computarem necessárias aocumprimento do serviço público que lhe está acometidorelacionados com o transporte e distribuição de electricidade e coma segurança e bom estado de conservação das instalações.

Em resumo, alegou o seguinte:Os réus são proprietários de um prédio rústico no qual a autora – aquem está acometido o serviço público de concessão, produção,aquisição, transporte, distribuição e venda de energia elétrica – temimplantadas duas linhas de transporte de energia de alta tensão (60KV.Os réus, após a aquisição do aludido prédio, opuseram-se àpresença daquelas instalações no dito prédio.

Contestaram os réus, defendendo-se por impugnação e formulandoreconvenção.Por impugnação invocaram a inexistência de qualquer direito daautora, designadamente o direito de passagem sobre o terreno deque são proprietários, pois esta, além do mais, não obteve préviaautorização para ocupação do prédio com vista ao licenciamentodas linhas em causa, encontrando-se a violar o direito depropriedade sobre o imóvel, o que impede a procedência da acção. Além do mais, invocam, vivem na incerteza dos efeitos nefastosdecorrentes de se encontrarem a habitar uma casa onde, por cima,passam, a uma distância de 4 metros, as linhas de alta tensão(morte, caso a linha possa cair em cima do imóvel, dado estar emcausa zona altamente sísmica, com chuvas torrenciais e ventosfortes, ou mesmo o embate de uma ave provocando curto-circuitoe a queda da linha; efeitos magnéticos na saúde e nosequipamentos de natureza electrónica; ruído audível no interior dahabitação semelhante a curto-circuito quando chove e ocorramventos fortes; impossibilidade dos filhos poderem brincar comobjectos, nomeadamente papagaios que possam tocar nas linhas).Em reconvenção, pedem que a autora seja condenada:

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- a remover as linhas em causa (bem como a torre que as apoia),alterando o seu trajecto ou fazendo-as passar subterraneamente, - a pagar-lhe uma quantia mensal não inferior a 60.000$00 (desde aimplantação e até à remoção das linhas), pela ocupação ilícita quevem fazendo do imóvel;- no pagamento de uma indemnização, a título de danos morais,num total de 1.000.000$00 e juros de mora.

Replicou a autora, mantendo a sua posição e concluindo como napetição inicial.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foiproferida sentença na qual:

- a acção foi julgada improcedente e os réus foram absolvidos dopedido contra eles formulado;- a autora/reconvinda foi condenada a remover as duas linhas dealta tensão que atravessam a propriedade dos réus/reconvintes,bem como a torre ou poste que as apoia, e absolvida dosrestantes pedidos deduzidos em reconvenção.

Interposto recurso por autora e réus, o tribunal da Relação, alterou

a matéria de facto[1], e, em consequência, decidiu:

a) Julgar parcialmente procedente a apelação dos réus,revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu aautora do pedido de indemnização pela ocupação ilícita doimóvel, condenando esta a pagar aos mesmos uma indemnizaçãoem montante a liquidar em execução de sentença; b) Anular, quanto ao mais, e nos termos do n.º 4 do art. 712.° doCPC, a sentença proferida a fim de se proceder à ampliação damatéria de facto relativamente o campo electromagnético dasredes eléctrica em causa, designadamente se o mesmo se estendepara além dos 4 metros de distância mínima imposta por lei nasredes de 60 KV relativamente aos edifícios – Decreto-

Regulamentar n.º 1/92, de 18-02 (ponto assinalado em 4.2.4 noacórdão da Relação).

Deste acórdão recorreram, em recurso de revista, autora e réus,recurso que não foi admitido quanto ao recurso interposto por estese que foi julgado improcedente quanto ao recurso da primeira.

Repetido o julgamento, foi proferida nova decisão em que –ressalvando que a autora foi já definitivamente condenada a pagarindemnização a liquidar em execução de sentença, relativa aocupação i1ícita do imóvel – se decidiu:

- Absolver os réus do pedido contra eles formulado;

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- Condenar a autora-reconvinda a remover as duas linhas de altatensão que atravessam a propriedade dos réus-reconvintes, bemcomo a torre ou poste que as apoia;- Absolver a autora do pedido de indemnização por danosmorais, no valor de 500.000$00 a cada um dos réus (a autora foijá definitivamente condenada a pagar indemnização a liquidarem execução de sentença, relativa a ocupação i1fcita do imóvel,por força do acórdão de fls. 478 e segs).

Apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação, decidido:

1. Alterar a resposta ao quesito 22, que passa a ter a seguinteredacção: as linhas eléctricas de 60 KV geram efeitoselectromagnéticos;2. Alterar a resposta ao quesito 220 que passa a ser "nãoprovado". 3. Não responder ao quesito 22E. 4. Face ao referido em 2 e 3 ficam sem efeito os factos dados

como provados sob os n.os 46 a 52. 5. Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentençarecorrida, embora por diferente fundamento.

Recorre agora novamente apenas a autora, o qual, nas suasalegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintesconclusões:

A. O acórdão recorrido deve ser revogado na parte em que julgouimprocedente a apelação e confirmou a sentença recorrida emborapor diferente fundamento.

B. A audiência de julgamento inicial ocorreu em 2002, tendo dadoorigem às respostas à matéria de facto de fls.

C. O Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de26/06/2003, confrontado com esta matéria de facto, considerou

deficiente a resposta dada ao quesito 22.0 e menciona: "Naverdade, sabendo-se que a nossa lei consagra o direito fundamentalà integridade física e a um ambiente de vida humano sadio eecologicamente equilibrado, manifestado no direito à saúde e àqualidade de vida e ao bem-estar, o conhecimento da pretensão dosRéus impõe que seja concretamente apurada a caracterização docampo electromagnético das linhas eléctricas em causa, pois que,só nessas circunstâncias, se poderá determinar e avaliar que efeitos(nocivos) sobre a saúde, o bem-estar e a tranquilidade dos Réusdecorrem da exposição a esse campo, ou seja, a existência e graude lesão (ou ameaça de lesão) do direito subjectivo dos Réus aoambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado."

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D. O que significa que o Tribunal da Relação de Lisboa, nomencionado Acórdão, pronunciou-se no sentido de que a matériade facto constante das alíneas t), u) e respostas aos quesitos 15° a21° da BI não era suficiente para poder condenar a A reconvinda aremover as linhas eléctricas e os RR. reconvintes a permitir aentrada da A. para execução de acções de manutenção ebenfeitorias, razão porque mandou repetir o julgamento para apurara matéria considerada para esse efeito relevante e indispensável.

E. O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que só poderiacondenar a A reconvinda caso fossem demonstrados os factos quevieram a dar origem aos quesitos aditados e controvertidos após aprolação do Acórdão.

F. Tendo o Acórdão do Tribunal da Relação de 26/06/2003transitado em julgado, para o seu cumprimento, só havia doiscaminhos a seguir: ou se demonstrava que os efeitoselectromagnéticos gerados pelas linhas eram prejudiciais para asaúde de quem residisse no imóvel identificado na alínea a) dosfactos assentes e, nesse caso, a acção seria julgada procedentequanto à remoção das linhas e improceder o pedido da A; ou nãose demonstrava tal factualidade e a acção teria de improcederquanto á remoção das linhas e procedente o pedido da A.

G. Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão agorarecorrido, quanto à matéria aditada apenas dá como provado que"As linhas eléctricas de 60 kV geram efeitos electromagnéticos"

H. Nestas circunstâncias, e face ao teor da decisão de 26/06/2003,já transitada em julgado, a acção, quanto à remoção das linhaspedida pelos RR. reconvintes, teria que improceder e procederquanto ao pedido da A.

I. Ora, o Acórdão recorrido, com os mesmos factos controvertidosque já haviam sido analisados pelo Tribunal da Relação de Lisboano primeiro Acórdão, consegue sustentar uma decisão diferente,contrariando o Acórdão anterior.

J. O pedido da A. está demonstrado por documento autêntico,razão porque devia ser conhecido, incorrendo o Acórdão recorridoem nulidade por falta de pronúncia - art. 668 CPC - tanto mais queestá conexionado com o pedido dos RR.

