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E MAIS O CALOTE NOS CRÉDITOS DE ICMS REFORMA TRIBUTÁRIA CRESCE A CHANCE DE UM ACORDO Ano 7 nº 75 maio 2007 ENTREVISTA RICHARD WHITELEY: A INDÚSTRIA DEVE SER EFICIENTE NA VENDA DE SERVIÇOS O CAMINHO PARA A CHINA

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E MAIS

O CALOTE NOS CRÉDITOS DE ICMS

REFORMA TRIBUTÁRIACRESCE A CHANCE DE UM ACORDO

Ano 7nº 75maio2007

ENTREVISTA RICHARD WHITELEY: A INDÚSTRIA DEVE SER EFICIENTE NA VENDA DE SERVIÇOS

O CAMINHO PARA A CHINA

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www.cni.org.brDIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE);Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio GouvêaVieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José deFreitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures(PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), JorgeParente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis BenevidesGadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI);1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO);2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL);1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT);2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza FlexaRibeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge MachadoMendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Pradode Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), JoãoFrancisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio AndréGuareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), FranciscoRenan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco(SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio deBorges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCALTitulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC);Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP),Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL

ISSN 1519-7913Revista mensal do Sistema IndústriaDiretor executivo - Edgar LisboaDiretor institucional - Marcos Trindade

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

e Gerência de Jornalismo da UNICOMSBN Quadra 1, Bloco C, 14º andar Brasília - DF - CEP 70040-903 Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550e-mail: [email protected]ção IW Comunicações - Iris Walquiria Campos RedaçãoEditor: Paulo Silva Pinto Editor-assistente: Enio VieiraEditor de arte: Flávio CarvalhoRevisão: Shirlei NatalinePublicidade FSB ComunicaçõesMagno Trindade - [email protected] Visconde de Pirajá, 547 - Grupo 301Rio de Janeiro - RJ - CEP 22410-003 Tels.: (21) 2512.9920 / 3206.5061Gilvan Afonso - [email protected] Quadra 06 - Conj. A - Bloco C sala 322Brasília - DF - CEP 70316-109 Tel.: (61) 3039-8150Cel.: (61) 8447-8758Impressão - Gráfica CoronárioCAPA: FSB DESIGNAs opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

16 CapaHá sinais de entendimento em torno de uma Reforma Tributária que poderá simplificar impostos e acabar com a guerra fiscal entre os estados

22 TributaçãoExportadores não conseguem receber R$ 17 bilhões em créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)

28 NegóciosEmpresas brasileiras mostram as oportunidades e os obstáculos para fazer parcerias e ingressar no mercado chinês

32 JustiçaO Supremo Tribunal Federal acabou com a exigência de depósito prévio e o arrolamento de bens para empresas recorrerem de multas previdenciárias e tributárias

34 CongressoA CNI seleciona os projetos prioritários ao setor privado no Congresso Nacional para a retomada do crescimento econômico

40 HistóriaDocumentos que acabam de ser digitalizados permitem conhecer o planejamento da cidade de Salvador, a primeira capital do País

ARTIGO50 DANUZA LEÃO

As pessoas podem até controlar a irresistível vontade de fumar, mas certos pensamentos são incontroláveis

SEÇÕES6 LUPA

10 ENTREVISTAO consultor Richard Whiteley afirma que a indústria também é uma vendedora de serviços

26 INDICADORESValorização do real em relação ao dólar dificulta a recuperação do crescimento industrial

38 PONTO DE VISTAAntônio José de Moraes Souza fala dos entraves causados pela legislação ambiental, e Jorge Lins Freire defende investimentos para reduzir as desigualdades regionais

44 CULTURADocumentário rememora os 25 anos do filme Pixote, um dos primeiros a mostrar o abandono das crianças de rua

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MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 7

COMO OS SUÍÇOSA INDÚSTRIA BRASILEIRA PODERÁ CONCORRER NO MERCADO DE CHOCOLATES FINOS, LIDERADO PELOS PRODUTOS

suíços e belgas. Em maio deste ano será inaugurada a primeira unidade de beneficiamento da massa fina de cacau (fine flavour), utilizada na produção de chocolate gourmet. Em pequena escala e competitiva,a fábrica será em Itamaraju, no sul da Bahia, e terá gestão por cooperativa. A unidade beneficiará deimediato a Associação dos Produtores de Cacau do Extremo Sul da Bahia, com 180 associados, e aCooperativa Regional da Agricultura Familiar Agroecológica do Entorno do Descobrimento, com 48 produtores. A iniciativa é fruto de projeto do Ministério da Integração, em parceria com o IEL e a Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável da Mesorregião dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (Mesovales). De acordo com André Balbi, consultor do IEL, a unidade chega em boa hora por dois motivos: o País recentemente alcançou padrão de produção de alta qualidade e há intensademanda por chocolate gourmet no mercado internacional.

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SELEÇÃO MUSICALQUE TAL OBTER INDICAÇÕES DE MÚSICAS DE ACORDO

com seu estilo pela internet? É possível fazer issode graça por meio da ferramenta online Pandora(www.pandora.com), desenvolvida por um grupode músicos e técnicos que integram o ProjetoGenoma da Música. A partir de informações deuma obra dada como referência pelo internauta, a ferramenta pesquisa uma base de dados commais de 10 mil artistas diferentes, mapeadosdetalhadamente pelo grupo, e monta uma rádioexclusiva, por similaridade. É possível refinar aseleção de músicas tocadas, simplesmente dizendoao sistema se você gosta ou não da sugestão.

ATLAS DECOMPETITIVIDADE A FIESP LANÇOU EM ABRIL O

Atlas da Competitividade daIndústria Paulista, em parceriacom a Secretaria deDesenvolvimento da Indústria do Estado de São Paulo.A publicação eletrônica reúnemais de dois mil mapas comanálises detalhadas dos 645municípios, 48 setores daeconomia, 287 classes de produtose 123 sindicatos do estado. É possível ao usuário identificar a distribuição dos setores e aparticipação de cada região, de modo a avaliar e priorizarações. O atlas pode ser acessadogratuitamente pela internet(www.seade.gov.br/projetos/fiesp).

TECNOLOGIA APLICADAO CONVÊNIO QUE A CNI, A UNIVERSIDADE FEDERAL

de Pernambuco (UFPE) e o IEL do estado firmaramcom a Universidade de Tecnologia de Compiègne(UTC), na França, para promover a inovação naindústria, está trazendo tecnologia para o Pólo Médicodo Recife. Graças ao convênio, um ergômetro –aparelho para avaliar o comportamento muscular e aatividade neuromecânica – da UTC será adaptado parautilização no estudo de respostas musculares de criançasbrasileiras nos municípios vizinhos ao Recife. Segundo osuperintendente do IEL-PE, Ayalla Gitirana, oconvênio permite o intercâmbio de experiênciasacadêmicas, científicas e tecnológicas.

MISSÃO DO VESTUÁRIOA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA TÊXTIL

e de Confeccionados (Abit) e a Agência de Promoção deExportações (Apex-Brasil) estão organizando, de 13 a 19 de junho,

uma missão para empresas do setor de vestuário. O custo paraparticipar é de US$ 1.000,00 para Associados da Abit e de

US$ 1.400 para os não-associados, além de despesas dehospedagem e passagem aérea. A inscrição inclui suporte

operacional, consultoria para produtos, estande e participação emcatálogo promocional. A missão faz parte do programa TexBrasil,

parceria entre as duas entidades que têm como objetivo duplicar asexportações das confecções nacionais em cinco anos.

VISTOS PARA OS ESTADOS UNIDOSUMA PARCERIA DA CÂMARA AMERICANA DE COMÉRCIO

(Amcham) com o consulado dos Estados Unidos em SãoPaulo vai facilitar a emissão de vistos de negócios paraatender às empresas que enviam funcionários para os

Estados Unidos. Dentro do Corporate Visa Program, aAmcham vai gerenciar o agendamento de entrevistas de

funcionários de empresas no consulado, o que vaipermitir a realização de mais entrevistas por dia.

Inicialmente, o programa atenderá a 80 empresascadastradas no consulado, mas a idéia é que em três

meses o programa seja aberto para outras empresas. Maisinformações com a Amcham, pelo telefone 30116000.

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 9MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

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8 INDÚSTRIA BRASILEIRA

JOVENS AMBIENTALISTAS O PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO

Ambiente (Pnuma) e a indústria química Bayerescolherão quatro estudantes brasileiros para umencontro mundial na Alemanha, em novembrodeste ano. Criado em 1996, o programa BayerJovens Embaixadores Ambientais selecionatrabalhos de 80 estudantes, entre 18 e 25 anos, de vários países. Os projetos devem trazercontribuições para o desenvolvimento sustentávellocal, em qualquer região do País – os melhoresreceberão prêmios em dinheiro na Alemanha. No ano passado, foram escolhidos trabalhos comoa criação da primeira reserva ambiental urbana no Brasil, em Curitiba. As inscrições podem serfeitas até o dia 3 de setembro pela internet(www.byee.com.br).

Cartas à revista contendo comentários ousugestões de reportagens podem ser enviadaspara SHS Quadra 6 - Bloco E, conjunto A sala 713,Brasília DF, CEP 70322-915, ou para o endereçoeletrônico: [email protected]

CARTAS“A revista Indústria Brasileira é arduamen-te disputada na Biblioteca da Univer-sidade Católica de Pelotas (Ucpel), pelosalunos de Economia, Administração,Ciências Contábeis e Comunicação.”

Samir Curi Hallal, Pelotas (RS)

RECICLAGEM DE PNEUSA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA DE PNEUMÁTICOS

(Anip) criou em março uma outra entidade, a Reciclanip,para tratar exclusivamente de pneus usados. O programa de coleta de pneus para reciclagem existe desde 1999.“Ameta é agora desenvolver expertise em pós-consumo,separando as atividades industriais e as de reciclagem”, diz o diretor-geral da Anip, Vilien Soares. Hoje, a entidademantém em 21 estados, 220 centros de recepção de pneususados, chamados Ecopontos, que podem chegar a 270 atéo final de 2007. Os brasileiros trocam 26 milhões de pneus por ano, e 50% disso vai para recauchutagem, oque permite a reutilização em veículos. Outro destino é atrituração que gera resíduos para combustível de fábricas decimentos, asfalto-borracha, tapetes de carros e confecção desolas de sapato. A Reciclanip tem parceria com 45 empresase pretende gerar 900 empregos indiretos.

IEL EM SÃO PAULOO IEL ANUNCIOU NO ÚLTIMO DIA 24 A INSTALAÇÃO

de seu primeiro escritório de representação em São Paulo. A unidade, localizada na Fiesp, vai apoiariniciativas de inovação e capacitação que terão comofoco a indústria paulista. Atualmente, o IEL contacom 90 unidades em todo o Brasil. "Este é um marcoimportante porque representa a consolidação da entidade, que agora tem presença em todos osestados brasileiros. Além disso, fortalece ainda mais aparceria com a Fiesp, garantindo a ampliação dosprogramas que estão sendo trabalhados, como acapacitação empresarial, desenvolvimento desindicatos, arranjos produtivos locais e inovação”, dizo superintendente do IEL, Carlos Roberto RochaCavalcante. Em São Paulo, apesar de ser a primeiraunidade fisicamente instalada, a entidade já conta comprojetos em andamento em conjunto com parceiroscomo a Fiesp, CNI e Associação Brasileira daIndústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Exemplosdesses projetos são o Empreende Cultura, o Programade Eficiência Energética em Transformadores deDistribuição, os programas de educação executiva, oPrograma de Qualificação de Fornecedores e o depropriedade intelectual.

ACORDO AUTOMOTIVOBRASILEIROS E URUGUAIOS FECHARAM NO FINAL DE MARÇO OS TERMOS

do acordo automotivo entre os dois países que valerá até julho de2008. Foram mantidas as cotas de exportação de 6.500 automóveise veículos comerciais leves sem Imposto de Importação do Brasilpara o Uruguai. O limite anual de exportação dos uruguaios para o Brasil ficou em 20 mil automóveis leves. Foi decidido tambémque, a partir de 1º de julho de 2007, o Comitê AutomotivoBilateral estudará bimestralmente as condições do comérciobilateral e os investimentos no Uruguai.

ALUNO DESTAQUE UM BRAÇO MECÂNICO ARTICULADO, QUE SERVE

para apanhar e movimentar objetos, foi inventadopelo estudante capixaba Valquiarley Arpini, alunodo SENAI de Colatina. Ele recebeu o destaquenacional na Feira Brasileira de Ciência eEngenharia (Febrace), realizada em março naUniversidade de São Paulo (USP). A invenção,nomeada de Sputnik, conquistou o 2º lugar nacategoria Júri Popular, competindo com 200outros projetos. O estudante, acompanhado pelosinstrutores Moacir Maffioletti e Natanael Barbosa,ganhou, além da medalha de prata, um kit daLego de Robótica para desenvolvimento de atividades na área e uma assinatura da revistaMecatrônica. A feira teve participantes de 25estados e recebeu cerca de 10 mil visitantes.

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Para vencer na competição global, não basta fazer o melhorproduto: é preciso entregá-lo ao consumidor de forma atenciosa e criativa

POR PAULO SILVA PINTO E ENIO VIEIRA

COM UM DIPLOMA DE LITERATURA NA MÃO, RICHARD WHITELEY EMBARCOU NUM NAVIO.Não para conhecer o mundo e sim para servir na Marinha norte-americana durantetrês anos. Acabou ganhando um curso intensivo de liderança: mesmo sem entenderde tecnologia, tornou-se oficial-engenheiro. De lá foi para a Universidade Harvardfazer pós-graduação em administração de empresas.

