proposta de tributaÇÃo ambiental na atual reforma tributÁria brasileira

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ISSN 1415-4765 TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 738 PROPOSTA DE TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA* Ronaldo Seroa da Motta* * José Marcos Domingues de Oliveira*** Sergio Margulis**** Rio de Janeiro, junho de 2000 * Os autores agradecem ao ministro Sarney Filho pela sua vontade política de capitanear essas idéias junto ao Congresso Nacional, além de oferecer valiosas orientações no tratamento de diversas questões; ao secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Dr. José Carlos de Carvalho, que, como gestor ambiental pioneiro na aplicação de tributos ambientais no país, compreendeu e apoiou decisivamente esta iniciativa. São também imensamente gratos a Ricardo Varsano, coordenador de Estudos Tributários do IPEA e assessor da Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados, pelas inúmeras sugestões e comentários que incansavelmente ofereceu ao longo de todo o período de gestação das propostas aqui apresentadas; à procuradora e ex-assessora do MMA, Karen Alvarenga, pelas suas importantes contribuições; e a Claudio Ferraz, da Coordenação de Meio Ambiente do IPEA, que também ofereceu comentários valiosos. ** Coordenador de Estudos de Meio Ambiente do IPEA e professor da Universidade Santa Úrsula. *** Professor titular de Direito Financeiro da UERJ. **** Economista senior de Meio Ambiente do Banco Mundial.

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PROPOSTA DE TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

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  • ISSN 1415-4765

    TEXTO PARA DISCUSSO N 738

    PROPOSTA DE TRIBUTAO AMBIENTAL NAATUAL REFORMA TRIBUTRIA BRASILEIRA*

    Ronaldo Seroa da Motta**Jos Marcos Domingues de Oliveira***

    Sergio Margulis****

    Rio de Janeiro, junho de 2000

    * Os autores agradecem ao ministro Sarney Filho pela sua vontade poltica de capitanearessas idias junto ao Congresso Nacional, alm de oferecer valiosas orientaes notratamento de diversas questes; ao secretrio-executivo do Ministrio do Meio Ambiente(MMA), Dr. Jos Carlos de Carvalho, que, como gestor ambiental pioneiro na aplicaode tributos ambientais no pas, compreendeu e apoiou decisivamente esta iniciativa. Sotambm imensamente gratos a Ricardo Varsano, coordenador de Estudos Tributrios doIPEA e assessor da Comisso Especial de Reforma Tributria da Cmara dosDeputados, pelas inmeras sugestes e comentrios que incansavelmente ofereceu aolongo de todo o perodo de gestao das propostas aqui apresentadas; procuradora eex-assessora do MMA, Karen Alvarenga, pelas suas importantes contribuies; e aClaudio Ferraz, da Coordenao de Meio Ambiente do IPEA, que tambm ofereceucomentrios valiosos.** Coordenador de Estudos de Meio Ambiente do IPEA e professor da UniversidadeSanta rsula.*** Professor titular de Direito Financeiro da UERJ.**** Economista senior de Meio Ambiente do Banco Mundial.

  • MINISTRIO DO PLANEJAMENTO, ORAMENTO E GESTOMartus Tavares - MinistroGuilherme Dias - Secretrio Executivo

    PresidenteRoberto Borges Martins

    DIRETORIAEustquio Jos ReisGustavo Maia GomesHubimaier Canturia SantiagoLus Fernando TironiMurilo LboRicardo Paes de Barros

    Fundao pblica vinculada ao Ministrio do Planejamento, Oramentoe Gesto, o IPEA fornece suporte tcnico e institucional s aesgovernamentais e disponibiliza, para a sociedade, elementos necessriosao conhecimento e soluo dos problemas econmicos e sociais dopas. Inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimentobrasileiro so formulados a partir de estudos e pesquisas realizadospelas equipes de especialistas do IPEA.

    Texto para Discusso tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA,bem como trabalhos considerados de relevncia para disseminaopelo Instituto, para informar profissionais especializados ecolher sugestes.

    Tiragem: 103 exemplares

    SERVIO EDITORIALSuperviso Editorial: Nelson CruzReviso: Andr Pinheiro, Elisabete de Carvalho Soares,Isabel Virginia de Alencar Pires, Lucia Duarte Moreira,Luiz Carlos Palhares e Miriam Nunes da FonsecaEditorao: Carlos Henrique Santos Vianna, Juliana RibeiroEustquio (estagiria), Rafael Luzente de Lima e Roberto dasChagas CamposDivulgao: Libanete de Souza Rodrigues e Raul Jos Cordeiro LemosReproduo Grfica: Edson Soares e Cludio de Souza

    Rio de Janeiro - RJAv. Presidente Antonio Carlos, 51 14 andar - CEP 20020-010Telefax: (21) 220-5533E-mail: [email protected]

    Braslia - DFSBS. Q. 1, Bl. J, Ed. BNDES 10 andar - CEP 70076-900Telefax: (61) 315-5314E-mail: [email protected]

    Home page: http://www.ipea.gov.br

    IPEA, 2000 permitida a reproduo deste texto, desde que obrigatoriamente citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so rigorosamente proibidas.

  • SUMRIORESUMO

    ABSTRACT

    1 - INTRODUO .............................................................................................1

    2 - FUNDAMENTOS..........................................................................................1 2.1 - Tributao Ambiental............................................................................3 2.2 - Mercado de Direitos de Uso..................................................................4 2.3 - Concluso..............................................................................................5

    3 - USO DOS INSTRUMENTOS ECONMICOS NO BRASIL......................6

    4 - TRIBUTO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTRIA............84.1 - As Possibilidades de Tributao no Substitutivo ..................................94.2 - A Proposta de Tributao Sugerida ao Relator ...................................104.3 - A Proposta de Tributao Ambiental Inserida no Substitutivo ...........11

    5 - QUESTES DE IMPLEMENTAO........................................................12 5.1 - Condies de Aplicao da Contribuio Ambiental .........................13 5.2 - A Questo Espacial e de Competncia................................................14 5.3 - A Questo Distributiva........................................................................15 5.4 - O Destino e o Rateio das Receitas ......................................................15 5.5 - A Questo da Competitividade ...........................................................16 5.6 - A Questo dos Subsdios.....................................................................16

    6 - CONSIDERAES FINAIS .......................................................................17

    BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................18

  • RESUMO

    O processo de reforma tributria, ora em discusso no Congresso Nacional,contempla a proposta aqui desenvolvida para introduzir o princpio dopoluidor/usurio pagador na forma de tributao ambiental. O objetivo destedocumento discutir alguns aspectos tericos e conceituais desta proposta, bemcomo questes concretas sobre a viabilidade de sua efetiva implementao noBrasil. Nossa hiptese de trabalho sugere que, se devidamente aplicados, osinstrumentos tributrios permitiro reduzir os conflitos entre crescimentoeconmico e proteo ambiental.

