propostas para a reforma tributária

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7/23/2019 Propostas para a Reforma Tributária http://slidepdf.com/reader/full/propostas-para-a-reforma-tributaria 1/52 Código ISSN: 2358-0690 ANO 03 NOVEMBRO 15 Fabrício Augusto de Oliveira | Geraldo Biasoto Jr.    R    E    V    I    S    T    A 25  Justiça fiscal:  propostas para a reforma tributária

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7/23/2019 Propostas para a Reforma Tributária

http://slidepdf.com/reader/full/propostas-para-a-reforma-tributaria 1/52Código ISSN: 2358-0690

ANO 03NOVEMBRO 15

Fabrício Augusto de Oliveira | Geraldo Biasoto Jr.

   R   E   V   I   S   T   A

25 Justiça fiscal: propostas para a

reforma tributária

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Revista eletrônica idealizada e produzida pelarede Plataforma Política Social

 

que reúnecerca de 300 pesquisadores e profissionais demais de uma centena de universidades, centrosde pesquisa, órgãos do governo e entidades dasociedade civil e do movimento social.

plataformapoliticasocial.com

EDITOREduardo Fagnani

EDITOR ASSISTENTE 

Thomas Conti

JORNALISTA RESPONSÁVEL Davi Carvalho

REVISÃOCaia Fittipaldi

PROJETO GRÁFICORenata Alcantara Design

CONSELHO EDITORIALAna Fonseca 

NEPP/UNICAMPAndré Biancarelli 

Rede D - IE/UNICAMP

Erminia Maricato 

USP

Lena Lavinas

UFRJ

revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

CÓDIGO ISSN: 2358-0690

APOIO

www.fes.org.br

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Índice

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 A reforma tributária:removendo entraves para o crescimento, a inclusão

social e o fortalecimento da federaçãoFabrício Augusto de Oliveira

Geraldo Biasoto Jr.

46

O vale-tudo do ajuste fiscal primárioFabrício Augusto de Oliveira

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Nesta edição #25 da Revista PolíticaSocial e Desenvolvimento, seguimos nodebate sobre a gestão macroeconômicade curto prazo e seus impactos sobre odesenvolvimento e a questão social.

Em “A reforma tributária: removendoentraves para o crescimento, a inclusãosocial e o fortalecimento da federação”,Fabrício Augusto de Oliveira e GeraldoBiasoto Jr. sublinham que, desde a Cons-tituição de 1988, o tema da reforma tribu-tária tem constado da agenda de reformasque o Brasil precisa realizar para destravaros caminhos do crescimento econômico

Eduardo FagnaniProfessor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisadordo Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit/IE-Unicamp)e coordenador da rede Plataforma Política Social(www.plataformapoliticasocial.com).

 Apresentação

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e reencontrar-se com os princípios da just iç a fis ca l. Todavia, “ne nhum do sgovernos do período democrático, semexceção, dispôs-se, até hoje, a enfrentaressa questão”, a não ser introduzindoalgumas mudanças pontuais e locali-zadas. Para os autores, o maior problemada carga tributária no Brasil reside não

tanto na dimensão, mas principalmentena composição. A estrutura tributáriabrasileira conta com um peso muitoelevado de impostos indiretos, sabida-mente regressivos, e que respondem poralgo em torno de 75% da arrecadação total.

 Assim, o Brasil conta com uma estruturatributária que se encontra na contramãodo que recomenda o princípio da equi-

dade. Trata-se de um sistema regressivo,que opera como “uma espécie de RobinHood às avessas, onde cabe a os maispobres o maior fardo de financiamentodos gastos do Estado, os quais tendem afavorecer, de maneira geral, as classesdas camadas mais ricas e o capital”. Combase na experiência internacional e numamplo diagnóstico sobre as distorções dosistema tributário nacional, os autores

apresentam um conjunto de propostaspara a “necessária (e temida) reformatributária”.

Em “O vale-tudo do ajuste fiscal primário”,Fabrício Augusto de Oliveira aponta quea continuidade do longo processo denão enfrentamento das questões estru-

turais do ligadas ao sistema tributáriopermanece na conjuntura atual. O autordestaca que para garantir a obtenção deum nível mínimo de superávit primárioem 2016, o governo parece disposto nãosomente a sacrificar as políticas sociais,mas já acena também para a legalizaçãode atividades atualmente consideradasilícitas, como é o caso dos jogos de azar. A justificativa: “obter mais recursos para

satisfazer a ortodoxia em sua obsessãopor um ajuste fiscal das contas primá-rias, como se este fosse suficiente pararesgatar a confiança dos investidoressobre a trajetória da dívida pública”.

Boa leitura!

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1. Origem do caos

 tributário: Constituição

de 1988, ajuste fiscal

e globalização

Desde a Constituição de 1988, o temada reforma tributária tem constado da

Removendo entraves

 para o crescimento,a inclusão sociale o fortalecimento

da federação1

 A reforma tributária:

Fabrício Augusto de OliveiraDoutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de

Política Social, professor da Escola de Governo do Legislativo doEstado de Minas Gerais.

Geraldo Biasoto Jr.Professor-doutor do Instituto de Economia da Unicamp.

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agenda de reformas que o Brasil precisarealizar para destravar os caminhos docrescimento econômico e permitir o seureencontro com os princípios da justiçafiscal. Nenhum dos governos do períododemocrático, sem exceção, dispôs-se, atéhoje, e enfrentar essa questão, a não serintroduzindo algumas mudanças pontuaise localizadas em sua estrutura, geralmenteguiadas pelo imediatismo, que maiscontribuíram para aumentar o seu grau

de degeneração do que propriamente pararecuperá-lo como instrumento de políticaeconômica e social à sua disposição para viabilizar seus objetivos.

 A Constituição de 1988 foi pródiga emrealizar uma redistribuição dos camposde competência e das receitas, em favor dosestados e municípios, prejudicando a União,ao não aprovar um programa consistente

de redistribuição dos encargos, deixandobrechas nessa estrutura para potencializaras disputas por recursos entre os entesfederativos e tornar o sistema sujeito apermanente instabilidade. Foi igualmentegenerosa na ampliação e universalizaçãodos direitos sociais, em resposta à fortedemanda da sociedade por essas políticas,à época, aprovando, no Capítulo da OrdemSocial, a Seguridade Social, com estrutura

própria e independente dos recursos fiscaistradicionais contemplados no CapítuloTributário.

Essa dualidade tributária que brotou daConstituição de 1988, com dois sistemasde impostos regulados por normas e prin-cípios distintos, somada ao quadro degravíssima crise fiscal do setor público nasdécadas de 1980 e 1990 e de permanente

ameaça de um processo hiperinflacionário, juntamente com o aumento das responsa-bilidades da União na oferta de políticaspúblicas, sem contar com um adequadomecanismo de financiamento, se encontrana raiz da crescente degenerescência queo sistema tributário conheceria a partirdessa época, que os governos têm, sistema-ticamente, se esquivado de enfrentar. Semnegar suas boas intenções e seus méritos,ela teria abrigado, com este desenho, o ovo

da serpente que daria vida ao caos tribu-tário (REZENDE, OLIVEIRA & ARAÚJO,2007). Um caos tributário criado pelopróprio governo ao se valer dessa estru-tura para solucionar seus problemas definanciamento.

Reagindo à perda de receitas que lhe foiimposta pela Constituição, em contrapo-sição à ampliação de suas responsabili-

dades, e necessitando melhorar as contaspúblicas para viabilizar um programade estabilização da economia, o governofederal deu início à implosão das estru-turas que separavam o Orçamento Fiscaldo Orçamento da Seguridade, passandoa explorar mais as contribuições sociaispara o financiamento de seus gastos,mesmo porque, além de mais produtivasdo ponto de vista da arrecadação, não havia

a obrigação de reparti-la com estados emunicípios. Pôs em marcha, com isso,um processo de progressiva desestru-turação do sistema, que, mantido desdeessa época, porque funcional para seusobjetivos, passou a constituir o principalobstáculo ao avanço de qualquer propostade sua reforma.

Foi por isso que o governo Fernando

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Henrique Cardoso (1995-2002) encami-nhou uma proposta de reforma tributáriano primeiro ano de seu mandato, em 1995,aprovada em 1999, na forma do Substi-tutivo Mussa Demes, mas logo se trans-formou em seu principal opositor, quando

percebeu que as mudanças subtrairiamrecursos do governo federal. Adormecidano Congresso até 2002, o governo Lula(2003-2010) enviaria uma nova propostapara ser votada, edulcorada com cosmé-ticas e tímidas mudanças redistributivas,mas sua aprovação, no final de 2003 (EC41/03), restringiu-se a medidas essenciaispara a manutenção do compromisso com oajuste fiscal, caso da prorrogação da CPMF

e da Desvinculação das Receitas da União(DRU), enquanto as demais questões foramtransferidas para ser decididas em umnovo projeto (PEC 233/2008), o que nãoaconteceu, principalmente devido aosconflitos federativos que suscitava. No

primeiro mandato do governo Dilma (2011-2014), a única iniciativa neste sentidorestringiu-se a fazer um fatiamento dofatiamento das propostas, contentando-seem buscar solução para um problemaespecífico de um imposto, o das alíquotasinterestaduais do ICMS, base das guerrasfiscais entre os estados. Mas nem assimobteve êxito, provavelmente por falta demaior empenho – ou interesse – do governo

Foto: CCO/ pixabay

A REFORMA TRIBUTÁRIA: REMOVENDO ENTRAVES PARA O CRESCIMENTO, A INCLUSÃO SOCIAL E O FORTALECIMENTO DA FEDERAÇÃO

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federal em que fosse aprovada. No segundomandato, em que o ajuste fiscal primáriodas contas públicas se tornou a principaldiretriz da política econômica, apenasessa questão voltou a constar, pelo menosaté o momento, nas intenções da agendade ações positivas do governo, se é que vaiexistir alguma.

