civil - direito das obrigações - apostila 04
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Apostila 04 de direito das obrigaçõesTRANSCRIPT
MATERIAL DE APOIO
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Apostila 04
Cláusula Penal
Prof. Pablo Stolze Gagliano
1. Cláusula Penal
Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena
convencional com as repressões impostas pelo direito criminal, as quais
cabem somente ao poder público aplicar em nossos dias. A pena
convencional é puramente econômica, devendo consistir no pagamento de
uma soma, ou execução de outra prestação que pode ser objeto de
obrigações”.1
Trata-se, pois, de um pacto acessório pelo qual as partes fixam,
previamente, a indenização devida em caso de descumprimento culposo da
obrigação principal, de uma determinada cláusula do contrato, ou,
simplesmente, em caso de mora.
Veja a sua disciplina jurídica, no Código Civil:
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde
que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED, 2000, pág. 104.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação,
ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à
de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.
Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total
inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a
benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou
em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o
arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o
desempenho da obrigação principal.
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode
exceder o da obrigação principal.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a
obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da
penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a
finalidade do negócio.
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em
falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar
integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela
sua quota.
Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva
contra aquele que deu causa à aplicação da pena.
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor
ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte
na obrigação.
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o
credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula
penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi
convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização,
competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
Selecionamos, nessa linha, alguns importantes enunciados (da 4ª
Jornada de Direito Civil) que serão, juntamente com a matéria,
desenvolvidos em sala de aula:
355 – Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução
da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do
Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.
356 – Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz
deverá reduzir a cláusula penal de ofício.
357 – Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4º da
Lei n. 8.245/91. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada.
358 – Art. 413. O caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula
penal não se confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva
onerosidade e a frustração do fim do negócio jurídico, que podem incidir
autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos.
359 – Art. 413. A redação do art. 413 do Código Civil não impõe que a
redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual
adimplido.
Ao final do material de apoio, leia, também, jurisprudência
selecionada pertinente à matéria, que será desdobrada nas aulas.
2. Jurisprudência Selecionada
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO
DA SÚMULA 83/STJ. CUMULAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO
POR PERDAS E DANOS. INCIDÊNCIA SÚMULA 7/STJ. RECURSO IMPROVIDO.
I- Não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e
indenização por perdas e danos.
II- Aplica-se a Súmula 7 do STJ na hipótese em que a tese
versada no recurso reclama a análise de elementos probatórios gerados ao
longo da demanda.
III- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 788.124/MS, Rel. Ministro PAULO FURTADO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em
27/10/2009, DJe 11/11/2009)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO.
DESCUMPRIMENTO.
CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS
CESSANTES.
POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.
INEXISTÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o
inadimplemento, pois se traduz em punição ao devedor que, a despeito de
sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de indenização relativa aos
prejuízos dele decorrentes. Precedente.
2. O reconhecimento de violação a literal disposição de lei
somente se dá quando dela se extrai interpretação desarrazoada, o que não
é o caso dos autos.
3. Dissídio jurisprudencial não configurado em face da ausência de
similitude fática entre os arestos confrontados.
4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 968.091/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 30/03/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL.
INADIMPLÊNCIA. CLÁUSULA PENAL.
ART. 53, DO CDC. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I - A estipulação de multa contratual de 10% sobre o valor total
do contrato, em caso de desfazimento do acordo, não ofende o disposto no
art. 53 do CDC, porquanto apenas parte do valor total já pago será retido
pelo fornecedor.
II - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando
a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida
(Súmula 83 do STJ) Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 748.559/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 08/10/2008)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA
E CESSÃO.
INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA DOS RÉUS. RESCISÃO
DECRETADA. PERDA DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS CONSOANTE CLÁUSULA
PENAL. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DO CDC. VALIDADE
DA COMINAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA.
CPC, ART. 20, § 4º.
I. Reconhecida a inadimplência dos réus, em contrato de
promessa de compra e venda e cessão imobiliária, válida é a cláusula que
prevê a perda das parcelas pagas quando celebrado o contrato antes da
vigência do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes do STJ.
II. Insuficiência de prequestionamento que impede, ao teor das
Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, o debate acerca do acerto ou não da
extinção da ação reintegratória de posse.
III. Ausente a condenação, a sucumbência deve ser fixada com
base no art. 20, § 4º, do CPC.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(REsp 399.123/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 07.12.2006, DJ 05.03.2007 p. 288)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE
COMPRA E VENDA.
INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. CONTRATO ANTERIOR AO CDC.
