resumo manuais de obrigações - responsabilidade civil

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Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Prof. Vítor Neves 2015/2016 Responsabilidade Civil

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Responsabilidade Civil

Introdução

Denomina-se por responsabilidade civil um conjunto de factos que dão origem à obrigação de

indemnizar os danos sofridos por outrem. A responsabilidade civil é uma das principais fontes das

obrigações.

Caraterização da Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é um instituto que determina, em determinadas situações, o desvio do

ordenamento jurídico em relação ao princípio fundamental segundo o qual aquele que sofre os

danos deve suportar os prejuízos causados na sua esfera jurídica. Regra geral, não nos podemos

queixar do mal que nos acontece. Em regra, não há, portanto, responsabilidade civil.

Mas há situações especiais em que o ordenamento nos permite transferir para a esfera jurídica de outros os danos ou perdas que se verificaram na nossa esfera. É destes casos que trata a responsabilidade civil. A responsabilidade civil é um sistema de imputação de danos: os danos verificam-se na esfera jurídica de um determinado sujeito, mas esses danos são transportados e terão que ser suportados por um outro.

Pressupostos da Responsabilidade Civil Para que tenhamos responsabilidade civil temos de ter:

Dois sujeitos:

Lesado - aquele que sofre a lesão e que vê na sua esfera jurídica verificarem-se determinados danos;

Responsável- aquele responsável pela lesão que se verifica na esfera jurídica de outrem. O que verificamos é que existe um determinado facto que é praticado. Este facto pode proceder de culpa do lesado, sendo que podemos ainda assumir a responsabilidade nos casos em que a lesão provém da esfera de controlo do responsável. Sabemos que de entre o facto e os danos tem que existir um nexo de causalidade. O nexo de causalidade significa, em geral, que os danos são consequências do facto. Em face deste quadro, temos uma indemnização. Porque os danos que se criam na esfera jurídica do lesado são imputáveis à esfera de controlo do responsável há um transporte da responsabilidade através da criação da obrigação de indemnizar pelo lesante. Este é o quadro comum invariável em qualquer situação de responsabilidade civil.

Obrigação de Indemnizar- Contextualização Introdutória Há uma obrigação de indemnizar quando o facto está na esfera de controlo de um sujeito e os danos produzem-se na esfera jurídica de outro: pegamos nos danos e trazemos esses danos para a esfera jurídica do responsável obrigando-o a indemnizar o lesado por esses mesmos danos. O responsável vai ter de pagar ao lesado uma indemnização na medida dos danos que lhe tenham sido causados: a

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responsabilidade civil é um sistema de imputação de danos. O transporte opera sempre da mesma forma- obrigação de indemnizar (arts 562º e seguintes). Em função das diferentes caraterísticas e natureza do facto que pode determinar a responsabilidade, pode

mudar o regime jurídico aplicável. A responsabilidade civil é diferente consoante as caraterísticas e a fonte

dessa mesma responsabilidade.

Esquema da Obrigação de Indemnizar

Responsabilidade Civil

Fonte das Obrigações baseada no princípio do ressarcimento dos danos

A responsabilidade civil consiste numa fonte das obrigações baseada no princípio do ressarcimento

dos danos.

A Responsabilidade Civil pode ser classificada em:

Responsabilidade por Culpa ou responsabilidade por Factos Ilícitos;

Responsabilidade pelo Risco ou responsabilidade objetiva;

Responsabilidade pelo Sacrifício- não foi abordada em aula- manual de Menezes Leitão.

Na responsabilidade por culpa ou por factos ilícitos, que é a regra geral do art. 483/1, a

responsabilização do agente pressupõe um juízo moral da sua conduta, que leve a efetuar uma

censura ao seu comportamento.

Na responsabilidade pelo risco ou responsabilidade objetiva, admitida só nos casos previstos pela

lei (arts. 483/2 e 499 e ss.), prescinde-se do juízo de desvalor, efetuando-se a imputação de

responsabilidade de acordo com critérios objetivos de distribuição do risco.

Já na responsabilidade pelo sacrifício, também se prescinde de um juízo de desvalor da conduta do

agente, sendo a imputação do dano baseada numa compensação ao lesado, justificada pelo sacrifício

suportado.

Funções da Responsabilidade Civil

Responsabilidade por Culpa- neste tipo de responsabilidade, além da função principal de

reparação do dano, existe também uma clara função preventiva e punitiva, a qual se demonstra pela:

o Diminuição da indemnização a que haverá lugar no caso de negligência (art. 494);

o Repartição da Indemnização em função da culpa dos agentes, no caso de pluralidade de

responsáveis (art. 497/2);

o Redução ou exclusão da Indemnização em caso de culpa do lesado (art. 570);

o Pela normal irrelevância da causa virtual da responsabilidade civil;

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Responsabilidade pelo Risco- para além da função de reparação do dano, a responsabilidade pelo

risco desempenha ainda limitadamente funções acessórias de prevenção;

Responsabilidade pelo Sacrifício- este tipo de responsabilidade desempenha exclusivamente

funções de reparação dos danos.

O Professor Vítor Neves considera que a assunção de responsabilidade civil, em qualquer uma das

suas modalidades, com a consequente criação da obrigação de indemnizar na esfera de um sujeito,

tem somente a função de reparação dos danos que hajam sido criados.

Modelos Tradicionais de Responsabilidade Civil Tradicionalmente havia:

Responsabilidade extraobrigacional- quando o facto que determina a constituição da obrigação de indemnizar não corresponde ao incumprimento de uma obrigação, mas sim a um facto que acontece fora do contexto obrigacional. Neste caso entre o responsável e o lesado, antes da verificação do resultado não existia qualquer vínculo. Este vínculo nasce em consequência do facto que determinar a obrigação de indemnizar.

Neste âmbito, há uma violação de direitos absolutos alheios. Esta responsabilidade pode ser objetiva ou subjetiva

o Subjetiva- existe quando o facto que está na origem da responsabilidade é ilícito e culposo. A razão pela responsabilização tem que ver com a prática de um facto contrário ao ordenamento jurídico (ilicitude) e é subjetivamente censurável (culposo). Aquele que não respeita o direito alheio deve indemnizar porque o seu comportamento é subjetivamente censurável. Naquelas circunstâncias era exigível ao sujeito a adoção de um comportamento diferente- culpa. Por exemplo, se uma pessoa chega ao carro de outrem e com uma pedra parte o vidro, estamos perante uma situação de responsabilidade civil subjetiva- o ato é ilícito e culposo.

o Objetiva- esta é a chamada responsabilidade pelo risco. Neste caso, o responsável tem de indemnizar o lesado pelos danos sem procedência de culpa sua. O fundamento da obrigação de indemnizar, neste caso, já não é a censura do comportamento do agente. Está em causa um critério fundamental de justiça- a lei identifica determinadas circunstâncias em que é justo responsabilizar um determinado agente pelos danos que sejam causados a terceiro. Nestas situações, não é justo que quem sofre determinados danos conserve esses mesmos danos na sua esfera jurídica sem que possa fazer valer o seu direito à reparação. Esta ideia assenta no princípio de que quem retira o proveito de um determinado risco deve suportar as consequências negativas que a concretização desse risco venha a causar. Quando alguém exerce uma atividade perigosa colocando em risco um terceiro, não é justo que estes últimos fiquem com as consequências negativas na sua esfera jurídica. Se eu exerço uma atividade perigosa e dela retiro proveito, embora esta cause prejuízos a terceiros, então devo suportar os riscos e reparar os danos.

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Por exemplo, a condução é considerada pela lei como uma atividade perigosa- obviamente que esta opção legislativa foi feita com base em um conjunto de estudos sociológicos. Sabemos que quem conduz em seu proveito pode retirar vantagens do exercício da atividade perigosa, mas dela podem também resultar danos para um terceiro. Ora, verificados os danos, deve o condutor suportá-los e reparar o prejuízo causado.

Responsabilidade Contratual ou Obrigacional- aquela que resulta do incumprimento imputável à pessoa do credor ou devedor. Quem incumpre uma determinada obrigação fica adstrito ao pagamento de uma indemnização em virtude dos danos que haja causado. Antes do facto que determina a responsabilidade, os dois sujeitos já estavam vinculados por uma obrigação. Este juízo assenta na ideia de que o sujeito inobservou o dever que sobre ele impendia de realizar a prestação que lhe era devida. Portanto, a ilicitude do seu comportamento traduz-se no incumprimento de uma obrigação. Neste tipo de responsabilidade, a ilicitude assenta na violação dos direitos de crédito, contrariamente à responsabilidade extraobrigacional que assenta num desrespeito por direitos absolutos que subsistem na esfera jurídica de outrem.

Diferença de Regimes:

Responsabilidade Civil Contratual e Responsabilidade Civil Extracontratual

Na responsabilidade Civil Contratual ou Obrigacional estão em causa situações onde há efetivamente uma

violação de vínculos obrigacionais- incumprimento das obrigações. Na responsabilidade

extracontratual ou delitual, há uma violação de deveres genéricos de respeito, de normas gerais

destinadas à proteção de outrem, ou à prática de Tatbestand delituais específicos. O nosso Código

Civil tratou separadamente estas duas categorias de responsabilidade nos arts. 483 e ss. E nos arts. 798 e

ss..

Diferenças de entre os regimes:

a) Enquanto na responsabilidade obrigacional a culpa é presumida (art. 779/1), na responsabilidade

delitual a culpa não é presumida (art. 487/1);

b) A responsabilidade delitual tem prazos de prescrição mais curtos (art. 498), enquanto a

responsabilidade obrigacional é sujeita aos prazos de prescrição gerais das obrigações (arts. 309 e ss.);

c) É diferente o regime da responsabilidade por atos de terceiro;

d) Em caso de pluralidade de responsáveis, na responsabilidade delitual o regime aplicável é o da

solidariedade (art. 497), ao passo que na responsabilidade obrigacional tal só acontecerá se esse regime

já vigorar para a obrigação incumprida;

e) Os dois tipos de responsabilidade também se regem por regras de conflito diferentes.

A responsabilidade obrigacional deve ser considerada como sendo uma fonte das obrigações, à semelhança

da responsabilidade delitual, e não como uma mera modificação da obrigação inicialmente constituída.

A diferença de entre estes dois regimes de responsabilidade é que, enquanto a responsabilidade delitual

surge como consequência da violação de direitos absolutos, que aparecem, assim desligados de qualquer

relação intersubjetiva previamente existente entre lesante e lesado, a responsabilidade obrigacional

pressupõe a existência de uma relação intersubjetiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à

prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.

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Há, porém, situações em que não existe um direito primário de crédito, por meio de alguém que possa

exigir de outrem uma prestação, mas a responsabilidade surge em consequência da violação de deveres

específicos: deveres de boa-fé, geradores de responsabilidade pré-contratual e pós-contratual.

Efetivamente, esses deveres não possuem uma tutela primária, através da ação de cumprimento, mas

surgem no âmbito de ligações específicas entre as partes que instituem deveres que constituem um plus

relativamente ao dever geral de respeito.

A questão das situações intermédias: auditores de uma sociedade Tradicionalmente havia responsabilidade extraobrigacional de entre pessoas que não tinham nenhuma relação prévia de entre elas- não havia nenhum dever do responsável para com a pessoa em concreto- a pessoa só era responsabilizada porque violava o interesse do outro. Pelo contrario, na responsabilidade contratual tínhamos dois sujeitos envolvidos num vinculo obrigacional- o devedor tinha que atuar considerando o interesse do credor. Alguns autores, falam das situações de fronteira para com uma terceira via que nem corresponde a uma espécie de responsabilidade obrigacional, nem extraobrigacional. As situações intermédias nem são bem responsabilidade extraobrigacional nem obrigacional como tradicionalmente era entendido. O exemplo que levou ao desenvolvimento desta terceira via foi o caso dos auditores de uma sociedade. Quando estes não controlam as contas e não fazem jus à sua função causam danos aos investidores porque haverá uma injeção de capital em uma coisa que se encontrava numa situação de fragilidade. Os auditores não tinham nenhuma obrigação para com os investidores, logo a responsabilidade não seria obrigacional. Mas também não se podia considerar que estes tinham uma relação estranha para com os investidores. Do estatuto, das funções e responsabilidades que lhe são incumbidas resulta o dever de estes atuarem tendo em consideração os interesses dos investidores. Esta é uma situação de fronteira- cinzenta Esta é uma Teoria da Terceira Via da Responsabilidade Civil. Corresponde a uma situação intermédia entre a responsabilidade extraobrigacional subjetiva e a responsabilidade obrigacional objetiva. Responsabilidade Pré contratual- art. 227º O que carateriza a responsabilidade pré-contratual é a circunstância de o facto ilícito se traduzir na violação de um dever de natureza pré-contratual tal como previsto no art. 227º. Ou seja, a ilicitude do comportamento justifica a responsabilidade porque alguém que está envolvido no processo negocial tendente à formação de um contrato adota um comportamento contrário a boa-fé, ou seja o comportamento não materializa a conduta de um homem honesto ou de um bom pai de família. Responsabilidade por Factos Lícitos

Existem situações residuais de responsabilidade por fato lícito. Em determinadas situações concretas a lei diz-nos que não obstante o agente ter atuado licitamente, ainda assim, é obrigado a indemnizar pelos danos que tenha causado. Por exemplo: art. 338º, art. 339º. Conclusões A responsabilidade civil não é um instituto unitário. Existem varias modalidades de

responsabilidade civil, em função das diferentes caraterísticas dos factos que podem levar à

responsabilidade e à obrigação de indemnizar. Os requisitos da obrigação de indemnizar são diferentes de

entre as modalidades de responsabilidade civil em causa. Há vários tipos de responsabilidade civis- estas

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são determinadas em função da natureza e caraterísticas do facto que determina a obrigação de indemnizar

no caso concreto.

Denominador Comum: É comum, em qualquer modalidade de responsabilidade civil, a existência de danos. O dano é o elemento central da responsabilidade civil. A responsabilidade civil tem uma função somente reparadora e não sancionatória, i.e., não visa impor um castigo a ninguém. Esta é uma caraterística de todo o Direito Privado que não castiga, mas repara. Pode acontecer que um determinado facto que implica a responsabilidade civil seja também ele sancionado penalmente. Mas de um ponto de vista civil só importa a existência de responsabilidade pelos danos e se esta existir, a medida dos danos será determinante para o montante da indemnização que terá que ser pago. O ato mais censurável se não tiver consequências danosas é irrelevante para o Direito Civil. Em contrapartida, o ato de censura mais leve, ainda que tenha associadas consequências danosas mais levianas, ainda assim, para o direito civil estas consequências acompanharão a medida dos danos e haverá lugar à obrigação de indemnizar. Hipóteses:

1) Quando alguém tenta matar outrem e para isso dá-lhe um tiro. Nesse seguimento, a pessoa não morre. O ato é censurável mas as consequências são reduzidas- quem pratica o ato vai ser obrigado a indemnizar as custas do hospital e os lucros cessantes porque o individuo deixa de trabalhar.

2) Se numa festa se uma pessoa sem intenção atira outra à piscina e esta sofre danos gravíssimos, este ato, ainda que não sendo tão censurável vai determinar uma obrigação de indemnizar nas respetivas medidas dos danos causados. Se há danos estes têm que ser reparados- mas se não há danos, o facto é considerado como juridicamente irrelevante para o Direito Civil.

Não há proporção que possamos estabelecer de entre os danos para com a censura e gravidade facto que esteve na base da responsabilidade civil. Os danos, estes, correspondem então, pelo menos do ponto de vista técnico, à supressão de situações de vantagem ou à criação ou ampliação de situações de desvantagem. Existe um dano quando verificamos na esfera jurídica de uma pessoa. Houve uma consequência que colocou a pessoa numa situação pior do que aquela que estava antes. Para averiguarmos da existência da obrigação de indemnizar temos de fazer uma comparação de entre a situação real e a situação hipotética em que a parte se encontra. A medida da diferença de uma para com a outra vai ser igual aos danos.

Situação Real- situação em que o lesado efetivamente está;

Situação Hipotética- situação em que o lesado estaria se não fosse o facto que determina a responsabilidade.

Há diferenças: se o lesado estaria melhor sem a ocorrência do facto a medida da diferença corresponderá aos danos que vão ter que ser objeto de indemnização. Isto pode acontecer porque existiam determinadas vantagens que o lesado deixou de auferir. Por exemplo, se o lesado tinha uma posição de vantagem- um carro danificado- então o responsável evidentemente que terá que indemnizar. Há uma supressão da vantagem, logo haverá uma indemnização na medida do necessário para que o carro volte a estar no estado em que deveria de estar. O dano pode então corresponder a uma situação de supressão de uma vantagem desaparecida ou criação de uma desvantagem.

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Quadro Geral da Responsabilidade Civil

A Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos

O art. 483 vem estabelecer uma cláusula geral de responsabilidade civil subjetiva, fazendo depender a

constituição da obrigação de indemnização da existência de:

1- Facto Voluntário- conduta do agente;

2- Ilicitude da conduta-Esta conduta tem que representar a violação de um dever imposto pela ordem

jurídica;

3- Culpa- O agente tem de agir com culpa;

4- Dano- A conduta tem que provocar danos;

5- Entre o Facto e os danos tem que existir um nexo de causalidade juridicamente relevante- nem todos

os danos que resultem de um determinado facto de um ponto de vista naturalístico são indemnizáveis.

Apenas são indemnizáveis os danos que estabelecem com o facto uma causalidade que seja considerada

juridicamente relevante. O nexo de causalidade não é totalmente natural, embora assente numa

causalidade naturalística num primeiro momento. Além de natural, o nexo tem de satisfazer requisitos

de relevância jurídica.

Só é possível haver responsabilidade civil quando conseguimos estabelecer um nexo de causalidade

de entre a conduta do agente e o facto danoso- mas esta matéria vai ser desenvolvida numa fase

posterior.

1. O Facto Voluntário do Lesante

(CC Anotado) Só o Homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos

alheios ou de agir contra disposições legais.

Tratando-se a responsabilidade civil por factos ilícitos de uma responsabilidade civil subjetiva, esta nunca

poderia ser estabelecida sem existir um comportamento dominável pela vontade, que possa ser imputado

Sujeito A (Lesado)

Sujeito B (Responsável)

Sofre Danos

Facto

Indemnização

Nexo de Causalidade

Danos

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a um ser humano e visto como expressão da conduta de um sujeito responsável. Não se exige, porém, que

o comportamento do agente seja intencional ou sequer que consista numa atuação, bastando uma conduta

que lhe possa ser imputada em virtude de estar sobre controlo da vontade.

“Só pode existir responsabilidade civil quando há um acto humano.”

Se um determinado dano é consequência de qualquer facto, mas que ainda assim não conseguimos atribuir

responsabilidade ao agente, não haverá lugar a responsabilidade civil.

Um comportamento implica uma imputação do facto a uma decisão tomada pelo agente.

A vontade para o direito corresponde à perceção externa que nos permite identificar um determinado

comportamento como consequência de decisão de uma determinada pessoa. induzimos

consequentemente, através de critérios de normalidade, se essa pessoa tomou ou não a decisão no sentido

de atuar de uma determinada forma.

Por isso, acontecimentos do mundo exterior causadores de danos- queda de raios, tremores de terra e

ciclones- não podem ser incluído no elenco de factos humanos voluntários imputáveis ao agente.

Mesmo fenómenos respeitantes ao agente podem não constituir factos voluntários sempre que ao

agente falte a consciência ou não possa exercer o domínio sobre a sua vontade. Ou seja, mesmo

comportamentos considerados como humanísticos- provenientes da atuação humana- podem não ser

suficientemente graves ou relevantes para imputação de responsabilidade: por exemplo, quando alguém

empurra outrem numa exposição e este destrói uma obra de arte, a pessoa que lesou a peça de arte não é

responsável porque a força da queda não é o resultado de uma decisão tomada pelo próprio. A destruição

do quadro resulta da ação voluntária de outro sujeito, sendo que em relação a este já pode haver lugar à

obrigação de indemnizar pelos danos causados na obra de arte.

Forma de Resolução de Casos Práticos:

1º.. Olhamos para o comportamento do agente;

2º.. Vemos se este teve ou não a oportunidade de decidir de aquela ou de outra forma;

3º.. Concluímos se estamos perante uma ação voluntária ou não:

Sim- facto voluntário- pode haver responsabilidade civil (obrigação de indemnizar);

Não- não pode haver responsabilidade civil- não estamos perante um facto dominável pela

vontade

Deste modo, não envolve responsabilidade civil a situação de o agente destruir um vaso de porcelana valioso, ao cair sobre

ele na sequência de uma síncope cardíaca ou porque foi submetido a coação física para o efeito.

Formas do Facto

O Facto pode ser ativo ou omissivo: facto significa ação ou omissão. Podemos ser responsáveis em sede

de responsabilidade civil Extraobrigacional quando agimos ou quando omitimos a conduta devida. Tanto

pode ser relevante um comportamento ativo como um comportamento.

O facto voluntário do agente pode revestir duas formas:

o Acção- art. 483;

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o Omissão- este facto resulta de uma oneração do agente com um dever específico de praticar o ato

omitido. Para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem exige-se, para além

da necessária cumulação dos pressupostos da responsabilidade civil delitual, a existência de um dever

específico que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos- art. 486º.

A lei refere-se especificamente às omissões como fonte da obrigação de indemnizar no art. 486º. Se virmos

este artigo, sabemos que aí se estabelece que há uma obrigação de indemnizar quando havia o dever de

praticar um ato juridicamente relevante omitido pelo agente. O ato é devido por força de lei ou de negócio

jurídico. Nas omissões existe um requisito suplementar que se coloca ao nível da ilicitude. Esta não se

mede nos mesmos termos da responsabilidade extraobrigacional por ação. Nestas situações, o dever

jurídico de atuar e a sua omissão determina a responsabilidade civil.

Responsabilidade Civil por Omissão no CC Anotado

Para que haja lugar à constituição de uma obrigação de indemnizar em virtude da omissão, tem que existir

um dever de ação, i.e., o dever de praticar o ato omitido. E é necessário também, nos termos do art. 563,

que haja também de entre a omissão e o dano um nexo de causalidade: deve tratar-se de um dano que

provavelmente se não teria verificado se não houvesse uma omissão pelo agente daquela que era a conduta

devida pelo próprio.

A obrigação de reparar os danos não existe quando o ato omitido tenha sido substituído por outras

precauções consideradas idóneas pela generalidade das pessoas para prevenir o dano.

Não havendo lei ou negócio jurídico que exija a prática do ato omitido, não há lugar a responsabilidade

civil, mesmo que o ato seja imposto pela moral, pelos usos ou ainda por convenções sociais- como

acontece no caso de alguém que, vendo outrem prestes a morrer afogado ou a ser atropelado, não o salva,

podendo fazê-lo e devendo fazê-lo segundo as prescrições de boa ética.

Doutrina dos “deveres de segurança no tráfego” ou “deveres de prevenção do perigo delituais”

Esta doutrina permitiu um alargamento da responsabilidade delitual por omissão, para além dos casos

legalmente típicos. De acordo com esta corrente doutrinária, sempre que alguém possui coisas ou exerce

uma atividade que se apresentem como potencialmente suscetíveis de causar danos a outrem, tem

igualmente o dever de tomar as providências adequadas a evitar a ocorrência dos danos, podendo

responder por omissão se o não fizer. As coisas ou atividades perigosas, que se encontram no âmbito do

controlo de um sujeito, delimitam assim um campo específico de imputação, onde a ocorrência de danos

o sujeita à responsabilidade por omissão.

2. A Ilicitude

Para chegarmos à conclusão de que um determinado facto é ilícito temos de seguir os seguintes passos:

1. Confirmação de que estamos perante a violação de um direito ou norma legal destinada a proteger

interesse alheio;

2. Têm de se verificar no caso concreto os Elementos Subjetivos da Ilicitude: dolo e negligência;

3. Averiguação se no caso concreto concorre ou não uma causa de exclusão da ilicitude.

Depois destes passos podemos fazer um juízo de ilicitude de um facto. O que está subjacente à ilicitude é

um juízo de desvalor que o facto merece à face do ordenamento jurídico. Há uma violação de direito alheio

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ou de norma legal destinada a proteger interesses alheios- elementos objetivos de responsabilidade. Como

sabemos direito subjetivo corresponde a uma situação jurídica ativa que se traduz na proteção direta de

um determinado sujeito. Mas a proteção pode ser direta ou reflexa- como vimos na aula anterior.

Diz o art. 483/1:- aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou

disposição legal destinada a proteger interesses alheios

A ilicitude traduz-se na contraditoriedade entre o comportamento adotado para com as regras e princípios

do ordenamento jurídico. Aquele comportamento em si mesmo considerado é contrário ao ordenamento

jurídico. Os autores não se entendem sobre o que é necessário para que o ato seja ilícito.

Divergência Doutrinária

Ilicitude- contrariedade objetiva;

Ilicitude- só há quando concorrem elementos subjetivos

Conceito Subjetivo: Para alguns autores: o dolo e a negligência, não são elementos da culpa, mas

simplesmente elementos da ilicitude. Para esta corrente doutrinária, só é contrario ao ordenamento um

ato em relação ao qual possamos estabelecer um nexo subjetivo de ligação com o agente- a ilicitude

incluiria, nestes termos, os elementos subjetivos: dolo e negligência.

Conceito Objetivo: Para outros autores o dolo e a negligência são elementos da culpa e não parte

integrantes da ilicitude. Para os autores que tomavam esta posição, os elementos positivos da ilicitude

integrariam os elementos da culpa. O dolo e a negligência deixavam de ser necessários na ilicitude

Esquema da Ilicitude:

Elementos Positivos:

o Objetivos- violação de direitos / interesses legalmente protegidos;

o Subjetivos- dolo + negligência-

Elementos Negativos- causas de justificação ou causas de exclusão da culpa

Art. 483

“Aquele com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger

interesse alheio”. O comportamento tem que ser praticado pelo agente com dolo ou mera culpa. A

mera culpa corresponde à mera negligência tal como habitualmente é contraposta ao dolo.

Hipótese: A agride B

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1) Este é um facto voluntário. Em condições normais, A toma a decisão de se comportar desta forma que se materializa

por ser uma intromissão inadmissível no direito à integridade física do sujeito B. É evidente também que estamos a

violar o direito de personalidade de outrem. Há então uma violação do direito alheio de outrem;

2) Há dolo ou negligência (elementos subjetivos) - houve dolo- a atuação do sujeito A, numa perspetiva genérica é

culposa- estão também verificados os elementos subjetivos

3) Em principio a agressão é ilícita

Mas imaginemos que a pessoa se dirigia ao professor parecendo que o ia agredir

4) Temos de averiguar se no caso concreto estão reunidos os requisitos que nos permitem excluir a

ilicitude. Reunidos os pressupostos, podemos acabar por excluir a obrigação de indemnizar;

Portanto, É necessário que haja uma violação de direito alheio. Tem que existir um nexo de imputação

subjetiva entre o facto e o agente. Também não podem concorrer, para a responsabilidade civil, um

conjunto de requisitos que excluam a ilicitude- causas de justificação.

Papel da Consciência da Ilicitude

Teoria do Dolo (Vorsatztheorie)

De acordo com essa conceção, o dolo, para além da intenção do agente, pressupõe a consciência da

ilicitude do facto pelo que, sempre que ao agente falte essa consciência da ilicitude, ele não agiria com

dolo, mas antes com negligência.

Teoria da Culpa (Schuldtheorie)

Para esta teoria, ao dolo não é necessária a consciência da ilicitude, pelo que a falta de consciência da

ilicitude não impede que o comportamento do agente seja qualificado como doloso, ocorrendo apenas a

exclusão da culpa, caso essa falta de consciência da ilicitude seja não censurável.

No âmbito do Direito Penal tem vindo a prevalecer a teoria da culpa, como conseguimos constatar do art.

17 CP. Já no âmbito do Direito Civil a doutrina tem-se mantido maioritariamente ligada à teoria do dolo.

Posição do Professor MENEZES LEITÃO

No âmbito do direito civil o dolo é considerado como uma forma de culpa, pelo que não faria sentido

qualificar um comportamento como doloso, ainda que não culposo, em virtude de a falta de consciência

da ilicitude não censurável impedir a formação de um juízo de culpa. Se ocorre a exclusão da culpa em

virtude da desculpabilidade do erro sobre a consciência da ilicitude, naturalmente que também estará

excluído o dolo. No entanto, se a falta de consciência da ilicitude é censurável não parece que a sua ausência

transforme necessariamente o ilícito doloso em negligente, conforme propugna a teoria do dolo. Essa

situação ocorrerá no caso de o agente destruir coisa alheia, julgando-a sua, mas aí porque o erro incide

sobre a situação jurídica da coisa e não propriamente sobre a ilicitude do comportamento, e só aquela é

causa de afastamento do elemento intelectual do dolo. Se, por exemplo, o agente, sendo professor, agride

um aluno por julgar censuravelmente que a lei lhe atribuía poderes de correção física deste, teremos que

reconhecer que o seu comportamento é doloso. A não ser assim, a falta de consciência da ilicitude, ainda

que censurável, excluiria sempre a responsabilidade nos casos em que a lei não responsabiliza o agente

pela negligência, o que o professor MENEZES LEITÃO não considera adequado.

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Daí reconhecer-se quer a falta de consciência da ilicitude não pode relevar para distinguir o dolo da

negligência, constituindo antes uma causa da exclusão de culpa em geral.

Posição do Professor Vítor Neves

Há autores que dizem que o dolo e a negligência não são elementos subjetivos do tipo positivo da ilicitude.

Dizem estes que o dolo e a negligência são meros elementos que integram a culpa, posição esta que não é

a tomada pelo Professor Vítor Neves. Na opinião do professor o dolo e a negligência são elementos

subjetivos da ilicitude. Para que possamos formar um juízo de desvalor do facto, não basta que as

consequências do facto se reportem a uma proteção que o ordenamento jurídico confere a uma outra

pessoa. Para que tenhamos uma ilicitude no sentido de um juízo de desvalor, tem de haver um nexo de

entre a consequência e o comportamento do agente. Tem que existir uma conexão subjetiva que leva a

que o desvalor não seja uma mera consequência, mas também um resultado- isto pressupõe a existência

de dolo e de negligência enquanto elementos subjetivos da ilicitude. Não existindo dolo ou negligencia,

não faz zenido falarmos em ilicitude- não há a atribuição de um facto censurável ao agente, i.e., o facto

praticado pelo agente não é censurável pelo ordenamento jurídico.

Proteção conferida pelo Ordenamento Jurídico ao Particular

Em TGDP falámos das situações jurídicas ativas. Estas são situações em que o ordenamento outorga a

alguém uma determinada vantagem ou proteção. O ordenamento atribui proteção a um determinado

sujeito de duas formas:

Atribuição Direta de um: direito subjetivo; de um poder; ou de uma faculdade. Nestes casos, o

ordenamento contempla diretamente o sujeito e age na sua esfera jurídica- a proteção é feita

diretamente para com o agente. Quando alguém adota um comportamento que viole o espaço de

liberdade conferido a outrem, estamos perante uma violação de situações jurídicas ativas atribuídas

a um outro sujeito.

Vimos que uma situação jurídica ativa tem:

Um elemento positivo- espaço de liberdade;

Um elemento negativo – que tem que ver com o dever de respeito pelas situações

jurídicas ativas que o ordenamento atribui a outros sujeitos jurídicos.