L. Sustenta o Acórdão recorrido que: "Sucede, porém, que ficoudemonstrado que é tecnicamente viável para a A. remover doprédio dos RR a torre e as linhas aéreas que suporta, queralterando o seu trajecto, quer inserindo-as subterraneamente. E ossenhores peritos informam que existem soluções técnicas pararedução exposição pública aos CEM gerados por linhas aéreas de

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alta tensão, que passam pela elevação da altura das linhas, pelamodificação da geometria dos condutores nos apoios, pelablindagem magnética das linhas, pelo desdobramento de linhas etambém, no caso da média tensão, pela utilização de linhascabladas, as quais, permitem assegurar uma redução bastantesignificativa dos CEM gerados."

M. Como é bem de ver, os Srs. Peritos reportam-se a acções debeneficiação das linhas, que permitem mitigar os efeitoselectromagnéticos, sem alteração do seu traçado, evitando a suaremoção ou o seu desvio, obra esta que seria muito maisdispendiosa e nem sempre melhor solução. Na verdade, a elevaçãoem altura das linhas, a modificação da geometria dos condutoresnos apoios, a blindagem magnética das linhas, o desdobramentodas linhas são intervenções possíveis sem modificação do traçadodas linhas.

N. Existe pois uma contradição entre a decisão e a fundamentaçãoda sentença dado que conclui pela remoção da linha quandoexistem argumentos que permitem concluir pela mera beneficiaçãoda linha.

O. Todavia, o Acórdão, logo após citar a posição dos Srs. Peritos,acrescenta em clara contradição: "Portanto, a procedência dopedido dos RR Reconvintes não terá que prejudicar o interessepúblico, pois as linhas podem ser desviadas."

P. Aprofundando essa contradição acrescenta o Acórdão: "O STJtem entendido que, "importa averiguar, caso a caso, se aprevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta emdesproporção intolerável, face aos interesses em jogo, certo que osacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer namedida adequada e proporcionada à satisfação dos interessestutelados pelo direito dominante (...)" E ainda diz: "A solução doconflito passa pelo sacrifício mínimo necessário dos direitosconflituantes."

Q. Ora, se o Tribunal tomasse em consideração o Acórdãomencionado e ainda a posição dos Srs. Peritos não poderia optardesde logo pela decisão radical e onerosa de remoção, mas teriaque admitir a possibilidade da introdução de benfeitorias às linhassusceptíveis de compatibilizar os direitos em ponderação, evitandoa remoção.

R. Assim, verifica-se uma oposição entre os fundamentos e adecisão gerando a nulidade da decisão por via do art. 668, n.º 1,alínea c), do CPC, o que se invoca.

S. As linhas eléctricas CT do Caldeirão - SE Lagoa e linha SE

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Milhafres - SE de Lagoa beneficiam de licenças de estabelecimentoconcedidas pela DRCIE. 18. A Direcção Regional do Comércio,Indústria e Energia é a autoridade pública com competências namatéria de licenciamento de redes eléctricas.

T. Ora, nos termos do disposto no art. 363.°, n.º 2 do CódigoCivil, tais documentos consideram-se documentos autênticos paraos efeitos do art. 371.° do mencionado Código, fazendo provaplena dos factos que nele são atestados.

U. Como bem decidiu o Acórdão citado, improcede, face aolicenciamento, o direito à remoção das linhas sustentado naviolação do direito de propriedade cfr. nota 18 do Acórdão.

V. Ainda citando o douto Acórdão, a procedência do pedido da A.encontra-se dependente do pedido de alteração do trajecto daslinhas deduzido pelos RR. 22. Efectivamente, o que importa agoraapreciar é o pedido deduzido pelos RR. de alteração do trajecto daslinhas sustentado no perigo que delas decorre atenta a sualocalização.

X. A procedência do pedido da A. encontra-se dependente doconhecimento do pedido dos RR.

Z. Importa pois apurar se os factos que viessem a ser apurados nasequência da ampliação da matéria de facto decorrente da anulaçãoda sentença são ou não susceptíveis de gerar perigo que justifique asua remoção.

AA. Desse aditamento foi apurada a seguinte matéria de facto: "Aslinhas eléctricas de 60kV geram efeitos electromagnéticos."

AB. Ora, este facto não consubstancia em si qualquer perigo quejustifique a remoção das linhas.

AC. Nestas circunstâncias, não pode deixar de proceder o pedidoda A. e de improceder o pedido dos RR. quanto à remoção daslinhas.

AD. Ao fazer a ponderação entre os direitos dos RR. a umambiente de vida sadio e ecologicamente equilibrado e o interessepúblico associado à servidão administrativa de passagem de linha, oTribunal recorrido opta por dar prevalência ao primeiro.

AE. No que se reporta à vida dos RR na matéria de facto apenas édado como provado o seguinte: Ao outorgarem o contrato depromessa do terreno, os RR foram movidos pela intenção denaquele prédio virem a construir a sua casa de morada de família,pois regressariam dos EUA onde se encontravam emigrados. cfr.alínea f) dos factos assentes.

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AF. Ora, encontra-se demonstrado que: "Pelo menos em 28 deOutubro de 1993 o réu remeteu à autora a carta junta a fls. 30 doapenso de providência cautelar, informando-a de que se opunha àmanutenção das estruturas referidas em b) e c) no seu prédio. - cfr.alínea m) dos factos assentes.

AG. Em 1996, altura em que começaram a construir a casareferida em f), os réus opuseram-se novamente à permanência dasinstalações referidas em b) e c) no seu terreno. - cfr. alínea n) dosfactos assentes.

AH. Conforme certifica a Câmara Municipal da Ribeira Grande afls. 1842, os RR. alteraram a implantação projectada da moradia,aproximando-a das linhas eléctricas que atravessavam o terreno.

AI. O documento de fls. 1842 é um documento autêntico por tersido da autoria da entidade pública com competência na matéria -Câmara Municipal.

AJ. Importa recordar a fundamentação da primeira sentença deprimeira instância onde esta matéria de facto foi efectivamentejulgada, quando diz:

"No presente caso e nesse particular, apurou-se apenas que "apermanência das instalações no prédio tem provocado ansiedadenos RR., decorrente da incerteza em que vivem de ter de habitaruma casa sobre a qual passam as linhas".

Não se provou sequer que os reconvintes tivessem já ido viver paraa casa, que "em Outubro de 2000, se encontrava em fase final deconstrução".

Julgo que aquelas circunstâncias não consubstanciam dano comgravidade suficiente para merecerem a tutela ínsita no aludidopreceito."

AK. Ora, o que não tem gravidade para merecer a tutela do direitopara efeitos de apuramento de danos morais, não pode sersuficientemente para merecer a tutela do direito pondo em crise odireito de servidão administrativa de passagem de linhas da A.reconvinda, decorrente das licenças de estabelecimento.

AL. Não se encontram motivos válidos para que não funcionemneste caso as regras gerais de indemnização dos proprietários pelaconstituição de servidões administrativas de passagem de linhas

previstas no art. 37.0 do D.L 43.335, de 19.11,1960, atenta odireito dos RR à luz da matéria de facto.

AM. Neste contexto, o direito dos RR. a um ambiente de vidasadio e ecologicamente equilibrado, quando e se vierem a viver na

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23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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casa como é intenção deles, não pode deixar de ceder perante ointeresse público associado à servidão administrativa de passagemde linhas. O direito dos RR. apenas pode merecer a tutelaindemnizatória, se for caso disso, sob pena de estarmos peranteuma decisão temerária, na medida em que não acautelaminimamente o interesse público, pondo-o mesmo ao serviço e emprole de um único particular, in casu, os RR.

AN. O Tribunal da Relação de Lisboa refere que a permanênciadas linhas sobre a casa dos RR. põe em causa o direito destes a umambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, semtomar em consideração as características técnicas da rede eléctrica.