Nas últimas três décadas, ele tem se dedicado a descobrir o que leva as empresasao sucesso – e a contar isso pelo mundo. Como consultor, já passou por 27 países, efalou para executivos de aproximadamente 300 empresas. Whiteley explica que ahumildade está por trás da eficiência. Não basta fazer um bom produto, é necessárioservir o consumidor de forma atenciosa e criativa, algo que os Estados Unidos sóaprenderam na década passada.

Ele argumenta que a humildade também vale cada vez mais nas carreiras,principalmente para atingir postos de comando. Acabou-se o tempo em que os melhoreslíderes tinham egos gigantescos. Hoje, conta o talento para disseminar na empresa aimportância da cooperação. Sem a visão de que há um objetivo comum a todos, umcolaborador vê o outro como competidor e tende a minar boas idéias e boas práticas.

No mês passado, Whiteley esteve no Brasil para uma palestra aos executivos doSistema Indústria – formado pela CNI, SENAI, IEL e Federações de Indústrias.Antes do encontro, ele concedeu a Indústria Brasileira a entrevista que está naspróximas páginas.

Indústria é serviço

RICHARD WHITELEY

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ENTREVISTA

10 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 1312 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

Indústria Brasileira – Parece bastante óbvio que as empre-sas devam ter foco no consumidor. Por que o senhor escre-veu um livro sobre o tema no início da década de 1990?Richard Whiteley – É engraçadocomo esse livro tocou num nervoexposto nos Estados Unidos. Aautoconfiança estava em falta,por conta da concorrência com oJapão. Parecia que depois daTerceira Guerra Mundial tudoseria Made in Japan (risos). Tom Peters (especialistaem administração de empresas) escreveu um livroque era basicamente para dizer “Nós podemos fazerbem feito nos Estados Unidos”. O meu livro foimais para chamar a atenção para o fato de que osserviços não estavam no nível que deveriam estar etínhamos de corrigir o problema. O mundo estavaficando mais competitivo, porque havia se tornadomais global. Antes, era apenas transnacional oumultinacional. Aqui no Brasil, a competição tam-bém estava aumentando com as privatizações e aredução das barreiras de importação. A arena eco-nômica se transferia para o mercado.

IB – E o que mudou depois de uma década e meia?RW – As expectativas dos consumidores crescerambastante. Muitas empresas passaram a fazer um exce-lente trabalho de servir a esse consumidor mais exigen-te. Em determinado momento aqui no Brasil, as com-panhias aéreas estavam nessa situação, com serviço declasse mundial mesmo em vôos regionais. Não sei

também estão se saindo bem, cada vez melhor. Mas asgrandes montadoras norte-americanas estão mal. Têmos mesmos velhos problemas de sempre, relacionadosao gigantismo. Não se compartilham informaçõesdentro da organização, entre diferentes segmentos. ASaturn, uma divisão da GM, criada especialmentepara competir com os japoneses, foi um enorme suces-so. Mas a GM nunca incorporou as lições dessa expe-riência ao restante da empresa.

IB – Por que a informação não flui nas montadoras?RW – Na década de 1970, minha empresa fez umapesquisa sobre influência, que é a capacidade de atuarlateralmente, de conseguir resultados de pessoas quenão são seus subordinados. A chave é visão, que aempresa deve proporcionar aos funcionários. É algomaior do que eu e você a que nós devemos chegar epara isso temos de compartilhar poder e informação.Se não temos visão, competiremos um contra o outro.

IB – Por que há uma tendência à falta de cooperação?RW – Um dos maiores desperdícios em empresas egovernos, na minha avaliação, é o ego. As pessoasocupam mais tempo com seu poder e como subirdegraus na carreira do que com a própria empresa.É muito freqüente as pessoas reterem informaçãoque seria útil aos outros.

IB – O problema da falta de fluidez de informações é res-trito às montadoras?RW – Não, isso é um grande problema das empresasnorte-americanas. É algo frustrante, resultado, emgeral, do gigantismo. Não é o caso de todas as empre-sas, claro. Há uma grande companhia têxtil no sul dosEstados Unidos com unidades em vários países quenão é assim. Um dos diretores da empresa me expli-cou que uma grande vantagem comparativa deles éque se descobrem um processo mais eficiente na uni-dade da França, em uma semana estará implantado láe também nas unidades da Austrália, do Japão etc.Eles conseguiram ter um processo pelo qual a infor-mação circula. Mas não é só isso. A grande coisa defato é que a pessoa na outra ponta da informação pôso seu ego de lado e aceita usá-la. Em organizações deoutro tipo a idéia é: se você inventou, eu não vou usar,

nem que seja uma grande inovação. O fenômeno tematé uma sigla NIH (not invented here). No fundo, ésempre uma questão de ego. Isso ocorre em grandesempresas. Também ocorre bastante no governo.

IB – Mas há empresas de sucesso que também têm pes-soas com ego forte. O que elas fazem diferente?RW – Esse é cada vez menos o caso das empresasde sucesso. No passado havia muitos exemplos,como Lee Iacocca (presidente da Chrysler nos anos1980). O que me pergunto hoje quando vejo umlíder egocêntrico é por quanto tempo ele vai con-seguir liderar. Há muita pesquisa e muitos livrossugerindo que a humildade tem papel fundamen-tal na liderança. Eu defendo isso. Aliás, eu já vejoos resultados.

IB – Voltando aos setores com desempenho ruim, quaissão os piores?RW – As que mais apanham são as companhiasaéreas, um alvo fácil.

IB – Por que, se há tanta competição nesse setor?RW – É verdade que é muito difícil ganhar um dólarnessa atividade. Mas o fato é que as companhiasaéreas não fazem um bom trabalho. Para falar deoutros setores, há o varejo, que tem altos e baixos:algumas empresas são muito competentes e outras,terríveis. Quando você entra numa loja e os vendedo-res ficam conversando distraidamente entre si em vezde lhe atender, a primeira reação é reclamar com eles.Mas na verdade isso é sintoma de um problemagerencial. Precisamente em 85% das situações o pro-blema de atendimento não é da pessoa que está dian-te do consumidor, que não foi treinada corretamente,mas da organização. É um problema de liderança.

como estão atualmente. Tive uma experiência péssimahoje, mas não quero julgar o setor aéreo brasileiro ape-nas por um vôo. A lógica do aumento da qualidade éque quando uma empresa passa a levar a sério a quali-dade, pressiona as outras. E não só de seu setor denegócios, porque a expectativa geral do consumidorsobe. As pessoas vão a um banco e se irritam ao ficarna fila porque no Wal-Mart elas não tem isso. Outracoisa que se vê cada vez mais – e que eu tenho perce-bido no Brasil já há alguns anos – são grupos de defe-sa dos interesses do consumidor.

IB – Qual a influência da internet nesse processo?RW –Tem um impacto enorme. Nos Estados Unidos,70% das pessoas que compram um carro já pesquisa-ram na internet. Você tem um consumidor muitobem informado não só sobre o produto, mas sobre o

preço. E os consumi-dores trocam informa-ções em blogs, não pre-cisam sair por aí procu-rando alguém quetenha comprado umproduto semelhante.

IB – Quais os setores que estão se desempenhando bemnesse novo ambiente econômico?RW – As locadoras de carro fazem um bom trabalho.Estão constantemente procurando formas de inovar ede agradar os clientes. Eu desembarco do avião, vou aoescritório da empresa e meu nome está ali, no quadro.Fui a Phoenix na semana passada e quando cheguei aoescritório da Hertz, meu nome não estava lá. Eu disseisso no balcão e o atendente me respondeu: “Mil des-culpas, senhor, nós nos atrapalhamos. O seu carro nãoestá aqui, vamos ter de caminhar um pouco no esta-cionamento. Em compensação, vamos lhe dar US$100 de bônus para o próximo carro que alugar.” Pormim, eles podem esquecer o meu nome quantas vezesquiserem, se for para eu ganhar US$ 100. As segura-doras nos Estados Unidos também fazem um bomtrabalho no geral. São competentes para identificarnecessidades, para oferecer bons preços e, no caso dasmelhores, para pagar rapidamente o consumidorquando ocorre um sinistro. As montadoras japonesas

Dos que compram carronovo, 70% se informamantes pela internet

ENTREVISTA

Empresas de sucesso jáperceberam que comegos fortes não hácooperação

RICHARD WHITELEY

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Talvez possa fazer com compaixão e sensibilidade, demodo que se inicie em seguida um processo de cura,em vez de simplesmente cortar e sair andando. Umavez eu vi John Chambers (presidente da Cisco) numaentrevista na TV. Ele comentava que em outraempresa onde trabalhou teve de demitir cinco milpessoas. Ao contar isso, de repente ele começou achorar, em rede nacional de TV. Uma pessoa com

ego imenso não faria isso.

IB – Se tivesse de escolher ape-nas uma qualidade para umlíder, qual seria?RW – Essa é dura (pára meiominuto para pensar). Eu esco-lheria clareza.

IB – Por quê?RW – Eu acho que no mundo dos negócios hoje hámuitas oportunidades para as pessoas e as organiza-ções ficarem confusas. Um líder hoje tem de ter cla-reza sobre a dinâmica do mundo dos negócios eaonde quer levar sua empresa. E de como vai guiar aempresa naquela direção. Deve garantir que suaempresa seja clara. E que todos os indivíduos, até osque limpam o chão, entendam onde se encaixa o seutrabalho no caminho daquele objetivo. Clareza deobjetivos, clareza de missão.

INDÚSTRIA BRASILEIRA 1514 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

encontro são pessoas muito sensatas e inteligentes,mas estão sozinhos no processo. Há tantos recursosnaturais aqui, seria de esperar que a economia fossemais forte. Eu gostaria muito de ver o Brasilaumentar sua influência no mundo.

IB – O senhor passou três anos da Marinha. Isso influen-ciou sua carreira fora de lá mais tarde?RW – Influenciou muito. Eu servi em um naviopequeno, de 172 pés, que tinha apenas cinco ofi-ciais. Tornei-me oficial-engenheiro depois de duassemanas. Eu sou formado em letras, não entendonada de engenharia.

IB – Por que o escolheram?RW – Bom, a Marinha é assim. Havia ocorrido umainspeção geral de engenharia da frota e, de 33navios, o nosso estava na 31ª posição . A situação erahorrível. Quando eu saí do navio, e digo isso comhumildade, estávamos em primeiro lugar. De algummodo eu, que nada entendia de engenharia, atingi asmetas. Isso é simplesmente o resultado de liderança.Eu não sabia o que fazer tecnicamente, então eutinha de liderar. Foi uma grande lição para mim.

IB – O senhor tem estudadoxamanismo e até mesmo escreveulivros sobre isso. Qual a impor-tância da dimensão espiritualpara os executivos?RW – Eu acho que é muito gran-de. Quando digo espiritual, nãodigo religiosa. Eu digo simples-mente a consciência de que hámais do que o simples indivíduoé. Isso nos remete às questões do ego, da humildade.Um líder tem de ser um guerreiro, porque há com-petição, é verdade. Também tem de ser um rei ouuma rainha, estabelecendo regras em alguns casos.Não é o caso de eliminar isso: os arquétipos da lide-rança ainda valem. Mas talvez seja necessário ter acapacidade de curar também. Quando você tem decortar, numa tarde de sexta-feira, 20% de sua forçade trabalho, isso é um grande ferimento para aempresa. E há muitos modos de fazer esse corte.

IB – É possível comparar o desempenho do setor de ser-viços com o setor industrial em termos de atendimento aoconsumidor?RW – Em primeiro lugar, é preciso que as empresasindustriais percebam que também estão no setor deserviços. Há alguns anos a Motorola decidiu contabi-lizar em conjunto toda a receita que tinha com diver-sos tipos de serviços diferentes. Descobriu-se, então,que se a empresa estivesse no setor de serviços e nãode manufatura, ficaria em sétima posição nos EstadosUnidos pelo ranking da revista Fortune. Isso causougrande surpresa na empresa e demonstrou quemesmo sem saber, eles já estavam no setor de serviços.No caso da IBM, houve a opção de transformar-senuma empresa essencialmente de serviços. O maisimportante, porém, é que as empresas industriaisentendam que estão no setor de serviços, mesmo quese definam como manufatureiras.

IB – As indústrias estão se saindo bem como empresasde serviços?RW – Como no varejo, também nesse setor o desem-penho varia muito. Algumas empresas industriais têmum ótimo trabalho de atendimento ao consumidor,caso da IBM. Outras não dão muita atenção a isso. Hádois aspectos quando eu compro um produto: o queeu recebo e como eu recebo. Não adianta o fabricanteentregar o melhor produto do mundo com atraso naloja, porque isso vai fazer o comerciante perder clien-tes. É possível fazer uma fórmula em que valor é o quetodos querem, que é uma função de qualidade do pro-duto vezes a qualidade do serviço, sobre preço. É sim-ples: o que a gente recebe pelo que a gente paga.Mesmo sem escrever a fórmula, de modo inconscien-te é o que pensamos. Quanto mais o produto se pare-ce com uma commodity, mais importante é o compo-nente serviço.

IB – Qual parte do trabalho de uma empresa indus-trial é serviço?RW – Tudo começa com serviço. Descobrir o que oconsumidor precisa é serviço. Cada vez mais os produ-tos são customizados. A famosa frase “one size fits all”não vale mais, agora é “one size fits one”. Mas além doproduto em si, o consumidor tem outras necessidades:o prazo de entrega, financiamento etc. Garantia con-tra defeitos também é um aspecto de serviço, não deproduto. Se você não atinge as minhas expectativas, euvou buscar uma alternativa na próxima oportunidade.Se você atinge as minhas expectativas, eu estou satisfei-to. Mas satisfação não é uma emoção forte o suficien-te para sustentar sua vantagem competitiva. Satisfeitosignifica suficiente. Isso não elimina o concorrente. Oque você quer é ir além da expectativa, até aqueleponto em que consegue um rosto feliz. Consumidoresfelizes não vão te deixar. A questão é o que fazer paraexceder as expectativas. Isso é a grande questão paraquem trabalha com serviços, ainda que seja umaindústria manufatureira.