Existe um dever geral de não perturbação das situações jurídicas ativas que subsistem na esfera

jurídica de outrem.

O que é que o ordenamento faz nesta situação?

a) Contempla uma pessoa;

b) Protege essa pessoa;

c) Atribuiu uma situação jurídica ativa a essa pessoa;

d) Impõe o dever de respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos de outrem;

a. Mas se não há um respeito- dever de indemnizar- responsabilidade civil.

a) A Ilicitude por violação de direitos subjetivos

A primeira variante da ilicitude prevista no art. 483/1 consiste na violação de direitos subjetivos. Esta

modalidade de ilicitude tem como caraterística especial o facto de, ao se exigir uma lesão de um direito

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subjetivo específico, se limitar a indemnização à frustração das utilidades proporcionadas por esse direito,

não se admitindo assim nesta sede a tutela dos danos puramente patrimoniais (pure economic loss).

Efetivamente, neste caso a função da primeira variante da ilicitude prevista no 483/1, não se reconduz à

tutela genérica do património do sujeito, mas antes à tutela das utilidades que lhe proporcionava o direito

subjetivo objeto de violação.

Em primeiro lugar, é evidente que são abrangidos por esta modalidade de ilicitude os direitos sobre bens

jurídicos pessoais (vida, corpo, saúde e liberdade) cuja proteção tem aliás, dignidade constitucional nos

termos dos arts. 24 e ss. CRP. A lesão de qualquer um destes bens é sancionada assim com uma

indemnização pelos prejuízos havidos. Também outros direitos absolutos como direitos reais, direitos de

propriedade industrial e os direitos de autor se encontram tutelados pela responsabilidade civil. Haverá

assim também ilicitude sempre que o agente venha a lesar alguma das utilidades proporcionadas por esses

direitos.

Entre nós, a lei é ainda expressa quanto à tutela da simples posse pelo instituto da responsabilidade civil

(art. 1284). Para além disso, haverá ilicitude sempre que sejam violados direitos de personalidade: direito

ao nome e ao pseudónimo (arts. 72 e 74); a não divulgação de escritos confidenciais (arts. 75 a 78); direito

à imagem (art.79); e direito à reserva da intimidade da vida privada (art.80).

Relativamente aos direitos familiares parece possível incluí-los no âmbito de tutela da responsabilidade

civil, mas somente aqueles que tenham uma natureza patrimonial associada. Já quanto aos direitos de

natureza pessoal, não parece admissível a sua tutela através da responsabilidade civil delitual, em virtude

de a lei estabelecer sanções de outra ordem para a sua violação.

Norma legal destinada a proteger interesses alheios- não contempla diretamente o protegido,

mas coloca situações jurídicas passivas em outrem. O sujeito acaba por ser protegido indiretamente

porque beneficia do cumprimento dos deveres que são impostos aos outros sujeitos.

Estamos perante aquelas situações jurídicas passivas de proteção indireta/reflexa. Ou seja, o

ordenamento jurídico não nos atribui diretamente uma posição de vantagem, mas a proteção

resulta do facto de o sujeito ser beneficiário do cumprimento dos deveres que ordenamento

jurídico impõe a outros. Esta imposição pode ser feita direta ou indiretamente.

b) A ilicitude por violação de normas de proteção

Esta é uma das outras variantes de ilicitude que consta da cláusula geral do art. 483/1, referindo-se às

disposições legais destinadas a proteger interesses alheios- Normas de Proteção. Trata-se de normas que,

embora dirigidas à tutela de interesses particulares, não atribuem aos titulares desses interesses um

verdadeiro direito subjetivo, por não lhes atribuírem em exclusivo o aproveitamento de um bem. Por

exemplo, algumas disposições do Direito Penal e do Direito de Mera Ordenação Social. Também deve ser

incluído neste âmbito da ilicitude a violação de normas relativas à concorrência desleal.

Pressupostos desta categoria de ilicitude:

a) A não adoção de um comportamento, definido em termos precisos pela norma- tem que existir um

desrespeito por um determinado comando para que se estabeleça um juízo de ilicitude;

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b) Que o fim dessa imposição seja dirigido à tutela de interesses particulares- se a norma for dirigida a

proteger o interesse público e só reflexamente atingir interesses particulares, estará naturalmente

excluída a possibilidade de um particular exigir a indemnização;

A verificação de um dano no âmbito do círculo de interesses tutelados por esta via- exclui-se a

possibilidade de indemnização relativamente a outros danos, ainda que verificados em consequência do

desrespeito de uma norma.

Proteção Indireta e Proteção Reflexa

Existe proteção indireta quando o bem protegido é suscetível de apropriação individual- como

acontece com um bem particular individualmente atribuído a cada sujeito;

Existe proteção reflexa quando o bem protegido é insuscetível de apropriação individual.

Devemos analisar a norma e verificar se aquilo se está em causa é um bem individual ou um bem

de natureza publica, este ultimo insuscetível de apropriação. Para o professor, fazer esta distinção

é muito importante na prática.

Art. 483º: só inclui a proteção indireta e não a reflexa

Explicação Exemplificativa

Situações em que o ordenamento por exemplo protege o sujeito A, mas que em vez de se dirigir a este e lhe atribuir uma

situação jurídica ativa, dirige-se ao b, c e ao E impondo-lhe uma situação jurídica passiva. O sujeito A fica protegido em

consequência das situações jurídicas passivas que subsistem na esfera jurídica de outros. Se os outros não respeitam os deveres

que lhes são exigidos, e se daí resultarem danos na esfera do A, então este terá direito a indemnização.

Mas se a norma visa somente proteger o interesse público e o A sair lesado, então este não requerer uma indemnização pelos

danos sofridos. O sujeito A não pode reclamar o interesse público para satisfação dos seus próprios interesses.

Em suma: As normas impõem deveres a outrem. A pessoa fica numa melhor posição porque lhe são

atribuídos interesses ou direitos. No entanto, a proteção conferida pelo ordenamento jurídico a um sujeito

é direta ou indireta e indiretamente, a proteção pode ser mediata ou reflexa. Em ambas as situações o

ordenamento protege os sujeitos, embora na proteção reflexa não exista direito à indemnização pelos

danos causados. A proteção reflexa resulta da atribuição de deveres a um outro sujeito- não haverá

indemnização- sendo um resultado da busca de uma proteção do interesse público. Nestes casos, ainda

que haja danos, é muito difícil haver uma indemnização- o particular não pode fazer uso do interesse

público.

Se o sujeito demonstrar que o objetivo da norma legal era proteger individualmente o seu setor de atividade

ou a sua esfera jurídica particular- uma norma que o visava proteger individualmente- haverá lugar a

indemnização porque o agente é beneficiário direto da norma- um bem individual do sujeito foi agredido.

Ora bem, do ponto de vista teórico não existe qualquer dificuldade nesta distinção, mas o difícil é fazer a

mesma quando estamos perante o caso concreto.

A violação de direito alheio materializa uma situação de proteção indireta- não podemos interferir com a

propriedade de uma pessoa.

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Hipótese: norma que diz que ninguém pode perturbar a normal deslocação de transportes públicos

O objetivo desta norma é permitir que os transportes andem a horas. Uma pessoa perturba a deslocação

do autocarro- a outra chega atrasada e perde o emprego. Quid Juris?

Neste caso pode existir uma violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios. Contudo,

estamos perante um bem publico suscetível de apropriação individual. Neste caso, não haverá direito à

indemnização- proteção reflexa. Mas se a pessoa era protegida indiretamente, enquanto elemento

individual utilizador e beneficiária do bem público então pode haver lugar a direito de indemnização nos

termos da responsabilidade civil Delitual. Trata-se, no fundo, de fazermos uma distinção de entre proteção

indireta – interesse concreto e individual que presidiu a instituição do dever resultante da norma legal; ou

proteção reflexa- bem publico insuscetível de apropriação privada. Para tal. temos de interpretar a ratio ou

o fim da norma que presidiu aquando da sua aprovação.

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Doutrina do “direito à empresa”

De acordo com esta doutrina, perante certos comportamentos lesivos da atividade empresarial, como a

ilegítima exigência de suspensão de uma atividade empresarial para efeitos de tutela de um direito de

propriedade industrial que efetivamente não existia, o apelo ao boicote de determinados produtos ou a

divulgação de informações sobre a empresa de um concorrente, sem interesse legítimo, deve-se considerar

a existência de um direito subjetivo à empresa que tornará ilícitas as atuações supra enunciadas, permitindo

ao lesado reclamar indemnização pelos danos sofridos. Deve reconhecer-se utilidade à tutela deste direito,

sendo a atividade empresarial Digna de proteção pela cláusula geral do art. 483.

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Formas da Ilicitude/culpa- Querelas Doutrinárias

Dolo

O dolo, para efeitos de responsabilidade civil corresponde à intenção do agente de praticar o facto.

Em princípio só o dolo é que releva em Direito Penal. Habitualmente os crimes pressupõem a existência

de dolo para que haja uma responsabilização jurídico criminal do agente pela prática de um determinado

facto. No direito civil, para que exista responsabilidade e obrigação de indemnizar tanto faz que exista

dolo ou negligencia porque a consequência acabará por ser a mesma. A necessidade de contrapormos o

dolo e a negligência também existe em termos civilísticas, mas no Direito Civil a importância desta

distinção é muito mais limitada.

Art. 253- “Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artificio que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir

ou manter em erro o autor da declaração bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”.

O dolo apela para uma ideia de intenção. Portanto, o dolo pressupõe em si mesmo dois elementos:

Elementos Intelectual- momento em que existe uma representação da realidade por parte do

agente;

Elemento Volitivo- assente na vontade ou decisão que o agente tomou em praticar o facto.

Para que tenhamos dolo em principio necessitamos da representação adequada da realidade- elemento

intelectual- e depois necessitamos que perante esta representação da realidade que o agente tome uma

determinada decisão-elemento volitivo.

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Modalidades de Dolo

No Dolo Direto o agente quer a verificação do facto, sendo a sua conduta dirigida diretamente a produzi-

lo. Nesta modalidade de dolo é claríssima a intenção do agente em praticar o facto, como acontece no

exemplo de alguém, pretendendo a morte de outrem, o atinge a tiro. A doutrina geralmente qualifica o

dolo como direto quando o agente representa e quer o resultado ilícito da sua conduta, dirigindo esta à

consecução de uma finalidade. O dolo é direto quando o agente quer um resultado e atua norteado pelo

propósito de praticar o facto ilícito- pratica o facto objetivamente ilícito. Pratica o facto que se traduz na

violação do direito alheio ou na violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios. A violação

é o objetivo do seu comportamento, sendo que o intuito da ação acaba por ser aquilo que traduz a sua

vontade. Quando atuamos fazemo-lo em função do objetivo que queremos atingir. No dolo direto o

agente quer atingir um objetivo e para isso, viola os direitos ou interesses de outros.

No Dolo Necessário o agente não dirige a sua atuação diretamente a produzir a verificação do facto, mas

aceita-o como consequência necessária da sua conduta. No Dolo necessário, a intenção não é tão clara

mas encontra-se igualmente presente. Assim, por exemplo, o individuo que coloca uma bomba numa

embaixada, com intuito de protestar contra determinado país estrangeiro, sabe que a sua atuação irá

inevitavelmente implicar a norte ou ferimentos graves para os que se encontram no respetivo edifício, pelo

que a sua ação deve também considerar-se também como intencional em relação a essas lesões. o dolo é

necessário quando o agente- cujo objetivo é outro que não o ilícito- prefigura o resultado ilícito como uma

consequência forçosa do seu comportamento, o que não o determina a desistir dele. Nesta modalidade de

dolo, a violação nunca é o objetivo prosseguido pelo agente, mas acaba por ser a consequência necessária

do seu comportamento.

Exemplo: Uma pessoa quer incendiar uma casa durante a noite. Sabe que existe uma outra pessoa que esta a

dormir a casa. Ao incendiar a casa, sabe que está lá uma pessoa e que essa pessoa vai morrer como resultado da

sua conduta. A pessoa que incendeia a casa, não quer matar a outra. Se o fizesse estávamos perante uma situação

de dolo direto. Se o objetivo dela é pura e simplesmente incendiar a casa e sabe que aquilo que quer tem como

consequência necessária a morte da pessoa, estamos perante uma situação de dolo necessário. Embora não queira o

resultado ela sabe que o resultado é uma consequência do seu comportamento.

Já no Dolo Eventual, o agente representa a verificação como consequência possível da sua conduta e

atua, conformando-se com a sua verificação. A distinção desta modalidade para com a negligência

consciente é mais fluida mas não deixa de existir, uma vez que a atuação do agente, não visando o facto

como consequência direta nem necessária da sua conduta, representa uma conformação tão grande com

a possibilidade da sua verificação, que chocaria considerar a situação como de mera negligência, ainda que

consciente. Imagine-se, por exemplo, que a violação das regras de trânsito pelo agente consiste em ele

entrar conscientemente na autoestrada a alta velocidade em contramão, comportamento que toda a gente

sabe que, salvo hipóteses excecionais, conduz necessariamente a um acidente. Nesta hipótese, a

qualificação do acidente como mera negligência ofenderia o senso comum, pois dificilmente se poderia

dizer que o agente estava convencido de o seu comportamento nunca conduziria ao facto. qualifica-se

correntemente o dolo eventual sempre que o agente prevê a possibilidade de da sua conduta resultar uma

consequência e tal previsão não o determina a abster-se dela. Dada a impossibilidade de averiguar o que

Dolo

Dolo Direto

Dolo Necessário

Dolo Eventual

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se passou no foro psicológico do agente aquando da prática do facto, para procedermos a esta operação

de qualificação do seu dolo tem o tribunal , as mais das vezes, que recorrer à prova indiciária e à

representação da atitude psicológica de um bom pai de família, tendo em consideração as circunstâncias

concretas em que o agente se encontrava. Portanto, no dolo eventual a consequência (o efeito lateral do

comportamento- é assumido como possível ou meramente eventual.

Exemplo

Se A quer incendiar uma casa e não sabe se alguém está la dentro- ou porque não conhece a casa ou sabe que a

pessoa proprietária costuma estar muito tempo ausente, na forma como a pessoa representa a realidade, a violação

do direito a vida não é uma consequência necessária do seu comportamento, mas é somente uma consequência eventual.

O seu comportamento pode originar ou não a morte da pessoa. Ao contrario do dolo necessário, o dolo eventual tem

como caraterística o facto de o resultado poder ou não vir a ser produzido. O efeito lateral é admitido como uma

consequência possível do comportamento, mas não como consequência necessária.

Negligência

Na negligência não se verifica a intenção do agente em praticar o facto, mas o comportamento do agente

não deixa de ser censurável em virtude de ter omitido a diligência a que estava legalmente obrigado.

No âmbito da responsabilidade civil, uma vez que a sanção para as atuações dolosas ou negligentes consiste

sempre na obrigação de reparar os danos sofridos (art. 483),a distinção reveste menos importância. Não

deixa, porém de ser relevante o facto de a lei em certos casos apenas responsabilizar o agente se tiver

atuado com dolo- arts. 814/1, 815/1 e 1681/1- e em caso de atuações negligentes é concedida ao tribunal

a possibilidade de fixar equitativamente a indemnização em montante inferior aos danos causados, atentas

as circunstâncias do caso- art. 494- o que não se admite em relação às atuações dolosas.

Efeitos da Dogmática do Ilícito Civil: se o agente agir com dolo atua logo ilicitamente, desde que lese algum

direito subjetivo alheio ou um interesse objeto de uma norma de proteção (art. 483). Se, porém, não existir

uma atuação dolosa do agente, só haverá ilicitude, conforme se referiu, se o agente violar um dever objetivo

de cuidado na lesão de bens jurídicos, o que implica reconhecer estar presente na negligência um requisito

suplementar de ilicitude e não apenas uma forma de culpa.

Código Penal: No CP, a distinção de entre dolo e negligência está plasmada nos arts. 14 e 15.

Negligência Consciente: quando o agente, violando o dever de diligência a que estava obrigado,

representa a verificação do facto como consequência possível da sua conduta, mas atua sem se

conformar com a sua verificação. Neste tipo de negligência, o agente está consciente de que a

violação do direito alheio ou da norma é uma consequência possível do seu comportamento- ainda

assim atua. O agente atua de uma determinada forma ainda que tenha representado a consequência.

Modalidades da Negligência

Negligência Consciente

Negligência Inconsciente

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Na negligência consciente a pessoa também representa como possível a violação de direito ou

interesse e ainda assim atua.

Negligência Inconsciente: quando o agente, violando o dever de diligência a que estava

obrigado, não chega sequer a representar a verificação do facto. Há casos em que violamos os

direitos de outrem sem termos prefigurado a hipótese de o fazer. Nestas situações, nem sequer

representamos como possível que do nosso comportamento há uma violação de direito ou

interesse alheio, logo a negligência será inconsciente. É diferente do dolo porque este pressupõe

sempre a representação de um determinado resultado. Na negligência inconsciente nem sequer há

representação, nem sequer admitimos como possível a violação de direito alheio ou de norma

destinada a proteger interesses alheios.

Negligência: Culpa Consciente e Culpa Inconsciente

O conceito jurídico de negligência é assimilável ao de mera culpa, consubstanciando-se na omissão do

dever de diligência. A diligência exigível é aquela que teria um bom pai de família em face das circunstâncias

do caso concreto. A Negligência ou Mera Culpa refere-se, em primeiro lugar, aos atos em que o agente,

prevendo o resultado ilícito como possível, ainda assim, não toma as precauções necessárias para o evitar,

atuando descuidada e levianamente- culpa consciente. Por outro lado, às situações em que o agente não

prevê o resultado danoso, por imprevidência ou descuido, embora este resultado fosse previsível, se ele

houvesse ponderado e houvesse sido cauteloso, pode estar também associada uma culpa do agente- culpa

inconsciente.

Em ambas as situações o agente não deseja efetivamente a verificação do facto, ainda que a omissão do

dever de cuidado a que estava obrigado o torne responsável. No caso da negligência consciente, o agente

chega a representar a possibilidade de se verificar o facto, mas essa possibilidade é por ele afastada. Por

exemplo, alguém que conduz em desrespeito das regras de trânsito, admitindo a possibilidade de provocar

um acidente, mas convence-se que tal não acontecerá. No caso da negligência inconsciente, o agente

infringe oi seu dever de negligência sem que tenha qualquer representação em relação ao facto. Por

exemplo, alguém infringe as regras de trânsito sem sequer equacionar a possibilidade de provocar um

acidente.

Nuns casos, a violação de regras de cuidado leva a que o agente nem sequer admita como possível as

consequências do seu comportamento- negligencia inconsciente. Noutros casos o agente prevê como

possível a consequência, mas viola as regras de cuidado no juízo que faz sobre a probabilidade ou não

probabilidade da sua concretização- negligência consciente. A atribuição subjetiva daquele fato ilícito

objetivo e imputável ao agente é feita pela não verificação do respeito pelas regras de cuidado- negligencia

consciente- dado o agente ter podido prever a situação.

Exemplo das Crianças Exploradas

Não há nenhum momento em que as pessoas pensassem que o resultado morte das crianças aconteceria.

Isto não existe: porque tinha de haver um interesse subjetivo das pessoas em relação à colocação em perigo

do bem jurídica vida das crianças- logo, a haver negligência, esta seria inconsciente.

Como falamos de estados subjetivos, a não ser que a pessoa diga aquilo que pensou, a única maneira de

fazermos uma qualificação é utilizando um juízo de normalidade das circunstâncias.

Dolo -/- Negligência

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No dolo existe uma conexão de entre o facto ilícito objetivo e a vontade do agente. A decisão que o agente

toma de querer aquela coisa como consequência necessária ou eventual. O dolo atribui uma consequência

ao agente porque de alguma forma o agente quis esse resultado. Na negligência a conexão entre a vontade

e a violação não existe.

Na negligência, a conexão subjetiva que encontramos entre o facto violador de direito alheio

(objetivamente ilícito) tem que ver com o facto de o agente ter violado regras de cuidado- não atua com a

diligência devida e por esse desrespeito acaba por violar o direito alheio ou uma norma legal destinada a

proteger interesses alheios. O agente não quer a consequência. Não existe uma conexão entre a violação e

a decisão do agente- pode no entanto fazer-se uma conexão pelo comportamento desmazelado do agente.

Há, em suma, o desrespeito das regras de cuidado que leva o agente a interferir com a proteção que o

ordenamento outorga a outrem.

Dolo Eventual vs. Negligência Consciente

A situação de dolo eventual e de negligência consciente são diferentes, apesar de à primeira vista parecerem

muito parecidas. A postura que o agente assume relativamente à eventualidade de concretização da

violação é diferente.

Critério tradicional de Distinção

Teoria da Verossimilhança

De acordo com esta corrente a diferença de entre o dolo eventual para com a negligência

consciente reside no grau de probabilidade com que o resultado é representado pelo agente,

havendo dolo eventual quando o agente representasse o resultado como extremamente provável

e negligente consciente no caso contrário.

Devemos ver o que é que o agente teria feito se em vez de assumir a consequência como possível,

assumisse que a consequência é necessária. Se o agente, assumindo que a consequência fosse necessária,

ainda assim tivesse atuado, estaríamos prante uma situação de dolo eventual. Se o agente admite a

consequência como necessária e teria desistido de atuar, então o problema era de negligência consciência.

O agente aprecia o resultado a ponto de o não querer como consequência do seu comportamento-

negligencia consciente. A falta de cuidado assenta na violação de regras de diligência na avaliação de regras

do seu comportamento. Fazemos uma alteração da representação que o agente fez, conjeturando o que o

agente faria se em vez de ter admitido o resultado como possível, o admitisse como necessário.

Este critério não serve, é insuficiente.

Exemplo da Rede de Crianças que explorava mendigos

Esta rede criminosa provocava às crianças deficiências para que as crianças gerassem compaixão nas pessoas de modo a

potenciar esmola. Há dolo direto relativamente aos ferimentos causados nas crianças- mas em relação às que morriam- dolo

relativamente à morte ou apenas negligencia?- as pessoas que faziam isto configuravam a possibilidade de as crianças

morrerem- mas diríamos que havia negligência consciente de acordo com o critério ex post. As crianças só tinham utilidade se

tivessem vida. Esta situação demonstra que o critério não serve.

Critério da conformação com o risco

Não devemos ver se há dolo ou negligência em função de aquilo que o agente teria feito se tivesse assumido

a violação como consequência necessária do seu comportamento. Não devemos traçar a fronteira de entre

estas figuras conjeturando o que o agente teria querido se tivesse admitido que aquela violação fosse uma

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consequência necessária e não meramente eventual do seu comportamento. Devemos ver qual a atitude

que o agente subjetivamente tomou quando confrontado com aquele risco- o agente conforma-se ou não com o

risco?

Se o agente se conformou com o risco- dolo eventual

Se o agente não se conformou com o risco- situação de negligencia consciente

O que é conforma-se ou não se conformar com o risco?

Fórmula Hipotética de Frank: Quando estamos perante uma situação de risco, achamos que uma coisa

pode ou não acontecer e consciencializamo-nos que, estando nessa situação, as coisas não nos vão

acontecer porque também não acontecem aos outros. Assim, optamos por avançar. Umas vezes

avançamos e pensamos: isto não há-de de acontecer, Neste caso convencemo-nos como pressuposto da

decisão de que aquele risco não se concretizará. Não nos conformamos com ele, mas atuamos porque

num estado prévio, subjetivamente prevemos que aquele risco não acontecerá.

Fórmula Positiva de Frank: Outras vezes avançamos no sentido de “quero la saber. Atuamos admitindo

o risco da concretização do efeito- conformamo-nos com o risco e continuamos a acreditar que é possível

acontecer, mas pura e simplesmente não queremos saber, não pensamos no assunto.

Fórmula Hipotética de FRANK

o Para este segmento haverá dolo eventual se o agente, na hipótese de ter considerado como certo

o resultado da sua conduta, não tivesse adotado comportamento diferente.

Fórmula Positiva de FRANK

o De acordo com a fórmula positiva, haverá dolo eventual se o agente, tendo previsto o resultado

da sua conduta como possível, conforma-se com esse resultado, não alterando consequentemente

o seu comportamento. Parece que a fórmula positiva de Frank se encontra consagrada no art. 14/3

CP.

----------Mendigos que estropiam crianças para melhor explorarem na caridade pública,

acabando por causar a morte de algumas

o A teoria da verossimilhança parece ser aqui de aplicação difícil, já que a maioria das crianças até

poderia sobreviver aos sofrimentos. A fórmula hipotética de Frank falha completamente, uma vez

que, se o agente soubesse que iriai seguramente produzir o resultado, manifestamente que alteraria

o seu comportamento, já que não tiraria qualquer benefício da morte das crianças. Já a fórmula

positiva resolve a questão: o agente que pratica na vítima esse tipo de lesões representa claramente

a possibilidade de elas conduzirem à morte desta, e conforma-se com a sua verificação.

Exemplo

Pessoa que sai de uma festa tendo bebido muito. Saindo nesse estado chega ao caro e senta-se ao volante

e pensa que a coisa pode correr mal: “se bebi muito pode correr mal para mim ou para as pessoas com que me cruzo”.

Perante este sentimento a pessoa pode tomar 3 atitudes:

1. Sair do carro e apanhar um táxi

2. Pensar que a coisa pode correr mal, mas se os acidentes correm só as vezes, porque é que há-de

acontecer a mim- convence-se que nada lhe vai acontecer

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Se o agente se convencesse que aquilo não acometesse a ninguém e depois tem um acidente estamos

perante uma situação de negligência consciente- porque o agente configurou essa violação como

consequência possível do comportamento. Convenceu-se mal, pensando que com a violação de regras de

cuidado não produziria aquele resultado que era possível e que efetivamente se veio a concretizar.

3. Senta-se no carro- estou cheio de sono e quero chegar a casa- não quero saber- situação de dolo

eventual. Para alcançar o objetivo ela conforma-se com a verificação daquele resultado. Portanto,

aquilo que distingue o dolo eventual.

Súmula

Dolo eventual: Agente conforma-se com o resultado e ainda assim atua

Negligencia consciente: Quando o agente não se conforma com o resultado- mas atua porque

representa o resultado.

Exemplo das Crianças Exploradas

Se no exemplo as pessoas soubessem que as crianças morreriam deixariam de as usar porque as mesmas deixavam de ser

úteis. Admitem o resultado, mas em função do seu objetivo o resultado é irrelevante: em momento algum elas pensam que o

resultado morte das crianças não há de acontecer. Não há negligencia consciente, o que existe no exemplo das crianças é uma

situação de dolo eventual.

Negligencia consciente- a consciência é um elemento suplementar de convencimento. Se admitido como possível o resultado, mas

atuo estão estaremos perante uma situação em que a responsabilidade civil pode ser aferida pelo dolo eventual. Esta situação

pressupõe um estado intermedio em que o agente se convence que o resultado não vai ocorrer.

As pessoas que usam a criança não pensam no assunto da morte. Só haverá negligencia consciente se as pessoas se convencem

que as agressões que estavam a fazer à criança teriam como consequência a morte delas. Na negligencia há sempre uma

violação de regras de cuidado subjetivamente imputáveis ao agente porque este não atua com o

cuidado que deveria ter atuado para obstar a essa violação.

Dolo ou Mera Culpa

A lei diz violar o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios

Ilicitamente- mas a violação tem que ser ilícita- o dolo e a negligencia não são suficientes para a ilicitude.

Tem que haver uma violação de direitos ou interesses alheios. O agente tem também que atuar ilicitamente.

a inexistência de causas de justificação da culpa. Se ocorrer uma causa de justificação o comportamento

do agente não é culposo e não constitui fundamento da obrigação de indemnizar.

Tipos Delituais Específicos

Abuso de Direito

A previsão do abuso de direito encontra-se consagrada nos termos do art. 334.

Esta consagração vem estabelecer a ilegitimidade do exercício do direito sempre que o seu titular exceda

manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social e económico

desse direito. Trata-se de uma cláusula geral que procura estabelecer limites ao exercício de posições

23

jurídicas que embora formalmente permitido, se apresenta como disfuncional ao sistema jurídico, quando

contraria manifestamente vetores fundamentais do seu funcionamento.

Relativamente aos bons costumes, estes podem ser entendidos como as proibições resultantes da moral

social dominante. Já o fim económico e social tem que ver com os motivos que procederam à criação do

direito subjetivo, impondo-se assim ao titular que não desvirtue as utilidades sociais e económicas que

presidiram a essa criação.

Funções deste instituto:

Limitar as possibilidades de exclusão da ilicitude por parte de quem exerce um direito subjetivo

próprio;

Estabelecer o caráter ilícito dos comportamentos que se apresentem como contrários aos vetores do

art. 334.

Neste sentido, o art. 334não se limitará a abranger o exercício abusivo de direitos subjetivos,

compreendendo igualmente outras posições jurídicas, incluindo as permissões genéricas de atuação, como

a autonomia privada ou o direito de ação judicial.

A não cedência e caso de colisão de direitos- art. 335

A colisão de direitos pode ocorrer em circunstâncias várias, sendo os direitos em colisão de igual oi desigual

valor.

No caso de estarem em causa direitos de igual valor- caso de comproprietários ou de vários caçadores que

pretendem caçar ao mesmo tempo na mesma coutada- a solução prevista na lei impõe que cada um dos

titulares se abstenha de comportamentos que embora se situem na esfera de competência do seu direito,

impliquem para os outros titulares igualmente a impossibilidade de o exercer. Pela colisão de direitos

desiguais- por exemplo, de entre o direito do proprietário e o direito do locatário- a lei dispõe que o titular

do direito inferior deve ceder perante o titular do direito superior.

Se, em qualquer dos casos, não se verificar essa cedência, naturalmente que estará preenchido o requisito

da ilicitude para efeitos de responsabilidade civil, ficando assim o que desrespeitou o dever de cedência

sujeito a responder pelos prejuízos causados.

A ofensa ao crédito e ao bom nome

A ofensa ao crédito e ao bom nome corresponde a uma previsão delitual específica, que estabelece como

ilícita a ofensa ao crédito e ao bom nome, quer das pessoas singulares, quer das pessoas coletivas.

Esta norma abrange quaisquer factos? Aplica-se quer a factos verdadeiros, quer a factos falsos?

PESSOA JORGE pronunciou-se no sentido de que, desde que a divulgação não integrasse os

pressupostos de uma previsão penal, não haveria responsabilidade pela divulgação de factos verdadeiros,

já que, a não se entender assim, teria que se considerar lícita a atividade das agências de informação, quando

estas desempenham factos socialmente relevantes.

ANTUNES VARELA considerou abrangida também no âmbito da responsabilidade civil a divulgação de

factos verdadeiros já que este tipo de divulgação pode representar, também, uma ofensa do crédito e do

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bom nome- para Antunes Varela, o exemplo das agências de informação não depõe em sentido contrário,

atento o facto de estas estarem legalmente autorizadas a exercer a sua atividade.

ALMEIDA COSTA veio considerar que, embora a regra seja a irrelevância da veracidade ou falsidade do

facto, sempre que a difusão corresponda a interesses legítimos deve-se admitir a exclusão da

responsabilidade com base na exceptio veritatis.