AO. Por um lado, encara à partida os riscos de construção civil eeléctrico inerentes às linhas como riscos absolutos, incapazes deserem mitigados pelo cumprimento de regras de segurança noestabelecimento de linhas. Conclui sem mais pela remoção daslinhas.

AP. Por outro lado, não admite benfeitorias nas próprias linhascomo modo adequado de intervenção. Para o acórdão só aremoção é o caminho, mesmo quando não há propostas de traçadoalternativo na matéria de facto que possam ser ponderadas.

AQ. O desprezo que o acórdão revela pelas regras de segurança naconstrução de redes e por aquilo que elas podem significar, conduza uma falta de rigor de análise que estimula a especulação e trilhacaminhos perigosos.

AR. Pelo exposto o Acórdão recorrido tira conclusões precipitadas.

AS. Ao analisarmos a matéria de facto a fls. 52 do acórdão,podemos concluir que, em si, qualquer rede eléctrica é perigosa,decorrente de poder cair em caso de desastre natural e de poderelectrocutar quem nela toque.

AT. A questão é saber se estão ou não estes riscos acautelados ereduzidos àquilo que é socialmente aceitável.

AU. Os factos constantes da alínea t) da matéria assente e aresposta ao quesito 15° e 16° da BI traduzem verdades de"monsieur de la palice": se as linhas sobrepassam a casa podem cairsobre ela, em caso de sismo. Como será verdade que também podecair qualquer arranha-céus de Los Angeles, em caso de sismo, masos arranha-céus existem e são construídos de modo a reduzir,quase eliminando, o risco de queda através da sua construção deacordo com as boas regras de arte.

AV. O mesmo se dirá sobre a alínea u) dos factos assentes.Também temos energia em casa e pode existir um choque eléctrico

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em qualquer tomada. Não é por isso que deixamos de ter energiaem casa. O que importa é garantir que o nosso sistema eléctrico emcasa seja seguro, por forma a mitigar os riscos sempre associados àenergia eléctrica.

AW. Por isso há regras de construção e há licenciamentos paramitigar os riscos.

AX. Os factos provados são factos verdadeiros, mas que só têmvalor intrínseco se a rede não tivesse sido construída de acordocom as boas regras de arte e com as normas plasmadas nosregulamentos de segurança, estando esses riscos, dessa formamitigados. Só desse modo estaríamos perante uma rede não seguraque constituiria um risco acrescido, não socialmente aceitável.

AY. Ora, em nenhum momento lograram os RR reconvintesdemonstrar uma violação das regras de segurança das linhaseléctricas.

AZ. O Acórdão faz uma opção temerária quando verificamos queos factos em que se sustenta, por não emergirem das característicastécnicas destas linhas, traduzem uma opção de princípio queassenta na impossibilidade de, em nenhumas circunstâncias,poderem as linhas eléctricas sobrepassarem casas ou outrosedifícios, por mais seguras que essas linhas eléctricas possam ser.

BA. Entendemos que, no caso das redes eléctricas, como no dosedifícios, o que importa é apurar se foram ou não cumpridas asboas regras de segurança no estabelecimento e construção daslinhas em concreto, ou seja, naquelas linhas, nomeadamenteaquelas que estão plasmadas no Regulamento de Segurança deLinhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo DecretoRegulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro e na Portaria1421/2004, de 23 de Novembro.

BB. O Acórdão opta pela remoção sem tomar em consideração asalternativas, nomeadamente a beneficiação das linhas.

BC. Na fundamentação do Acórdão recorrido é mesmo citada umasituação que prevê a beneficiação da linha sem alteração dotraçado. Refere:

"E os senhores peritos informam que existem soluções técnicaspara redução exposição pública aos CEM gerados por linhas aéreasde alta tensão, que passam pela elevação da altura das linhas, pelamodificação da geometria dos condutores nos apoios, pelablindagem lagnética das linhas, pelo desdobramento de linhas etambém, no caso da média tensão, pela utilização de linhascabladas, as quais, permitem assegurar uma redução bastante

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significativa dos CEM gerados."

BD. Caso paradigmático é ainda o do ruído.

BE. Se analisarmos as acções de manutenção e beneficiaçãoverificamos que a EDA em data posterior à sentença de 2002,substituiu os isoladores cerâmicas por isoladores em polímero defuste único.

BF. Tal como resulta dos relatórios técnicos de inspecção de fls.717 e 719, a beneficiação das linhas foi executada, mitigando oruído gerado pela linha, tal como consta da matéria dada comoprovada

BG. Isto significa que a existência de ruído gerado pela linha nãopermite fundamentar o pedido de remoção, mas apenas abeneficiação da linha, mitigando o ruído, beneficiação que já foiefectuada.

BH. Não se encontra demonstrado nos autos a necessidade deremoção das linhas, razão porque este pedido deve improceder.

BI. O pedido deduzido pelos RR. de remoção das linhas comalteração do traçado assenta sobretudo na violação do direito depropriedade e no facto ilícito daí decorrente.

BJ. Nesta parte da violação do direito de propriedade, o pedidoimprocede face à existência de licenças de estabelecimento eexploração.

BK. Sobra o pedido de remoção com base na sobreposição dosdireitos de personalidade dos RR. ao interesse público subjacente àconstituição da servidão administrativa de passagem da linha.

BL. Para este pedido proceder importava que fosse demonstrado aexistência de um traçado alternativo melhor do que o traçadoexistente, que não gerasse o mesmo tipo de problemas para comterceiros e que fosse tecnicamente recomendável numa relaçãocusto/benefício.

BM. Ora, os RR. nada alegaram quanto ao desvio, não odescrevem, não justificam em que medida é vantajoso, nemsustentam uma melhor relação custo/benefício para ele,

BN. Basta o exposto para ter que improceder o pedido dos RR.

BO. Apenas está demonstrado que é tecnicamente possívelremover as linhas. Mas o facto de ser tecnicamente possível nãosignifica, de todo, que seja tecnicamente recomendável e, muitomenos, que seja a solução ajustada.

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BP. No sentido da inconveniência técnica, vide o Relatório doTécnico Responsável das linhas e a posição da DGIE já citados.

BQ. Assim, estar demonstrado que é tecnicamente possível aremoção não pode permitir por si só a procedência do pedido

BR. Por outro lado, de acordo com os elementos juntos aos autos,nada permite concluir que a remoção seja a solução adequada. Éapenas uma opção possível.

BS. Para poder ser adoptado era necessário que os RR tivessemproposto um traçado alternativo mais vantajoso.

BT. Nada garante que um qualquer traçado alternativo não tenhaos mesmos inconvenientes que o actual ou maiores.

BU. As linhas eléctricas beneficiam de licença de estabelecimento eexploração, conforme documento de fls. 218,222,227 e 1335.

BV. As linhas eléctricas são linhas seguras para pessoas e bens, oque é assegurado não apenas pelo processo de licenciamento mastambém pelas acções de manutenção.

BW. Estes factos estão demonstrados nos documentos de fls. 670,672 e ss., 679 e 5S, 57,198,199 e 200.

BX. Coloca-se a questão de saber se o direito dos RR. a umambiente sadio tal como está registado na matéria de facto, devesobrepor-se ao direito de servidão administrativa de passagem delinhas.

BY. Desde logo se dirá que não deve porque as linhas com o seutraçado actual não põem em causa o direito dos RR.

BZ. Ainda que assim não fosse - mas que é - sempre se pode dizerque o direito dos RR a um ambiente sadio não é incompatível coma manutenção da linha com o traçado existente.

CA. Desde logo as linhas são susceptíveis de obras de beneficiaçãoque permitem mitigar os seus efeitos.

CD. Por outro lado, os RR, dado que não demonstraram aexistência de um traçado alternativo mais favorável, sempre terãodireito.

CE. Neste contexto, os RR o que terão direito é a umaindemnização à luz do art. 37.° do Decreto-Lei citado.Indemnização essa que poderá no limite atingir os 100% dapropriedade. No limite, os RR terão direito a indemnização quelhes permita viver noutro local, com iguais condições, estando aísalvaguardado o direito deles a um ambiente de vida sadio e

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ecologicamente equilibrado.

