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V Prêmio de Monografia da Secretaria do Tesouro Nacional O Processo de Reforma Tributária no Brasil: Mitos e Verdades Área 2: Tópicos Especiais de Finanças Públicas

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Page 1: O Processo de Reforma Tributária no Brasil: Mitos e Verdades€¦ · da reforma da tributação do consumo no Brasil, apresentando as propostas de reforma tributária que se encontram

V Prêmio de Monografia da Secretaria do Tesouro Nacional

O Processo de Reforma Tributária no Brasil:

Mitos e Verdades

Área 2: Tópicos Especiais de Finanças Públicas

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Índice

Introdução.............................................................................................. 03

Capítulo 1 - O Processo de Reforma Tributária: Algumas

Constatações......................................................................................... 09

Capítulo 2 - A Evolução da Reforma Tributária no Brasil................. 18

2.1 - Antecedentes – Da Reforma de 1966 à Constituição de

1988........................................................................................................ 18

2.2 - O Processo de Reforma Tributária na Década de 90.............. 29

Capítulo 3 - A Reforma da Tributação do Consumo: As Propostas

em Debate.............................................................................................. 44

3.1- Os principais problemas e desafios.......................................... 44

3.2 - As soluções apresentadas ...................................................... 52

Conclusão.............................................................................................. 77

Bibliografia............................................................................................ 81

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Introdução

A Reforma Tributária tem sido assunto mais que presente na agenda

política e na mídia brasileira nos últimos anos. Parece ser consenso, por

parte do governo e do setor privado, que o sistema tributário nacional

necessita de modificações substanciais. Porém, uma leitura mais cuidadosa

da evolução do processo de reforma parece indicar que a consensualidade

morre aí. Os objetivos a serem alcançados são, de certo modo, conflitantes

ou incompatíveis, pois cada “grupo de pressão” tem concepções distintas

acerca do modelo a ser implementado. De fato, tem havido divergências de

opinião dentro do próprio governo, o que, indubitavelmente, acarreta

morosidade e falta de credibilidade ao processo de reforma no País. De

fato, como destaca Roberto Campos (1992), “Dizia o humorista inglês

Muggeridge que há duas coisas de difícil implementação: as promessas de

campanha política e as idéias sobre as quais todo o mundo está de acordo.

A reforma fiscal, de que tanto se fala, participa dessas qualidades.”

Os conflitos advêm, por um lado, da incompatibilidade lógica dos objetivos

propostos quando considerados conjuntamente; isto é, se cada objetivo

fosse expresso por meio de uma equação matemática, o sistema de

equações daí resultante não teria solução única. Por exemplo, não há como

realizar a transição da origem para o destino no ICMS (Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços) sem incorrer em perdas individuais

para alguns estados, o que altera a partilha horizontal de receitas. De modo

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a compensar essas perdas, seria necessário, então, buscar recursos da

União, o que levaria à modificação da partilha vertical. Assim,

contrariamente ao que pretendiam algumas propostas de reforma, o objetivo

de obtenção do princípio do destino é incompatível com as premissas de

manutenção do nível de carga tributária global e da partilha horizontal e

vertical de recursos. A partir da impossibilidade técnica, surgem conflitos a

serem administrados, ou melhor, negociados politicamente: ou os estados

produtores admitem alguma perda de receitas, ou a União admite um maior

repasse de recursos aos governos sub-nacionais, ou os contribuintes

admitem um aumento de carga tributária.

Por outro lado, também existem conflitos advindos de concepções distintas

do próprio modelo a ser implementado. Por exemplo, a solução de adoção

de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) centralizado, embora seja a

mais apoiada por especialistas tributários e pelo setor privado, não é

admitida pelos governos sub-nacionais. A continuidade da coexistência de

dois IVA – o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) federal e o ICMS

estadual – ou a opção por um IVA compartilhado, embora seja a solução

que resolve os conflitos federativos brasileiros, não simplifica o sistema

atual conforme demandado pelos contribuintes.

Em resumo, reformar a tributação em um país federativo, onde o principal

imposto da economia está sob competência sub-nacional e parte

significativa das receitas é arrecadada cumulativamente, tem se mostrado

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uma tarefa muito difícil. São várias as questões a serem enfrentadas,

incluindo a guerra fiscal, a autonomia dos governos estaduais e municipais,

a incidência em cascata das contribuições sociais sobre o faturamento

(PIS/PASEP e COFINS) e a manutenção do nível de receitas arrecadadas

de modo a cumprir com as exigências do ajuste fiscal. Mais do que isso,

além de resolver todos esses desafios, a reforma tributária só teria sentido

caso o novo sistema atendesse aos princípios básicos de simplicidade,

neutralidade e inserção internacional, assegurando maior eficiência,

competitividade e harmonização à economia brasileira.

Portanto, a reforma tributária tem se configurado um assunto economica e

politicamente complexo e, por isso, tem sido consistentemente adiada.

Apesar disso, parece crescer a cada dia um inconformismo generalizado

com a falta de resolução desse impasse, já que a reforma tem sido

apontada como questão prioritária para a economia nacional. Contudo, é

preciso destacar que, em meio a esse longo e conflituoso debate, poucos

têm buscado uma compreensão mais técnica e isenta acerca do tema.

Em geral, o debate realiza-se de forma apaixonada, política e envolta em

certos “mitos” que foram se propagando ao longo dos anos. Nem sempre os

diversos grupos de interesse que estão agindo em prol da reforma tem o

correto conhecimento da matéria tributária e, portanto, muitas vezes são

propensos a decidir questões complexas sem o devido apoio econômico e

estatístico que o assunto exige. Quanto à população em geral, a

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desinformação é ainda maior, sendo quase impossível o acompanhamento

da tramitação do assunto, a análise das propostas envolvidas e a própria

visão mais clara e geral do curso da reforma.

Nesse sentido, este trabalho pretende estudar a evolução histórica do

processo de reforma tributária no Brasil, analisando, de forma técnica e

imparcial, as recentes propostas apresentadas pelo Governo. O objetivo é

preencher a lacuna existente sobre o assunto, que não tem sido analisado

de maneira integrada, e, assim, tem gerado dificuldades de

acompanhamento e crítica mesmo para o público especializado. De fato, a

complexidade do tema tem sido ressaltada por acadêmicos, funcionários

públicos e empresários em geral, que se sentem “perdidos” em meio a

tantas propostas distintas, terminologias específicas, interesses políticos

divergentes ou, por assim dizer, ao incessante “vai-e-vem” da matéria.

É importante ficar claro, portanto, que o presente trabalho não objetiva se

posicionar a favor ou contra nenhuma proposta, muito menos formular

modelos alternativos de sistema tributário. A tentativa é de sintetizar o

debate dos últimos anos e apresentar os prós e contras das diversas

medidas sugeridas e/ou implementadas. Para isso, parte-se do princípio que

o leitor tem conhecimento prévio da estrutura tributária brasileira.

Desse modo, o Capítulo 1 traz algumas reflexões de natureza teórica a

respeito do processo de reforma tributária. Pretende-se mostrar que o

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assunto tem caráter conflituoso e se apresenta de forma recorrente em

qualquer país do mundo. Assim, o Brasil não foge à regra; o que não quer

dizer, contudo, que a reforma não possa ser realizada, da forma que tem

sido feita, com êxito, em várias sociedades.

O Capítulo 2 inicia o estudo da reforma tributária no Brasil abordando alguns

aspectos históricos que estão na base dos problemas atuais. Para isso,

analisa-se a evolução do processo desde a década de 60, ressaltando os

principais fatos tributários que ocorreram desde então. Essa análise é

fundamental para se entender como a reforma tributária foi encaminhada

nos anos 90, período que se iniciou com um amplo projeto de reforma e

acabou com propostas cada vez mais tímidas, limitadas pelas dificuldades

técnicas e políticas do processo.

O Capítulo 3, por sua vez, busca analisar mais detalhadamente a questão

da reforma da tributação do consumo no Brasil, apresentando as propostas

de reforma tributária que se encontram atualmente em discussão. Para isso,

o trabalho destaca os pontos mais relevantes das propostas e mostra a

origem das divergências. Procura-se, assim, apresentar tanto um resumo

dos problemas existentes como analisar as soluções sugeridas por cada

linha de proposta.

Certamente que cada ponto mencionado neste trabalho poderia ser melhor

aprofundado, mas o objetivo aqui presente é apenas passar uma visão

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integrada e sistematizada da evolução geral do processo de reforma no

Brasil. A complexidade do assunto é grande, o que não permite um estudo

detalhado de cada questão específica. Espera-se que o leitor, ao final desta

monografia, de posse das informações aqui fornecidas e de seus próprios

conhecimentos sobre tributação, possa encontrar seu ponto de vista

particular sobre o processo e a problemática que o País vem enfrentando

nos últimos anos.

Pretende-se, assim, fornecer subsídios para que a reforma tributária

brasileira possa ser mais questionada e debatida, analisada de modo mais

imparcial e menos sujeita aos “mitos” divulgados na mídia. Em outras

palavras, espera-se que a democratização do processo ajude a que o País

possa ponderar as diversas tendências conflitantes e solucionar seus trade-

offs da melhor maneira possível, isto é, viabilizando nosso desenvolvimento

socioeconômico mediante uma tributação eficiente e não-distorciva.

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Capítulo 1

O Processo de Reforma Tributária: Algumas Constatações

Inicialmente, é necessário fazer uma constatação: Reforma Tributária é

tema recorrente em qualquer país do mundo e tem sido um dos maiores

causadores de discordâncias e conflitos, nas mais diversas sociedades, ao

longo da história. De modo em geral, todas as sociedades, democráticas ou

não, têm questionado seu modelo de sistema tributário, independentemente

do seu grau de desenvolvimento econômico, do nível de carga tributária por

ela suportado e da quantidade ou da qualidade dos bens e serviços públicos

colocados à sua disposição. E é natural que seja assim, pois os impostos

podem ser definidos como uma transferência de parte do esforço produtivo

dos indivíduos de uma determinada sociedade para o Estado. E,

normalmente, pela própria natureza compulsória dessa transferência, que

implica em abrir mão do individual em prol do coletivo, o comportamento

esperado dos agentes econômicos é o de contestação e rompimento do

status quo vigente em nome de um novo modelo tributário.

Em verdade, mais do que isso, os impostos são, justamente, a base do

pacto social que determina a própria existência do Estado. Isso porque,

quando os homens decidiram se organizar socialmente, perceberam que

algumas atividades deveriam ser feitas em nome do grupo, fossem elas

administrativas, religiosas, culturais ou de qualquer outra natureza. E, para

financiá-las, nada mais “justo” do que a contribuição de todos os indivíduos

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que, de alguma forma, se beneficiariam dessas atividades. Surge, então, o

que se convencionou chamar de Sistema Tributário, entendido como regras

ou leis que determinam quem deve pagar o imposto e em qual quantidade

deve fazê-lo. Mas, a partir daí, é certamente a palavra “justiça” que irá

legitimar uma recorrente demanda por reformar o sistema tributário, não

importa qual seja ele.

Por conseguinte, a questão que se coloca é por que tem se constatado essa

recorrência por reforma tributária, independentemente da estrutura e do

grau de desenvolvimento econômico ou social de um país. Há,

basicamente, três razões que podem explicar esse clamor por reformas: a

falta de legitimidade do sistema tributário, a desestabilização do equilíbrio

de forças que sustentam o “pacto tributário” e a necessidade de adaptação

ao dinamismo econômico.

A primeira razão decorre do fato de que, nem sempre, o processo de

estabelecimento de um sistema tributário foi - ou ainda é - realizado pelo

consenso de indivíduos que poderiam ser também chamados de cidadãos,

e que se propuseram a transferir seu esforço produtivo para um Estado que

poderia ser considerado democrático. Essa é uma das razões que tem

justificado várias das revoltas que levaram a reformas tributárias em

diversos momentos da história e que pode ser sintetizada na célebre frase

“No taxation without representation”. Tributação sem representação, de fato,

rompe com a idéia original de que o sistema tributário deve ser, na verdade,

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um pacto acordado entre os diversos segmentos da sociedade. A falta de

legitimidade em um sistema tributário leva, geralmente, ao abuso do poder

de tributar e à iniqüidade, motivos suficientes para justificar uma demanda

social por reforma tributária.

A segunda razão – a desestabilização do equilíbrio de forças que sustentam

o pacto tributário – relaciona-se com a própria raison d’être de qualquer

sistema tributário, mesmo em um Estado democrático. Isso porque, ficando

entendido que todo sistema tributário é, em última instância, um pacto

social, isso significa que, na sua implementação, os diversos segmentos da

sociedade acordaram a fixação do tamanho da carga tributária (ou o

tamanho do Estado) e em como reparti-la. Nesse sentido, fica estabelecido

um acordo que, inclusive, implica redistribuição de renda, impondo perdas e

ganhos diferenciados entre os diversos grupos sociais1.

Ocorre que, com o passar do tempo, os parâmetros que definiram o pacto

tributário são alterados na forma direta de mudanças de legislação tributária

(que impactam, de maneira distinta, os diversos grupos de contribuintes), ou

mesmo indiretamente, mediante o crescimento populacional e o

desenvolvimento econômico diferenciado entre os grupos sociais. Além

disso, a democracia, representando o voto do eleitor mediano, normalmente

1 Não se pretende afirmar que o sistema tributário deve ser necessariamente desenhado eutilizado para distribuir renda. O que é necessário ficar claro é que qualquer sistematributário moderno influencia as decisões dos agentes econômicos e impõe distorções àalocação ótima de recursos, possuindo impactos inegáveis sobre a distribuição de renda daeconomia.

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atende às reivindicações de determinado grupo social em detrimento de

outro. Dessa forma, a estrutura sócio-tributária é modificada (fica alterada,

por exemplo, a proporção de pobres e ricos, ou de isentos e tributáveis em

uma sociedade), implicando que o balanço de forças inicial saiu do ponto

originalmente acordado (o equilíbrio) e a conseqüência imediata é a

insatisfação social com o sistema tributário. Portanto, sempre quando

houver uma desestabilização do equilíbrio de forças que sustentam o pacto

tributário, alguns grupos sociais se sentirão prejudicados e clamarão por

justiça tributária, ou seja, por reforma2.