RIBEIRO DE FARIA entende que a divulgação de factos verdadeiros apenas deverá envolver

responsabilização do agente se for efetuada dolosamente, pelo que, a não se considerar consagrada a

solução no art. 484º, não poderá admitir-se a inclusão no seu âmbito da divulgação negligente de factos

verdadeiros.

Posição de LUÍS MENEZES LEITÃO:

Das tipificações criminais resulta que a afirmação ou difusão de factos falsos é sempre proibida, pelo que

o agente que com dolo ou negligência adote esse comportamento responderá por todos os danos causados

ao visado. Quanto aos factos verdadeiros, a sua divulgação poderá ser admitida, mas desde que tal se efetue

para assegurar um direito próprio ou um interesse público legítimo.

Se alguém resolve divulgar práticas de má administração dos negócios públicos, não faz sentido a sua

responsabilização com fundamento no art. 484, uma vez que essa divulgação é de interesse público numa

sociedade democrática. Também não parece haver lugar a responsabilidade civil se uma empresa explica

aos seus clientes as razões porque decidiu deixar de contratar outra empresa, ou até mesmo quando uma

seguradora informa os seus segurados que não aceita a continuação de um seguro de crédito, em virtude

do agravamento dos riscos do devedor. Por outro lado, já não será lícita a divulgação da quantidade de

operações plásticas a que um cantor se submeteu.

Para o Professor MENEZES LEITÃO, o art. 484 parece ser totalmente dispensável, uma vez que o art.

483 já prevê a violação de direitos subjetivos como categoria de ilicitude, e é manifesta a existência de um

direito subjetivo ao bom nome e reputação (art. 26/1 CRP) e à intimidade da vida privada e familiar (art.

80 CC).

A responsabilidade por conselhos, recomendações e informações

O art. 485 estabelece uma importante previsão delitual. A regra geral- consagrada no nº1- é a da irrelevância

para efeitos de responsabilidade civil dos conselhos, recomendações ou informações, ainda que se tenha

atuado com negligência. Considera-se que, sendo a prestação de conselhos, informações ou informações

normalmente fundada na mera obsequidade, e efetuada em termos displicentes, caberá ao seu recetor

tomar a decisão de determinar-se ou não por eles, suportando os riscos dessa decisão, em lugar de os

transferir para o autor do conselho, recomendação ou informação.

O art. 485/2 admite, porém, a responsabilidade do autor do conselho, recomendação ou informação em

face dos danos sofridos pelo seu recetor em três situações específicas:

1º Ocorre quando se haja assumido a responsabilidade pelos danos:

25

Neste caso o conselho, recomendação ou informação não é prestado em termos displicentes, mas assume

a natureza de uma garantia contra a ocorrência de danos na esfera do recetor, caso seja adotado o

comportamento indicado. Naturalmente que, em consequência dessa garantia, o autor do conselho,

recomendação ou informação passa a responder pelos danos sofridos pelo recetor.

2º Ocorre quando exista um dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha

procedido com negligência ou intenção de prejudicar:

Em várias situações a lei impõe deveres jurídicos de prestação de informação ou de aconselhamento,

podendo também esses deveres constituir objeto de vários contratos- exemplo são os arts. 227 e 762/2.

3º Quando o procedimento do agente constitui um facto punível:

Se a lei vier a sancionar através de consequências jurídicas punitivas a deficiente prestação de conselho,

recomendação ou informação, poder-se-á exigir igualmente do responsável a indemnização pelos danos

sofridos.

E quando o agente atua dolosamente?

PESSOA JORGE e ALMEIDA COSTA pronunciaram-se no sentido de que a atuação dolosa do agente

está igualmente abrangido pela exclusão da responsabilidade prevista no art. 485/1, admitindo, no entanto,

a responsabilização no caso de o agente ter atuado em abuso de direito nos termos do art. 334. Pelo

contrário, MENEZES CORDEIRO, sustenta que qualquer atuação dolosa envolve necessariamente

responsabilidade por parte do agente relativamente aos danos causados pela informação falsa.

O Professor MENEZES LEITÃO concorda com MENEZES CORDEIRO. Efetivamente, o recurso à

cláusula geral do instituto do abuso de direito apresenta-se como dispensável no caso em que o agente

encara a prestação de informação apenas como um expediente para causar danos ao recetor. Esse tipo de

conduta extravasa claramente as razões pela qual a lei consagra a irrelevância destas comunicações , pelo

que o agente não se pode considerar abrangido pela exclusão do art. 485/1, respondendo antes por todos

os danos causados.

Causas de Exclusão da Ilicitude

Introdução às causas de exclusão de ilicitude

Objetivamente o ato é censurável aos olhos do ordenamento jurídico, mas podem haver circunstâncias

subjetivas que nos poderão levar a excluir a ilicitude do facto

A ilicitude consiste na violação de direitos subjetivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger

interesses alheios, surgindo ainda noutros locais do CC previsões específicas de comportamentos ilícitos-

arts. 334, 335, 484 e 485.

O conceito de ilicitude assenta num desvalor de facto- esta é a posição que atualmente corresponde à

doutrina maioritária comum. A ilicitude não se aufere em relação ao resultado, mas pressupõe antes uma

avaliação do comportamento do agente. Não há, assim, ilicitude sempre que o comportamento do agente,

apesar de representar uma lesão de bens jurídicos, não prossiga qualquer fim proibido por lei.

Pode-se, assim, considerar que a lesão dos bens jurídicos só é imediatamente constitutiva de ilicitude no

caso de o agente ter atuado com dolo. No caso de atuações meramente negligentes não se mostra suficiente

a simples lesão de bens jurídicos, tendo que lhe acrescer a violação do dever objetivo de cuidado por parte

do agente.

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Causas de exclusão ou causas de justificação da ilicitude de um facto são casos em que a ilicitude indiciada

é, no caso concreto, excluída em virtude de o agente se encontrar no âmbito de uma situação específica

que produz uma justificação do facto.

Tradicionalmente enumeram-se:

a) Exercício de um direito;

b) Cumprimento de um dever;

c) Legítima defesa;

d) Acção Direta;

e) Estado de Necessidade;

f) Consentimento do lesado.

Exercício de um Direito

Se alguém tem um direito subjetivo e o exerce, não deve responder pelos danos daí resultantes para

outrem- qui suo iure utitur nemini facit iniuram. Por exemplo, se alguém tiver uma licença de caça poderá caçar

num determinado terreno em que tal lhe seja permitido, sem que o proprietário possa reclamar

indemnização pelas peças de caça abatidas.

Esta causa de justificação deve, porém, face à crescente funcionalização dos direitos subjetivos, ser hoje

entendida em termos restritivos. Continuam ainda a ser consideradas como limitações aos direitos

subjetivos: o abuso de direito (art. 334) e a colisão de direitos (art. 335), por exemplo. Limitações

restringem a operatividade do exercício de um direito subjetivo. Mas, para além disso, a existência de um

direito subjetivo não impede a oneração do agente com deveres de segurança no tráfego, os quais se

destinam precisamente a evitar a ocorrência de danos. Assim, por exemplo, o caçador que pode caçar no

terreno não deixará de responder pelos danos em coisas ou pessoas que provocar em virtude de não ter

tomado as precauções necessárias.

Para PESSOA JORGE, esta causa de justificação apenas resulta que “o titular não tem que indemnizar os

prejuízos que, causados embora pelo exercício do direito, representem a frustração de interesses que,

precisamente ao conceder esse direito, a lei postergou. No fundo, o agente apenas se exonerará de

responsabilidade se se limitar a desfrutar das utilidades que correspondem ao exercício legítimo do seu

direito, não deixando de responder, verificados os demais pressupostos da responsabilidade por outros

danos que provoque com a sua atuação.

Cumprimento de um dever

Vigorando para o sujeito o dever de adotar determinada conduta, este pode ver-se forçado a acatá-la ainda

que para isso tenha que infringir outros deveres relativos a posições jurídicas alheias, e cuja infração

normalmente acarretaria a ilicitude do facto. Nessas situações, está-se perante o que se denomina de

conflito de deveres, que deve ser resolvido dando preponderância ao dever que se considere de natureza

superior. Assim, por exemplo, o médico que apenas dispõe de um nº limitado de unidades para efetuar

transfusões de sangue pode, em caso de excesso de sinistrados, optar por privilegiar os doentes em maior

risco, sem que a sua atuação seja ilícita.

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Para haver exclusão da ilicitude é, porém, necessário que o dever seja efetivamente cumprido, não bastando

a simples colisão. Assim, se o agente em caso de conflito de deveres opta por não cumprir nenhum,

naturalmente que será responsável pelo incumprimento dos dois. É, para além disso, necessário que a

impossibilidade de cumprimento dos dois deveres não resulte de uma culpa anterior do agente, já que

nesse caso este não deixará certamente de ser responsabilizado. No caso supra referido, se as unidades de

sangue não existem no Hospital por o médico se ter esquecido de as solicitar na altura devida, naturalmente

que ele responderá pelos danos causados.

O caso específico do dever de obediência hierárquica

O dever emergente de contrato de trabalho de obediência às ordens emitidas pela entidade patronal não é

naturalmente causa de justificação para a prática de condutas ilícitas. Mas já poderá haver causa de

justificação da conduta no caso do dever de obediência dos trabalhadores que exercem funções públicas

ou até mesmo dos militares, desde que se verifiquem determinados pressupostos consagrados em lei

especial. Trata-se de deveres estabelecidos no âmbito de atividades de gestão pública, e cujo acatamento

por isso prevalece normalmente sobre a tutela de interesses privados.

O art. 271/3 da CRP expressamente determina a cessação do dever de obediência sempre que o

cumprimento das ordens e instruções acarrete a prática de qualquer crime, o que impossibilita a exclusão

da ilicitude com base nesta causa de justificação em relação à prática de factos criminosos. Já o art. 271/2

CRP exige ainda ao funcionário que efetue previamente ao superior hierárquico uma reclamação ou exija

a comunicação escrita da ordem, tendo este assim que manifestar alguma divergência em relação à ordem

para poder ficar isento de responsabilidade pelo seu acatamento.

Legítima Defesa- art. 337

Está consagrado também no art. 21 in fine da Constituição. A legítima defesa consiste na atividade

defensiva do agente, que estando a ser vítima de uma agressão põe termo a essa agressão pelos seus

próprios meios.

Pressupostos da Legítima Defesa:

a- Existência de uma agressão;

b- Contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro;

c- Atualidade e contrariedade à lei dessa agressão;

d- Impossibilidade de recurso aos meios normais;

e- O prejuízo causado pelo ato não pode ser manifestamente superior ao que pode resular da

agressão.

a- Existência de uma agressão

A atuação do agente tem que ser finalisticamente dirigida à provocação de uma lesão para outrem. Como

atuação finalística a agressão corresponde necessariamente a uma conduta humana, o que exclui a legítima

defesa contra animais ou coisas inanimadas, salvo quando utilizados como instrumento de uma atuação

humana.

b- Lesões Pessoais e Patrimoniais

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A lei não distingue entre os tipos de lesão que podem ser visados pela agressão, admitindo tanto lesões

pessoais como patrimoniais, quer respeitantes ao agente quer a terceiro.

Lesões Pessoais: Vida, Liberdade, Honra, Integridade Física.

Lesões Patrimoniais: Propriedade.

c- Agressão Atual e Contrária à Lei

Agressão atual entende-se em execução ou iminente, o que exclui desta causa de justificação a atitude do

agente que pretenda castigar agressões passadas ou antecipar-se a eventuais agressões futuras. Por contrária

à lei entende-se a exigência do caráter ilícito da agressão pelo que quaisquer lesões lícitas de direitos do

agente não admitem o recurso à legítima defesa. Não é assim permitida ao agente a defesa se este estiver

a ser preso em consequência de mandato judicial, ou se a agressão de que está a ser objeto já constituir

legítima defesa.

d- Impossibilidade de recurso aos meios normais

Caso o agente em causa puder parar a agressão apelando, por exemplo, a um polícia que se encontrasse

próximo, naturalmente que não lhe é permitido o recurso à legítima defesa. Contudo, o agente não é

obrigado, perante uma agressão, a adotar atitudes humilhantes para si próprio como a fuga, podendo fazer

cessar a agressão pela legítima defesa. A fuga já parece, porém, impor-se se a agressão provier de

inimputável (uma criança de 5 anos que se encontra a apontar uma arma de fogo), uma vez que aí esta não

atenta contra a dignidade do agente e a eventual defesa (no caso, matar a criança) apresentar-se-ia como

totalmente desproporcional.

e- Exige-se que o prejuízo causado não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão

A defesa, embora possa exceder a lesão que resultaria da agressão, tem que corresponder em termos de

racionalidade a esta não podendo ser desproporcionada. Não seria assim lícito que alguém abatesse a tiro

quem injuria outrem ou pretende realizar um pequeno furto, mas já será permitida essa defesa se a agressão

pretender causar ofensas corporais graves ou corresponder a uma tentativa de violação.

Art. 337/2: A lei prevê ainda que o ato possa ser igualmente justificado, ainda que haja excesso de

legítima defesa, desde que esse excesso corresponda a perturbação ou medo não culposo do agente. Nesse

caso não estaremos perante uma causa de exclusão da ilicitude, mas antes perante uma cláusula de exclusão

de culpa, consistente no medo invencível causado pela agressão.

Ação Direta

Sendo uma conduta ofensiva, naturalmente que os pressupostos que a desencadeiam são mais restritivos

quando equiparados com os pressupostos da legítima defesa:

Tem de estar em causa a realização ou proteção de um direito subjetivo do próprio agente;

Tem que ser impossível recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais;

A atuação do agente tem que ser indispensável para evitar a inutilização prática do direito;

O agente, na sua atuação, não pode exceder o que for necessário para evitar o prejuízo;

Ao atuar, o sujeito não pode sacrificar interesses superiores aos que a sua atuação visa realizar ou

assegurar.

----------

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A ação direta só pode ser realizada quando estiver em causa um direito subjetivo do próprio agente, não

parecendo possível a sua utilização em relação a direito alheios. A lei admite expressamente o seu exercício

em relação: ao direito de propriedade; outros direitos reais; a posse; e outros direitos pessoais de gozo.

Assim, por exemplo, se alguém vê um objeto seu ser furtado pode impedir o ladrão de fugir para o

recuperar. Os direitos de crédito não poderão ser tutelados pela ação direta, não sendo lícito ao credor

obrigar pela força o devedor a cumprir nem retirar-lhe os bens necessários para assegurar esse

cumprimento.

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A ação direta também pressupõe uma impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos

normais. Essa impossibilidade, não tem, porém, que ser absoluta, bastando que, face ao tempo de resposta

habitual do meio coercivo a que se teria de recorrer, seja previsível que não se conseguisse realizar ou

assegurar o próprio direito. Por exemplo, seria possível a subtração ao ladrão do objeto furtado, se,

chamando a polícia, este se pusesse na mesma em fuga com o próprio objeto do crime patrimonial.

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A ação direta pressupõe ainda que o direito fique inutilizado praticamente sem a atuação do agente, o que

significa que sem a conduta o agente perderia o direito ou deixaria de o poder exercer.

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O recurso à ação direta está ainda condicionado pelo facto de o agente não poder exceder o que for

necessário para evitar o prejuízo. Toda e qualquer atuação do agente que não possa, por isso, justificar-se

pelo fim de evitar a ocorrência de danos para o agente será, por isso, ilícita.

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Por último, a ação direta estará excluída sempre que implique para outrem maiores prejuízos do que os

que pretendia evitar para o agente (art. 336/3).

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Apenas verificados estes pressupostos é que será possível o recurso à ação direta. A lei esclarece que a

ação direta pode consistir: na apropriação, destruição ou danificação de uma coisa, na eliminação da

resistência irregularmente oposta ao exercício do direito ou ainda noutro ato análogo (art. 336/2).

Qualquer um destes atos pode implicar a ocorrência de danos para outrem, mas o preenchimento dos

pressupostos da ação direta afasta a ilicitude do facto, irresponsabilizando assim o agente pelos danos

causados.

Estado de Necessidade- art. 339

Ao contrário do que sucede com a legítima defesa, o estado de necessidade apenas justifica o sacrifício de

bens patrimoniais, permitindo-o quando o agente pretenda remover o perigo de um dano manifestamente

superior, a ocorrer na sua própria ou na esfera de um terceiro, ainda que em certos casos se imponha uma

obrigação de compensar os danos sofridos pelo lesado (art. 339/2). Assim, age em estado de necessidade

o agente que resolve arrombar um carro para transportar um ferido inconsciente para o Hospital ou ainda

o agente que, para evitar o atropelamento de um peão, desvia o seu carro, indo embater noutro.

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O Estado de Necessidade só se coloca se o sacrifício de bens patrimoniais for realizado no âmbito

de uma esfera jurídica distinta daquela ameaçada por um perigo manifestamente superior. No exemplo

supra utilizado, se o carro arrombado pertencer ao próprio ferido, a situação já não se enquadra no estado

de necessidade, mas antes numa situação de presumível consentimento presumido (art. 340). Da mesma

forma têm que ser sacrificados bens alheios e não bens próprios do agente. Em relação ao outro exemplo,

se o agente se limitar a destruir o seu carro em consequência do desvio, já não estaremos perante uma

situação de estado de necessidade, mas antes perante uma situação de gestão de negócios (arts. 464º e ss.).

Consentimento do Lesado- art. 340

Destinando-se a responsabilidade civil à tutela de interesses privados e, portanto, normalmente

disponíveis, o seu titular poderá renunciar a essa tutela. Assim, a existência de consentimento retira ao ato

lesivo a sua natureza ilícita (in voleti non fit iniuria). Exige-se, no entanto, que os atos consentidos não se

apresentem como contrários a uma proibição legal ou aos bons costumes (art. 340/2). Por exemplo, o

facto de alguém consentir na sua morte por outrem, não exclui a responsabilidade do autor do ato, atento

o facto de a lei criminalizar esse comportamento ao nível do Código Penal.

Considera-se irrelevante o consentimento para atos contrários aos bons costumes (como por exemplo

graves lesões causadas por práticas sadomasoquistas).

O consentimento poderá ser expresso ou tácito, considerando-se como tal aquele que resulte de um

comportamento concludente do lesado. No caso de lesões causadas por práticas desportivas perigosas

(boxe, rugby, artes marciais, etc.) é de considerar que a participação nelas envolve uma aceitação tácita e

recíproca dos riscos de acidentes, pelo que, desde que não haja atitudes dolosas e sejam respeitadas as

regras do jogo, será excluída a ilicitude da lesão- não haverá, contudo, exclusão da ilicitude se o jogo

praticado for ilegal ou contrário aos bons costumes.

O art. 340/3 equipara ao consentimento efetivo o consentimento presumido, considerando que este

ocorre sempre que a lesão se deu no interesse do lesado e de acordo com a vontade presumível. Parece

claro que esta norma se refere ao instituto da gestão de negócios (arts. 464 e ss.), esclarecendo que a

assunção da gestão em termos de respeito pelo interesse do lesado e de acordo com a sua vontade

presumível exclui a ilicitude da conduta do gestor.

3- A Culpa

Definição de Culpa

Ao prever que o agente tenha atuado “com dolo ou mera culpa” (art. 483/1) a lei exige ainda a culpa como

pressuposto normal da responsabilidade civil, considerando excecionais os casos de responsabilidade sem

culpa (art. 483/2).

Tradicionalmente, a culpa era definida em sentido psicológico como o nexo de imputação do ato ao agente,

que se considerava existir sempre que do ato resultasse da sua vontade, ou seja, que lhe fosse

psicologicamente atribuível. Essa conceção tem vindo a ser substituída por uma definição da culpa em

sentido normativo como um juízo de censura ao comportamento do agente.

In fine, a culpa pode ser assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta que

se verificou, quando de acordo com o comando legal este mesmo estaria obrigado a adotar uma conduta

diferente. Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria

exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe. Nestes termos, o juízo de culpa

31

representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como

axiologicamente reprovável.

A Imputabilidade como pressuposto da culpa e o regime da responsabilidade dos inimputáveis

Para que o agente possa ser efetivamente censurado pelo seu comportamento é sempre necessário que ele

conhecesse ou devesse conhecer o desvalor do seu comportamento e que tivesse podido escolher a sua

conduta. Daí que se considere existir falta de imputabilidade quando o agente não tem a necessária

capacidade para entender a valorização negativa do seu comportamento ou lhe falta a possibilidade de o

determinar livremente. Sendo a imputabilidade pressuposto do juízo de culpa, naturalmente que o agente

fica isento de responsabilidade se praticar o facto em estado de inimputabilidade (art. 488/1), o que a lei

presume que se verifica sempre que o agente seja menor de sete anos ou interdito por anomalia psíquica

(art. 488/2).

Conforme resulta do art. 488/1, a falta de imputabilidade não exclui, no entanto, a responsabilidade,

sempre que, sendo transitória, seja devida a um facto culposo do agente- doutrina das actiones liberae in causa.

Assim, quem inconscientemente causou danos a outrem em virtude de ter ingerido substâncias

psicotrópicas, ou se ter deixado adormecer a conduzir um veículo automóvel, não deixa de responder por

esses danos. No entanto, a responsabilidade continuará a ser excluída se a inimputabilidade, ainda que

resultante de um facto culposo do agente, seja definitiva.

A lei admite ainda no art. 489/1, a possibilidade de, por motivos de equidade, responsabilizar, total ou

parcialmente o inimputável pelos danos que este causar, desde que não seja possível obter a devida

reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância, estabelecendo ainda que a fixação da indemnização

não pode privar o inimputável dos alimentos necessários conforme o seu estado e condição, nem dos

meios indispensáveis para cumprir os seus deveres de alimentos.

Questões suscitas pela norma do art. 489:

1- É manifesta a subsidiariedade desta norma em relação à responsabilidade dos vigilantes instituída

pelo art. 491;

2- Esta norma pressupõe que a responsabilidade apenas não tenha ocorrido em razão da

inimputabilidade do agente, pelo que terá este que ter praticado um facto ilícito que seria

considerado culposo se o autor fosse imputável;

3- Não parece, que exista, neste âmbito, uma situação de responsabilidade pelo risco, tratando-se

antes de uma responsabilidade baseada na ilicitude objetiva onde, por motivos de equidade, se

dispensa a imputabilidade como pressuposto da culpa.

Critérios de Apreciação da Culpa

A apreciação da culpa pode ser feita em concreto ou em abstrato. É feita em concreto quando exige ao

agente a diligência que o próprio habitualmente coloca nos seus negócios ou de que é capaz- diligentia quam

in suis rebus adhibere solet. Em abstrato, a apreciação da culpa é exigida ao agente em termos que se

materializem num padrão da generalidade dos membros de uma sociedade, que é naturalmente a diligência

do Homem Médio ou, como diriam os romanos, do bonus pater famílias.

No Código Civil atual o critério de apreciação da culpa é equivalente tanto em relação à responsabilidade

obrigacional, como para com o utilizado na responsabilidade delitual. Segundo o art. 487/2: “a culpa é

apreciada, na falta de outro critério, pela diligência de um bom pai de família, segundo as circunstâncias do caso”. Aponta-

32

se, assim, para o critério tradicional da apreciação em abstrato segundo a diligência de um Homem Médio,

que continua a ser definido através da fórmula tradicional romana do bom pai de família.

Esse padrão abstrato não deixa de exigir, no entanto, uma análise das circunstâncias do caso, i.e., o

condicionalismo da situação e do tipo de atividade em causa. Compreende-se que a diligência exigida a um

profissional qualificado na sua atividade não seja a mesma que a que é exigida a um transeunte em passei,

por exemplo.

Graduação da Culpa

Em primeiro lugar, no art. 494 considera-se que nos casos de negligência do agente a indemnização pode

ser fixada em montante inferior aos danos causados, tomando em consideração o grau de culpabilidade, a

par da situação económica do agente e do lesado e das demais circunstâncias do caso.

A graduação da culpabilidade também é considerada como relevante:

Em caso de pluralidade de responsáveis pelos danos- art. 490;

No caso em que a obrigação é solidária (art. 497/1) repartindo-se nas relações internas de acordos

com a medida das respetivas culpas, que se presumem ser iguais (arts. 497/2 e 597/2);

Releva também no caso de concurso com a culpa do lesado, caso em que é a ponderação das

culpas de ambos que poderá determinar a concessão, redução ou exclusão da indemnização a que

irá haver lugar (art. 570).

Tradicionalmente a graduação da culpa era feita:

Culpa Grave: corresponde a uma situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente

só seria suscetível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande

maioria das pessoas não procederia da mesma forma- culpa lata est non intelligere quod omnes.

Culpa Leve: corresponde à situação em que a conduta do agente não seria suscetível de ser

praticada por um Homem Médio, correspondendo assim a sua atuação à omissão da diligência do

bonus pater famílias.

Culpa Levíssima: corresponde à situação em que a conduta do agente só não seria realizada por

uma pessoa excecionalmente diligente- diligentissimus pater famílias- uma vez que mesmo um Homem

Médio não a conseguiria evitar

Em virtude de o art. 487/2 só considerar como culposa a omissão da diligência de um Bom Pai de

Família, tal implica que a culpa levíssima não seja nesta sede considerada atualmente como culposa.

Mantém-se, no entanto, a distinção de entre culpa leve e culpa grave, exigindo-se por vezes apenas

a culpa grave para uma responsabilização do agente.

Prova da Culpa

Nos termos do art. 487/2, incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção

legal de culpa. Regra geral, corre, portanto, por conta do lesado o ónus da prova da culpa do agente, só

adquirindo este ganho de causa se conseguir demonstrar em tribunal o caráter objetivamente censurável

da conduta deste.

Por vezes, no entanto, a lei estabelece presunções de culpa. Nesses casos, verifica-se uma inversão do ónus

da prova (art. 350/1), que passa a correr por conta do lesante. Apesar de as presunções serem

genericamente ilidíveis (art. 350/2), a verdade é que as dificuldades de prova neste domínio tornam, em

caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de uma indemnização pelo lesado, levando

33

assim, a que na responsabilidade por culpa presumida a função indemnizatória praticamente apague a

função indemnizatória.

Além da presunção de culpa na responsabilidade contratual, o CC prevê outras presunções de culpa: a)

danos causados por incapazes; b) danos derivados de edifícios ou outras obras; c) danos causados por

coisas ou animais; d) danos derivados do exercício de atividades perigosas. Ora, todas estas presunções de

culpa correspondem a situações em que se verifica uma fonte específica de perigo, cuja custódia se

encontra atribuída a determinado sujeito, resultando assim a sua responsabilização da violação de deveres

de segurança do tráfego, que lhe impunham evitar a ocorrência de danos resultantes dessa fonte de perigo.

Danos Causados por Incapazes

O art. 491 vem regular a responsabilidade pelos danos causados por incapazes naturais, estabelecendo uma

presunção de culpa das pessoas a quem, por lei ou negócio jurídico, incumbe a sua vigilância, que pode

ser ilidida através da demonstração de que estas cumpriram o seu dever de vigilância, ou que os danos

continuariam a produzir-se, ainda que o tivessem cumprido- relevância negativa da causa virtual. A

responsabilização parte da presunção de não cumprimento do dever de vigilância, por parte das pessoas

sobre que esta recai: no caso da lei, pais ou tutores; no caso de negócio jurídico, as pessoas que estão

vinculadas para com um contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

Não se trata de uma situação de responsabilidade objetiva, porque resulta da prática de um facto danoso

pela pessoa do incapaz. Admite-se que a presunção de culpa possa ser ilidida através da prova de que se

exerceu a adequada vigilância sobre o incapaz.

A responsabilidade do vigilante não pressupõe a inimputabilidade do vigiado, mas apenas a sua

incapacidade natural. Pode assim, o vigiado ser considerado imputável nos termos do art. 488, e continuar

a existir a responsabilidade do vigilante, caso em que ambos serão responsabilizados solidariamente, nos

termos do art. 497. Se o vigiado for inimputável, em princípio, só o vigilante responderá- art. 491, só se

admitindo ação contra o vigiado, por motivos de equidade, no caso de ser impossível exigir

responsabilidade ao vigilante (art. 489).

Danos causados por edifícios e outras obras

O art. 492/1 contempla a situação da responsabilidade pelos danos causados pela ruína de edifícios ou

outras obras, devida a vício de construção ou defeito de conservação, estabelecendo nesse caso uma

presunção de culpa que recai sobre o proprietário ou possuidor do edifício, presunção essa que, no caso

de danos devidos exclusivamente a defeitos de conservação, se transfere para a pessoa obrigada, por lei ou

por negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra- art. 492/2.

Como normalmente sucede no caso de culpa presumida, admite-se a possibilidade de demonstração de

que os danos continuariam a verificar-se, mesmo que se tivesse adotado a diligência devida- relevância

negativa da causa virtual.

A posição de alguma doutrina é a de que a aplicação desta presunção de culpa depende da prova de que

existia um vício de construção ou um defeito na conservação do edifício ou obra, prova essa que deveria

de ser feita pelo próprio lesado. O Professor Menezes Leitão discorda com esta posição. Considera que

uma tal aceção faz recair esta prova sobre o lesado, o que equivale a retirar grande parte do alcance à

presunção de culpa. Para o Professor Menezes Leitão, é antes o responsável pela construção ou

conservação do edifício que deve demonstrar que não foi por sua culpa que se deu a ruína do edifício ou

obra- nomeadamente pala prova da ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação. Pode

também fazer prova de que os danos se continuariam a verificar, ainda que não houvesse culpa sua.

34

O fundamento desta responsabilização não se baseia no perigo causado pelos imóveis ou no proveito deles

retirado pelo seu proprietário ou possuidor, não sendo por essa mesma razão uma hipótese de

responsabilidade objetiva. Trata-se antes de uma responsabilidade subjetiva fundada na violação dos

deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras- deveres de segurança no

tráfego- a qual é agravada de uma presunção de culpa.

Danos causados por coisas ou animais

O art. 493/1 prevê igualmente uma responsabilidade por culpa presumida por parte de quem tiver em seu

poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, bem como por parte de aquele que assumir a

vigilância de quaisquer animais, pelos danos que a coisa ou o animal causarem a terceiro. Trata-se de uma

norma bastante importante, que pressupõe, em face da perigosidade imanente de certas coisas (paiol de

explosivos, depósitos de combustíveis, máquinas industriais, árvores secas, auto estradas, elevadores,

balizas de campos de futebol, armas, instrumentos cortantes, venenos, etc- ou de animais, o surgimento

de um dever de segurança no tráfego, que impõe automaticamente a sua custódia em relação ao seu

detentor. Normalmente, a obrigação de vigilância recairá sobre o proprietário da coisa ou animal, podendo,

porém, recair sobre detentores onerados com essa obrigação, como acontece nos casos de: credor

pignoratício, locatário, depositário ou comodatário, casos em que o proprietário deixará de ser sujeito a

responsabilidade.

Danos resultantes de atividades perigosas

O art. 493/2 vem ainda prever a responsabilidade por culpa presumida daquele que causar danos a outrem

no exercício de uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados.

Esta responsabilização só parece ser estabelecida a um nível mais objetivo do que o que resulta das

disposições anteriores, uma vez que, além de não se prever a elisão da responsabilidade como

demonstração da relevância negativa da causa virtual, parece exigir-se ainda a demonstração de um grau

de diligência superior àquele que era exigido em relação à responsabilidade assumida nas situações acima

descritas.