CF. Isto é, a solução obtida ao abrigo do art. 37.° citado tambémela salvaguarda o direito de personalidade invocado pelos RR., nãoexpondo nesse caso o interesse público ao obscuro.

CG. Esta solução, do respeito pela servidão administrativa e dorecurso ao art. 37.º como instrumento de compatibilização com osdireitos dos RR., faz tanto mais sentido quanto os interessesintangíveis associados aos direitos de personalidade invocadospelos RR. são de valoração questionável, sobretudo porque nemsequer está demonstrado que vivam na casa e por outro lado estádemonstrado que as linhas são seguras para pessoas e bens, delasnão decorrendo especial perigo para os RR.

CH. Encontra-se demonstrado as alíneas m), n) dos factosassentes.

CI. Conforme certifica a Câmara Municipal da Ribeira Grande afls. 1842, os RR. alteraram a implantação projectada da moradia,aproximando-a das linhas eléctricas que atravessavam o terreno.

CJ. O documento de fls. 1842 é um documento autêntico por tersido da autoria da entidade pública com competência na matéria - aCâmara Municipal.

CK. Do documento resulta que o projecto aprovado para a casa jáprevia a existência das linhas.

CL. O exposto significa que quando os RR. iniciaram a construçãoda casa, construíram-na por debaixo das linhas e quiseram-naconstruir por debaixo das linhas.

CM. Não foram as linhas que sobrepassaram a casa, mas foi estaque foi construída por debaixo das linhas.

CN. Os RR. ao virem agora invocar os seus direitos depersonalidade fazem-no aproveitando-se de uma situação que elespróprios criaram.

CO. Ora, os RR. ao licenciarem e construírem a casa por baixo daslinhas colocaram-se de forma voluntária na situação que agorainvocam, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes.

CP. Nestas circunstâncias, a existir o direito invocado, o que não seconcede, sempre seria ilegítimo o seu exercício à luz do art. 334.ºdo Código Civil, constituindo um abuso de direito, que se invoca.

CQ. Nestes termos deve revogar-se o Acórdão recorrido,absolvendo-se a A. do pedido formulado pelos RR quanto à

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remoção das linhas e condenados estes no pedido formulado pelaA.

Os recorridos contra-alegaram, sustentando a improcedência dorecurso.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

São as seguintes as questões a resolver:

A. A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;

B. A nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e adecisão;

C. Se se verificam os pressupostos do pedido de remoção daslinhas implantadas sobre o prédio dos réus;

D. Se os réus agem em abuso do direito.

II

Vêm dados por provados os seguintes factos[2]:

1. Descrito na Conservatória do Registo Predial da Ribeira Grande

sob o n.o 00425/220988 da freguesia do Pico da Pedra, concelhoda Ribeira Grande, e por aquisição por compra inscrita pela

apresentação n.o 14/220988 a favor de CC, casado com BB,encontra-se registada a aquisição de um prédio rústico sito ao Picode Água, Cerrados da Eira, com 174,40 ares de terra, a confrontarde norte com DD, de sul com caminho, de nascente com herdeirosdo Barão das Laranjeiras e de poente com EE, inscrito na matrizsob o artigo 0012, secção I.

2. No prédio referido em 1., a autora instalou duas linhas detransporte de energia eléctrica com 60 kV cada, concretamente alinha "CT do Caldeirão - SE da Lagoa" e a linha "SE de Milhafres -SE da Lagoa".

3. Tais linhas assentam numa torre que a autora colocou tambémno referido prédio, passando por cima deste numa extensãosuperior a 100 metros e numa largura de 20 metros.

4. As linhas referidas em 2. foram instaladas pela autora não antesde 1987, a primeira, e não antes de 1990, a segunda.

5. Em 10 de Setembro de 1986, os réus outorgaram um contratopromessa de compra e venda com FF e GG, anterioresproprietários do prédio referido em 1., altura em que logo pagaram

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àqueles a integralidade do preço acertado (2.600.000$00) e logotomando posse do prédio.

6. Ao outorgarem o contrato referido em 5., os réus forammovidos peja intenção de naquele prédio virem a construir a suacasa de morada de família, pois regressariam dos E. U. A. onde seencontravam emigrados.

7. Em 25 de Agosto de 1988, na Secretaria Notarial de PontaDelgada - 2.° Cartório, foi outorgada a escritura da compra e vendaprometida conforme referida em 5.

8. Em 14 de Novembro de 1990, a autora fez publicar no Diáriodos Açores os éditos relativos ao projecto de estabelecimento dasegunda linha referida em 2., sendo que em 11 de Dezembro desseano subscreveu através de um seu director declaração de se obrigara obter dos proprietários ou entidades competentes autorizaçõesnecessárias à instalação projectada, e com ela instruiu o pedido delicença de estabelecimento daquela linha, dirigido à DirecçãoRegional de Energia (DRE) em 17 de Dezembro do mesmo ano.

9. A DRE concedeu licença de exploração da segunda linhareferida em 2. em 10 de Dezembro de 1999, consignando no textodo respectivo documento, relativamente às condições especiais dolicenciamento, que "quaisquer reclamações devidas a ocupação inde vida de terrenos serão da única e exclusiva responsabilidadeda EDA- EP, devido a não ter sido dado cumprimento ao dispostono ponto 3 do art. 16.º do DL n.º 26852, de 30 de Julho de1936".

10. A instalação da segunda linha referida em 2. fez-se sem quequalquer eventual autorização dos réus ou anteriores proprietáriosdo imóvel referido em 1. fosse prestada por escrito.

11. A primeira linha referida em 2. não se encontrava licenciada àdata da sua implantação, tendo a autora obtido a respectiva licençade estabelecimento em 30.01.2002.

12. Pelo menos em 28 de Outubro de 1993, o réu remeteu à autoraa carta junta a fls. 30 do apenso de providência cautelar,informando-a de que se opunha à manutenção das estruturasreferidas em b) e c) no seu prédio.

13. Em 1996, altura em que começaram a construir a casa referidaem 6., os réus opuseram-se novamente à permanência dasinstalações referidas em 2. e 3. no seu terreno.

14. Em Outubro de 2000, tal casa encontrava-se em fase final deconstrução sendo que as linhas referidas em 2. lhe passavam porcima, a uma distância de 4 metros.

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15. Até à data, a autora não removeu aquelas instalações,recusando sempre os pedidos dos réus nesse sentido.

16. É tecnicamente viável para a autora remover do prédio dosréus a torre referida em 3. e as linhas aéreas que suporta, queralterando o seu trajecto, quer inserindo-as subterraneamente.

17. Uma das empresas a quem foi licenciada a exploração deligações telefónicas regionais e nacionais através de rede fixa foi a"Oni, S.A.”, com sede em Lisboa.

18. À data de 9 de Maio de 2000, as instalações referidas em 2. e3., como aliás as estruturas afectas aos serviços prestados pelaautora, não tinham sido objecto de declaração de utilidade públicaadministrativa por banda das autoridades regionais.

19. O território da Região Autónoma dos Açores caracteriza-se porelevada sismicidade, sendo frequentes precipitações intensas eventos fortes.

20. As instalações referidas em 2. e 3. impedem que os filhos dosréus brinquem no prédio referido em 1. com papagaios ouquaisquer outros brinquedos que possam tocar na linha.

21. Desde a instalação das estruturas referidas em 2. e 3.,funcionários da autora ou outra pessoas ao seu serviço por mais de20 vezes entraram no prédio referido em 1..

22. A instalação daquelas linhas permitiu à autora o fornecimentode energia eléctrica para toda a zona de Lagoa e Água de Pau,energia essa que a autora cobra.

23. A autora nunca pagou aos réus qualquer prestação pejainstalação e manutenção das estruturas referidas em 2. e 3.P

24. Por mais de 10 vezes que os réus se dirigiram às instalações daautora tentando obter a resolução do seu problema com asreferidas linhas eléctricas, tendo chegado mesmo a tentar obterapoio popular para pressioná-la.