  • ABSTRACT

    The current proposal of the new fiscal system in discussion in the BrazilianParliament introduces an environmental tax (denominated as environmentalcontribution) based on the polluter/user pays principle. The aim of this text is topresent the theoretical and conceptual basis of this tax as well as to analyze issueswhich will be crucial for its future implementation. Our hypothesis is that, ifproperly applied, this environmental tax can reduce the area of conflicts betweengrowth and the environment.

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    1 - INTRODUOMetas ambientais esto cada vez mais presentes nas agendas polticas dos pases,principalmente daqueles com maior importncia mundial. O Brasil tem umalegislao ambiental bastante avanada no contexto dos pases emdesenvolvimento, traduzindo uma crescente preocupao com o meio ambiente e apercepo de que o crescimento futuro depender das condies ecolgicaspreservadas. Todavia, atingir metas ambientais significa, muitas vezes, retirar nocurto prazo recursos econmicos de investimentos produtivos ou aumentar custosde produo presentes. Assim, a garantia de um meio ambiente saudvel exigesacrifcios de curto prazo e gera custos polticos elevados, uma vez que difcilpara qualquer sociedade assumir esta deciso intertemporal de sacrificar opresente em troca de um futuro mais sustentvel.

    Nesse sentido, h que se engendrar formas que reduzam o custo de introduodessas restries ecolgicas nas estratgias de crescimento econmico e que,conseqentemente, ofeream uma conciliao menos dolorosa entre o presente e ofuturo, principalmente no caso, como o brasileiro, onde so dramticos osproblemas distributivos.

    O processo de reforma tributria, ora em discusso no Congresso Nacional,oferece uma oportunidade nica para introduzir instrumentos tributrios para aconsecuo dos objetivos de poltica ambiental. O objetivo deste documento discutir alguns aspectos tericos e conceituais desses instrumentos, bem comoquestes concretas sobre a viabilidade de sua efetiva implementao no Brasil.Nossa hiptese de trabalho sugere que, se devidamente aplicados, os instrumentostributrios permitiro tornar os trade-offs entre crescimento econmico e proteoambiental os menos custosos possvel.

    A Seo 2 apresenta de forma elementar os fundamentos tericos com os quais sedemonstra que a utilizao de instrumentos tributrios permite esta transiomenos custosa. A Seo 3 analisa algumas experincias brasileiras anteriores quese valeram desses instrumentos. A Seo 4 apresenta a proposta de tributaoambiental que o Ministrio do Meio Ambiente (MMA) encaminhou paraapreciao da Comisso Especial da Cmara Federal, analisando tambm a formafinal que foi inserida no substitutivo aprovado pela Comisso. A Seo 5 discutequestes relativas viabilidade de implementao desse novo tributo, procurandoesclarecer as questes mais controversas e analisa alguns dilemas sobre os quais asociedade brasileira ter que se posicionar para aproveitar a oportunidade deinserir definitivamente a varivel ambiental em seus objetivos dedesenvolvimento. Por fim, a Seo 6 apresenta algumas recomendaes para odesenvolvimento e regulamentao da proposta.

    2 - FUNDAMENTOS

    O uso dos recursos ambientais pode gerar externalidades negativas (danos) intra eintertemporais. Dadas as dificuldades tcnica e institucional de se definir e/ou

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    assegurar direitos de propriedade sobre estes recursos, os seus usurios nointernalizam nas suas decises privadas esses custos externos . Dessa forma, ospreos de mercado, ou os custos de uso desses recursos ambientais, no refletemseu verdadeiro valor econmico (ou social). necessrio, portanto, alterar o preo(custo) de utilizao dos recursos ambientais internalizando as externalidades e,assim, afetar seu nvel de utilizao (demanda). Com isso, tambm se altera onvel do dano ambiental associado. As polticas ambientais deveriam, portanto,criar instrumentos que impusessem um sobrepreo ao uso do recurso.

    A literatura econmica postula que esse sobrepreo seja exatamente o preo ouvalor da externalidade gerada, chamando-o de imposto pigouviano:1 para suadeterminao preciso identificar esses custos externos que, somados ao preo demercado, representariam o preo social do recurso.

    O preo social ento imposto a cada usurio, de modo que cada nvel de usoindividual se altera e, conseqentemente, tambm o nvel de uso agregado. Essesnveis refletiriam uma otimizao social do uso do recurso ambiental em questo,porque agora os benefcios do uso seriam contrabalanados por todos os custosassociados a ele, ou seja, cada usurio pagaria exatamente o dano gerado pelo seuuso. Nesse cenrio, no haveria um conjunto de objetivos ambientais como hojeadotado por quase todas as legislaes ambientais, mas sim um conjunto de preosque levariam otimizao do usos dos recursos ambientais.

    Essa , obviamente, uma tarefa que enfrenta inmeros problemas deimplementao justamente pela dificuldade de mensurao dos custos sociais2 e,de fato, nunca foi implementada na sua forma pura. Na prtica, o caminho inverso: a sociedade define politicamente um nvel agregado de uso dos recursosambientais e cria instrumentos para atingir esses nveis. A consecuo dessesobjetivos tentada pelo atendimento de normas especficas a cada atividade que oagente econmico obrigado a adotar.

    Essas normas especficas so orientadas por relaes tecnolgicas que definemnveis de emisso ou de uso do recurso a serem obedecidos por todos os agenteseconmicos, independentemente de seu porte, tecnologias, localizao etc.Embora o atendimento a essas normas imponha uma variao no custo do uso dorecurso ambiental, esta se realiza de forma pouco flexvel, pois impe padres deuso iguais a todos os usurios sem nenhuma considerao s caratersticasespecficas de cada um.

    Dessa forma, agentes econmicos com estruturas de custos completamentediferentes so incentivados a alcanar um nvel de uso igual, no podendo optarpor estratgias mais custo-efetivas. A implicao imediata que os custos

    1 Teoricamente, a taxa pigouviana seria o dano ambiental no timo econmico da poluio. Tal

    nomenclatura deve-se ao economista Arthur Cecil Pigou que o formulou pela primeira vez nadcada de 20.2 Para uma introduo valorao de custos ambientais em lngua portuguesa, ver Seroa da Motta

    (1998).