IB – É possível quantificar a participação dos serviçosnuma empresa industrial?RW – Isso varia muito conforme o produto. No casode uma turbina de avião da General Electric, porexemplo, algo que custa milhões de dólares, certa-mente a engenharia tem um peso maior do que oserviço. No caso de uma caneta é diferente. Mas euacho que é muito saudável para qualquer industrialse perguntar o que é o componente de serviço e oque é componente de manufatura no que ele faz, ecomo está se desempenhando em ambos.

IB – Quantas vezes o senhor já esteve no Brasil?RW – Dez vezes. A primeira foi em 1993.

IB – E qual sua impressão sobre as mudanças do Paísdesde sua primeira visita?RW – Os executivos estão ficando mais sofistica-dos. Mas eu ainda fico muito frustrado com opotencial no Brasil e o que de fato existe aqui. Éum grande País, mas alcança muito menos do quepoderia. Acho que isso tem muito a ver com a polí-tica. Os empresários e executivos com que eu

Satisfazer o consumidor não

significa conquistá-lo.É preciso deixá-lo feliz

Clareza é aqualidade maisimportante para

um líder

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CAPA

16 INDÚSTRIA BRASILEIRA

A reforma que se tornou imprescindívelGoverno federal negocia com estados e municípios proposta para simplificar o sistema de impostos, mas não garante redução da carga tributária

POR ENIO VIEIRA

OS IMPOSTOS BRASILEIROS VÊM TOMANDO O LUGAR DA TAXA DE JUROS NAS PESQUISAS DE

opinião como um dos principais fatores para o baixo crescimento econômico. O modelo detributos é considerado complexo, pouco transparente, caro e ineficiente. Para tentar mudaressa situação, o governo prepara um novo projeto de Reforma Tributária. A idéia é dimi-nuir de dez para seis o número de impostos federais, simplificando o pagamento para oscontribuintes, principalmente para as empresas, que gastam muito tempo e dinheiro comuma infinidade de regras e formulários. Também se discute a tributação no destino final,onde está o consumidor, o que acaba com o enorme acúmulo de créditos tributários dasempresas junto aos governos estaduais. A nova proposta deverá chegar ao CongressoNacional dentro de três meses.

Esta é a segunda tentativa de mudar o modelo de impostos na gestão do presidente LuizInácio Lula da Silva, que lançou um projeto em 2003 e recentemente desistiu de levá-loadiante. No governo Fernando Henrique Cardoso, o assunto já havia soçobrado.Parlamentares se esforçaram para aprovar, em 1999, uma reforma concebida pelo governoque foi afinal barrada pela própria equipe do Ministério da Fazenda, por conta do desvir-tuamento da proposta original. Parte das idéias desse texto de oito anos atrás constará nanova proposta que está sendo concebida. Desta vez, porém, apesar de resistências localiza-das, o resultado poderá ser diferente. A União se dispôs a ceder aos governos estaduais, e oMinistério da Fazenda está empenhado na criação de um novo sistema tributário.

Os técnicos da Fazenda pretendem criar tributos mais simples e eficientes para oambiente de competição global. Num primeiro momento, isso deve ocorrer sem alterar onível de receitas do setor público e sem levar à perda de arrecadação. O governo só aceitadiscutir despesas (e receitas) públicas depois que o novo modelo for instituído e se puderobservar os ganhos com o aumento da base de contribuintes. A CNI, porém, defende ainclusão dos gastos públicos na discussão da reforma para estancar a contínua elevação dadespesa e abrir espaço para reduzir a alta carga tributária.

O centro da proposta está no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) cobrado no consu-

INDÚSTRIA BRASILEIRA 17WWW.CNI.ORG.BRIMA

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 1918 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

mo e não na produção. O documentoCrescimento – a Visão da Indústria, da CNI, pro-pôs no ano passado a criação do IVA. OImposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços (ICMS), que existe hoje, é um tributode valor agregado. Incide isoladamente em cadaetapa da produção, evitando o acúmulo queocorre, por exemplo, no caso da ContribuiçãoProvisória sobre a Movimentação Financeira(CPMF), que é paga tantas vezes quantas foremas etapas de produção. Apesar dessa qualidade, oICMS traz o problema de ter a cobrança dividi-da entre a produção e o consumo. Além disso, sedescaracterizou com os inúmeros remendos fei-tos desde que surgiu em 1967. As regras diferemem cada uma das 27 unidades da Federação epermitem a disputa entre os governos estaduaispor atração de investimentos, por meio de des-contos no imposto.

“O principal problema hoje é a guerra fiscalentre os estados. Esse mecanismo está caindo demaduro”, diz o secretário de Política Econômica daFazenda, Bernard Appy, encarregado pelos estudose pelas negociações da Reforma Tributária.Segundo ele, os estados abrem mão atualmente deR$ 25 bilhões ao ano de arrecadação por conta daguerra fiscal. Essa disputa tem chegado aoSupremo Tribunal Federal (STF), que vem dandosentenças contra os incentivos e aumentando aincerteza dos investimentos já realizados.

De acordo com o projeto da Fazenda, acobrança do imposto passa a ser no consumo deum bem ou serviço. Assim, retiram-se os tributosincidentes nas exportações e desfaz-se o confusosistema de créditos tributários nos estados (vejareportagem na página 22). O IVA terá duasfatias: uma do estado e outra da União. Nos esta-dos, o IVA substitui o ICMS e fecha a porta paraos incentivos fiscais, porque acaba a possibilidadede isentar a cobrança na origem em troca da ins-talação do negócio em determinado lugar.Ficarão ainda com os estados os tributos de veí-culos (IPVA) e sobre a herança.

A mudança no governo federal será na direçãode fundir tributos. O IVA da União juntará oImposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a

COMO SE FOSSE RICO

12,5

Contribuição para o Financiamento daSeguridade (Cofins), o Programa de IntegraçãoSocial (PIS) e a Contribuição sobre o DomínioEconômico (Cide). Na proposta de reforma, aUnião permanece com Imposto de Renda (IR), aCPMF e os impostos sobre Importação (II),Operações Financeiras (IOF) e Territorial Rural(ITR). Quanto às prefeituras, existe a possibilida-de de juntar o Imposto sobre Serviços (ISS), queé municipal, ao IVA estadual.

O IVA federal será repartido com estados emunicípios. O motivo para essa divisão é que aConstituição obriga a União a transferir aosgovernos regionais uma parte do IPI (que faráparte do IVA) e do imposto de renda. O asses-sor especial da Fazenda para a ReformaTributária, André Paiva, afirma que as alíquotasfuturas serão calibradas para evitar o aumentoindevido de receitas nas transferências constitu-cionais a estados e municípios. Segundo ele, oIVA federal e o estadual terão regulamentaçãoconjunta, bases iguais de arrecadação e alíquo-tas próprias. Os estados poderão definir quantocobrarão em seu IVA, porém dentro de parâme-tros nacionais.

A carga tributária do Brasil equivale à de países desenvolvidos (em % do PIB, em 2005)

19,7 25,8 25,926,3

28,531,2

33,738,3

39,842,8

49,951,4

O NÓ DAS VINCULAÇÕESA atual proposta da Reforma Tributária está deixando de fora

das negociações a questão dos gastos obrigatórios. Trata-se davinculação entre certos tributos e despesas na área social. ACPMF, por exemplo, foi criada para direcionar recursos à Saúde.O PIS/Cofins deve ser usado para a seguridade social. “Mas sefossemos aplicar todas as vinculações, daria mais de 100% doOrçamento. Isso virou ficção”, critica o economista MarceloNéri, diretor de Centro de Políticas Sociais da Fundação GetúlioVargas (FGV) do Rio.

Néri defende que os governos tenham mais liberdade paragastar esses recursos vinculados. Uma solução, segundo ele,seria a criação de metas de desempenho. Caso tenha, porexemplo, bons indicadores de educação, um município ficarialivre para aplicar uma parte da vinculação em outra área maiscarente de dinheiro. “É a agenda positiva de flexibilização dereceitas tributárias”, afirma o economista, que reconhece adificuldade política de se acabar com as vinculações.

Para Néri, as vinculações surgem com boas intenções, mascriam entraves ao setor público. O que se tem visto são medidassucessivas para os governos escaparem das vinculações. Umadessas soluções é a Desvinculação de Receitas da União (DRU),que permite o governo gastar livremente 20% dos recursosobtidos nas contribuições sociais. Foi um instrumento idêntico àDRU, o Fundo Social de Emergência, que o governo usou paraequilibrar as contas públicas na criação do Plano Real em 1994.

A mudança para o novo sistema não serárepentina. Na transição, o ICMS poderá sermantido por cinco anos. Em seguida, diz Paiva,haverá uma fase de seis a 12 anos com a migraçãoprogressiva para a cobrança no destino. O inter-valo possibilita que sejam cumpridos os contratosda guerra fiscal. O IVA federal poderia entrar emfuncionamento em dois ou três anos depois deaprovado. Esse tempo é necessário para votar leiscomplementares, definir procedimentos nos esta-dos, treinar os fiscais e ajustar sistemas eletrôni-cos. A informática será fundamental para implan-tação do modelo do IVA, em vista da necessida-de de realizar compensações e acertos de contasentre a União e os estados.

Como se trata de um imposto de valor agre-gado, o IVA é calculado em cada etapa, da produ-ção ao consumo. As empresas vão gerar débitos ecréditos de IVA, tanto em nível federal comoestadual. Isso já foi visto como uma grande com-plicação, mas não é mais o caso. Surgiram nosúltimos anos a nota fiscal eletrônica e o sistemapúblico de escrituração digital. O primeiro regis-tra as transações, e o segundo permite acesso aosdados contábeis das empresas. “Esses sistemas

CAPA

Cingapura

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Estados Unidos

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África do Sul

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A OBRIGATORIEDADE DEGASTOS com educação,não assegura qualidade

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jeto muito semelhante de IVA com cobrança noconsumo no primeiro governo FernandoHenrique Cardoso. A proposta enfrentou resis-tências do Ministério da Fazenda, que optou peloaumento das contribuições sociais (PIS, Cofins,CPMF). A partir de 2003, o ex-governador pau-lista Geraldo Alckmin seguiu os pareceres de téc-nicos que criticavam a proposta do ICMS no des-tino, sob alegação de que São Paulo perderá recei-tas. Por conta disso, não avançou qualquer discus-são de reforma nos primeiros quatro anos de Lula.

Os representantes dos prefeitos estão bastantecéticos com relação à Reforma Tributária. Para eles,o essencial é ajustar o chamado pacto federativo.“O Orçamento da União não conversa com oorçamento dos municípios, que recebem obriga-ções e não têm dinheiro para executar políticaspúblicas”, nota o presidente da ConfederaçãoNacional dos Municípios (CNM), PauloZulkoski. Dos 5.500 municípios brasileiros, 2.000não possuem qualquer estrutura de arrecadação deimpostos. Resultado: vivem graças a repasses daUnião. Em abril, mais uma vez as prefeituraspressionaram e conseguiram que a União aumen-tasse em R$ 1,5 bilhão o repasse anual.

públicas, algo que não vem ocorrendo nas atuaisnegociações. Em seguida, o modelo tem que sermais simples e claro para o contribuinte. Por últi-mo, segundo ele, é fundamental que a carga tri-butária não se eleve quando o governo definir asalíquotas do IVA. “Quando começou o debate daReforma Tributária há mais dez anos, a carga tri-butária era de 24% do PIB (Produto InternoBruto). O governo dizia que não poderia haveraumento, e a carga é hoje de 37%”, ressalta o eco-nomista da CNI.

APOIO POLÍTICOO grande teste para a reforma será nas negocia-ções políticas antes e depois de a proposta che-gar ao Congresso Nacional. O risco é fazer con-cessões que desvirtuem o projeto, como ocorreuem 1999. “Para que isso não aconteça, o êxitoda reforma dependerá muito da liderança daFazenda”, assinala o economista Maílson daNóbrega, ex-ministro da Fazenda. Para ele, aproposta atual tem tudo para prosperar, pois ascondições são melhores que no primeiro man-dato do presidente Lula. “Naquele projeto de2003, o governo errou e fez um projeto sem dis-cussão técnica com os estados. Também se equi-vocou na escolha do relator na Câmara dosDeputados”, acrescenta.

Os governos estaduais aceitam a criação doIVA. A preocupação é o que fazer com os incen-tivos fiscais já concedidos. O governo federal pro-meteu entregar em 15 de maio uma proposta dePolítica de Desenvolvimento Regional para subs-tituir a guerra fiscal. Uma idéia é aperfeiçoar osfundos constitucionais já existentes e aplicadosem projetos nas regiões Norte, Nordeste eCentro-Oeste. “A reforma não avança se a Uniãonão der um instrumento de política regional eque substitua os incentivos dados com ICMS”,diz Lina Vieira, secretária de Fazenda do RioGrande do Norte e coordenadora do ConselhoNacional de Política Fazendária (Confaz), quereúne secretários estaduais.

Segundo Maílson de Nóbrega, um aliadoimportante da Reforma Tributária é o governadorde São Paulo, José Serra. Ele apadrinhou um pro-

INDÚSTRIA BRASILEIRA 21WWW.CNI.ORG.BR

O PREÇO DO ESTADO

2002 2003 2004 2005 2006

O contribuinte brasileiro paga mais impostos a cadaano (em % do PIB)*

2001200019991998199719961995

24,527,1 27,5 27,2

30,4 31,3 32,4 32,0 32,6 33,7 34,2

O que o governo propõe na Reforma Tributária• Busca de eficiência e simplicidade dos tributos,

sem alterar a arrecadação• Criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) repartido

entre União e estados• Cobrança do IVA no destino (consumo) e não mais na

origem (produção)• Fim da guerra fiscal entre os governos estaduais que ocorre

com isenções da tributação no destino• Eliminação do Impostos sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS) pelo IVA estadual • Eliminação de dez tributos federais: IPI, PIS, Cofins e Cide

no IVA federal• Manutenção da Contribuição Provisória sobre Movimentação

Financeira (CPMF)• Transformação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas

(IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)num só tributo

a arrecadação das contribuições que são cobra-das em cada etapa de uma cadeia produtiva –portanto mais prejudiciais quanto mais sofisti-cados são os produtos.