A terceira razão diz respeito à adaptação do sistema tributário ao dinamismo

da economia, pois, em verdade, a tributação moderna incide sobre bases

econômicas e não sobre fatos jurídicos. Assim, qualquer sistema tributário

reflete a base econômica de um país e deve, necessariamente,

desenvolver-se em ritmo e direção semelhantes à evolução dessa base.

Caso isso não ocorra, é certo que a obsolescência e a perda de eficiência

do sistema tributário são questão de tempo. A análise histórica pode

confirmar a veracidade dessa afirmação. O estágio de desenvolvimento

econômico de um país influencia a tributação na medida em que as

economias mais evoluídas tendem a possuir uma base tributável mais

2 Certamente que existe uma margem de flexibilidade neste equilíbrio, fazendo com que ademanda por reformas só nasça quando essa margem for ultrapassada. Por isso, a reformaé recorrente e não contínua.

1

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diversificada e mais estável do que as economias em grau inferior de

desenvolvimento3.

De fato, as nações em estágio inicial de desenvolvimento, que possuem

mercado interno reduzido e baixa renda, têm o comércio exterior como sua

principal fonte de receitas. À medida que o mercado interno se desenvolve,

já é possível ir, gradativamente, migrando para a tributação do consumo, até

que o país tenha renda suficiente que permita a sua tributação sem

comprometer os níveis de consumo e de poupança privada interna. Além

disso, é importante notar que a tributação da renda e do patrimônio exigem

um maior custo e controle por parte do governo, implicando uma

administração tributária bem estruturada, característica só encontrada em

países mais desenvolvidos. Essa é, indubitavelmente, a lógica que

acompanha a tributação e o desenvolvimento econômico dos países ao

longo da história. E, a cada novo estágio, uma reforma tributária se faz

necessária para modernizar o sistema que tinha se tornado obsoleto.

Mas há outros aspectos a serem considerados no âmbito da tributação e da

economia. Por exemplo, a concessão de benefícios fiscais para

determinados setores econômicos, por razões as mais diversas como

indústria nascente, desenvolvimento regional ou outras, mas que, após

certo tempo, passam a não mais se justificar. Assim, o desequilíbrio

econômico setorial gerado pela concessão indiscriminada de benefícios a

3 Ver Hinrichs, H. (1966), A General Theory of Tax Structure Change During Economic

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alguns setores, e a conseqüente concorrência fora dos reais parâmetros de

mercado que se estabelece, são suficientes para legitimar uma reforma

tributária pela eqüidade da incidência setorial ou regional dentro de um país.

Outro exemplo pode ser o surgimento de um novo setor econômico ou uma

nova base de incidência que necessite de regulamentação ou adequação

da legislação para ser efetivamente tributado, como é o caso atual de

algumas atividades do setor serviços e do comércio eletrônico. Portanto, é

sempre comum e justificável uma reforma para que o sistema tributário se

adeqüe às mudanças econômicas, garantindo que a tributação incida,

efetiva e eqüitativamente, sobre as bases reais que formam o produto

nacional.

Entretanto, além dos motivos que explicam a demanda por reforma tributária

por parte dos cidadãos de um país, há sempre que ser considerada a

posição do governo ou do poder tributante. Assim, outra razão que tem

levado a reformas tributárias é a necessidade de aumento de arrecadação,

em geral para financiar a própria elevação dos gastos estatais que vem

ocorrendo, sistematicamente, na maioria dos países. É sempre importante

lembrar que, a longo prazo, não há outra forma de financiar gastos além dos

impostos, pois o endividamento nada mais é do que uma transferência do

aumento de carga tributária da geração atual para as gerações futuras.

Ademais, financiamento inflacionário não pode ser considerado como uma

hipótese racional de política econômica. Assim, gastos crescentes têm

Development, Harvard University.

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significado necessidade de aumento de arrecadação dentro de uma

perspectiva temporal um pouco mais longa.

Pode-se verificar, a partir dos dados da Tabela 1, um aumento contínuo da

carga tributária para a média dos países da OCDE4 e da União Européia ao

longo das últimas décadas. Apenas os países pertencentes ao grupo

OCDE-América (Estados Unidos, Canadá e México) tiveram um acréscimo

moderado em sua carga tributária, que subiu apenas 2 p.p. no período.

Países tradicionalmente mais estatizados, como os europeus, apresentaram

um aumento em suas receitas de mais de 13 p.p., o que é bastante

considerável do ponto de vista de transferência de recursos da sociedade

para o Estado em um período de 30 anos. Portanto, observa-se que, na

média, apesar de também poder ter perseguido objetivos de neutralidade e

simplicidade, entre outros, as reformas tributárias têm, de fato, buscado

aumento de arrecadação. O Brasil seguiu a mesma tendência internacional,

tendo sua carga tributária aumentada de 18,82% do PIB, em 1965, para

29,74% do PIB, em 19955.

4 Os países da OCDE que compõem as médias aqui apresentadas são: Canadá, México,Estados Unidos, Austrália, Japão, Coréia, Nova Zelândia, Áustria, Bélgica, RepúblicaTcheca, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália,Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia eReino Unido.

5 A análise da evolução do sistema tributário brasileiro e dados sobre a carga tributária sãoapresentados no Capítulo 2.

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Tabela 1

Carga Tributária Total – OCDE e UE

1965 a 1995

em % do PIBGrupo de Países 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995

Total da OCDE 26,1 29,3 31,5 33,1 34,9 36,2 37,4

OCDE - América 25,1 29,3 29,6 24,8 25,4 26,8 27,0

OCDE - Pacífico 22,1 23,8 23,7 26,1 27,0 29,8 30,0

OCDE - Europa 26,8 30,1 33,3 35,9 38,0 39,0 40,1

União Européia (15) 28,2 31,6 34,5 37,4 40,2 41,0 41,8

Fonte: Revenue Statistics 1965-1996, OCDE

Portanto, a partir dos motivos previamente apresentados, pode-se, de fato,

concluir que a reforma tributária faz parte de um processo normal de

amadurecimento social, político e/ou econômico de um país. Assim, é um

assunto que deve ser analisado como uma adequação do sistema tributário

à evolução natural das demandas socioeconômicas. Todavia, isso não faz

da reforma tributária um assunto fácil de ser discutido. Muito pelo contrário,

conforme já mencionado, esse tem sido um tema rodeado de conflitos,

especialmente porque envolve diversas forças que agem em sentido

opostos.

No que tange especificamente a esses conflitos inerentes a qualquer

processo de reforma, pode-se classificá-los em conflitos verticais e

horizontais. Os verticais seriam aqueles que ocorrem entre o governo e os

contribuintes: o primeiro, em geral, busca um aumento global da carga

tributária enquanto os últimos lutam pela minimização de seu ônus tributário.

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Os horizontais podem ocorrer tanto dentro do governo como no âmbito da

sociedade (contribuintes): o conflito horizontal governamental seria aquele

que envolve a disputa da repartição da carga tributária pelas diversas

esferas e unidades de governo – caso típico de países federativos –, ao

passo que o conflito horizontal social ocorre devido à divisão do peso da

carga tributária entre os diversos grupos de contribuintes (setores

econômicos, regiões geográficas, pequenas e grandes empresas,

trabalhadores e capitalistas, dentre inúmeros outros exemplos de grupos de

pressão social que disputam, entre si, o ônus tributário, supondo que seu

limite global já foi definido pelo conflito vertical6).

Por conseguinte, reforma tributária está longe de ser um processo pacífico e

sem sobressaltos em qualquer país do mundo. A diversidade das forças

envolvidas é enorme, com pressões que nunca agem em um mesmo

sentido. Além disso, as razões econômicas não são as únicas a influenciar o

processo, que é fortemente sujeito às forças políticas e ao apelo social da

matéria. Reforma tributária, portanto, em um país democrático, demanda

tempo; tempo necessário para que se possa discutir o tema com maturidade

e racionalidade, após o tempo que, geralmente, é gasto para apaziguar os

ânimos e as paixões que estão sempre envolvidos nesse processo.

6 Dado que o tamanho da carga tributária já foi fixado e é rígido (dada a rigidez dasdespesas), é claro que a repartição dessa carga torna-se uma disputa entre os grupos decontribuintes que vão pagá-la. Surgem, então, as pressões por benefícios fiscais, poralíquotas reduzidas, por deduções variadas, dentre tantas outras formas de se aliviar oônus tributário de determinado grupo em detrimento de outros. Precisa-se ter claro que oaumento de benefício para alguns implica o aumento de imposto para os demais, pois onível da carga tem que ser mantido.

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Capítulo 2

A Evolução da Reforma Tributária no Brasil

2.1 Antecedentes – Da Reforma de 1966 à Constituição de 1988

A origem do atual sistema tributário nacional remonta à década de 60,

quando foram realizadas várias reformas estruturais no País, visando a

regulamentar e modernizar tanto o sistema econômico quanto as

instituições públicas brasileiros. De fato, paralelamente à aprovação do

Código Tributário Nacional (1966) e à promulgação da Constituição de

1967, que construíram o alicerce do novo sistema tributário, a própria

criação da Secretaria da Receita Federal (1968) foi uma medida

administrativa e institucional necessária à operacionalização e efetivação

desse sistema.

Naquele momento, dado que o Brasil encontrava-se sob um governo de

tendência autoritária, o processo de reforma tributária tornou-se,

naturalmente, menos propenso a conflitos e pôde ser mais facilmente

implementado. Dessa forma, foi possível realizar profundas modificações no

modelo tributário vigente, que, indubitavelmente, trouxeram maior

racionalidade para a tributação nacional, mas que não representou um

efetivo pacto social e federativo, conforme discutido no capítulo precedente.

Serra e Afonso (1999) destacam que “em 1964, o advento do regime militar

abriu uma fase de duas décadas de centralização, que serviu tanto à

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reforma fiscal, na primeira metade do período, concentrando receitas e

comando dos gastos em mãos da União, quanto ao controle político e social

de que o regime de força necessitava”. De fato, a opinião da maioria dos

especialistas é de que a reforma tributária ocorrida em 1967 foi bastante

ousada, colocando o Brasil na vanguarda dos sistemas tributários

internacionais.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a reforma de 1966 criou um sistema

tributário sistematizado, com menores distorções e ineficiências se

comparado com o modelo de tributação anterior, definido na Constituição de

1946. Isso se deveu ao fato de que os tributaristas responsáveis pela

reforma de 1966 colocaram em primeiro plano o fator econômico, ou seja, a

tributação brasileira passou realmente a incidir sobre bases econômicas,

abandonando a prática de tributar meras definições jurídicas.

As principais modificações introduzidas pela reforma foram:

• a criação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em

substituição ao antigo Imposto sobre o Consumo (IC), ambos de

competência da União;

• a criação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) em

substituição ao antigo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC),

ambos de competência estadual;

• a criação do Imposto sobre Serviços (ISS) sob competência municipal;

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• a transferência para a União do Imposto de Exportação, antes

administrado pelos Estados, e do Imposto Territorial Rural, anteriormente

sob competência municipal.

Assim, é fácil constatar que não houve significativas alterações na estrutura

do sistema tributário brasileiro após a reforma de 1966, pois os impostos

anteriormente elencados continuam sendo, conjuntamente com o Imposto

de Renda (instituído, no Brasil, sob competência federal, desde 1922), a

base do sistema atual. Portanto, pode-se afirmar que grande parte dos

acertos e dos erros de definição incorridos na reforma de 1966 continua a

persistir até hoje. A constatação anterior é de suma importância, pois, como

ficará demonstrado adiante, dois desses equívocos conceituais – a

existência simultânea de dois impostos incidentes sobre o valor agregado

em um único sistema tributário e a concessão do principal deles, o ICM, aos

Estados – constituem-se, na verdade, um dos grandes empecilhos da

reforma tributária em curso no Brasil.

De fato, o que tem ocorrido neste País, no que se refere à tributação do

consumo, nessas últimas décadas, tem sido paradoxal. A reforma de 1966,

por um lado, criou impostos sobre valor agregado em substituição a antigos

impostos em cascata. Essa medida foi, sem dúvida, um avanço

surpreendente para aquele momento, fazendo do Brasil um dos primeiros

países do mundo a implementar o conceito econômico e racional de “valor

agregado” em seu sistema tributário. No entanto, por outro lado, acabou-se

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criando dois impostos administrados por níveis distintos de governo (o IPI e

o ICM), sendo que o de base mais ampla foi colocado sob competência sub-

nacional e o grau de liberdade dos Estados para administrar esse imposto

foi sendo gradativamente ampliado. Dessa forma, o modelo de tributação do

consumo, que parecia se iniciar como uma experiência inovadora e

economicamente correta, acabou por tornar-se um “nó cego” quanto ao

pacto federativo, à autonomia estadual, à competição tributária interna e,

especialmente, à transparência e simplicidade do sistema tributário para o

cidadão.

Uma citação de Simonsen (1993) resume bem essa questão: “A EC 18, de

1966, incorporada pelas Constituições de 1967 e 1969, e elaborada com

outro grau de conhecimento de política tributária (em relação ao sistema de

1946), substituiu o IVC pelo ICM, incidente sobre o valor adicionado. Mas só

prescreveu alíquota zero (de fato isenção) sobre as exportações de

manufaturados. Assim, os Estados indiretamente continuavam a tributar os

residentes em outras unidades da federação. Essa possibilidade de

transferir tributos via ICM interestadual acabou gerando as guerras de

isenções entre estados, para atrair indústrias para o seu território, o mesmo

problema que já havia surgido sob a égide do Imposto de Vendas e

Consignações da Constituição de 1946. ... Todos esses conflitos, de fato,

espelhavam um sistema tributário desafinado com o princípio federativo.”

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Além disso, o desempenho econômico nacional começou a cair a partir da

segunda metade dos anos 70, passando pela “perdida” década de 80, e

culminou em uma hiperinflação no início dos anos 90, apesar dos

sucessivos planos de estabilização econômica implementados no País

nesse período. Em decorrência desse quadro econômico, a política

tributária ficou extremamente prejudicada, sendo reduzida a constantes

medidas de aumento de alíquotas e criação de novos tributos. Dentre eles,

criaram-se e foram paulatinamente majoradas as alíquotas das

contribuições sociais sobre o faturamento (antigo Finsocial e atual COFINS

e PIS/PASEP), o que torna ainda mais paradoxal, quando vista a longo

prazo, a política tributária seguida pelo País. Em outras palavras, a reforma

de 1966 criou impostos sobre o valor agregado para substituir impostos em

cascata, mas, com o tempo, surgiram contribuições em cascata que

também são transferidas para o consumidor. Assim, atualmente, a

tributação do consumo virou uma miscelânea de impostos sobre o valor

agregado e contribuições de incidência cumulativa, ambas as categorias

com tamanha importância arrecadatória que se torna difícil, simplesmente,

extinguir uma delas.