INAPLICABILIDADE. PERDA DAS PRESTAÇÕES PAGAS PREVISTA
EM CLÁUSULA PENAL.
I. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contrato
celebrado antes da sua vigência, pelo que a cláusula penal que prevê a
perda da totalidade das parcelas pagas, contratada antes da entrada em
vigor da Lei n. 8.078/80, não pode ser afastada com base em tal diploma.
Precedentes do STJ.
II. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 435.608/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 310)
Direito civil. Obrigações. Ação anulatória de contrato de cessão de
obras literárias por encomenda (elaboração de duas telenovelas).
Reconvenção. Indenização por perdas e danos. Descumprimento
integral do contrato. Redução da multa contratual. Cláusula penal. Função
compensatória.
- Inviável a revisão do julgado, por força das Súmulas 5 e 7 do
STJ, se o Tribunal de origem, ao analisar o processo, atento ao teor do
contrato objeto da controvérsia e ao acervo probatório juntado pelas partes,
concluiu pela inexistência de qualquer ato omissivo ou comissivo passível de
macular o negócio jurídico.
- A redução da multa compensatória, de acordo com o Código
Civil, somente pode ser concedida nas hipóteses de cumprimento parcial da
prestação ou, ainda, quando o valor da multa exceder o valor da obrigação
principal.
- Considerando-se que estipulada a cláusula penal em valor não
excedente ao da obrigação e que foi total o inadimplemento contratual, não
cabe a redução do seu montante, que deve servir como compensação pela
impossibilidade de obtenção da execução específica da prestação
contratada, na hipótese, a elaboração de duas telenovelas.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 687.285/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 25.09.2006, DJ 09.10.2006 p. 287)
CIVIL E PROCESSUAL. COTAS DE CONSÓRCIO ADQUIRIDAS DE
EMPRESA VENDEDORA DE VEÍCULOS. CARACTERIZAÇÃO COMO
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA PELO ADQUIRENTE.
CLÁUSULA PENAL. CDC, ART. 53.
MITIGAÇÃO. RETENÇÃO PARCIAL PARA RESSARCIMENTO DE
DESPESAS.
I. Reconhecido pelo Tribunal estadual que se cuidou, na espécie,
de compromisso de compra e venda de quotas de consórcio, a desistência,
pelo adquirente, sob alegação de dificuldades econômicas, implica na
aplicação parcial da cláusula penal, cabendo a retenção de parte dos valores
a serem restituídos, para ressarcimento de despesas administrativas da
vendedora.
II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 165.304/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 07.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 273)
Mais recentemente, julgou-se:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE
COMPRA E VENDA.
RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DOS PROMITENTES
COMPRADORES.
CLÁUSULA PENAL. PERDA DA TOTALIDADE DAS PRESTAÇÕES
PAGAS.
DESPROPORCIONALIDADE. CONTRATO ANTERIOR À VIGÊNCIA
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 924 DO
CÓDIGO CIVIL/1916.
POSSIBILIDADE.
I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a contrato
celebrado antes da sua vigência.
II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art. 924
do Código Civil/1916, reduzir a pena convencional estatuída a um patamar
razoável, mormente quando se verifica a perda de todas parcelas pagas.
III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de
25% (vinte e cinco), em favor da promitente vendedora.
IV - Precedentes específicos, em casos similares, deste Superior
Tribunal de Justiça III. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO
(AgRg no REsp 479.914/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe
15/10/2010)
3. Leitura Complementar
Texto Complementar 01 – Imputação do Pagamento
Forma especial de pagamento sem grande expressividade prática é a
imputação do pagamento.
Imagine que um sujeito assumiu três débitos de 1.000 em face do mesmo
credor. Ou seja, a dívida 01 é de 1.000, a dívida 02 é de 1.000 e a dívida
03 também é de 1.000, devidas ao mesmo credor.
Todas as dívidas venceram.
Sucede que o devedor só dispõe de 1.000 para pagamento.
Pergunta-se: em qual delas o pagamento será imputado? Na dívida 01, 02
ou 03?
Pois bem.
A denominada imputação do pagamento nada mais faz do que
estabelecer as regras pelas quais solucionamos tal questão, permitindo a
indicação do pagamento dentre tais dívidas vencidas e da mesma natureza.
Como fazer então?
Simples.
Em regra, a imputação é feita pelo próprio devedor. É ele que fará a
indicação em qual das dívidas será imputado o pagamento:
Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a
um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se
todos forem líquidos e vencidos.