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    impostos sociedade para atingir um mesmo objetivo ambiental sodesnecessariamente altos.

    2.1 - Tributao Ambiental

    Uma alternativa taxao pigouviana e a instrumentos normativos de controle aimposio de um sobrepreo ao recurso ambiental que induza a sociedade aatingir, no agregado, um nvel de uso previamente decidido por lei. Essesinstrumentos so comumente denominados instrumentos econmicos precificadose aplicam o princpio do poluidor/usurio pagador,3 e seus fundamentos so osque adotaremos na proposta de tributao ambiental aqui analisada. Embora sejammenos eficientes que as taxas pigouvianas, dado que a meta ambiental no definida na comparao de custos e benefcios sociais, por outro lado, apresentammaior flexibilidade que os atuais instrumentos de controle. Isso porque incentivammaior reduo do nvel de uso (controle) justamente por aqueles usurios que tmmenores custos para realizar estas redues. Os usurios com maiores custos decontrole reduzem menos suas emisses de modo que no agregado a reduo total a mesma, mas o custo total para a sociedade ser menor. Alm disso, h umincentivo permanente inovao tecnolgica na medida em que todos osusurios/poluidores buscaro continuamente reduzir seus custos unitrios de usoou de controle da poluio.

    Outra caracterstica importante dessa forma de tributao ambiental a suaeficincia espacial. Os problemas ambientais variam espacialmente porquetambm variam espacialmente a presso das atividades humanas e a capacidade deassimilao do meio ambiente. Esta uma outra flexibilidade do tributo que terde ser respeitada na sua formulao, conforme analisaremos adiante.

    Da mesma forma que no caso das taxas pigouvianas, o usurio ante um tributoambiental relativo a um determinado recurso decide o seu novo nvel individual deuso. Diante da nova situao, ele decide em quanto aumenta ou reduz a utilizaodo recurso, condicionado variao no seu novo custo de uso, decorrente dotributo. No agregado, a soma dessas novas aes individuais dever ser tal que seatinja o nvel legal de uso exigido do recurso.

    Assim, quando so utilizados esses instrumentos econmicos, o prprio agentedecide quanto vai passar a utilizar do recurso em funo da variao ocorrida nosseus custos. Observe, entretanto, que esta situao depende do sobrepreoestabelecido inicialmente, e, portanto, a magnitude ter de estar associada ao nvelfinal agregado de uso socialmente desejado.

    Portanto, para se definir este sobrepreo ser necessrio modelar o comportamentodos agentes econmicos de forma a se analisar ex-ante suas reaes diante de

    3 Na sua concepo ex-ante, na qual o usurio percebe o pagamento do dano antes do ato de uso. A

    sua formulao ex-post est mais associada reparao de danos por meios judiciais aps seu usoter gerado o dano.

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    distintos nveis de preo.4 Sua determinao ter de ser baseada em simulaes daidentificao de cada alterao individual esperada ante as variaes de preo dorecurso. Isso significa conhecer as funes de demanda ou de custo de controle decada usurio. Dada a impreciso desses exerccios de modelagem, adota-se umprocedimento de tentativa e erro no qual os sobrepreos podem variar at atingiros objetivos desejados.

    2.2 - Mercado de Direitos de Uso

    Existem recursos ambientais que so muito sensveis ao seu nvel de uso e,portanto, pequenas variaes no nvel de uso resultam em significativos impactosambientais (por exemplo, disposio de resduos txicos). Nesses casos, no serecomenda o uso de instrumentos econmicos precificados, mas sim alguma outraforma que garanta um controle quantitativo.

    Um sistema semelhante e com resultados iguais ao de preos o de criao de ummercado de direitos de uso do recurso ambiental. A autoridade, conhecendo onvel total de uso desejado, realiza uma distribuio desse nvel total entre osusurios e permite que haja entre eles transaes dos direitos de uso. A alocaoser fruto de um leilo onde as partes interessadas oferecem pagamentos de acordocom a sua lucratividade no uso do recurso ou com seus custos decorrentes do no-uso. Assim, cada agente nesse leilo divulga seu custo de oportunidade em relaoaos direitos de uso. Aps esta primeira alocao, os usurios so livres paratransacionarem seus direitos de acordo com as alteraes de suas estratgiaseconmicas, criando um mercado de direitos com seus preos resultantes.

    Da mesma forma que no caso do sobrepreo do tributo, conforme anteriormenteanalisado, o agente toma suas decises de uso, s que agora o nvel total de uso preestabelecido e as alocaes individuais so baseadas nos preos do leilo.Assim, dado um mesmo objetivo de poltica ambiental, os agentes econmicosadotariam as mesmas estratgias econmicas e, portanto, o nvel final dosobrepreo do tributo ambiental e o preo final do leilo dos direitos de uso seriamequivalentes.

    Em ambos os casos existe tambm a gerao de receita, tanto a fiscal como a deleilo. A autoridade alocativa pode, por questes distributivas, alocar gratui-tamente parte desses direitos a certos agentes econmicos, ou mesmo distribu-losgratuitamente atravs de algum critrio ambiental ou econmico. Isso significaria,a exemplo da iseno tributria, uma transferncia de renda entre agentes.

    O maior problema com a criao desses mercados tem sido justamente a barreiralegal de consignar os direitos de uso. Sem a garantia e a credibilidade plena dapropriedade desses direitos, as transaes podem no ocorrer, e isso implicaria umengessamento do sistema econmico. Portanto, a criao desses mercados requeruma legislao especfica, enquanto a tributao ambiental, aqui proposta, podeser introduzida no captulo tributrio da Constituio.

    4 Basicamente seria estimar as elasticidades de preo da demanda ou de custo de controle do

    recurso.

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    2.3 - Concluso

    Conforme discutido, o princpio de tributao ambiental adota o critrio de custo-efetividade no qual um sobrepreo incide sobre um recurso de modo que osindivduos tomam suas decises de tal forma que o uso agregado no ultrapasse onvel desejado e, conseqentemente, do dano ambiental associado. Ou seja, otributo cria um incentivo de preo do qual o somatrio das alteraes individuaisresulta no nvel de uso agregado desejado.

    Idealmente, a incidncia desse tributo deve ser sobre a fonte do dano ambiental(tais como emisses de poluentes atmosfricos, lanamento de esgotos, nmero dervores cortadas etc.) levando em conta tambm as caractersticas do meio quepressiona e das metas de qualidade ambiental que se deseja atingir neste meio ouregio. Sua incidncia, assim, dever variar de acordo com a fonte de danoambiental e o meio impactado.