Em verdade, o processo vivenciado pelo Brasil nas últimas décadas foi

perverso, pois o declínio da atividade econômica gerou menor arrecadação

tributária, o que seria até positivo como medida contra-cíclica. Contudo, com

a crise fiscal que o País também atravessava, e já se encontrando

fortemente endividado com credores externos (conseqüência da política de

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juros seguida mesmo após os choques do petróleo), restavam as soluções

de financiamento interno. Mas como seria possível se financiar pela via da

tributação sem crescimento econômico, em ambiente inflacionário e sem

credibilidade governamental? A resposta foi partir para a exploração de

bases tributárias de fácil administração e bons resultados de arrecadação,

como o faturamento, e a majoração de alíquotas sobre as bases já

existentes.

Entretanto, ocorreu que, mesmo mediante essa política tributária claramente

voltada à geração de receitas, o que se conseguiu foi apenas manter o nível

da carga tributária durante os anos 80 e início da década de 90, dado que,

simultaneamente, houve um previsível aumento dos níveis de evasão e a

proliferação de benefícios fiscais. As estatísticas indicam que, após um

aumento expressivo decorrente da reforma de 1966, de 19,32% do PIB

(1967) para 24,20% do PIB (1968), a carga tributária manteve-se

estacionária por cerca de quase duas décadas. Partiu-se, então, para a

outra opção de financiamento interno – o endividamento –, que significa

“menores impostos no presente e maiores impostos no futuro”, pois a conta

dos juros tem que ser paga em algum momento. Sem entrar em maiores

detalhes, até por não ser objeto direto deste trabalho, só vale a pena

mencionar que essa é, justamente, a situação atual do Brasil: após a

estabilização econômica promovida pelo Plano Real (1994), a carga

tributária bruta subiu em cerca de 5 p.p. do PIB, atingindo o patamar de 30%

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do PIB em 1999, sendo que o País continua enfrentando sérias restrições

fiscais, sobretudo do ponto de vista do déficit operacional.

A Tabela 2 apresenta os dados da carga tributária brasileira entre os anos

1965 e 1999, desagregados por esfera governamental. Percebe-se a

transição de patamar ocorrida entre 1965 e 1970 por conta da reforma de

1966, com um aumento de mais de 7 p.p. do PIB em apenas cinco anos.

Após, a carga tributária estabiliza-se em um patamar de cerca de 24% do

PIB até 1993, ou seja, por duas décadas. Note que o ano de 1990 foi atípico

(Plano Collor), pois a carga de 1991 já voltou a ser de 25,22% do PIB.

Apenas em 1994 ocorre, de fato, novo salto sustentado de patamar, com a

carga alcançando 29,74% do PIB e estabilizando-se em torno dos 30% do

PIB a partir daí. É importante notar os efeitos da Constituição de 1988,

onde, entre 1985 e 1990, a União acresceu suas receitas em 1,70 p.p. do

PIB, enquanto os Estados tiveram um aumento de 3,60 p.p. do PIB.

Tabela 2

Carga Tributária Brasileira

1965 a 1999

em % do PIBNível de

Governo

1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 1999

União 11,96 17,33 18,59 18,42 18,18 19,90 20,01 21,38

Estados 5,80 7,96 5,93 5,34 5,21 8,79 8,34 7,74

Municípios 1,06 0,70 0,70 0,91 0,54 0,76 1,39 1,20

Total 18,82 25,99 25,22 24,67 23,94 29,46 29,74 30,32

Fonte: SRF

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Dentro desse contexto histórico, outro marco importante para a reforma

tributária brasileira foi a promulgação da Constituição de 1988. Em verdade,

a sua principal contribuição não foi a de alterar – ou sequer melhorar – a

estrutura estabelecida na reforma de 1966, mas a de modificar a repartição

das receitas tributárias entre os três níveis de governo. Basicamente, as

principais medidas foram a ampliação da base tributária do ICM, que passou

a intitular-se ICMS devido à incorporação dos antigos Impostos Únicos da

União (que incidiam sobre bases nobres como a energia elétrica e

combustíveis), e o aumento dos repasses aos Fundos de Participação (os

percentuais de participação foram elevados de 32% para 57% em relação

ao IPI e de 32% para 47% em relação ao IR).

Não se pode, neste ponto, deixar de mencionar, como uma das causas

desse processo, um componente político relevante: a democracia,

novamente instaurada, levou a um movimento contra a forte centralização

tributária realizada em 1966, gerando um aumento das receitas dos níveis

sub-nacionais de governo em detrimento da União. Também é preciso fazer

justiça: a descentralização de receitas ocorrida não foi obra pontual da

Constituição de 1988, mas o ápice de um processo que já tinha se iniciado

desde o começo da década de 807.

7 A reforma de 1966 sistematizou o federalismo tributário brasileiro, definindo maisclaramente competências e repartições de receitas se comparadas com o sistema anterior.É certo que ocorreu uma concentração de competências e encargos no Governo Federal,mas essa foi a conseqüência natural do centralismo político do período. Entretanto, criou-se

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Conforme Serra e Afonso (1999), “o afrouxamento do regime militar e os

ventos da abertura política foram enfraquecendo o poder central ao longo

da primeira metade dos anos oitenta, tendência reforçada na segunda

metade dessa década, com a redemocratização e a elaboração de uma

nova Constituição (1987/88). Quando começou a funcionar a Assembléia

Nacional Constituinte, e ao contrário da convicção dominante tanto no

Congresso como nos governos (inclusive o federal) e na imprensa, as

receitas tributárias disponíveis já não eram tão concentradas nas mãos da

União: a fatia federal já decrescera para pouco menos de 60 por cento”.

Essa descentralização de recursos teve uma conseqüência negativa: de

modo a recuperar seu nível de receita disponível, a União partiu para uma

política de ampliação das contribuições sociais – por não serem repartidas

com Estados e Municípios –, o que agravou a questão da incidência em

cascata no sistema, sem, contudo, resolver a causa do problema, isto é, os

desequilíbrios entre competências tributárias e de gastos na federação

brasileira. É importante mencionar que, apesar dessa medida, a situação

fiscal da União continuou delicada, o que demandou a criação do Fundo

Social de Emergência (e seus sucessores) para reverter, ao menos

temporariamente, a repartição de receitas entre as esferas governamentais.

um mecanismo compensatório para Estados e Municípios denominado Fundo deParticipação, formado por percentuais dos impostos sobre a renda e os produtosindustrializados, distribuído aos governos sub-nacionais. Ao longo dos anos, essespercentuais tiveram uma trajetória ascendente, culminando, na Constituição de 1988, emuma forte descentralização de receitas.

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É curioso notar que, inicialmente, os trabalhos sobre tributação da

Assembléia Constituinte indicavam um caminho totalmente distinto a ser

seguido. A idéia da própria Comissão de Reforma Tributária e

Descentralização Administrativa era favorável à criação de um único IVA

estadual de base ampla e regido pelo princípio do destino. A União ficaria

com um Imposto Seletivo sobre bens específicos e haveria a extinção do

antigo Finsocial e do Salário-educação. Ou seja, mesmo antes da

Constituição, já parecia ser consenso que a tributação do consumo

necessitava de uma radical modificação, com a introdução de um único e

verdadeiro IVA no País. No entanto, conforme destacado por Rezende

(1993), “Ao longo do extenso caminho que conduziu ao resultado finalmente

sancionado pelo plenário da Assembléia Nacional Constituinte, o IVA foi

sendo sucessivamente amputado. O novo imposto estadual, que veio à luz

em outubro de 1988, manteve a mesma conformação básica e a mesma

fisionomia do seu antecessor, ganhando, apenas, um vistoso apêndice. Não

foi preciso trocar-lhe o nome, apenas acrescentar uma nova letra. O ICMS

não alterou, de modo significativo, as características básicas do regime

aplicado à tributação estadual.”

Em resumo, verifica-se que a tributação brasileira, em linhas gerais, veio se

deteriorando desde o início dos anos 70, até mesmo como conseqüência do

quadro de instabilidade econômica vivido pelo País. A Constituição de 1988

não procurou resolver os problemas estruturais que vieram se acumulando

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no sistema tributário brasileiro e, pelo contrário, ao buscar reverter a

tendência centralizadora instituída pela reforma de 1966, acabou por

provocar maiores distorções econômicas no sistema. O ponto de vista de

Rezende (1993), apresentado há sete anos atrás, parece ainda sintetizar

bem a problemática e o desafio atuais: “Apesar do sucesso obtido em 1967,

da experiência acumulada desde então e de algumas melhorias recentes, a

sistemática do Imposto sobre o Valor Agregado, adotada no Brasil, ainda

carece de aperfeiçoamentos. A transformação do atual ICMS em um

autêntico IVA-Consumo, na linha das recomendações teóricas e da

experiência acumulada nos países da Comunidade Européia, é o caminho a

ser agora percorrido. ... A distância que separa o atual ICMS do IVA é

infinitamente menor do que a que separava o antigo IVC do ICM. Urge

enfrentar a questão com um olho no passado e outro no futuro.”

Desse modo, o Brasil iniciou os anos 90 com a necessidade efetiva de

realizar uma reforma tributária que pudesse significar, realmente, uma

mudança de estrutura em prol de maior eficiência econômica, e não se

constituísse, mais uma vez, em medidas paliativas, na forma dos famosos

“pacotes de final de ano”, que apenas tinham a intenção de aumento de

receita. A importante questão que se segue é relativa ao porquê essa

verdadeira reforma tributária não consegue ser feita no País há tantos anos.

O diagnóstico dos problemas não tem sido novidade para os estudiosos do

tema e mesmo para o governo, mas a solução – qualquer que seja ela –

não consegue ser implementada.

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Nesse ponto, é importante relembrar as noções mencionadas no Capítulo 1

de que reforma tributária não é tema simples, por envolver uma série de

conflitos horizontais e verticais entre grupos econômicos e governos. No

entanto, apesar disso, ela acaba sendo efetivada em algum momento. Mas,

no Brasil, as dificuldades decorrentes da pouca prática de discussão e

resolução de problemas pela via democrática, a questão de um federalismo

realmente mal resolvido e a excessiva constitucionalização da matéria

tributária têm sido motivos mais que suficientes para impedir a viabilização

da reforma.

A seguir será abordada a evolução do processo da reforma, no que tange

aos diversos projetos apresentados, de modo a ficar demonstrada essa

dificuldade de discussão e tramitação do tema. A análise ficará restrita ao

ocorrido a partir dos anos 90, complementando a visão dada nesta seção,

que objetivou fornecer um breve histórico da evolução do sistema tributário

brasileiro desde a reforma de 1966 até a promovida pela Constituição de

1988.

2.2 O Processo de Reforma Tributária na Década de 90

Apenas poucos anos após a promulgação da Constituição de 1988, já se

detectou, novamente, a necessidade de reforma tributária no País, o que

prova a ineficácia da Carta Magna para corrigir as ineficiências estruturais

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do sistema tributário nacional. Assim, em fevereiro de 1992, o Governo

Collor criou a Comissão Executiva para a Reforma Fiscal (CERF), o que se

convencionou denominar como um grupo de notáveis, com o objetivo de

apresentar uma ampla proposta de reforma tributária até julho do mesmo

ano. A tarefa foi cumprida com a elaboração de uma ampla proposta que

tratou da tributação da renda (inclusive de um imposto mínimo sobre ativos),

do consumo, do patrimônio, da criação de um imposto sobre transações

financeiras e da questão previdenciária, além de assuntos pertinentes ao

gasto. Oficialmente atribui-se a interrupção do avanço da proposta ao

impeachment do presidente. No entanto, é questionável se uma proposta

tão ampla conseguiria ser facilmente “digerida” pela sociedade e pelo

Congresso Nacional e poderia, de fato, ter saído do papel. Tem-se visto,

ultimamente, que propostas muito mais restritas têm enfrentado enormes

dificuldades para serem aprovadas.

A proposta apresentada foi bastante racional, buscando, basicamente,

corrigir aquelas mesmas distorções já tão bem conhecidas no País. Em

linhas gerais, a proposta visava a “retirar as sobreposições impositivas

trazidas pela fome fiscal materializada na Constituição de 1988”8. Para isso,

extinguia o IPI e o ISS, incorporando-os ao ICMS, que se tornaria, portanto,

um verdadeiro IVA estadual. O ITR se fundiria ao IPTU, que seria chamado

de imposto sobre a propriedade imobiliária (rural e urbana) e ficaria sob

competência municipal. A União ficaria com o Imposto de Renda, o Imposto

8 Relatório da CERF (1993), vol. I, p. 8

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sobre Ativos9 e um Imposto Seletivo sobre bebidas, veículos automotivos,

tabaco, energia elétrica, combustíveis e telefonia, além dos impostos sobre

comércio exterior. O IOF seria extinto, bem como a COFINS e o

PIS/PASEP. Para substituir as receitas das contribuições sobre o

faturamento, seria criada uma contribuição incidente sobre as operações

financeiras (isto é, aqui residem as origens da CPMF no Brasil).

Dada a situação instável desencadeada com o afastamento do presidente, o

debate da reforma tributária ficou estagnado nos anos de 1993 e 1994,

realmente por falta de condições políticas e credibilidade para tal. É bom

lembrar que, além da questão política, esses anos foram marcados por um

processo inflacionário crônico. Na falta de discussão de um projeto mais

amplo, o País voltou a depender de medidas pontuais, que visaram ao

aumento de arrecadação, sem compromisso com a criação de um sistema

tributário eficiente e com poucas distorções. Desse modo, algumas medidas

isoladas foram implementadas, como a própria criação do Imposto

Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) em 1993. Vale relembrar:

imposto que tinha sido analisado e proposto pela CERF um ano antes, o

que demonstra a prática de aproveitar “a parte que interessa” das propostas

quando da impossibilidade de sua aprovação integral. Não é que cada

medida, por si só, seja um foco de distorção, mas o que ocorre é que, no

9 Esse imposto existe em alguns sistemas tributários, sendo a experiência mexicana bemconhecida. A proposta seria um imposto incidente à alíquota de 2%, podendo sercompensado contra o imposto de renda devido pela empresa.