O interessante é que nenhuma dessaspropostas que surgiram nestes governosse preocupou com a mudança do perfil dacarga tributária incidente sobre a socie-dade, de forma a melhorar sua distribuição.Foram propostas basicamente ancoradasna tributação indireta, com a maior preo-cupação de reduzir a cumulatividade da

tributação e coibir a guerra fiscal entre osentes federativos – importantes questõesque também travam o crescimento econô-mico, mas em cuja discussão ninguémdedicou qualquer atenção, de modo geral,a propor mudanças na tributação direta –no imposto de renda e no imposto sobre opatrimônio que visasse a tornar o sistemamais progressivo, o que seria importantenão somente para resgatá-lo como um

instrumento de justiça fiscal, mas comoinstrumento também do próprio cresci-mento econômico. Isso porque, por meio damaior exploração de impostos dessa natu-reza, seria possível fortalecer a capacidadede financiamento do Estado, ao mesmotempo em que se abririam espaços paraa desoneração da produção e dos investi-mentos e também para o fortalecimento domercado interno com a redução da tribu-tação sobre as classes de menor renda, que

possuem maior propensão a consumir.

De uma maneira geral, os governospós-1988 se deixaram seduzir pelo pensa-mento conservador, contando com o apoiode seus auxiliares e dos funcionários docapital nessa questão. A tributação deixoude representar, com a queda das fronteirasnacionais, em tempos de globalização,um campo propício para a prática de polí-

ticas redistributivas, pelas distorções queprovoca em termos de alocação de recursosna economia e pela possibilidade que signi-fica para a fuga de capitais para outrospaíses, onde é menor a taxação sobre oslucros das empresas, sobre o patrimônio,sobre a renda dos trabalhadores maisqualificados, enfim sobre os fatores quepossuem maior mobilidade espacial. Porisso a tributação, na visão deste novo

paradigma teórico, deveria se restringira lançar o seu ônus sobre os fatores demenor mobilidade espacial, o que significapriorizar a cobrança de impostos sobre oconsumo, sobre os trabalhadores menosqualificados, sobre a propriedade imobi-liária etc. (OLIVEIRA, 2009).

 A necessidade de realizar reformas tribu-tárias, à luz deste pensamento, que se

O interessante é que nenhumadessas propostas que surgiramnestes governos se preocupou

com a mudança do perfilda carga tributária incidentesobre a sociedade, de formaa melhorar sua distribuição.

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atingindo em média 39% para o conjuntodos 34 países deste bloco, enquanto, noBrasil, essa participação não passou de22% neste mesmo ano. Além disso, conti-nuam muito desiguais, embora bem maiselevadas do que no Brasil, as alíquotas-tetoincidentes sobre a renda das pessoas físicas(IRPF), caso da Bélgica (50%), Portugal(48%), Alemanha, Austrália, Reino Unido eFrança (45%), Itália (43%), Estados Unidos(39,6%), Espanha (30,5%) para ficar em

alguns exemplos. Nem por isso, se temnotícia de que tenham ocorrido fugasexpressivas dos fatores de maior mobi-lidade espacial de alguns dos países quecobram impostos mais elevados para osque dão tratamento mais privilegiado paraeste tipo de rendimentos, como se verámais à frente.2

Da mesma forma que o pensamento

econômico dominante passou a enxergara tributação com os olhos mais sedentospor ganhos do capital, o mesmo ocorreucom a política fiscal, considerada em seuconjunto. A esta, sempre com o argumentode não se transformar em motivo paraafugentar os capitais do país, passariaa caber apenas a função de proteger epreservar a riqueza financeira, de formaa manter o Estado solvente para garantir o

pagamento dos juros da dívida do Estado,com a produção de elevados e, sempreque necessário, crescentes superávitsprimários. Este, pelo menos, tem sido ocaminho que o Brasil tem trilhado desde adécada de 1990, sem que nenhum governo,independente de sua filiação política –centro, esquerda, direita – ouse mudar essaequação, que, benéfica para os detentoresda riqueza, se transformou em fonte de

degenerescência da estrutura tributária eem obstáculo para o crescimento econô-mico e a justiça fiscal.

2. O caos tributário:

complexidade,

iniquidade e entrave

do crescimento

e da federação

Predomina no Brasil o consenso de que osistema tributário se apresenta repleto dedistorções, insuficiente tanto para garantirum padrão de financiamento adequado

e estável para o Estado, e que funciona,também, como força contrária à simpli-cidade e à transparência, ao crescimentoeconômico, à questão da equidade e à fede-ração. Com todas essas distorções, é umsistema que já deveria ter recebido melhoratenção das autoridades governamentaispara corrigir pelo menos algumas de suasmazelas, com o que poderiam ser resol-

 vidos alguns dos não poucos problemas

da economia brasileira. Mas não é bem oque tem ocorrido, a não ser por algumaspequenas mudanças nele introduzidasque, em substância, em nada alteramsua essência.

 A complexidade do sistema é impres-sionante. Segundo o Instituto Brasileirode Planejamento Tributário (IBPT), daConstituição de 1988 até setembro de 2013,

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foram editadas 309 mil normas tributá-rias pelos três níveis de governo – federal,estadual, municipal –, o que significa 34normas por dia, 51 por dia útil e seis por

hora útil (IBPT, 2013).

 A isso se somam 27 legislações diferentesdo principal imposto sobre o consumo, oICMS, porque de competência dos estadosda federação, com autonomia para definirsuas regras, bem como a superposição deimpostos e contribuições sociais e econô-micas incidentes sobre as mesmas basesprodutivas. Situação não muito distinta

da observada para os impostos sobre opatrimônio, os quais, apesar de em grandenúmero, geram níveis desprezíveis de arre-cadação de pouco mais de 1% do PIB. Tal

situação termina sendo altamente propíciapara a atividade do planejamento tribu-tário, aumentando o custo do contribuintepara administrar o pagamento de suasobrigações tributárias, e justifica a críticafeita ao sistema, de ter-se transformadoem verdadeiro “manicômio tributário”.

 Analisada pela sua dimensão, a carga tribu-tária, atualmente em torno de 36% do PIB,

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em cascata.

Impostos indiretos são reconhecidamenteregressivos, porque sua incidência não temcomo referência a renda do consumidor,

mas apenas o consumo, não diferenciando,portanto, diferentes níveis de poder aquisi-tivo entre os consumidores. Quando muito,podem ter sua regressividade atenuada, aose estabelecerem alíquotas diferenciadasde acordo com a essencialidade do produto.Ou seja, definindo-se alíquotas maiselevadas para bens de luxo, por exemplo,em relação às dos bens de primeira neces-sidade ou de produtos que compõem a cesta

de consumo das classes de menor renda.Mas isso apenas atenua, sem eliminar, suaregressividade, prejudicando as classesde menor poder aquisitivo e, como decor-rência, enfraquecendo o mercado interno

de consumo de bens.

Se a política de diferenciação e seletividadedas alíquotas é possível para os impostosque incidem sobre o valor agregado, omesmo não ocorre com os impostos quesão cobrados sobre o faturamento ou areceita bruta das empresas, com alíquotaúnica, os chamados impostos cumulativos,por não ser possível identificar quanto

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de imposto o produto contém, à medidaque ele vai-se acumulando a cada etapado ciclo de produção e comercialização.Sendo assim, são ainda mais nocivos paraa questão da equidade e, também grave,

para a da competitividade.

Impostos incidentes sobre o valor agre-gado, que propiciam o aproveitamentodo crédito – casos do ICMS, do IPI, porexemplo – são, por essa razão, pelo menosteoricamente, neutros em se tratando daincidência no preço final do produto, coma alíquota efetiva (final) correspondendoà alíquota legalmente estabelecida. Já

no caso dos impostos cumulativos, essasalíquotas – legal e efetiva – não coincidem,com a segunda sendo sempre superiorà primeira, distância que se amplia emfunção da dimensão e extensão da cadeia de

produção e comercialização dos produtos. Assim, alíquotas legais modestas de 1% ou2%, por exemplo, podem, dependendo daextensão dessa cadeia, ser bem superioresem termos efetivos, onerando a produção,reduzindo o poder de competição e pena-lizando o consumidor.

 A participação dos impostos cumulativosna estrutura tributária, que foi bastante

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reduzida com a reforma tributária de 1966, voltou a aumentar consideravelmente nadécada de 1990, quando a União, visando arecuperar sua participação no “bolo tribu-tário”, passou a dar ênfase à exploração dascontribuições sociais e econômicas para oseu financiamento, as quais são caracte-risticamente cumulativas por incidiremsobre o faturamento, a receita bruta e afolha de salários. Mesmo que posterior-mente seu peso tenha sido reduzido com

a reforma (parcial) do PIS e da Cofins noinício da década de 2000, e a extinção daCPMF em 2007, ainda hoje é apreciável suacontribuição na geração da receita tribu-tária, apesar das distorções que provoca(OLIVEIRA, 2010).

 A bem da verdade, na atualidade, poucose sabe sobre o peso efetivo dos impostosindiretos cumulativos na estrutura tribu-

tária brasileira. Mesmo o ICMS, umimposto teoricamente incidente sobre o valor agregado, apresenta elevado grau decumulatividade: em primeiro lugar, porqueuma parte dos créditos a que dá direito,especialmente na exportação de produtos,termina não sendo devidamente ressar-cida aos credores; em segundo, pela siste-mática da cobrança “por dentro”, previstaconstitucionalmente, o que transforma

uma alíquota legal de 30%, por exemplo,em uma alíquota efetiva de 42%. Alémdisso, com a criação de vários regimesespeciais de tributação, como o Simples,por exemplo, ou a mudança da tributaçãoda folha de pagamento para o faturamentodas empresas, o grau de cumulatividadeda estrutura tributária se tornou umaincógnita, devido ao rateio que se fazda arrecadação entre vários tributos.

Por outro lado, o regime de SubstituiçãoTributária, em que pese favorável para aReceita, pela antecipação do recolhimentodo imposto, pela proteção de seu valor realdo processo inflacionário e por atuar comobarreira à sonegação, transforma-se emproblema – e até mesmo em eventualperda – para o contribuinte de direito(a empresa que adquire e comercializa oproduto), caso sua venda se estenda notempo ou não se materialize.