A CPMF é a principal das contribuiçõessociais, com alíquota de 0,38% cobrada em cadatransação financeira e arrecadação de R$ 32bilhões por ano. Surgiu há dez anos como oimposto do cheque, que deveria ser provisório ebancar os gastos da Saúde, e vem sendo renovadaseguidamente de tempos em tempos. Neste ano,termina mais um prazo de vigência, e o governopretende estender o tributo até 2011. Para ate-nuar as críticas e resistências da sociedade, oMinistério da Fazenda estuda atualmente zerar aCPMF nos empréstimos bancários.

“O sistema tributário foi se desvirtuando, e acarga tributária subiu para cobrir o déficit públi-co a partir do Plano Real”, explica o gerente-exe-cutivo da Unidade de Política Econômica daCNI, Flávio Castelo Branco. Segundo ele, aReforma Tributária virou um tema recorrenteapós a Constituinte de 1988, mas nunca prospe-rou. Em 1993, a revisão constitucional previa amudança nos impostos, o que não aconteceu.Desde os primeiros debates para uma reforma,em 1995, o governo criou a CPMF e aumentouo peso das contribuições sociais na arrecadação.Para complicar o quadro, as isenções de ICMSpassaram a ser usadas como incentivo para atra-ção de investimentos.

Castelo Branco afirma que a ReformaTributária deve se nortear por alguns princípios.Primeiro, a discussão deve incluir as despesas

25,8

viabilizam o IVA e permitem saber qual o realimpacto de uma alíquota no dia-a-dia das empre-sas”, observa Paiva.

Outra mudança em análise pela Fazenda éjuntar o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica(IRPJ) e a Contribuição Social sobre o LucroLíquido (CSLL). As empresas pagam os dois tri-butos em guias separadas, o que gera custos adi-cionais. A CNI vem sugerindo a fusão. O gover-no usou a CSLL e as demais contribuiçõessociais na última década para elevar sua arreca-dação, porque esses tributos ficam de fora dapartilha com estados e municípios. O sistematributário do Brasil sofre de uma distorção coma dualidade, criada pela Constituinte de 1988,entre impostos, que devem ser compartilhados,e contribuições sociais, direcionados só à União.A partir de então, o governo federal tem elevado

CAPA

* O VALOR DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) SEGUE A NOVA METODOLOGIA DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). COMO HOUVE UMA

ELEVAÇÃO DO VALOR DO PIB, O INDICADOR DE CARGA TRIBUTÁRIA APRESENTOU UM RECUO EM COMPARAÇÃO AOS CÁLCULOS ANTERIORES. A CARGA DE 2006,

POR EXEMPLO, FOI REVISADA E CAIU DE 38,4% PARA 34,2%. FONTE: ELABORAÇÃO DO ECONOMISTA AMIR KHAIR.

APPY,COORDENADORda ReformaTributária: "guerrafiscal não sesustenta mais"

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recusam a devolver à empresa o imposto que foipago a um estado vizinho. As empresas não têm odireito de cobrar diretamente o governo no qual oimposto foi pago.

O governo federal está atento ao problema esabe dos efeitos no dia-a-dia das empresas. Em suaprimeira semana no cargo, o novo ministro doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior(MDIC), Miguel Jorge, defendeu que se encontreuma solução para os créditos que as empresas nãoconseguem receber dos estados. Segundo ele,pagar os créditos seria uma medida mais efetiva doque a adoção de mecanismos para elevar a cotaçãodo dólar, cuja valorização prejudica setores comode têxteis e calçados nas vendas externas. As con-seqüências do acúmulo de créditos já são notadasnas indústrias química, automobilística e de papele celulose.

A Associação Brasileira da Indústria Química(Abiquim) calculou que o setor tinha um estoque deUS$ 1 bilhão de créditos retidos em setembro de2007. São casos de indústrias que compram insu-mos no estado de São Paulo, por exemplo, e expor-tam pelos pólos petroquímicos da Bahia, RioGrande do Sul e Rio de Janeiro. Esses três estadosconcentram débitos de ICMS com o setor químico.O vice-presidente executivo da entidade, GuilhermeDuque Estrada, diz que as empresas químicas con-seguem ao menos, de forma limitada, fazer a com-pensação dos créditos nas vendas no mercado inter-no. Quem produz em São Paulo tem condições devender para indústrias no mesmo estado.

RESTRIÇÕES DENTRO DOS ESTADOS“Os governos estaduais começam a imporlimites na compensação até mesmo da vendainterna, dentro do próprio estado onde foiproduzida a matéria-prima”, afirma DuqueEstrada. Para ele, uma solução natural seria ocorte de despesas nos governos estaduais parao pagamento dos créditos. O caso do ICMSse assemelha ao dos precatórios que são dívi-das judiciais e os estados não reconhecem

INDÚSTRIA BRASILEIRA 23WWW.CNI.ORG.BR22 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007

TRIBUTAÇÃO

A IDÉIA INICIAL ERA SER UM ALÍVIO PARA BARATEAR

os custos de exportações, mas se tornou uma falá-cia para as empresas. Hoje os exportadores têm areceber cerca de R$ 17 bilhões de créditos doImposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços (ICMS), o principal tributo estadual.Sem solução para o problema, a conta não pára deaumentar: são R$ 2 bilhões a mais a cada ano. AConstituição e a Lei Kandir determinam que osprodutos exportados são isentos de ICMS. Aocomprar matérias-primas, portanto, a empresatem direito a receber o imposto que já foi pagopelo fornecedor. Muitas vezes, porém, isso depen-de de negociação entre as unidades da Federação. O que se tem visto é que os governos estaduais se

Calote para quem exportaCréditos tributários de exportação se acumulam nos governos estaduais, que dizem estar sem caixa para pagar os débitos

POR ENIO VIEIRA

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A INDÚSTRIAAUTOMOBILÍSTICA

é uma das quepagam mais ICMS

do que a lei manda

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como débito, chegando a protelar o paga-mento por décadas. “Existe a regra do ressar-cimento e não se cumpre. No final das con-tas, o descumprimento inibe o investimentoestrangeiro e as próprias exportações”, nota oexecutivo da Abiquim.

NOTA FISCAL ELETRÔNICAEm 2006, o Instituto de Estudos para oDesenvolvimento Industrial (Iedi), que reúneempresas industriais, formulou uma saída para oproblema por meio da securitização dos créditosde ICMS. Nesse mecanismo, as empresas emiti-riam títulos financeiros tendo os créditos tribu-tários de lastro e poderiam vender os papéis parao Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES). Tais soluções, noentanto, encontram resistências do governofederal, que se recusa a assumir compromissosfeitos pelos estados. Outra sugestão que também

enfrenta resistência pela mesma razão é compen-sar os créditos estaduais no pagamento deimpostos federais.

O gerente-executivo da Unidade de PolíticaEconômica da CNI, Flávio Castelo Branco, obser-va que o acúmulo de créditos é um dos efeitos per-versos do sistema tributário, em conseqüência de oICMS ter sua cobrança repartida entre a origem daprodução do bem e o destino do consumo. O pro-blema, diz ele, será resolvido com a cobrança deimposto no destino, conforme prevê a proposta deReforma Tributária (veja reportagem na página16). Segundo Castelo Branco, a solução de curtoprazo passa pela securitização do crédito. Assim, asempresas poderiam aceitar um deságio do valor aser recebido. Feito o acerto de contas, será necessá-ria uma regra de transição para que não se acumu-lem mais créditos.

Nessa fase de transição, dois instrumentosserão muito importantes. Um deles é a nota fiscaleletrônica, que rastreia as transações das mercado-rias entre as empresas. O segundo item é a escri-turação digital, que registra a contabilidade depessoas jurídicas. Dessa maneira, os Fiscos esta-duais terão condições de validar créditos tributá-rios. O assessor especial do Ministério da Fazendapara a Reforma Tributária, André Paiva, diz queesses sistemas já estão em implantação e podemfuncionar antes mesmo de qualquer mudançaconstitucional no modelo de impostos. Segundoele, porém, está afastada a hipótese de a Uniãoassumir ou federalizar os créditos estaduais.

Os governos estaduais, por sua vez, esperamuma medida salvadora por parte do Palácio doPlanalto. Baseiam-se em uma lei de 1989, não-regulamentada, como argumento de que o ressar-cimento do ICMS das exportações cabe ao gover-no federal. Eles estimam ter direito a receber R$ 18 bilhões neste ano, para repassar às empre-sas. O governo federal não reconhece integral-mente o direito, mas em parte sim. O Orçamentoda União prevê o reembolso de R$ 3,9 bilhõesneste ano na forma de ressarcimento aos estados.“Na situação financeira de hoje, um estado não

pode ressarcir créditos de ICMS de outros esta-dos”, diz Lina Vieira, coordenadora do ConselhoNacional de Política Fazendária (Confaz), quereúne os secretários estaduais de Fazenda. “Osestados, na verdade, não querem ser os interme-diários de créditos tributários. A União que faça acompensação diretamente junto às empresas.”

Antes de se tornarem isentas do ICMS, asexportações foram parcialmente desoneradas.Isso ocorreu por meio de uma lei de 1989,que baixou de 17% para 13% a alíquota doICMS na exportação e estabeleceu o ressarci-mento dessa diferença pela União. Essa leinão foi regulamentada. Mesmo assim, osgovernos estaduais afirmam que a regra vale.E mais que isso: o ressarcimento pela Uniãotambém deve valer para a isenção de ICMS

das exportações aprovada mais tarde. Em1996, a Lei Kandir trouxe a possibilidade decompensar o ICMS de matéria-prima do pro-duto a ser exportado. As empresas devemrequer o crédito na exportação, mas fica acargo de cada estado analisar se o crédito éválido ou não. Para o governo federal, a LeiKandir de fato estabelecia ressarcimentos aosestados, mas isso terminou no ano passado, enão há mais recursos a serem transferidos.

O governo de São Paulo encontrou no anopassado uma maneira de destravar os créditosacumulados de ICMS. As empresas podem usaros recursos caso invistam em novas instalaçõesno próprio estado. Existe também a permissãode que a conta de energia elétrica da empresaseja compensada com os créditos tributários.

24 INDÚSTRIA BRASILEIRA WWW.CNI.ORG.BRMAIO 2007 INDÚSTRIA BRASILEIRA 25

MIGUEL JORGEchegou à

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às empresas

GOVERNADORESCOM LULA:pressão para queo governo federalassuma créditos

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 2726 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

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lINTENSIFICAÇÃO DOCRESCIMENTO É LIMITADA

A SITUAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA

melhorou no primeiro trimestre do ano. Esseresultado, no entanto, não é percebido emtodo o setor produtivo. Na indústria, ocrescimento da produção é concentrado emum número reduzido de setores – comdestaque para os de alimentos e bebidas,álcool, máquinas e equipamentos, metalurgiae equipamentos de informática. Enquantoisso, a maior parte da indústria registraexpansão pequena ou até mesmo recuo. Essecrescimento concentrado é captado tanto nosdados de produção física do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)como nas vendas reais levantadas pela CNI.

A continuidade da forte demanda externapor produtos básicos e a perda de compe-titividade dos produtos manufaturadostradicionais com a valorização do câmbioexplicam o desempenho setorial heterogêneoda indústria. A expressiva valorização restringeo crescimento das exportações e estimula asubstituição de produtos nacionais porimportados, efeito percebido com mais nitideznos setores intensivos em mão-de-obra e quecompetem em mercados internacionalizados.

O processo de valorização intensificou-senos primeiros meses de 2007 – entredezembro último e a segunda semana de abrilo real valorizou-se 5,5% frente ao dólar. Avalorização se fundamenta, de um lado, noforte superávit comercial e, de outro, noexpressivo diferencial de juros entre o Brasil eo exterior. A taxa de juros no Brasil (Selic) é de12,5% ao ano, enquanto os juros básicosnorte-americanos, por exemplo, são de 5,25%

ao ano. A queda dos juros básicos é menor queo recuo no risco-país, o que mantém lucrativasas operações de arbitragem.

Um fato marcante deste início de ano é arevisão do valor e do ritmo de crescimentodo Produto Interno Bruto (PIB), fruto dosnovos procedimentos de cálculo do IBGE.Os novos dados mostram que o ritmo decrescimento dos últimos quatro anos foi, naverdade, um pouco mais intenso do que seimaginava. Mas os números não alteram odiagnóstico a respeito do fraco crescimentoeconômico, principalmente se comparadosaos das outras economias emergentes. Nossodesempenho continua limitado pela baixacapacidade de poupança – e, porconseguinte, pela taxa de investimento – epelo aumento continuado do gasto público.

A confiança na economia segue elevada,como mostra o Índice de Confiança doEmpresário Industrial (ICEI) levantado pelaCNI. Em abril, o indicador ficou em 59pontos, mesmo nível observado em janeiro.Ainda que não seja um valor recorde, sinalizapara a continuidade do processo decrescimento atual.

Em 2007, o PIB deve expandir-se 4,2%,sustentado basicamente pela demanda interna,que deverá crescer 5,8%. Parte expressiva dessamaior demanda interna será atendida porimportações. A contribuição líquida do setorexterno para o PIB será negativa. Diferen-temente de 2000 e 2004 – anos de fortecrescimento econômico –, a indústria não vailiderar o crescimento. Pelo contrário, crescerámenos que a média da economia.