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conjunto, o acúmulo de alterações isoladas, não-integradas, provavelmente

tem levado o sistema tributário a um ponto mais ineficiente10.

A partir de 1995, com o cenário macroeconômico estável, devido ao Plano

Real (1994), e o governo em início de gestão, foi possível retornar ao

debate de uma reforma tributária propriamente dita. Mais uma vez, o

diagnóstico já estava pronto, pois os fatores de complexidade e ineficiência

do sistema tributário eram os mesmos desde longa data, muito antes da

Constituição de 1988. Nesse sentido, o Poder Executivo encaminhou ao

Congresso Nacional, em agosto de 1995, a Proposta de Emenda

Constitucional 175-A.

Essa proposta teve uma diferença crucial em relação ao trabalho da CERF:

sua abrangência foi mais restrita, basicamente tratando apenas sobre a

reforma da tributação do consumo no Brasil. Entretanto, é preciso qualificar

a palavra "apenas", pois, como já se viu, a tributação brasileira do consumo

é uma das matérias mais complicadas e conflitantes que podem ser objeto

de uma reforma constitucional. Assim, tratar desse assunto isoladamente

parece ter sido uma decisão correta, pois as divergências dessa matéria são

suficientes para retardar ou inviabilizar o processo de reforma, impactando

negativamente sobre outras questões tributárias de mais fácil resolução. E,

precisamente, foi isso o que aconteceu nos anos que se seguiram ao

encaminhamento da PEC ao Congresso Nacional.

10 Uma discussão mais detalhada sobre o imposto/contribuição sobre movimentação

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Em setembro de 1995, de forma a dar prosseguimento ao assunto, foi então

instituída a atual Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos

Deputados. Os trabalhos iniciaram-se e, em 1996, dois Substitutivos foram

apresentados, ambos em sentido favorável ao modelo proposto pela PEC

175-A. No entanto, a discussão começou a se esvaziar, talvez pela própria

falta de prática, na democracia brasileira, de se investir seriamente em

temas mais complexos e que demandam tempo para serem apreciados.

Assim, enquanto a proposta caminhava a passos lentos na Comissão,

voltou-se à velha prática de resolver problemas tributários mediante

alterações legais pontuais. Como exemplo, pode-se citar a Lei

Complementar 47/96, conhecida como Lei Kandir, que tratou justamente de

questões relativas ao ICMS, tributo que é o "coração" de qualquer proposta

de reforma sobre o consumo e, por conseguinte, da própria PEC que se

encontrava sob análise.

Mais uma vez, é preciso ressaltar que o problema da utilização de medidas

pontuais não é o fato de elas serem ruins em si mesmas. Pelo contrário, não

há dúvidas que a Lei Kandir, por exemplo, teve o objetivo claro de trazer

mais eficiência ao sistema tributário na medida que desonerou as

exportações brasileiras de um tributo indireto, dentre outras alterações

similares. No entanto, a teoria econômica adverte que, na impossibilidade

de se ter o first-best, nem sempre medidas de second-best podem

financeira é apresentada no Capítulo 3

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assegurar que a economia está se movendo para um ponto de maior

eficiência. E parece ser isso o que vem acontecendo com a política tributária

nacional há tempos, devido ao acúmulo dessas medidas de second ou third-

best, que não contemplam uma visão integrada da problemática a ser

resolvida. De fato, conforme colocado por Atkinson e Stiglitz (1980),

“reformas que parecem levar a determinda direção podem, se analisadas

minuciosamente, acabar reduzindo o bem-estar. A intuição pode ser

traiçoeira nesses casos”.11

Particularmente no caso citado acima, a Lei Kandir, apesar de, por um lado,

poder ter imputado à economia maior eficiência, por outro, desencadeou

uma série de contestações estaduais, que se arrasta até hoje, em relação à

compensação das perdas de arrecadação. Quem pode garantir que o bem

causado pela desoneração das exportações foi superior ao mal causado

pelo impacto da medida sobre as finanças estaduais e pela quebra da

credibilidade, por parte dos Estados, no Governo Federal, para questões de

compensação de perdas tributárias? Essa parece uma questão

excessivamente teórica, mas é justamente esse tipo de questionamento que

deveria ser mais trabalhado no País. Na seqüência dos fatos, ficará

demonstrado que, por esses e outros motivos assemelhados, grande parte

dos Estados não admite qualquer tipo de fundo de compensação

administrado pela União para, por exemplo, permitir uma transição mais

11 O texto original diz: “As is now well known from the literature on second-best, this is adifficult area. Reforms that may appear to move in the correct direction can turn out oncloser inspection to reduce welfare. Intuition can be very misleading.” p. 382

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suave do regime da origem para o do destino na reforma do ICMS. E vale

atentar que a necessidade da transição da origem para o destino é um dos

pontos mais convergentes na reforma, tanto por deixar a arrecadação na

jurisdição de consumo como por minimizar a guerra fiscal estadual. Ou seja,

medidas isoladas, por mais bem intencionadas que sejam, podem acabar

comprometendo a obtenção de uma verdadeira solução global.

Indo um pouco mais além, caberia questionar até mesmo do que adiantou,

enquanto efeito líquido total, desonerar as exportações do ICMS (incorrendo

nos problemas anteriormente mencionados) se as contribuições sobre o

faturamento, cuja arrecadação aumentou vertiginosamente frente à do

ICMS, continuam sem ser totalmente desoneradas. Ou seja, o problema de

o Brasil continuar exportando tributos indiretos continua, apesar de haver

sido implementadas algumas medidas paliativas como a concessão de

crédito do PIS/COFINS contra o IPI, mas que não asseguram uma

exportação realmente livre dessas contribuições. Não teria sido melhor ter

continuado a investir na reforma efetiva e ampla, onde, além do ICMS, estão

sendo tratados os assuntos relativos à COFINS e ao PIS/PASEP, por

exemplo? São questões que mostram que a política tributária brasileira tem

que ser feita de forma responsável e sistematizada, não podendo mais ser

administrada com medidas isoladas.

Retornando à análise da evolução do debate da reforma tributária, chega-

se, então, no ano de 1997, quando, no mês de setembro, o então

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Secretário-executivo do Ministério da Fazenda fez um pronunciamento na

Comissão que acabou por mudar o rumo da discussão. Naquele momento,

propôs ele uma reforma mais ousada e mais abrangente (do que a PEC

175) quanto à tributação do consumo, que efetivamente permitisse a

harmonização do sistema brasileiro com o chamado "padrão

internacional"12. A partir daí, pode-se dizer que surgem duas linhas distintas

de propostas de reforma: a primeira baseada na própria PEC 175-A e nos

Substitutivos apresentados pela Comissão, fundamentada na idéia do

"ICMS ou IVA partilhado" – também conhecido como o "modelo do

barquinho" –; a segunda originada da chamada "Primeira Proposta

Parente", com a idéia de um IVA federalizado13.

Assim, com duas linhas de propostas que implicavam modelos tão distintos

de tributação, não seria difícil esperar um agravamento dos conflitos já tão

naturais em um processo de reforma tributária. Pelo contrário, analisando os

fatos desde um ponto de vista histórico, o inusitado seria não esperar que a

reforma terminasse em impasse. De fato, ocorreu que a primeira linha

continuou caminhando lentamente, até que, em agosto de 1999, o último

Substitutivo foi apresentado à Comissão, que o aprovou em dezembro do

mesmo ano por 35 votos a 1. Quanto à segunda linha, após a Primeira

12 Não cabe, neste capítulo, analisar em detalhes as mudanças sugeridas em cadaproposta. O objetivo da presente seção é apenas fazer um registro histórico da evolução dodebate em torno da reforma, de modo a mostrar a dificuldade da negociação e asinconsistências cometidas. A análise econômica das medidas será realizada no Capítulo 3,onde trata-se, exclusivamente, das propostas atualmente discutidas no Brasil.13 Em verdade, a primeira proposta, a de um IVA totalmente federal, não conseguiu seguiradiante pela óbvia falta de apoio dos Estados. Assim, essa linha de proposta sofreu váriasmodificações ao longo do tempo, conforme será visto no Capítulo 3.

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Proposta Parente (setembro de 1997), que foi criticada pela excessiva

centralização do IVA – por ficar totalmente nas mãos da União –, foi

apresenta a Segunda Proposta Parente (novembro de 1998) – com uma

repartição de competência mais descentralizada – e, na seqüência, algumas

outras variantes, todas por parte do Ministério da Fazenda.

As duas linhas, que sempre correram paralelas, entraram em choque

quando da aprovação do Substitutivo na Comissão, oportunidade na qual o

Ministério da Fazenda fez críticas abertas ao texto, destacando, sobretudo,

sua inviabilidade operacional. Dada tamanha divergência, a solução

apontada foi a formação de uma Comissão Tripartite, envolvendo

participantes do Poder Executivo, Poder Legislativo (Comissão Especial) e

Estados, com o objetivo de elaborar um texto de comum interesse. É

importante ressaltar que os Estados, ao longo de todo o processo, sempre

tiveram papel ativo e, em sua maioria, não apoiavam integralmente

nenhuma das duas linhas de proposta, sendo que, não raras vezes, alguns

Estados apresentaram propostas próprias.

Dos trabalhos da Comissão Tripartite não se poderia mesmo esperar um

resultado de conciliação, pois, tecnicamente, os modelos propostos eram

tão distintos que não seria viável fundi-los em um único texto. A Comissão

Tripartite se encerrou no primeiro trimestre de 2000, sendo, em seguida,

apresentada uma Emenda Aglutinativa, que, em verdade, não trouxe

alteração substancial em relação ao Substitutivo aprovado. O trâmite normal

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do processo legislativo seria a matéria seguir para votação no plenário da

Câmara, o que certamente não ocorreu, especialmente considerando que

as divergências com o Poder Executivo não foram resolvidas e que o País

se encontra em ano eleitoral.

Mesmo assim, em uma última tentativa antes das eleições de mostrar a

viabilidade e interesse pela reforma tributária, o Ministério da Fazenda

apresentou, mais uma vez, uma nova proposta em agosto de 2000.

Deixando de lado considerações mais técnicas no momento, vale ressaltar

que essa proposta trouxe algo de novo: a redução do tamanho da ambição

na reforma tributária do consumo no Brasil. Parece ser ela a constatação de

que, após uma década de debates não concretizados, que se iniciou com a

CERF pretendendo reformular o sistema inteiro, em uma verdadeira reforma

fiscal, e acabou não se conseguindo realizar nem a reforma de parte do

sistema tributário, é melhor optar por uma solução mais restrita. Em

verdade, essa proposta, nem sequer apreciada pela Comissão, trouxe um

questionamento interessante: a excessiva constitucionalização da matéria

tributária no País, o que dificulta – e muitas vezes inviabiliza – a própria

realização da reforma. Não seria mais interessante desconstitucionalizar

parte do capítulo tributário, deixando a possibilidade de se alterar a

legislação mediante lei complementar?

A resposta a essa pergunta incita opiniões conflitantes. Os defensores

clamam por uma política tributária mais flexível, onde os ajustes finos

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pudessem ser feitos de forma mais constante, infra-constitucionalmente, de

modo que não fossem necessárias reformas tributárias demasiadamente

amplas, realizadas apenas quando o sistema já está bastante obsoleto. Os

opositores, por sua vez, temem o abuso do poder de tributar, a falta de

garantia ao contribuinte justamente advinda dessa maior facilidade de

aprovação de medidas tributárias.

É interessante observar que a discussão não é recente, ou pelo menos, não

foi iniciada com essa última proposta do Ministério da Fazenda. Em seu

Relatório, ainda em 1993, a CERF já atentava para o assunto (p. 7): “Nesse

contexto o número de artigos e o nível de detalhe crescem sem cessar

(sobre a Constituição de 1988). Assim, por exemplo, o nível de minúcia que

o texto constitucional dá ao ICMS conspira para que se diga que a maior

parte desses dispositivos estaria melhor colocada em lei complementar. Isso

leva a que qualquer proposta de reforma fiscal tenha que modificar um

número elevado de dispositivos constitucionais; ressalvado, é claro, que se

adotasse a proposta do deputado José Serra de reduzir o capítulo tributário

do texto constitucional somente à competência tributária, deixando todo o

mais para lei complementar. O projeto não teria ido adiante, ao que parece,

pela declarada desconfiança de estados e municípios quanto à fácil

mutabilidade da legislação complementar.”

Não cabe, neste trabalho, analisar o tema com maior profundidade, porém é

necessário fazer duas constatações: em primeiro lugar, vários países do

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mundo trabalham com um modelo constitucional muito mais leve que o

brasileiro e isso não implica descomedimento contra os contribuintes (basta

que, paralelamente, existam regras claras que viabilizem a punição da

exacerbação de poder) e, em segundo lugar, a realização de ajustes infra-

constitucionais foi o que possibilitou a reformulação da tributação da renda

no Brasil.

De fato, nenhuma das linhas de proposta de reforma tributária dedicou-se à

questão da renda, tratando quase que exclusivamente da tributação do

consumo. Deve-se perguntar, então, o porquê da falta de interesse por essa

importante base de incidência, já que os trabalhos da CERF, em 1992,

apontavam para várias distorções e problemas na tributação da renda. E a

resposta é simples: apesar de ter passado despercebida da grande maioria

da população e mesmo do público especializado, a reforma tributária da

renda foi realizada, a partir de 1995, mediante uma série de medidas infra-

constitucionais. Por não envolver níveis governamentais distintos e não ter

necessidade de alterações constitucionais, foi relativamente fácil reformular

as leis relativas ao imposto de renda e à contribuição social sobre o lucro

líquido. Assim, os interesses divergentes na reforma da renda foram

minimizados, não existindo conflitos governamentais (nem vertical nem

horizontal).

Essa parece ter sido uma experiência interessante em termos de política

tributária brasileira, pois dá uma nova dimensão ao entendimento de

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reforma tributária, que não precisa, necessariamente, ser algo radical dentro

de uma única proposta acabada. Deve-se, assim, entender a reforma como

um processo contínuo de medidas que interagem entre si, formando, após o

tempo requerido para as mudanças, um conjunto consistente de alterações

tributárias. Essa nova ótica de reforma parece inovadora no Brasil porque,

devido à instabilidade econômica e administrativa que o País enfrentou nas

últimas décadas, políticas gradualistas não funcionavam. Diferentemente, o

período pós-Real tem se mostrado propício para o exercício de algumas

políticas de médio ou longo prazo, dado um ambiente econômico mais

previsível e a continuidade administrativa do governo.