Caso o devedor não faça a imputação do pagamento, poderá o credor fazê-
lo:
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e
vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas
(OU SEJA, SE O CREDOR DER A QUITAÇÃO, IMPUTANDO EM QUAL
DAS DÍVIDAS SERÁ FEITO O PAGAMENTO) não terá direito a reclamar
contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido
violência ou dolo. (referência e grifo nossos).
Entretanto, se o credor não fizer, a imputação é feita pela própria lei2:
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for
omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em
primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo
tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.
Em síntese:
Regra 01 – a imputação é feita pelo DEVEDOR.
Regra 02 – se o devedor não indicar em qual das dívidas será feito o
pagamento, a imputação é feita pelo CREDOR.
Regra 03 – se o credor também não fizer a indicação, a imputação é
feita pela LEI: a preferência deverá ser a imputação na dívida mais
ANTIGA, mas, se todas tiverem o mesmo vencimento, imputa-se na
dívida mais ONEROSA (ex.: a que tenha uma previsão de multa mais
alta).
Mas uma pergunta, nesse contexto, não quer calar: e se todas as dívidas
forem vencidas ao mesmo tempo e igualmente onerosas?
A lei é omissa quanto a este aspecto.
O antigo Código Comercial dispunha, em situações como esta, que o
pagamento seria “rateado” entre as dívidas. Solução que não existe mais na
lei comercial (que fora neste ponto revogada), embora sirva, em nosso
sentir, como uma recomendação doutrinária para que o juiz não deixe de
solucionar o caso concreto.3
2 Em havendo dívida de juros, a regra legal aplicável é a do art. 354: “Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital”.
3 Tema tratado em nosso volume II – Obrigações, Saraiva.
Ainda sobre a imputação do pagamento, confira recente julgado e noticia do
STJ:
CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO.
Em retificação à nota do REsp 1.095.852-PR (Informativo n. 493, divulgado em 28/3/2012), leia-se: A Seção entendeu que, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), até a entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de usura (art. 4º do Dec. 22.626/1933). Para tais contratos não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. E, caso o pagamento mensal não seja suficiente para a quitação sequer dos juros, cumpre-se determinar o lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta separada, sujeita apenas à correção monetária e à incidência anual de juros. Ressalva do ponto de vista da Min. Relatora no sentido da aplicabilidade no SFH do art. 5º da MP n. 2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada. Decidiu-se também que no SFH os pagamentos mensais devem ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal nos termos do disposto no art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916). Esse entendimento foi consagrado no julgamento pela Corte Especial do REsp 1.194.402-RS, submetido ao rito do art. 543-C. REsp 1.095.852-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2012. (grifei)
Regra de imputação de pagamentos é tema de nova súmula no STJ
05/09/2010
A regra de imputação de pagamentos estabelecida no artigo 354 do Código Civil não se aplica às hipóteses de compensação tributária. A conclusão é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao aprovar a proposta da ministra Eliana Calmon para a Súmula n. 464 e pacificar o entendimento da Corte sobre o assunto. A súmula tomou como referência legal os artigos 108 e 110 do Código Tributário Nacional, o artigo 543-C do CPC, o artigo 66 da Lei n. 8.383/1991, o artigo 74 da Lei n. 9.430/1996 e a Resolução n. 8 do STJ. Em um dos precedentes (Resp n. 960.239), o ministro Luiz Fux, relator, entendeu que a imputação do pagamento na seara tributária tem regime diverso daquele do direito privado (artigo 354 do Código Civil), inexistindo regra segundo a qual o pagamento parcial imputar-se-á primeiro sobre os juros, para, só depois de findos estes, amortizar-se o capital. “O próprio legislador exclui a possibilidade de aplicação de qualquer dispositivo do Código Civil à matéria de compensação tributária, determinando que esta continuasse regida pela legislação especial”, afirmou.
No caso, a empresa Madeiras Salamoni pediu a declaração de inexigibilidade da Cofins, nos moldes da ampliação da base de cálculo e majoração da alíquota previstas na Lei n. 9.718/1998, com o recolhimento do direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a esse título, corrigidos monetariamente. A sentença reconheceu a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da Cofins determinada na Lei n. 9.718/98, a ser dita contribuição calculada com base na Lei Complementar n. 70/1991, assegurado o direito da empresa de compensar o respectivo crédito com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, nos termos da Lei n. 9.430/1996, na redação dada pela Lei n. 10.637/2002, após o trânsito em julgado, corrigidos monetariamente pela taxa Selic. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a sentença. Também foram usados como fundamentação para a súmula os recursos especiais n. 970.678, 987.943, 1.024.138, 1.025.992, 1.058.339 e 1.130.033 e o agravo regimental no Resp n. 1.024.138. Como as súmulas compreendem a síntese de um entendimento reiterado do Tribunal sobre determinado assunto, a pacificação do entendimento a esse respeito servirá como orientação para as demais instâncias da Justiça, daqui por diante.