Devido a essa composição em que osimpostos indiretos são predominantes,

Devido a essa composiçãoem que os impostos indiretossão predominantes, enquanto

os impostos diretos – rendae patrimônio, teoricamenteimpostos mais progressivos

e civilizados –, participamcom pouco mais de 20%

no total da carga tributária,não deve causar estranheza

que o Brasil conte comuma estrutura tributária

que se encontra na contramãodo que recomenda um princípio

caro das finanças públicas,o da equidade, de que se devem

cobrar proporcionalmente maisimpostos de quem mais recebe.

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enquanto os impostos diretos – renda epatrimônio, teoricamente impostos maisprogressivos e civilizados –, participamcom pouco mais de 20% no total da cargatributária, não deve causar estranhezaque o Brasil conte com uma estruturatributária que se encontra na contramãodo que recomenda um princípio caro dasfinanças públicas, o da equidade, de quese devem cobrar proporcionalmente maisimpostos de quem mais recebe. Estudo

do IPEA, de 2009, estimou uma cargatributária bruta de 53,9% para as famíliasque ganhavam até 2 salários mínimos, de41,9% para as que se situavam na faixa de2 a 3, com esta apresentando tendênciadeclinante à medida que se avança paramaiores níveis de renda, até se situar em29% para as famílias que recebiam maisde 30 salários mínimos (IPEA, 2009). Umsistema altamente regressivo, que opera,

portanto, como uma espécie de Robin Hoodàs avessas, onde cabe aos mais pobres omaior fardo de financiamento dos gastosdo Estado, os quais tendem a favorecer,de maneira geral, as classes das camadasmais ricas e o capital.

Ora, um sistema tributário com este perfilnão é prejudicial apenas para a questão da justiça fiscal, mas também para a própria

atividade econômica e para o crescimento. Apesar (i) do pensamento conservador quecondena a tributação sobre os mais ricos,alegando ser destes que nasce a poupançapara os investimentos, baseado em tesesanacrônicas como a da improdutividadedos gastos do Estado e da necessidade deuma poupança prévia para a acumulação,e (ii) do novo paradigma teórico de quese deve evitar a taxação sobre os fatores

de maior mobilidade espacial, o Estado,ao abdicar de cobrar impostos destessegmentos, estreita consideravelmentesuas bases de tributação, penaliza exage-radamente as camadas da sociedade demenor poder aquisitivo e enfraquece opotencial de crescimento da economia.Isso porque, como demonstrou Keynes emseu trabalho lapidar de 1936, A Teoria Geral

do Emprego, do Juro e do Dinheiro, são ascamadas de mais baixa renda que, por

possuírem maior propensão ao consumo,tendem a fortalecer a demanda agregadae o mercado interno, revitalizar as forçasdo sistema e contribuir para atenuar asflutuações cíclicas do sistema (KEYNES,1983). Não se trata, assim, apenas de umaquestão de justiça fiscal, mas também deuma razão econômica.

Por fim, a federação, que é questão decisiva

que não se pode desconsiderar, quando sepensa em reforma do sistema tributário,questão que, por sinal, é a que mais temimpedido que prosperem as propostas quesurgem para discussão, porque não dãotratamento satisfatório à reconstrução dasbases federativas.

O fato é que a iniciativa da Constituiçãode 1988 de fortalecer as bases federativas

no país, logo se enfraqueceu com a reaçãoda União à perda de recursos, às exigên-cias do ajuste fiscal para a estabilização,e à orientação, emanada do pensamentoneoliberal, de que o governo federal deveriadescentralizar as políticas públicas paraos governos subnacionais – por questãode eficiência –, e, posteriormente, com arecomendação da corrente neoinstitucio-nalista de que deveria criar mecanismos

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e instrumentos para exercer um controlehierárquico sobre as suas finanças, visandoa evitar desequilíbrios orçamentários.

Seguindo à risca essas novas ordens, adescentralização avançou, e criaram-seinstituições de controle de suas finanças,

caso da Lei de Responsabilidade Fiscal(LRF), reduzindo sua autonomia, aomesmo tempo em que esses governosforam compulsoriamente envolvidosnos esforços da política de austeridadefiscal, mas sem que isso se fizesse de formanegociada, ordenada e planejada. O resul-tado de todo este processo tem sido umaprogressiva desconstrução da federação nopaís, com o enfraquecimento financeiro,

fiscal e institucional do nível interme-diário de governo – os estados –, e maiorsubmissão e mais dependência dos muni-cípios à União, mas sem que os municípioscontem com condições para conduzir,com autonomia, as políticas pelas quaispassaram a ser responsáveis, o que acirra

os conflitos federativos. Sem adequadasolução deste conflito, que exige reformamais profunda e consensual do modelofederativo, questão que as propostassurgidas e apresentadas têm tambémignorado, dificilmente se avançará nasmudanças necessárias para resgatar osistema tributário como instrumentoefetivo de política econômica e social.

Foto: CC0 Public Domain @Pixabay

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da riqueza acumulada, que compõem opatrimônio, suavemente taxado, deveriater sua progressividade ampliada. Do ladoda renda, com a ampliação da alíquota-tetodo imposto de renda das pessoas físicas,hoje limitada a 27,5%, e com a extensãode um tratamento mais isonômico paraoutras fontes de renda que atualmente sebeneficiam, em relação ao trabalho, de umataxação mais suave, caso dos ganhos decapital, aplicações financeiras e em bolsas

de valores, etc. Do lado do patrimônio,com a criação de um imposto mais amploe poderoso do que os existentes, capaz decontribuir, efetivamente, para cumprir oprincipal papel de refrear a concentraçãode riqueza no país e evitar que a riquezafutura a ser criada já esteja previamentereservada para alguns.

Claro que essas mudanças pressupõem

negociações nada fáceis de várias árease níveis de governo, dado que mudama equação do financiamento tanto dosgovernos subnacionais como das polí-ticas sociais. Por isso, é indispensável quetais mudanças estejam associadas a umarevisão do modelo federativo, com claradefinição da distribuição das responsa-bilidades das esferas governamentais ede suas fontes de financiamento, o que

implica fazer uma revisão profunda decampos de competência tributária, dodistorcido sistema atualmente existentede partilha de tributos, ao mesmo tempoem que se criam mecanismos legais econstitucionais para preservar recursospara as áreas sociais.

Reconhece-se não ser uma tarefa fácil.Reformas abrangentes costumam estar

associadas a contextos de ruptura insti-tucional e a mudanças mais radicais emprojetos de sociedade, quando as novasforças que assumem o poder dispõem decondições políticas para viabilizá-las. NoBrasil, após a Constituição de 1891, apenasduas reformas tributárias de profundidadeforam realizadas: a de 1965/66 do regimeautoritário que, apesar de modernizante,excluiu das mudanças qualquer preocu-pação com a questão da justiça fiscal, dados

No Brasil, após a Constituiçãode 1891, apenas duas reformas

tributárias de profundidadeforam realizadas: a de 1965/66

do regime autoritário que,apesar de modernizante,

excluiu das mudanças qualquerpreocupação com a questãoda justiça fiscal, dados seus

objetivos de crescimentoa qualquer custo; e a da

Constituinte de 1988, que, maispreocupada em promover

a descentralização de receitaspara estados e municípios e dar

o troco na forte centralizaçãotributária promovida peloregime autoritário, tratou

aquela questão apenas no nívelde princípios, os quais em quase

nada se materializaram,por falta de regulamentação.

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seus objetivos de crescimento a qualquercusto; e a da Constituinte de 1988, que, maispreocupada em promover a descentrali-zação de receitas para estados e municípiose dar o troco na forte centralização tribu-tária promovida pelo regime autoritário,tratou aquela questão apenas no nível deprincípios, os quais em quase nada se mate-rializaram, por falta de regulamentação.

Isso não impede, contudo, que, dadas as

dificuldades para a realização de umareforma abrangente, até mesmo porqueessa se torna ainda mais difícil em períodosde crise econômica como a que atualmenteassombra o país, mudanças progressivaspossam ser realizadas na estrutura deimpostos, à luz de um claro projeto desociedade capaz de soldar os interessesque são por ela afetados. O que é preciso éter claro, neste caso, para onde se pretende

rumar; os objetivos econômicos e sociaisque se pretende ou se propõe a atingir, opapel que caberá ao Estado, o tipo de fede-ralismo que se quer para o país, enfim umprojeto negociado capaz de atrair apoioe aglutinar as forças políticas para suarealização. Sem isso, as mudanças nosistema devem continuar ocorrendo deforma episódica e casuística, ao sabor dosproblemas conjunturais e financeiros,

divorciadas de uma visão estratégica dofuturo da sociedade.

O fato é que o Brasil se encontra atualmentenovamente numa encruzilhada. Indepen-dente dos erros de política econômicaque foram cometidos nos últimos anos,correndo o risco de ver caírem por terra osganhos que obteve em termos de reduçãodas desigualdades com a implementação de

políticas proativas para este objetivo, masque se esgotaram, por não se ter dotado oEstado de capacidade financeira para darcontinuidade ao projeto de crescimentoeconômico com inclusão social.

Tendo se apoiado nas mesmas estruturasde financiamento precedentes e não seempenhado em realizar reformas estru-turais necessárias para dar sustentação aeste projeto, incluindo a da reforma tribu-

tária, e com o governo comprometido coma geração de superávits primários paracontar com a confiança dos agentes econô-micos, foi inevitável, com o tempo, que seabalassem os pilares centrais da economia,com o Estado impotente financeiramentepara dar-lhe continuidade. E, mais grave,sendo obrigado a promover ajustes em suascontas para se re-enquadrar nas condiçõesestabelecidas pelo novo consenso macroe-

conômico para reconquistar a confiançado mercado, com o objetivo de evitar orebaixamento de sua nota de crédito pelasagências de rating, o que terminou nãoconseguindo, já que a Standard & Poor’s(S&P), no dia 09 de setembro, retirou-lheo selo de bom pagador, ao rebaixar sua notade “BBB-“ para “BB+”. O que já era esperadopor muitos analistas, devido à progressivapiora das condições fiscais e do grau de

endividamento do Estado e, também, danatureza do ajuste que foi implementadono início do segundo mandato do governoDilma Rousseff (2015-2018).