As medidas implementadas permitiram tamanha alteração na legislação do

imposto de renda que poderiam ser consideradas como uma verdadeira

reforma tributária14. Em linhas gerais, pode-se dizer que a legislação tendeu

para maior simplicidade, internacionalização e modernização. Ao mesmo

tempo, as medidas permitiram uma leve recuperação da base renda em

relação à carga tributária total, o que é bastante positivo, tendo em vista a

14 Apenas como referência, passa-se a elencar algumas das principais modificaçõesocorridas no imposto de renda a partir de 1995: extinção da correção monetária de balanço;redução da alíquota do IRPJ de 25% para 15%; redução das alíquotas adicionais do IRPJde 12% e 18% para uma única alíquota de 10%; aumento da alíquota do IRPF de 25% para27,5%; adoção do critério de tributação mundial da renda (passou-se a tributar osresultados das filiais de empresas brasileiras no exterior); instituição da legislação depreços de transferência (regulamentação das transações efetuadas entre pessoasresidentes e não-residentes, quando há vínculos entre elas); definição e adoção de regraspara as transações de residentes com paraísos fiscais; instituição do SIMPLES (modelo deapuração e pagamento de imposto visando à simplificação do cumprimento tributário paramicro e pequenas empresas); ampliação do Lucro Presumido (regime de apuraçãosimplificada do lucro para o pagamento de imposto de renda das médias empresas) ediversas alterações na legislação do imposto de renda incidente sobre as operaçõesfinanceiras.

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alta concentração da tributação brasileira na base consumo. Assim, o

Imposto de Renda, que representava 4,07% do PIB em 1994, passou a

participar com 5,47% em 1999.

Portanto, a análise realizada mostrou que o sistema tributário brasileiro

convive com determinadas distorções e ineficiências desde a reforma

tributária de 1966, sobretudo no que se refere à tributação do consumo.

Nessas últimas décadas, no entanto, apesar de várias tentativas, nenhuma

reforma tributária estrutural foi feita, tendo o País optado por conviver com a

aprovação de medidas pontuais, que apesar de poder ter méritos isolados,

não resolveram as principais deficiências tributárias nacionais. As causas

para isso são variadas, incluindo fatores como o ambiente econômico

instável que o Brasil conviveu por tantos anos, a falta de prática política

democrática para se debater assuntos conflitantes como reforma tributária,

a dificuldade da questão federativa no País e a excessiva

constitucionalização da matéria tributária, entre outros.

No entanto, apesar de tantas dificuldades, o País chegou ao ano 2000 com

a maior carga tributária de sua história, o que sugere que, pelo menos no

que se refere à arrecadação, o sistema tributário brasileiro mostra grande

eficiência. Esse é um ponto extremamente relevante, pois, do contrário, o

País estaria enfrentando uma crise fiscal ainda mais grave, o que

certamente comprometeria seu ajuste macroeconômico. Continua presente,

contudo, a necessidade de correção de distorções que afetam o

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desempenho da economia nacional e que só podem ser tratadas no âmbito

de uma política tributária claramente direcionada. Assim, pode-se afirmar

que o Brasil inicia o século XXI com a mesma necessidade de quatro

décadas atrás: reformar a tributação do consumo, o que envolve questões

mais do que diagnosticadas e debatidas, mas que não tem se conseguido

corrigir. Por outro lado, é interessante notar que, simultaneamente, o País

realizou a reforma tributária da renda, o que significou a correção de

distorções até então pouco comentadas e que praticamente passou

despercebida da população.

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Capítulo 3

A Reforma da Tributação do Consumo: As Propostas em Debate

3.1 Os principais problemas e desafios

A tributação do consumo no Brasil engloba três impostos – cada um

administrado por um nível distinto de governo – e duas contribuições sociais

federais, a saber: IPI, ICMS, ISS, COFINS e PIS/PASEP. Essa

multiplicidade de tributos/contribuições e governos envolvidos é a base da

complexidade e das ineficiências da tributação indireta brasileira, já tão bem

estudada e documentada nos últimos anos, pois o diagnóstico do problema

não tem se alterado recentemente. Em verdade, como mencionado no

capítulo anterior, essa estrutura remonta à década de 60 e, desde então, o

sistema tem se tornado paulatinamente obsoleto e distorcivo.

Desse modo, tem sido justamente a tributação do consumo o principal alvo

de críticas ao sistema tributário brasileiro e, ao mesmo tempo, o objeto

principal do processo de reforma tributária dos anos 90. Apesar disso, não

se conseguiu evoluir muito nos últimos anos, tendo sido aprovadas apenas

algumas medidas pontuais como a aprovação da Lei Kandir e a parcial

desoneração da COFINS e do PIS/PASEP das exportações. É necessário,

portanto, analisar alguns fatos que podem explicar o porquê dos conflitos e

impasses nessa matéria.

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Primeiramente, no que se refere à diversidade de tributos, a conseqüência

tem sido a total falta de transparência quanto à carga tributária setorial e por

produto no Brasil. É praticamente impossível determinar o peso de impostos

que existe em cada bem ou serviço e, em geral, nunca fica explicitado ao

consumidor o imposto e a alíquota aos quais ele está sujeito. Isso porque as

alíquotas do IPI, ICMS e ISS variam enormemente em termos regionais e

setoriais, sendo que, quanto ao ICMS, existe a agravante de ela ser

calculada “por dentro”, isto é, incidir sobre a própria base do imposto, o que

mascara a alíquota verdadeira que onera o preço. Essa prática é oposta ao

que ocorre na maioria dos países do mundo, onde o imposto e a alíquota

incidentes são claramente destacados na nota fiscal e explicitados ao

consumidor. Assim, pode-se afirmar que os cidadãos brasileiros não sabem

quanto pagam de imposto ao comprar um produto ou um serviço.

Quanto à COFINS e ao PIS/PASEP, o problema da falta de transparência é

de outra natureza, já que as alíquotas são uniformes em todo o território

nacional e valem para qualquer tipo de empresa (com exceção de algumas

microempresas optantes pelo SIMPLES que têm uma alíquota menor). A

problemática dessas contribuições é a sua incidência em cascata, gerando

cargas tributárias diferenciadas de acordo com o número de etapas

produtivas pelas quais passou um produto. Seria até possível dizer que a

carga tributária de um mesmo produto – por exemplo, uma televisão – pode

variar, dependendo se determinado modelo passou por um processo

produtivo distinto de outro modelo produzido por uma fábrica diferente. A

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incidência em cascata, portanto, afeta um importante objetivo de qualquer

sistema tributário, a neutralidade, e gera estímulos à verticalização da

indústria no País. Assim, ao se agregar, sobre um mesmo bem, impostos e

contribuições com essas características, pode-se avaliar o quão distorciva e

obscura é a tributação brasileira sobre o consumo.

Em segundo lugar, é importante também analisar os fatores de ineficiência

gerados pela multiplicidade de governos envolvidos, ou seja, pela

distribuição da competência tributária sobre o consumo por todos os níveis

governamentais. Um impacto relevante é o aumento dos custos público e

privado do cumprimento da obrigação tributária, pois tanto as

administrações tributárias como os contribuintes acabam tendo que manter

estruturas paralelas ou sobrepostas para realizar uma tarefa que poderia ser

unificada e simplificada. Esse aspecto, ainda bastante relegado no Brasil,

diz respeito ao nível de eficiência de um tributo, isto é, o quanto que ele

custa para ser arrecadado. O controle tributário também se torna mais difícil

devido à falta de integração e de troca de informações entre os diversos

fiscos envolvidos.

Porém, dentre os vários problemas decorrentes desse paralelismo de

estruturas governamentais, o mais crucial refere-se à questão federativa,

que engloba tanto a séria questão da guerra fiscal como a autonomia dos

governos sub-nacionais. É preciso entender que, por trás da competição e

da autonomia tributárias, está a possibilidade de realizar política econômica

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de forma independente, isto é, de atrair investimento direto, beneficiar

setores específicos e dispor de receitas próprias sem ter nenhum

comprometimento com os demais governos da federação.

As ineficiências geradas por esse modelo de federalismo competitivo têm

sido substanciais, mas ainda não devidamente calculadas e combatidas no

País. Entretanto, por mais que fiquem claros os desperdícios causados para

a federação como um todo, essa questão, que é um dos principais

obstáculos que impedem a realização de uma reforma tributária efetiva no

País, não será facilmente resolvida. Isso porque o ganho individual de

algumas jurisdições faz com que elas sejam oponentes firmes à

reestruturação do sistema e, ademais, depois que se concede autonomia a

um governo, é muito difícil voltar atrás.

Portanto, como visto anteriormente, a decisão de conceder o principal IVA

da economia aos Estados, pela reforma de 1966, tem gerado ineficiências

que persistem até os dias atuais. Assim, a solução mais simples de reforma

tributária, que é a adotada pela maioria dos países, a de um único IVA

federal, provavelmente não vai ser implementada no Brasil. A partir daí, os

conflitos e problemas gerados por modelos alternativos demandam,

realmente, muito tempo de discussão.

A dificuldade da reforma do consumo fica ainda mais evidente ao analisar o

montante de recursos envolvidos: nada menos do que R$ 128 bilhões, o

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que equivaleu a cerca de 42% da carga tributária bruta total de 1999. Desse

valor, aproximadamente R$ 68 bilhões são arrecadados apenas com o

ICMS e R$ 31 bilhões com a COFINS, ou seja, essas duas rubricas

respondem por quase 80% dos recursos envolvidos na reforma e, por isso

mesmo, é onde estão concentrados os maiores empecilhos. A título de

comparação, vale destacar que a receita gerada pelo Imposto de Renda

total (Pessoas Física e Jurídica), no mesmo ano, foi de R$ 55 bilhões.

Comparações internacionais indicam que a arrecadação oriunda dos

tributos sobre o consumo é bastante elevada no Brasil, conforme dados

apresentados na Tabela 3. Os 42% de participação desses impostos no

Brasil é muito superior à média de 32% nos países da OCDE. Pode-se tirar

desse fato uma conclusão: parece estar sendo mais fácil arrecadar

mediante uma tributação pouco transparente e distorciva, que não explicita

seu real valor ao consumidor. Ao mesmo tempo, fica claro que há espaço

para um aumento da tributação da renda no país, responsável por apenas

20% da carga tributária nacional, já incluindo a Contribuição Social sobre o

Lucro Líquido.

Tabela 3

Arrecadação dos Impostos sobre o Consumo

em Relação à Arrecadação Total

1965 a 1995

em %Grupo de Países 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995

Total da OCDE 38,0 35,8 32,6 32,3 33,5 31,8 32,4

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OCDE – América 31,6 25,8 25,8 33,9 38,5 33,0 33,0

OCDE – Pacífico 29,6 27,2 33,0 33,1 32,4 30,7 30,1

OCDE – Europa 40,1 38,2 33,2 31,9 33,0 31,9 32,8

União Européia (15) 38,2 36,4 31,3 31,0 31,5 31,5 31,0

Fonte: Revenue Statistics 1965-1996, OCDE

Essa arrecadação expressiva causa o temor de que o novo modelo

tributário não consiga manter o mesmo nível global de receitas arrecadadas,

ou vendo a questão por uma outra ótica, surge a insegurança de “para que

reformar um sistema tributário que tem assegurado um nível satisfatório de

arrecadação, justamente em um período sensível para as contas públicas

nacionais”. É sempre preciso lembrar que uma reforma tributária pode

trazer, em um primeiro momento, aumento nos níveis de evasão, até

mesmo pela dificuldade de adaptação dos contribuintes às novas regras

tributárias. Além disso, geralmente existe um hiato de transição entre os

modelos, onde a arrecadação tende a ficar instável. Essas têm sido razões

apontadas para justificar a atual paralisação das discussões da reforma

tributária por parte do governo.

A situação é agravada pelo fato de a concentração de receitas no ICMS e

na COFINS gerar o problema de como substituir essas receitas sem tocar

em questões cruciais como a autonomia estadual, a guerra fiscal, a

tributação em cascata e o próprio financiamento da seguridade social. De

fato, não há como fornecer uma receita própria aos Estados no valor de

quase R$ 70 milhões com qualquer outro imposto que não seja incidente

sobre o consumo. Como visto anteriormente, nem mesmo a totalidade do

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imposto de renda alcança esse valor e, de qualquer forma, a base renda

geraria problemas de guerra fiscal até maiores do que o ICMS. A solução

ideal – o IVA centralizado – somente seria factível, portanto, com os

Estados recebendo transferências federais; proposta que é indiscutível por

quebrar a autonomia estadual e sem nenhuma chance de ser aprovada.

Mesmo em relação ao ISS, que gerou apenas R$ 5 bilhões em 1999, a

dificuldade de extingui-lo é imensa pelos mesmos motivos de autonomia

municipal15.

Outro problema existente na tributação do consumo diz respeito à questão

da origem e do destino. Certamente que esse não é um assunto simples,

tanto que até hoje gera debates internos na Comunidade Européia.

Economicamente, está estabelecido que o imposto deve pertencer à

jurisdição onde se encontra o consumidor, pois dessa forma não se gera

externalidades intra-jurisdições e a tributação torna-se neutra. No entanto, a

prática impede que a atribuição de receitas ao destino seja fácil, pois há o

incentivo a se sonegar imposto, atribuindo alíquota zero a um produto que é

vendido dentro da jurisdição de origem, mas que possui uma nota fiscal

falsa como se o produto estivesse seguindo para exportação (sonegação na

fronteira). O Brasil opta por um sistema misto, onde parte da arrecadação

fica na origem e outra parte vai para o destino, mas que, no fim das contas,

15 Por causa dessa necessidade de deixar os Municípios com alguma fonte própria derecursos sobre o consumo, criou-se a inusitada idéia de convivência mútua de um IVA e umIVV em um mesmo sistema tributário. O interessante é que essa solução é um dos poucospontos de concordância existente nas atuais duas linhas de propostas de reforma (a daComissão e a do Ministério da Fazenda). Esse assunto será discutido mais detalhadamenteem seção posterior deste capítulo.