EXTERNO

Flávio Castelo Branco, gerente-Executivo de Política Econômica da CNI

POR FLÁVIO CASTELO BRANCO

CONJUNTURA ECONÔMICA

Valorização do câmbio é a causa maior das dificuldades que a indústria enfrenta

ÍNDICE DE CONFIANÇA DO EMPRESÁRIO INDUSTRIAL

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(R$/US$)

Variação (%) acumulada em quatro trimestres, em relação aos quatro trimestres anteriores

350

300

250

200

150

2,40

2,30

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2,00

Taxa de Câmbio

jan.06 abr.06 jul.06 set.06 dez.06

Risco País

mar.07

abr.05 jul.05 out.05 jan.06 abr.06 jul.06 out.06 jan.07 abr.07

46

48

50

52

57,1

51,6

54,2

58,5

56,4

54,4

56,6

60,159,4

Os indicadores variam no intervalo de 0 a 100. Valores acima de 50 indicam empresários confiantes

média 2007

média 2006

média 2005

1,8

3,5

4,6

5,7

5,13,9

3,4

2,9 3,3 2,93,3

3,7

II III IV I II III IV I II III IV

2005 2006

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Ainda há algumas oportunidades de joint-ventures com empresas do país.Mas é preciso muito cuidado na escolha do parceiro e no acordo

POR GABRIELA WOLTHERS

Como entrar na China

A GLOBALIZAÇÃO EXIGE CADA VEZ MAIS A EXPANSÃO

das empresas para além dos limites territoriais de seuspaíses, obrigando-as a decifrar novos mercados e,mais que isso, novas culturas. Para correr um riscomenor de serem devoradas pela Esfinge contemporâ-nea, muitas optam por parcerias internacionais.Principalmente quando se trata de investir na Ásia,continente responsável por um quinto das exporta-ções mundiais, mas cujo modo de viver e de pensar émuito diferente do que existe no Brasil, ou mesmo naEuropa e nos Estados Unidos.

Especialistas concordam que as parcerias sãomesmo a melhor solução para ganhar o mercado asiá-tico, em especial o da China, cuja legislação passa poralterações freqüentes. Mas quais são os cuidados queas empresas devem tomar antes de firmar alianças?

A empresa paranaense Ricsen, fabricante de pro-dutos elétricos, tem alianças com a China desde 1992e atualmente acerta detalhes para firmar uma joint-venture com um fornecedor indiano. Ela aposta noplanejamento e na assistência jurídica. “A formação

INDÚSTRIA BRASILEIRA 29

de uma joint-venture pode ser tanto benéfica comoarriscada para as partes envolvidas”, afirma RaphaelRichter Senden, sócio e representante da paranaenseRicsen em Xangai, na China. “Benéficas porquepode se consolidar uma forte e saudável parceriaresultando em inúmeros benefícios para ambos.Arriscadas pela possível dependência de tecnologiaestrangeira, muitas vezes até ultrapassada, e o risco dese tornar 'descartável' uma vez que a empresa estran-geira tenha obtido todas as informações para possivel-mente atuar sozinha no mercado.”

Senden afirma que a melhor maneira de minimi-zar riscos é escolher bem os parceiros e amarrar oscontratos para prevenir situações que possam se tor-nar desfavoráveis no futuro. A Ricsen está na Chinadesde 1992 e hoje conta com uma carteira de mais de5.000 clientes para seus produtos, que incluem avia-mentos, pantufas, pelúcias, lâmpadas e relês.

Em se tratando de China, a consultoria KPMGdá outra dica: não transferir toda a produção para lá.Se uma empresa pretende abrir uma fábrica em terrí-tório chinês, o melhor é manter uma planta aqui paraatender ao mercado brasileiro e usar a base chinesapara crescer internacionalmente.

Essa também é a opinião de Thomaz AugustoGarcia Machado, presidente da ChinaInvestConsultoria Empresarial, que desde 1999 aproximaempresas brasileiras e chinesas. “O maior erro que asempresas fazem é fechar suas fábricas para produzirna China ou importar o produto chinês”, afirma.Para ele, o mais seguro é trazer componentes daChina e incorporá-los aos produtos brasileiros. “Comisso, o empresário consegue seu maior objetivo, que ébaixar o custo de produção, ficando mais competiti-vo interna e externamente, mas sem correr o risco deuma dependência excessiva.”

Senden e Machado foram dois dos 28 empresáriose executivos que participaram do primeiro curso, frutoda parceria do IEL com a Ásia Campus do EuropeanInstitute of Business Administration (Insead), umadas melhores escolas de negócios internacionais domundo. Ministrado em Cingapura entre os dias 15 e28 de março, o seminário tratou do desenvolvimentode negócios com o mercado asiático. “Os cursos sãomuito pragmáticos”, afirma o superintendente doIEL, Carlos Cavalcante. As primeiras lições visaramexatamente às diferenças culturais. Como explica

MAIO 200728 INDÚSTRIA BRASILEIRA WWW.CNI.ORG.BR

NEGÓCIOS SOLDADOSCHINESES

com uniformesantigos: tradiçõesmilenares também

contam nosnegócios

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MAIO 2007 INDÚSTRIA BRASILEIRA 31

Cavalcante, a mentalidade chinesaestá centrada nos alicerces do confu-cionismo, que valoriza o coletivo. Já aocidental se guia muito mais pelosvalores platônicos, socráticos, que secentram no indivíduo. Essa diferençaaparece na hora da negociação.

O presidente da ChinaInvest concor-da. “O idioma não é a principal barreira,mas sim o modo de pensar, de raciocinardo chinês, que é completamente diferen-te do nosso.” Segundo Machado, o chi-nês não tem pressa alguma numa nego-ciação. “Você marca uma reunião, elemostra a fábrica, apresenta os produtos,leva você para jantar, pergunta da suafamília, como você vive, mas não fala empreço.” Enquanto os brasileiros queremfechar negócio rapidamente, o chinêsdemora às vezes um ano para selar umaparceria. Por isso mesmo, as consultoriasaconselham as empresas a firmar umabase da companhia por lá.

Outro aviso é não confiar apenas nossites das indústrias. “Tem que visitar aempresa antes de fechar qualquer negó-cio. Muitas indústrias têm páginas eletrô-nicas maravilhosas que não refletem arealidade da empresa”, ressalta Machado,da ChinaInvest.

Para o superintendente do IEL, umdos estudos mais interessantes do cursoem Cingapura sobre parcerias foi apre-sentado por Narayan Pant, professor deEstratégia e reitor da Educação Executivado Insead. Baseado no exemplo da jointventure firmada entre a GM e a ShangaiAutomotive Industry Corporation (Saic,veja quadro), uma das três grandes fabri-cantes de automóveis na China, Pantmostrou que, para aumentar as chancesde sucesso de uma aliança, é necessárioque ambas as partes tenham bem claro oque pretendem ganhar.

“Os interesses são e devem ser dife-rentes”, afirma Cavalcante. Enquantouma empresa detém a tecnologia ade-quada para o negócio, o outro pode tero conhecimento do mercado, da legisla-

30 INDÚSTRIA BRASILEIRA WWW.CNI.ORG.BR

ção ou o acesso aos canais de distribuição doproduto. “Numa parceria, não adianta ir parauma queda de braço, na qual um tenta engo-lir o outro”, completa o superintendente doIEL. “Para dar certo, ela tem que gerar valorpara os dois lados.”

A GM assinou uma joint venture com a Saicem 1997. A montadora norte-americana estavainteressada no mercado asiático e precisava fir-mar uma parceria, já que o governo chinêshavia limitado a participação estrangeira a 50%para dar aos chineses maior controle e poder debarganha. A Saic, por sua vez, queria ter acessoà tecnologia de ponta das fábricas dos EUA.

Diferentemente de muitas montadoras mul-tinacionais que optaram por modelos antigos, aGM passou a fabricar seus modelos mais novos,trocando tecnologia com a Saic. Computadoresconectavam o centro de pesquisa de Xangai aoutros centros tecnológicos da GM ao redor domundo, dando aos engenheiros acesso instantâ-neo aos dados e projetos mais recentes.

Como a fábrica em Xangai era idêntica aoutras indústrias da GM, conseguiu-se econo-mia de escala. Numa estratégia de mercado, aGM também foi a primeira empresa automobilísticaa investir na sua própria cadeia de vendas (concessio-nárias) na China. Segundo o estudo de Narayan Pant,em 2004 a SGM (Shanghai General Motors) regis-trou um crescimento de 26% na venda de carros. Seuprincipal concorrente teve uma queda de 8%.

Para o professor, o caso mostra como a GM,que no início precisava mais da China do que ocontrário, resolveu oferecer mais do que outrasmontadoras. Segundo ele, há evidências de que aGM tornou-se necessária para gerenciar o “ecossis-tema” criado, principalmente na distribuição dosveículos. Conseguiu assim reverter sua posição debaixo poder de barganha.

Para o presidente da ChinaInvest, hoje o merca-do chinês está mais fechado para joint-ventures,principalmente para os brasileiros. “Os americanose europeus fizeram milhares de joint-ventures comos chineses porque eles chegaram mais cedo, porvolta de 1995, quando a China precisava de tecno-logia. Por isso, muitas vezes o governo chinês che-gava a bancar a operação.”

O Brasil intensificou as relações com a China apartir de 2004, com a missão do governo brasilei-

ro ao país. “Só que aí o momento era outro. AChina já tem muito mais tecnologia do que oBrasil, desenvolve muito mais patentes do que oBrasil”, resume Machado.

Segundo ele, em vez de joint-ventures, a princi-pal negociação de empresas brasileiras com os chi-neses se dá através de parcerias nas quais a empre-sa chinesa se compromete a vender por um preçomais baixo do que vende normalmente. Que van-tagem ela leva com isso? “A empresa chinesa temuma imensa dificuldade de se internacionalizar”,diz Machado.

Outra brecha muito utilizada por empresasbrasileiras é o outsourcing, ou terceirização da pro-dução. "Nesse tipo de parceria, as indústrias chine-sas fabricam produtos com as especificações forne-cidas pelas empresas brasileiras, com a marca bra-sileira, com a qualidade do produto fabricado noBrasil", salienta Machado. Os setores calçadista, delâmpadas, ferramentas, máquinas e pneus, entreoutros, adotam esse tipo de sistema. Machadoaconselha este tipo de parceria, desde que, comofoi explicado anteriormente, a empresa não encer-re suas atividades no Brasil.

INTERESSES

Dos chineses: Ampliar a qualidade e o volumena produção deautomóveis, algo que se tornou prioridade dogoverno na década de 1990

Da GM: Explorar oimenso potencial domercado chinês de formamais competente do queas outras montadorasmultinacionais instaladasno país

CASAMENTO DE SUCESSOA joint-venture entre a GM e a Saic na China

ESTRATÉGIA

Modelos novos: as outrasmultinacionais produziammodelos antigos em suasfábricas chinesas; a GMdecidiu levar para o paísprojetos avançados

Padronização: a GMinstalou em Xangai umafábrica idêntica a outras desuas unidades, o quepossibilitou ganhos deescala

Marketing: a GM foi aprimeira montadora ainvestir numa cadeiaprópria de concessionáriasna China

RESULTADO

As vendas da Shanghai GeneralMotors (SGM, resultado da joint-venture) cresceram 26% em 2004; a principal concorrenteteve queda de 8%

LIÇÕES

Buscar o equilíbrio: a GM notou

que precisava mais da China do que

o contrário e reverteu a desproporção

oferecendo mais do que outras

montadoras

Tornar-se indispensável:

o gerenciamento do sistema criado

não podia prescindir da GM, que

reverteu seu baixo poder de barganha

NEGÓCIOS

FONTE: ESTUDO DE NARAYAN PANT, PROFESSOR DE ESTRATÉGIA E REITOR DA EDUCAÇÃO EXECUTIVA DO INSEAD

ESTRATÉGIA E INOVAÇÃO

Depois de levar empresários e executivos para a Ásia, o IEL abriu as inscrições para a segunda edição do curso Estratégia e Inovação nos Negócios na Wharton School, aprimeira e mais destacada escola de negócios dos Estados Unidos.Localizada na Universidade da Pensilvânia, a Wharton foi fundadaem 1881 e, nos últimos três anos, liderou o ranking do jornalFinancial Times das melhores escolas de MBA do mundo.

O curso, estruturado sob medida para executivos, serárealizado de 4 a 8 de junho. Entre os professores estão RussellAckoff, considerado o pai do pensamento sistêmico, presidente do conselho da Institute for Interactive Management (Interact);Paul Shoemaker, autor de Decisões Vencedoras; e Richard Shell,um dos maiores especialistas em negociações e liderança.

Para se inscrever, basta preencher o formulário online napágina do IEL (www.iel.org.br/eduexecutiva). O valor do curso é U$ 7.330,00 e inclui os custos referentes às aulas, material,almoços e refeições.

A EMBRAER éuma das poucasempresasbrasileiras que chegou àChina quando as alianças erammais fáceis

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32 INDÚSTRIA BRASILEIRA MAIO 2007

JUSTIÇA

Supremo derruba depósito prévio e arrolamento de bens para contestaçãode multas previdenciárias e tributárias; além de favorecer empresas,decisão desafogará a Justiça

POR ENIO VIEIRA

Ampla defesa

INDÚSTRIA BRASILEIRA 33WWW.CNI.ORG.BR

AS EMPRESAS FICARAM LIVRES DE DUAS GRANDES

barreiras econômicas que tinham de enfrentarse pretendessem questionar as autuações doInstituto Nacional de Seguridade Social(INSS) e da Receita Federal. No dia 28 demarço, o Supremo Tribunal Federal (STF) tor-nou inconstitucionais o depósito de 30% dovalor de uma multa previdenciária para aber-tura de recurso administrativo e também o

arrolamento de bens para quem recorrer aoConselho de Contribuintes do Fisco. A deci-são do Supremo foi resultado de duas AçõesDiretas de Inconstitucionalidade (ADI) deautoria da CNI, a primeira de 1994. Namesma sessão, os ministros do Supremo deramganho de causa também a três empresas indus-triais que se sentiram prejudicadas pela obriga-toriedade de depósitos.