Na verdade, ficara claro desde o anúncioque o caminho escolhido para a realizaçãodo ajuste continha os mesmos equívocos

 já cometidos no passado em contextossemelhantes, ignorando a importância

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de uma reforma tributária para fortalecero seu padrão de financiamento, ao se apoiarpredominantemente no aumento dosimpostos indiretos e no corte de gastospara essa finalidade. Ao navegar de formasolitária nessa empreitada, o ajusteprimário das contas públicas, ainda emcurso, tem provocado – e continua provo-cando – grandes estragos no tecido econô-mico, comprometendo também parte das

conquistas sociais e dos ganhos de reduçãodas desigualdades arduamente obtidas nosúltimos anos.

Por isso, o sonho de que as classes de menorpoder aquisitivo e também as que integramo grupo da pobreza poderiam adentrar oparaíso do consumo e do bem-estar social,começou a desmoronar com a falência deum Estado que, se acreditando criador da

riqueza, pretendeu promover políticasredistributivas, mas excluindo, de seuscustos, os detentores da renda e da riqueza,os quais, pelo contrário, são os que mais setêm beneficiado da política econômica. E,também grave, sem que o governo tenha-sepreocupado em criar as condições para umcrescimento econômico mais consistente,com a realização de reformas estruturais,sem o qual essas políticas não se sustentam.

Sabe-se, apesar dos devaneios do governoe dos gestores da política econômica sobreessa questão, iludidos com os contos decarochinha da ortodoxia, que não serápor meio deste ajuste que se recomporá acapacidade de financiamento do Estado,que lhe propicie contribuir para a reto-mada do crescimento econômico e para asustentação de políticas de inclusão social.

Foto: CCO/ pixabay

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 Ainda que as mudanças necessárias paraque isso ocorra não se limitem a umareforma tributária, esta, muito certamente,é indispensável para que se alcance aqueleobjetivo, desde que despida do conteúdoconservador e equivocado das propostasque, volta e meia, aparecem no cenário.Na sequência, discute-se o conteúdo que areforma tributária deve ter, para que venhaa contribuir para a retomada do cresci-mento econômico e para a sustentação de

políticas de inclusão social. .

3.1. Uma proposta para a necessária (e temida)reforma tributária

3.1.1. Começando a reforma pela tributação direta

Pensando em uma reforma progressivae na necessidade de mais rapidamentefazer a recomposição do mecanismo definanciamento do Estado, as mudançasdeveriam ter início, ao contrário do que

consta das várias propostas de reformase do caminho seguido pelo atual ajustefiscal, pela tributação direta. Existe, nestecampo, um grande potencial inexploradode arrecadação que pode fortalecer asfinanças do Estado, reduzir a iniquidadedo sistema e, até mesmo, gerar ganhosimportantes para estados e municípios queparticipam de suas receitas, por meio doFundo de Participação dos Estados (FPE)

e do Fundo de Participação dos Municípios(FPM), do Imposto Territorial Rural (ITR)e do Imposto sobre Heranças e Doações(ITCD), de competência estadual.

a) O imposto sobre a riqueza e opatrimônio

O caso do patrimônio – que o pensamentoconservador sempre se esquiva de tributar,sob o argumento de que um maior imposto

incidente sobre ele pode gerar movimentosespeculativos e afugentar capitais e grandesfortunas para outros países, além de cons-tituir uma bitributação (uma falácia emtermos de fato gerador) – apresenta-secomo campo que necessita de mudanças,nem tanto pelo que pode gerar de arreca-dação, que também não pode ser despre-zada neste contexto, mas principalmentepelo papel de pelo menos reduzir o ritmo

da velocidade da concentração da renda eda riqueza. Atualmente, no Brasil, os váriosimpostos cobrados sobre o patrimôniogeram receitas desprezíveis de pouco maisde 1% do PIB, enquanto, principalmentenos países mais desenvolvidos, sua parti-cipação é bem mais expressiva.

No Congresso Constituinte de 1988, aproposta de criação de Imposto sobre o

Patrimônio Líquido (IPL) foi rejeitada naComissão de Sistematização e, seu lugar, foicompensado com o Imposto sobre GrandesFortunas (IGF), deixado para ser regula-mentado em infraconstitucional, regula-mentação que nunca ocorreu. Uma grande

 jogada dos defensores da propriedade,que sabiam de antemão que o IGF, pelassuas características, encontraria fortesresistências para ser aprovado. Ainda

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assim, restaram mais cinco impostos queincidem sobre a propriedade, em geral,como mostra a Tabela 1, mas são irrisó-rios, quer como fontes de arrecadação, quenão é relevante, quer como instrumentos

 voltados para diminuir a velocidade doavanço da concentração de renda e dariqueza no país.

É bem verdade que a onda neoliberal

que se alastrou pelo mundo capitalistaa partir da década de 1980 enfraqueceumuito a cobrança dos impostos sobre apropriedade em vários países, com algunschegando, inclusive, a extinguir o Impostosobre Heranças e Doações, sempre sobo argumento da dupla tributação e dosriscos colocados para a fuga de capitaispara outros países mais camaradas emtermos de cobrança de impostos sobre opatrimônio. Mesmo assim, conforme se

mostra na Tabela 2, continua expressiva,em vários países desenvolvidos da OCDE,como Estados Unidos, Bélgica, Coreia doSul, Espanha, Estados Unidos, França,Itália, Japão e Reino Unido, a carga tribu-tária incidente sobre a propriedade emgeral, o que não ocorre no Brasil.

O caso do Imposto sobre Heranças eDoações (ITCD), de competência estadual,

merece algumas considerações dentre osimpostos que incidem sobre a riqueza e opatrimônio. Criado em 1988, permaneceuna estrutura tributária brasileira comoum imposto sem relevância, até mesmopor não ter sido regulamentado em váriosestados, apenas sendo cobrado sobre atransmissão de imóveis por motivo demorte (causa mortis), deixando de ladoas outras formas de riqueza transferidaspara os herdeiros.

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Impostos Receita 2013

(em R$ mil)

% na Receita

Total

% no PIB

ITBI 9.953,75 0,57 0,21

IPTU 24.316,48 1,40 0,50

ITCD 4.142,18 0,24 0,09

ITR 763,97 0,04 0,02

IPVA 29.232,08 1,68 0,60

Total 68.408,47 3,93 1,42

Receita Total 1.741.658,31

TABELA 1 – BRASIL: IMPOSTOS SOBRE A PROPRIEDADE EM GERAL, EM % DA RECEITA E DO PIB ANO: 2013Fonte: Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal. Cetad – Centro de Estudos Tributáriose Aduaneiros, dezembro de 2014

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 Apenas nos últimos anos tem-se registrado,em alguns estados, maior crescimento daarrecadação desse imposto, devido prin-cipalmente ao avanço da regulamentaçãoe à realização de convênios, que passaram

a acontecer, entre alguns destes estadose a Receita Federal, para terem acessoaos dados sobre os bens declarados peloscontribuintes nas declarações do Impostode Renda das Pessoas Físicas (IRPF),

Pa ses Impostoss/ a Propriedade Geral

Impostos sobreHeranças e doações

% na Receita % no PIB % na Receita % no PIBAlemanha 2,5 0,9 0,5 0,2

Bélgica 7,9 3,5 1,9 0,8

Coreia do Sul 10,3 2,5 1,2 0,3

Dinamarca 3,8 1,8 0,4 0,2

Espanha 6,6 2,1 0,7 0,2

Estados Unidos 11,1 2,8 0,6 0,1

França 8,5 3,8 1,1 0,5

Irlanda 7,7 2,2 0,6 0,2

Itália 6,3 2,7 0,1 0,0

Japão* 9,1 2,7 1,1 0,3

Noruega 3,0 0,2 0,2 0,1

Portugal 3,3 1,1 0,0 0,0

Reino Unido 12,3 4,1 0,6 0,2

Média OCDE* 5,5 1,8 0,4 0,1Brasil 3,9 1,4 0,2 0,1

TABELA 2 : OCDE: % IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE GERAL E DE HERANÇAS E DOAÇÕES NA RECEITATOTAL: 2013Fonte: OCDE: Revenue Statistics. Comparative Tables.https://stats.oecd.org/index.aspx?DataSetCode_REV.(*) – Dados de 2012

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melhorando a fiscalização e a cobrança.Em 2013, contudo, como se constata naTabela 1, respondeu por apenas 0,24% dacarga tributária total, o equivalente a 0,09%do PIB, superior apenas à do Imposto sobrea Propriedade Territorial Rural (ITR), queé imposto meramente simbólico cobradosobre a terra.

De acordo com a Receita Federal, os valoresdos bens e direitos declarados como rece-bidos como Heranças e Doações, isentosda incidência do Imposto de Renda, foram,em 2013, de R$ 51 bilhões. Trata-se de umatransferência de riqueza apreciável e, anão ser no caso do cônjuge, “imerecida”

por quem a recebe por não ser fruto dotrabalho, mas resultado apenas da “sorte”de nascer em berço de ouro – com o queaté o mais empedernido liberal concorda.Desse total transferido, a esse título, a arre-cadação do ITCD foi de apenas R$ 4,15bilhões, correspondendo a uma alíquotade 8% deste imposto, na hipótese de queimpostos e transmissão tenham ocorridono mesmo ano. A baixa alíquota desteimposto explica também, em boa parte, a

irrisória arrecadação.

Embora de competência estadual, cabeao Senado Federal estabelecer a alíquotamáxima, que foi fixada em 8%, em 1992.