    Todavia, a mensurao da fonte degradadora pode ser complexa e custosa e, dessemodo utiliza-se como proxys um bem ou servio associado ao impacto da fonte.Por exemplo, o nvel de uso de fertilizantes para contaminao qumica daatividade agrcola nos corpos dgua, o de combustveis para emissesatmosfricas etc. Obviamente, quanto mais essas proxies estiveremcorrelacionadas com o nvel do dano, mais efetiva ser a aplicao desse tributo.

    Seja qual for a base adotada para a tributao, h que se esclarecer que no se estobjetivando um tributo para fins de financiamento e sim para induzir mudanas decomportamento por parte dos agentes econmicos (ou seja, objetivos de incentivoe no de financiamento).

    No caso dos objetivos de financiamento, o sobrepreo definido para obter umnvel de receita predeterminado,5 ou seja, tributos orientados para fins de receitatm o objetivo de gerar recursos que contribuam para o financiamento deinvestimentos ou gastos ambientais, pblicos ou privados, exigidos pelalegislao.

    A experincia internacional e tambm a brasileira mostram que, ainda quevinculados a objetivos ambientais, os instrumentos econmicos precificados maiscomuns so os tributos com fins de financiamento. Isto ocorre porque a receitagerada oferece autonomia fiscal para a rea ambiental, quase sempre relegada asegundo plano, e financiamento subsidiado aos usurios para cumprimento dalegislao. Alm disso, o nvel do sobrepreo necessrio para induzir mudanas decomportamento (controle) por parte dos agentes tende a ser muito alto e, portanto,politicamente mais difcil de implementar. Como qualquer sobrepreo influencia ouso dos recursos, observa-se mesmo que essas experincias acabam por resultarnuma reduo de uso, mas esta acaba sendo um efeito secundrio.

    5Na literatura econmica esse preo adotaria a regra de Ramsey, assim denominada emassociao ao seu primeiro proponente.

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    Esse objetivo de financiamento tambm o mais prximo do carter fiscal dostributos. Todavia, a proposta de tributao ambiental aqui analisada caminha nadireo de incentivos de induo, e no prioritariamente na de ser um instrumentode financiamento. Nosso objetivo o de aumentar a eficincia econmica daspolticas ambientais. Conseqentemente, no se pretende, tampouco, avaliar osobjetivos ambientais, pois esto dados na legislao. O propsito da tributaoambiental sugerida o de garantir que estes objetivos ambientais sejam atingidosao menor custo econmico possvel.

    Todavia, mesmo nestes casos, existir um receita resultante, considerada como umbnus extra da tributao, que poder permitir a reduo do esforo fiscal aocobrir gastos antes realizados com recursos governamentais. Assim, a tributaoambiental, alm de reduzir o custo social na consecuo dos objetivos ambientais,tem sido tambm defendida como sendo o modo mais eficiente de mudar a cargafiscal das coisas boas, como o capital e o trabalho, para as coisas ms, como apoluio e a exausto dos recursos naturais.

    Isto de fato j ocorre em alguns pases. A importncia desse bnus extra crescequanto mais distorcida for a carga fiscal reduzida por conta da receita datributao ambiental.6 De qualquer forma, a discusso sobre o destino e rateio dasreceitas geradas um fator extremamente importante nas questes tributrias eser adiante analisada.

    3 - USO DOS INSTRUMENTOS ECONMICOS NO BRASIL7

    O quadro a seguir apresenta sumariamente os instrumentos econmicos maisimportantes atualmente implementados ou em discusso no Brasil. A maioriadeles recente, com o objetivo de: recuperar os custos da oferta de servios deesgoto, financiar entidades governamentais de bacias hidrogrficas, gerar fundospara subsidiar programas de controle de poluio ou compensar municpios eestados por custos administrativos de gesto ambiental.

    Depreende-se do quadro mostrado que, excetuando as taxas florestais, osinstrumentos econmicos existentes no Brasil no tm o carter tributrio deincentivo aqui discutido. A taxa federal muito baixa e totalmente vinculada a umfundo florestal. No caso de Minas Gerais, sua criao enfrentou uma dcada dequestionamento judicial por questes de bi-tributao e pelo fato de, sendo umataxa, ter seu poder tributrio limitado gerao de receitas. Mesmo assim, osobrepreo acabou incentivando a substituio de carvo vegetal na regio.

    6 Ver mais sobre esta questo, denominada na literatura double dividend, em, por exemplo, Repetto

    (1996), Bovenberg e Goulder (1996) e Cansier e Krumm (1996).7 Ver Seroa da Motta, Huber e Ruitenbeek (1999) para uma resenha mais detalhada das

    experincias brasileiras e internacionais com instrumentos econmicos.

  • PROPOSTA DE TRIBUTAO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTRIA BRASILEIRA

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    Aplicao de Instrumentos Econmicos no Brasil

    Instrumentos Situao Atual Objetivos Principais Problemas

    Cobrana pelo Uso dagua em BaciasHidrogrficas porVolume e ContedoPoluente: Nacional

    Estado de So Paulo

    Lei do CongressoNacional de Janeirode 1997, em Fase deRegulamentao

    Em Implementaodesde 1995

    Cobrana (PreoPblico) pelo Uso dagua paraFinanciamento deBacias Hidrogrficas eInduo ao UsoRacional dos RecursosHdricos

    Falta de Clareza sobreos Critrios Econmicosde Cobrana:z Financiamento xInduoz Articulao entreBaciasConflito de Jurisdiona Gesto dos RecursosArrecadados entre Baciae Governo Federal.

    Tarifa de EsgotoIndustrial Baseada noContedo dePoluentes: Estado de So Paulo

    Estado do Rio deJaneiro

    Parcialmente Imple-mentada desde 1981

    Implementada desde1986

    Tarifa de Esgoto porContedo de Poluentepara Recuperao deCustos de Estaes deTratamento de Esgoto

    SP Definio deTarifa que Evite sempresas Optarem porTratamento e, assim,Evitarem o Pagamentoda Tarifa. Obrigao deDescarga no SistemaGeral QuestionadaJudicialmenteRJ Valor da Tarifamuito Baixo semReceita Expressiva

    CompensaoFinanceira Devido Explorao dosRecursos Naturais:

    Gerao Hidroeltrica Produo de leo Mineral (Exceto

    leo)

    TotalmenteImplementada desde1991

    Compensao No-Tributria Baseada emPercentual Fixo dasReceitas Brutas destasAtividades paraCompensar Municpiose Estados onde seRealiza a Produo etambm as Agncias deRegulao