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ainda gera um grande privilégio aos estados produtores (origem). Esse é um

dos principais motivos causadores da guerra fiscal estadual, além de gerar

um impacto negativo sobre a distribuição de recursos intra-regional no País.

Quanto às contribuições sobre o faturamento, em particular a COFINS, as

dificuldades hoje enfrentadas para a sua extinção são decorrência da

própria política tributária seguida pela União desde a Constituição de 1988,

como já foi analisado no Capítulo 2. Era bastante previsível que a situação

chegasse ao impasse atual, onde o Poder Executivo não pretende mais

abrir mão da contribuição, limitando-se a admitir o fim de sua cumulatividade

em prazo determinado. De fato, o aumento gradativo da alíquota e da base

da COFINS ao longo dos anos 90 permitiu que se dobrasse sua

participação relativa na carga total, desempenho não superado por qualquer

outro tributo no mesmo período. Sua participação relativa, que era de

5,35% em 1991, passou para 10,08% em 1999. Atualmente, é relevante

notar que a COFINS arrecada quase metade do valor do ICMS (45,5%)

enquanto representava apenas 19,6% em 1991. O ponto crucial é que esse

volume de arrecadação é gerado pelo modelo da incidência em cascata,

que significa base ampla, alíquota baixa, fáceis administração e

arrecadação e menor margem de evasão.

Dessa forma, substituir a base faturamento por valor agregado não é uma

simples questão de calcular a alíquota que gere a mesma arrecadação.

Certamente o grau de sonegação e complexidade do sistema se eleva, bem

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como o custo da administração tributária para fiscalizar um imposto baseado

em débitos e créditos, o que geraria uma alíquota sobre o valor agregado

mais alta do que uma simples alíquota de equilíbrio entre os dois sistemas.

Assim, já não restam dúvidas de que a alíquota de um novo imposto sobre o

valor agregado no Brasil, que substituísse todos os impostos e contribuições

hoje incidentes sobre o consumo, seria bastante alta para padrões

internacionais. Explicitar o custo tributário que hoje está camuflado em

bases e impostos distintos, incidência cumulativa e cálculo “por dentro” é um

difícil desafio a ser enfrentado pela reforma tributária.

3.2 As soluções apresentadas

Dadas as dificuldades da reforma da tributação do consumo no Brasil, as

duas linhas de proposta optaram por soluções bem distintas quanto ao

modelo a ser adotado. Não restam mais dúvidas de que o assunto é

complexo e que não há possibilidade de ser adotada a solução mais

simples, praticada pela maioria dos países que tem esse tipo de tributação:

a mera centralização do IVA. Isso ficou claro na Primeira Proposta Parente

(1997), que justamente era baseada na criação de um IVA sob competência

federal, mas que recebeu fortes críticas, sobretudo por parte dos Estados.

Desse modo, as soluções necessariamente passam por arranjos intricados,

que acabam por dividir opiniões, dificultando o consenso sobre a matéria. A

seguir, esta seção tratará de resumir, brevemente, as principais propostas

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apresentadas, de modo a analisar seus pontos positivos e negativos e

destacar quais as críticas apontadas sobre cada modelo16.

Em primeiro lugar, vale a pena destacar que, apesar das substanciais

diferenças existentes entre as duas linhas de propostas, há alguns pontos

em comum. Ambas as propostas concordam em extinguir o IPI, o ICMS, o

ISS, a COFINS e o PIS/PASEP, sendo substituídos por um sistema misto de

IVA e IVV (Imposto sobre Vendas a Varejo). Assim, as duas linhas propõem

um IVV sob competência municipal, operando como uma sobre-taxa do IVA,

o que continua a fazer do Brasil um sistema ímpar por essa combinação

entre dois impostos de natureza distinta. Isso porque a prática internacional

é a de optar pelo sistema do IVA (adotado em mais de 100 países, em

especial os da Comunidade Européia, onde a instituição do imposto é pré-

requisito para ser membro do bloco comunitário) ou pelo sistema do IVV

(que tem nos Estados Unidos seu exemplo mais forte, com o imposto sendo

cobrado em nível estadual). Não é comum a adoção de um sistema misto

como o proposto no Brasil, solução claramente adotada para tentar resolver

parte do conflito federativo. Parece ser consenso em ambas as propostas,

também, a transferência da competência tributária do ITR para os Estados.

Outro ponto convergente, não importa qual o modelo de contribuição social

16 Este trabalho limitar-se-á a analisar as propostas do Substitutivo aprovado pelaComissão de Reforma e as apresentadas pelo Ministério da Fazenda. Além dessas,existem várias outras propostas apresentadas ao longo desses últimos anos, como aProposta Ponte, a Proposta do Partido dos Trabalhadores, entre outras, mas que não serãoobjeto de estudo por razões óbvias de espaço e foco.

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a ser seguido (valor agregado ou faturamento), é a sua incidência sobre as

importações.

• O Modelo de IVA/IVV

Os pontos divergentes, no entanto, são vários e dizem respeito à estrutura

do próprio sistema tributário. O Substitutivo aprovado trouxe um modelo de

tributação do consumo que se intitula de IVA dual ou IVA partilhado. Esse

modelo, baseado em um paper original de Varsano (1995), apresenta, sem

dúvida, um modelo teoricamente bastante interessante para solucionar a

problemática de se instituir um IVA em nível sub-nacional de governo. Além

disso, essa alternativa possibilita a tributação inteiramente no destino,

questão relevante para o fim da guerra fiscal no País. Para tanto, existe um

IVA compartilhado entre União e Estados, cada qual com sua respectiva

alíquota. Nas transações internas a cada Estado, cada poder tributante

simplesmente aplica sua alíquota e arrecada o imposto devido.

O ponto inovador do modelo, conhecido como “barquinho”, é resolver a

questão das transações interestaduais, que são feitas da seguinte forma:

quando uma empresa sediada no Estado A vende para outra com sede no

Estado B, a alíquota estadual do imposto é zerada e acrescida à alíquota da

União. Em um caso onde a empresa A compra tudo de seu Estado e a

empresa B vende tudo na sua jurisdição, o modelo levaria à seguinte

situação: a empresa do Estado A fica com um crédito (mas sem débito) em

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relação ao Estado e com um débito (mas sem crédito) em relação à União.

A empresa B, por sua vez, fica sem crédito (e com débito) em relação ao

seu Estado, enquanto adquire crédito (e não um débito) quanto à União.

O funcionamento do modelo do “barquinho” encontra-se bem resumido em

recente publicação do BNDES (2000):

“i) na saída de uma mercadoria para outra unidade, a alíquota estadual

seria zerada, o estado de origem nada cobraria sobre o valor adicionado na

fabricação da mercadoria exportada e creditaria ao contribuinte o IVA

recolhido na aquisição de seus insumos;

ii) a alíquota federal seria automaticamente acrescida da alíquota estadual,

ou seja, as duas alíquotas seriam somadas e o contribuinte, ao invés de

pagar a parcela estadual do IVA à sua respectiva jurisdição, efetuaria o

pagamento total à União;

iii) no momento em que a mercadoria ingressasse na unidade importadora e

fosse revendida ou incorporada como insumo em outro produto, o

contribuinte dessa localidade teria um débito com a União apenas no valor

da alíquota federal e um crédito referente à soma das parcelas federal e

estadual. Na hipótese desse crédito ser superior ao débito, o montante teria

que ser devolvido ou aproveitado em outra transação; e

iv) também nesse momento o contribuinte teria um débito com o estado

importador, mas não teria nenhum crédito, pois o estado de origem nada

teria recolhido nessa transação.”

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A partir desse arranjo, percebe-se que o modelo alcançou o princípio do

destino nas transações interestaduais, pois o Estado B ficou com a

arrecadação daquilo que foi vendido, isto é, consumido, em seu território. O

ponto interessante é que o destino foi atingido sem a mera “zeragem” da

alíquota interestadual, que, conforme já mencionado, incentiva a sonegação

fiscal. A União foi, portanto, o “barquinho”, pois serviu para “transportar” o

IVA do estado de origem para o estado de destino. No entanto, apesar

dessas claras vantagens do modelo em questão, ele não teve boa aceitação

nem pelos Estados nem pelo Poder Executivo. Justamente nesse ponto

concentraram-se as críticas do Ministério da Fazenda ao Substitutivo. Vale a

pena, pois, explicitar as desvantagens que o modelo acarreta.

A principal crítica foi dirigida à própria concepção do modelo, que, como

visto anteriormente, gera créditos e débitos não compensáveis

simultaneamente, o que criaria problemas substanciais tanto para os

contribuintes como para as administrações tributárias. Do ponto de vista das

empresas, elas terão que desembolsar quantia expressiva para fazer frente

ao pagamento do IVA, pois ele não será mais a diferença entre débito e

crédito, mas sim o débito total. Em seguida, terão que esperar a restituição

do crédito, situação que pode gerar sérios problemas de caixa para as

empresas. Há que se perceber a diferença entre pagar o imposto enquanto

percentual do valor agregado (situação atual) e recolher um percentual do

débito total ou faturamento (situação proposta). Seria algo semelhante a se

cobrar a COFINS à uma alíquota superior a 25%, o que pode seriamente

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comprometer a situação financeira das empresas, mesmo considerando que

o ressarcimento será creditado em seguida.

Quanto às administrações tributárias, elas terão que montar um vultoso

mecanismo de compensação de débitos e créditos, o que pode implicar

custos expressivos. Vale notar que o sistema de ressarcimento de um IVA

em nada se compara, em tamanho e complexidade, com a restituição do

imposto de renda da pessoa física ou a desoneração do imposto das

exportações, por exemplo. Por esse motivo, o modelo foi considerado pouco

operacional, com custos administrativos insuperáveis. Outro ponto

importante destacado foi o incentivo à geração a créditos frios que esse

modelo acarretaria (para tentar obter maior ressarcimento por parte do

governo) e que, por isso mesmo, exigiria mais controles por partes dos

fiscos e atrasaria o ressarcimento do crédito.

Houve outras críticas ao modelo de IVA do Substitutivo, como a existência

de cinco níveis de alíquotas, sendo que os Estados tinham a opção de

poder alterá-las em até 20% do valor normal. Vale observar que a opção por

variados patamares de alíquota no IVA não é padrão internacional, que

trabalha com a interação de IVA a poucos níveis de alíquota e um excise tax

para tributar bens que merecem uma carga tributária diferenciada. Foi

apontado que isso, por um lado, continuaria perpetuando a multiplicidade de

alíquotas e a falta de transparência do sistema atual. Por outro, a livre

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alteração de alíquotas pelos governos estaduais poderia continuar dando

margem à guerra fiscal.

Colocadas essas questões sobre o modelo do Substitutivo, vale a pena

analisar, então, o modelo de IVA apresentado pelo Ministério da Fazenda.

Neste ponto, é necessário fazer uma constatação: houve várias

modificações na linha seguida pelo MF, até mesmo em decorrência da

dificuldade de negociação do processo de reforma tributária. Como dito

anteriormente, a última proposta do Ministério praticamente não alterou a

estrutura vigente, deixando questões importantes para serem tratadas infra-

constitucionalmente. Desse modo, fica dificultada a análise pormenorizada

de cada proposta, e, portanto, este trabalho passa a dar apenas uma visão

geral das mudanças ocorridas ao longo dos anos.

O modelo inicial foi aquele constante da Primeira Proposta Parente (1997),

que sugeria um IVA centralizado na União e um IVV sub-nacional, sendo

este último de competência estadual quando incidente sobre mercadorias e

de competência municipal quando incidente sobre serviços. A rationale é

clara: o IVA central é o sistema seguido por quase todos os países do

mundo e acaba com os problemas que o país enfrenta na tributação do

consumo e que já foram analisados anteriormente. Por sua vez, o IVV sub-

nacional é uma forma de se manter autonomia tributária, concedendo a

cada nível de governo uma base a qual ele já possui experiência de

administração.

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No entanto, os problemas advindos do modelo também são claros:

excessiva centralização, necessidade de substanciais transferências a

Estados e Municípios e dificuldades quanto à diferenciação entre

mercadorias e serviços (problema que, aliás, existe atualmente em algumas

sobreposições existentes entre ICMS e ISS). Por isso, esse modelo

mostrou-se ineficiente, sobretudo do ponto de vista federativo, o que

desagradou aos Estados. De fato, conforme análise já realizada, é

extremamente difícil reverter a significativa autonomia tributária conquistada

pelos Estados após a reforma de 1966. Dessa forma, qualquer proposta

nesse sentido, por mais que preze por racionalidade técnica e siga o padrão

internacional, não tem condições de ser viabilizada.

Paralelamente ao IVA, seria criado um Imposto Seletivo (excise tax),

também sob competência federal, mas com possível delegação de

competência para os Estados. Esse é outro ponto importante na diferença

entre as duas linhas de modelos, pois o Substitutivo não propõe nenhum

Imposto Seletivo, que, na verdade, é o padrão internacional para

complementar o IVA na tributação de bens especiais (bebidas, cigarros,

telecomunicações, combustíveis, por exemplo). Há razões concretas para

se adotar um imposto do tipo excise, envolvendo a importância de sua base

tributável, sua pequena elasticidade-preço, a possibilidade de se tributar em

fase única (substituição tributária) e a necessidade de aplicação de alíquota

mais elevada nos casos dos bens meritórios ou supérfluos (como a bebida e

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o cigarro, por exemplo). O Substitutivo pôde se abster do Seletivo

justamente por contemplar vários níveis de alíquotas. Já a proposta do

Ministério, por optar por um IVA preferencialmente de alíquota única

(admite-se, apenas, uma alíquota mais baixa para bens essenciais),

necessita de um imposto tipo excise.

De modo a superar as deficiências contidas na primeira proposta, o

Ministério apresentou o que se convencionou chamar de a Segunda

Proposta Parente (1998), na qual o IVA seria o Novo ICMS, partilhado entre

a União e os Estados. A partir daí surgiram diversas variantes desse

modelo, no qual existiria um único IVA, mas com percentuais pré-

determinados de repartição das receitas. Desse modo, a alíquota para o

contribuinte seria única e o sistema bancário seria o responsável por alocar

a arrecadação para o Tesouro federal ou estadual, conforme percentuais

determinados constitucionalmente. O ponto positivo dessa abordagem

continua sendo a facilidade de administração e transparência do sistema,

com base ampla, uma ou duas alíquotas e regras bem estabelecidas. O

ponto negativo diz respeito à questão federativa, pois um imposto com

essas características de integração necessitaria de uma boa harmonização

no que se refere à fiscalização e ao julgamento do contencioso. Além disso,

esse modelo cria dificuldades na fixação dos percentuais de divisão das

receitas, que ficariam estáticos, e, sobretudo, sobre como se repartir a

arrecadação estadual entre as várias unidades federadas.