 Ainda assim, na maioria dos estados, asalíquotas foram estabelecidas, na regu-lamentação, em níveis inferiores a esteteto, entre 4 e 5%, sendo raros os quecobram este imposto acima deste limite.

Para os padrões internacionais, mesmo setratando de um imposto que tem perdidointeresse pelos motivos apontados, trata-sede alíquota muito baixa, como se constatana Tabela 3: na média dos países da OCDE,essa alíquota anda em torno de 15%, mas,dentre estes, destacam-se os países quelhe dão importância como instrumentopara diminuir a velocidade da concen-tração de renda, como o Japão, com uma

alíquota-teto de 55%, Bélgica (50%), França(45%), Reino Unido (40%), entre outros,e, na América Latina, o Chile com umaalíquota máxima de 25%.

O argumento de que se trataria de bitri-butação não encontra eco na realidade datributação, por não serem os impostos,como lembram Murphy & Nagel (2005, p.196), “[...] como penas criminais, que não

De acordo com a ReceitaFederal, os valores dos bense direitos declarados comorecebidos como Heranças e

Doações, isentos da incidênciado Imposto de Renda, foram,

em 2013, de R$ 51 bilhões.Trata-se de uma transferência

de riqueza apreciável e, a não serno caso do cônjuge, “imerecida”por quem a recebe por não ser

fruto do trabalho, mas resultadoapenas da “sorte” de nascer

em berço de ouro – como que até o mais empedernido

liberal concorda.

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podem ser impostas duas vezes pelo mesmocrime”. Se assim fosse, não se poderiacobrar o imposto sobre o consumo de bens eserviços, uma vez cobrado o imposto sobrea renda, pois a renda estaria sendo oneradapara atender as necessidades básicas de

subsistência do indivíduo, e já teria sidotaxada. Trata-se de fatos geradores comple-tamente distintos: riqueza acumulada,renda e consumo. E, como a propriedadenão decorre de direito natural, mas é asse-gurada e protegida pelo Estado por meio

Posição no ranking País Alíquota máxima (%)

1 Japão 55

2 Coreia do Sul 50

3 França 45

4 Reino Unido 40

5 Estados Unidos 40

6 Espanha 34

7 Irlanda 33

8 Bélgica 30

9 Alemanha 30

10 Chile 25

11 Grécia 20

12 Holanda 20

13 Finlândia 1914 Dinamarca 15

15 Turquia 10

16 Islândia 10

17 Polônia 7

18 Suíça 7

19 Itália 4

Média simples OCDE 15

Comparativo Brasil 8

TABELA 3: BRASIL E OCDE: ALÍQUOTAS MÁXIMAS DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE E A HERANÇAFonte: Cole, Alan. Estate and inheritance taxa around the world. Capturado na internet in: http://Taxa Foundation.org/article-and-inheritance-taxes-around-world.

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de registros tributários, é perfeitamentelegítimo que sobre ela incida este tipo deimposto.

De igual modo, as teorias normativas quedefendem a proteção do poupador da tribu-tação, sob o argumento de sua importânciapara o investimento e a acumulação, hámais de cem anos caíram de moda, comos trabalhos de Wicksell (1965; 1986) eSchumpeter (1982), que colocaram em

evidência o papel do crédito para essafinalidade, posições resumidas por HenriSimon, em 1938, da seguinte maneira,em citação de Murphy e Nagel (2005, p.153): “num mundo em que a acumulaçãode capital acontece como acontece hoje, aideia de que a poupança é um adiamento doconsumo é, sob certo aspecto, tristementeinsatisfatória”. Tais teorias, que visam apremiar o poupador e a punir o gastador

desconsideram a importância do consumo(da demanda) para o processo de acumu-lação, como se esse dependesse apenas dosinvestimentos e esses, para se realizarem,de poupança prévia.

No caso da criação de um imposto maisamplo sobre o patrimônio, no Brasil,parece claro que de seus ônus teriam deser deduzidos os impostos que atualmente

incidem sobre a propriedade, em geral, eque são de competência de outras esferasda federação, tais como o IPTU, IPVA,ITCD e mesmo o ITR, caso permaneçamna estrutura tributária. Neste caso, com oobjetivo de evitar uma bitributação. O ITBI,por incidir sobre a transmissão de imóveisinter vivos constitui um caso à parte, pornão incidir sobre o estoque, mas sobre a venda dessa riqueza. Alternativamente, o

que representa um caminho mais compli-cado por retirar dos municípios o principalimposto de sua competência para financia-mento de parte de seus gastos, o IPTU, acriação de um imposto mais amplo sobre opatrimônio poderia ser partilhado e rateadoentre os diferentes níveis de governo.

O fato é que, apesar das dificuldades exis-tentes para sua cobrança, o patrimônio,ou a riqueza acumulada, e, notadamente

nessa, a transmissão por herança e doações,permanece como um caminho poucoexplorado no Brasil para se promoverprincipalmente a justiça tributária esocial. Justificando o fato de não o tercontemplado no ajuste fiscal, o ministroda Fazenda, Joaquim Levy, argumentouque “a taxação das grandes fortunas arre-cada pouco e não traz vantagens para adistribuição de renda”. Ledo engano. Se

existe modo de impedir que o montante dariqueza atual de ativos reais e financeiroscontinue a aumentar sua fatia na produçãoadicional futura, deduzidos os gastos coma mão de obra que se incorpora ao contin-gente da força de trabalho para essa fina-lidade, esse modo consiste exatamente emreduzir a velocidade em que se expande, oque pode ser feito com a cobrança de umimposto mais poderoso incidente sobre a

riqueza acumulada, como bem o demons-trou Piketty, em seu O capital no século XXI (PIKETTY, 2014).

É preciso, no entanto, cuidados especiaiscom a criação desse imposto, para que nãose transforme em imposto que sacrifiqueaqueles que, apesar de possuírem algumpatrimônio, não contam com fluxos anuaisde renda suficientes para atender suas

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necessidades de subsistência. Por isso,além de bom senso no estabelecimento delimites adequados de isenção para a inci-dência desse imposto, é importante que acobrança seja feita de forma integrada como imposto de renda, capaz de fornecer essasinformações, para evitar que isso ocorra.

b) O imposto sobre a renda das pessoasfísicas (IRPF)

Se o patrimônio recebe um tratamentoaltamente camarada no Brasil, inclusivede governos tidos como de esquerda, oimposto cobrado sobre a renda das pessoasfísicas (IRPF) representa a confissão de quetributar os mais ricos no país foi e continuasendo considerado pecado capital. Dadosdivulgados em 2015 pela Receita Federal(Receita Federal Brasileira, 2015) sobreos rendimentos das pessoas físicas e sobre

o IR cobrado, jogam por terra qualqueresperança de que ainda se pudesse contar,pelo menos no caso deste imposto, comalguma progressividade, mesmo com aalíquota-teto limitada a 27,5%.

 Até há pouco tempo, os estudos sobre essaquestão confirmavam essa progressivi-dade, mas o grande senão foi que levaramem conta, nessa análise, apenas os rendi-

mentos tributáveis, que se encontravamdisponíveis, ou seja, a parcela da rendasujeita ao pagamento de impostos. Apublicação da Receita Federal dos dadosrelativos às outras fatias da renda doscontribuintes, que são ou mais suavementetaxadas ou completamente isentas, modi-fica completamente essa visão que se tinhadeste imposto. De repente, descobre-seque a parcela que é tributável representa a

menor parcela da renda dos que se encon-tram no topo da pirâmide (meros 13%), querecebem uma renda média anual de R$ 4,2milhões, e de apenas 28% para os que vêmlogo em seguida, ganhando, em média, R$886 mil anuais.

Somando-se, portanto, à renda tributáveldos contribuintes, os ganhos que sãotaxados exclusivamente na fonte, à alíquotareduzida de 15%, e os que são isentos da

incidência do imposto, torna-se possívelconhecer a carga tributária efetiva quesobre eles incide, em função de seu nívelde renda. Este resultado, apresentado naTabela 4, impressiona por contrariar qual-quer lógica que nele se queira encontrarsobre alguma progressividade.

Como se percebe de sua análise, quandoconsiderados os rendimentos totais doscontribuintes, os que recebem, em média,R$ 4,2 milhões por ano, que detém 14%

De repente, descobre-seque a parcela que é tributávelrepresenta a menor parcela

da renda dos que se encontramno topo da pirâmide (meros

13%), que recebem uma rendamédia anual de R$ 4,2 milhões,

e de apenas 28% para os que vêm

logo em seguida, ganhando,em média, R$ 886 mil anuais.

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da renda gerada e representam 0,27% deseu total (7.440 privilegiados), arcam comuma carga tributária (excluída a retençãodo imposto sobre ganhos de capital e deaplicações financeiras taxados exclusiva-

mente na fonte), de apenas 2,6%, inferior,até mesmo, à dos que ganham entre 5 e10 salários (renda média anual de R$ 57,3mil e carga de 2,89%), com estes, inclusive,dando uma maior contribuição para a arre-cadação deste imposto, de 10,6%, contra6,8% dos mais ricos.

Os que se situam na faixa de 80 a 160salários (renda média anual de R$ 886

mil), com uma carga de 5,83%, apresentamuma situação bem mais favorável dos que vêm em seguida (faixa de 40 a 80 salários,com renda média de R$ 440 mil no ano).Já os que recebem entre 20 e 40 salários

(renda média de R$ 226 mil), que podemser classificados como “classe média alta”,aparecem como os mais penalizados com acobrança deste imposto, embora com umacarga que não vai além de 10,2% de seusrendimentos totais.