    Incidncia e Alocaodos RecursosArrecadados noObedecem CritrioAmbiental Objetivo

    CompensaoFiscalpor reas dePreservao e porEsforos deSaneamento:

    Estado do Paran

    Estado de MinasGerais

    Implementada em1992

    Implementada desde1998

    Instrumento de Rateiode um Percentual daReceita do ICMS paraCompensarMunicpios de acordocom as Restries deUso do Solo em reasde Mananciais e dePreservao Florestale/ou Investimentos emDisposio de LixoLicenciada pelo rgoAmbiental

    Critrio de Definio doPercentual noObedeceu a umaAvaliao das MedidasCompensatriasNecessrias ao Alcancedos ObjetivosAmbientais

    Fiscalizao deCumprimento dosParmetros e Ausnciade AcompanhamentoSistemtico dosResultados

    (continua)

  • PROPOSTA DE TRIBUTAO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTRIA BRASILEIRA

    13

    (continuao)

    Instrumentos Situao Atual Objetivos Principais Problemas

    Taxas Florestais: Fundo Federal de

    Reposio FlorestalPago por Usuriossem Atividades deReflorestamento

    Taxa de ServioFlorestal em MinasGerais Paga porUsurios de ProdutosFlorestais

    Implementado desde1973

    Parcialmente imple-mentada desde 1968

    Pagamento de TaxaFederal de acordo comVolume de Uso deRecursos Florestaispara FinanciarProjetos deReflorestamentoPblico Pagamento de TaxaEstadual de Acordo comVolume de Uso paraFinanciar Atividades doServio Florestal doEstado

    Federal Valor semqualquer ObjetividadeAmbiental e Ausnciade AcompanhamentoSistemtico daAplicao dos RecursosMG DificuldadesLegais para Utilizar osInstrumentos para Finsde Induo ao Uso

    Como se observa, os principais problemas associados a essas experincias sorelacionados definio do valor da cobrana e distribuio das receitasresultantes, principalmente no caso da cobrana da gua. Esta no se configurounum tributo, posto que sua aplicao no ser compulsria em todo TerritrioNacional, mas sim fruto de deciso dos comits de bacia que somente serocriados por iniciativa de usurios. A proposta de tributao apresentada noprejudica ou substitui estas atuais experincias, mas abre uma oportunidade decriar instrumentos semelhantes que apresentem maior harmonia com objetivosambientais.

    4 - TRIBUTO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTRIA

    poca em que este documento produzido, discutem-se diversas modificaesque se fazem necessrias para melhorar o sistema tributrio do pas e queenvolvem alteraes na prpria Constituio. Nessas modificaes o MMAprops introduzir o princpio universalmente aceito do poluidor/usurio pagador(PPP) por meio da tributao ambiental. Antes de apresentar a proposta do MMAe o que foi efetivamente aprovado pela Comisso Especial da Cmara Federal,discutem-se brevemente alguns aspectos tcnicos fundamentais que balizaram aformulao da proposta, a saber:

    a) a Constituio Federal de 1988 possui um captulo tributrio com vistas adisciplinar a criao de tributos. Dessa forma, a criao de um tributoambiental ter de obedecer a estes parmetros constitucionais; e

    b) conforme discutido na seo anterior, a tributao ambiental teoricamentedesejvel deve:

  • PROPOSTA DE TRIBUTAO AMBIENTAL NA ATUAL REFORMA TRIBUTRIA BRASILEIRA

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    atender a objetivos extrafiscais (isto , visar mudana de comportamento dospoluidores e no prioritariamente arrecadao);

    ter fato gerador e bases de clculo de tipologia aberta8 (isto , flexveis notempo e no espao); e

    ser de competncia dos trs nveis de governo.

    A conciliao desses parmetros tericos e constitucionais, luz da tradiotributria brasileira, definir, conforme se analisar adiante, a insero de umanova figura no Captulo Tributrio da Constituio para configurar a possibilidadede tributao ambiental.

    4.1 - As Possibilidades de Tributao no Substitutivo

    Impostos. Em geral so aplicados com base na capacidade contributiva do agenteeconmico9 e sua aplicao, no caso ambiental, relacionada ao nvel dedegradao do agente econmico poderia ser complexa.

    O imposto sobre valor adicionado (IVA), que eventualmente substituir o ICMS eo IPI, apresentado no substitutivo, incide somente sobre bens e servios e,portanto, elimina a possibilidade de atuar, quando possvel, diretamente nas fontesde degradao, tais como emisses de poluentes ou uso final de recursos naturais.

    Por outro lado, sua alquota pode ser seletiva sobre alguns bens e servios queesto associados a danos ambientais e, conseqentemente, gerar um sobrepreoambiental. No entanto, dado que este imposto no-cumulativo (calculado comcrditos de compras e dbitos de venda), elimina o impacto da alquota seletivaambiental no caso dos insumos na produo pois esta pode ser deduzida no IVAque incide no produto final. Sua aplicao seletiva s teria alcance ambientalsignificativo quando da sua incidncia na ponta do consumo final (isto , noconsumidor). Isso seria eventualmente interessante em vrias situaes em que oconsumo final a fonte da degradao como, por exemplo, polticas de qualidadedo ar penalizando os automveis e/ou os combustveis mais poluentes.

    Quer dizer, na esfera da produo, para incentivar a conservao de energia, asubstituio de matria-prima e outros procedimentos de tecnologia limpa, o IVAcom alquota seletiva ambiental no teria impacto significativo, pois qualqueraumento de carga tributria no insumo poderia ser deduzido da carga incidente noproduto final.

    Em resumo, o IVA no atende plenamente os objetivos da tributao aquipropostos, embora permita um conceito ambiental no critrio de seletividade quepode ser muito importante em vrios casos.

    8 Para uma anlise jurdica da tipologia aberta na tributao ambiental, ver Domingues de Oliveira

    (1999).9 Isto , orientam uma transferncia de renda.

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    Taxas. So tributos institudos em razo do poder de polcia pela utilizao,efetiva ou potencial, de servios pblicos especficos e divisveis prestados oupostos disposio do contribuinte pela Unio, estados, Distrito Federal oumunicpios. Para fins de incentivar mudana de comportamento de usurios derecursos ambientais, portanto, as taxas no so em princpio indicadas, j que notm fato gerador na degradao ambiental eventualmente resultante. Alm disso,para fins ambientais a taxao de certos bens e servios enfrentaria o problema deatuar em bases j atribudas a outros impostos.A disputa judicial de quase 10 anos da taxa florestal de Minas Gerais sugere queseu uso no trivial. O substitutivo aprovado pela Comisso, entretanto, criaoutras taxas que se fundamentam em bases j existentes em outros impostos eservios no-divisveis. Poder-se-ia, ento, sugerir a criao de uma taxaambiental nos mesmos moldes. E como as taxas podem ser federais, estaduais oumunicipais, ainda se asseguraria um importante aspecto espacial.