O legislador exige a demonstração de que o agente “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias

com o fim” de prevenir os danos, o que parece apontar para um critério mais rigoroso de apreciação da

culpa, ou seja, para situações onde a responsabilidade pode ser assumida no caso de culpa levíssima.

A presunção de culpa no art. 493/2 não envolve simultaneamente a dispensa da prova do nexo de

causalidade, exigindo-se, por isso, a demonstração de que a atividade perigosa foi juridicamente a causa da

ocorrência daqueles danos.

Causas de Exclusão da Culpa

Também a culpa pode ser excluída sempre que o agente se encontre em determinada situação que afaste

a possibilidade de a ordem jurídica estabelecer um juízo de censura em relação ao seu comportamento.

a) Erro Desculpável;

b) Medo Invencível;

c) Desculpabilidade.

35

a) ERRO DESCULPÁVEL

Ocorre erro desculpável sempre que a atuação do agente resulte de uma falsa representação da realidade,

que não lhe possa, em face das circunstâncias, ser censurada. A lei prevê uma hipótese desse tipo no art.

338, que se refere ao erro desculpável sobre os pressupostos da ação direta ou da legítima defesa.

Por exemplo, alguém anda a ser perseguido numa floresta por um grupo de assaltantes e na fuga depara

com dois homens armados que julga fazerem parte do grupo, pelo que resolve atingi-los a tiro, vindo,

porém, mais tarde a descobrir que esses dois homens eram simples caçadores. Neste caso, ocorrerá a

exclusão da culpa do agente, uma vez que a sua reação é compreensível naquelas circunstâncias. A mesma

situação ocorrerá, conforme acima se referiu, na hipótese da falta de consciência da ilicitude não

censurável- art. 17 Código Penal.

b) MEDO INVENCÍVEL

Esta situação ocorre sempre que a atuação do agente tenha sido provocada por um medo que ele não

conseguiu ultrapassar, sem que tal lhe possa, em face das circunstâncias, ser censurado. O Estado de

necessidade desculpante, a que se refere o art. 35 CP, tanto pode surgir em resultado: de atuações humanas-

coação psicológica por um terceiro- como em resultado de fatores objetivos- perigo desencadeado por

fenómenos naturais,

Contudo, se o perigo ameaçava um bem pessoal do agente ou de terceiro- como a vida, a liberdade, a

integridade física ou a honra- e se não é censurável ao agente não ter sido capaz de vencer o medo que o

atingiu, então a situação representa uma causa de exclusão da culpa, o que justifica a ausência de

responsabilidade. Uma das situações que a lei prevê tem que ver com o excesso de legítima defesa. Este

não deve ser visto como uma causa de justificação do ato em si mesmo, mas a interpretação correta a ser

feita tem que ver com o facto de se tratar de uma causa de exclusão da culpa, ainda que a conduta continue

a ter associada uma ilicitude.

c) DESCULPABILIDADE

Pode, por algum motivo especial a atuação do agente, que seria normalmente censurável, não o ser naquele

caso concreto. Por exemplo, a situação de um médico que causa danos a um doente numa intervenção

cirúrgica de emergência, em virtude de, num estado de emergência geral provocado por uma catástrofe,

ter sido obrigado a trabalhar dezoito horas seguidas sem o descanso adequado. Neste caso, não obstante

a existência de erro médico, as circunstâncias concretas do caso tornaram o facto desculpável, excluindo-

se desta maneira a indemnização a que poderia haver lugar.

Concurso da Culpa do Lesado

A culpa do lesante pode concorrer com a existência simultânea de culpa do lesado, estendendo-se essa,

nos termos do art. 487/2, como a omissão da diligência que teria levado um bom pai de família, nas

circunstâncias do caso, a evitar ou reduzir os danos sofridos. Em conformidade com o disposto no art.

570/1: “cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências delas

resultantes, se a indemnização deve ser totalmente concebida, reduzida ou excluída”.

No caso da culpa do lesante não ter sido provada, mas ser apenas presumida, salvo disposição em

contrário, excluir-se-á o dever de indemnizar, em conformidade com o disposto no art. 570/2,

preceito que se deve também considerar aplicável por maioria de razão, à hipótese de

responsabilidade pelo risco;

No caso da responsabilidade por culpa da pessoa do lesante, caberá ao tribunal apreciar se e em

que medida a concorrência da culpa do lesado com a culpa do lesante deve relevar para efeitos da

atribuição da indemnização.

36

O regime da culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade civil subjetiva, uma

vez que, não sendo o juízo de censura exclusivamente estabelecido em relação à conduta do lesante, não

será justificado obriga-lo a indemnizar todos os danos sofridos pelo lesado, havendo antes que efetuar

uma ponderação de ambas as culpas e das consequências que dela resultariam, sendo em função dessa

proteção que se estabelecerá a indemnização. Para este regime efetivamente se aplicar, é necessário que a

atuação do lesado seja subjetivamente censurável em termos de culpa, não bastando assim a mera

causalidade da sua conduta em relação aos danos. Naturalmente que por esse motivo, o lesado terá que

ser imputável. A atuação culposa do lesado que contribui para os danos, não corresponde, porém, a um

ato ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de

evitar a ocorrência de danos para si próprio.

Assim, se alguém atingir outrem com uma faca, no intuito de lhe causar danos corporais, e os danos vêm

a ser consideravelmente agravados por o lesado se recusar a tratar o ferimento, a agravação dos danos

sofridos deve ser-lhe imputada, e não ao lesante.

A lei estabelece ainda uma equiparação entre a culpa do lesado e a culpa dos seus auxiliares ou das pessoas

de que ele se tenha utilizado- art. 571 evitando assim que o juízo da culpa que pode recair sobre o lesado

seja prejudicado pela interposição da culpa de alguma das entidades.

Em termos de prova da culpa que o lesado teve, a lei faz correr esse ónus por conta do lesante, admitindo-

se, porém, que o tribunal conheça (conhecimento oficioso) dessa culpa, ainda que a mesma não tenha sido

alegada no trânsito em julgado (art. 572).

4- O dano

Dano:

Diminuição ou supressão de uma vantagem

Criação ou aumento de uma desvantagem Por exemplo- o mecânico que assume a obrigação de reparar os danos de um carro: ao reparar o dano cria-se na esfera jurídica do mecânico a obrigação de indemnizar o proprietário pelo erro, uma vez que o proprietário vê surgiu na sua coisa um dano (desvantagem).

Definição de dano

O dano apresenta-se como uma condição essencial da responsabilidade. Por muito censurável que seja o

comportamento do agente, se as coisas correrem bem e ninguém sair lesado, não poderá ele ser sujeito a

responsabilidade civil.

Conceito Naturalístico de Dano: em termos naturalísticos, o dano corresponderá à supressão de uma

vantagem de que o sujeito beneficiava.

Conceito Normativo- Jurídico: o dano terá que ser visto simultaneamente numa perspetiva fática e numa

perspetiva normativa, ou seja, como a frustração de uma utilidade que era objeto de tutela jurídica.

Dano em Sentido Real v Dano em Sentido Patrimonial

Em sentido real, o dano corresponde à avaliação em abstrato das utilidades que eram objeto de tutela

jurídica, o que implica a sua indemnização através da reparação do objeto lesado (restauração natural) ou

da entrega de outro equivalente (indemnização específica). Em sentido patrimonial, o dano corresponde à

avaliação concreta dos efeitos da lesão no âmbito do património do lesado, consistindo assim a

indemnização na compensação da diminuição verificada nesse património, em virtude da lesão.

37

Assim, por exemplo, se alguém embate num carro de outra pessoa, o dano em sentido real consistirá na

perda ou deterioração do automóvel. Já o dano em sentido patrimonial corresponderá às alterações que se

verificam no património do lesado em consequência dessa perda ou deterioração, designadamente as

despesas com o conserto do bem e as importâncias que deixou de auferir em consequência da não

utilização do automóvel.

O art. 562 estabelece como princípio geral que: “quem estiver obrigado a repara dano deve reconstituir a situação

que existiria se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, o que implica a lei dar primazia à reconstituição

natural do dano ou à indemnização em espécie, no âmbito da obrigação de indemnização. Neste sentido,

pode dizer-se que o critério predominante é o da determinação do dano em sentido real. Assim, deve

proporcionar-se ao lesado as mesmas utilidades que ela possuía antes da lesão, através da reconstituição

do bem afetado ou da entrega de um bem idêntico.

Indemnização fixada em dinheiro

O art. 566/1 diz-nos: “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não

repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Quando já não é possível reparar o

bem ou entregar outro equivalente, ou quando essa forma de indemnização não seja suficiente para reparar

todos os danos sofridos pelo devedor, ou ainda quando se torna absolutamente desproporcionado em face

do sacrifício que importa exigir ao lesante a reconstituição natural do dano, a lei vem estabelecer que a

indemnização seja fixada em dinheiro. Neste caso: “ a indemnização em dinheiro toma como medida a diferença

entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data,

se não existissem danos”- art. 466/2, o que implica partir de um conceito de dano em sentido patrimonial,

determinado pela diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que seria a sua situação patrimonial

hipotética, i.e., se não houvessem danos.

Danos emergentes e Lucros Cessantes

Atualmente, admite-se que o conceito de dano possa abranger os denominados prejuízos emergentes

como os lucros cessantes, empregando-se assim um conceito comum para abranger as duas realidades.

Danos emergentes- os danos emergentes são os prejuízos que criamos na esfera jurídica de alguém-

são prejuízos efetivos. O dano ou prejuízo emergente corresponde assim à situação em que

alguém em consequência da lesão vê frustrada uma utilidade que já tinha adquirido.

Lucros cessantes- são os danos que se traduzem na frustração de lucros que de outra forma seriam

obtidos. O lucro cessante corresponde àquela situação em que é frustrada uma utilidade que o

lesado iria adquirir, se não fosse a lesão.

Por exemplo, se o professor danifica um táxi intencionalmente está a cometer um facto ilícito que configurará uma situação de responsabilidade civil. Ora, o carro tem que estar uma semana na oficina para ser reparado. Na situação sub judice serão danos emergentes os custos da reparação do carro pelos prejuízos causados na esfera do proprietário; serão lucros cessantes aquilo que o taxista deixou de auferir durante uma semana, na medida em que há uma frustração do lucro que de outra forma ele teria obtido. Quando fazemos uma comparação de entre a situação real para com a situação hipotética temos que ver como estaria o lesado se não fosse o prejuízo- vendo os danos.

O art. 564/1 determina que ambos os danos devem ser abrangidos pelo dever de indemnizar. Em certos

casos, a lei determina que só haja indemnização em relação aos danos emergentes- arts. 899 909.

38

A Indemnizabilidade dos danos emergentes não coloca questões especiais, bastando que o lesado possuísse

uma utilidade que perdeu em consequência da lesão. Já em relação aos lucros cessantes, tem-se entendido

que os mesmos só se verificam se o lesado, no momento da lesão, for titular de uma expetativa jurídica

que lhe permitisse a aquisição de um benefício, tendo deixado essa aquisição de se verificar em

consequência da lesão. Não basta, porém, uma mera hipótese de aquisição desse ganho, tendo que existir

uma probabilidade quase em termos de certeza de que essa aquisição ocorreria.

Danos Presentes e Danos Futuros

Os danos consideram-se presentes se já se encontram verificados no momento da fixação da indenização,

sendo futuros no caso contrário.

Neste âmbito o dano assumir-se-á como um conceito circunstancial no tempo e também relativo. Neste âmbito não estamos a caraterizar intrinsecamente os danos, mas sim o momento em que eles se concretizam e são avaliáveis. São presentes aqueles que já são concretizados e que já se verificaram, podendo ser eles emergentes ou lucros cessantes. Os danos futuros são aqueles que ainda não se verificam, mas onde é expetável e razoável que se venham a verificar. Se eu fizer a avaliação hoje, posso assumir como futuros danos que daqui a uns tempos passarão a ser considerados como presentes. Da mesma forma que estes danos emergentes e lucros cessantes são indemnizáveis, também os danos presentes e futuros são indemnizáveis.

A lei vem, no art. 564/2 dizer que: “na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que

sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

Desta norma resulta, em primeiro lugar, que o facto de o dano ainda não se ter verificado não é suficiente

para excluir a indemnização, bastando-se o tribunal com a previsibilidade da verificação do dano para a

fixar. A fixação da indemnização naquele momento depende, porém, da determinabilidade do dano futuro.

Efetivamente, se este não for logo determinável em objeto ou quantidade, a fixação da indemnização

deverá ser remetida para a execução da sentença- art. 609/2.

Danos Patrimoniais e Danos não Patrimoniais

São danos patrimoniais aqueles que correspondem à frustração de utilidades suscetíveis de avaliação

pecuniária, como acontece na hipótese da destruição de coisas pertencentes ao lesado. Danos não

patrimoniais são aqueles que correspondem á frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação

pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido. A distinção de entre danos

patrimoniais para com danos não patrimoniais não tem que ver com a natureza do bem afetado, mas antes

com o tipo de utilidades que esse bem proporcionava e que se vieram a frustrar com a lesão.

Assim, se alguém causa uma lesão no corpo de outrem, este sofre danos não patrimoniais, correspondentes

á dor e sofrimento físico suportados, mas pode também sofrer danos patrimoniais, correspondentes à

redução do valor da sua força de trabalho. A lesão de uma coisa pode provocar danos patrimoniais e da

mesma forma implicar a diminuição do seu valor comercial, mas também danos não patrimoniais se esta

possuir elevado valor estimativo.

Entre os danos patrimoniais, inclui-se naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como

sucede no caso de um veículo seu ou no caso de ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha

contratado previamente. Efetivamente, o simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação

pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.

39

Durante imenso tempo foi objeto de controvérsia atribuir indemnização por danos não patrimoniais.

Argumentava-se no sentido contrário que os referidos danos não são por natureza suscetíveis de reparação,

já que não há nada que permita compensar a dor ou o desgosto sofrido por alguém.

Argumentos a favor da indemnização por danos não patrimoniais

Se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos permite atribuir

ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão a compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer

caso, melhor essa compensação do que coisa nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa

qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo

contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe

proporcionavam.

Atualmente, a situação está resolvia no art. 496/1 que dita: “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos

não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do Direito”. Desta norma resulta claramente a

admissibilidade genérica do ressarcimento dos danos não patrimoniais. Apesar da sua deficiente localização

em sede de responsabilidade delitual, trata-se de uma disposição aplicável a toda a responsabilidade civil,

incluindo-se neste âmbito naturalmente a responsabilidade contratual.

Cálculo da Indemnização

A lei refere-nos que a indemnização pelos danos não patrimoniais é fixada equitativamente, tomando em

consideração não apenas a extensão dos danos causados, mas também o grau de culpabilidade do agente,

a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso- arts. 496/4, 1ª parte, e 494. A

indemnização por danos não patrimoniais não reveste a natureza exclusivamente ressarcitória, mas

também de cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por

forma a desagravá-la do comportamento do lesante.

A morte como dano

Pode haver lugar a indemnização em virtude da morte de uma pessoa?

Efetivamente, as ofensas de que resulte a morte de uma pessoa podem dar origem aos seguintes danos:

a) A perda da própria vida pela vítima;

b) Danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima em consequência da sua morte;

c) No caso de a morte não ser instantânea, danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pelos seus

familiares até à ocorrência da morte.

Ninguém duvidaria, face ao princípio geral do art. 496/1, de que quer os danos não patrimoniais sofridos

pelos familiares da vítima em consequência da morte, quer os danos não patrimoniais sofridos por estes e

pela própria vítima enquanto não sobrevém a morte são indemnizáveis.

Doutrina Divergente

ANTUNES VARELA, OLIVEIRA ASCENSÃO, RIBEIRO DE FARIA e PAMPLONA CORTE-

REAL

Estes autores contestam a possibilidade de atribuição de indemnização pela perda da vida, com o

argumento de que, face ao art. 68/1 a personalidade jurídica cessa pela morte, pelo que a morte não

permitiria a aquisição de qualquer direito, não podendo consequentemente o direito de indemnização ser

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transmitido aos herdeiros por via sucessória, uma vez que não tinha sido sequer adquirido pelo falecido.

Para além disso, a atribuição dessa indemnização apenas desempenharia uma função punitiva, afastando-

se da função ressarcitória correspondente à responsabilidade civil. Assim, ao fazer-se referência à morte

da vítima no art. 496/ 2,3 e 4, a lei limitar-se-ia a considerar os danos não patrimoniais sofridos

reflexamente pelos familiares, em consequência da morte da vítima, e não ao próprio dano morte que não

seria assim indemnizável.

GALVÃO TELLES, ALMEIDA COSTA e MENEZES CORDEIRO

Estes autores propugnam que, independentemente do art. 68/1,a vida constitui um bem jurídico cuja

lesão faz surgir na esfera da vítima o direito a uma indemnização, que naturalmente se transmitirá aos seus

herdeiros, por força do art. 2024. Neste enquadramento, o dano morte será então transmissível por via

sucessória e não seria abrangido pelo art. 496/2, 3 e 4, que se refeririam aos danos não patrimoniais

sofridos pelos familiares da vítima.

LEITE CAMPOS

Este autor vem sustentar, numa posição original, a hereditabilidade do dano morte, considerando que com

a lesão o lesado já suporta um dano que conduzirá potencialmente à morte, o qual é indemnizável nos

termos do art. 564/2. Entende, porém, que o art. 496/2 não resolve a questão da hereditabilidade do dano

morte, na medida em que a expressão “por morte da vítima” aparece como uma mera referência ao

momento temporal da abertura da sucessão. O dano morte encontrar-se-ia antes previsto hoje no art.

496/4 tendo o legislador esclarecido, através da expressão “no caso de morte” que o dano morte era

autonomamente indemnizável no meio dos restantes danos não patrimoniais.

Evolução Jurisprudencial sobre este assunto

A jurisprudência, manifestando a princípio alguma divisão, tem vindo posteriormente a aderir claramente

à tese da Indemnizabilidade do dano morte.

Posição de MENEZES LEITÃO

Parece a este autor extremamente conceptualista a solução que defende a impossibilidade de indemnizar

a perda da vida com fundamento de que a personalidade cessa com a morte. Também não se vê o que

impede a responsabilidade civil de desempenhar neste caso funções preventivas ou punitivas, sabendo-se

que a solução naturalmente mais justa passa pela ressarcilibidade do dano morte. Efetivamente, a perda da

vida constitui para o titular o dano máximo que o próprio podia suportar e representaria uma autêntica

contradição valorativa que a lesão de outros bens pessoais- como a saúde, a liberdade ou a honra-

legitimasse, em caso de morte da vítima, os herdeiros a reclamar indemnização pelos danos sofridos e a

perda da vida já não o permitisse. A perda da vida constitui assim claramente um dano autónomo, cujo

direito à indemnização se transmite aos herdeiros da vítima, com fundamento no art. 2024, e de acordo

com as classes de sucessíveis referidas no art. 2133.

CONCLUSÃO:

A que situação se refere o art. 496/ 2, 3, 4, in fine? Parece claro que não poderá ser ao dano-morte em sentido

próprio, pois este, conforme se referiu, gera um direito à indemnização que se transmite aos herdeiros da

vítima. O art. 496/2 e 3, refere-se, por isso, a uma outra situação: aos danos não patrimoniais sofridos por

outras pessoas, em consequência da morte da vítima. A morte de uma pessoa constitui então um facto que

é suscetível de provocar dor e sofrimento numa série de outras pessoas, desde familiares, amigos, e até

simples conhecidos ou admiradores. Naturalmente que não seria aceitável a multiplicação de pretensões

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indemnizatórias em consequência da mesma lesão, pelo que o legislador veio restringir o círculo de pessoas

que pode requerer uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreram em consequência da

morte da vítima. Essas pessoas são assim apenas o cônjuge não se parado de pessoas ou bens e os filhos

ou, se a vítima vivia antes em união de facto, a pessoa que vivia com ela e os seus filhos; na falta de qualquer

destes, os pais e outros ascendentes; e finalmente, os irmãos e os sobrinhos que os representem. Esta

enumeração é taxativa, pelo que não é suscetível de aplicação analógica.

Já o art. 496/4 não parece referir-se aos danos causados pela morte da vítima, antes à atribuição da

indemnização por danos não patrimoniais ocorridos antes dessa morte. Efetivamente, a lesão que causou

a morte, no caso de esta não ter sido instantânea, pode ter produzido dor e sofrimento quer para a vítima,

mas também em relação aos seus familiares mais próximos, prevendo o art. 496/4 que o direito à

indemnização se estende igualmente a esses danos.

Naturalmente que não haverá obstáculo à cumulação no mesmo sujeito do direito à indemnização

relativamente a estes três tipos diferentes de danos, uma vez que se trata de pretensões indemnizatórias

com conteúdo distinto.

A perda de Oportunidade como dano

Discute-se ainda a Indemnizabilidade do dano relativo “à perda de oportunidade”- loss of chance- perte de

chance- de que se tem, feito eco alguma doutrina e jurisprudência estrangeira, em casos de responsabilidade

civil profissional por atos médicos ou atos de advogados.

Defesa da Indemnizabilidade do dano por perda de oportunidade: JAIME DE GOUVEIA, JORGE

SINDE MONTEIRO, JOÃO ÁLVARO DIAS, JÚLIO GOMES, e alguma jurisprudência.

A doutrina (mais moderna) que aceita a Indemnizabilidade da perda de oportunidade estabelece essa

indemnização com base na determinação das probabilidades que a oportunidade tinha de verificar, nunca

concebendo mesmo perante fortíssimas probabilidades, mais do que uma indemnização parcial.

Neste enquadramento, a perda de oportunidade não é vista como um lucro cessante, mas antes como um

dano emergente, considerando-se que a oportunidade corresponderia a um benefício já adquirido pelo

lesado, de que este vem a ser privado. Benefício esse que se deve calcular com base nas probabilidades de

realização da oportunidade.

A doutrina tradicional prenuncia-se, porém, contra a Indemnizabilidade autónoma da perda de

oportunidade, por considerar extremamente fluida a sua demonstração, o que se opõe ao caráter certo,

que é exigido para o dano. Sustenta-se ainda que reconhecer a indemnização pela perda de oportunidade

implica estabelecer desvios às regras do nexo de causalidade e estabelecer uma sobre compensação, tão

incertas são as probabilidades de que essa oportunidade conduzisse ao ganho visado.

Caso específico do advogado: No caso específico da responsabilidade pela não interposição de uma ação por

um advogado, a doutrina tradicional permitiria à parte lesada obter direitos sobre o advogado, que

provavelmente nem teria sobre a outra parte na ação nenhum fundamento legítimo de proposição que

impediu o seguimento do processo.

Em qualquer caso, mesmo quando se aceita a Indemnizabilidade autónoma da perda de chance, é-se

especialmente rigoroso na exigência de que a oportunidade tenha uma probabilidade de verificação

superior a 50%, uma vez que oportunidades com uma percentagem de sucesso inferior não são

indemnizáveis.

Enquadramento Legal

42

A lei refere-se à ressarcibilidade dos danos futuros no 464/2. No 464/1 há uma contraposição de entre os danos emergentes e os lucros cessantes, dizendo que eles são ressarcíeis exatamente da mesma forma. O dever de indemnizar abrange tanto uns como os outros. O 464/2 refere-se aos danos futuros. Quando um determinado assunto é discutido em tribunal este pode resolver definitivamente todas as questões que estejam relacionadas com o assunto: se existem danos futuros previsíveis deve logo o tribunal condenar o lesante a indemnizar o lesado pelos danos que se preveem. Pode acontecer que o tribunal constate ser previsível a existência de danos, mas difícil a sua determinação. Quando o tribunal está a decidir o caso condena desde logo o responsável a pagar a indemnização. Abre-se um incidente no processo de execução para que haja uma quantificação dos danos e estes possam ser pagos- do ponto de vista substantivo, são então indemnizáveis tanto os danos presentes como os danos futuros- mas a necessidade de justificação da sua previsibilidade tem que existir. Para acabarmos a parte introdutória, sabemos que existem varias modalidades de responsabilidade civil com diferentes regimes. Os danos são consequências negativas que resultam dos fatos. A lei trata de maneira diferente as diferentes modalidades de responsabilidade civil, mas a obrigação de

indemnizar é unitária. Esta aparente unidade induz em erro segundo o professor Vítor Neves, porque na

verdade não se aplicam de igual forma a todas as modalidades de responsabilidade civil- sobretudo

extraobrigacional subjetiva. Não podemos perder de vista que esta obrigação de indemnizar é construída

com base no regime de responsabilidade civil extraobrigacional delitual- responsabilidade delitual.

5- Nexo de Causalidade entre o Facto e o Dano

O art. 483, ao estabelecer a obrigação de indemnização como sanção para o comportamento ilícito e

culposo do agente, limita no entanto essa indemnização aos “danos resultantes da violação”, o que implica

exigir que esse comportamento seja causa dos danos sofridos, i.e., que haja um nexo de causalidade de

entre o facto e o dano. O problema que se coloca, no entanto, diz respeito aos limites em que se pode

admitir o nexo, já que o facto pode ser a causa do dano em termos muito remotos, que tornam difícil

responsabilizar o agente por este.

Caso de POTHIER

Um comerciante vendeu a um lavrador uma vaca que ele sabia estar infetada com uma doença contagiosa, tendo dissimulado

esse vício. O lavrador coloca a vaca junto dos seus outros animais, acabando todos por vir a perecer da mesma doença. Em

consequência, o lavrador vê-se impedido de lavrar as suas terras, perdendo assim o rendimento agrícola que habitualmente

auferia. Daí que os seus credores tenham decidido executar os bens do lavrador, tendo sido estes vendidos judicialmente ao

desbarato. A este exemplo clássico, tem sido ainda crescentada para cúmulo a situação de o lavrador, desesperado com a sua

triste sorte, ter posto termo à vida” .

Naturalmente que não faria sentido que o comerciante, por ter vendido uma vaca doente, seja responsabilizado por todos os

infortúnios que atingiram o lavrador. Haverá, por isso, que definir um critério para o estabelecimento do nexo de causalidade

que permita que ele seja entendido em termos naturalísticos mas não jurídicos.

43

Teoria da Equivalência das Condições- Conditio sine qua non

A Teoria da Equivalência das condições, igualmente designada como teoria da conditio sine qua non,

considera causa de um evento toda e qualquer condição que tenha concorrido para a sua produção, em

termos tais que a sua não ocorrência implicaria que o evento deixasse de se verificar.

Esta conceção parte do conceito de causalidade de JOHN STUART MILL- filósofo inglês- transportada

para o Direito por VON BURL. De acordo com esta conceção, o que carateriza o conceito de causa de

um evento é apenas a imprescindibilidade de uma condição para a sua verificação- “sem a qual não” - não

se justificando estabelecer qualquer apreciação da relevância jurídica dessas condições, uma vez que todas

elas são equivalentes para o processo causal, mesmo que o evento só resulte da ação conjugada de ambas.

Aplicada ao Direito, a teoria conduz a resultados absurdos. Efetivamente, ao se afirmar a relevância de

todas as condições para o processo causal, já que por si nenhuma teria força suficiente para afastar a outra,

o resultado é abdicar-se de efetuar uma seleção das condições relevantes juridicamente. Daí que, como

afirma LARENZ, a teoria da Conditio sine qua non não forneça uma exta definição de causalidade ,mas antes

uma regra geral descritiva.

Teoria da última condição- Causa Próxima

A Teoria da última Condição ou da Causa Próxima, só considera como causa do evento a última condição

que se verificou antes de este ocorrer e que, portanto, o precede diretamente.

A Teoria não é, porém, aceitável, uma vez que a ação não tem que produzir diretamente o dano, podendo

produzi-lo apenas indiretamente e nem sequer há obstáculos a que decorra um lapso de tempo

considerável entre o facto ilícito e os danos (cifr. Art. 564/2). Seria, por outro lado, altamente injusto

colocar toda a relevância do processo causal numa última condição, que muitas vezes é provocada por

uma condição antecedente, que se apresenta como a verdadeiramente decisiva para efeitos causais.

Teoria da Condição Eficiente- fórmula de BIRKMEYER

Esta teoria pretende que, para descobrir a causa do dano terá que ser efetuada uma avaliação quantitativa

da eficiência das diversas condições do processo causal, para averiguar qual a que se apresenta mais

relevante em termos causais.

A Teoria da Condição eficiente não fornece um verdadeiro critério para o estabelecimento de um nexo

causal. Efetivamente, escolher a condição mais eficiente em termos causais apenas é possível remetendo

para o ponto de vista do julgador, o que acaba por redundar num subjetivismo integral, totalmente

inadequado para a construção jurídica.

Teo

ria

da

C

au

salid

ad

e

Teoria da Equivalência das Condições

Teoria da Última Condição

Teoria da Condição Eficiente

Teoria da Causalidade Adequada

Teoria do Fim da Norma Violada

44

Teoria da Causalidade Adequada

A posição maioritariamente defendida na nossa doutrina é a da Teoria da Causalidade Adequada- VON

KRIES. De acordo com esta conceção, para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não

basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sina qua non. É necessário

que, em abstrato, seja também adequado a produzi-lo, segundo o curso normal das coisas.

A averiguação da adequação abstrata do facto a produzir o dano só pode ser realizada à posteriori, através

da avaliação se seria previsível que a prática daquele facto originasse aquele dano- prognose póstuma. A

doutrina da adequação aceita que essa avaliação tome por base não apenas as circunstâncias normais que

levariam um observador externo a efetuar um juízo de previsibilidade, mas também circunstâncias

anormais, desde que recognoscíveis ou conhecidas pelo agente.

Tal implica que a doutrina da causalidade adequada remeta, no fundo, para questões de imputação

subjetiva, podendo, nessa medida, assumir-se como uma fórmula vazia.

Esta teoria encontra-se subjacente no art. 563. Efetivamente, o art. 563 vem procurar resolver a questão

do nexo de causalidade ao referir que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado

provavelmente não teria sofrido se fosse a lesão”. Esta formulação parte da teoria da conditio sine quo non, em

termos tais que até poderíamos dizer que a consagraria. No entanto, a introdução do advérbio

“provavelmente” faz supor que não está em causa apenas a imprescindibilidade da condição para o

desencadear do processo causal, exigindo-se ainda que essa condição, de acordo com um juízo de

probabilidade, seja idónea a produzir um dano, o que corresponde à consagração da teoria da causalidade

adequada.

Teoria do Escopo da Norma Violada

Para o Professor Menezes Leitão esta é a melhor teoria. Esta tese defende que para o estabelecimento de

um nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram dos factos correspondem

à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma

de proteção. Assim, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um

problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação de

danos.

Tivemos já em tempos ocasião de defender que nos parece ser esta a melhor forma de determinação do

nexo de causalidade. Efetivamente, a obrigação de reparar os danos causados constitui uma consequência

jurídica de uma norma relativa à imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de

causalidade apenas se possa fazer a partir da determinação do fim específico e do âmbito de proteção da

norma que determina essa consequência jurídica.

Os processos Causais Virtuais- Relevância da Causalidade Virtual

A Causa Virtual verifica-.se sempre que o dano resultante da causa real se tivesse igualmente verificado,

na ausência desta, por via de outra causa, denominada por causa virtual.

É o que acontece no clássico exemplo de alguém ter envenenado um cavalo, no intuito de lesar o seu

proprietário, sendo que, porém, antes disso o animal é abatido a tiro por outra pessoa, com as mesmas

intenções. Neste caso, o disparo é a causa real do dano sofrido pelo lesado, constituindo-se o

envenenamento como causa virtual que iria da mesma forma produzi-lo.