Fonte:
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area
=398&tmp.texto=98855 acessado em 06 de setembro de 2010.
Texto Complementar 02
É sempre vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de
cláusulas em contrato bancário?
Reflexões sobre a Súmula 381 do STJ
Pablo Stolze Gagliano4 e Salomão Viana5
4Juiz de Direito (BA), mestre em Direito Civil pela PUC-SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG. 5 Juiz Federal (BA), especialista em Direito Processual Civil pela UFBA, professor da Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG.
Um dos pontos fundamentais do pensamento do filósofo da
linguagem ROBERT ALEXY6 é a defesa da imperiosa necessidade de o jurista
desenvolver o fundamento discursivo do seu pensamento em bases lógicas,
visando a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua
atividade cognitiva.
E está certo ALEXY.
Afinal, não cabe ao magistrado julgar de acordo com o seu
“achismo”, mas, sim, segundo valores socialmente objetivados, e na linha
de uma hermenêutica filosoficamente justificada.
Por isso, em nossa atividade acadêmica, exortamos, continuamente,
os nossos alunos a não imaginarem existir uma fronteira entre a dogmática
jurídica e os outros ramos do conhecimento humano, especialmente o
filosófico.
Aliás, em um sistema cada vez mais marcado pela abertura
conceitual dos preceitos normativos – império dos conceitos vagos e das
cláusulas gerais – a comunicação entre as diversas fontes do conhecimento
humano, além de traduzir uma quebra do encastalamento autopoiético do
Direito, passou a ser uma obrigatória exigência para a adequada aplicação
da norma ao caso concreto.
Nesse contexto, resta óbvio que não pode o juiz tornar-se um mero
reprodutor de uma ideia preconcebida, esteja ela insculpida em uma lei ou
aparentemente incrustada no entendimento sumulado de um tribunal.
Uma postura acomodatícia de um membro do Poder Judiciário em tais
casos, além de gerar o risco político imanente ao amesquinhamento dos
limites da atividade jurisdicional, menoscaba a certeza de que, em toda
atividade interpretativa, uma ideia que se concebeu a priori precisa,
6 Teoria da Argumentação Jurídica. SP: Edidora Landy, 2005.
invariavelmente, ser reconstruída por ocasião da sua aplicação no caso
concreto.
É este o grande medo que nos assoma, ante a publicação do
enunciado n. 381 da súmula da jurisprudência dominante do STJ.
Tememos que tal enunciado produza interpretações açodadas,
superficiais, cômodas, com desprezo ao “ônus da argumentação jurídica”,
anunciado por ALEXY.
A prevalência de interpretações desta natureza, além de produzir os
resultados indesejáveis já apontados, poderia culminar em um desastroso
retrocesso nas concepções que passaram a nortear a teoria do contrato,
mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.
Lembremo-nos do teor do enunciado: “Nos contratos bancários, é
vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.
Ora, se, por um lado, a edição de mais um enunciado de um tribunal
superior traduz fortalecimento da segurança jurídica, por conta do
estabelecimento de um parâmetro claro para que se alcance a desejada
uniformização da jurisprudência, por outro, não podemos olvidar que a
aplicação do preceito nele contida, segundo as características de cada caso
posto sob apreciação judicial, demanda um esforço hermenêutico mínimo
por parte do julgador, para que se não despejem, no mesmo cadinho
jurisprudencial, situações marcadas pela dessemelhança.
GERIVALDO NEIVA, em recente texto, faz as seguintes ponderações:
“Ora, da forma em que foi editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz
não pode conhecer de ofício de tais cláusulas, por outras vias, está
querendo dizer que os bancos podem inserir cláusulas abusivas nos
contratos, mas o Juiz simplesmente não pode conhecê-las de ofício. Banco
manda, Juiz obedece! Como diz o jargão de uma comediante da televisão:
cláusula abusiva? Pooooooode!! Nesta lógica absurda, considerando que as
cláusulas abusivas são sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis ao
cliente, o STJ quer que os Juízes sejam benevolentes com os bancos e
indiferentes com seus clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta
omissão será favorável ao banco, e não podem agir, mesmo sabendo que
sua ação poderá corrigir uma ilegalidade”7.
E é exatamente para se evitar situações como a prevista pelo aludido
autor que precisamos nos aprofundar nas bases da justificação do
entendimento sumulado e, especialmente, estabelecer os limites da sua
aplicação.