    Embora nesse caso fosse possvel at taxar, por exemplo, emisses de poluentes, ovalor da taxa ambiental (base de clculo) teria de estar relacionado s necessidadesde receita do poder de polcia ou de prestao do servio pblico na reaambiental. Dessa forma, no seria possvel aplicar o princpio do incentivo acimasugerido, mesmo em legislao infraconstitucional. Note-se, todavia, que, se essastaxas fossem aplicadas aos servios de proteo ambiental, poderiam se constituirnum importante instrumento de financiamento do setor.

    Em resumo, as taxas no podem ser utilizadas prioritariamente para os objetivosde incentivo aqui sugeridos, embora possam ser importantes para fins definanciamento ambiental.10

    Contribuio. No substitutivo em discusso, a Unio detm a competnciaprivativa de instituir contribuies de interveno no domnio econmico e associais na consecuo de objetivos de poltica nas duas reas. Caso esta figuratributria fosse expandida para a rea ambiental, poderia ser adequada para ospropsitos aqui enunciados de tributao ambiental que exigem associaes aobjetivos de poltica e tipologia aberta. Entretanto, sua competncia restrita Unio reduz sua eficincia espacial.

    Em resumo, as contribuies, tal como esto no substitutivo, podem se tornar umtributo desde que se explicite seu domnio ambiental e seja ampliada suacompetncia.

    4.2 - A Proposta de Tributao Sugerida ao Relator

    luz das anlises anteriores, o MMA apresentou ao relator da reforma tributria aseguinte proposta:

    10 No momento em que este estudo estava sendo preparado, a Cmara Federal aprovou uma taxa de

    fiscalizao ambiental para financiamento das atividades do Ibama, que foi posteriormenteimpugnada pelo Supremo Tribunal Federal justamente por conta de imprecises na base declculo.

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    No Art. 145 do Captulo Tributrio, incluir o seguinte pargrafo:

    5o A lei adotar poltica tributria como instrumento de defesa do meioambiente (art. 225), admitida a instituio de contribuio de intervenoambiental.

    No Art. 174, incluir o seguinte pargrafo:

    5o As contribuies de interveno ambiental a que se refere o art.145, 5,podero ter fatos geradores, alquotas e bases de clculo diferenciados em razo daatividade econmica, do grau de utilizao ou degradao dos recursos ambientaise da capacidade de assimilao do meio ambiente.

    Note-se que no 5o do art. 145 prope-se um novo tipo de contribuio a deinterveno ambiental do mesmo modo que o prprio substitutivo quesistematizou a matria de contribuies sociais no 1o do art. 193, por sua vezdistintas das de domnio econmico.

    No 5o do art. 174 criou-se a flexibilidade da tributao. Optou-se por fazer istoneste artigo e no no referido acima porque neste que a Constituio afirma ocarter planejador e regulador do poder pblico, de atribuio compartida entreUnio, estados e municpios na rea de meio ambiente. Dessa forma, estavaenfatizada a ampliao de competncia para estas outras esferas de governo eflexibilizaram-se os fatos geradores e bases de clculo (isto , tipo de poluente,discriminada por local, usurio etc).

    Note-se tambm que com a primeira parte do 5o do art. 145, criam-seoportunidades de ecologizar outros tributos convencionais sem necessidade deexplicit-los a cada ponto da proposta da reforma.

    4.3 - A Proposta de Tributao Ambiental Inserida no Substitutivo

    O substitutivo do Relator Dep. Fed. Mussa Demes incorporou quase queintegralmente a proposta apresentada pelo MMA. O texto foi modificado pordestaque na Comisso que suprimiu a possibilidade de diferenciar o tributo poratividades econmicas, e a proposta presente tem a seguinte leitura:

    Art. 149: Compete exclusivamente Unio instituir contribuies sociais, deinterveno ambiental, de interveno no domnio econmico e de interesse dascategorias profissionais ou econmicas, como instrumento de sua atuao nasrespectivas reas, observando o disposto nos arts. 146, III e 150, I e III.

    1o As contribuies sociais (...).2o As contribuies de interveno ambiental podero ter fatos geradores,alquotas e bases de clculo diferenciados em razo do grau de utilizao oudegradao dos recursos ambientais ou da capacidade de assimilao do meioambiente.

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    Esta proposta aprovada na Comisso introduz, de fato, o princpio dopoluidor/usurio pagador. A nica restrio a delegao de competnciaexclusiva Unio.

    A prpria Constituio prev em seu captulo sobre o meio ambiente que a gestoambiental uma atribuio conjunta da Unio, dos estados e dos municpios. Emverdade, a maior parte dos problemas ambientais, e principalmente aqueles depoluio, de responsabilidade dos estados e, em alguns casos, dos municpios. Agesto ambiental descentralizada obviamente desejvel na medida em que osproblemas de meio ambiente so sentidos localmente. E desde a Constituio de1988 houve ganhos significativos na gesto ambiental decorrentes precisamentedesta atribuio compartida entre os trs nveis de governo.

    A proposta aprovada se por um lado introduz efetivamente a tributao ambiental,por outro reduz a descentralizao da gesto ambiental no pas ao trazerexclusivamente para a esfera da Unio o poder de tributao.

    Entende-se a preocupao da Comisso em manter na reforma tributria um rgidocontrole sobre os mecanismos tributrios em todas as esferas do poder pblico.Restringindo a competncia Unio, reduz-se o risco de criar um instrumento deproliferao de tributos em todas as escalas de governo.

    No caso do tributo ambiental, devido ao seu carter extrafiscal e ao custo polticolocal de restrio a certas atividades de forte impacto ambiental, a experinciamundial demonstra, entretanto, que estados e municpios tendem a no abusardesse tipo de mecanismo e, portanto, o risco de proliferao desses tributos noseria elevado. Por outro lado, abrindo a competncia aos estados e municpioscriam-se oportunidades para uma aplicao mais eficiente do tributo.

    5 - QUESTES DE IMPLEMENTAO

    Uma vez introduzido o princpio do poluidor/usurio pagador no Captulo Tri-butrio, uma legislao especfica para aplicar um tributo ambiental ser necess-ria. A seguir, analisamos algumas questes relativas a esta regulamentao.