25. A autora pretende aproveitar as instalações referidas em 2. e 3.para pôr ali a fazer passar igualmente cabos de fibra óptica.

26. A instalação desses novos cabos foi efectuada em regime deempreitada pela empresa Siemens.

27. Que, por seu lado, a solicitou em regime de subempreitada àempresa CME- Construções Técnicas, S.A..

28. Também trabalhadores desta última tendo por diversas vezestentado entrar no prédio referido em 1.

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29. Estando já instalados esses cabos nos outros postos eléctricosdaquela linha, mas ficando enrolados no que se situa rio prédioreferido em 1., face à oposição dos réus quanto à sua colocação.

30. Em Dezembro de 1999, os RR. acordaram com a autoraconceder-lhe um prazo de 3 anos para alterar o traçado das linhasreferidas em 2., removendo-as do prédio referido em 1..

31. Proposta que a autora não aceitou, manifestando que o assuntose resolveria em tribunal.

32. A autora é uma sociedade anónima de capitais públicos, cujoobjecto principal é a produção, a aquisição, o transporte,distribuição e venda de energia eléctrica, bem como o exercício deoutras actividades relacionadas com aquelas.

33. Antes da instalação da primeira linha referida em 2.,funcionários da autora contactaram os anteriores proprietários doprédio referido em 1. (FF e GG), com vista a pedir autorizaçãopara implantar aquela.

34. A instalação da segunda linha referida em 2. só foi efectuadaem 1991.

35. Sem oposição dos réus ou de quem os representasse.

36. As instalações referidas em 2. foram colocadas sem qualquerautorização, mesmo verbal, dos réus.

37. Aquando da instalação das linhas, os réus encontravam-seausentes nos E.U.A.

38. Em caso de sismo, existe o risco de as linhas referidas em 2.caírem sobre a casa construída pelos réus.

39. Nesse caso, podendo ser causada a morte dos que ali seencontrarem.

40. Podem ocorrer curto-circuitos em virtude de aves pousaremnessas linhas.

41. Em caso de chuva ou ventos fortes, ou de muita carga naslinhas e por força de efeitos de indução causados por essesfactores, aquelas emitem um ruído semelhante ao de um curto-circuito.

42. Ruído esse audível para quem esteja na casa construída pelosréus.

43. E que apesar de intermitente, separado por poucos segundos,se mantém repetidamente enquanto dura a tempestade ou tensão.

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44. Causando inquietação a quem viver na casa dos réus.

45. As linhas eléctricas de 60 kv geram efeitos electromagnéticos.

46. Os campos eléctricos e magnéticos gerados pelas duas linhasCaldeirão/Lagoa e Milhafres/Lagoa são os que se referem nastabelas da peritagem de fls. 872 e segs., mais concretamente,quanto ao magnético, de fls. 26 a 34 desse relatório, e, para ocampo eléctrico, de fls. 34 a 37 do mesmo relatório.

47. A passagem das linhas referidas em 2. importa desvalorizaçãodo prédio referido em 1.

48. A permanência das instalações referidas em 2. e 3. no prédioreferido em 1. tem provocado ansiedade nos réus.

49. Decorrente da incerteza em que vivem de ter de habitar umacasa sobre a qual passam as linhas referidas em 2.

50. Em 03.01.2009 a chefe de divisão da Câmara Municipal daRibeira Grande subscreveu o escrito de fls. 1842 em que, porreferência ao licenciamento de obra em cerrados da Eira, e em queé requerente BB, “certifica por iniciativa dos requerentesocorreu uma alteração da implantação da moradia aproximando-se esta conforme documentação já enviada da Linha queatravessa o terreno”.

III Apreciando

1. Das nulidades do acórdão

1.1 A nulidade do acórdão por omissão de pronúnciaO recorrente insurge-se quanto à decisão recorrida por entenderque o pedido que formulou por via de acção está demonstrado pordocumento autêntico, razão porque devia ser conhecido,incorrendo o acórdão recorrido em nulidade por falta de pronúncia- art. 668.º do CPC -, tanto mais que está conexionado com opedido dos réus.A acção deu entrada a 03-07-2000, na vigência do regime derecursos decorrente do DL n.º 329-A/95, de 12-12.Tal regime foi alterado, quer pelo do DL n.º 303/2007, de 24-08,quer pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.No entanto, o regime de recursos introduzido pelo primeiro só seaplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor e osegundo, entrado em vigor a 1 de Setembro de 2013 (art. 8.º),apesar de imediatamente aplicável às acções declarativas pendentes

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23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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(art. 5.º, n.º 1) só se aplica aos recursos interpostos de acçõesintentadas após 01-01-2008.Pelo que o presente recurso segue a redacção do CPC, no regimeanterior ao do DL n.º 303/2007, de 24-08, regime a que sereportam as demais remissões, sem menção de origem.Dispõe-se no art. 668.º do CPC – aplicável aos acórdãos da 2.ªinstância por força do disposto no art. 716.º – que a sentença énula quando, além do mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobrequestões que devesse apreciar (omissão de pronúncia). A nulidade por omissão de pronúncia – prevista na al. d) do n.º 1do art. 668.º do CPC – é a sanção pela violação do disposto no art.660.º, n.º 2, do mesmo diploma, preceito que impôs ao julgador odever de resolver todas as questões que as partes tenhamsubmetido à sua apreciação.

Pressupõe a não apreciação de questões jurídicas de que o tribunaldevia conhecer: e o tribunal deve conhecer as questões que sãosubmetidas à sua decisão, balizadas pelos pedidos formulados emconformidade com as causas de pedir invocadas, e cujoconhecimento não haja ficado preterido por prejudicialidade.

Além do mais, tal nulidade verifica-se apenas nos casos em que háomissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questãonão prejudicada, e não de todas as razões ou argumentosinvocados pelas partes.

No que ao objecto do recurso importa, no caso de pluralidade dedecisões distintas, é lícito ao recorrente restringir, expressa outacitamente, o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique

no requerimento a decisão de que recorre – art. 684.º, n.os 2 e 3do CPC.

O recurso é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo asquestões de conhecimento oficioso – art. 684.º, n.º 3 e 690.º, doCódigo de Processo Civil.

No acórdão recorrido, na delimitação das questões submetidas àsua apreciação, consignou-se que «Assim, há que apreciar edecidir o seguinte:

a) Da invocada nulidade processual com fundamento nadeficiente audição dos depoimentos gravados em audiência dejulgamento.

b) Eventual alteração da matéria de facto.

c) Se deve considerar-se que os efeitos electromagnéticosoriginados pelas duas linhas de transporte de energia electricainstaladas pela autora no prédio dos RR são prejudiciais à saúde

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de quem resida no imóvel.

d) Se o direito dos réus a um ambiente de vida sadio eecologicamente equilibrado deve prevalecer, em caso de colisão,sobre o direito da autora a fazer passar linhas de alta tensãosobre o seu prédio».

Como resulta da tramitação plasmada no relatório supra, os autoscontinham várias questões que estavam submetidas à apreciação dotribunal, quer por via de acção, da ora recorrente (reconhecimentodo direito de entrar no prédio dos réus), quer por via dereconvenção, formulada pelos recorridos (remoção das linhas;indemnização pela ocupação ilícita do imóvel e indemnização, atítulo de danos morais).Destes, transitou nas instâncias (acórdão da Relação e do Supremo,a fls. 478 e segs. e 615 e segs., respectivamente), o pedido deindemnização pela ocupação ilícita do imóvel.Anulado o julgamento para ampliação da matéria de facto, ereapreciação dos demais pedidos, a (segunda) decisão de primeirainstância (de 07-08-2009, de fls. 1982 a fls. 1994), julgouimprocedentes o pedido (reconhecimento do direito de entrar noprédio dos réus) formulado por via de acção (absolvendo os réusdo pedido contra eles formulado) e o pedido de indemnização pordanos morais (absolvendo a autora deste pedido) e condenou aautora-reconvinda a remover as duas linhas de alta tensão queatravessam a propriedade dos réus-reconvintes, bem como a torreou poste que as apoia, consignado que a autora foi jádefinitivamente condenada a pagar indemnização a liquidar emexecução de sentença, relativa a ocupação ilícita do imóvel. Apenas a autora – e não os réus – recorreu.