 As conclusões que podem ser extraídasdestes dados não deixam dúvidas de queuma reforma do IRPF é premente, não

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somente porque pode fortalecer as basesde financiamento do Estado e ampliar osespaços para a realização de uma reformada tributação indireta, mas também paraimprimir maior justiça tributária e social

à estrutura de impostos no Brasil:

i) os declarantes do IRPF que se situam nafaixa de até cinco salários mínimos e querepresentam 50,7% do total (13,4 milhõesde um total de 26,5) contribuem de formainexpressiva para a sua arrecadação(apenas 1,09% em 2013) e nem deveriamestar no radar da Receita Federal, atémesmo pelos custos que sua administração

representa para este órgão;

ii) o imposto revela-se progressivo dasprimeiras faixas de renda até a que recebeentre 20 e 40 salários mínimos (a “classe

média alta”), com a carga tributária caindoexpressivamente, a partir daí, para asfaixas de renda mais altas, ou seja, tornan-do-se altamente regressivo. Note-se que oscontribuintes situados entre as faixas de 5a 40 salários responderam, neste ano, por68% de toda a sua arrecadação, enquantoos mais ricos (faixas entre 40 e mais de 160salários), por apenas 31%;

 

Faixade renda(em n° SM) 

%no total dedeclarantes

Rendimentomédio(em R$ mil)

%na rendatotal

AlíquotamédiaIR

IRdevido

%no IRdevido

Até 2 10,80 6,19 0,83 0,0 0,5 0,01

2 a 3 10,16 21,48 2,71 0,0 1,9 0,01

3 a 5 29,75 31,72 11,73 0,47 1.181,0 1,09

5 a 10 27,56 57,37 19,63 2,89 12.135,9 10,62

10 a 20 13,29 113,45 18,74 7,63 30.517,3 26,71

20 a 40 5,69 226,27 15,99 10,2 34.793,9 30,46

40 a 80 1,96 440,80 10,72 9,08 20.764,6 18,17

80 a 160 0,52 886,28 5,68 5,83 7.074,3 6,19

+ de 160 0,27 4.170,40 13,97 2,60 7.763,0 6,79

Total/média 26.494,4 80,50 100,00 5,36 114.232,4 100,00

TABELA 4: QUADRO RESUMO DE DECLARANTES, RENDIMENTO MÉDIO, PARTICIPAÇÃO NA RENDA TOTAL, IRDEVIDO E CARGA TRIBUTÁRIA DOS CONTRIBUINTES DO IMPOSTO DE RENDA, POR FAIXAS DE RENDIMENTOSTOTAIS. ANO-BASE 2013

Fonte dos dados primários: Receita Federal (Cetad, Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros),2015. Elaboração do autor.

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iii) a chamada “classe média” é, assim,a que mais tem arcado com o ônus desteimposto, enquanto os muito ricos, espe-cialmente os que se encontram no topo dapirâmide, são taxados com muita cama-radagem e contribuem muito pouco, emrelação aos seus rendimentos totais, paraos cofres públicos.

Gobetti e Orair (2015) fizeram a imputação

nessa carga tributária do imposto cobradoexclusivamente na fonte dos rendimentosdo capital em suas várias formas, e deram,para ela, números mais elevados, em todosos estratos de renda, do que os apresen-tados na Tabela 4. Seu perfil, no entanto,não se alterou como mostra a Tabela 5:a carga mantém-se progressiva até osestratos de renda que recebem até 40 salá-rios mínimos, quando atinge o máximo de

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Faixas de renda

(em n° SM)

Declarantes

(em mil)

IR/renda total

Até ½  1.268,2 0,03

1/2 a 1 518,3 0,03

1 a 2 1.075,8 0,04

2 a 3 2.692,9 0,03

3 a 5 7.882,0 0,56

5 a 10 7.300,4 3,41

10 a 20 3.522,2 8,94

20 a 40 1.507,3 11,96

40 a 80 518,6 11,13

80 a 160 136,7 8,17

+ 160 71,4 6,51

Total/média 26.494,4 6,90

TABELA 5: IMPOSTO DE RENDA TOTAL/RENDA TOTAL, POR FAIXA DE RENDIMENTOS, INCLUINDOA RETENÇÃO DO IMPOSTO EXCLUSIVAMENTE NA FONTE. ANO-BASE – 2013

Fonte dos dados primários: Receita Federal (Cetad, Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros),2015. Tabela elaborada por Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, economistas do IPEA.

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12%; e declina para as faixas mais altas,representando 6,5% para os que se encon-tram no topo da pirâmide, inferior à médiade 6,9% registrada para o conjunto doscontribuintes.

São várias as razões que tornam esteimposto “amigável” para os mais ricos edistorcem o critério de sua progressivi-dade. Entre essas, cabe apontar:

i) A alíquota-teto de 27,5%, é baixa secomparada aos padrões vigentes princi-palmente em economias desenvolvidas. Ofato de os rendimentos mensais superioresa R$ 4.664,48 passarem a ser gravados,a partir deste nível, com uma alíquotaproporcional, significa que rendas maiselevadas deixam de dar maior contribuiçãopara o fisco vis-à-vis as mais baixas, desa-parecendo qualquer compromisso com a

progressividade.

 Até o final da década de 1980 ou, maisprecisamente, até o ano de 1987, a tabela doimposto de renda, no Brasil, contava com11 faixas de renda (incluindo a de isenção)e com alíquotas progressivas que variavamde 0 a 50%. Na primeira reforma que serealizou neste imposto, após a saída deBresser Pereira do Ministério da Fazenda

no final daquele ano, essas faixas foramreduzidas para nove, e a alíquota-teto para45%, para vigorarem em 1988. Na segunda,pela Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988,as faixas foram reduzidas para três, comduas alíquotas, de 10% e 25%, sob a justi-ficativa de “ser necessário acompanharas tendências mundiais em termos dereforma tributária”.

Foi provavelmente por influência da nova visão sobre a questão da tributação e dapolítica fiscal, que nasceu nessa época,como já visto, quando a visão neoliberal setornou dominante, que o então Ministroda Fazenda, Maílson da Nóbrega, quesubstituiu Bresser Pereira no Ministério,desmontou a estrutura mais elástica emais abrangente da tabela de incidênciado imposto de renda e reduziu as alíquotasa apenas duas, tornando o imposto incapaz

de funcionar como antídoto ou amorte-cedor das gritantes desigualdades de rendaexistentes no país.

Esse baixo nível e limitado número dealíquotas incidentes sobre a renda daspessoas físicas permaneceram até 1993e, somente em 1994, por integrar o ajustefiscal provisório feito à época para o lança-mento do Plano Real, foram elevadas,

embora temporariamente (até 1995),passando a tabela do IR a contar com quatrofaixas e alíquotas de 15%, 26,6% e 35%.

Em 1996, retornou-se à condição ante-rior, com duas alíquotas, com seu limiteestabelecido novamente em 25%, mascom a alíquota da primeira faixa sujeitaao pagamento de imposto, aumentada de10% para 15%. Só em 1998, a alíquota-teto

seria elevada para 27,5%, mantendo-se aprimeira em 15%, estrutura que perma-neceu até 2008.

No Governo Lula, foram ampliadas asfaixas de renda para incidência do impostode três para cinco (incluindo a do limitede isenção) e introduzidas duas alíquotasintermediárias de 7,5% e 22,5% entre as exis-tentes (de 15% e 27,5%), sob a justificativa

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de aliviar sua carga para a classe média. A alíquota-teto de 27,5%, que beneficia asmais altas rendas e que representa, porser proporcional a partir de determinadonível de renda, um dos mecanismos deregressividade do sistema, continua, noentanto, mantida até os dias atuais.

Comparado aos países da OCDE, o Brasilsó apresenta uma alíquota-teto maior emrelação à Dinamarca, Noruega e Suécia,mas ali os níveis inferiores de governotambém cobram este imposto, o quesignifica que, no conjunto, devem sermais elevadas, e trata-se de países bonscobradores do mesmo. Perde para todos osdemais. Como apontado anteriormente, a

alíquota-teto da Bélgica chega a 50%; a da Alemanha, Áustria, França e Reino Unido,a 45%; a dos Estados Unidos, a 39,6%; e ado Japão, a 40%.

Mesmo entre as economias da AméricaLatina, o Brasil, no tocante a essa alíquota,

se encontra atrás de Argentina (35%), Chile(40%), Colômbia (33%), Equador (35%),Guatemala (31%), El Salvador, Nicarágua,México e Peru (30%), e até mesmo da Vene-zuela (34%). Como consolo, apresenta-se,com uma alíquota-teto mais alta, na frentedas economias da Bolívia (13%), CostaRica (15%), Honduras, Panamá, RepúblicaDominicana, Uruguai (25%) e Paraguai(10%).

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por mais de dois anos. Trata-se, na suamaior parte, de rendimentos do capitale das rendas mais altas da sociedade quemantêm aplicações no sistema financeiro,que obtêm ganhos nas bolsas de valores ouque recebem dividendos de empresas naforma de juros sobre o capital próprio. Otratamento privilegiado dado a esse tipode rendimento desrespeita claramente umprincípio da Constituição de 1988 que veda,no art. 150, inciso II, tratamento desigual

entre os contribuintes independentementeda denominação jurídica dos rendimentos,títulos ou direitos.

Mas a mais importante “jabuticaba tribu-tária” está, de fato, entre os rendimentos

que são completamente isentos do paga-mento deste imposto. Do total de R$ 632bilhões declarados pelos contribuintes,em 2013, que representam 30% de toda arenda declarada, mais de um terço (R$ 231bilhões) refere-se a lucros e dividendosrecebidos pelas pessoas físicas, e R$ 51bilhões a título de heranças e doações, comos rendimentos do capital respondendo por56% de seu total, ou a R$ 354 bilhões sobreos quais não incide este imposto, como se

mostra na Tabela 7.