    5.1 - Condies de Aplicao da Contribuio Ambiental

    A legislao ambiental prev dois tipos gerais de normas:

    a) Normas de emisso: as que especificam procedimentos individuais dos agenteseconmicos. Por exemplo, o nvel de carga orgnica de um efluente industrialou o nvel de emisso de monxido de carbono de um automvel; e

    b) Normas de qualidade ambiental: as que identificam caractersticas do ambienteque devem ser asseguradas sociedade. Por exemplo, as condies sanitriasdos corpos dgua ou nveis de concentrao de poluentes na atmosfera.

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    No caso (a), se o agente econmico no atender a estas normas estar sujeito adiversas sanes, tais como:

    Administrativas, aplicadas pelo rgo ambiental, que podem ser simplesadvertncias, multas e at mesmo interrupo da atividade geradora dadegradao ambiental.

    Penais, atualmente consolidadas na Lei da Natureza, que so aplicadas peloJudicirio que as investe na categoria de crime ambiental, inclusive com penade recluso.

    Compensatrias de aes cveis, com o objetivo de ressarcir danos a terceiros.

    J as normas de qualidade ambiental, caso (b), que so relativas ao meio e noresultam de uma fonte especfica, tm uma responsabilidade difusa; o seu no-atendimento, portanto, no resulta em aes especficas a um determinado agenteeconmico. A legislao, nesses casos, coloca disposio do rgo ambiental umpoder discricionrio para criar medidas restritivas temporrias de forma a garantira qualidade ambiental exposta na lei. Exemplos clssicos so as restries circulao de automveis ou imposies de turnos de produo nas indstrias emreas onde estejam ocorrendo concentraes elevadas de contaminaoatmosfrica. Quer dizer, so normas de meio ambiente orientadas para o agregadoda degradao e no para uma fonte especfica. Entretanto, na realidade, dado oseu alto custo poltico e econmico, essas normas so pouco aplicadas.

    Um tributo ambiental vai, assim, atuar no sentido de oferecer um instrumento demenor custo social para o atendimento das normas de qualidade ambiental querefletem as metas ambientais desejadas para a sociedade.

    Note-se que os nveis de uso ou de poluio fora das normas de emisso do casoa) configuram um ato ilcito. A doutrina tributria estabelece que no se podetributar sobre um fato ilcito. Assim sendo, a contribuio ambiental incidiriasomente sobre as emisses legais.11 Se fosse possvel abolir as normas de emisso,a contribuio ambiental incidiria sobre os nveis de degradao de todas asfontes. Assim procedendo, estaramos minimizando ainda mais os custos sociaisde atendimento s normas ambientais.12

    Em suma, a contribuio ambiental proposta teria duas caractersticas bsicas parasua aplicao:

    11 Mesmo que seja bvio, vale lembrar que todos os tributos incidem sobre fatos legais, como,

    trabalho, produo etc.12

    Note-se que as emisses individuais, neste caso, seriam ditadas pelo custo do tributo. Dada adificuldade, j mencionada na Seo 2, de calibrar um tributo para atender uma meta ambiental,existe uma preocupao de no abolir normas de emisso.

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    a) a criao do tributo seria admitida somente quando a norma ambiental oexigisse para aquele caso e para aquele meio afetado; e

    b) sua incidncia seria somente sobre os nveis de uso ou de poluio permitidospor lei.

    5.2 - A Questo Espacial e de Competncia

    Embora o substitutivo aprovado preveja que a contribuio ambiental seja decompetncia exclusiva da Unio, isso no impede que ela seja aplicadadiferencialmente no espao. Alis, se a contribuio objetiva atender uma normade qualidade ambiental, sua aplicao ter de ser restrita a um meio, reageogrfica, ou qualquer outra dimenso espacial dessa norma.

    O que a competncia exclusiva pretende atribuir somente Unio a iniciativatributria. Tecnicamente, a tipologia aberta da contribuio permite tributar deacordo com a capacidade de assimilao do meio ambiente e abre, assim,possibilidades de atuar localmente. Todavia, esta exclusividade de competnciacria custos polticos restritivos.

    Por exemplo, suponhamos que trs cidades do Estado de So Paulo necessitem deuma ao na rea de poluio automotiva devido violao das normas mnimasde concentrao de poluentes na atmosfera, majoritariamente oriunda deautomveis. O instrumento de contribuio poderia ser acionado para tributar ouso de automveis ou o consumo de gasolina nessas cidades.

    Entretanto, em outras cidades do pas, onde este problema fosse mais ameno e asnormas ambientais atendidas, no se teriam as condies necessrias para aplicar acontribuio. Uma contribuio da Unio seria, todavia, factvel neste caso, poisseria aplicada com base no fato gerador da violao da norma ambiental quesomente ocorre nessas cidades paulistas. Quer dizer, a Unio teria a iniciativatributria para atuar nessas cidades que violam a norma ambiental.

    Apesar de tecnicamente razovel, essa iniciativa se defrontaria com um problemapoltico. Pode ser que uma das cidades quisesse a contribuio, mas os das outrasduas preferissem atuar de outra forma. O governo federal a teria uma grandedificuldade de dar seguimento sua iniciativa dado o conflito de interessesestabelecido.

    Por outro lado, agindo nacionalmente, o governo federal teria meios de evitar umaguerra fiscal quando a resistncia tributao fosse devida a razes imediatas deatrao ou fuga de capital. Isto no seria nenhuma novidade, j que qualquerlegislao federal enfrenta esse tipo de problema. Entretanto, se a contribuiofosse tambm de competncia municipal, por exemplo, a cidade favorvel contribuio poderia agir sozinha sem ter de aguardar uma soluo federal.

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    5.3 - A Questo Distributiva

    Uma alegao bastante comum a de que a tributao ambiental desfavorece osmais pobres que enfrentam maiores restries de renda. Vale lembrar que se ameta ambiental para ser cumprida, convm que o instrumento que a concretizeseja aquele que oferea o menor custo de implementao. Logo, a questodistributiva est em conflito com as metas ambientais e no com a tributao.

    J salientou-se tambm que a tributao oferece oportunidades de agirdistributivamente ao criar isenes a certos grupos ou atividades entendidas comomenos favorecidos. Esta uma prtica universal, tanto nos impostos como emcertas tarifas (gua e eletricidade, por exemplo).

    A contribuio ambiental pode, inclusive, incidir sobre um produto que seja muitodifcil identificar com segurana o grupo social de seus consumidores. Neste caso,haveria de se desenhar medidas compensatrias, e seria nessa oportunidade que odestino das receitas geradas pela contribuio pode ser muito importante.