Nas conclusões de recurso, apenas impugnou o segmento decisórioatinente ao pedido (reconvencional) de remoção das linhas,invocando os argumentos por que a manutenção do decidido punhaem causa o interesse público válido e concluindo, como resulta doponto 77., que «Por todos estes motivos deve absolver-se aA./reconvinda da reconvenção».

Em face ao teor de tais alegações, é manifesto que a recorrentedelimitou o âmbito objectivo do seu recurso à matéria dareconvenção que, sendo-lhe desfavorável, ainda não transitara emjulgado.

O pedido de reconhecimento do direito de entrar no prédio dosréus – formulado por via de acção, e não por via de reconvenção –não constituía objecto do recurso.

Nem o seu conhecimento se impunha por, conforme agora

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invocam, o pedido da autora (recorrente) estar conexionado com opedido dos réus.

Com efeito, a Relação, no primeiro acórdão por si proferido, emque determinou a anulação da decisão para ampliação da matériade facto, fê-lo fixando o regime aplicável (nesta parte acompanhadapelo STJ) consignando que a constituição regular da servidãodeterminaria a procedência do pedido formulado por via de acção“caso o mesmo se não encontrasse dependente do conhecimentodo pedido de alteração do trajecto das linhas deduzido pelos

réus”[3].

Ou seja, a procedência deste importaria a improcedência doprimeiro, como veio a ser julgado na segunda decisão proferida emprimeira instância.

Pelo que: não só o pedido do autor não estava reconhecido porqualquer decisão judicial (“documento autêntico”) já proferida nosautos, como, ao invés, na fixação do regime jurídico, as instânciasde recurso fizeram, sempre, depender tal reconhecimento daimprocedência do primeiro pedido formulado por via dereconvenção, pedido este que, sempre que foi conhecido, foijulgado procedente.

1.2 A nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e adecisão

A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e adecisão – art. 668.º, n.º 1, al. c, do CPC –, verifica-se, apenas,quando ocorre um vício real no raciocínio expresso na decisão,consubstanciado na circunstância da fundamentação explicitada namesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, adecisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos,diferente.

Dito de outro modo, quando a fundamentação adoptada conduzlogicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra,oposta ou divergente (de sentido contrário).

Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto àapreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto àsconsequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido asua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situaçãoconcreta a julgar.

Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e nãológico.jurídica.

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Sustenta o recorrente que tal contradição existe porque o (primeiro)acórdão de Relação entendeu que a procedência do pedidoreconvencional só poderia ocorrer se se viessem a dar comoprovados os factos por que determinou a ampliação da matéria defacto, e o acórdão ora recorrido, ao invés, não só contraria afundamentação deste acórdão, como conclui pela remoção doprédio dos réus quando dos elementos dos autos quando existemargumentos que permitem concluir pela sua beneficiação.

Importa esclarecer, a propósito, que, além da matéria que seja deconhecimento oficioso, a actividade do tribunal se encontrabalizada pelos pedidos e causas de pedir indicados pelas partes e,na fundamentação das decisões, cumpre-lhe levar em consideraçãoos factos admitidos por acordo, provados por documentos ouconfissão reduzida a escrito e os que foram dados por provados.

Quanto a estes, o STJ tem, em princípio, de acatar a adquirida nosautos, que – convém salientar – não tem necessariamente decoincidir com a seleccionada pela Relação, já que pode tambémservir-se dos factos notórios e daqueles de que tem conhecimentopor virtude do exercício das suas funções (art. 514.º do CPC),“não só em vista à correcção do apuramento fáctico feito com baseneles pelas instâncias mas igualmente para completar esseapuramento, quando as instâncias os não tenham considerado” – F.Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Proc. Civil, 7.ª ed.,pág. 281.

Ou seja o STJ não pode, em regra, alterar a decisão sobre amatéria de facto – salvo nos casos excepcionais previstos na 2.ªparte do n.º 2 do art. 722.º do CPC.

Dos factos provados – e já não dos relatórios periciais, que sãomeios de prova – não consta que era possível conhecer do pedidoformulado pelos autores com a mera beneficiação das linhas sem asua alteração.

Por outro lado, tal beneficiação sem modificação do traçado daslinhas, nunca foi sujeita à apreciação do tribunal, não integrandoqualquer um dos pedidos formulados pelas partes.

O que o primeiro acórdão da Relação consignou foi que aprocedência do pedido reconvencional importava a averiguação defactos que não tinham sido submetidos a instrução, razão por quedeterminou a ampliação da matéria de facto.

Por ultimo, o que se diz no acórdão recorrido é que é viávelremover do prédio dos réus a torre e as linhas aéreas que suporta,quer alterando o seu trajecto, quer inserindo-as subterraneamente,pelo que da viabilidade de tal remoção, nenhuma contradição

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resulta com a decisão que a decrete.

2. O pedido de remoção

Invocam, por ultimo, os réus que o pedido de remoção, formuladopelos réus reconvintes, deveria improceder, seja por não severificarem os pressupostos de que dependem os direitos depropriedade e personalidade destes, seja porque tal pedidoconsubstancia um abuso de direito.É pacífico o entendimento que a produção ou emissão de ruídos,lesiva de direitos individuais e/ou colectivos encontra tutela jurídicaem três planos distintos, normalmente conexionadas e interligados:(i) a da tutela do direito de propriedade, seja com incidência no seu

carácter absoluto, seja no domínio (art. 1305.º do CC[4]) e dasrelações de vizinhança (art. 1346.º do CC), (ii) a do direito doambiente, enquanto direitos de natureza análoga aos direitosfundamentais, em que se insere o direito a um ambiente sadio eecologicamente equilibrado (art. 66.º, da CRP), complementado edensificado pelas normas constantes da Lei de Bases do Ambiente( arts. 2.º e 5.º da Lei n.º 11/87, de 7-04); e (iii) a dos direitosfundamentais de personalidade, como o sejam o direito àintegridade moral e física e ao livre desenvolvimento dapersonalidade (constitucionalmente consagrado nos arts. 25.º e26.º, n.º 1, da CRP e, no âmbito da lei geral, no art. 70.º do CC).Este Supremo Tribunal, ao confirmar a (primeira) decisão proferidapelo Tribunal de Relação, que ordenou a ampliação da matéria defacto, definiu o direito aplicável, direito que

«não tendo (…) fundamento na violação do direito depropriedade» gizou da seguinte forma: «o dever de suportar arespectiva servidão encontra-se condicionado ao eventual direitodos réus à alteração do trajecto das mesmas (linha e poste) casoseja demonstrado que a sua localização viola o direito dosmesmos a um ambiente humano, sadio e ecologicamente equi-librado (…) Na verdade, sabendo-se que a nossa lei consagra odireito fundamental à integridade física e a um ambiente de vidahumano sadio e ecologicamente equilibrado, manifestado nodireito à saúde e à qualidade de vida e ao bem-estar (Ao estadode saúde físico e psíquico é inerente um determinado "ambiente"que constitui condição do normal funcionamento do corpo e cujasviolações integram verdadeiros comportamentos ilícitos. Este"ambiente" é imbuído de uma realidade multifacetada decondições a preservar cuja tutela jurídica tem vindo aautonomizar-se do contexto da tutela tradicional dos direitos depersonalidade (art. 70° do C. Civil), assumindo valorização

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própria (art. 66.º, n.º 1, 25.º, 64.º, da CRP e arts. 2.º e 5.º, Lein.º 11/87, de 7-04, Lei de Bases do Ambiente) reconhecendo-lhe aLei Constitucional a relevância de direitos subjectivosfundamentais (enquanto direitos de natureza análoga aos direitose liberdades e garantias, beneficiando do regime especial do art.18.º, da CRP, e, por isso, de aplicação imediata). Esta novaperspectiva de encarar tais realidades impõe que no domínio datutela civil em que nos movemos na situação dos autos, oesquema restitutivo deste sistema seja adequadamenteenquadrado em função dos princípios estruturantes que norteiamo direito do ambiente, sendo o da prevenção um dos primordiaisa valorar - art. 3.° da Lei de Bases do Ambiente), o conhecimentoda pretensão dos réus (no que se refere ao pedido de alteração dotrajecto das linhas e, bem assim, para efeitos de avaliação dopedido de indemnização por danos morais) impõe que sejaconcretamente apurada a caracterização do campoelectromagnético das linhas eléctricas em causa, pois que, sónessas circunstâncias, se poderá determinar e avaliar que efeitos(nocivos) sobre a saúde, o bem-estar e a tranquilidade dos réusdecorrem da exposição a esse campo, ou seja, a existência e graude lesão (ou ameaça de lesão) do direito subjectivo dos réus aoambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrada.