O fato de no Brasil não se cobraremimpostos sobre lucro e dividendos nãoencontra paralelo na economia interna-cional e explica, em boa medida, a mais

Tipos de rendimentos R$ bilhões % no total

Lucros e dividendos 231,30 36,59

Transferências patrimoniais (doações e heranças) 51,41 8,13

Ganhos operações mercado à vista bolsa 0,33 0,01

Rendimento sócio titular micro e pequena empresa 55,99 8,86

Incorporação de reservas ao capital– bonificação ações

15,94 2,52

Subtotal 354,97 56,15

Rendimentos caderneta poupança 20,69 3,27

Outros 256,51 40,58

Total 632,17 100,00

TABELA 7: TIPOS DE RENDIMENTOS ISENTOS DO IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS. ANO-BASE2013 – (EM R$ BILHÕES)

Fonte dos dados primários: Receita Federal (Cetad, Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros), 2015

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pensada como uma proposta de mais médioprazo. Até o momento, as propostas dereforma tributária têm-se centrado exata-mente na tributação indireta e em quasenada têm conseguido prosperar, por nãose conseguir chegar a um consenso entreas partes interessadas e afetadas nessasquestões.

 A tributação indireta, no Brasil de hoje,consegue aglutinar problemas e víciosde todos os tipos. O prejuízo à competi-tividade da produção nacional despontacomo o problema mais sensível. No campodas exportações, os tributos não recupe-ráveis dentro da cadeia produtiva, vícioderivado da administração tributáriade todos os níveis de governo, produz aampliação dos custos dos exportadores

com os tributos que, no curso da cadeiaprodutiva, acabam embutidos nos custos.O problema, no entanto, não para aí, poismesmo os créditos tributários identifi-cados, envolvem imensa dificuldade noseu ressarcimento pelos governos federal eestadual. A violenta deterioração de nossacapacidade de exportação de manufatu-rados recebe grande colaboração desta

debilidade jurídica do sistema tributário,dado que afeta em cheio a capacidade deavaliação das empresas em suas decisões deinvestimento e produção para os mercadosexternos.

Mas a debilidade da tributação indiretaestende sua perversidade, também, sobrea concorrência entre produtos nacionaise importados. Num sistema eivado de

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distorções, a regulagem de alíquotas deimposto de importação, que equalizem ascondições concorrenciais entre o produtonacional e o importado, exigiria um nívelde proteção tarifária incompatível com ospadrões aceitos pela OMC. Em trabalhorecente, a Fiesp mostra que, para umproduto industrial produzido no Brasil,os tributos indiretos adicionam 60,9% aopreço básico do produto. No caso de umproduto importado, estes mesmos tributos

indiretos adicionam 39,9% ao preço damercadoria importada, depois de compu-tado o Imposto de Importação.4

Mas o descalabro do nosso sistema de tribu-tação de mercadorias e serviços parecenão ter fim. Não bastassem problemasimensos no PIS/Cofins, cujos regimesespeciais, ainda cumulativos, e a utilizaçãodo chamado “crédito-físico”, que acaba

por ampliar a base de cálculo do tributo,ainda temos que conviver com um ICMSem situação de permanente conflito fede-rativo. A Guerra Fiscal produziu perdasinestimáveis de receitas e uma novaconfiguração da alocação da capacidadeprodutiva, comandada pelas condiçõestributárias e não pela eficiência produtiva.Infelizmente, este fenômeno da GuerraFiscal, especialmente entre os estados,

continua sendo apenas observado de longepelo Governo Federal, que passou anossem cumprir suas responsabilidades defiador do sistema federativo e promotordas políticas de desenvolvimento regional.

Essa Guerra Fiscal não foi, no entanto,o pior momento da falência do nossosistema tributário. A Guerra dos Portostambém aparece como exemplo de como

um país, por debilidade institucional, podeperder produção, exportar empregos e,ao mesmo tempo, perder receitas. Suaexistência explica-se por seu mecanismooperacional que se assentava na alíquotacompartida entre estados. Estes ofere-ciam aos importadores a internalizaçãode produtos por seus portos e aeroportos,

 visando a abocanhar uma parte da alíquotade ICMS. Numa situação normal, o tributoseria cobrado pelo estado em que se desse

o consumo do bem importado. Com essasistemática, contudo, para usar o novocanal de importações, o importador recebiaa metade da carga de ICMS de volta, o quedava uma imensa vantagem competitivaaos produtos importados, em prejuízoda produção nacional e das decisões deinvestimento em novas plantas produtivas

 voltadas para aquelas mercadorias. Estenão foi um evento fortuito, mas demorou

mais de uma década para que o Congressocolocasse um paradeiro nessa farra preju-dicial para o país.

 A impressionante ausência do GovernoFederal em sua função de administraro sistema tributário da perspectiva dascondições de funcionamento da economiaconduziu à desorganização do sistemaprodutivo interno, para além das condi-

ções competitivas externas. A este propó-sito, vale tomar como exemplo o ISS, oimposto sobre serviços, de competênciamunicipal. Um imposto híbrido, que temuma base de incidência que vai da cons-trução aos serviços industriais, passandopela saúde e pela educação. Fundamentalpara as finanças das grandes cidades, ele édanoso para a indústria, porque os serviçosindustriais tendem a crescer em cadeias de

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de ser resolvida, pois pode representarperdas para as partes mais diretamenteafetadas. Assim, será necessário mapearconflitos, negociar alternativas e construirmecanismos críveis e legislação confiávelcompensadoras de eventuais perdas derecursos, para que as mudanças sejamaceitas por estes setores.

 A criação de um imposto sobre o valor

agregado, incidente pelo destino, comalguma alíquota mínima sendo cobradana origem, visando a fechar brechas paraa sonegação, teria o condão de coibir asguerras fiscais entre os estados e removeruma das grandes distorções do sistematributário, prejudicial para o crescimentoeconômico e para a arrecadação. Com ele,mais facilmente poderão ser estabelecidasalíquotas diferenciadas e seletivas, de

acordo com a essencialidade do produto,mitigando a grande regressividade datributação indireta.

 As mudanças não devem parar, no entanto,por aí. O elevado nível de renúncias tribu-tárias atualmente existentes – estimadasem 20% da arrecadação federal – deve sermotivo de criteriosa avaliação, pondo-secobro àquelas concedidas em determinadasconjunturas que não mais as justificam, ou

as que se tornaram desnecessárias, por játerem sido atingidos os objetivos para osquais foram criadas. A extinção da práticasecular no Brasil de se transformar emdireito adquirido incentivos que deveriamser temporários é uma exigência para quese fechem canais que esterilizam recursospúblicos em benefício de alguns setores,sem retorno para a sociedade.

 A questão da tributação sobre a folha sala-rial também merece, pelas discussões ocor-ridas nos últimos anos, reflexão. É evidenteque a Previdência, pelo que representaatualmente para a política social, não podeser financiada apenas com encargos inci-dentes sobre a folha de salários. O avançotecnológico desigual entre os setoresprodutivos produziu oneração excessivapara segmentos que permanecem inten-

sivos em trabalho, enquanto setores dealta intensidade tecnológica passaram anão mais ser onerados e deixaram de parti-cipar do financiamento dessa importantepolítica. A desastrada experiência da deso-neração iniciada em 2011, além de perdero foco dos setores realmente afetados egerar uma espécie de clientelismo tribu-tário, ainda conseguiu introduzir um novotributo do tipo cobrança em cascata 5 e

O elevado nível de renúnciastributárias atualmente

existentes – estimadas em20% da arrecadação federal –deve ser motivo de criteriosa

avaliação, pondo-se cobroàquelas concedidas em

determinadas conjunturas

que não mais as justificam,ou as que se tornaram

desnecessárias, por já teremsido atingidos os objetivos

para os quais foram criadas.

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acabou criando, como decorrência, o pior

dos mundos para o seu financiamento.

O delicado caminho de retorno à tributaçãosobre folha, dado o enorme rombo criadonas contas do Governo Central, está sendotrilhado com um enorme custo políticopara as autoridades econômicas. Trata-se,no entanto, de um retorno ao que já não erabom. Não há dúvida de que a tributaçãosobre a folha salarial deve ser reduzida para

um conjunto de setores nos quais a folhatem muito peso nos custos. Também não hádúvida de que o ônus das políticas sociaistem de ser pago por todos, o que implicataxar o valor agregado de empresas inten-sivas em capital, direcionando os recursospara a Previdência Social. Informalmente,isto até é feito com a cobertura do déficitprevidenciário com a Cofins e a CSLL, mastrata-se de explicitar gastos e fontes de

recursos para reduzir as tensões sistêmicas

e criar uma institucionalidade que dê contado financiamento desta política social numhorizonte de tempo bem mais largo.

Por fim, também uma criteriosa revisão doconjunto dos regimes especiais de tribu-tação existente, especialmente no âmbitoda Cofins, e também das desordenadasdesonerações tributárias concedidas,avaliando seus resultados em termos de

custos-benefícios, é essencial para tornaro sistema tributário mais consistente, jogando, para fora do trem tributário, aparafernália de aberrações que nele foramsendo lançadas casuisticamente, semmaiores estudos ou planejamento.

Deve-se ter claro, no entanto, que a reformada tributação indireta dificilmente se viabi-lizará, se não realizada simultaneamente

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com a revisão do modelo federativo, pelainteração entre eles existente. E aindaque essa revisão passe, necessariamente,por uma definição clara e acordada dadistribuição de encargos entre os entesfederativos, bem como de um adequadomecanismo de financiamento para garantirsua oferta para a população, o que signi-fica reavaliar campos de competência detributos, sistema de transferências e departilha de tributos, que apresentam hoje

muitas inconsistências. É pelo menos oque se espera, se o país pretende, de fato,construir uma federação mais equilibrada,e não apenas reproduzir o seu simulacro,como tem sido recorrente em sua história.6

 Ao contrário, portanto, da tributaçã odireta, a reforma da tributação indiretaé bem mais complexa e mais difícil de serrealizada. Exige, para se viabilizar, maior

clareza sobre o projeto de sociedade, sobreo tipo de federalismo que se pretende,negociações em torno da distribuição dereceitas entre os governos e as áreas daspolíticas sociais, dentre outras questões.Por isso, demanda mais tempo e projetosmais consistentes. Não será apenas anun-ciando objetivos de coibir a guerra fiscale reduzir a cumulatividade da produçãonacional, que o governo conseguirá fazê-la

avançar tal como necessário. É precisomais do que isso. É preciso convencera sociedade sobre a importância de suacontribuição para se resgatar os caminhosdo crescimento, da inclusão social e de ummaior equilíbrio federativo.