Soluções Jurídicas:

45

1- Relevância Positiva da Causa Virtual- segundo esta, o autor da causa virtual seria

responsabilizado pelo dano, nos mesmos termos do autor da causa real;

2- Relevância Negativa da Causa Virtual- segundo esta, o autor da causa virtual não

seria responsabilizado pelo dano, mas a existência dessa causa virtual serviria para

afastar a existência de uma responsabilização do agente responsável pela causa real.

3- Irrelevância da Causa Virtual- neste âmbito, a responsabilidade do autor do dano

não seria minimamente afetada pela existência da causa virtual

A solução da relevância positiva da causa virtual implicaria prescindir do nexo de causalidade, já que este

é interrompido pela ocorrência da causa real. O autor da causa virtual seria por isso responsabilizado por

danos que não resultaram do seu comportamento, o que é inaceitável face ao disposto no art. 483. Esta

solução é, por isso, inadmissível.

Mais discutível se apresenta a solução da relevância negativa da causa virtual. Efetivamente, se esta é

expressamente admitida na lei para certo tipo de situações (arts. 491, 492, 493/1, 616/2 e 807/2) onde se

admite que a responsabilização do agente possa não ocorrer se ele demonstrar que o dano seria igualmente

causado por um outro fenómeno- causa virtual. A dúvida que se coloca é, no entanto, a de determinar se

estas disposições são excecionais ou se representam antes o afloramento de um princípio geral de

relevância negativa da causa virtual.

Posições Doutrinárias

Excecionalidade da Causa Virtual de Relevância Negativa- PEREIRA COELHO

Considera o autor que as disposições que consagram a causa de relevância negativa virtual não

correspondem ao regime normal da responsabilidade civil, mas antes instituem uma responsabilidade

agravada em resultado da presunção de culpa ou de imputação de responsabilidade pelo risco, funcionando

a relevância negativa da causa virtual como uma compensação pelo agravamento da responsabilidade.

Por outro lado, desempenhando a responsabilidade civil não apenas funções reparatórias, mas também

funções preventivas e punitivas- não se justificaria estabelecer genericamente a relevância negativa da causa

virtual.

Aplicação Genérica da Causa Virtual de Relevância Negativa- PESSOA JORGE

Para este autor, a função reparatória é a função essencial e primordial da responsabilidade civil, pelo que

não deve a prossecução de funções acessórias impedir a consagração da relevância negativa da causa

virtual.

Em termos mais restritivos, PAULO MOTA PINTO admite a relevância negativa da causa virtual se a

mesma resultar da ponderação da finalidade da norma, uma vez que essa relevância se imporia quando a

responsabilidade tenha apenas uma função reparatória, de acordo com a teoria da diferença, e se pretenda

evitar o enriquecimento do lesado.

Posição da Maioria da Doutrina

A esmagadora da nossa doutrina orienta-se, porém, pela consideração como regra geral da irrelevância

negativa da causa virtual. Para MENEZES LEITÃO e Vítor Neves, esta também deve ser a opção.

Verificando-se a imputação Delitual de um facto ao agente, naturalmente que ele vai responder pelos danos

causados nos termos do art. 483, não prevendo a lei como regra geral que essa responsabilidade seja

perturbada pela causa virtual, o que se afiguraria absurdo face às funções preventivas e punitivas

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prosseguidas na responsabilidade Delitual- bem como face às preventivas, que não deixam igualmente de

ser prosseguidas na responsabilidade pelo risco. Se a lei dá relevância à causa virtual em situações especiais,

é como causa suplementar de exclusão da responsabilidade- que concede em situações restritas de

responsabilidade agravada.

Casos Práticos Resolvidos

Responsabilidade Civil por Factos Ilícitos

Caso 1

Facto Voluntário

A 20 de Janeiro de 2005, Samuel, proprietário de uma loja de roupa num centro comercial, quando

se dirigia para a sua viatura, foi arrastado, em virtude de ventos ciclónicos, contra a montra de

uma outra loja de roupa situada no rés-do-chão do mesmo edifício.

Na sequência deste episódio, Cláudio, na qualidade de proprietário da loja, após ter tomado

conhecimento dos estragos, que incluíam a destruição do vidro e de inúmeras peças de vestuário

que estavam expostas, deseja ser ressarcido dos prejuizos que lhe foram causados, que ascendiam

a, aproximadamente, mil e quinhentos euros.

a) Terá Cláudio direito a ser indemnizado? Justifique.

O problema da responsabilidade civil reside na questão de se saber se aquele que sofreu um dano terá que

suportar em definitivo ou se, ao invés, poderá exigir de outrem a sua reparação. A responsabilidade

perfilha-se como a obrigação imposta a uma pessoa para reparar um prejuízo causado a outrem.

Temos de distinguir factos humanos de factos naturais geradores de prejuizos.

Nos casos em que os danos não resultam de vínculos obrigacionais prévios que unem duas pessoas, a

modalidade de responsabilidade civil a atender é a delitual ou também conhecida como extraobrigacional

ou aquiliana. Isto acontece, porque obviamente que o contrato não é a única fonte das obrigações- estas

podem também resultar de lei ou de negócio jurídico unilateral. Também nesta modalidade de

responsabilidade civil há uma pressuposição da violação de um dever- não de um dever especial ou relativo,

mas de um dever geral de conduta que a ordem jurídica impõe a todos os individuos para a sua proteção

e que, de forma típica, constituem o contrapólo de um direito subjetivo absoluto (como acontece nos

casos de direitos de personalidade oou dos direitos reais).

A responsabilidade por factos ilícitos, assenta, como vimos nas aulas, sempre , no todo ou em parte, sobre

um facto da pessoa obrigada a indemnizar. Esse facto tem de consistir, em regra, numa atuação, num facto

positivo- como acontece na hipóttese em análise com a destruição da montra da loja- que importa a

violação de um dever geral de abstenção, um dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito

absoluto. No entanto, sabemos que pode haver uma assunção de responsabilidade civil por factos

47

negativos- abstenções ou omissões, sempre que haja o dever especial de pratica de um acto que, muito

provavelmente, teria impedido o dano. Nesta possibilidade, a abstenção era um acto sem o qual o dano

não se teria produzido.

Caso Concreto:

Responsabilidade civil Extraconttratual / Extraobrigacional/ Delitual / Aquiliana-

art. 483

Pressupostos da Responsabilidade Civil Extraobrigacional

Existência de um facto juridicamente relevante- facto controlado oou controlável pela vontade;

O elemento básico da responsabilidade é a circunstãncia de o agente pratizar um facto, pois a mesma,

quando baseada em factos ilícitos, assentará sempre, no todo ou em parte, sobre um facto da pessoa

obrigada a indemnizar. O comportamento tem quue ser dominado ou dominável pela vontade, pois só

relativamente a factos desta índole têm cabimento as ideias de ilicitude, da culpa e da obrigação de reparar

o dano nos termos em que a lei impõe.

Quando se alude a facto voluntário do agente, não se pretende restringir os factos humanos relevantes em

matéria de responsabilidade aos atos queridos, i.e., àqueles casos em que o agente tenha prefigurado

mentalmenteos efeitos do acto e tenha agido cem vista deles- por exemplo, como acontece nas situações

de negligência inconsciente, em que não existe semelhante representação mental, mas, todavia, subsiste a

obrigação de indemnizar.

Para haver lugar a responsabilidade civil, é necessário somente que o acto praticado pelo agente seja

controlado ou controlável pela vontade- para se fundamentar a obrigação de indemnizar não se torna

necessária a existência de uma conduta pre determinada- uma ação ou omissão orientada para um

determinado fim, i.e., uma conduta finalística.

Ilicitude- contraditoriedade para com as normas do ordenamento jurídico;

Facto Imputável ao Lesante;

Existência de danos;

Nexo de Causalidade juridicamente relevante de entre o facto e o dano;

Inexistência de Causas de Exclusão da Ilcitude

Fora do domínio da responsabilidade civil ficam os casos em que os danos são provocados por motivos

de força maior ou pela atuação irresistivel de circunstâncias fortuitas- como acontece neste caso, onde

Samuel foi irreversivelmente impelido pela força do vento, por efeito de uma vaga do mar, etc.

Assim sendo, Cláudio, enquanto dono do estabelecimento comercial que viu a montra da sua loja ser

danificada, não tem direito a indemnização, uma vez que falta o pressuposto básico da responsabilidade

civil, i.e., o Facto Voluntário do Agente.

b) Pressuponha agora que Samuel, que se deslocava apressadamente para a sua viatura, não

48

reparou que o piso do centro comercial estava extremamente esorregadio, pelo que embateu

violentamente na montra da loja de Claúdio, causando avultados estragos. A conclusão seria a

mesma da Hipótese precedente?

Vimos que para estarmos perante uma situação de responsabilidade civl, o facto tem que ser humanístico,

mas também tem que ser dominado ou dominável pela vontade do agente que efetuou uma determinada

ação. Mas para se fundamentar a responsabilidade civil basta a possibilidade de controlo do acto ou da

omissão, não sendo necessária uma conduta predeterminada, como vimos anteriormente. Não é necessária

a existência de uma ação ou omissão exclusivamente finalística.

Tendo por base os esclarecimentos que havíamos feito na hipótese anterior, é fácil de chagarmos à

conclusão de que a resposta a ser dada seria distinta. Efetivamente, tendo Samuel destruído a montra da

loja de Cláudio, por força de um facto que era, à priori, objetivamente controlável ou dominável pela

vontade, incorrerá em responsabilidade, caso se verificassem os restantes pressupostos- que ainda não

serão problematizados no caso sub judice.

Assim sendo, e porque se trata de um acto danoso praticado por distração- é evidente que, apenas por

mero descuido, falta de cautela ou atenção é que Samuel escorregou, pois tinha verificado que o piso estava

molhado e, mesmo assim, decidiu correr apressadamente para o carro. Logo, verifica-se indiscutivelmente

o primeiro pressuposto da responsabilidade civil por factos ilicitos.

Caso 2

Ilicitude

A Direção Geral de qualidade de preços emitiu um regulamento no qual se deiniam as normas

para o acondicionamento do mel de abelha.

Lúcio, apicultor, produziu mel em grandes quantidades e em condições que não respeitavam

inteiramente o disposto no regulamento, que se destinava ao fornecimento de várias superfícies

comerciais.

Tiago, Fernando e Jorge, consumidores, que habitualmente se dirigiam a um desses entrepostos

comerciais, foram hospitalizados após terem ingerido mel, pelo facto de este se encontrar

estragado.

Armando, conhecido jornalista desse meio regional, publicou uma notícia na qual se divulgava

que a hospitalização das pessoas em causa ocorreu após terem ingerido mel de abelha produzido

por Lúcio, acrescentando que este não havia respeitado o regulamento.

Em virtude da divulgação desta notícia, as vendas dos produtores do sector diminuíram

consideravelmente e, por isso, pretendem responsabilizar Lúcio pelo sucedido.

a) Poderão fazê-lo?

1º Passo

Responsabilidade civil extracontratual, extraobrigacional, delitual ou aquiliana.

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Este é um tipo de responsabilidade originada pela violação de um dever geral de conduta que a ordem

jurídica impõe a todos os indivíduos para sua proteção e que, de forma típica, constituem o contrapólo de

um direito subjetivo absoluto.

Trave-mestra do regime da responsabilidade civil- art. 483.

Pressupostos da Responsabilidade Civil por factos ilícitos:

a) Facto Voluntário;

b) Ilicitude;

c) Imputação do facto ao lesante;

d) Dano;

e) Nexo de Causalidade relevante de entre o facto e o dano.

Facto Voluntário

Estamos perante um ato controlado e dominado pelo agente- este é efetivamente um facto voluntário. A

produção do mel por parte da pessoa de Lúcio, sem o respeito pelas normas regulamentares que exigiam

o acondicionamento, faz-nos querer que efetivamente estamos perante um acto voluntário.

Ilicitude

Para que um ato seja gerador de responsabilidade civil, não basta que estejamos perante um facto humano

voluntário, tornando-se imprescindível que esse facto revele uma antijurisdicidade, uma contraditoriedade

ao direito.

Sentidos da ilicitude:

Lato sensu- quando podemos qualificar como ilícita toda a conduta que está em oposição à ordem jurídica;

Strcto sensu- art. 483º- a ilicitude em sentido restrito corresponde á reprovação da conduta do agente que

no caso concreto poderia ter optado por agir de outra forma. Este sentido da ilicitude abrange duas

modalidades. :

1- "Violação de direitos de outrem"

Direitos subjetivos absolutos- aqueles que são oponíveis a todas as pessoas;

--- Direitos de Personalidade: arts. 70 e seguintes;

No que concerne aos direitos de personalidade, há que considerar os direitos-quadro que implicam uma

ponderação de interesses, de entre o desvalor da ação e o desvalor do resultado, para que a ilicitude se

considere verificável, atento o seu conteúdo extremamente amplo.

--- Direitos Patrimoniais: direitos reais, direitos de propriedade intelectual

(direitos de autor e direitos conexos)

50

Relativamente aos direitos patrimoniais, cumpre precisar que o direito português não protege, à partida,

danos puramente patrimoniais. Estes danos puramente patrimoniais só serão protegidos no âmbito da

segunda modalidade de ilicitude que será de seguida abordada, i.e., se previstos numa norma de proteção.

2- "Violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios"

Quando a lei refere violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios não o consagra

num sentido única e simplesmente técnico juridico, mas num sentido mais material, podendo tratar-se de

uma norma de direito público destinada a proteger exatamente esses interesses alheios. A ratio legis do art.

483/1 reside em prima facie, em alargar a proteção delitual a interesses não só coletivos, mas também

privados, mesmo que não conformem um direito subjetivo absoluto, sendo, desta forma, objeto de uma

proteção por via indireta, que é realizada através de uma remissão da norma civil para o conjunto de

disposições de direito público, que, em variadíssimas situações, estabelecem uma proibição ou impõem

um comportamento. Esses interesses têm que ser direta ou indiretamente protegidos por uma disposição

legal que lhes dá guarida, não sendo admissível uma proteção meramente reflexa.Concomitantemente, a

previsão da norma inclui a violação de dispositivos legais destinados a proteger, não o dano em concreto,

mas o simples perigo de dano em abstrato.

É de salientar que a referência à violação de interesses tutelados legalmente assume extraordinária

importância no domínio dos interesses particulares criminalmente protegidos ou tutelados pelo direito

contraordenacional. Ora, no caso concreto, os danos provieram de uma contravenção ou transgressão de

caráter administrativo, pelo que a norma violada visava proteger indiretamente os particulares, ainda que

não lhes conferindo diretamente um direito subjetivo.

Como tal, é indiscutível que no caso em apreço estamos perante esta segunda modalidade de ilicitude

stricto sensu, pelo que se impõe uma averiguação do preenchimento de todos os requisitos para que haja

efetivamente lugar à obrigação de indemnizar.

Requisitos da violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios

Tratando-se, portanto, dde uma situalção relacionada com a violação de uma disposição legal destinada a

proteger interesses alheios, para que o(s) lesado(s) tenha(m) direito a ser indemnizado(s), é imprescindível

a verificação de três requisitos cumulativos:

1- À lesão dos interesses dos particulares tem de corresponder uma ofensa para com uma norma legal,

entendendo-se esta expressão em sentido amplo, i.e., como que abrangendo regulamentos, portarias,

normas penais, administrativas ou fiscais;

No caso concreto, verifica-se claramente o primeiro requisito, dado que efetivamente houve uma violação

do regulamento que impõe a observância de determinados procedimentos para o acondicionamento do

mel da abelha.

2- Torna-se necessário que se tratem de interesses alheios legítimos ou juridicamente protegidos por essa

norma, e não apenas por interesses reflexamente protegidos;

Já este segundo requisito não está respeitado no caso sub judice. Este segundo determina que a tutela dos

interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada, pois o que aqui releva é o seu

conteudo e não o efeito. Ora, o que sucedeu foi que o produto não havia sido frabicado em boas

51

condiçõoes, o que nada tem que ver com o posterior desrespeito da norma relativa à sua embalagem. Para

além disso, o dano não se registou no círculo de interesses protegidos pela norma. Efectivamente, o

regulamento em causa, que não foi respeitado pela pessoa de Lúcio, visa acauteelar interesses particulares

de saúde e de higiene,e não interesses económicos dos produtores, que acabaram por ver diminuir

drasticamente os seus lucros na sequência da divulgação de que o mel produzido pelo referido apicultor

sofria de uma qualidade duvidosa.

3- Por último, é fulcral que a lesão se efective no próprio bem jurídico ou no interesse privado que a lei

visa tutelar.

Pelo ex post, conclui-se que não existe viabilidade económica para que o pedido de indemnização seja

requerido pelos lesados em face dos prejuizos havidos.

Ofensa ao Crédito e ao Bom Nome

b) Poderão esses mesmos apicultores responsabilizar a pessoa de Armando pelo sucedido? Terá

viabilidade o respetivo pedido de indemnização pelos prejuizos sofridos? Jusitifique a sua

resposta.

Além da regra geral da respopnsabilidade civil por factos ilícitos constante do art. 483, o Código consagra

de moda particular alguns casos particulares de ilicitude.

O primeiro desses casos é aquele relativo ao crédito e ao bom nomede qualquer pessoa. Conforme dispõe

o art. 484: quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou oo bom-nome de qualquer

pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados. É importante desde logo realçar que este

preceito só se aplica a factos, não sendo suficiente a mera alusão ou sugestão. Fora do seu ãmbito de

aplicação ficam portanto, os juízos de valor, as opiniões críticas e as considerações técnicas e cientificas.

O problema é que, frequentemente, se afigura herculea a tarefa que visa a estabelecer, com rigor,a fronteira

entre o terminus da afirmação de facto e o começo do juizo de valor. Essa distinção é fundamental para a

aplicação do art. 484.

Mas em relação a esta questão a Doutrina não é de todo unânime.

ANTUNES VARELA:

Para este autor, pouco importa que o facto afirmado seja verdadeiro ou não, contanto que seja suscetível,

ponderadas as circunstâncias do caso:

---De diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigaçõoes

(prejuízo do crédito); ou

---De abalar o prestígio que a pessoa goze ou o bom conceito em que ele seja habitualmente tida (prejuizo

do bom nome) no meio social em que vive ou onde exerce a sua atividade.

Contudo, devemos denotar que se deve considerar menos censurável a atuação de aquele que afirma ou

divulga um faacto que não corresponde à verdade- mas que julga ser verdadeiro- do que aquele outro que

revela um facto verdadeiro com consciência de que com a sua revelação irá produzir um dano na esfera

jurídica alheia.

52

ALMEIDA COSTA

Este autor assume uma posição intermédia- diz que a regra consiste na irrelevãncias da veracidade do

facto, admitindo todavia que nem sempre está em causa a proteção de interesses legítimos- é, portanto, de

admitir a exceptio veritatis.

PESSOA JORGE e SINDE MONTEIRO

Este autor entende que só deve haver lugar a responsabilidade civil quando o facto afirmado pelo agente

é efectivamente falso. também SINDE MONTEIRO vai no mesmo sentido de PESSOA JORGE-

entende este autor que o direito positivo não pode tratar da mesma forma um facto divulgado que seja

verdade e um facto que seja mentira. Assim sendo, e para que a difusão de um facto verdadeiro seja ilícito

e acarrete a correspetiva obrigação de indemnizar, tem que emergir como conditio sine qua non a

ponderaçãode uma situação de apreço no sentido de se saber se haverá alguma justificada difusão do facto

verdadeiro.

Caso concreto: O jornalista do caso afirma um facto verdadeiro, relatando com exactidão o sucedido.

Efectivamente, não restam dúvidas de que o produto em causa é produzido por Lúcio, uma vez que este

não respeitou oo regulamento relativo ao acondicionamento do mesmo, e que Tiago, Fernando e Jorge

foram hospitalizados após terem ingerido esse mel. O que aconteceu foi que o relato de tal facto, que

apenas incidia ssobre o mel produzido por Lúcio, levou a uma diminuição da venda do mel de todos os

produtores, com reflexos gravíssimos sobre o bom-nome. Há, portanto, uma desproporção de entre a

afirmação do facto que divulgou e as repercussões que ele é suscetível de causar ao bom nome dos

reprodutores. Torna-se, pois, necessário fazer uso de um critério de proporcionalidade na análise do caso.

Na eventualidade de considerarmos a boa doutrina de Antunes Varela, poderá, eventualmente,

haver lugar à indemnização a cargo de Armando, caso se venha a concluir que os restantes pressupostos

da responsabilidade civil se verificam. I.e., apesar de se poder considerar esta conduta como um facto

ilicito imputável ao lesante que causou danos a outrem, seria necessário que tal conduta fosse culposa e

que se verificasse um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Nesta hipótese, entãao Armando teria

de indemnizar os produtores do sector, por força do disposto no art. 484.

Tal solução seria descartada na eventualdade de seguirmos a orientação propugnada por PESSOA

JORGE- tratando-se da divulgação de um facto verdadeiro, essa indemnização só teria lugar, se,

ponderando as circunstâncias concretas do caso, concluíssemos estar perante uma situação de abuso de

direito- art. 334- por parte da pessoa de Armando, uma vez que alargou de forma intolerável o princípio

da liberdade de expressão, em prejuízo do bom-nome e reputação dos visados.

Causas de Justificação da Ilicitude do Facto

c) Imagine agora que os produtores souberam, na véspera, que Armando se preparava para

publicar tal notícia no jornal no dia segunte. Alarmados com o que poderia suceder com a

divulgação de tal notícia, dirigiram-se às instalações do jornal e destruíram todos os exemplares.

O Conselho de Administração do Jornal pretende que tais produtores respondam civilmente por

perdas e danos.

Os produtores alegam que a sua atuação é plenamente justificada, ponderados os interesses em

53

jogo, pelo que a sua conduta não deverá ser considerada como lícita. Quid Juris?

Abstendo-me mais uma vez de começar a analisar todos os pressupostos que gerariam a responsabilidade

civil por factos ilícitos, é de afirmar que à partida a conduta do produtor do mel é suscetível de gerar a

respectiva obrigação de indemnizar. A primeira constatação que podemos fazer, à priori, terá que ver com

a existência de um facto ilícito. Ao procederem à destruição dos jornais no dia seguinte, os agentes

praticaram obviamente um facto controável e dominável pela vontade- facto este que podemos considerar

como ilícito, porque houve efectivamente uma violação do direito de outrem. A destruição dos jornais

implica, claramente, a lesão e a violação do direito de propriedade do Conselho de Administração sobre

ais exemplares.

Contudo, pode suceder que a violação de um direito subjetivo de outrem possa concorrer com uma causa

de exclusão da ilicitude/causa de justificação do facto capaz de afastar a presumível ilicitude. Ou seja, pode

dizer-se que um determinado facto, ainda que lesivo de um conjunto de direitos e de interesses alheios, se

considere justificado quando a sua prática resulta, quer de um exercício regular de um direito, quer do

cumprimento de um dever, pelo que se deverá considerar o facto como lícito. Fundamental é, assim, que

o dever violado pelo agente seja afastado por um outro dever, ou antes, que tal violação seja cometida no

exercício de um direito.

Na situação sub judice é manifesto que os produtores de mel não agiram nem ao abrigo de um dever, nem

no exercício legítimo de um direito, pois a circunstância de recearem, que com a publicação da notícia, as

suas vendas iriam, necessariamente, diminuir, não se enquadra em nenhuma das causas de exclusão da

ilicitude.

Mas importa analisarmos as causas especiasi de exclusao da ilicitude:

Art. 335- Colisão de direitos

Mesmo se concluíssemos pela igualdade de direitos, por se tratarem de direitos da mesma espécie, entre o

bom nome e a liberdade de imprensa, o facto é que rapidamente afastariamos a possibilidade de aplicação

do art. 335, dada a circunstâsncia de se verificar um total sacrifício de um direito em prole de outro. Assim,

e porque é totalmente descabido vislumbrar num direito ao bom-nome e à reputação um direito superior

aos outros que estão em euqação, concluímos então pela impossibilidade de os produtores poderem ver a

sua responsabilidade dirimida por força do art. 335.

Todavia, além destas causas de ordem geral, o legislador prevê ainda algumas causas especiais justificativas

do facto, que se perfilam, essencialmente, com a manifestação de um agere licere, ou seja, uma faculdade

de agir, que vai mais além do que um simples exercício do direito subjetivo que a ordem jurídica coloca na

minha esfera jurídica.

Causas Especiais de Justificação da Ilicitude

Ação Directa- art. 336;

A ação direta corresponde ao recurso à força, às vias de facto, para assegurar ou realizar o próprio direito,

traduzindo-se num meio quase primário de realização da justiça, sem prejuízo de se propugnar, em sede

de exercício de direitos, a proibição de autodefesa como princípio absolutamente estruturante- art. 1 CPC.

Para que seja possível de acordo com o art. 336 o recurso á ação diretatorna-se necessário que se verifiquem

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cumulativamente os seguintes requisitos:

1- O agente tem que ser titular de um direito que pretende ver salvaguardado, assumindo-se o recurso à

força como indispensável;

2- Não pode ser possível recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos normais.

Da análise destes primeiros requisitos resulta que o recurso à ação direta não estaria, à partida, totalmente

afastado no nosso caso, pois, na eventualidade de se considerar que os produtores de mel quereriam

proteger o seu direito ao bom-nome, que sairia veementemente manchado após a publicação da notícia, e

que era manifestamente impossível recorrerem em tempo útil a outro meio coercivo.

Ora, faltam ainda mais dois requisitos:

3- Adequação da conduta para se evitar o prejuízo e valor relativo dos interesses superiores àqueles que

visa assegurar.

No caso em apreço, o critério da adequação deixa algumas dúvidas.

4- O sacrifício causado não pode ser superior àquele que estava em causa

Ora é inequívoca a não verificação deste requisito- através da destruição dos jornais, os agentes coartam

indelevelmente o direito à indemnização, que é constitucionalmente protegido, sacrificando interesses

superiores àqueles que visam não causar.

Legítima Defesa- art. 337;

A legítima defesa consubstancia-se na reação destinada a afastar uma agressão que é atual e ilícita da pessoa

ou do património do agente ou de terceiro. Os requisitos de que depende a aplicabilidade desta figura

consistem:

-Existência de uma agressão atual e ilíicita;

-Reação adequada e necessária, no sentido de que o meio de defesa a que se recorre não provoque um

dano manifestamente superior ao que se pretende repelir.

Desta feita, poderemos desde logo concluir da impossibilidade de se verificar no caso concreto, uma

legítima defesa, pois aqui a agressão que se trata não é atual e não é previsível e provável, mas sim pretérita

ou futura, o que sucede no caso.

Art. 338:

Ainda que o titular do ddireito atua na pressuposição errónea de se verificarem os pressupostos que

justificam a legítima defesa e a ação direta- como parece fazer-nos querer o enunciado- este é obrigado a

indemnizar a contraparte, a menos que o erro seja desculpável, o que não parece dde todo em todo,

plausível no nosso caso.

Estado de necessidade- art. 339;

Esta é uma situação de constrangimento na qual age quem sacrifica coisa alheia com o fim de afastar o

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perigo actual de um prejuízo manifestamente superior. No estado de necessidade, e contrariamente ao que

se verifica na figura anteriormente descrita, o agente atua por ataque ou como meio de defesa contra um

qualquer perigo não proveniente de agressão de outrem. Destarte, é indiscutível que, na situação em

apreço, há o sacrifício de coisa alheia (os jornais), pretendendo-se afastar o perigo de um dano no

património do agente. Contudo, é imprescindível que o prejuízo a que se visa obstar seja manifestamente

superior ao que é sacrificado. Ora, se tivermos em consideração que os direitos patrimoniais dos

produtores, teremos de levar em linha de conta os prejuízos económicos que advieram ao jornal, em

virtude da sua não publicação, pelo que, por aqui, não será possível, com rigor, defender a aplicabilidade

do art. 339. Por outro lado, também é ainda possível invocar que o dano se situa ao nível do bom-nome

dos produtores, que irão sair lesados após a publicação da notícia, tratando-se de um direito civil e

constitucionalmente protegido- art. 26 CRP. Todavia, não se poderá esqueçer que a lesão do direito a

informar, que está a ser colocado em causa através da conduta dos agentes, de acordo com o art. 38 CRP,

que assegura a liberdade de imprensa, estatuindo simultaneamente que tal liberdade implica a "liberdade

de expressão e criação dos jornalistas". Assim, dado que se trata de um direito constitucionalmente

consagrado e que a notícia em causa é verdadeira, não correspondendo a nenhuma criatividade jornalística,

com intuito de lesar interesses alheios, a convocação do princípio constitucional leva-nos a concluir ppela

manifesta desproporcionalidade da conduta protectora face aos interesses em causa, porquanto estará

afastadaa aplicabilidade do art. 339.

Consentimento do lesado- art. 340.

O consentimento do lesado consiste na aquiescência pelo titular do direito á prática do acto que, sem ela,

constituiria uma violação desse direito ou uma ofensa de uma norma tuteladora do respectivo interesse.

Isto não se verificou no caso sub judice, pois era intenção do conselho de administração do jornal proceder

judicialmente contra os autores do facto danoso. Não terá, igualmente, qualquer sentido falar-se sequer na

possibilidade de aplicação do art. 340/3, pois tal implicaria qque a lesão se tivesse operado no interesse e

de acordo com a vontade presumível do lesado, o que manifestamente não sucede.

Assim, excluída que está a possibilidade de recurso, quer às causas gerais, quer às causas especiais de

justificação da ilicitude. Temos que, verificando-se os restantes pressupostos de que dependen a obrigação

de indemnizar, os produtores de mel terão que proceder à inddemnização do jornal.

Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações

d) Após terem sido alertados para a possibilidade de terem que vir a indemnizar o jornal, os

produtores mannifestaram o propósito de demandarem civilmente a maior empresa do sector: a

"Docemel, S.A.", que os havia aconselhado a tomar a iniciativa de destruir os jornais, por

entender que também poderia vir a ser lesada nos seus lucros pela publicação da notícia. Poderão

fazê-lo?

Além das directrizes gerais que nos são fornecidas pelo art. 483 sobvre o conceito de ilicitude, a lei trata

de modo especial alguns casos de factos anti-jurídicos. Um desses casos é o previsto no art. 485:

"responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações". Estes podem envolver especialmente

responsabilidade civil nos termos do nº2.

1º Aprimoramento concetual

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Conselho- exortação á adoção de um determinado comportamento;

Recomendação- exortação menos incisiva à adoção de um determinado comportamento.

Nesta situação, parece efectivamente existir um conselho por parte da Sociedade Anónimaa em causa, no

sentido de os produtores adotarem um determinado comportamento. Ora, não havendo qualquer

referência expressa à assunpção, por parte da "Docemel, S.A.", dos danos que resultem da conduta e

inexistindo, à partida, qualquer dever jurídico de dar o conselho a cargo desta, será apenas de deixar em

aberto a possibilidade de haver responsabilidade civil por se tratar de uma facto criminalmente punível,

por força da aplicação do art. 212 CP- esta atitude constitui certamente um crime de dano (crime de

resultado).