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Vale a pena explicitar um pouco mais sobre essa proposta de repartição de

receitas entre as unidades federadas, pois ela relaciona-se à partilha vertical

e horizontal de recursos e, em decorrência, à solução da problemática da

origem e do destino na federação brasileira. No modelo do MF, existiriam

percentuais fixos para determinar o montante de recursos destinados a cada

esfera de governo (35% para Estados e 65% para a União, em uma das

últimas propostas apresentadas), determinando, de forma estática, a

partilha vertical. A questão posterior é como proceder à repartição da

parcela estadual do IVA entre os diversos estados (partilha horizontal). Pelo

menos em nível teórico, existe um consenso de que o ideal seria deixar a

arrecadação integralmente no destino, conforme alcançado pelo modelo do

barquinho. Porém, na prática, os próprios Estados questionam qual o

incentivo que existiria nessa situação de destino puro, pois o estado de

origem não teria qualquer razão para fiscalizar as transações interestaduais

(que se destinam a outros estados).

A solução proposta pelo MF seria a criação do Fundo de Equalização, isto

é, um fundo destinado a transferir recursos dos estados produtores (origem)

para os estados consumidores (destino). O Fundo seria necessário porque a

arrecadação do IVA ocorreria na origem, tanto por ser mais fácil

operacionalmente, como para resolver a questão do incentivo a fiscalizar. A

idéia de adotar o princípio do destino mediante um fundo não é nova e tem

sido estudada pela própria Comunidade Européia. Assim, 35% da

arrecadação do IVA seriam arrecadados na origem e 12% seriam

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distribuídos aos estados consumidores, de modo que a repartição final

respeitasse o destino (isto é, 12% do IVA foi o percentual estimado pelo MF

que seria necessário para a formação do fundo).

Essa metodologia traz alguns problemas: o primeiro deles é o fato de que o

destino não seria integralmente alcançado, pois os cálculos se referem a

valores médios; em segundo lugar, o percentual de 12% ficaria estático por

estar fixado na Constituição, o que poderia gerar problemas futuros pela

própria dinâmica da economia intra-regional; em terceiro lugar, o sistema

depende de informações a posteriori para efetuar a repartição ou

estatísticas que não são calculadas oficialmente no País (como o consumo

estadual, por exemplo) e, por último, seria necessário criar uma estrutura

administrativa para administrar o fundo. Portanto, as soluções adotadas

pelas duas linhas de proposta são bastante distintas: o Substitutivo alcança

o destino puro via o modelo do barquinho, enquanto a proposta do MF

destina receitas aos estados de destino via um fundo especial. Como visto,

ambas as propostas têm vantagens e desvantagens teóricas e operacionais.

Seguindo a ordem cronológica dos fatos, ocorreu que essa proposta do MF

também foi contestada e descartada quando, no final de 1999, houve o

confronto entre as duas linhas de proposta que gerou a criação da

Comissão Tripartite. Assim, devido a tantas dificuldades de negociação,

resolveu-se separar, definitivamente, o IVA federal do IVA estadual,

acabando com a idéia de um imposto integrado, que pudesse ser chamado

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– como o foi em determinado período – de imposto da federação. Em

decorrência, o último modelo apresentado pelo MF foi bastante tímido,

quase não alterando a atual estrutura tributária. Em síntese, o IPI seria

substituído por um Imposto sobre Bens e Serviços, que seria um IVA com

uma base provavelmente mais restrita, mas não se constituiria um

verdadeiro excise porque os Estados não abriram mão de tributar as bases

especiais. O ICMS continuaria a ser o IVA estadual, com a diferença de ter

legislação nacional, alíquota uniforme por produto e restrições para

concessão de benefícios fiscais. É interessante notar que a idéia do Fundo

de Equalização perpetuou-se nessa proposta dos Estados, sendo a maneira

escolhida para realizar a transição para o destino. O IVV, único ponto de

consenso, continuou sob competência municipal. Ou seja, após ter partido

de uma idéia de IVA único e centralizado, as propostas foram sendo

mutiladas até acabar, de certo modo, apenas recriando o atual sistema de

dois IVA, com a vantagem de ter uma legislação de ICMS integrada.

• Impacto Setorial sobre os Preços

Outro ponto importante a ser considerado no processo de reforma diz

respeito ao impacto setorial sobre os preços. Essa é uma questão de

extrema relevância e que deveria ser melhor avaliada por ambas as

propostas. Isso porque, conforme já mencionado, a estrutura de tributação

do consumo mascara a verdadeira carga tributária a que cada bem ou

serviço está sujeito. Dessa forma, a conseqüência de múltiplas alíquotas,

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isenções e cumulatividade é que cada setor enfrenta uma carga tributária

distinta. Daí surge um importante desafio: como realizar a transição desse

sistema caótico de múltiplas alíquotas para um modelo de poucas

alíquotas?

Considerando que a manutenção do nível de arrecadação é premissa dos

modelos de reforma, as múltiplas alíquotas deverão ser substituídas por

uma (ou poucas) alíquota(s) que deverá(ão) estar na média das alíquotas

hoje existentes. Assim, a arrecadação estaria garantida. Porém, a fixação

dessa alíquota média implicaria que alguns setores teriam sua carga

tributária aliviada (aqueles que eram tributados acima da média) enquanto

outros passariam a pagar mais (aqueles que eram tributados à uma alíquota

inferior à média). Qual o impacto que essa nova situação geraria sobre a

formação de preços da economia? Essa é uma pergunta crucial da

transição para qualquer um dos modelos propostos. Seria normal esperar

que aqueles que terão sua carga tributária aumentada irão repassá-la

integralmente aos preços, enquanto que aqueles que terão sua carga

aliviada poderão incorporá-la parcialmente aos lucros. Afinal, esses últimos

já têm mercado vendendo pelo atual preço mais alto (isto é, sendo tributado

à uma alíquota mais alta). O impacto conjunto desses vetores pode ser,

portanto, um aumento geral de preços e a modificação no equilíbrio setorial

de mercado.

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Questão de extrema relevância não tem sido estudada mais a fundo e não

foram explicitamente consideradas pelas propostas. O Substitutivo, ao

prever cinco faixas de alíquotas, até permitiria que as diferenças da

transição fossem minimizadas em relação ao modelo do MF. Isso porque

seria mais fácil adequar as inúmeras alíquotas hoje existentes em cinco

categorias do que em apenas uma ou duas. No entanto, essa vantagem é

justamente advinda do problema de se continuar trabalhando com muitas

alíquotas, característica do sistema mais do que criticada. Quanto à posição

do MF, uma de suas propostas até contava com uma convergência de

alíquotas para o período de transição que permitisse sair da multiplicidade

atual para a alíquota única. Contudo, a operacionalidade dessa idéia

deveria ser melhor discutida e, infelizmente, parece que ela não é mais

facilmente aplicável à última versão apresentada, pois não há mais um IVA

integrado. De qualquer forma, deve ficar claro que, independente do

encaminhamento da reforma ou da linha de proposta a ser seguida, esse

assunto deve ser incluído no debate de modo prioritário.

• O Modelo de Contribuições Sociais

Outro ponto que tem gerado grande polêmica no debate da reforma

tributária tem sido a questão das contribuições sociais sobre o faturamento,

isto é, a COFINS e o PIS/PASEP. Conforme mencionado anteriormente,

esse tipo de contribuição incidente sobre o faturamento foi criado após a

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reforma de 1966 e têm sido apontado, desde então, como uma das

principais distorções do sistema tributário nacional pelo fato de incidirem em

cascata. Assim, ambas as linhas de proposta optaram (pelo menos

inicialmente) pela extinção dessas contribuições, de modo que a tributação

do consumo passasse a incidir somente sobre o valor agregado, ou seja,

voltasse ao modelo original da década de 60. No entanto, a última proposta

do MF, dentro daquela linha de reforma restrita com mudanças qualitativas,

acabou por sugerir a manutenção das contribuições sobre o faturamento,

abrindo a possibilidade de extinguir sua cumulatividade em um período de

cinco anos.

É importante analisar mais detalhadamente essa questão da cumulatividade

e suas possíveis soluções, pois ela começou a ser apontada como um

“mito”, no sentido de que seus efeitos não seriam tão negativos como se

supõe. Vale a pena destacar que a figura jurídica da contribuição social, no

Brasil, só existe para vincular receitas diretamente à área de seguridade

social. Daí, surgiu a política de aumentar as contribuições sobre o

faturamento, paulatinamente, tanto por ser uma opção de arrecadação fácil

com baixa sonegação, quanto para evitar demasiadas transferências para

Estados e Municípios. Deixando de lado qualquer outra consideração, o

resultado é que as receitas tributárias, atualmente, são muito dependentes

desse tipo de incidência e, por isso, não é tão simples sua substituição.

Quais as soluções apresentadas pelas propostas?

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O Substitutivo cria uma figura chamada Contribuição sobre o Valor

Adicionado, que, nas versões iniciais, carecia substancialmente de melhores

definições técnicas e que, após as críticas recebidas, foi aperfeiçoada. De

qualquer forma, não faz sentido técnico ter um imposto e uma contribuição

incidindo sobre a mesma base – o valor agregado – pois parece estar

perpetuando a mesma falta de transparência que hoje ocorre com o IPI e o

ICMS. Em verdade, esse arranjo parece camuflar a alta alíquota que seria

decorrente de um único IVA na federação brasileira. A problemática de optar

por apenas um imposto sobre o valor agregado, segundo alguns

especialistas, seria a de extinguir as fontes de receita vinculadas à

seguridade. Porém, isso deveria ser, justamente, um objetivo a ser

perseguido no âmbito de uma verdadeira reforma fiscal, pois o

engessamento de receitas tem sido outro aspecto negativo do arranjo das

contas públicas brasileiras.

Quanto à proposta do MF, mais uma vez percebe-se alterações à medida

que o processo de discussão da reforma evolui. Inicialmente, as propostas

optaram pela extinção das contribuições sobre o faturamento e a

seguridade seria, de fato, financiada com parte dos recursos arrecadados

com o IVA federal ou integrado. Essa parecia ser, portanto, uma solução

tecnicamente adequada. Entretanto, a partir do momento que esse IVA não

conseguiu mais ser negociado, a proposta partiu para a perpetuação da

contribuição sobre o faturamento. Sendo as críticas à manutenção da

cumulatividade muito fortes, sobretudo por parte do empresariado, acabou-

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se por adotar uma solução similar àquela adotada para o fim da guerra

fiscal: negociar um período de transição. Além disso, a solução adotada

para o fim da incidência em cascata não foi a adoção do valor agregado

como base, mas sim a possibilidade de se deduzir do faturamento

determinadas despesas (semelhante ao procedimento da apuração do

imposto de renda). Tecnicamente, a diferença seria que o IVA tem

incidência do tipo “imposto contra imposto” enquanto a nova contribuição

social sobre o faturamento seria do tipo “base contra base”.

Talvez seja interessante verificar quais os argumentos favoráveis à

incidência sobre o faturamento, já que parecia ser consenso, até as

propostas iniciais do MF, que a cumulatividade era uma das principais

distorções do sistema tributário brasileiro. Em primeiro lugar, argumenta-se

que o faturamento é uma base muito mais simples do que a do valor

agregado. Dessa forma, é mais fácil e menos custoso, tanto para a

administração tributária quanto para o contribuinte, recolher seu tributo

baseado no faturamento. Em segundo lugar, em decorrência dessa

simplicidade, é uma base pouco sonegável (especialmente se comparada

com o valor agregado) e passou-se, então, a alegar que a pior distorção de

mercado gerada atualmente, pelo sistema tributário, não é a cumulatividade,

mas sim o fato de muitos estarem na ilegalidade tributária. Em terceiro

lugar, contrariando a noção até então difundida de que essa era uma

incidência regressiva, a nova argumentação é a de que, muito pelo

contrário, os bens de cadeia produtiva mais longa, geralmente consumidos

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pelos mais ricos, acabam por pagar mais imposto devido à incidência

cumulativa. Além desses pontos, tem sido destacado que, de certa forma,

há uma certa “má vontade” envolvendo a discussão das contribuições sobre

o faturamento, pois ninguém se posiciona contra (muito pelo contrário, a

maioria é amplamente favorável) modelos como o SIMPLES e o Lucro

Presumido, que também incidem em cascata.

Quanto a esse aspecto, é interessante citar algumas idéias publicadas por

Ponte (1999), em matéria intitulada Clichês Tributários. “Economistas

costumam repetir clichê dos compêndios universitários de outrora de que

impostos cumulativos são uma aberração fiscal que deve, sempre, ser

evitada a qualquer custo. Os empresários, quase sem exceção, seguem o

coro dos tributaristas e, sempre que estes dizem que um imposto tem essas

características, saem a vaticinar que ele onera a produção, impede a

competitividade das empresas e agrava o Custo Brasil, sem se

preocuparem em quantificar o malefício eventual de um tal efeito

cumulativo.” E continua: “O curioso é que isso só acontece quando o tributo

é rotulado pelos críticos entendidos somo detentor dessa “perversidade”,

como o são a CPMF e a COFINS. Se a um imposto não aplicam o clichê –

como dele escapou o SIMPLES, que tem exatamente a mesma base de

incidência da COFINS, o faturamento, exemplo clássico de cascata –, não

há problema, e pode, até, como é o caso, ser apontado como grande

simplificador tributário, salvação das microempresas, e que, estendido às

demais empresas, lhes traria grande benefício.”

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Apesar desses argumentos, parece ser irrefutável que a cumulatividade traz

distorções econômicas. A nova perspectiva que a última proposta do MF

trouxe é se a maior eficiência em termos de administração e arrecadação

poderia justificar uma menor eficiência econômica. Coloca-se, portanto, um

trade-off a ser discutido por aqueles que se interessam pelos rumos da

reforma tributária. Por um lado, é lógico que maiores custos de arrecadação

acabam sendo repassados para todos os contribuintes e a sonegação

acaba por distorcer os preços de mercado. No entanto, por outro lado, a

arrecadação é fruto da base econômica e, assim, quanto mais eficiente ela

for, maiores as receitas tributárias do Estado.