Mas é justamente nessa encruzilhadaque as questões tributárias demonstramque o país já não consegue pensar o todo.

Logicamente, as mudanças na tributaçãoindireta são urgentes, visando a reduzir o

 volume de distorções causadas pelo sistemasobre o aparelho econômico. Mas nãorestam dúvidas de que, ao mesmo tempo,serão inevitáveis os vetos às mesmas, pelosentes federados, caso as propostas nãosejam acompanhadas de mecanismos queprotejam e garantam seus níveis de receitanos anos de transição do sistema. Por isso,a criação de Fundos de compensação de

recursos para essa transição será semdúvida necessária para uma negociaçãomadura entre os atores políticos e econô-micos, nos marcos do regime democrático.

Como demonstrado, esses fundos existem.Eles se encontram justamente na parteesquecida do sistema tributário atual: natributação sobre o patrimônio e a renda.Tendo aprovado as mudanças na tribu-

tação direta, o governo federal estariaem melhores condições para administraressas compensações e até mesmo suportarperdas de receitas que as mudanças natributação indireta possam acarretar.Uma empreitada difícil, mas possível, queexige coragem e ousadia, virtudes que têmfaltado aos nossos governantes. Para serbem-sucedida, no entanto, é preciso deixarde lado as bravatas e comprometer-se seria-

mente com a construção de um verdadeiroprojeto de sociedade que, longe de atendera interesses particulares e meramentepartidários, como tem ocorrido no Brasil,seja capaz de renovar as esperanças do povobrasileiro em um futuro mais radiante.

 

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NOTAS

1 Publicado como Texto para Discussão n° 260, no Instituto deEconomia da Universidade Estadual de Campinas, em setembrode 2015.

2 OCDE. Revenue Statistics Comparative , 2013.

3 OCDE. Revenue Statistics Comparative , 2013.

4 DECOMTEC/FIESP, Custo Brasil e taxa de câmbio nacompetitividade da indústria de transformação brasileira, SãoPaulo, 2013, p. 81.

5 A tributação sobre a folha foi substituída, em mais de 50setores produtivos, por uma alíquota sobre faturamento, clarofator de degradação da qualidade do sistema tributário.

6 Uma análise mais completa das diversas questões que devemser enfrentadas numa revisão do modelo federativo no Brasil seencontra em Rezende (2009).

BIBLIOGRAFIA

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A REFORMA TRIBUTÁRIA: REMOVENDO ENTRAVES PARA O CRESCIMENTO, A INCLUSÃO SOCIAL E O FORTALECIMENTO DA FEDERAÇÃO

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Para garantir a obtenção de um nívelmínimo de superávit primário em 2016,

o governo parece disposto não somentea sacrificar as políticas sociais, especial-mente as que não contam com proteçãoconstitucional/legal, caso do Fies, doPronatec, do “Médico sem Fronteiras”,do “Minha Casa, Minha Vida”, mas jáacena também, que pode deixar de ladoalgumas bandeiras éticas e correr o risco deestender a mão para o crime de lavagem dedinheiro e para a legalização de atividades

O vale-tudodo ajuste fiscal

 primário

Fabrício Augusto de OliveiraDoutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de

Política Social, colaborador do Brasil Debate e Folha Diária, e autor,entre outros, do livro “Economia e Política das Finanças Públicasno Brasil: um guia de leitura”.

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Foto: CCO

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atualmente consideradas ilícitas, como é ocaso dos jogos de azar. A justificativa: obtermais recursos para satisfazer a ortodoxia emsua obsessão por um ajuste fiscal das contasprimárias, como se este fosse suficiente pararesgatar a confiança dos investidores sobrea trajetória da dívida pública.

Como o segundo pacote de ajuste fiscalde R$ 66 bilhões, anunciado há poucosdias, começa a fazer água antes mesmo decomeçar a ser apreciado pelo Congresso,diante da reação dos setores mais direta-mente por ele atingidos – parlamentares,servidores públicos, empresários e movi-

mentos sociais –, comprometendo o obje-tivo de se gerar um superávit no próximoano, dois projetos, nessa linha, passaram aadquirir maior importância para o governo,com os quais se estima uma arrecadaçãoadicional, talvez exageradamente, de R$120 a R$ 170 bilhões: o de repatriação derecursos do exterior e o da legalização dos jogos de azar.

O projeto de repatriação de recursosdo exterior já foi encaminhado para oCongresso no dia 10 de setembro, emregime de urgência, o qual, por isso, temprazo de até 45 dias para apreciá-lo. Propõea legalização de recursos depositadosno exterior que não foram declarados àReceita Federal, desde que paguem umaalíquota de 35% sobre o seu valor, sendo17,5% de imposto de renda e 17,5% de multa.

Como se estima que US$ 400 bilhões seencontram nessa situação, a projeção dearrecadação de R$ 100 a R$ 150 bilhões nãosoa exagerada, considerando que o dinheiro“frio”, ganho honestamente, mas não decla-rado, o único que é permitido pelo projeto,e não o dinheiro “sujo”, que tem origemem atividades criminosas, na corrupçãoe tráfico de drogas, retorne ao país. Essaarrecadação seria destinada, segundo o

projeto, para os Fundos de Compensação eDesenvolvimento Regional dos Estados e odo Auxílio de Convergência das Alíquotasdo ICMS, projeto que o governo pretende ver aprovados ainda este ano.

Mesmo restringindo essa repatriaçãoao dinheiro ganho licitamente, mas nãodeclarados à Receita, existe o risco de ogoverno, por um lado, se transformar numa

lavanderia oficial do mesmo, considerandoque a exigência de sua comprovação podeocorrer por meio de fraudes, semprecomuns nestes casos. Por outro, representauma anistia para quem cometeu crimescontra a ordem econômica – evasão dedivisas e falta de pagamento de impostos–, o que significa uma injustiça para os quesão adimplentes com o fisco e cumpridoresdas leis. De qualquer maneira, estimativas

 A justificativa: obtermais recursos para satisfazera ortodoxia em sua obsessão

por um ajuste fiscal das contasprimárias, como se este fosse

suficiente para resgatara confiança dos investidores

sobre a trajetóriada dívida pública.

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menos otimistas sobre essa arrecadação,como a do senador Randolfe Rodrigues(PSOL-AP), responsável por um projetodessa natureza que tramita no Senado, não vão além de R$ 25 bilhões, o que, se parecepouco frente às estimativas do governo,dispensaria muito das tesouradas que vêmsendo por ele dadas, com os ajustes apro-

 vados, nos gastos das áreas sociais.

O segundo projeto, o de legalização dos jogos de azar no país, ainda se encontraem estudos e em estágio de consultas aparlamentares do Congresso, mas vai sefirmando crescentemente no radar dogoverno que nele enxerga a possibilidadede aumentar a arrecadação em cerca deR$ 20 bilhões.

 Antes visto como porta de entrada para ocrime de lavagem de dinheiro e como estí-mulo à contravenção, a legalização destes

 jogos – de cassino, bingos, caça-níqueis etc.– já começam a ser enxergados, por algunsmembros do governo, para vender maisfacilmente essa ideia, como importantesfatores de impulso do desenvolvimento,

principalmente de áreas degradadas. Umaperspectiva completamente distinta daque predominava até há pouco tempo, oque revela como as circunstâncias podemmudar radicalmente a visão que se tem darealidade, bem como a forma de agir do serhumano, como lembrado pelo filósofo JoséOrtega y Gasset.

Sabe-se que as dificuldades de um ajuste

Foto: Martin Le Roy / Foter / CC BY-NC-SA

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primário de curto prazo não são pequenas.Do lado dos gastos, o sistema de vinculaçõesexistente que nasceu com a Constituição de1988, juntamente com algumas despesasde caráter obrigatório do Estado, torna oorçamento muito enrijecido e restringeeventuais cortes às despesas discricio-nárias. Mas estas, além de não sereminteiramente contingenciáveis, já que nãopodem paralisar a máquina pública e nemceifar completamente os investimentos

públicos, não representam mais do que10% do orçamento.

Como, por parte do governo e da equipeeconômica, a carga de juros sobre a dívida,que anda em torno de 8% do PIB, não temqualquer responsabilidade neste dese-quilíbrio, só no caso de o governo renun-ciar completamente a este tipo de gasto,pode-se atingir o objetivo defendido pela

ortodoxia. Mas aí nem mais já se poderáfalar em governo ou Estado.

Do lado das receitas, a carga tributária,que já anda na casa dos 36% do PIB, inibeiniciativas voltadas para sua elevação,especialmente em se tratando de tributosindiretos, como os que têm sido maisexplorados nestes arremedos de ajuste,mesmo porque estes aumentos terminamsendo corroídos pela recessão. Como, à

semelhança do que acontece com os jurospelo lado dos gastos, o governo tem sole-nemente ignorado os impostos diretos,especialmente o incidente sobre a renda,que apresentam um campo mais amplo aser explorado para essa finalidade, poucose pode esperar de uma contribuição maissignificativa nessa frente.

Por tudo isso, até se justifica, em um ajuste

de curto prazo, a busca por receitas extraor-dinárias, não recorrentes, como é o caso daproposta de repatriação de recursos doexterior, mesmo com os problemas poten-ciais apontados, desde que se criem meca-nismos para evitá-los. Mas quando parase atingir este objetivo, começa-se a abrirmão de princípios éticos e morais, passan-do-se a considerar que os fins justificam osmeios, perde-se qualquer esperança de que

o barco que está sendo conduzido em águasturbulentas possa chegar a um bom destino.

Como, por parte do governoe da equipe econômica,a carga de juros sobre a

dívida, que anda em tornode 8% do PIB, não tem

qualquer responsabilidadeneste desequilíbrio, só no

caso de o governo renunciarcompletamente a este tipo de

gasto, pode-se atingir o objetivodefendido pela ortodoxia. Masaí nem mais já se poderá falar

em governo ou Estado.

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