As pequenas empresas, em especial, serão asprincipais beneficiadas com o fim do depósitoprévio. Com pouco capital de giro, enfrentammais dificuldades para desembolsar os 30% dovalor de uma autuação do INSS. E dificilmen-te possuem imóveis e máquinas que possam serarrolados para recorrer ao Conselho deContribuintes do Fisco. Como se trata de deci-são de impacto nacional e de efeito vinculante,nenhum órgão do Judiciário ou daAdministração Pública (União, estados e muni-cípios, empresas estatais) poderá exigir os depó-sitos ou os bens. “O Supremo considerou queas exigências do INSS feriam o garantia funda-mental de acesso ao Poder Judiciário e os prin-cípios de isonomia e ampla defesa”, afirmou aCNI, em nota oficial.

O advogado tributarista FernandoGonçalves afirma que as exigências do INSS eda Receita criavam um sério obstáculo por-que, no modelo brasileiro, os contribuintesnão têm a oportunidade de apresentar umadefesa prévia: só podem se manifestar após aaplicação da multa. “Era freqüente as empre-sas sofrerem multas de valor exorbitante e nãoterem condições de recorrer pela simples faltade bens”, diz Gonçalves.

O caso dos depósitos prévios chegou aoSupremo em junho de 1994, com a ADI 1074.Essa ação da CNI tratava do depósito noINSS. Cinco anos depois, veio a ADI 1976,sobre depósito prévio e arrolamento de bensna Receita. Em seu voto, o ministro CezarPeluso apontou que esses mecanismos nãoeram puramente jurídicos e preventivos. Paraele, o Setor Público tinha, na prática, o objeti-vo de antecipar o recolhimento de impostosque estavam sob questionamento e não pode-riam entrar para os seus cofres.

Outro problema, afirma o ministro Peluso,é a visão por parte do Fisco brasileiro de que acontestação por parte dos contribuintes erameramente protelatória. O relator da ADI1976, ministro Joaquim Barbosa, questionouo dispositivo porque coloca uma barreira deacesso dos contribuintes à Justiça. “Torna-se

evidente que os canais possibilitados pelaConstituição para recorrer administrativa-mente são igualmente obstruídos, seja pelaexigência do depósito prévio, seja pela exigên-cia do arrolamento de bens”, afirmou Barbosaem seu voto.

A Receita já exigiu depósito prévio para osrecursos, como o INSS. Mas há seis anos desis-tiu disso e criou o arrolamento de bens, argu-mentando que a empresa não mais compro-meteria seu caixa para recorrer das multas.“Apesar disso, os empresários entendiam quese tratava de uma penhora e evitavam recorrerao Conselho de Contribuintes”, diz a advoga-da Silvania Tognetti, sócia do escritórioBarbosa, Müssnich & Aragão. No final dadécada passada, governos estaduais seguiram ocaminho da União já abandonado pela ReceitaFederal da exigência de depósitos. Isso passoua ser exigido de quem fosse autuado por pro-blemas com o pagamento do Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMS).No Rio de Janeiro, por exemplo, o entãogovernador Anthony Garotinho estabeleceu ovalor equivalente a 50% da multa. Apesar denão declarada, a intenção era antecipar a arre-cadação de recursos que ainda estavam emjuízo. Depois da decisão do Supremo, muitossecretários estaduais da Fazenda têm procura-do os ministros do Supremo e se dizem preo-cupados com o impacto em seus caixas do fimda exigência a ao contribuinte.

O depósito prévio e o arrolamento de benstrouxeram o reflexo indesejado na perda deimportância dos Conselhos de Contribuintes.Idealizados para desafogar a Justiça e formadospor representantes da sociedade, eles perdiamimportância e eram preteridos na hora de aempresa apresentar um recurso. A advogadaTognetti afirma que atualmente as empresas pre-ferem ir diretamente à Justiça, porque não hánecessidade de fazer o depósito prévio existentenos conselhos. Espera-se que a decisão doSupremo reaproxime os contribuintes e os con-selhos que, teoricamente, são mais ágeis epodem reduzir custos das pessoas jurídicas.

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na página 16) e sobre os marcos regulatórios de infra-estrutura. Para monitorar essas discussões parlamenta-res, a CNI lançou em março a 12ª edição da AgendaLegislativa da Indústria. O documento traz a posiçãoda entidade em relação aos projetos de interesse dosetor industrial em tramitação no Senado e naCâmara dos Deputados.

A íntegra da agenda pode ser consultada pela inter-net (www.agendalegislativa.cni.org.br). O presidente daCNI, Armando Monteiro Neto, afirma que o docu-mento é um instrumento qualificado de relacionamen-to da indústria com o Congresso Nacional, ao apresen-tar com clareza e em detalhes o posicionamento dosetor. “É uma agenda de mudanças estruturais da eco-nomia e que também inclui medidas para aprimorar oambiente de negócios no Brasil”, afirma Monteiro.“Tenho esperança de que essa legislatura será profícua.As duas presidências no Congresso Nacional estão bemsintonizadas”, acrescenta.

O que torna as entidades empresariais mais oti-mistas é o fato de este momento ser o início de gover-no e de mandatos parlamentares. Para a presidente doConselho Temático Permanente de AssuntosLegislativos da CNI, Carlos Eduardo MoreiraFerreira, esses dois fatores estimulam os trabalhos paradeslanchar a agenda econômica no Congresso. Nosúltimos meses, as reformas estruturais voltaram àpauta do dia com as negociações na área tributária,entre a União e os governos estaduais, e o lançamentodo Fórum da Previdência Social. “O Executivo estáempenhado. E após eleições e a definição do novoministério, a expectativa é que se possa avançar bas-tante neste ano”, diz Moreira Ferreira.

CONGRESSO

NOS PRÓXIMOS MESES, O CONGRESSO NACIONAL TERÁ

oportunidades para produzir avanços institucionaisem temas que são fundamentais para a retomada docrescimento econômico. Um dos principais itens é aregulamentação do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC), anunciado pelo governo emjaneiro. Também se destacam os debates sobre asReformas Previdenciária, Tributária (veja reportagem

INDÚSTRIA BRASILEIRA 35

Apesar das disputas políticas com o governo, os par-tidos de oposição mostram grande receptividade parauma agenda do crescimento econômico. Não serão,portanto, os oposicionistas que vão criar obstáculos aodiálogo, avisa o líder da minoria na Câmara, deputadoJúlio Redecker (PSDB-RS). “Não faremos oposição aoPAC, porque são investimentos para reduzir o custoBrasil, sobretudo em logística e energia elétrica.”

Da Agenda Legislativa da Indústria de 2006, oCongresso aprovou itens importantes como a LeiGeral de Micro e Pequenas Empresas e o marcoregulatório do saneamento básico. O presidentedo Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), faz questão de afastar a imagem de que hálentidão no trâmite de projetos. Segundo ele, oSenado examinou 986 matérias no ano passado,aprovando 955 delas. Em março último, lembrou,foram instaladas três subcomissões para discutir asreformas: Tributária, Previdenciária e a dos marcosregulatórios de infra-estrutura. “Não haverá para-lisação por inércia no Congresso. Temos a priori-dade de implantar o PAC.”

O presidente da Câmara dos Deputados, ArlindoChinaglia (PT-SP), nota que, apesar das resistênciaspolíticas em questões polêmicas, os congressistas devemdiscutir as reformas sem idéias preconcebidas. É o casoda mudança na área tributária que afeta principalmen-te os governos estaduais. “Há divergências entre osgovernadores, e isso se reflete nas posições das bancadasno Congresso. Mas devemos colocar interesse maior docrescimento da economia acima das discordâncias.”

Chinaglia afirma que não há preconceito com aReforma Trabalhista entre os partidos de esquerda,

tradicionalmente ligados aos sindicatos de trabalha-dores. “Mas é preciso conciliar a Reforma Trabalhistacom a Sindical para dar um maior equilíbrio nas futu-ras negociações das empresas com os trabalhadores”,acrescenta o presidente da Câmara.

A agenda da CNI identifica propostas que, mesmopontuais e sem a abrangência das reformas estruturais,têm a capacidade de aumentar a competitividade doBrasil. São projetos que, por exemplo, aperfeiçoam aconcessão de licenças ambientais. Com um sistemamais simples de licenciamento, o Brasil teria condiçõesde elevar os investimentos privados em energia elétricae afastar de vez o risco de um novo racionamento,como o ocorrido em 2001. Na área energética, outrotema importante é a Lei do Gás Natural. O projetoque tramita no Congresso poderá, se aprovado, darmaior segurança a investidores. “O País está saindo daagenda defensiva da estabilização econômica da últimadécada e entrando numa fase de discutir crescimentoda economia”, nota Monteiro Neto.

Representantes de associações setoriais concordamque a sociedade brasileira chegou ao consenso dorumo a ser tomado para o crescimento econômico. Opresidente da Câmara Brasileira da Construção Civil(CBIC), Paulo Safady Simão, afirma que “o governodá sinais de que pretende tirar a economia do maras-mo das últimas décadas”. Para formular a AgendaLegislativa, a CNI teve a colaboração das federaçõesestaduais e das associações do setor industrial queincluíram seus pontos de vista no documento. “Aagenda é um sinal do que a iniciativa privada entendeser o melhor para o País, e não apenas uma perspecti-va de um setor da economia”, diz Safady.

MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

A AGENDA DO CONGRESSOAVANÇOS COM QUE A INDÚSTRIA CONTA EM 2007

Reformas estruturais: é necessário que os parlamentarescriem consensos nas discussões de mudanças nas áreas deTrabalhista, Tributária, Política e de Previdência Social

Licenças ambientais: novas obras de infra-estrutura depen-dem de um novo marco regulatório que proporcione agilidadena análise do licenciamento

Defesa da concorrência: o Estado precisa de uma estruturamais ágil e eficiente para garantir a concorrência e dar maiorsegurança jurídica às empresas

Gás Natural: uma nova lei é indispensável para atrair inves-timentos privados, a exemplo do que se fez para no caso dosaneamento básico

Terceirização: é preciso regulamentar as relações trabalhis-tas de modo que as empresas tenham maior segurança ao con-tratar funcionários terceirizados

A CÂMARA E A ESPLANADA:início demandatosfavorecementendimento

As prioridades para o crescimentoNova edição da Agenda Legislativa da Indústria aponta as reformasestruturais mais importantes e os projetos que podem melhorar ambientede negócios

POR ENIO VIEIRA

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 39WWW.CNI.ORG.BR

Jorge Lins Freire, presidente da Fieb, diretor da CNI.

38 INDÚSTRIA BRASILEIRA

Antônio José de Moraes Souza, presidente da Fiepi, vice-presidente da CNI.

ANTÔNIO JOSÉ DE MORAES SOUZA

A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL EA DISPARIDADE ECONÔMICAENTRE OS ESTADOS

As dificuldades na concessão de licenças dificultam o desenvolvimento de modo especial nas menoresunidades da Federação

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A JORGE LINS FREIRE

O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL FOI INSTITUÍDO

no Brasil pela resolução do Conselho Nacional deMeio Ambiente (Conama) de 23 de janeiro de 1986.É exigido para a concessão de licença a empreendi-mentos que utilizem recursos naturais e para aquelescom significativo potencial de degradação ou polui-ção. O Relatório de Impacto Ambiental deve contero estudo e também as ações mitigadoras.

Por mais importante que sejam os objetivos dasnormas de licenciamento ambiental, o resultadotem sido a paralisação de diversos projetos do setorprodutivo em todo o País, mas especialmente noPiauí. Se para o leitor é difícil entender a complexi-dade do assunto, imagine o obstáculo que isso re-presenta a um cidadão comum do interior do Nor-deste. Uma pessoa que decide se dedicar à recicla-gem de pneus, ou um pescador que, para aumentarsua renda, inicia um empreendimento de criação decamarões em cativeiro. Ou ainda para alguém queperde o emprego porque a empresa onde trabalhateve as atividades suspensas como resultado de açãodo Ministério Público.

Não se está aqui criticando ambientalistas ouintegrantes do Ministério Público. Ao contrário. Re-conhecemos o valor de suas atribuições. O que se de-fende é que a realização do Estudo de Impacto Am-biental seja responsabilidade da União, como prevêa legislação. Assim o pequeno produtor não pagarápelas conseqüências da proibição das obras de umabarragem, por exemplo. Outra necessidade premen-te é tornar a legislação conhecida e acessível a toda apopulação, incluindo os segmentos de menor rendae menor escolaridade.

Se a concessão de licenças ambientais é um pro-blema em todo o País, no Piauí a situação é ainda

mais grave. O estado não conta mais com superin-tendência do Instituto Brasileiro do Meio ambientee dos Recursos Naturais (Ibama). Por conta disso,enfrentamos custos mais elevados e demora aindamaior do que de costume na liberação de licençasambientais, tendo de acompanhar o processo forado Piauí. Um dos maiores problemas que temosenfrentado é o licenciamento para as obras do portomarítimo piauiense. Enquanto o porto não é apro-vado e construído, nossos produtos saem do País nacota de exportação de outros estados. É até mesmonatural que nesses estados haja pressão para protelara licença ambiental de nosso porto.