Os autores têm, no prédio de que são proprietários, a sua casa demorada de família.Tal prédio localiza-se em território caracterizado por elevadasismicidade, sendo frequentes precipitações intensas e ventos fortes(região autónoma dos Açores). Nele, a autora, sem autorização dos réus – e, à data, semlicenciamento – instalou duas linhas de transporte de energiaeléctrica, passando por cima deste numa extensão superior a 100metros e numa largura de 20 metros – e a uma distância de 4metros acima da casa dos réus – linhas que assentam numa torreque a autora colocou também no referido prédio, passando porcima deste numa extensão superior a 100 metros e numa largura de20 metros.

A permanência das instalações referidas no prédio tem provocadoansiedade nos réus. Ansiedade que decorre da incerteza em que vivem de ter de habitaruma casa sobre a qual passam as referidas linhas e encontrasuporte nas condições em que as linhas foram colocadas: em casode sismo, existe o risco de as linhas referidas em 2. caírem sobre acasa construída pelos réus, podendo, nesse caso, ser causada amorte dos que ali se encontrarem; podem ocorrer curto-circuitosem virtude de aves pousarem nessas linhas; em caso de chuva ouventos fortes, ou de muita carga nas linhas e por força de efeitos de

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indução causados por esses factores, aquelas emitem um ruídosemelhante ao de um curto-circuito. Este ruído esse audível para quem esteja na casa construída pelosréus e, apesar de intermitente, separado por poucos segundos, semantém repetidamente enquanto dura a tempestade ou tensão.Causando inquietação a quem viver na casa dos réus. Tanto basta para constatar que se encontra violado o seu direito aosossego e à tranquilidade.Os direitos ao sossego, ao repouso e ao sono traduzem-se emfactores que se mostram potenciadores, em grau muito elevado, darecuperação física e psíquica da pessoa, nomeadamente nassituações da vida quotidiana em que a suspensão da actividadelaboral, por motivo de férias, tem como principal escopo aprossecução de tais fins, constituindo-se esses direitos como umaemanação do direito à integridade física e moral da pessoa e a umambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos, como direitos depersonalidade, na DUDH (art. 24.º), encontrando-seconstitucionalmente consagrados, como direitos fundamentais, nosarts. 16.º e 66.º da CRP, e sendo objecto de protecção na leiordinária no âmbito do preceituado no art. 70.º do CC, nos arts. 2.ºe 22.º da Lei n.º 11/87, de 07-04 (LBA), e do DL n.º 292/2000, de14-11 (Regulamento Geral do Ruído), actualmente substituído pelo

DL n.º 9/2007, de 17-01[5]. Entende a recorrente que tal violação não lhe pode ser assacada jáque o interesse dos réus não se pode sobrepor ao interesse público,não sendo, por conseguinte, ilícita a sua conduta, tanto mais quenão se provaram que os campos eléctricos e electromagnéticosexcedessem quaisquer parâmetros legalmente estabelecidos.Além do mais, a sismicidade e condições geográficas da casa dosréus não podem ser-lhe atribuídas.Dispõe o art. 335.º do Código Civil, sob a epígrafe de “colisão dedireitos”, que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesmaespécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para quetodos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimentopara qualquer das partes” (n.º 1) e “se os direitos forem desiguaisou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-sesuperior” (n.º 2).Há colisão de direitos, nas palavras do Professor MenezesCordeiro, “quando um direito subjectivo, na sua configuração ouno seu exercício, deva ser harmonizado com outro ou com outrosdireitos. Num sentido estrito a colisão ocorre sempre que dois oumais direitos subjectivos assegurem, aos seus titulares, permissõesincompatíveis entre si” .Como se refere nos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de

28-10-2008[6], já referenciado, e de 15-03-2007[7], “Parece-nosresultar com toda a evidência, quer da inserção sistemática desta

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norma legal, quer da sua própria letra, e mais ainda do seu espírito,da sua ratio legis, que o problema da aplicação prática desteinstituto só pode colocar-se depois de o intérprete chegar àconclusão de que, tendo na sua frente uma pluralidade de direitospertencentes a titulares diversos, não é possível o respectivoexercício simultâneo e integral. Enquanto limitação do exercício deum direito pelo exercício de outro - e quem diz direito diz qualquerposição jurídica activa passível de actuação - a colisão de direitospressupõe a efectiva existência de ambos. Portanto, averiguando-se que de duas normas atributivas dedireitos potencialmente aplicáveis à situação ajuizada só uma delas,afinal, tem aplicação, conferindo, na prática, um único direito,então deixa de poder falar-se em colisão real de direitos: tratar-se-á,em tal caso, duma colisão meramente aparente, semcorrespondência na realidade. Isto é assim porque as limitações ao exercício do direito - referimo-nos, claro está, às limitações extrínsecas, de entre as quais avultaprecisamente a colisão de direitos, e não às intrínsecas, atinentes aoseu conteúdo e objecto - determinando, no fundo, como ele deveser actuado, pressupõem a sua existência, validade e eficácia, que,o mesmo é dizer, um direito em concreto. Não se afigura que façasentido, pois, aludir a uma colisão de direitos em abstracto, isto é,não referida a situações jurídicas activas de que dois diferentessujeitos jurídicos sejam titulares em dado momento. Se, ponderada a situação de facto comprovada, o julgador chegar àconclusão de que na realidade só um direito existe, radicado naesfera jurídica de um dos litigantes, o instituto da colisão de direitosdeixa de poder aplicar-se”.

No caso vertente, ao contrário do defendido pela autora, o direitodos autores ao repouso e à tranquilidade são aspectos do direito àintegridade pessoal (art. 25.º, n.º 1, da CRP), que faz parte doelenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdadese garantias pessoais.

Como tal, a sua ofensa é ilícita independentemente de respeitarimposições regulamentares (como o sejam os níveis permitidospelo Regulamento sobre Ruído), ou do cumprimento de condições

administrativas de licenciamento[8].

Com se menciona no acórdão de 30-05-2013, supra mencionado, ailicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível de ruídopelos padrões legais estabelecidos: a ilicitude de um comportamentoruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono deterceiros está, precisamente, no facto de, injustificadamente, e paraalém dos limites do socialmente tolerável, se lesar um dos direitosintegrados no feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

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Por conseguinte, ainda que o direito à integridade pessoal não sejaem absoluto um direito imune a quaisquer limitações, em caso deconflito de direitos, designadamente com o de desenvolvimento deuma actividade que actua na realização de um interesse público,provado que é tecnicamente viável para a autora remover do prédiodos réus a torre implantada no prédio dos réus e as linhas aéreasque suporta, quer alterando o seu trajecto, quer inserindo-assubterraneamente, resulta clara a prevalência do direito dos réus, aimpor tal remoção.

Comportamento ilícito que é imputável (nexo de causalidade) àautora, já que, atribuindo-se-lhe a autoria na colocação das linhaseléctricas, é a incerteza em que vivem de ter de habitar uma casasobre a qual passam as linhas referidas em 2 que tem provocadoansiedade nos réus.