Conforme já mencionado, este trabalho não pretende posicionar-se

favoravel ou contrariamente a qualquer proposta, pois isso implicaria um

amplo estudo econômico e simulações, mas o importante é deixar claro que

a análise desse trade-off deve ser feita. De fato, voltando a citar Ponte

(1999), o importante seria destacar que “clichês tributários como esse

precisam ser quantificados e desmistificados, porque têm dificultado

enormemente a discussão racional sobre a reforma tributária, e protelado a

introdução de mudanças de paradigma nos sistemas destinados à

arrecadação fiscal, como sugeridas em propostas que estão sendo

analisadas na Câmara dos Deputados.”

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Por último, é importante destacar que, a despeito de possuírem posições

contrárias quanto à cumulatividade das contribuições sociais, um ponto em

comum é a sua incidência sobre os produtos importados. De fato, é uma

deficiência do sistema atual fazer com que as contribuições incidam sobre

os produtos fabricados internamente sem que a mesma incidência ocorra

sobre a importação. Em outras palavras, a lógica da incidência do IPI e do

ICMS sobre os produtos importados não se aplica às contribuições, o que,

indubitavelmente, impõe à produção nacional uma carga tributária

desfavorável em relação aos seus concorrentes importados. Resta

questionar se essa seria uma medida que dependeria apenas de uma

reforma constitucional para ser implementada ou, já que existe consenso,

não poderia ser executada mais rapidamente, em prol da indústria nacional.

• CPMF

Conforme citado no Capítulo 2, a primeira proposta que continha a idéia de

implementação de um imposto sobre transações financeiras no Brasil foi a

elaborada pela CERF, em 1992. Para isso, foram realizados estudos

avaliando a experiência argentina e australiana. De acordo com a CERF, “a

criação da CTF (Contribuição sobre Transações Financeiras) tem o intuito

principal de cobrir a arrecadação dos impostos e contribuições destinados à

Seguridade Social, que serão extintos. Consegue-se, assim, eliminar um

foco de sobretaxação do setor formal, cobrindo-se os respectivos recursos

com uma contribuição de caráter geral, que atinge também o setor informal,

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ensejando uma base muito mais difusa entre os setores da economia.” Ou

seja, é importante observar que a proposta era criá-la em substituição à

COFINS e ao PIS/PASEP, pois a própria Comissão destacou que

“sabíamos que esta (a CTF) não seria a melhor solução, mas implicaria

substituição de uma contribuição em cascata sob alíquota de 2,65% por

outra de 0,25%. Ou seja, dividia-se por sete as distorções hoje existentes”.

No entanto, não é preciso mencionar que, como quase tudo feito nesses

últimos anos em matéria de reforma tributária, a solução global e integrada

cedeu espaço para as medidas pontuais e, assim, a CTF foi, de fato,

instituída em 1993, com o nome de Imposto Provisório sobre Movimentação

Financeira (IPMF), sem que as contribuições sobre o faturamento fossem

extintas. Desse modo, o objetivo de reduzir a incidência em cascata

transformou-se no seu oposto e, certamente, as distorções econômicas

aumentaram em seu conjunto17. Após a suspensão de sua cobrança, o

imposto retorna na forma de contribuição (CPMF), ainda sob o título

“provisória”, em 1997. Sob esse caráter provisório, a cobrança da

contribuição está assegurada até 2002. Com o tempo, sua importância

arrecadatória foi crescendo e, por isso, acabou por se tornar alvo de outro

conflito por parte das propostas de reforma atuais.

17 Existem argumentos favoráveis à incidência em cascata, sobretudo de caráteradministrativo, que já foram comentados no tópico específico sobre as contribuições sobreo faturamento.

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Em verdade, essa é mais uma questão conflitante, onde os pontos de vista

divergentes não têm permitido nenhuma solução conciliatória. O Substitutivo

apenas extingue a CPMF, sendo que sua arrecadação seria obtida dos

demais impostos e contribuições do sistema (o que, sem dúvida, levaria a

uma alíquota ainda mais alta de IVA). A idéia é, justamente, acabar com

qualquer incidência em cascata do sistema, além de haver questionamentos

sobre a “invasão de privacidade” realizada pelo Fisco na vida bancária do

contribuinte. A proposta do MF, por sua vez, prevê a substituição da CPMF

pelo Imposto sobre Movimentação Financeira (IMF). Esse último teria,

portanto, caráter permanente e não mais estaria vinculado à área de saúde.

No entanto, o imposto poderia ser compensado com qualquer outro imposto

ou contribuição federal, o que faria com que ele passasse a incidir,

basicamente, sobre a economia informal e os contribuintes omissos do

imposto de renda.

Mais uma vez, parece surgir o trade-off eficiência econômica versus

eficiência administrativa. Não resta dúvida que a CPMF, e qualquer tributo

da mesma natureza, pode ser amplamente questionada quanto ao seu

impacto sobre a economia. No entanto, a experiência brasileira tem

mostrado que as conseqüências negativas anunciadas sobre a inflação e a

intermediação financeira não ocorreram18. O impacto sobre o mercado de

18 O Relatório da CERF, ainda em 1993, destacava (p. 369): “...para que essa contribuiçãopossa financiar o passivo previdenciário e, ao mesmo tempo, não gerar desintermediaçãofinanceira, a alíquota não deve exceder a 0,3%. Esse número, contudo, não é aleatório.Observações sobre as economias argentina e australiana, levando-se em consideração asparticularidades de cada uma, deixam transparecer as implicações desastrosas quealíquotas superiores a essa acarretam.”

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capitais poderia ser facilmente aliviado mediante uma simples alteração de

legislação infra-constitucional, não dependendo de reforma tributária

(bastaria, por exemplo, isentar as operações de bolsa de valores).

No que se refere à cumulatividade, os mesmos argumentos favoráveis e

contrários à COFINS também se aplicam à CPMF. Por um lado, a incidência

em cascata sempre gerará distorções econômicas. Por outro, o fato de

incidir à uma alíquota substancialmente mais baixa e sobre uma base mais

ampla pode minimizar seus efeitos cumulativos. Quanto à questão

administrativa, há que se reconhecer que talvez seja o único tributo a incidir

sobre operações informais e ilegais, que não são monitoradas pela

administração tributária. Além disso, arrecada-se uma quantia substancial a

um custo operacional bastante reduzido.

No entanto, o que deve ser analisado é que a sua extinção terá que ser

compensada por outro imposto, já que não faz parte da reforma a premissa

de queda de carga tributária global (nem isso seria possível dadas as atuais

restrições fiscais do País). Na proposta do Substitutivo, a arrecadação da

CPMF acabaria por ser substituída pelo IVA. Assim, sem um estudo mais

aprofundado, o que pode ocorrer é que um imposto que hoje é pago, pelo

menos parcialmente, por agentes da economia informal e por aqueles que

têm alto giro monetário em suas contas bancárias, passará a ser pago por

todos os consumidores de um IVA amplo e com alíquota alta. Em outras

palavras, pode-se, inclusive, estar aumentando a regressividade do sistema.

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Portanto, existem argumentos favoráveis e contrários à manutenção da

CPMF. O que se precisa, no entanto, é desvendar certos mitos, porque não

adianta acabar com um mal se ele poderá ser substituído por mal ainda

maior. Dadas as restrições fiscais por que passa o País, não se pode,

simplesmente, extinguir uma fonte de receitas de R$ 8 bilhões ao ano.

Substituí-la por um IVA que deverá ter alíquota superior a 30% é uma

questão a ser seriamente analisada. São estudos dessa natureza que

deveriam nortear o debate da reforma tributária, para que não se decidam

temas de tamanha relevância com base em suposições ou falsos

paradigmas.

Em resumo, pode-se concluir que não havia mesmo condições de um

consenso sobre a reforma tributária a curto prazo, pois os modelos

propostos são substancialmente distintos. Ao longo do processo, o modelo

do MF foi alterado, mas nunca na direção do Substitutivo, já que o modelo

do barquinho foi considerado inviável operacionalmente tanto pela União

como pelos Estados. Percebe-se que as alterações sofridas na proposta do

MF mostram claramente o curso das negociações: de uma mudança radical

no sistema, com um IVA totalmente centralizado, acaba-se com a mesma

estrutura atual, realizando apenas mudanças qualitativas no ICMS.

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É certo que não se deve menosprezar essas mudanças qualitativas, pois o

País já sairia ganhando muito se o ICMS tivesse legislação integrada, com

menos níveis de alíquotas, com alíquotas uniformes por todo o território

nacional e, especialmente, se fosse vedada a concessão de benefícios

fiscais. Essa última questão, de relevante importância, seria a chave para a

minimização da guerra fiscal entre Estados, mas mesmo ela, ao longo das

negociações, foi ficando cada vez mais difícil no sentido que o prazo para o

fim das concessões foi se esticando (acabou acordado em quinze anos).

Assim, os obstáculos do processo mostraram-se muito grandes e, em

decorrência, nenhuma das propostas acabou por oferecer um modelo

simples e viável para a tributação do consumo no Brasil. O que restou foi a

idéia de que seria melhor fazer uma reforma mais restrita, pois ela corrigiria

alguns dos problemas atuais sem enfrentar tanta divergência. Essa posição,

por mais que seja sensata e factual, tem sido contestada por aqueles que

acreditavam em uma reforma estrutural no Brasil.

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Conclusão

O presente trabalho mostrou que reforma tributária é um processo

essencialmente conflituoso em qualquer sociedade, pois é o resultado do

enfrentamento de forças ou grupos de pressão que têm interesses

divergentes. Dessa forma, existem conflitos de três tipos: o primeiro envolve

o governo e os contribuintes, pois, em geral, enquanto o primeiro busca um

aumento sistemático da arrecadação, os últimos buscam a minimização da

sua obrigação tributária; o segundo engloba os governos entre si, sobretudo

em países federativos, onde cada esfera governamental luta pela divisão do

“bolo tributário” e; por último, há o conflito entre os próprios contribuintes,

pois setores ou grupos distintos disputam maiores benefícios fiscais (ou

menor carga tributária efetiva) em detrimento de outros.

Entretanto, apesar das dificuldades e conflitos inerentes ao processo, a

reforma tributária deve ser entendida como autêntica demanda social, tanto

para legitimar um determinado sistema tributário como para corrigir

distorções econômicas e sociais nele existentes. Em verdade, a reforma

tributária é o instrumento pelo qual realizam-se as modificações necessárias

à contínua adaptação e modernização de um sistema tributário. Por isso,

ela tem sido um processo dinâmico e sempre recorrente.

Dentro desse contexto, a reforma tributária no Brasil tem sido rodeada dos

naturais empecilhos e divergências constantes em qualquer processo de

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rompimento com o status quo e estabelecimento de um novo modelo. No

entanto, o que torna a experiência brasileira peculiar é a sua incapacidade

de efetivar o processo como um todo, realizando a reforma consistente que

seja necessária ao País. Conseqüentemente, acaba-se recorrendo a

medidas pontuais e isoladas que deixam, em geral, o sistema tributário em

posição pior do que se encontrava. A constatação é clara: desde a reforma

tributária realizada nos anos 60, o Brasil não conseguiu implementar

nenhuma proposta consistente para realizar a reforma tributária do

consumo, apesar de o diagnóstico dos problemas já estar mais do que

realizado e ser, inclusive, em grande parte, consensual entre as diversas

facções envolvidas.

De fato, pode-se dizer que várias tentativas fracassaram, como a própria

Constituição de 1988, a Comissão Executiva para a Reforma Fiscal

(Governo Collor) e a atual discussão que vem ocorrendo, desde 1995, entre

a Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados e o

Poder Executivo. Todas essas experiências têm partido de diagnóstico

semelhante e propostas abrangentes, buscando eliminar as distorções do

sistema tributário brasileiro. No entanto, ao longo do processo de discussão,

as soluções factíveis vão enfrentando resistência de ordem técnica e política

que acabam por inviabilizar a adoção de qualquer proposta. No fim, o que

resta são soluções pontuais, desconectadas de uma política efetiva de

longo-prazo, o que acaba por distorcer ainda mais o modelo existente.

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Dessa forma, o Brasil chega ao século XXI com um dos piores e mais

ineficientes sistemas de tributação do consumo do mundo, com

competências divididas entre as várias esferas de governo, multiplicidade de

alíquotas, legislações diferenciadas entre as unidades federativas,

incidência em cascata, exportação de tributos, concessão indiscriminada de

benefícios fiscais e competição tributária interna. Apesar disso e também

por isso, o sistema tributário tem permitido, a cada ano, aumento de

arrecadação e, desde a implementação do Plano Real, a carga tributária

brasileira atingiu patamar próximo a 30% do PIB.

Parece surgir, então, um trade-off entre eficiência econômica e eficiência

administrativa de um sistema tributário. Por exemplo, contribuições

incidentes em cascata, como a COFINS e a CPMF, apesar de gerarem

perda de eficiência econômica, estão apresentando resultados altamente

positivos em sua arrecadação, assumindo o caráter de “pouco sonegável” e

ajudando a equilibrar o ajuste fiscal do País. Assim, o que parecia, até

então, um tipo de tributação condenado por todos, passou a desfrutar de

defensores que crêem que seus benefícios administrativos e arrecadatórios

superam os malefícios impostos à economia. Qual lado pesa mais na

balança é o que deveria ser melhor avaliado e mensurado no momento, ou,

no mínimo, deveria ser explicitado à sociedade o porquê da escolha por

determinado caminho.

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Portanto, parece que já passa da hora de o Brasil enfrentar racionalmente a

questão da reforma de seu sistema tributário; não de maneira leviana,

querendo apenas implementar algum ponto de vista particular sobre os

demais, mas de forma séria, baseado em estudos de simulação e impactos

econômicos das medidas propostas e, sobretudo, buscando decidir qual a

melhor solução dos trade-off existentes. Conforme demonstrado ao longo

deste trabalho, há posições divergentes sobre diversas questões e, em

geral, todas elas apresentam vantagens e desvantagens. É preciso,

portanto, analisá-las e pesá-las para que a decisão possa espelhar uma

solução racional para o País e não mais haja a persistência de políticas que

só acumulam distorções e iniqüidades sistêmicas.

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