Neste passo, uma primeira conclusão deve ser, de logo, anunciada:
desde que sejam respeitados os limites estabelecidos pelo sistema jurídico,
em especial os previstos no núcleo principiológico da congruência, não
pode ser vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de uma
cláusula, em um contrato bancário.
Esta é a vontade do sistema jurídico. E não há súmula que tenha o
poder de contrariá-la.
Assim, a proibição contida no enunciado somente pode se dirigir a
hipóteses em que o reconhecimento ex officio afronte o princípio da
congruência.
E é exatamente neste ponto que nos encontramos, de novo, com
ROBERT ALEXY.
Se é reconhecidamente indispensável que o jurista desenvolva o
fundamento discursivo do seu pensamento em bases lógicas, de modo a
atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua atividade
cognitiva, sem estabelecer fronteiras entre a dogmática jurídica e os outros
ramos do conhecimento humano, é igualmente imprescindível que o jurista,
7 http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2009/05/sumula-381-do-stj-um-ato-
falho.html.
ao aplicar uma norma que integra um microssistema jurídico, não ignore a
existência de núcleos principiológicos de outros ramos da ciência do Direito.
Assim, é no Direito Constitucional e no Direito Processual Civil, mais
precisamente no exame do núcleo principiológico da congruência, que
devemos buscar as bases necessárias para que seja dada ao enunciado n.
381 a sua exata interpretação.
Para tanto, vale lembrar que “existe um poder-dever da autoridade
jurisdicional de responder ao pedido feito pela parte”8, sendo-lhe “vedado
se pronunciar sobre o que não tenha sido objeto do pedido”9. Igualmente,
não é permitido ao Poder Judiciário ir “além do pedido formulado,
concedendo ou deixando de conceder expressamente mais do que tenha
sido pedido”10.
Pronunciamento judicial decisório em que o magistrado deixa de
responder, na íntegra, ao pedido feito pela parte, em que se manifesta
sobre o que não tenha sido objeto do pedido ou em que se pronuncia sobre
matéria além do pedido formulado, é pronunciamento tisnado de vício. A
depender da situação em que se enquadre, dentre as três acima
mencionadas, tratar-se-á de uma decisão infra, extra ou ultra petita. E a
ocorrência de qualquer destas situações “consiste em infração ao princípio
da congruência do decisum com o pedido”11.
Nenhuma dúvida, pois, pode restar de que para que um julgador
possa conhecer, de ofício, da abusividade de uma cláusula, em um contrato
bancário, ele somente poderá fazê-lo se o julgamento que resultar do
fundamento discursivo do seu pensamento não violar o princípio da
congruência12.
8ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. 2. São Paulo: RT, 2005, p. 552. 9 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 554. 10 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 11 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 12 Cuidamos, aqui, da chamada congruência externa objetiva. “A congruência
externa da decisão diz respeito à necessidade de que ela seja correlacionada, em regra, com os sujeitos envolvidos no processo (congruência subjetiva) e com os
Por outras palavras, o julgador deve, sim, conhecer, de ofício, da
abusividade de cláusulas em contratos bancários, desde que, com isto, não
profira um julgamento extra ou ultra petita13.
E aí é de todo indispensável que se realce que a necessidade de que
o magistrado atue com obediência ao núcleo principiológico da congruência
está a anos-luz de distância da odiosa aplicação do direito mediante
perspectiva puramente processual.
Diferentemente disto, a atenção à congruência entre a demanda
proposta e o seu julgamento pelo Poder Judiciário é consectário
irrenunciável do respeito a aspectos basilares de um Estado Democrático de
Direito.
Efetivamente, admitir que o Poder Judiciário possa proferir um
julgamento a respeito do que não lhe foi pedido ou de modo a conceder
mais do que foi pedido é permitir que o patrimônio jurídico de uma das
partes seja invadido sem que a ela tenha sido dada oportunidade de se
manifestar e de interferir no conteúdo da decisão. É permitir, portanto, que
a garantia constitucional do contraditório e, por conseguinte, o princípio do
devido processo legal sejam reduzidos ao nada.