Outra Proposta de Solução: desconsiderar a letra da lei do art. 485/2, e responsabilizar o agente no caso

de se verificarem todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil e correspetiva obrigação

de indemnizar- art. 483. Contudo, nesta solução seria dificil proceder a uma responsabiliização da

sociedade pela sua atitude, não só pela necessidade de prova da sua culpa, mas também porque era difícil

coexistir uma nexo de causalidade de entre o facto e o dano, que abordaremos com mais detalhe em

considerações posteriores.

Na eventualidade de não se apurar a responsabilidade da sociedade, aplicar-se-ia simplesmente o nº1 ddo

art. 484- não haveria uma responsabilização de quem deu os conselhos, ainda que os mesmo tenham

atuado com negligência. A ideia subjacente a este princípio do nº1 é a de que, perante a gratuitidade,

disponibilidade, afabilidade com que cada um de nós dá conselhos ou presta informações, caberá também

a quem recebe os mesmos filtrar a informação e aferir da sua autenticidade e utilidade, da sua veracidade

ou acerto- estas variáveis estão impregnadas de uma grande subjetividade.

Caso 3

Omissão, Culpa e Dano

Eduardo, professor de Natação no clube "Irãofundo.com", adormeceu, sentado no banco em

frente à piscina, e por alguns momentos, duarante a aula que leccionava a crinaças de entre os 5

e os 6 anos de idade.

Durante esse tempo, André, asmático, que frequentava a classe pela primeira vezdeixou de

conseguir controlar a respiração e, quando estava na iminência de se afogar, agarrou Manuel

pelas pernas para evitar ir ao fundo.

As duas crianças acabaram por se afogar.

André foi retirado inconsciente da água alguns segundos depois, acabando por recuperar já no

Hospital. Em virtude desta situação, que prejudicou ainda mais os seus problemas respiratórios,

não pode este menino ir á escola durante duas semanas, por necessitar de acompanhamento e

medicação permanentes, passando também a ter medo da água.

Manuel sofreu algumas escoriações nas pernas, consequêencia directa dos "agarrões" de André,

tendo-lhe sido dada alta no dia seguinte.

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Os pais de André pretendem obter uma indemnização por parte de Eduardo, entendendo que foi

ele o responsável por tudo aquilo que se passou.

a) Deverá Eduardo indemnizar os pais de André? Que danos deverão ser abrangidos no respectivo

pedido indemnizatório? Quid Juris?

1º Estamos perante uma situação de responsabilidade civil delitual

Esta responsabilidade foi originada pela violação de um dever geral de conduta que a ordem jurídica impõe

a todos os individuos para sua proteção e que, de forma típca, constituem o contrapólio de um direito

subjetivo absoluto. É o art. 483º que estabelece as linhas orientadoras de todo o regime da responsabilidade

civil, faazendo-a depender de vários pressupostos:

a) Facto voluntário

b) Ilicitude;

c) Imputação do facto ao lesante;

d) Danos;

e) Nexo de causalidade de entre o facto e os danos

A responsabilidade por factos ilícitos, assenta sempre no todo ou em parte, sobre o facto de a pessoa

responsável ser obrigada a indemnizar. Esse facto consiste, em regra, a uma ação (Facto Positivo) que

importa a violação de um dever geraal de abstenção, ou seja, de um dever de não ingerência na esfera de

ação do titular do direito absoluto.

No entanto, o dever de indemnizar pode também surgir de um Facto Negativo, i.e., numa absstenção ou

numa omissão, mas só nos casos em que hajao dever jurídico especial de praticar um acto que,

provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Nesta possibilidade, a abstenção é um acto sem

o qual o dano não se teria produzido- art. 486 CC.

Facto voluntário : Omissão

A Omissão, enquanto atitude puramente negativa, não pode gerar, física ou materialmente, o dano, pois

ontologicamente não produz qualquer tipo de alteração no mundo exterior. Independentemente disso,

entende-se que a omissão poderá ser concebida como a verdadeira causa do dano, sempre que haja o dever

jurídico de praticcar o acto que, de forma plausível, teria obstado à verificação daquele dano.

Tal dever resultante da lei, tanto pode ser imposto por uma norma perceptiva, que exige, de forma directa,

uma determinada ação- OMISSÃO PURA- como provir indiretamente da norma que determine a

colaboração de alguém na prevenção de um resultado que a lei não quer ver consubstanciado- OMISSÃO

IMPURA.

Deveres de Prevenção do Perigo De acordo com a Doutrina Alemã, aquele que cria a fonte de perigo

deve tomar todas as providências necessárias para que esse mesmo perigo não se verifique. São os

denominados deveres de prevenção do perigo que se podem sistematizar de entre:

-Directos- onde o obrigado tem que agir diretamente sobre o foco do perigo, eliminando-o;

58

-Indirectos- que se dirigem a permitir uma ação auto responsável por parte do obrigado

-Dever de Aviso- este dever emerge de uma forma mínima de segurança capaz de cumprir o dever geral

de prevenção do perigo, e o dever de instrução, avultando este, sobretudo, no domínio da responsabilidade

do produtor.

Caso concreto:

Eduardo "recusa-se" a colaborar no salvamento de quem está prestes a afogar-se, uma vez que,

evidentemente existe o dever jurídico de praticar o acto. Art. 491: quando os danos ocorrem em pessoas

naturalmente incapazes, presume-se a culpa das pessoas que estavam encarregadas de as vigiar.

Por outro lado, é evidente que a pessoa de André se terá de considerar como naturalmente incapaz, por

força do disposto no art. 488/2, que presume a falta de imputabiliddade dos menores de sete anos. Por

outro lado, é manifesto que Eduardo tinha o dever jurídico de prevenção relativamente ao perigo em que

incorreu o inimputável. Todavia, não se verifica a circunstância do art. 491. Este faz depender a sua

aplicabilidade, ou seja, a existência de danos causados a terceiros. A presunção de culpa in vigilando

estabelecida neste artigo apenas se refere a danos causados a terceiro, e já não aos danos causados á pessoa

que deve ser vigiada.

Como tal, e porque eestamos em face de danos causados na esfera jurídica do vigiado: aplica-se o disposto

no artigo 486. Contrariamente ao que se verifica no art. 491, não haverá aqui uma presunção legal de culpa-

pelo que caberá ao lesado André fazer prova da culpa da pessoa de Eduardo. Neste sentido, estando em

causa, como é evidente um facto ilícito, que resulta da violação de um direito subjetivo alheio- direito à

integridade física do menor- temos de analisar a questão da culpa de Eduardo.

Culpa

Art. 483º

Terceiro Pressuposto da Responsabilidade Civil: Imputação do Facto ao agente.

É necessário que a viiolação ilícita de direito alheio tenha sido praticada com dolo ou mera culpa, pois,

relembre-se, só excecionalmente a lei se contenta com a existência dee um mero nexo de causalidade

material de entre o facto e o agente, indepedentemente da verificação de um qualquer grau de

culpabilidade- art. 483/2- casos de responsabilidade civil objetiva ou pelo risco.

Culpa para ANTUNES VARELA: "atuação do agente em termos tais que mereça a reprovação ou a censura do direito".

Tal cconduta será reprovável quando, não só em virtude da capacidade do lesante, como também em face

das circunstâncias do caso, ele pudesse e devesse ter agido de outro modo.

Dpo exposto resulta então que a ilicitude e a culpa são pressupostos autónomos e independentes da

responsabilidade civil, pois, apesar de ambas se caraterizarem por desempenharem uma função

reprovadora da conduta do agentee, a ilicitude actua ao nível geral e abstrato da norma, enquanto que a

culpa releva no domínio da subjetividade, da apreciação da conduta do agente em função das circunstâncias

concretas do caso.

Pressupostos da Cosideração de uma conduta como culposa:

59

1º IMPUTABILIDADE DO FACTO AO AGENTE

Neste âmbito averiguamos se o agente tem ou não capacidade natural para prever os efeitos e proceder à

correta valoração dos seus actos, e de se ddeterminar, em harmonia com o juízo que faça acerca deles.

Resumidamente, dir-se-á que à capacidade intelectual e emocional, relativa ao discernimento, acresce a

respetiva capacidade volitiva do agente, referente à sua liberdade de se autodeterminar- deste modo este

passa a ser considerado como legalmente imputável.

Caso: No caso em concreto, nada indicia que Eduardo deva ser coonsiderado como imputável.

Actio Libera in causa

Aspeto peculiar: adormecimento do agente- uma vez que o facto ilícito provém de uma omissão, que teve

a sua causa na circunstância de a pessoa de Eduardo ter adormecido, poder-se-ia questionar se não

estaríamos perante uma causa de inimputabilidade. Efectivamente poder-se-á entender o sono como uma

causa de inimputabilidade- art. 488/1. Independentemente disso, para que o preceito legal seja aplicável é

fulcral que o agente não se tenha colocado nesse estado, sendo esse transitório. Em bom rigor é o que se

verifica no nosso caso pois, estando Eduardo aa dar uma aula de natação, sobre ele recai o especial dever

jurídico de atenção e de prevenção do perigo. Ao adormecer, coloca-se de forma culposa- mesmo que

negligente- num estado que lhe é impossível "entender ou querer", impedindo-o de evitar qualquer perigo

em que incorram as crianças. A sua culpa reside em ter-se colocado nesse estado-actio libera in causa.

Pelo exposto se extrai que para efeitos de responsabilidade civil, a pessoa de Eduardo é imputável.

2º NOÇÃO DE CULPA

Culpa- juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstânias do caso, podia

e devia ter agido de um outro modo:

Dolo- o agente representa o facto danoso, pressupondo neste âmbito que houve um concurso de

consciência e de vontade;

a. Dolo Directo- forma de dolo em que o autor age com intuito de atiingir o resultado pretendido;

b. Dolo Indirecto ou Necessário- quando o agente assume a intenção deliberada de produção do

resultado ilícito, aceitando-o, todavia, como necessário à obtenção do seu objetivo;

c. Dolo Eventual- quando o resultado não é directamente representado como consequência lateral

necessária do facto, embora oo agente acabe por oo aceitar na eventualidade de este se vir a

produzir.

Negligência- omissão da diligência devida, onde o agente prevê a verificação do facto ilícito como

possível, mas, por leviandade, precipitação, incúria ou desleixo, crê na sua não produção. São

modalidades de Negligência:

60

a. Negligência Consciente: quando o agente atua prevendo a possibilidade do resultado ilícito,

confiando devidamente que ele não se produzirá;

b. Negligência Inconsciente: atuação de quem produz o resultado que não foi sequer previsto

como possível, quando, efetivamente, deveria tê-lo sido, caso o agente tivesse usado do cuidado e

da atenção devidas.

Conduta do Eduardo: Negligência Conscieente

Desde logo, não se afigurará razoável considerar que houve sequer a aceitação por parte do mesmo da

eventualidade de se vir a produzir qualquer acidente com as crianças. Apesar de ser ténue a linha que

separa esta figura do dolo eventual, são suficientes os dados da hipótese para nos levarem à consideração

da existência de negligência inconsciente. não parece querível que o professor de natação tenha

representado sequer como possível que, numa aula com crianças de 5 e 6 anos, em que algumas estão lá

pela primeira vez, se possam vir a afogar.

Mera Culpa: Assentando a mera culpa na omissão do dever de diligência, temos de em primeiro lugar

mateerializar esses mesmos deveres de diligência. Para ANTUNES VARELA, devemos saber o padrão

por que o agente afere normalmente a sua conduta, tendo por base a diligêencia que costuma aplicar aos

mais variados actos do seu dia a dia (Homem- concreto) ou devemos procurar resolver a questão de acordo

com a diligência de um homem-médio, normal, sagaz, prudente e cuidadoso. A bem dizer, o nosso CC

consagrou a última opção no art. 487/2, dizendo que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal,

pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso. Não seria razoável que

o critério subjacente à temática da responsabilidade ciivil delitual se cingisse à capacidade pessoal de

prestação do devedor, pois não se teria em consideraação a dimensão social da conduta individual. Logo,

é de realçar que o legislador, ao prever o art. 487/2, in fine, pretende que a apreciação seja feita tendo em

consideração um Homem Normal ee aquilo que o mesmo teria feito naqueles condicionalismos

específicos.

No caso sub judice, é eevidente que a pessoa de Eduardo não agiu com a diligência de um bom pai de

família, ao adormecer, enquanto crianças de 5 e 6 anos aprendiam, pela primeira vez, a nadar, ainda para

mais quando uma delas sofria de problemas respiratórios, suscetíveis de merecerem uma atenção

redobrada. Isto porque, caso tivesse omitido os deveres de cuidado minimamente exigíveis, teria sido

possível evitar o facto ilícito.

Conteúdo do dever de diligência devida

Ao comportamento que não atinja o nível de diligência objetivamente exigível, será imputada a respectiva

culpa, ainda que subjetivamente o agente tenha feito tudo para evitar o resultado danoso.

Reforço do comportamento negligente da pessoa de Eduardo: um Homem medianamente sensato,

prudente, não se deixaria adormecer numa aula de natação com crianças de tão tenra idade. Sendo Eduardo

professor de natação, tem que naturalmente de estar desperto para este tipo de ocorrências, dado que lhe

cabe o papel protagonista no sentido de evitar qualquer problema.

A gravidade da sua omissão é tal que, mesmo se adotássemos a tese da culpa como deficiência da vontade,

a contínuariamos a qualificar de negligente- de acordo com as suas aptidões e conhecimentos, exigia-se

um outro tipo de atenção, de concentração, ddde atitude, que não se verificou, manifestamente, na situação

61

concreta.

Conclusão: Estamos perante uma omissão ilícita e culposa, imputável à pessoa de Eduardo. Afirmando-

se a culpa como elemento constitutivo do direito à indemnização, incumbirá aoss pais de André, enquanto

credores, fazer prova dela, de acordo com o preceituado no art. 342/1.

Dano

Sem o dano, não pode haveer lugar à constituição da obrigação de indemnizar. Se porventura a pessoa de

Eduardo tivesse adormecido durante a aula ee nada tivesse acontecido, nunca poderia haver lugar a

responsabilidade civil. O dano é o prejuízo num bem ou interesse juridicamente protegido, e não a ofensa

em si mesma. No sentido de sabermos quais os danos que podem ser abrangidos pela indemnização

podemos ter vários tipos:

Dano Real ou Concreto: lesão efectivamente verificada em face de um interesse juridicamente

tutelado.

No caso, o dano verificou-se em relação ao bem jurídico integriddade física das crianças, materializando-

se em ferimentos, problemas respiratórios, do estado de inconsciência de André após teer ficado

submerso.

Dano Patrimonial: emerge como a repercussão do dano real na situação económica do lesado.

Engloba aqui todas as despesas efectuadas com o internamento de André, com os medicamentos, com

consultas posteriores de acompanhamento, com prejuizos que directamente tenham sido causados aos

pais. Este dano avalia-se através da diferença entre a situação real do lesado e a situação hipotética em que

este estaria se o facto ilícito e danoso não tivesse ocorrido.

Assim caraterizado, o dano patrimonial abrange o dano emergente, enquanto diminuição do património,

tanto por diminuição do activo, como por aumento do passivo, e o lucro cessante- pela privação de um

aumento por perda de um ganho ou possibilidade de ganho futuro- art. 564.

Deste prisma, poderemos então afirmar que todas as despesas efectuadas pelos pais de André, na sequência

do facto ilícito, se enquadram no âmbito do dano emergente, deixando-se aqui em aberto mais

considerações acerca da existência, in casu, de danos patrimoniais pelos benefícios que o lesado deixou de

obter em consequência da lesão. De salientar que a definição de lucro cessante e totalmente distinta daquela

definição que enforma o conceito de danos futuros. Estes últimos só são indemnizáveis se forem

previsíveis, subdividindo-se de entre certos e eventuais, conforme a sua produção seja infalível ou

meramente possível.

Dano não patrimonial: dano suscetível de abranger os prejuízos que sendo avaliados

pecuniariamente, podem ser reparados direta ou indiretamente, i.e., quer através da reconstituição

da situação anterior à lesão, quer por meio de uma indemnização ppecuniária. Estes danos não

patrimoniais têm por objecto bens ou interesses sem conteudo patrimonial, que são suscetíveis de

avaliação pecuniária imposta ao faltoso, que apenas posem ser compensados com uma obrigação

pecuniária imposta ao faltoso, que se vislumbra como uma verdadeira satisssfação dada ao lesado,

mais que uma indemnização.

62

É indiscutível que André sofreu danos não patrimoniais suscetíveis de serem reparados, nomeadamente

no que se refere às dores por que passou, ao agravamento dos problemas respiratórios, ao trauma que lhe

advém do sucedido, entre outros. o art. 496 prevê expressamente e ressarcibilidade dos danos não

patrimoniais, limitando-se a tutelar aqueles que merecem tutela do direito.

Vectores fudamentais do dano:

a) A avaliação do dano deve ser feita à luz de um critério objetivo;

b) A avaliação do dano deve ser feita em função da tutela do direito, devendo a reparação obedecer a

juízos de equidade, tendo em consideração as circunstâncias específicas de cada caso.

Desta feita, a actuação da pessoa de Eduardo originou danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

Relativamente aos danos previstos no art. 496, o montante indemnizatório deve ser calculado segundo

juízos de equidade (nº3), de acordo com os padrões indemnizatórios geralmente adoptados pela

Jurisprudência. Porque também a responsabilidade da pessoa de Eduardo se funda na sua mera culpa, a

indemnização terá também de ser fixada segundo o grau de culpabilidade do agente, a sua situação

económica e as demais circunstâncias do caso que o justifique. Também a indemnnização proveniente dos

danos patrimoniais sofridos pela pessoa de Andrée deverá sofrer as limitações constantes do art.494, que

se plica directamente em virtude de a responsabilidade da pessoa de Eduardo ser fundada na negligência.

Nexo de Causalidade Juridicamente relevante de entre o facto e o dano

Apenas os danos causados pelo facto podem originar responsabilidade civil.

Função:pressuposto e limite da indemnização

Teoria da Causalidade Addequada

Para esta teoria, não basta que em concreto, uma determinada causa tenha sido condição de um

determinado efeito, sendo também de exigir que, em abstrato, ela se revele adequada para o produzir, tal

e qual as regras normais da experiência e da vida.

Fórmula positiva- Com base na formulação positiva desta teoria, o facto será causa do dano, em

termos adequados, sempre que este suurja como consequência normal daquele ou como seu efeito

mais provável.

Fórmula negativa- de acordo com esta, o facto só não será vislumbrado como causa adequada se

se mostrar completamente irrelevante para a sua verificação.

Do exposto resulta, claramente, que a formulação negativa da Teoria da Causalidade Adequada é mais

responsabilizante, uma vez que se contenta com um grau de probabilidade mínima, enquanto que a

formulação positiva exige uma probabilidade típica.

Art. 563: não resolve expressamente a questão- o intérprete goza de uma ampla margem de manobra no

tocante a este aspecto.

Opção ANTUNES VARELA: Teoria da Causalidade Adequada na formulação negativa.

Asssim sendo, podemos afirmar, sem qualquer espécie de reserva, que a conduta de Eduardo é uma causa

63

adequada dos danos sofridos pela pessoa de André, pois não houve nenhuma circunstância fortuita a

interferir no processo causal de produção do dano que nos leve a excluir a responsabilidade de Eduardo.

Deste modo, o facto de Eduardo ter adormecido surge como uma causa objetivamente adequada à

produção do dano que se verificou em concreto, o que se conclui através da análise do processo causal e

das circunstãncias do caso. O julgador, perante o caso, concluiria certamente pela adequação do facto à

produção do dano, após efectuar um juízo de prognose, de adequação abstracta, em que levasse em linha

de conta as circunstâncias reconhecíveis à data do facto por um observador experiente. Isto tinha que ver

com o facto de André, pela primeira vez numa piscina, de ter problemas respiratórios, de se tratar de uma

crinaça com 5 ou 6 anos de idade e de ser o agente o responsável naquele momento pela sua vigilância.

Verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil- cria-se na esfera urídica de Eduardo a

obrigação de indemnizar pelos danos que haja causado nas crianças.

Art. 562: a obrigação terá como desiderato principal a reconstituição da situação, que existiria na

eventualidade do facto não se ter verificado, forçando o agente, nos termos do art. 563,a reparar os danos

de que aquele foi causa adequada e também a deduzir as vantagens que o lesado não obteria sem a

produção do mesmo- compensatio lucri cum damno.

Art: 566- o dano deve em princípio ser reparado mediante a sua reconstituição natural, no sentido de

almejar a directa remoção ddo dano real à custa do responsável. Contudo, esta recoonstituição natural é

manifestamente insuficiente, dado que não cobre todos os danos nem abrange todos os aspectos em que

o dano se desdobra. O tratamento hospital de que André foi alvo não compensa todas as dores porque

passou nem os traumas que daí lhe advieram. Além disso, a esta insuficiência, junta-se-lhe a evidência da

constatação de que o dano não patrimonial, pela sua natureza, não é suscetível de reconstituição natural,

nem tão pouco de indemnização, mas apenas de uma compensação simples.

Art 566/2

Cálculo

=

Situação real em que o lesado estaria sem a ocorrência do dano

-

Situação hipotética em que ele estaria sem a ocorrência do dano

Assim, à indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo lesado André, já se lhe pode acrescer a

referida reparação pelos danos não patrimoniais sofridos por André.

O direito à indemnização fundado em responsabilidade civil, etá sujeito a um prazo prescricional de 3

anos- a contar desde o momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da

data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube

ter direito à indemnização pelos danos sofridos- conforme resulta da análise do art. 498 (mas com o limite

do prazo ordinário de 20 anos constante do art. 309).

Incapacidade e danos causados

b) Os pais de Manuel também pretendem ser ressarcidos em face dos prejuízos decorrentes do

internamento do seu filho e em face das demais despesas médicas. Será Eduardo culpado desta

64

situação? Qual o regime jurídico aplicável?

Vimos anteriormente que a responsabilidade civil por factos ilicitos assenta, no todo ou em parte, sobre

um facto da pessoa obrigada a indemnizar, que consiste, geralmente, numa ação, num facto positivo, que

importa a violação de um dever geral de abstenção ou omissão, sempre que haja o dever especial de praticar

um acto, que, muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Entende-se que a omissão

poderá ser concebida como a verdadeira causa do dano- nos casos em que haja o dever jurídico especial

de praticar o acto que, de forma plausível, teria obstado à verificação desse dano.

Dano casuado pelo incapaz André a um terceito (art. 491)

O art. 491 estabelece que, no caso de danos cauados por pessoas naturalmente incapazes,se presume que

houve culpa das pessoas que estão obrigadas a vigiá-las. Ora, por um lado é evidente que André se trata

de uma pessoa naturalmente incapaz, por força do art. 488/2, que presume a falta de imputabilidade a

menores de 7 anos. Po outro lado, é manifesto é manifesto que Eduardo tinha o dever jurídico de prevenir

o perigo em que o imputável incorreu.

Por fim, verifica-se que o último pressuposto de aplicação do art. 491 depende da existência de danos

causados a um terceiro, neste caso Manuel, uma vez que a presunção de culpa in vigilando estabelecida

neste artigo apenas se refere a danos causados por um terceiro, e já não aos danos causados pela pessoa

que deve ser vigiada.

No entanto, este mesmo preceito também determina que os obrigados à vigilância também podem afastar

a sua responsabilidade se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam

produzido ainda que tivessem cumprido, o que se afere tendo em conta os circunstancialismos e as

particularidades do caso conncreto- neste âmbito, VAZ SERRA, afirma que as concepções dominantes e

os costumes influem na maneira de exercício do dever de vigilância.

É manifesto, como vimos, que a pessoa de Eduardo não cumpriu o dever de vigilância a que estava

adstrito, uma vez que adormeceu. Já a consideração de que os danos se teriam produzido ainda que tivesse

atuado em conformidade com os deveres de vigilância relevam em algumas considerações relacionadas

com a relevância negativa da causa virtual que, aliás, tem vindo a ser inserida no âmbito da discussão do

nexo de causalidade existente de entre o facto praticado pelo agente e o dano ue daí se extraiu. Ergue-se

aqui a questão de se saber se o autor da causa realo que levou à criação do dano que adveio do facto ilíicito

gerador de responsabilidade civil pode ou não exonerar-se do correspetivo dever de indemnizar- total ou

parcialmente- mediante a invocação de uma causa virtual que produziria o mesmo dano. Cumpre, assim,

saber se a causa real levou mesmo à produção do dano ou se este se produziria de qualquer forma, quando

considerada a causa virtual.

Nesta discussão, devemos de facto chegar á conclusão de que a causa virtual de relevãncia negativa não é

determinante para excluir a causalidade, na medida em que não iinterfere na causalidade, ou seja, no nexo

causal entre o facto operante e o dano. Sabemos, no entanto, que a lei em alguns dispositivos especciais

confere relevãncia á causa virtual negativa.

Assim sendo, e porque estamos no âmbito do art. 491, Eduardo poderia excluir a sua responsabilidade

mediante a invocação de uma causa virtual que produziria o mesmo dano. Todavia, não se afigura, de todo

legítima essa invocação-pela possibilidade de excogitar hipóteses em que o dano, em concreto, se

65

produziria, mesmo que Eduardo tivesse cumprido o seu dever de vigilância. Tal equivale a dizer que o

incumprimento do dever de vigilância por parte do Professor de natação é a verdadeira causa dos danos

que acabaram por ser sofridos pela pessoa de Manuel.

Como tal, incorrerá Eduardo no dever de indemnizar Manuel pelos danos sofridos por este.

66

A Responsabilidade Obrigacional

A responsabilidade obrigacional encontra-se genericamente prevista no art. 798, onde se estabelece que

“o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que

causa ao credor”. Desta norma resulta uma clara equiparação dos pressupostos da responsabilidade

obrigacional aos pressupostos da responsabilidade civil delitual, uma vez que também aqui se faz

referência a um facto voluntário do devedor- “ o devedor que”- cuja ilicitude resulta do não cumprimento

da obrigação- “falta (…) ao cumprimento da obrigação”- exigindo-se da mesma forma a culpa-

“culposamente”- o dano- “torna-se responsável pelos prejuízos”- e o nexo de causalidade entre o facto e

o dano- “que causa ao credor”.

Para MENEZES CORDEIRO havia, por força do art. 779/1 uma presunção de culpa na responsabilidade

obrigacional, que não consistia efetivamente em uma simples presunção de culpa, mas antes em uma

simultânea presunção de ilicitude, culpa e nexo de causalidade de entre o facto e os danos, sendo que esta

conclusão por este autor implicaria uma revisão do movimento de responsabilidade civil com uma

tendente unificação da responsabilidade delitual para com a responsabilidade obrigacional- com o qual o

nosso professor não concorda.

Antes de tudo, começamos por salientar que, seja qual for o entendimento a ser dado à presunção de culpa

na responsabilidade obrigacional, ele não pode colocar em causa o movimento tendente a elidir as

diferenças entre as duas modalidades de responsabilidade. Efetivamente, essa presunção de culpa em nada

se distingue das múltiplas presunções de culpa que vigoram na responsabilidade delitual- como acontece

nos arts. 491, 492, 493, e 503/3- as quais acabam por pressupor muitas vezes o próprio incumprimento.

Para o Professor Menezes Leitão, é questionável a possibilidade de utilizar entre nós o conceito de faut-

culpa- invocado inúmeras vezes ao nível do sistema francês, como forma de tentar aproximar as duas

modalidades de responsabilidade civil.

Por outro lado, parece que no art. 798 existe uma clara distinção de entre ilicitude- o incumprimento de

uma obrigação- e a culpa- censurabilidade ao devedor desse mesmo incumprimento- a qual não é diferente

da contraposição de entre direito subjetivo e a culpa do art. 483. No sistema português, contrariamente

àquilo que acontece no sistema francês, o devedor não necessita de provar para se isentar de

responsabilidade que a inexecução resultou de causa estranha- causa provocada pelo credor, por caso

fortuito ou de força maior- bastando-lhe demonstrar que o comportamento não lhe era censurável de

acordo com a diligência de um bom pai de família, o que corresponde precisamente ao mesmo critério

que vigora para a responsabilidade delitual- art. 799/2 = art. 487/2, apenas se estabelecendo a inversão do

ónus probatório- art. 799/1.

Diferenças de entre a Responsabilidade Delitual e a Responsabilidade Obrigacional

São efetivamente muito reduzidas as diferenças de entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade

obrigacional. A diferença essencial reside no diferente regime do ónus da prova, face à presunção

de culpa que recai sobre o devedor (art. 799 CC), mas tal também acaba por acontecer em certas

situações delituais. Para além disso, verifica-se que na responsabilidade obrigacional são tutelados todos

os prejuízos e os benefícios que o credor deixou de obter pelo facto de lhe não ter sido realizada a prestação

devida (art. 798), o que permite a tutela nesta sede dps danos puramente patrimoniais. No entanto, como

vimos anteriormente, se tal não sucede na ilicitude por se verifica uma violação de direitos subjetivos (art.

483), sucede nas outras categorias de ilicitude delitual.

67

Portanto, estas diferenças de entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional não

justificam que se prescinda de uma consideração unitária dos pressupostos da responsabilidade civil

subjetiva, uma vez que, conforme vimos, eles são bastante idênticos nas duas categorias de

responsabilidade.

68

A “Terceira via” na responsabilidade civil

Modernamente tem-se vindo ainda a ensaiar a defesa a uma nova categoria da responsabilidade civil,

situada de entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade delitual, com intuito de serem

abrangidos deveres específicos, que embora constituindo um plus relativamente à proteção delitual, não

chegam a constituir obrigações em sentido técnico. Tratar-se-iam assim de situações de responsabilidade

quase-obrigacional, ou de uma “Terceira via de Responsabilidade Civil”.

Introduzida na dogmática alemã por CLAUS- WILHELM CANARIS, esta ideia tinha que ver com o facto

de entre a responsabilidade delitual- que se caraterizaria por visar a proteção de determinados bens

jurídicos e admitir uma graduação com base na culpa do lesante- e a responsabilidade obrigacional- que

tutelaria a situação do incumprimento das obrigações, permitindo o ressarcimento de danos patrimoniais

puros- admitir-se-ia ainda uma responsabilidade baseada em vinculações específicas que representariam

deveres dos participantes no tráfego negocial superiores aos deveres genéricos, cujo fundamento se

basearia no dever de boa-fé negocial e não no dever geral de diligência. A ocorrência desses deveres

permitiria aplicar o regime da responsabilidade obrigacional, designadamente quanto ao ressarcimento dos

danos patrimoniais puros, no que concerne á responsabilidade dos auxiliares. Entre os institutos

abrangidos situar-se-iam a culpa in contrahendo, a violação positiva do crédito e o contrato com eficácia

e proteção para terceiros, onde se gerariam deveres de proteção, quer de direitos ou bens jurídicos, quer

de interesses puramente patrimoniais.