    Medidas compensatrias, neste contexto, significam restituir nveis de renda decertos grupos afetados. Nos casos onde estes grupos so de difcil identificao, asmedidas tm de ser abrangentes. Uma delas, ocorrente em vrios pases, consisteem transferir as receitas tributrias resultantes para fundos governamentais deassistncia aos menos favorecidos ou a programas de bem-estar que beneficiamestes grupos.

    5.4 - O Destino e o Rateio das Receitas

    Os critrios de rateio das receitas fiscais so de extrema importncia no casobrasileiro, principalmente por causa da tendncia freqente de se vincular receitasfiscais. Quer dizer, para viabilizar politicamente um novo tributo, os critrios derateio tendem a beneficiar direta ou indiretamente os grupos afetados pela suaincidncia. Por exemplo, a receita da contribuio ambiental poderia ser destinadaa um fundo de financiamento de investimentos de controle ambiental.Considerando, todavia, a dimenso da questo distributiva brasileira, podemosacreditar que destinos sociais para as receitas fiscais tenham um apelo polticoigualmente poderoso e que poderia reverter esta tendncia no caso da contribuioambiental.

    Entretanto, o destino e o rateio da receita da contribuio esto propositadamenteem aberto na proposta. Isto se deveu, basicamente, ao princpio adotado doobjetivo prioritrio de esta contribuio ser de incentivo e no de arrecadaofiscal. Isto no impedir, contudo, que quando da sua efetiva aplicao a receitatenha um destino e um critrio de rateio especficos para cada caso. Ou seja, odestino e o rateio da receita desta contribuio so abertos ao texto que a vierimplementar e poder variar caso a caso.

    Em referncia contribuio automotiva acima exemplificada da cidade paulista,poder-se-ia destinar a receita resultante a um fundo de transporte pblico que,

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    alm de mitigar o problema ambiental de que alvo a contribuio, aindafavoreceria diretamente os mais pobres.

    J para outra contribuio com finalidade de, por exemplo, controlar a poluioatmosfrica numa regio na qual as fontes industriais sejam predominantes, areceita pode ser destinada a um fundo de financiamento de compra deequipamentos de controle ambiental ou, se a prioridade o social, a fundos deassistncia mdica a doenas associadas a essa poluio na regio onde incide acontribuio.

    5.5 - A Questo da Competitividade

    lugar-comum alegar que a competitividade da economia brasileira seriaprejudicada caso se introduzam os tributos ambientais. Mais uma vez, se a metaambiental para ser cumprida, convm que o instrumento utilizado seja aqueleque oferea o menor custo de implementao. Logo, a questo da competitividade, semelhana da questo distributiva, est em conflito com as metas ambientais eno com o instrumento tributrio.

    Mais ainda, considerando-se as atuais tendncias de se incorporar cada vez mais avarivel ambiental nas questes de comrcio internacional, a existncia de tributosambientais no s reduziria os custos de controle ambiental, como gerariaadicionalmente uma imagem ambiental positiva para o pas.

    5.6 - A Questo dos Subsdios

    comum tambm se propor que, ao invs de tributos sobre usurios e poluidores,que acabam por onerar as atividades econmicas, dever-se-iam oferecer subsdios.Na verdade, no curto prazo tanto os subsdios como os tributos induzem o alcancedo mesmo objetivo ambiental. No entanto, existem dois problemas com ossubsdios, a saber:

    a) Seu financiamento formado de saques da arrecadao tributria total e,portanto, ou terminaria por impor aumentos na carga fiscal ou por reduzirgastos governamentais em outros setores. Dessa forma, seriam os contribuintesde outros tributos que pagariam a conta ambiental, independentemente dequanto contriburam para o problema ambiental.

    b) Se no curto prazo a consecuo de metas ambientais indiferente quanto aotributo ou subsdio, no longo prazo o subsdio, ao reduzir o custo privado dedegradar, estimula justamente as atividades intensivas em uso de recursosambientais (seja como insumo, consumo direto ou para lanamento depoluentes) e retarda o avano tecnolgico.

    Em suma, os subsdios no parecem se aplicar como instrumento duradouro,embora por questes estratgicas possam ser aplicados ocasional e tempo-rariamente.

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    6 - CONSIDERAES FINAIS

    A proposta de tributao ambiental aprovada no substitutivo da reforma tributriaintroduzir definitivamente o princpio do poluidor/usurio pagador no CaptuloTributrio da Constituio Federal.

    Esta proposta cria uma contribuio ambiental que poder ser aplicada toda vezque os nveis agregados de poluio ou uso dos recursos naturais estiverem acimado previsto na legislao ambiental. Dessa forma, o regulador ambiental, alm dosatuais instrumentos de controle disponveis, ter a seu alcance este novoinstrumento econmico. Atuando via tributao, alterando os preos dadegradao e estimulando a custo-efetividade do controle ambiental, espera-se queo atendimento das metas ambientais seja realizado a custos sociais menores.

    A contribuio ambiental proposta no prioriza a gerao de receitas fiscais, mascria incentivos a prticas mais eficientes de controle ambiental. Todavia, suaaplicao criar uma receita que poder ser usada tanto para fins sociais comotambm para reduzir a carga fiscal de outro tributo. Quer dizer, a contribuio temo potencial de gerar dois bnus: um de melhorar a qualidade ambiental e outro dediminuir o impacto da carga fiscal.

    Inmeras so as possibilidades de sua aplicao para ajudar na soluo dosproblemas ambientais no pas. Desde uma contribuio paga devido ao uso demadeira de floresta nativa, que varia de acordo com a prtica de manejo adotadana extrao, at uma contribuio incidente sobre combustveis variando deacordo com seu potencial poluidor.

    Sua aplicao ser tambm apropriada em casos mais localizados, onde, porexemplo, se atinja uma concentrao total de poluentes ou de nvel de uso acimado desejado, embora todas as atividades estejam devidamente licenciadas.Portanto, a contribuio seria aplicada para incentivar redues individuais maissignificativas das fontes emissoras e/ou usurias que contribussem para atingirnveis agregados mais satisfatrios.

    Seja qual for o objeto da sua aplicao, a sua regulamentao ter de ser discutidaem profundidade, analisando detalhadamente todos os aspectos econmicos eambientais que aqui foram indicados de forma que a tributao ambiental sejarealmente eficiente e gere os benefcios sociais esperados. Essa nova etapa,contudo, s poder ser iniciada com o entendimento e aceitao do princpio datributao ambiental no Captulo Tributrio da Constituio Federal.

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