Proclama-se, atualmente, a necessidade de que os agentes políticos
do Poder Judiciário tenham uma atuação proativa. Anuncia-se um novo
tempo, um tempo de ativismo judicial, em que novas posturas do jurista
frente à Constituição conduziriam ao que se rotula de
elementos objetivos da demanda que lhe deu ensejo e da resposta do demandado (congruência objetiva). A congruência interna diz respeito aos requisitos para a sua inteligência como ato processual. Nesse sentido, a decisão precisa revestir-se dos atributos da clareza, certeza e liquidez” (DIDIER Jr., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol 2, 4ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 309). 13 Observe-se que não há possibilidade lógica de que do conhecimento, de ofício, da abusividade de uma cláusula contratual resulte uma decisão infra petita. Por este motivo, apesar de a aplicação do princípio da congruência implicar também a proibição de julgamentos infra petita, nos adstringiremos, nestas reflexões, a tratar das hipóteses de julgamentos extra e ultra petita.
neoconstitucionalismo, com os seus consectários lógicos, dentre eles o
neocivilismo e o neoprocessualismo (ou formalismo-valorativo).
Não somos resistentes a que os preceitos decorrentes destes novos
tempos se instalem.
Muito pelo contrário!
O que não é possível, entretanto, é admitir que a desejada
proatividade do Poder Judiciário resulte por colocar em risco a segurança
jurídica de quem quer quer seja. Se os preceitos de ordem pública, tais
como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor para assegurar a função social da propriedade e dos contratos,
devem ser vistos com pre-eminência sobre outras normas, eles nunca
tiveram, não tem e nunca terão força para inumar a garantia constitucional
do contraditório, a menos que, nesse roldão, seja demolido um dos pilares
do Estado Democrático de Direito.
Com a palavra, nesse ponto, HUMBERTO ÁVILA14:
“O Poder Judiciário não deve assumir, em qualquer matéria, e em
qualquer intensidade, a prevalência na determinação da solução entre
conflitos morais porque, num Estado de Direito, vigente numa sociedade
complexa e plural, deve haver regras gerais destinadas a estabilizar
conflitos morais e reduzir a incerteza e a arbitrariedade decorrente da sua
inexistência ou desconsideração, cabendo a sua edição ao Poder Legislativo
e a sua aplicação, ao Judiciário”.
Ao lado da violação à garantia constitucional do contraditório, aliás,
outras agressões ao sistema jurídico são facilmente identificáveis no
permissivo de que o Poder Judiciário julgue fora ou além do que lhe foi
14 Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), n. 17, jan./fev./março de 2009. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rede.asp,
pedido. Assim é que, apenas a título de exemplo, restariam também
feridos o princípio dispositivo e o princípio da inércia da jurisdição.
Não é, definitivamente, esta a ordem jurídica que se deseja.
Porém, não se pode confundir este tipo indesejável de atuação do
Poder Judiciário, com outro, este também marcado pela proatividade.
Todavia, a proatividade que marca este tipo outro de atuação a que
nos referimos é saudável, hígida, reverente ao Estado Democrático de
Direito e, por isto mesmo, perfeitamente ajustada ao sistema jurídico.
E, nessa perspectiva, o julgador deve, sim, aplicar, de ofício,
preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos no Código
Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função
social da propriedade e dos contratos, ou em observância a outro
princípio de matriz constitucional, desde que o faça no estritos
limites do julgamento da lide posta sob sua apreciação.
Com efeito, segundo norma expressa, contida no Código Civil,
nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos naquele código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos (art. 2035, parágrafo único15).
A dicção imperativa “nenhuma convenção prevalecerá” conduz à clara
conclusão de que o juiz não depende de manifestação alguma para que
possa reconhecer a abusividade lesiva ao sistema de princípios
constitucionais. Todavia, ele somente poderá fazê-lo se, ao conhecer, de
ofício, da abusividade, a conclusão a que chegar não o conduza a desbordar
os limites daquilo que lhe foi pedido e que constitui o chamado thema
decidendum.
15 Art. 2.035. (...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função da propriedade e dos contratos.
É que se é certo que o magistrado, em regra, não pode conhecer de
fatos que não tenham sido alegados pelas partes16, não está ele, porém,
atrelado ao enquadramento normativo que as partes fizerem dos fatos por
elas alegados.
Um exemplo tornará mais claro o nosso pensamento.
Imagine-se, que seja proposta, por um banco, uma demanda, cujo
pedido esteja voltado para a cobrança do valor resultante da aplicação de
uma cláusula penal17.
Ao narrar os fatos, o banco-autor, invocando a qualidade de credor,
informa que celebrou determinado contrato com o réu, seu cliente, a quem
imputa a situação de devedor, e que, no mencionado contrato, foi inserido
um pacto acessório, pelo qual os contratantes fixaram um valor a título de
indenização para a hipótese de descumprimento culposo da obrigação
principal. Por considerar que a obrigação principal assumida por seu cliente
teria sido descumprida, o banco formula o pedido de que seja imposta ao
devedor a obrigação acessória de pagar o valor constante na referida
cláusula.