Tal nexo de causalidade, naturalístico, estabelecido pelas instâncias,constitui matéria de facto que o STJ tem de acatar, por estarsubtraída ao seu controle (arts. 722.º e 729.º do CPC).

E a que não obsta a sismicidade do território em que se encontraimplantada a casa dos réus, já que o art. 497.º do CC abrange assituações de causalidade cumulativa (ou concausalidade) do factoilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano.Direito que cria uma obrigação geral de respeito, não se impondoaos seus titulares que demonstrassem a existência de um traçadoalternativo que assegure o interesse público prosseguido pelaautora.

3. O abuso do direitoAlega, por último, a recorrente que os réus alteraram o traçado dasua casa, incorrendo, no pedido que formulam na presente acção,em abuso do direito que se arrogam.Sob a epígrafe «abuso do direito», preceitua o art. 334.º do CCque: “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excedamanifestamente os limites impostos pela boa ré, pelos bonscostumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Não basta, porém, que o titular do direito, ainda que não tenhaconsciência que está a exceder os limites da boa fé, exceda taislimites, sendo necessário que esse excesso seja manifesto egravemente atentatório daqueles valores, assim se acolhendo aconcepção objectiva do abuso do direito.

A complexa figura do abuso de direito, como é sublinhada no

Acórdão do STJ, de 21.9.93[9], citando Manuel de Andrade[10],

Almeida Costa[11], Pires de Lima e Antunes Varela[12], “é uma

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cláusula geral, uma válvula de segurança, uma janela por ondepodem circular lufadas de ar fresco, para obtemperar à injustiçagravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídicoprevalente na comunidade social, à injustiça de proporçõesintoleráveis para o sentimento jurídico inoperante em que, porparticularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto,redundaria o exercício de um direito por lei conferido; existiráabuso de direito quando, admitido um certo direito como válidoem tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado emtermos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustadosao conteúdo formal do direito; dito de outro modo, o abuso dedireito pressupõe a existência e a titularidade do poder formalque constitui a verdadeira substância do direito subjectivo, maseste poder formal é exercido em aberta contradição, seja com ofim (económico e social) a que esse poder se encontra adstrito,seja com o condicionalismo ético jurídico (boa fé e bonscostumes) que, em cada época histórica, envolve o seu

reconhecimento” [13].

O abuso de direito retrata, pois, uma actuação contrária ao sistema,na sua globalidade; daí que o exercício ilícito ou indevido, paraalém de contrariar normas de Direito estrito seja, ainda, abusivo.Uma das modalidades de comportamentos abusivos é o “venirecontra factum proprium”, que assenta em 3 pressupostos: umasituação objectiva de confiança; um investimento na confiança; e aboa fé da contra-parte que confiou. A situação objectiva de confiança existe quando alguém pratica umacto que é apto a despertar noutrem a legitima convicção de queposteriormente não adoptará um comportamento contrário (Prof.Batista Machado, Tutela da Confiança e Venire contra factumproprium, RLJ anos 117 e 118).

Na apreciação do abuso do direito, ainda que constitua matéria deconhecimento oficioso, este Supremo Tribunal apenas podesocorrer-se da matéria que haja sido apurada nas instâncias,exceptuados os casos de factos notórios ou em que haja um usoanormal do processo – arts. 514.º; 664.º e 665.º, todos do CPC.

Apurou-se que os réus adquiriram o terreno em 1988 (tendo, desde1986, aquando da celebração do respectivo contrato-promessa,pago integralmente o preço) e desde 1993, após a publicação doséditos relativos ao projecto de estabelecimento da segunda linhaque atravessa o seu prédio, se opõem a tal travessia.

Os réus começaram a construir a sua casa em 1996, em data muitoanterior ao licenciamento das aludidas linhas (1999 e 2002),colocadas sem autorização.

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23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Por mais de 10 vezes que os réus se dirigiram às instalações daautora tentando obter a resolução do seu problema com asreferidas linhas eléctricas, tendo chegado mesmo a tentar obterapoio popular para pressioná-la.

Até à data, a autora não removeu aquelas instalações, recusandosempre os pedidos dos réus nesse sentido.

Em Dezembro de 1999, os réus propuseram à autora conceder-lheum prazo de 3 anos para alterar o traçado das linhas, removendo-as do prédio, proposta que a autora não aceitou, manifestando queo assunto se resolveria em tribunal.

De tal matéria não é possível inferir que os réus hajam alterado aimplantação da sua moradia, aproximando-a das linhas em questão.

Factualidade que a autora apenas alegou em articuladosuperveniente, articulado que não foi admitido por decisão cujo

trânsito em julgado se impõe a este tribunal[14].

Por outro lado, a edilidade certificou que “por iniciativa dosrequerentes ocorreu uma alteração da implantação da moradiaaproximando-se esta conforme documentação já enviada da Linhaque atravessa o terreno”.

Tal certidão, exarada por autoridade pública no âmbito das suascompetências (arts. 369.º e 370.º do CC) tem o valor probatóriodos documentos autênticos, valor que não respeita a tudo o queneles se contém, mas somente aos factos que se referem praticadospela autoridade ou oficial público respectivo e quanto aos factosexarados com base nas percepções da entidade documentadora.

No caso vertente, além de do documento não se inferir o que foiexarado com base nas percepções da entidade documentadora, delanão resulta, sequer, a data em que os réus houvessem alterado aposição da sua moradia, construída, aliás, muito antes dolicenciamento das linhas colocadas pela autora. O que de certezanão faz prova é sobre a boa ou má fé com que os réus agiram.

Pelo que não é possível concluir por uma conduta dos réus quetivesse criado na autora confiança num comportamento oposto aopedido de remoção das linhas.

Termos em que improcede o recurso.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdãorecorrido.

Custas pela recorrente.

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23/2/2014 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Lisboa, 2 de Dezembro de2013

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva

João Bernardo

--------------------------[1] Alteração, constante de fls. 537, a que agora se procedeu, conforme ponto 11. dosfactos que infra elencam. [2] A redacção agora introduzida ao ponto 11. resulta da alteração ao facto assente em L) –cf. despacho saneador a fls. 37 v –, efectuada pelo 1.º acórdão da Relação – cf. fls. 537.Quanto aos demais pontos – supressão dos anteriores pontos 46. a 52. e dos factoscontrovertidos em 22D a 22E – procedeu-se à sua alteração conforme a apreciação damatéria de facto efectuada pelo 2.º acórdão do Tribunal da Relação (cf. fls. 2184). O facto constante em 50. reporta-se ao teor do documento de fls. 1184 (art. 659.º, nº 3, doCPC).

[3] CF. nota de rodapé n.º 17, a fls. 512.[4] “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição edisposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância dasrestrições por ela impostas”.

[5] Cf. Ac. STJ de 30-05-2013, proferido nos autos de Revista n.º 2209/08.0TBTVD.L1.S1(relator Granja da Fonseca), disponível in www.itij.pt[6] Ac. proferido nos autos de Revista n.º 3005/08 (relator Sebastião Póvoas), disponível inwww.itij.pt[7] Ac. proferido nos autos de Revista n.º 587/07 (relator Oliveira Rocha), disponível inwww.itij.pt[8] Cf. ac. de 28-02-2012, proferido nos autos de Revista n.º 4860/05.0TBBCL.G1.S1, de quefoi relator o Cons. Mário Mendes.

[9] C.J., S., Ano I, T. III, pag. 21.[10] Teoria Geral das Obrigações, 1958, pags. 63 e segs.

[11] Direito das Obrigações, pags. 60 e segs.

[12] Ob. cit., pags. 298 e segs.[13] RLJ, Ano 114°-75.[14] Cf. articulado de fls. 1806; despacho de fls. 1879-1880; recurso a fls, 1881-1884;despacho de admissão, como de agravo a fls. 1898, dos quais foi decidido não tomasconhecimento, conforme consta de fls. 2140-2150.