A autonomização da responsabilidade delitual não se podia fundar num fortalecimento da relação entre as

partes, instituída por uma vinculação específica, mas antes na existência de uma lacuna na responsabilidade

delitual que não permite abranger a tutela dos danos puramente patrimoniais. Efetivamente, o princípio

da neminem laedere obriga á reparação de todos os danos causados, sendo a responsabilidade delitual uma

exceção a esse princípio em razão das restrições à liberdade de atuação que geraria uma tutela dos danos

puramente patrimoniais neste domínio, face à multiplicidade de pretensões de indemnização assim

geradas. Contudo, essa exceção só se justifica no caso de contacto anónimos entre as pessoas, já que no

âmbito das vinculações específicas, onde a limitação das pretensões indemnizatórias decorre da

exclusividade e isolamento da relação, deverá igualmente admitir-se o ressarcimento destes danos. Seria

esta a justificação para a diferenciação da responsabilidade surgida nas relações específicas em relação á

responsabilidade delitual, a qual justifica ainda a sujeição ao regime da responsabilidade por atos dos

auxiliares próprio da responsabilidade contratual.

As hipóteses de vinculações específicas distintas do dever de prestar suscitam problemas jurídicos

próprios, que não podem ser cabalmente resolvidos pela aplicação em bloco do regime da responsabilidade

obrigacional ou da responsabilidade delitual. Na verdade, estas vinculações não permitem uma tutela

primária, através da ação de cumprimento, mas também são algo mais do que a simples observância do

dever genérico de respeito. Haverá, portanto, que atribuir a esta zona cinzenta uma qualificação intermédia,

sujeita a um regime específico, a descobrir caso a caso através das regras de integração das lacunas (art.

10), admitindo-se assim o que tem sido designado como a “Terceira Via” da Responsabilidade Civil.

Institutos a serem analisados neste âmbito:

a) Responsabilidade Pré-Contratual;

b) Culpa post factum finitum;

c) Contrato com eficácia de proteção para terceiros;

d) Relação corrente de negócios

69

Responsabilidade Pré- Contratual

Tradicionalmente, entendia-se que, antes da celebração do contrato, as partes não adquiriam qualquer

direito, uma vez que não se tinha verificado um válido exercício pela sua parte da autonomia privada.

Assim, o facto de se terem iniciado as negociações, ou mesmo a emissão de declarações negociais, não

poderia nunca conduzir a uma situação de responsabilidade, no caso e o contrato não se vir a concluir, o

que só ocorria quando era obtido o mútuo consenso sobre todas as cláusulas (art. 232).

Esta solução foi colocada em causa por JHERING em 1861 que, com base em textos romanos, veio a

considerar que de um contrato nulo poderiam igualmente surgir situações geradoras de responsabilidade.

Essa responsabilidade resultaria de uma das partes vir a contratar sem poder fornecer as condições

necessárias para a validade do contrato que celebra, induzindo com isso em erro a outra parte. Ora, ao se

entrar em negociações, as partes sairiam do circulo de deveres puramente negativo dos contactos

extracontratuais, entrando na vinculação positiva da esfera contratual, teriam que aplicar na própria

contratação a diligência necessária para evitar a ocorrência de danos- culpa in contrahendo.

A aplicação do princípio da boa-fé na fase das preliminares e da formação do contrato acabou por ser

reconhecida como fonte de responsabilidade civil ao nível do ordenamento jurídico português. Esta

responsabilidade passou a estar consagrada no âmbito do art. 227. A Doutrina de JHERING foi recebida

de entre nós pela pessoa de GUILHERME MOREIRA que admite a culpa in contrahendo até para as

hipóteses de celebração de contratos nulos, especialmente nos casos de venda de coisa alheia de ma-fé.

Atualmente, a Doutrina da Culpa in contrahendo tornou-se imprescindível, uma vez que a evolução da

sociedade acabou por complexificar o processo de formação dos contratos, levando à existência de

conversações múltiplas, envio de cartas de intenção, elaboração de acordos de princípio e emissão de

declarações negociais sob reserva. Ora, esta complexidade da formação dos contratos vai criando

sucessivas situações de confiança nas partes, que seria inaceitável que não viessem a ser juridicamente

protegidas através da responsabilidade civil. É essa a função da responsabilidade pré-contratual, contendo

no art. 227 a seguintes formulação:

“1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos

preliminares como na formulação dele, proceder segundo regras de boa-fé, sob pena

de responder pelos danos que culposamente causar á outra parte”.

2. A responsabilidade prescreve nos termos do art, 498”.

A lei esclarece-nos que a responsabilidade pré-contratual abrange simultaneamente:

A fase negociatória, que decorre desde o início das negociações até á emissão da proposta

contratual;

A fase decisória, que decorre desde a emissão da proposta contratual até a conclusão do contrato,

com a respetiva aceitação.

A lei não distingue os tipos de contratos abrangidos, pelo que a responsabilidade pré contratual pode ser

aplicada a todo e qualquer contrato, e não apenas aos contratos obrigacionais. A lei, contudo, impõe a

observância das regras da boa fé durante todo o processo de formação do contrato, entendendo que o

mero facto de se entrar em negociações é suscetível de criar uma situação de confiança na outra parte,

confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.

Assim, caso essa confiança venha a ser lesada, com a violação das regras da boa-fé, verifica-se um facto

ilícito, que constitui o lesante no dever de indemnizar os danos sofridos pelo lesado. Naturalmente que a

70

ilicitude do facto deriva da violação de deveres acessórios de conduta, que neste caso surgem antes da

constituição do dever de prestar principal.

Deveres Pré- Contratuais (Doutrina de MENEZES CORDEIRO)

A) Deveres de Proteção: estes deveres determinam que as partes na fase negocial devem evitar

qualquer atuação suscetível de causar danos à outra parte, sejam esses danos pessoais, sejam esses

danos patrimoniais;

B) Deveres de Informação: estes devem ser reconhecidos em especial quanto ás circunstâncias que

possam ser relevantes para a formação do consenso da outra parte, e com especial intensidade

quando uma das partes se apresenta numa posição mais fraca, com possível assimetria de

informação. Tem-se entendido, no entanto, que o dever de informação só surge quando a outra

parte cumpriu o seu dever de autoinformação, fazendo o que estava razoavelmente ao seu alcance

para se auto informar;

C) Deveres de Lealdade: estes tem que ver com a forma de evitar comportamentos que se traduzam

numa deslealdade para com a outra parte, aqui se incluindo a própria rutura das negociações,

quando a outra parte tinha adquirido justificadamente a confiança de que elas iriam conduzir

Estes deveres são impostos em virtudedo princípio da boa-fé, correspondendo assim aos vetores ddeste

princípio, como seja a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, sendo neste caso

primordial o primeiro vetor.

Situações em que existe uma violação do Princípio da Tutela da Confiança (Galvão Telles)

a) Quando há uma interrupção ou rutura das negociações, levando a que o contrato não se venha a celebrar;

b) Quando há a celebração do contrato em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou eficácia;

c) Quando a celebração do contrato é válida e eficaz, mas é feita em termos tais que o modo como o

contrato foi celebrado acaba por gerar danos para uma das partes.

Rutura das Negociações- Posição Doutrinária Maioritária

A rutura das negociações é uma questão de violação da tutela da confiança que tem sido objeto de

discussão ao nível da Doutrina. A maior parte dos autores salienta que não se pode considerar que as

partes esteja vinculada a uma obrigação de concluir o contrato, apenas pelo facto de terem entrado em

negociações. Antes pelo contrário, uma vez que as negociações visam precisamente a obtenção de um

acordo, as partes têm que contar sempre com a possibilidade de esse acordo não ser obtido, e que a parte

contrária rompa as negociaçõesquando chegar a essa conclusão, podendo igualmente decidir, ao abrigo da

sua liberdade contratual, celebrar antes um negócio com terceiro. Apenas quando na outra parte tenha

sido criada uma confiança justificada de que o contrato se iria concluir e ocorre uma rutura das negociações

sem motivo legítimo é que se pode considerar ter ocorrido uma violação de regras de boa-fé, único caso

em que a responsabilidade pré-contratual se pode aplicar.

Mas quais os danos que cobrem a indemnização?

A esta questão não pode ser dada uma resposta linear. Constituindo o dano uma frustação de uma utilidade

que era objeto de tutela jurídica, apenas a frustação de utilidade jurídicamente tuteladas atribui direito à

71

indemnização.

Quais são as utilidades juridicamente tuteladas?

Ora, não se tendo constituído um direito de crédito, em virtude de não se ter chegado a celebrar qualquer

contrato, não parece possível que o lesado possa reclamar dos danos sofridos em virtude da não realização

da prestação- o denominado ineteresse contratual positivo- uma vez que não tinha obtido qualquer direito

prévio à sua realização.

Os danos indemnizáveis são assim aqueles que a parte sofreu em virtude da confiança que lhe tinha sido

gerada pela outra parte- o dnominado interesse contratual negativo- abrangendo, por exemplo, as despesas

que se revelaram infrutíferas, mas também a perda de danhos que de outra forma teriam sido obtidos.

Naturalmente que esta indemnização não estará limitada pelo referido interesse contratual positivo.

Como deve ser qualificada a responsabilidade pré-contratual?

A ver do professor MENEZES LEITÃO, a responsabilidade pré-contratual situa-se num meio termos de

entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional, uma vez que não resulta do

incumprimento de uma obrigação previamente assumida, nem da violação de um dever genérico de

respeito dos direitos absolutos, mas sim antes de deveres arguidos no âmbito de uma relação específica

entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial.

Assim não deve ser defendida a aplicação em bloco do regime da responsabilidade obrigacional nem do

regime da responsabilidade delitual, mas antes reconhecer-se que estamos perante uma daquelas situações

de Terceira Via de Responsabilidade Civil, onde o regime aplicável deverá ser construido a partir da

aplicação de normas da responsabilidade contratual ou da responsabilidade delitual, consoante o que se

considerar mais adequado á solução do caso. Em relação á culpa in contrahendo o regime aplicavel será

preponderantemente o regime da respoonsabilidade obrigacionaal , havendo portanto uma sujeição à

presunção de culpa do art. 779 e ficando a responsabilidade por atos auxiliares sujeita ao regime do art.

800. Haverá, no entanto, a aplicação de algumas soluções da responsabilidade delitual, uma vez que parece

que não se deverá aplicar à culpa in contrahendo a exigência de capacidade negocial, e a lei manda

expressamente aplicar a regra da prescrição da responsabilidade delitual- art. 227/2.

CULPA POST PACTUM FINITUM

Esta modalidade consiste na responsabilização das partes, após a extinção do contrato pelos danos

causados à outra parte, em consequência de comportamentos que lhe deveriam ser vedados por força do

princípio da boa-fé. Efetivamente, após a extinção do contrato pode prolongar-se a necessidade de

observância de certas condições para que se mantenha a satisfação do interesse do credor ou para que não

resultem danos para as partes. A boa-fé impõe que, após o cumprimento, o devedor não venha a retirar

ou a reuzir consideravelmente as vantagens que o cumprimento proporcionou ao credor. Caso o venha a

fazer, justifica-se a sua responsabilização pelos danos sofridos pela outra parte.

O fundamento desta violação reside na violação dos deveres acessórios de boa-fé. Os deveres acessórios

72

que vigoram de entre as partes por força do princípio da boa-fé podem manter-se após a extinção do

vínculo obrigacional, uma vez que, conforme se referiu,a sua função extravasa da simples realização do

programa obrigacional. Assim, no caso de ter sido criada uma situação de confiança, que se pressupôs ser

respeitada após a extinção do vínculo obrigacional, não deixará de existir responsabilidade se uma das

partes trair a confiança da outra parte- culpa post factum finitum. É o que acontecerá, por exemplo, se

uma das partes resolver após a extinção do contrato, revelar os segredos industriais da outra parte aos

concorrentes, ou após os trespasse de um estabelecimento, outra pessoa decide abrir outro para fazer

concorrência direta- neste âmbito estaríamos perante uma violação de um dever de lealdade. Podemos

também pressupor o exemplo de um senhorio de um escritório de advogados se recusar a revelar, após a

extinção do arrendamento, o novo domicilio do advogado aos clientes que lá se dirigiam- violação dos

deveres de informação.

A fundamentação positiva dos deveres de boa-fé contratuais, na ausência de disposição expressa pode

inferir-se, quer do art. 239, quer do art. 762/2 do CC.

No entanto, também no caso da culpa post factum finitum, a situação de responsabilidade assim gerada não é

suscetível de se reconduzir, quer à responsabilidade contratual, quer à responsabilidade delitual, havendo,

portanto, que considerar esta situação igualmente incluída nas hipóteses de responsabilidade civil, que não

se ddeixam reconduzir a nenhuma das situações tradicionais.

O CONTRATO COM EFICÁCIA DE PROTEÇÃO PARA TERCEIROS

Os deveres acessórios que vigoram entre as partes podem abranger a tutela da posição de terceiros,

situação que tem sido designada na Doutrina por "Contrato com eficácia em relação a Terceiros". Esta

situação ocorrerá sempre que o Terceiro apresente uma situação de tal proximidade com o credor, que

justificará a extensão em relação a ele do círculo de proteção do contrato. Têm sido apontados a este

propósito os exemplos de fornecimentos dddefeituosos a determinados empresários, que vêm a causar

danos nos trabalhadores, do incumprimento de prescrições de segurança conttratualmente impostas que

causam danos a terceiros, ou do arrendamento da habitação sem condiçõoes, que vem a lesar os familiares

do inquilino. Não se tarat nestes casos de um contrato a favor de terceiros, tal como propugnado pelo art.

443, uma vez que neste âmbito o terceiro não adquire qualquer direito à prestação, sendo apenas tutelado

pelos deveres de boa-fé, que a lei impõe em relação às partes, e cuja indemnização pode ser reclamada em

virtude dos danos sofridos.

A RELAÇÃO CORRENTE DE NEGÓCIOS

A relação corrente de negócios consiste na situação em que se verifica que as partes estão de tal forma

ligadas por vínculos contratuais, que qualquer prestação realizada por uma delas à outra, mesmo que não

corresponda a qualquer dos contratos celebrados, toma por referência uma vinculação específica de entre

as partes. Essa vinculação específica não resulta de um contrato-quadro previamente celebrado, pois é

independente de qualquer declaração negocial, ainda que tácita nesse sentido, baseando-se antes na

perenidade, em termos fácticos, da relação que as partes vinham mantendo, no âmbito da qual existe uma

disponibilidade permanente para a celebração de negócios. Assim, à semelhança do que sucede no caso da

Culpa in contrahendo, essa vinculação específica é fundamento para o surgimento de deveres de proteção,

informação e lealdade, cuja violação pode dar origem ao dever de indemnizar.

73

Um exemplo típico de relação corrente de negócios é a que liga os bancos aos seus clientes. Imagine-se

que alguém tem habitualmmente uma conta num banco, mas solicita ou recebe do seu gestor de contas

serviços que nada têm que ver com o depósito bancário em questão- informações sobre investimentos ou

concessão de crédito. Naturalmente que o serviço prestado não aparece desgarrado da relação

habitualmente existente entre as partes, através da qual é criada uma situação de confiança na esfera jurídica

do cliente, cua lesão deve envolver responsabilidade civil pelos danos causados. Essa responsabilidade

apresenta-se igualmente como intermédia de entre a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade

delitual, admitindo-se a ressarcibilidade dos danos puramente patrimoniais, bem como a responsabilidade

pelos actos auxiliares- art. 800.

A Responsabilidade pelo Risco / Objectiva

(artigos 499.º e seguintes do CC)

O fundamento da imputação pelo risco

O risco consiste num outro título de imputação de danos, que se baseia na delimitação de uma certa

esfera de riscos pela qual deve responder outrem que não o lesado. Esta esfera de riscos pode ser

estabelecida através de diversas concepções que por vezes se cumulam de entre si.

Concepções de Risco:

De acordo com a concepção de risco-criado, cada pessoa que cria uma situação de perigo deve

responder pelos danos que resultem dessa mesma situação.

Por sua vez, segundo a concepção de risco-proveito, a pessoa deve responder pelos danos resultantes

da actividade de que retira proveito.

Na concepção de risco de autoridade, a pessoa deve responder pelos danos resultantes das

actividades que tem sobre o seu controlo.

Conceção Restritiva de Responsabilidade pelo Risco

O nosso Direito veio adoptar uma concepção restritiva de responsabilidade pelo risco, consagrando

taxativamente a sua admissibilidade nos casos previstos na lei- art. 483/2, o que tem vindo a

funcionar como um travão jurisprudencial ao desenvolvimento neste domínio. O CC faz uma referência

à responsabilidade pelo risco no art. 483.º/2- obrigação de indemnizar pela culpa só nos casos previstos

pela lei. Aqui se diz que a figura da responsabilidade pelo risco é uma responsabilidade de natureza

excecional que só existe nos casos previstos na lei.

Na responsabilidade pelo risco a lei aponta para situações concretas que por razões de política legislativa justificam a responsabilidade pelo risco. Existem determinadas atividades, meios e instrumentos que envolvem uma especial perigosidade e que por isso são em abstrato suscetíveis de causar danos a terceiros e considera-se adequada a solução de responsabilizar pelos danos causados a terceiro daquele que retira os benefícios da especial situação de perigosidade. No CC existem alguns casos de responsabilidade pelo risco, mas muitos outros exemplos avulsos consagram a responsabilidade pelo risco. Casos em que o CC fala da responsabilidade pelo risco vão ser aqueles por nós estudados.

74

Princípio geral quanto ao regime aplicável

Artigo 499.º O princípio é o de que o regime da responsabilidade por factos ilícitos é a base à qual também recorremos nas situações de responsabilidade pelo risco. O regime por factos ilícitos é tendencialmente completo, contrariamente àquilo que acontece na responsabilidade contratual. Neste último, o regime é um afloramento de problemas específicos, mas não é completo e por vezes temos de recorrer ao regime da responsabilidade por factos ilícitos.

Regime da responsabilidade por factos ilícitos = tendencialmente completo;

Regime da responsabilidade contratual = incompleto- necessidade de recurso às normas que regulam a responsabilidade por factos ilícitos;

Regime da responsabilidade pelo risco- incompleto- necessidade de aplicação das disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário.

Também na responsabilidade pelo risco, existem situações em que se torna necessário o recurso ao regime da responsabilidade por factos ilícitos- artigos 483.º e seguintes CC. Esta pode ser a solução para os casos omissos a propósito da responsabilidade pelo risco. A aplicação da responsabilidade pelo risco não é direta e incondicional – aplicamos o regime do artigo 483.º quando não há disposições especiais na parte da responsabilidade pelo risco. A solução do regime do risco deve ser adequada e conforme às regras suscetíveis de serem aplicadas ao nível da responsabilidade por factos ilícitos.

Responsabilidade do Comitente

No art. 500 a lei vem estabelecer a situação de responsabilidade do comitente, referindo no nº1 que "aquele

que encarregar outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde

que sobre este também recaia a obrigação de indemnizar". O nº2 deste preceito esclarece, o entanto, que a

"responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra

as instruções daquele, no exercício da função que lhe estava confiada".

A responsabilidade do comitente é uma responsabilidade objetiva pelo que não depende de culpa sua na

escolha do comissário, na sua vigilância ou nas instruções que lhe deu. No entanto, essa responsabilidade

objetiva apenas funciona em relação ao lesado (relação externa), já que posteriormente o comitente terá

na relação com o comissário (relação interna) o direito a exigir a restituição de tudo o quanto pagou ao

lesado, salvo se ele próprio tiver culpa, em que se aplicará o regime da pluralidade de responsáveis pelo

dano, instituído pelo art. 500/3. Pode-se, por isso, dizer que a responsabilidade tem uma função específica

de garantir o pagamento da indemnização ao lesado, dada a circunstância de os comissários serem pessoas

nromalmente desprovidas de património suscetível de suportar o pagamento de elevadas indemnizações,

e, actuando eles no interesse e por conta do comitente,, deve a este caber garantir ao lesado a indemnização.

Como consequência a lei atribui ao lesado uma pretensão directa contra o comitente, em ordem a obter

o ressarcimento dos danos causados pelo comissário, que pode exercer isolada ou cumulativamente com

a pretensão de indemnização que adquiriru contra o comissário.

75

Temos, assim, instituido um regime legal de responsabilidade objetiva do comitente pelos factos danosos

praticados pelo comissário.

Pressupostos

1. Existência de uma relação de comissão;

2. Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função;

3. Responsabilidade do comissário.

1. Existência de uma relação de comissão

A expressão comissão não o sentido técnico jurídico que existe no art. 266 Código Comercial, mas antes

o sentido amplo de tarefa ou função realizada no interesse e por conta de outrem, podendo abranger tanto

a actividade duradoura como actos isolados.

Abrange também tanto os actos materiais como os actos jurídicos.

A nossa doutrina, por influência francesa, tem vindo a estabelecer algumas características específicas para

a relação de comissão, tais como:

A liberdade de escolha do comissário pelo comitente;

Existência de um nexo de subordinação do comissário ao comitente.

No entanto, para MENEZES LEITÃO nenhuma destas caraterísticas é legalmente exigida para

caracterizar o conceito de comissão.

Quanto à liberdade de escolha, esta só poderia ser exigida pela lei se esta houvesse estabelecido uma culpa

inn eligendo, quando o que a lei estabelece é uma responsabilidade objetiva de garantia de indemnização.

Em relação ao nexo de subordinação o mesmo pode ser afirmado.

A responsabilidade do comitente, no nosso ordenamento jurídico, mantém-se, ainda que o comissário

desrespeite as suas instruções ou actue iintencionalmente- art. 500/2, bastando que esteja no exercício da

função. Para MENEZES LEITÃO não existe, por isso, qualquer sentido em se exigir um nexo de

subordinação ou um poder de direcção sobre o comissário, se o comitente responde mesmo por actos do

comissário que desrespeitem esse vínculo.

Responsabilidade do Comitente

A responsabilidade do comiitente não pode surgir em relação a toda e qualquer prestação de serviços em

sentido amplo.

Necessário será que a função praticada pelo comissário possa ser imputada ao comitente, por os actos nela

compreendidos serem praticados exclusivamente no seu interesse e por sua conta, i.e., suportando o

comitente as despesas e os ganhos dessa actividade.

Exemplos: Contrato de mandato; Contrato de Trabalho e outras situações em que os resultados da função

76

confiada ao comissário se repercutam directamente na esfera do comitente.

Não haverá, porém, comissão nas situações em que, apesar de ser encomendado um serviço a outrem,

esse serviço cooresponda a uma função autónomamente exercida pela pessoa do devedor, a qual não lhe

é delegada pelo comitente: são exemplos os casos de prestações de serviço imputadas ao próprio devedor,

ainda que o resultado dessa actividade seja objecto de uma prestação ao credor- depósito, empreitada ou

contrato de transporte.

2. Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada

Se a imputação ao comitente se justifica por ele ter confiado ao comissário uma função que lhe cabia

desempenhar, não deve a sua responsabilidade extravasar da função que efectivamente foi confiada,

funcionando esta assim como delimitação da zona de riscos a cargo do comitente.

A Doutrina tem interpretado restritivamente este requisito, considerando que a expressão "no exercício

da função", exclui os danos causados por ocasião da função, com um fim ou interesse que lhe seja estranho,

exigindo-se assim um nexo instrumental entre a função e os danos.

Para MENEZES LEITÃO essa interpretação retiraria grande alcaçe à responsabilidade do comitente.

Considera este autor que esta posição não tem qualquer suporte legal, já que a lei apenas se refere à

causação de danos no exercício da função, não exigindo também que os danos sejam causados em

desrespeito das instruções, em relação aos quais seguramente se poderia sempre falar de um desvio aos

fins pelos quais foi conferida a comissão.

Posição: Basta, por isso, um nexo etiológico entre a função e os danos, no sentido de que seja no seu

exercício que os danos sejam originados. Efectivamente, tirando o comitente proveito da função exercida

pelo comissário, é justo que responda por todos os danos que o comissário causa a outrem enquanto

exerce essa função.

Exemplos: Operário que deixa cair uma telhaa, ferindo um transeunte. Ou até mesmo a situação de um operário que deixa

cair uma ponta de cigarro, provocando um incêndio, uma vez que em ambos os casos os danos são provocados no exercício da

sua função, não se justificando distinguir valorativamente as duas situações. Da mesma forma, se por exemplo , o empregado

bancário resolver burlar os clientes do banco, naturalmente que se justifica que o banco responda como comitente, nos termos

do art. 500.

A responsabilidade do comitente abrange também actos intencionais do comissário, ou praticados no

âmbito de instruções que lhe são dadas.

Exemplos: Assim, naturalmente que o comitente responderá se, por exemplo, o segurança de uma discuteca resolve

intencionalmente agredir quem lá pretendia entrar, ou se o operário, conduzindo uma máquina em desrespeito de instruções

do comitente vem a provocar danos a um terceiro.

3. Obrigação de indemnizar tem de recair sobre a pessoa do comissário

A Doutrina diverge sobre se a responsabilidade objectiva do comitente exige a culpa do comissário ou se

basta qualquer imputação ao comitente, mesmo que a título de responsabilidade por factos lícitos ou pelo

risco. A interpretação susciat efectivamente dúvidas fundadas. O art. 500/1 refere que, para que o

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comitente responda pelos danos causados pelo comissário, é necessário que sobre este recaia também a

obrigação de indemnizar, parecendo admitir por isso que, além do nexo de causalidade entre a conduta do

comissário e os danos, apenas se exige que o comissário responda por esses danos a qualquer título. Mas

o nº3 do art. 500, ao estabelecer o direito de regresso do comitente, parece pressupor a culpa do comissário,

já que se estabalece que este direito se exclui se ele tiver "também culpa".

Para o Professor MENEZES LEITÃO, a lei parece não exigir uma demonstração efectiva da culpa do

comissário, bastando o art. 500/1 comm a culpa presumida. Contudo, já parece duvidosa a possibilidade

de aqui serem abrangidas a responsabilidade pelo risco ou por sacrificio praticado pelo comissário.

Responsabilidade pelo Risco:

Efectivamente, nos casos de responsabilidade pelo risco, a lei exige quase sempre o benefício retirado da

prórpia actividade- arts. 502 e 503, que não pode recair sobre o comitente por intermédio do comissário.

Na verdade, ou esse benefício é retirado pelo comitente e então ele responde logo com base nas referidas

previsões do risco, ou compete antes ao próprio agente e está excluída por natureza a existência de uma

relação de coomissão.

Responsabilidade por Sacrifício

Na responsabilidade por sacrifício o comitente pode responder como beneficiário, no caso de tirar

proveito do acto. Por exemplo, alguém manda um empregado arrombar um carro que pertençe a outrem

para o levar ao Hospital. Contudo, esta responsabilidade integrar-se-á no âmbito do art. 339/2 e não do

art. 500.

Convém, para além disso, recordar que a lei estabelece a responsabilidade do comitente apenas para

garantia do pagamento da indemnização, uma vez que depois cabe ao comitente um direito de regresso

integral sobre o autor do dano, a menos que haja concorrência de culpas (art. 500/3). Ora, esse regime do

direito de regresso do comitente adequa-se muito mal aos outros títulos de imputação que recaiam sobre

o comissário, onde não se compreenderia qual o critério para estabalecer o direito de regresso, e mesmo

se esse critério fosse estabelcido, não se perceberia qual a razão para o comitente funcionar nesses casos

como garante da indemnização.

Logo, devemos optar pela responsabilidade enquanto risco.

A responsabilidade do Estado e de outras pessoas coletivas públicas

O art. 501 estabelece que "o Estado e demais pessoas coletivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos

seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos

termos em que os comitentes respondemm pelos danos causados pelos seus comissários". O conteúdo desta norma é

essencialmente remissivo, destinando-se a fazer aplicar o art. 500 quando o comitente seja o Estado ou

outra pessoa coletiva pública. No entanto, essa remissão é limitada aos actos de gestão privada, ou seja,

aqueles em que as entidades públicas actuam desprovidas de poderes de autoridade ou ius imperii, como

acontece no exemplo do militar que conduz um camião ou de um funcionário que vai buscar material ao

escritório. Efectivamente, se a actuação das entidades públicas corresponder ao exercício de poderes de

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autoridade- a denominada gestão pública- já não será aplicável o disposto no art. 501, mas antes o regime

especial da responsabilidade das entidades públicas por danos causados no exercício de funções

administrativas que lhe são incumbidas numa perspetiva político-legislativa e jurisdicional- arts. 22 e 271

da CRP e Lei 67/2007, de 31 de Dezembro.

Tratando-se de uma situação de gestão privada, a responsabilidade do Estado e das outras pessoas

colectivas públicas é estabelecida nos termos do art. 500. Exige-se, assim:

1- Existência de uma relação de comissão- o comissante pode revestir a forma de órgão executivo ou

deliberativo, de agente ou representante do Estado ou de outra pessoa coletiva pública;

2- Para além disso, é necessário que o facto danoso tenha sido praticado no exercício da função que

competia ao órgão, agente ou representante, aiinda que este tenha actuado intencionalmente ou

desrespeitado as instruções recebidas;

3- Finalmente, é ainda necessário que o órgão, agente ou representante possa ser responsabilizado a título

de culpa pelos danos sofridos pelo lesado.

Danos causados por animais

O art. 502 vem estabelecer que "quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que

estes causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização". Neste caso a lei determina

a responsabilidade pelo risco do utilizador de animais no seu próprio interesse, depois de no art. 493/1,

ter estabelecido em relação ao vigilante de animais uma responsabilidade por culpa presumida.

Naturalmente que nada impede a cumulação das duas responsabilidade, caso em que os dois responderão

solidariamente perante o lesado.

Requisitos:

--- Utilização dos animais no próprio interesse

Este requisito abrange naturalmente o proprietário dos animais, mas também todos os titulares da

faculdade de utilização própria do animal, como o usufrutuário, o locatário, comodatário ou simples

possuidor, sendo que a utilização por estes excluirá a responsabilidade daquele.

Caso específico da Locação

No caso, porém, da locação, parece que tanto o proprietário como o locatário se poderão considerar

como utilizadores no seu próprio interesse, o primeiro em virtude da perceção do interesse locativo e o

segundo em virtude da utilização própria do animal.

--- Os danos têm que resultar do perigo especial que envolve a utilização do animal

A responsabilidade restringe-se assimm a uma zona de riscos normalmente conexos com a utilização do

animal, considerado como coisa nos termos do art. 202. Desta zona de risco não são excluídos os casos

de força maior: por exemplo, quando o cavalo derruba alguém em virtude da ocorrência de um incêndio-

nem de factos de terceiro- animal açulado, embora também nesta última hipótese possa concorrer também

a responsabilidade deste.

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Quando ocorre culpa do lesado- quando alguém vai fazer uma festa a um cão feroz mesmo com o aviso-

aplicar-se-á o regime instituido pelo artigo 570, cabendo ao tribunal decidir de mantém, reduz ou exclui a

própria responsabilidade.

Pelo contrário, estarão excluídos os danos que, embora causados pelo animal, são exteriores ao perigo da

sua utilização. Assim, por exemplo, se alguém sofre uma queda por se assustar com o animal, ouvindo-o

ladrar, ainda que este último esteja preso- não havendo qualquer hipótese de o animal fugir, não haverá

qualquer responsabilidade do dono do animal.

Danos causados por veìculos

Danos causados por veículos de circulação terrestre: Art. 503/1

Neste artigo está consagrada uma responsabilidade objetiva do utilizador de veículos, limitada aos riscos

própriso do veículo, responsabilidade esta que, em relação a veículos a motor, reboques ou semi-reboques,

a lei obriga a que seja previamente garantida por um seguro de responsabilidade civil automóvel, sem o

qual o próprio veículo não poderá sequer circular.