O devedor, por sua vez, em defesa, argumenta que o valor cobrado é
inexigível, em razão de a cláusula penal conter determinado vício
invalidante.
Muito bem.
16 As exceções a esta regra somente podem estar contidas na lei, a exemplo do que se dá com as normas insculpidas nos arts. 131 e 462 do CPC. 17 Sobre a cláusula penal, um dos autores deste artigo, em obra da qual é coautor, fez o registro de que se trata ela de “... um pacto acessório, pelo qual as partes de um determinado negócio jurídico fixam, previamente, a indenização devida em caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de determinada cláusula do contrato ou em caso mora. Em outras palavras, a cláusula penal, também denominada pena convencional, tem a precípua função de pré-liquidar danos, em caráter antecipado, para o caso de inadimplemento culposo, absoluto ou relativo, da obrigação” (GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, Saraiva, 6ª ed, 2006, pág. 355).
Ao apreciar o caso, o juiz conclui que o vício apontado pelo réu inexiste.
O valor cobrado pelo banco, pois, se examinada a situação apenas à luz
dos argumentos esgrimidos pelo réu, seria exigível.
Ao lado disto, porém, o magistrado constata que o valor estabelecido a
título de indenização é abusivo, porque excede o valor da própria obrigação
principal, o que constitui afronta ao que dispõe o art. 412 do Código Civil18.
Nessa linha, apesar de o art. 41319 do mesmo código nada dizer a
respeito de a redução judicial do valor previsto na cláusula poder se operar
de ofício, deverá o juiz fazê-lo, reconhecendo a abusividade do valor
excedente, independentemente de manifestação do demandado.
Ao assim atuar, o magistrado permanecerá atrelado aos estritos lindes
da demanda, sem qualquer afronta ao princípio da congruência.
Observe-se, neste passo, que a decisão a respeito da questão principal
(a imposição, ao réu, da obrigação de pagar o valor constante na cláusula
penal) terá como fundamento o juízo de valor formado pelo magistrado a
respeito da abusividade da cobrança.
Ele, o juiz, não decidirá fundamentado na invalidade integral da
cláusula (que é a tese defendida pelo réu), mas na sua invalidade parcial,
naquilo em que o valor nela previsto for abusivo, independentemente de
manifestação do interessado.
Assim, a resolução da questão da abusividade – que é uma questão a
ser resolvida incidenter tantum – não exsurgirá do processo como fruto da
atuação jurisdicional fora dos limites do que foi pedido ao Poder Judiciário,
18 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. 19 Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
mas rigorosamente dentro das fronteiras do que é dado ao julgador
conhecer ao proferir uma decisão numa determinada causa: o Poder
Judiciário foi provocado para decidir a respeito da imposição de uma
obrigação a alguém e sobre ela decidiu20.
Imagine-se, agora, uma situação inversa, na qual a demanda é
proposta pelo cliente do banco, que, em situação semelhante à
anteriormente descrita, comparece em juízo para obter a declaração da
invalidade de uma cláusula penal. Neste caso, o consumidor dos serviços
bancários não aguardou que o banco lhe cobrasse. Ele próprio resolveu
tomar a iniciativa.
Ao apresentar os seus argumentos, o autor perfilha a linha de
entendimento segundo a qual o pacto acessório contido no contrato contém
determinado vício invalidante, pugnando pela sua declaração, para, assim,
firmar a sua inexigibilidade.
Se, ao apreciar o caso, o juiz concluir que o vício apontado pelo autor
inexiste, mas, simultaneamente, constatar que o valor estabelecido a título
de indenização é abusivo, porque excede o valor da própria obrigação
principal, deverá promover, ex officio, a redução judicial do valor previsto
na cláusula, independentemente de manifestação do demandante.
Ao fazê-lo, o magistrado permanecerá atrelado aos limites que foram
traçados no pedido formulado pelo autor. Mas não estará sujeito – melhor
dito, escravizado – a uma manifestação do interessado para que possa
atuar em respeito a um princípio matricial, como o é, na hipótese dada, o
da boa-fé objetiva.
20 FREDIE DIDIER JÚNIOR, em editorial publicado em 13 de maio de 2009 no seu site, intitulado Sobre o n. 381 da súmula do STJ (Editorial 63, www.frediedidier.com.br), faz precisas considerações a respeito de aspectos processuais que envolvem o tema, estabelecendo conexão com a norma contida no parágrafo único do art. 112 do CPC, que versa sobre a possibilidade de o juiz conhecer de ofício sobre a nulidade de cláusula de eleição de foro em contrato de adesão. O aludido editorial é de leitura indispensável para quem pretende formar uma ideia clara a respeito do real alcance do novo enunciado.