As dificuldades para o licenciamento ambientalpodem levar ao oposto dos objetivos de quem tem anobre intenção de proteger os recursos naturais doPiauí. Quanto mais é protelado o desenvolvimento,mais se torna desejado. O receio é que, na busca porcrescer a qualquer custo, se passe a defender a instala-ção de empreendimentos de empresas nacionais oumultinacionais que não tenham nenhum respeito àsustentabilidade ambiental. Assim, há risco de quenão deixemos nada que sustente as futuras gerações.

O Brasil é uma República Federativa e deve pro-porcionar melhores soluções para o desenvolvimen-to dos estados menores. O Piauí quer simplesmentecondições similares às dos demais estados, exata-mente para não continuar a ser visto como um fardopesado a ser carregado pela Nação. Não é justo,sobretudo, que o Piauí, por ser o último na buscapelo desenvolvimento, seja vítima dos estados queusaram amplamente seus recursos naturais no pas-sado, antes da criação de regras ambientais. O aler-ta sobre a importância do desenvolvimento regionalé nosso, mas a obrigação é de todos.

QUANDO O BRASIL TIVER UM PROJETO NACIONAL DE

desenvolvimento, creio que será mais fácil pactuar-mos uma correta política de desenvolvimento re-gional. Para ilustrar o quadro atual das disparidadesregionais basta lembrar que o Índice de Desen-volvimento Humano (IDH) dos nove estados doNordeste estão entre os dez piores do País. O Acrecompleta a lista. Tal fato não causa surpresa, pois oque comanda o cálculo da tautologia do IDH é exa-tamente a renda per capita. As demais variáveis –grau de escolaridade e esperança de vida – dela de-pendem ainda que parcialmente.

A região Nordeste detém 14% do ProdutoInterno Bruto (PIB) brasileiro, enquanto a Bahia éresponsável por 35% do PIB regional. No contextonacional a Bahia detém o 6º maior PIB estadual, masapenas o 15º maior PIB per capita estadual, o queexplica seu baixo IDH. Note-se que o PIB per capi-ta do Distrito Federal supera em sete vezes o do esta-do do Maranhão. Mas os contrastes são ainda maisdramáticos nos indicadores sociais: (i) taxa de mor-talidade infantil (38,2 por mil na região Nordeste,contra 17,2 na região Sul); (ii) taxa de analfabetismodas pessoas de 15 ou mais anos de idade (21,9% naregião Nordeste contra 5,9% na região Sul); e (iii)esperança de vida (69,0 anos na região Nordeste con-tra 74,2 anos na região Sul).

Para a redução das disparidades regionais é preci-so uma deliberada ação governamental de longoprazo – 10 a 20 anos consecutivos –, sobretudo cominvestimentos em saúde e educação, metas de longoprazo (pois o que não se mede, não se gerencia) ecompromissos com resultados que reduzam as defa-sagens econômicas e sociais ao longo do tempo.

Ou seja, a clássica abordagem da dinâmica do

desenvolvimento também se aplica ao desenvolvi-mento regional, só que por meio de instituiçõesgovernamentais que executam políticas públicasdiferenciadas, tanto para os estados como para as re-giões com defasagem econômica.

Em síntese, é necessário dispor de uma força detrabalho qualificada, capaz de alavancar a relação pro-duto/capital, para acelerar o crescimento econômico.E, em virtude dos investimentos em educação, asse-gurar investimentos em pesquisa compatíveis com ainovação e o desenvolvimento tecnológico, contri-buindo para a elevar a produtividade total dos fatores.

Dado que vivemos num mundo globalizado,mas de interesses nacionais, e que também vivemosnuma Federação, mas de interesses estaduais, issotorna mais delicada a questão do desenvolvimentoregional. Tenho, porém, razões para ser otimista, apartir do próprio exemplo da Bahia: somos hoje oestado com a matriz industrial mais complexa e sofis-ticada das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste,em larga medida com industriários qualificados peloSistema Fieb. O dinamismo dessa indústria muitocontribui para a expansão em curso das economiasestadual e regional.

Acredito que o papel do setor público é crucialno estímulo ao investimento privado e entendo quea construção de uma política de desenvolvimentoregional de longo prazo depende da participaçãoativa do governo central na forma de investimentoem infra-estrutura física; crédito direcionado; inves-timento maciço na saúde e na educação; e da contí-nua qualificação do capital humano das regiões comdefasagem econômica. Assim teremos toda a econo-mia brasileira competitiva, inovadora e inserida nasociedade do conhecimento.

POR UMA POLÍTICADE DESENVOLVIMENTOREGIONAL

É preciso deliberada ação governamental para a reduzir o desequilíbrio entre as regiões, com investimentos em saúde e educação

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Documentos recém-digitalizados do arquivo histórico baiano demonstramque a construção da primeira capital do País foi planejada, assim comoBrasília, e que os negros não aceitavam a escravidão com passividade

POR CARLOS HAAG

O Brasil que se fez da BahiaSE HOJE OS PORTUGUESES, AO LADO DE OUTROS

turistas estrangeiros, não param de chegar à Bahia,quando a descobriram, no século 16, poucaimportância lhe deram. Por três décadas a CoroaLusitana praticamente abandonou as novas terras.Depois de, em 1º de novembro de 1501, batiza-rem a Bahia de Todos os Santos, deixaram-na delado. Transformou-se em mero ponto de descansode navios. O navegador florentino AméricoVespucci (1454-1512) chamou o lugar de “A baiade tutti santi” – algo incorretamente traduzido emalguns mapas como Abadia de Todos os Santos.Em 1549, a chegada de Thomé de Sousa fez daBahia o ponto fulcral da conquista do novo terri-tório. Sousa deveria erguer ali uma fortaleza, para

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o domínio luso no litoral brasileiro, ameaçado porfranceses e espanhóis. Daria assim apoio militar àscapitanias hereditárias, atacadas por europeus eíndios. Até 1763, a Bahia foi sede do governo ecapital do Estado do Brasil – assim o Brasil eraconsiderado um Estado, ainda que colonial.

Boa parte da documentação que registra o nas-cimento e a adolescência do País está concentradano Acervo Colonial/Provincial do ArquivoPúblico da Bahia (APB), fundado em 1890 edesde 1980 instalado no prédio histórico daQuinta dos Padres, na Cidade do Salvador daBahia de Todos os Santos. O “são” que muitosacrescentam ao seu nome (como no samba deDorival Caymmi) surgiu de outro engano euro-

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A BAÍA DE TODOSOS SANTOS emgravura do século 17

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peu, afirma o historiador Antônio Risério. Onome da cidade foi grafado assim na bula do papaJúlio 3º para nomeação do bispo Pero FernandesSardinha, o qual acabaria devorado pelos índios.

O prédio do arquivo da Bahia abrigou, desdeo século 16, a quinta de descanso dos jesuítas,proprietários do imóvel até a expulsão da ordemdo Brasil, em 1759. Após inúmeras reformas,adaptações e vários proprietários, foi restauradopelo governo baiano. Em 1994 construiu-se oprédio anexo, com 1.000 m

2, hoje ocupado pelo

setor de restauração. Mesmo assim não sobraespaço: são quase 23 km de documentos, de finsdo século 16 até o final do século 19.

Na seção Provincial/Colonial, estão cartas eordens régias, provisões, alvarás, cartas de alforria,levantes e muitos documentos sobre a vida dosescravos. Dentre as raridades, o documento maisantigo do acervo registra a doação da Ilha deItaparica a Dom Antonio de Athayde, Conde deCastanheira, feita pelo Governador Geral Thoméde Souza em 1552; os Autos da Devassa daConjuração Baiana de 1798; os da Revolta dosMalês de 1835, escritos em árabe pelos escravosinsurretos; documentos sobre a Sabinada, de1837. “Cerca de 40% dos documentos estavamem condições precárias e alguns totalmente ilegí-veis, tal o estado de deterioração”, conta a profes-sora Maria Teresa Matos, diretora do APB e res-ponsável pelo projeto de higienização, recuperaçãoe digitalização de parte desse acervo.

Com apoio do Ministério da Cultura e daPetrobras (R$ 200 mil), já foram recuperados 221 milregistros. Restam, porém, quase sete milhões de docu-mentos. O trabalho rendeu até agora 148 rolos demicrofilmagem, digitalizados em 13 DVDs à disposi-ção do público no APB, que já tem planos de, futura-mente, colocar a documentação para pesquisa on-line.O APB pertence à Fundação Pedro Calmon(www.fpc.ba.gov.br). Será possível, por exemplo, ler odocumento assinados por Thomé de Sousa sobre afutura Salvador: “Por ser informado que a Bahia deTodos os Santos é o lugar mais conveniente da costado Brasil para se poder fazer a povoação e assento, heipor meu serviço que na dita Bahia se faça a dita povoa-ção. Com a ajuda de Nosso Senhor, espero que sejaem sítio sadio e de bons ares e que tenha abastança deáguas e porto. Que se faça uma fortaleza da grandurae feição que a requerer o lugar em que a fizerdes”.

A cidade-fortaleza deveria ter “traços e amos-tras” recebidas pelo governador-geral ainda emLisboa. “Tendo em vista que a cidade tivera o seunome escolhido antes da partida de Sousa, quesua leitura e fisionomia foram previamente plane-jadas, o estudioso Edison Carneiro, disparou: eraa Brasília do século 16”, nota o historiador Risériono livro Uma história da cidade da Bahia. “A cria-ção da Bahia foi um gesto intelectual, nasceu deum projeto racional e não do arranjo mais oumenos espontâneo de pessoas se agregando gra-dualmente num sítio”, conta o historiador.

RUMO AO RECÔNCAVOThomé de Sousa abriu caminhos ligando a cidadedo litoral ao Recôncavo, usando os engenhos de açú-car também como estratégia de povoação do interior.Prova de eficiência da estratégia foi o ataque e odomínio, em 1604 e 1624, dos holandeses, aindaque breve, sobre a região. Liberta dos batavos, osluso-brasileiros destroçaram a cidade e deixaram apopulação na miséria, início de um processo queacompanha, desde tempos remotos, a Bahia. Aomesmo tempo, essa pobreza foi fonte de constantesrebeliões na história baiana, afirma Risério.

Na Bahia, mostram muitos documentos do APB,os escravos foram agentes transformadores, como pro-vam os inúmeros quilombos que surgiam e eram dizi-mados, apenas para reaparecer em outro local.“Preciso participar a V. Excia. que sendo repetidas emuito freqüentes as deserções de escravos do poder deseus senhores, em cujo serviço se ocupavão há annos,a que neste Paiz chamão ladinos, entre na curiosidadede saber que destino seguião e, sem dificuldades,conheci que nos subúrbios desta capital e dentro domatto de que toda ella he cercada, erão innumeraveisos ajuntamentos desta qualidade de gente, os quaesdirigidos por mãos de industriozos importadores, alli-ciavão os creoulos e com huma liberdade absoluta,dansas, vestuários caprichozos, bênçãos e orações faná-ticas, folgavão, comião e se regalavão com a maisescandaloza offensa de todos os direitos, leis , ordens epublica quietação”, queixou-se o Conde da Ponte.

A resposta veio rápida. “Certifico e dou fé, quepor ordem do Governo Geral dessa mesma capita-nia, forão por officiais e soldados, expugnadosvários quilombos de negros que havião nas vizinhan-ças desta cidade. As cabeças desses fascínoras forammarcados com fogo com a letra F e entregues aos

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seus senhores”, escreveu o ouvidor-geral do crime Ciriaco Tavares. NoAPB, há farto material que desvendapontos obscuros da escravidão.Como o Códice 249, que traz oregistro de concessões de passaportes,entre 1759 e 1772, para exportaçõesde escravos da cidade de Salvadorpara outras regiões brasileiras, emespecial, Minas Gerais. A partir delesabemos que foram exportados cercade 20 mil escravos nesse período,implicando no desabastecimento demão-de-obra para os engenhos deaçúcar e de produção de fumo,motrizes da economia baiana. “Odano que padece o Brasil e que como tempo pode crescer procede dafalta de negros, porque o maior inte-resse que tem neles os particulares fazextrair para as minas os negros quehaviam de servir para as fábricas dosengenhos e dos tabacos, tudo paraprover o Rio de Janeiro com os escra-vos de que pode necessitar para afábrica dos engenhos, agravando aspenas da Bahia”, observa o parecer doConselho Ultramarino de 1706.

RELATOS DE ESCRAVOSOs registros não se limitam à versão do poder. Hárelatos inéditos com testemunhos dos própriosescravos sobre as suas condições de vida, verdadei-ras raridades, como o tratado proposto a ManoelFerreira pelos seus escravos durante o tempo emque conservavam levantados, de fins do século 18.Trata-se de uma “greve” colonial, em que temosacesso ao que desejavam os cativos, incluindo odireito de “podermos brincar, folgar e cantar emtodos os tempos que quisermos, sem que nosimpeça e seja preciso licença”. Em meio ao proces-so, ajuntaram-se cartas de escravos, comoTheodora, negra cativa que escreve ao marido,Luis, cobrando promessas feitas: “Falta 198 mireispara a minha liberdade. Eu estou pagando comouma escrava deste padre malvado no mais a Deusate um dia que Deus me ajude com sua graça divi-na misericórdia.” A Rebelião Malê, como eramchamados na Bahia os negros muçulmanos, deu

HISTÓRIA

CONVENTO DESÃO FRANCISCO:A arquitetura deSalvador foipensada emLisboa

trabalho às autoridades, como se vê pelos docu-mentos no acervo do APB. Ocorrida em 1835,em pleno Ramadã, resultou em 70 mortes e o fimda idéia de uma Bahia negra e islâmica, ondetodos os brancos e mulatos seriam mortos. O pro-blema é que todos os documentos estão em umdialeto de árabe e a maior parte ainda não foi tra-duzida. “A insurreição estava tramada há tempo,num plano superior ao que sabíamos de sua bru-talidade. Todos sabem ler e escrever em caracteresdesconhecidos, que se assemelham ao árabe”,escreve o chefe de polícia. Em muitos documen-tos, preces do Alcorão: “Em Nome de Deus, OClemente, O Misericordioso. Derrama-se aBenção de Deus sobre nosso mestre Muhammad,sobre a família, os seus companheiros, bem assimcomo a saudação”. No final das preces, em vez doAllahu Akbar (Deus é o Maior), uma transposiçãoabrasileirada: “Ala Allá u Acubari”.