Antes de tudo é de dizer que o instituto da responsabilidade civil recai sobre aquele que tem a direção

efetiva do veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de

comissário.

Direção Efetiva- o que significa?

Esta expressão significa ter um poder de facto, um controlo efetivo sobre o veículo, independentemente

da titularidade ou não de algum direito sobre o mesmo.

Assim, terão direção efetiva de um veículo não só os detentores legítimos, como os proprietários, os

usufrutuários, os locatários, os comodatários, mas também detentores ilegítimos, como o ladrão que

procede ao roubo, furto de uso de veículo.

Pelo contrário, sempre que falte esse poder de facto, excluir-se-á a direção efectiva do veículo, como no

caso do proprietário a qum o veículo foi furtado, o cliente do serviço de táxi ou o de um aluno durante o

decorrer de uma das aulas de condução.

Imputabilidade do agente

Apesar de se tratar de um caso de responsabilidade civil objectiva, a lei parece exigir a imputabilidade do

agente, em conformidade com o disposto no art. 503/2, por considerar que os inimputáveis não estão em

condições de exercer poderes de facto sobre o veículo. Estes apenas poderão responder nos termos

estabelecidos no art. 489.

"utilizar veículo no próprio iinteresse, ainda que por intermédio de comissário"- o que isto signifca?

Esta expressão procura excçuir a responsabilidade objectiva, prevista no art. 503/1- aqueles que conduzem

o veículo por conta de outrem (comissários)- esclatrecendo que nesses casos a responsabilidade objectiva

recai antes sobre o próprio comitente.

Veículos abrangidos: art. 508/3- são abrangidos todos os veículos de circulação terrestre, incluindo-se aqui

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não só a circulação rodoviária, mas também a circulação ferroviária.

Exemplos: automóveis, bicicletas, motocicletas, comboios, carros eléctricos, carruagens de metropolitano.

Danos- "provenientes dos riscos próprios do veículo, ainda que este não se encontre em circulação". Abrangem-se aqui:

Danos resultantes da circulação do veículo- quer em via pública, quer em recintos privados-

atropelamento de pessoas, embates contra coisas, ou colisão com outros veículos;

Danos causados por veículo quando imobilizado- incêndio por curto circuito do motor ou colocação do

veículo em andamento por avaria no sistema de travões.

Casos de Exclusão da Responsabilidade: art. 505

A responsabilidade pelo risco é excluída sempre que o acidente seja imputável ao próprio lesado, ou a

terceiro, ou ainda quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

1- A responsabilidade pelo risco é excluída sempre que o acidente seja imputável ao lesado.

A expressão "imputável" não significará que é exigível culpa do próprio lesado, sendo, porém, necessário,

que a sua coonduta tenha sido a única causa do dano.

Assim, os comportamento automáticos, ditados pelo medo invencível ou por reações instintivas, os atos

de inimputáveis e eventos fortuitos relativos ao lesado (desmaios ou quedas) serão também determinantes

da exclusão de responsabilidade pelo risco, uma vez que nesse caso o acidente deixa de se poder considerar

como um risco próprio do veículo e passa a ser devido exclusivamente a outros factores.

Havendo concorrência de causalidade em relação ao dano entre o facto do lesado e a condução do veículo,,

a lei não esclarece o que sucede, mas podemos optar:

Se o lesado tiver actuado sem culpa, parece que a responsabilidade pelo risco do condutor do

veículo não é excluída;

Mas se é concorrente a culpa do lesado para com a culpa atribuída ao condutor do veículo,

aplicamos o regime do art. 570.

No caso de não se demonstrar culpa do condutor, a culpa ddo lesado concorre com o risco próprio inerente ao veículo? Nestas

situações é de entender que será excluída a responsabilidade do condutor do veículo, não só em virtude

da redação do art. 505, mas também, porque, tendo em consideração o art. 570/2, a culpa do lesado exclui

o dever de indemnizar em caso de culpa presumida, pelo que não faria sentido que tal sucedesse perante

a responsabilidade pelo risco.

2- A responsabilidade será excluída sempre que o acidente seja, nos mesmos termos, imputável a um

terceiro;

Também nestas situações não se exigirá um acto culposo do terceiro responsável, bastando que o facto a

ele respeitante seja considerado como a única causa do dano em termos tais que não se possa atribuir a

este o risco próprio do veículo. Neste caso, a responsabilidade pelo condutor de veículos é excluída,

podendo o terceiro responder, quer a título de culpa pessoal, quer a outro título- como aconteceria por

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exemplo no caso deste terceiro interveniente deixar escapar um animal que utiliza no seu próprio interesse-

art. 502- ou cuja vigilãncia assumiu- art. 493/1.

Caso haja culpa concorrente do condutor com a responsabilidade de terceiro, ambos responderão

solidariamente em relação ao lesado- arts. 497 e seguintes.

3- A responsabilidade pelo risco será excluída sempre que o acidente resulte de uma causa de força maior

estranha ao funcionamento do veículo;

Entende-se por causa de força maior um acontecimento imprevisivel, cujas consequências não podem ser

evitadas, exigindo-se, porém, que esse acontecimento seja exterior ao funcionamento do veículo.

Assim, as circunstâncias relativas ao funcionamento do veículo, ainda que os danos tenham sido provocados por um facto

externo, as derrapagens, rebentamento de pneus, a quebra da direção ou o iincêndio por curto-circuito do motor, não podem

ser consideradas como causas de exclusão da responsabilidade objetiva ou pelo risco.

Mas essa exclusão ocorrerá se o veículo for projetado por um ciclone ou arrastado por uma inundação-uma vez que essas

circunstâncias não se podem considerar como riscos próprios do veículo.

Beneficiários da Responsabilidade: art. 504

Em relação a este regime da responsabilidade pelo risco, a lei esclarece-nos dizendo que este tanto

aproveita a terceiros, como às pessoas transportadas (art. 504/1), abrangendo assim tanto os que se

encontravam fora do veículo como dentro dele. Por exemplo: o motorista, o maquinista, assistente de

viagem e cobrador de bilhetes.

Transporte por virtude de contrato: neste caso a responsabilidade só abrange os danos que atinjam a

pessoa e as coisas por ela transportadas- art. 504/2, sendo por isso excluídos da responsabilidade objetiva

os danos em coisas não transportadas com a pessoa e os danos reflexos pelas pessoas sofridos referidos

nos arts. 495/ 2 e 3 e 496/2 e 3.

Transporte Gratuito: a responsabilidade apenas abrange danos pessoais da pessoa transportada (art.

504/3), sendo que, portanto, nesse caso serão excluídos os danos nas coisas que são transportadas pelas

pessoas.

Art. 504/4

São nulas as cláusulas que excluem ou limitam a responsabilidade do transportador pelos acidentes que

atinjam a pessoa transportada, o que a contrario parece acabar por permiitir que no contrato as partes

excluam ou limitem a responsabilidade do transportador pelos danos que atingem as coisas transportadas.

Limites da Responsabilidade pelo Risco

Artigo 508.º

(Limites máximos)

1 - A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como

limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

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2 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte colectivo, a indemnização tem como

limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel estabelecido

para os transportes colectivos.

3 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte ferroviário, a indemnização tem como

limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil estabelecido para essa

situação em legislação especial.

A hipótese de ocorrência de responsabilidade por culpa

A previsão da responsabilidade pelo risco nos acidentes causados por veículos não dispensa a necessidade

de se averiguar se existe ou não culpa do condutor do veículo. Efectivamente, nesse caso, a

responsabilidade rege-se pelas regras gerais (art. 483), não estando sujeita a um limite máximo, abrangendo

antes todos os danos sofridos pelo lesado, em conformidade com o disposto nos artigos 562º e ss.

Prova: a prova da culpa que provém da pessoa do condutor deve ser feita pelo lesado, segundo o art.

487/1, a menos que se possa considerar a condução de veículos inserida nalgumas situações que origine a

presunção de culpa do agente

Querela Doutrinária: Durante bastante tempo foi sustentada na Doutrina a ideia de que a condução de

veículos consistiria numa atividade perigosa por sua própria natureza, o que nos termos do art. 493/2,

permitiria fazer reacair sobre o condutor de veículos a presunção de culpa, caso se verificassem acidentes.

Contudo, o paradigma alterou-se com o Acórdão Assento do STJ em 1979, onde SANTOS VICTOR veio

a afirmar que o art. 493/2 não tem aplicação directa no que concerne a matérias de acidentes em virtude

de circulação terrestre. Esta interpretação implicou que na condução de veículos o lesado só beneficie em

geral da responsabilidade pelo risco, já que a obtenção de um indemnização com base na culpa dependerá

das possibilidades que existam para se fazer prova da culpa do agente- art. 487/1. MENEZES LEITÃO:

neste preceito pode-se efectuar uma interpretação restritiva da doutrina e seguir o Assento, no sentido de

considerar que determinado tipo de actividades de condução de veículos são, pela sua própria natureza,

perigosas, como acontece no caso das provas desportivas de condução (WRC ou Moto GP), na condução

de empilhadoras, no transporte de materiais explosivos e inflamáveis e até mesmo no caso da conduçãoo

sob efeito de alcool, que pode configurar mesmo uma conduta criminosa.

Responsabilidade presumida por condução de veículos: condução de veículos por conta de outrem-

art. 503/3

Desta norma resulta:

1- O comissário só é responsável pelo risco, nos termos do art. 503/1, se conduzir o veículo fora das

funções de comissário, umma vez que só nessa situação se encontra preenchido o requisito da utilização

do veículo em interesse próprio. Em todos os outros casos, a responsabilidade pelo risco prevista nesta

disposição é atribuida ao comitente, que tem a direcção efectiva do veículo e o utiliza no seu próprio

interesse, ainda que por intermédio do comissário;

2- Art. 503/3- estabelece a presunção de culpa do comissário pelos danos causados, o que permite ao

comitente, caso o comissário não vier a elidir essa presunção, exercer conttra ele o direito de regresso pela

83

indemnização que tiver pago ao lesado com fundamento na responsabilidade objectiva ou pelo risco.

Doutrina diverge: Pode o lesado demandar directamente o comissário com fundamento na culpa presumida, o que, além

de excluir a aplicação do art. 508, permitiria ainda responsabilizar o comitente ao abrigo do art. 500?

Só RODRIGUES BASTOS considerou esta opção. O resto da Doutrina negou esta possibilidade. A

solução maioritária acabou, ademais, por ser concretizada no Acórdão Assento do STJ 1/83, de 29 de

Abril de 1983. Dizia este: "a primeira parte do nº3 do art. 503 estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo

por conta doutrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele com o lesante e o titular ou titulares do direito á

indemnização"- não abrange portanto o comitente.

A lei faz assim recair sobre o comissário, em lugar de responsabilidade pelo risco, uma presunção de culpa,

respondendo ele assim por todos os danos causadossem qualquer limite, a menos que comprove não ter

actuado culposamente, como apreendemos do art. 503/3.

Naturalmente que esta situação envolve um tratamento discricionário do condutor por conta doutrem em

relação aos restantes condutores- a doutrina tem jusitificado este tratamento com o fundamento de que

há na condução por conta doutrem um perigo sério de afrouxamento da vigilância do veículo, uma vez

que ele é habitualmente conduzido por quem não é o seu verdadeiro proprietário- ocorre, portanto, um

risco sério de fadiga do comissário que poderá a tender conduzi-lo de forma mais duradoura e contínua.

Para além disso, tem sustentado a Doutrina que, sendo os condutores por conta doutrem normalmente

condutores profissionais, a eles se deve exigir uma perícia especial no exercício da condução, podendo

com facilidade elidir a presunção de culpa.

Aplicação da presunção de culpa:

A aplicação da presunção de culpa depende, no entanto, da demonstração da existência de uma relação de

comissão de entre o condutor do veículo e o seu proprietário, não se presumindo como comissário

qualquer condutor não proprietário do veículo. Esta é a solução que se extrai claramente do Acórdão

Uniformizador de Jurisprudência de 30/4/1996:

"o dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor, quando se alegue e se prove

factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art. 500/1, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo".

A Jurisprudência considerou, no entanto, como comissário o sócio-gerente de uma sociedade que conduz

o automóvel pertencente à mesma.

Colisão de Veículos

Art. 506

Este artigo visa resolver aquelas situações onde é difícil imputar a responsabilidade da colisão a um dos

condutores, o que justifica que a lei venha a resolver este conflito com base em critérios de distribuição

do risco.

A solução que nos é apresentada no art. 506/1 é a de que se apenas um dos condutores tiver culpa no

acidente, deve ser ele o único a responder pelos danos causados. Já se "nenhum dos condutores tiver culpa no

acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver constribuido para os

danos". Ou seja, havendo uma concausalidade de ambos os veículos em relação aos danos sofridos,

averiguar-se-á se algum dos veículos causou mais danos do que o outro- o que naturalmente acontecerá se

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um dos veículos for mais pesado do que o outro ou circulaf a uma velocidade superior à deste- atribuindo-

se ao detentor a proporção correspondente na repartição das responsabilidades pelos danos causados.

Se, porém, "os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por

eles responsável é obrigada a indemnizar". Ou seja, se independentemente da apreciação da culpa dos

condutores, apenas um dos veículos tiver causado danos- como acontece no caso de um dos veículos ter

causado danos noutro por lhe ter embatido na traseira- a responsabilidade pelo risco só surge em relação

ao causador dos danos.

A lei estabelece ainda no art. 506/2 que "em caso de dúvida, considera-se igualmete a contribuição de cada

um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores"

estabelecendo-se assim, como regra geral, a ideia de uma repartição igualitária dos danos.

Dúvida: Averiguação da existência de uma presunção de culpa por uma remissão do art. 503/3 ao art 506? Colocava-

se a questão de determinar se, ocorrendo a colisão de veículos em que um dos veículos era conduzido por

um condutor por conta doutrem e o outro por um condutor que conduzia no seu próprio interesse, e caso

não se provasse de quem era a culpa ou chagando a conclu~são de que o embate não procedeu de culpa

de nenhum deles se:

Deve aplicar-se o critério da distribuição causal do risco da utilização dos veículos por

danos?

Ou, pelo contrário, devemos presumir culpado o condutor por conta doutrem, ao abrigo

do preceituado no art. 503/3?

A solução que parece mais razoável para o Professor MENEZES LEITÃO tem que ver com a aplicação

do critério da contribuição causal do risco que cada veículo teve para a produção dos danos. Diz este autor

que a presunção de culpa faz todo o sentido, mas só quando se trata de dispensar o lesado de provar a

culpa do comissário. Não lhe parece, no entanto, fazer tanto sentido esta solução quando se trata de

discutir critérios de repartição da responsabilidade entre dois condutores causadores dos danos. Fazer

presumir a culpa de um deles, nesse caso, corresponde na prática a atribuir-lhe responsabilidade integral

pela colisão, e excluir da zona de riscos a cargo de quem conduz o veículo no interesse próprio a colisão

com um veículo conduzido por conta doutrem, o que nos parece claramente injustificado.

Para além de tudo isto- o elemento sistemático justifica claramente a autonomização da facti species da

colisão de veículos no art. 506. Há porrtanto uma percepção de que o sistema aponta no sentido da não

aplicação do art. 503/3 a estas situações. A solução oposta não conduz senão a uma iniquidade de situações

como aquelas em que, perante um choque de entre dois veículos, um conduzido por um comissário no

exercício das suas funções e outro por um comissário em abuso delas, presume-se a culpa do primeiro

para isentar da responsabilidade o segundo.

Posição da Jurisprudência do STJ:- presunção de culpa do art. 503/3 aplicável na hipótese de colisão

de veículos referida no art. 506.

Conclusões:

No caso de ocorrer uma colisão de veículos em que um dos condutores conduz o veículo por

conta doutrem, já não se aplicará a solução do art. 506/2, presumindo-se a culpa do comissário no

acidente, nos termos do art. 503/3;

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No caso de ambos os condutores conduzirem o veículo por conta doutrem, haverá uma

cconcorrência de presunções de culpa, pelo que, na ausência de outros elementos de prova, se

deverá considerar como igual a medida da culpa de ambos os condutores na verificação do

acidente.

Pluralidade de responsáveis pelo dano

Surgem vários responsáveis pelo dano:

Quando o acidente é causado por vários veículos;

Quando o acidente é causado por um veículo.

Por exemplo, o locador e o locatário respodem ambos de acordo com a responsabilidade pelo risco.. Mas

já o comitente responde pelo risco, enquanto o comissário é sujeito a responsabilidade por culpa.

Solução da Lei: solidariedade dos vários responsáveis pelo dano- art. 507/1- " se a solidariedade pelo risco

recair sobre várias pessoas todas respondem solidariamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou de algumas".

Neste caso, o art. 507/2 determina que a repartição da responsabilidade no âmbito das relações internas

estabelece-se, sendo todos apenas responsáveis pelo risco, "de harmonia com o interesse de cada um na

utilização do veículo".

Se, no entanto, "houver culpa de algum ou alguns apenas os culpados respondem, sendo aplicável quanto

ao direito de regresso, entre eles, ou em relação a eles, o disposto no art. 497/2.

Responsabilidade de outros veículos:

Para além da responsabilidade dos veículos terrestres:

Embarcações de Recreio;

Navios;

Aeronaves;

o Transporte aéreo internacional;

o Transporte aéreo comunitário;

o Transporte aéreo nacional;

Aeronaves de voo livre e ultraleves

Danos causados pela utilização efetiva de instalações de energia elétrica ou de gás

Art. 509/1: neste nº a responsabilidade pelo risco é atribuída a quem tiver a direção efetiva de uma

instalação destinada à condução de energia elétrica ou do gás e utilizar essa instalação no seu próprio

interesse.

Posições doutrinárias:

ANTUNES VARELA v ALMEIDA COSTA

Para estes autores, a responsabilidade estende-se a todo o tipo de atividades a que se destinam as

instalações de energia, o que permite abranger, quer a produção e armazenamento, quer a condução ou

transporte, quer a entrega ou distribuição.

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RIBEIRO FARIA

Este autor entende que a responsabilidade pelo risco nestas situações se restringe à condução ou entrega,

pelo que não abrange riscos derivados da própria produção de energia.

MENEZES LEITÃO- o professor MENEZES concorda com RIBEIRO DE FARIA. Para ele, não só a

lei não prevê expressamente a produção de energia, como também a exclusão dessa produção ocorre

igualmente no direito alemão, justificando-se porque a instalação destinada à produção de gás e de energia

não envolve maiores riscos do que outras instalações industriais, não devendo deste modo o regime ser

diferenciado. Já a distribuição de e entrega de energia elétrica e gás envolve riscos específicos, justificando

assim o seu tratamento através da responsabilidade pelo risco. No entanto, se a instalação de produção

proceder igualmente à distribuição de energia, já poderá considerar-se abrangida pelo art. 509/1.

É de notar que esta responsabilidade pelo risco é afastada, se ao mesmo tempo do acidente, a instalação

se encontrar a funcionar de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

Trata-se por isso, de uma formulação da responsabilidade pelo risco que corresponde praticamente a uma

situação de ilicitude imperfeita, uma vez que se o detentor demonstrar que respeitou as regras técnicas e o

dever de conservação da instalação deixa de estar sujeito à responsabilidade. Da mesma forma, a

responsabilidade é afastada se os danos forem devidos a causa de força maior, considerando-se como

causa de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e da utilização da coisa- art.

509/2.

Causas de Força Maior:

o Factos naturais externos- como por exemplo o caso do ciclone que derruba um poste de

energia;

o Facto próprio do lesado- electrocução derivada de o lesado ter decidido subir ao poste;

o Factos de Terceiro- derrube do poste elétrico em virtude de escavações

Também os danos causados por utensílios de uso de energia, como eletrodomésticos ou máquinas

industriais, não são abrangidos por esta categoria da responsabilidade- art. 509/3.

Por força da remissão que o art. 510 faz para com o art. 508, a responsabilidade pelo risco não é sujeita

aos mesmos limites do que aquilo que se encontra previsto para os acidentes por veículos terrestres. No

entanto, esses limites apenas funcionam em relação a cada lesado, não se verificando igualmente uma

limitação em função do nº de lesados.

Responsabilidade do Produtor

Um outro campo em que se verificou um grande alargamento da responsabilidade pelo risco reside na

responsabilidade do produtor pelos danos causados por produtos defeituosos, cuja multiplicação na atual

sociedade tem demonstrado a inadequação da sua reparação através da responsabilidade baseada na culpa.

Segundo o modelo do Código Civil, o consumidor que venha a ser lesado por produtos que apresentem

defeitos via-se, no regime anterior, forçado a provar todos os pressupostos da responsabilidade civil, ou

seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade de entre o facto e o dano- regra geral do art.

87

483, prova que todos reconheciam como sendo diabólica, porque quase nunca conseguia ser feita por

parte de aqueles que vinham os produtos defeituosos ingressar na sua esfera jurídica.

O efeito concreto consiste numa situação deste tipo. Por exemplo:

Num acidente causado por um eletrodoméstico ou doença após ingestão de alimentos enlatados, o

consumidor era não só obrigado a provar que sofreu o dano, mas também tinha que fazer prova da

causalidade decorrente da utilização ou consumo dos alimentos, e ainda da culpa procedente do vendedor

ou do produtor. Ora, para efetuar esta última demonstração, é imprescindível o conhecimento do processo

de fabrico ou da conceção técnica dos produtos, o que o consumidor habitualmente não possui.

Consequentemente, bastaria ao lesante adotar uma posição passiva no processo para quase de certeza ver

qualquer ação interposta por um consumidor lesado ser julgada improcedente.

Mas, ainda que, por hipótese, o consumidor lesado conseguisse provar todos os requisitos da ação,

seguramente que não deixaria de ser confrontado com o problema da culpa do lesado, uma vez que,

mesmo demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil, dificilmente o juiz não se

convenceria da existência da culpa concorrente do lesado, pois, por exemplo, quem consome um produto

deteriorado, muitas vezes poderia aperceber-se dessas deteriorações através de um exame atento desse

produto.

Uma outra forma de equacionar a responsabilidade

A Obrigação de Indemnização

Generalidades

É tratada nos artigos 562 e ss. CC como uma modalidade das obrigações. Possuir uma fonte específica (a

imputação de um dano a outrem), ter um conteúdo próprio (prestação de equivalente ao dano sofrido) e

um particular interesse do credor (a eliminação do dano que sofreu).

Em primeiro lugar, a exigência da indemnização não implica uma determinação exacta do montante dos

danos antes da propositura da ação, podendo ela ser proposta sem essa indicação e, inclusivamente, no

decurso dela, ser exigido um aumento da indemnização se o processo vier a revelar danos superiores aos

inicialmente previstos (art. 569).

Mas também o próprio tribunal não necessita de determinar o valor exato dos danos, para atribuir a

indemnização podendo esta ser estabelecida equitativamente, dentro dos limites que se tiverem como

provados (art. 566/3 CC).

Caso não seja possível determinar logo o montante dos danos, poderá a fixação da indemnização ser

remetida para execução de sentença (antigo Art 661/2 CPC),admitindo-se ainda nesse caso que o tribunal

condene logo o devedor, dentro do quantitativo que considere já provado.

Formas de indemnização

Regime geral referido no Art. 562 CC, acrescentando ainda o Art. 566/1 que “ a indemnização é fixada

em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível não repare integralmente os danos ou

seja excessivamente onerosa para o devedor”.

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Clara primazia da reconstituição in natura sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer que

é primordialmente através da reparação do objeto destruído ou da entrega de outro idêntico que

se estabelece a obrigação de indemnização;

Haverá, porém, fixação da indemnização em dinheiro no caso de a reconstituição natural não ser

possível. Efetivamente, se o objeto destruído é de impossível reparação e se, por ser de natureza

infungível, não se admitir a sua substituição por outro, a solução correta é a atribuição da

indemnização em dinheiro;

Também haverá fixação da indemnização em dinheiro sempre que a reconstituição natural não

repare integralmente os danos. Efetivamente através da reconstituição natural não será obtida a

satisfação do interesse do redor, pelo que para se obter essa satisfação se terá que recorrer à

indemnização em dinheiro, devendo esta ser estabelecida em complemento à reconstituição natural

para eliminar os danos não abrangidos por esta e não em sua substituição.

Finalmente, ocorre a fixação da indemnização em dinheiro sempre que a reconstituição natural seja

excessivamente onerosa para o devedor. Devendo ser esta previsão interpretada restritivamente sob pena

de se pôr em causa causa o direito do lesado a dispor do seu próprio património. Apenas quando a

reconstituição natural se apresente como um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante

e se deva considerar abusiva por contrária à boa é a sua exigência ao lesado, é que fará sentido excluir o

seu direito à reconstituição natural.

A forma da determinação da indemnização em dinheiro é estabelecida no ART 566/2 CC.

Encontra-se aqui a denominada teoria da diferença, nos termos da qual se faz uma avaliação do dano em

sentido patrimonial, mediante a apreciação concreta das alterações verificadas no património do lesado.

Para apreciação dessas alterações efectua-se uma comparação entre a situação patrimonial atual efetiva do

lesado e sua situação patrimonial atual hipotética se não existissem danos.

Esta teoria tem, porém, uma aplicação limitada, na medida em que o cálculo patrimonial que estabelece

não é possível a não ser estando em causa danos patrimoniais presentes. Não são assim abrangidos nem

os danos não patrimoniais nem os danos futuros. Mas, para além disso, esta teoria não se aplica sempre

que o tribunal possa fixar a indemnização em montante inferior aos danos causados (artigos 494 e 570

CC), caso em que a fixação final da indemnização dependerá de outros fatores que não a simples avaliação

patrimonial do lesado.

Outro caso em que esta teoria falha: situação dos danos de natureza continuada. A solução apenas pode

passar pela atribuição de uma indemnização de renda vitalícia ou temporária, cabendo ao tribunal

determinar as providências necessárias para garantir o seu pagamento, conforme prevê o artigo 567 CC.

Só dessa forma a fixação da indemnização permitirá colmatar a perda continuada de rendimentos pelo

lesado.

Nesse caso, admite-se ainda que a fixação da indemnização seja modificada, caso sofram alteração sensível

as condições em que se baseou (Artigo 567/2 CC).

Compensatio lucri cum damno e cessão dos direitos do lesado

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Visando a reparação do dano, a indemnização não deve colocar o lesado em situação mais benéfica do

que aquela em que ele se encontrava antes da lesão.

Tem-se admitido por isso que o lesante possa deduzir à indemnização os lucros que a lesão proporcionou

ao lesado, situação habitualmente denominada de compensatio lucri cum damno.

É no entanto necessário que se verifique um nexo de causalidade entre a obtenção do lucro pelo lesado e

o facto que lhe causou o prejuízo, não bastando uma simples coincidência acidental. Não haverá, porém

compensatio lucri cum damno nos casos em que o bem danificado represente um valor remanescente no

seu património, uma vez que nesse caso a questão é antes de extensão dos danos.

Por razões semelhantes, mas com um alcance diverso, o ART 568 CC estabelece que, nos casos de

indemnização resultante da perda de qualquer coisa ou direito, o lesado pode exigir, no acto de pagamento

ou em momento posterior, que o lesante lhe ceda os seus direitos contra terceiros. Neste caso verifica-se

antes a atribuição ao lesante de um direito à cessão de direitos.

.o fim é igualmente evitar o enriquecimento do lesado, que inevitavelmente se verificaria, se continuasse

a exercer esses direitos, após receber a indemnização.

Titularidade do direito de indemnização

Genericamente pode dizer-se que o titular do direito de indemnização é apenas o lesado, ou seja, o titular

dos diedros ou interesses que a lei visava proteger. Quanto a terceiros, mesmo que estes tenham sofrido

reflexamente danos em consequência da atuação do lesante não serão abrangidos na indemnização. Esta

regra geral sofre algumas restrições no âmbito das quais terceiros poderão ser igualmente titulares d direito

de indemnização. Já se examinou a questão do dano-morte e dos danos não patrimoniais em consequência

da morte da vitima, a que se referem os ARTS 496/2 e 3, caso em que, conforme se salientou, outras

pessoas, além da vitima, podem considerar-se titulares do direito de indemnização por danos não

patrimoniais próprios.

Há ainda em caso de morte da vítima outros titulares do direito de indemnização.

Artigo 495/1 – conduzindo a morte da vítima à realização de despesas, o causador dessa morte é obrigado

a indemnizá-las.

(n° 2) – as entidades referidas neste têm naturalmente direito à remuneração pelo tratamento ou assistência

que ministraram à vítima, parecendo justo que a indemnização a cargo do lesante sirva igualmente para

satisfação desse direito.

A Lei atribui igualmente direito de indemnização aos “que podiam exigir alimentos ao lesado ou aquelas a

quem o lesado prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. Efetivamente, os alimentos são

essenciais para a sobrevivência do seu titular, pelo que a existência de um crédito de alimentos, ou a

possibilidade do seu surgimento futuro, que vem a ser frustrada pelo lesante, constitui um prejuízo tão

elevado, que justifica a atribuição de indemnização ao titular desse crédito.

.a mesma coisa acontece no caso de não existir direito a alimentos, mas estes estiverem a ser prestados no

cumprimento de uma obrigação natural.

Prescrição da obrigação de indemnização

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Encontra-se prevista no Artigo 498 CC, sendo esse regime genericamente aplicável a toda a

responsabilidade civil, com exceção da responsabilidade obrigacional, sujeita ao mesmo regime de

prescrição da obrigação incumprida.

A prescrição da obrigação de indemnização depende da ultrapassagem de um de dois prazos que a lei

estabelece em alternativa:

1) O prazo de prescrição ordinária a contar do fato danos, que como se sabe é de 20 anos (artigo 309

CC).

2) Um prazo de 3 anos a contar do momento em que o lesado tem conhecimento do direito que lhe

compete – ou seja, sabe que está lesado- mesmo que desconheça a pessoa do responsável ou a

extensão integral dos danos.

Se o lesado deixar passar um destes dois prazos sem exigir indemnização (Artigo 323/1 CC) o lesante

poderá opor-lhe eficazmente a prescrição do seu direito (Artigo 304/1 CC).

Se, porém, no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem

culpa do lesado, nessa situação, a prescrição suspender-se-á nos últimos 3 meses do prazo, nos termos do

Artigo 321 CC.

Para além disso, se houver reconhecimento do direito do lesado, esse reconhecimento interromperá o

prazo de prescrição, nos termos do artigo. 325 CC.

O decurso do prazo de 3 anos previsto no n° 1 não impedirá o lesado de reclamar a indemnização por

qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento posteriormente, nos 3 anos anteriores, desde que

ainda não tenha decorrido o prazo de prescrição ordinária a contar do facto danoso.

Se se tratar de um facto ilícito que constitua crime sujeito a um prazo de prescrição mais longo, passa a

ser esse prazo o aplicável, pelo que, enquanto for possível a instauração do procedimento criminal, é

também, possível a exigência da indemnização correspondente (Artigo 498/3 CC).

Ocorrendo a pluralidade de responsáveis pelo dano, em que o regime aplicável é o da solidariedade: a lei

estabelece que prescreve igualmente no prazo de 3 anos após o cumprimento o direito de regresso entre

os responsáveis (Artigo 498/2 CC).

A prescrição do direito de indemnização não afectará, porém, outros direitos que o lesado tenha

contra o lesante em resultado da sua conduta, designadamente a ação de reivindicação e a ação de

restituição por enriquecimento sem causa (Artigo 498/3 CC).