E aí é de todo adequado analisar, agora, ambas as situações sob a ótica
da garantia constitucional do contraditório.
No primeiro caso, o banco, na qualidade de autor, viu o Poder
Judiciário se pronunciar, ex officio, sobre uma questão incidental e, com
base no seu entendimento, decidir o que lhe foi pedido. E isto – nenhuma
dúvida pode restar a respeito – o julgador pode, sim, fazer.
Inaplicável é, pois, num caso como este, o enunciado n. 381 da súmula
do STJ.
Na segunda hipótese, o banco réu, por ocasião da citação, tomou
conhecimento de que o pedido do autor estava voltado para a declaração da
invalidade de determinada cláusula. Ao lado disto, a ele, réu, não é dado
ignorar que o sistema jurídico, máxime no que toca à existência de
preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos no Código Civil e no
Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos, bem como a boa-fé objetiva, permite que o
magistrado conheça de ofício de abusividades. Assim, cabia ao réu, em
obediência à norma contida no art. 300 do CPC21, defender, sob todos os
aspectos jurídicos – e não apenas quanto aos aspectos que foram objeto de
abordagem pelo autor – a validade da cláusula.
Destarte, quanto à incolumidade, em ambos os casos concretos
imaginados, da garantia constitucional do contraditório, restará ela mantida,
na íntegra, uma vez que o magistrado, em nenhum dos casos, ao decidir,
teria desbordado os limites da lide posta para a sua apreciação.
Não é por outro motivo que continua a merecer loa o enunciado n. 356
da IV Jornada de Direito Civil, segundo o qual nas hipóteses previstas no
art. 413 do Código Civil, o juiz deverá, de ofício, reduzir a cláusula penal.
21 Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.
Observe, porém, caro leitor: à vista dos pedidos concretamente
formulados nos casos propostos, não poderia o magistrado, por exemplo,
conhecer de ofício da abusividade do índice de correção monetária escolhido
pelas partes para incidir sobre o valor da obrigação principal, pois tal tema
desborda os limites do objeto litigioso do processo.
Por tudo isto, o que se conclui é que, em nosso sentir, o STJ não
pretendeu, com a súmula n. 381, impedir, em termos absolutos, a atuação
judicial espontânea diante de cláusulas consideradas abusivas, pois, se
assim fosse, estaria aquele tribunal mandando às favas, não apenas a
própria principiologia constitucional, mas também o Código Civil (arts. 421 e
422) e o Código de Defesa do Consumidor (art. 51).
Não é isso.
A pretensão, com toda a certeza, é a de ajustar a atuação jurisdicional
aos limites processuais do thema decidendum, para evitar aquele “ativismo
judicial” indesejável a que nos referimos.
Aliás, uma leitura atenta do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS – que
foi o recurso admitido, nos termos do art. 543-C do CPC, como
representativo da controvérsia – traz um valoroso contributo para o
entendimento das razões que conduziram o STJ a publicar o enunciado n.
381.
No julgamento, restou claro que a preocupação daquela corte superior
esteve voltada para impedir que a atuação ex officio do Poder Judiciário
resulte em violação ao núcleo principiológico da congruência.
Na sua redação, entretanto, o enunciado disse mais do que poderia ser
dito. Por isto, a sua construção redacional merece revisão, a fim de que
não sirva de base – ou de desculpa – para justificar decisões injustas,
calcadas em interpretação superficial ou açodada.
Nessa ordem de idéias, conclamamos você, amigo leitor, a adotar,
diante desse novo e importante enunciado, uma postura crítica e
inteligente, a fim de que não se reverbere a falsa idéia de que, a partir de
sua edição, os juízes se converteram em meros repetidores de normas,
dependentes sempre de provocação das partes, mesmo em temas de índole
constitucional, num inegável revival da interpretação exegética dos
primórdios do Código Francês.
(17 de março de 2009. Artigo. Professores Pablo Stolze e Salomão Viana.)
Artigo disponível no site: www.pablostolze.com.br
4. Bibliografia Básica do Curso
Novo Curso de Direito Civil – Obrigações – vol. II, PABLO STOLZE
GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, (Saraiva) www.saraivajur.com.br
5. Mensagem
Deus fique na sua companhia!
E lembre-se: Fé acima de tudo!
Paz e luz!
Um abraço!
O amigo, Pablo.
www.pablostolze.com.br
Revisado.2012.2.OK C.D.S.