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Documentário conta a história do filme que se tornou uma referência do cinema mundial ao retratar o abandono de crianças brasileiras

POR CARLOS HAAG

O que ficoude Pixote

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 47MAIO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

CULTURA

QUANDO O FANTÁSTICO, DA REDE GLOBO, EXIBIU

há um ano o documentário Falcão: os meninos do trá-fico, do rapper MV Bill, o jornalista Alberto Dinescitou em seu comentário um clássico do cinema bra-sileiro: “Convém lembrar que nos últimos 25 anos,desde a exibição de Pixote, a lei do mais fraco, é amídia audiovisual que está apresentando ao ‘BrasilA’ as realidades do ‘Brasil B’. A existência desses dois‘brasis’, que só se encontram nas telinhas e nas telo-nas, é uma outra tragédia”. Naquele momento, aoassistir o Fantástico, o ‘Brasil A’ ficou impressionadopelo ‘B’, da mesma forma que em 1981, quando ofilme de Hector Babenco foi lançado. Mas esseencontro dos ‘brasis’ cada vez tem impacto menor.

Numa era de falcões com metralhadoras,Pixote ganha maiores dimensões de profecia

social crítica, em especial neste ano, que marca asduas décadas da morte do ator Fernando Ramosda Silva, protagonista do filme de Babenco,morto pela polícia, com oito tiros à queima-roupa no peito, suspeito de participar de umassalto na região vizinha à favela onde morava.“Confundiu-se muito a história do Fernandocom o mesmo problema dos meninos de rua.Não são a mesma coisa, mas duas facetas de ummesmo problema chamado Brasil”, afirma FelipeBriso, diretor, ao lado de Gilberto Topczewski dodocumentário Pixote in memoriam, que refaz atrajetória do filme-símbolo da infância trágicanacional. “A idéia surgiu quando fomos chama-dos pelo Babenco para realizar entrevistas comatores do filme para a edição comemorativa dos25 anos de Pixote. Logo vimos que pequenasentrevistas não dariam a dimensão do que ofilme significou na época”, explica o cineasta.

AINDA INÉDITOO documentário, premiado no ano passado ao serexibido no Festival de Cinema do Rio de Janeiro,ainda não entrou em circuito comercial brasileiro.Mesmo tendo recebido substantivos elogios da crí-tica ao aparecer como extra da edição especial doDVD Pixote, lançado no mês passado na França.Os diretores estão em busca de recursos para colo-cá-lo nas telonas brasileiras, um projeto conjuntocom o relançamento, por Babenco de Pixote noscinemas, até o fim do ano. Além da triste efeméri-de, aproveita-se que hoje, como nos anos 1980, asociedade se alarma com o aumento da delinqüên-cia entre crianças e adolescentes.

Entre os entrevistados do documentário estãoBabenco, a mãe e a viúva de Fernando, todos osoutros “pixotes” (Lilica, Dito, Fumaça e Chico) eMarília Pêra, que desempenhou o papel da pros-tituta Sueli, além dos cineastas estrangeiros que játrabalharam de certa forma com o tema, comoJulian Schnabel e Spike Lee. “Sempre tento cap-turar a vida como Hector fez em Pixote”, confes-sa Lee, o criador de Faça a coisa certa. Ele assistiuao filme brasileiro na faculdade. “Fiquei superim-pactado com o realismo do que vi na tela.”

Mesclando cenas do filme com os depoimen-

tos e também com matérias exibidas na televisãosobre Pixote, o cinematográfico e o real, o docu-mentário conta a gênese de uma obra e, ao mesmotempo, anuncia uma tragédia social em curso.Babenco revela que apenas ao filmar a cena final,com o garoto andando pelos trilhos do trem, é queteve o insight para batizar sua obra. “Estávamosnum intervalo de filmagem, almoçando ‘quenti-nhas’ e vi Fernando brincando de se equilibrar nostrilhos. Aquilo me deu uma sensação chapliniana,com o menino desajeitado indo em direção aohorizonte, um sobrevivente. Vi, então, que estavafazendo um filme sobre um sobrevivente e nadamais natural, então, que ele tivesse o nome doúnico que restou: Pixote”, lembra o cineasta. Porironia do destino, todos os mortos da ficção estãovivos. Só o sobrevivente morreu. O cineasta falasobre isso abatido, quase não conseguindo com-pletar suas frases. Na imprensa, não faltou quemculpasse Babenco pela morte do ator, ou ao menospor não ter impedido, de alguma forma, que eleseguisse o caminho do crime. Mas a mãe e a viúvado protagonista são assertivas ao absolver o cineas-ta: “Foi Fernando que escolheu aquele destino.”

A mãe, Josefa, recorda, quando Fernando, nova-mente desempregado, após uma participação numanovela da Rede Globo, sentindo-se “abandonado”,avisou que ia sair para um assalto: “Eu dei um tapana cara dele. Depois, quando ele voltou, fugido, seescondeu em casa, com calma, falando: ‘Vou mos-trar que sou artista outra vez e esperar que a políciavenha me pegar aqui’. A partir de então, todoroubo na região era visto como coisa dele.”

OBRA DEMORADABabenco relata que a gênese da obra foi demorada.“A idéia foi surgindo aos poucos. Acompanhei umamigo fotógrafo numa série de matérias que ele esta-va fazendo em vários centros da Febem. Li tambémInfância dos mortos, do José Louzeiro. Acabei que-rendo falar sobre o que acontecia com as criançassaídas desses lugares e como a sociedade as absorvia”,lembra o diretor. Inicialmente, Babenco queria usardetentos como atores, dentro do espírito neo-realis-ta do cinema nacional, que marcou obras como Rio40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, um dos pio-

BABENCO: "Nãofiz o filme para

psicólogos, nemsociólogos, nem

políticos"

neiros na discussão do tema da criança favelada nocinema brasileiro. O cineasta argentino igualmentedesejava mostrar as crianças no epicentro da violên-cia urbana, suas vítimas indefesas.

A diretora de elenco, Fátima Toledo, arrepiou-se com essa idéia. “Ele acabou vendo os perigos edesistindo. Assim, íamos de Kombi até bairros daperiferia, chamando o pessoal para testes”, conta.Nenhum ator escolhido havia passado pelo crime.“Dentro das crianças já havia ‘pixotes’; bastavarevelá-los”, afirma Babenco que, certo dia, à noite,recebeu uma chamada a cobrar de Diadema, cida-de que concentra áreas de pobreza na região doABCD paulista. Sem saber do que se tratava, acei-tou. Era Fernando, então com 11 anos, avisandoo diretor (que nunca o tinha visto nos testes) queo dinheiro dado pela produção para que fosse aoTeatro Ruth Escobar para a seleção fora roubadopelo irmão. “Ele me desconcertou ao dizer queestava ligando apenas para que não pensassem que eleera desonesto”, recorda. No dia seguinte, a mando docineasta, Fernando pegou um táxi (“a corrida ficouuma fortuna”, ri Fátima) e encontrou-se com

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Babenco. “Ele vestia uma camiseta com o cartaz doManhattan, do Woody Allen, e não pude deixar denotar a ironia desse encontro entre o Primeiro e oQuarto Mundos naquele menino.” Hector viu norapaz um “anjo do mal” e se decidiu por ele no filme.

VISITAS À FEBEMOs garotos, então, foram levados para a Febem paraconhecer os pixotes reais. “Fomos preparados paraencontrar bandidos terríveis, mas saímos de lá com asensação de conhecermos um bando de meninosassustados e sem família”, lembra-se o ator JorgeJulião, que fez o papel do travesti Lilica. Dias antesdo início das filmagens, Fernando quebrou o pé numjogo de futebol e, por essa razão, é que, nas cenas ini-ciais sempre aparece sentado. “O trabalho com osmeninos era muito divertido, porque todos nós pare-cíamos ter ficado com a mesma idade tendo diantede nós um ‘pai’ zangado, que dava broncas na gentee de quem ríamos pelas costas”, relata Marília Pêra.

A atriz também fala sobre sua cumplicidade comFernando. “Sem Hector saber, combinávamos coi-sas para fazer em cena para ver se o ‘papai’ Babencoia deixar.” Mesmo a antológica cena em que Sueliamamenta Pixote surgiu, espontaneamente, duran-te as filmagens. “Ele teve uma regressão em cena.Parecia um bebê. Foi olhando para as paredes, abriuminha blusa e pegou meu seio. Seu olhar, naquele

SPIKE LEE:“Sempre tentocapturar a vida

como Hector fez em Pixote”

dia, é inesquecível para mim”, diz a atriz. “Fernando tinha, desde pequeno, um olhar de

alma ferida que nunca vi em outro ator”, concordao cineasta. Durante o processo de trabalho de ator,Fátima levou o grupo ao zoológico para que cadaum escolhesse um animal que melhor o represen-tasse. “Fernando escolheu a zebra, uma eterna víti-ma na natureza. Só anos mais tarde é que entendi aopção dele.” Babenco, coçando a cabeça nervoso,ao final do documentário, reconhece que, até hoje,a morte violenta de seu ator-mirim o incomoda. “Éalgo difícil de tirar de dentro de mim.” Mas ressal-ta: “O filme não é documento social, não traz em siessa pretensão e apesar disso, não traí, em nenhummomento a explicação da origem social dos meni-nos, nem deixei jamais de mostrar em que nívelsocial se desenvolve o problema e suas causas.”

Para o diretor, seu filme não é violento, mas poé-tico. “Não fiz para atender nem psicólogos, nemsociólogos, nem políticos. O filme é poesia porqueem todo o momento demonstra que o amor entre aspessoas é muito mais importante.” O diretor dePixote in memoriam, Felipe Briso, acredita, porém,que Pixote ultrapassou a ficção. “Depois do fim dofilme, Babenco e Fátima tentaram levantar verbaspara transformar aquele evento isolado num grupo deestudos, para conduzir os garotos profissionalmente,mas o dinheiro nunca saiu.”

MELANIE BURFORD/CORBIS/LATINSTOCK

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PERIGOSOSPENSAMENTOSÉ possível segurar tudo, até a vontade de fumar, mas não as coisas que insistem em aparecer na consciência

Danuza Leão, colunista da Folha de S. Paulo

DIZEM QUE TUDO PRECISA SER CONVERSADO,tudo deve ser falado. Mas será mesmo? Sealgum dia inventarem uma máquina que tradu-za na hora, em palavras, tudo o que estamospensando, o mundo explode em meia hora.

Ninguém suportaria conhecer o que os outrospensam verdadeiramente. Será possível que duaspessoas, por mais amigas que sejam, possammesmo dizer tudo que lhes passa pela cabeça?

Com maior ou menor facilidade, tudo podeser controlado: a vontade de fumar, de se atirarno pescoço daquele homem maravilhoso, de darum tiro no marido. Só não se consegue contro-lar os pensamentos; isso ninguém consegue.

Imagine se o papa, na hora de uma daque-las cerimônias fantásticas do Vaticano, se dis-trair e pensar em como seria bom estar na camacomendo aqueles biscoitinhos maravilhososque só aquela freira sabe fazer (e só faz para ele).Nada de mais, pois nem pecado é – acho. Masserá que a fé é suficiente para que ele não penseem coisas tão frívolas? E por falar em frivolida-de, existe um pensamento que me persegue:quem corta as unhas do papa? Perdoem-me osacrilégio, Deus, mas eu adoraria saber. E seráque é pecado pensar em tanta bobagem? E se opapa, em sua santidade, achar que pensar nosbiscoitos é pecado, vai se abrir com quem? Seráque papa se confessa?

Crianças, quando muito novinhas, falamtudo que lhes passa pela cabeça, o que às vezesprovoca grande mal-estar. São capazes de dizerpara a madrinha que ela é muito feia, e o pior équando dizem o que vêem, o que pode ser extre-

mamente perigoso. Dois pés se tocando debaixoda mesa, uma passada de mão no corredor entreduas pessoas que não poderiam nunca, jamais,estarem fazendo aquilo, seguido de um sutilpequeno suborno para que ela não diga nada.

Dependendo da autoridade de quem subor-na, ela até cumpre o acordo, e começa aí seulongo e doloroso aprendizado sobre a vida.Mas criança é criança, e se um adulto não con-segue controlar seus pensamentos, ela não con-segue controlar sua língua, e um dia conta tudopara a mãe – e eis o rolo formado. No finaltodos se entendem e acaba sobrando para ela,que – vão dizer – inventou tudo, e ainda vailevar pela vida a dúvida sobre se viu de verdadeou se imaginou. Terá visto mesmo ou é má etem péssimos instintos, como disseram?

Eu não disse que os pensamentos são incon-troláveis? A idéia era escrever uma crônica comprincípio, meio e fim, mas é só a gente se dis-trair e eles vêm vindo sem rumo, sem freio, eda lembrança de ir à farmácia comprar vitami-na C, passa-se para os novos remédios, os gené-ricos, que têm as mesmas propriedades, custammuito mais barato, mas nenhum médico recei-ta, para Brasília, a política, os escândalos, oImposto de Renda que vem ávido, o contadorque vai pedir um milhão de papéis impossíveisde serem encontrados, os novos portais, a reali-dade virtual, o futuro desconhecido, todas ascoisas que não conseguimos compreender.

É preciso de disciplina mental, sim – dizem.Mas estou para conhecer quem tem alguma,por menor que ela seja.

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