pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo...resumo fuso, rafael correia. regimes tributários...

322
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP FACULDADE DE DIREITO RAFAEL CORREIA FUSO REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO DOUTORADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO São Paulo 2016

Upload: others

Post on 01-Dec-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FACULDADE DE DIREITO

RAFAEL CORREIA FUSO

REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES

MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO

DOUTORADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

São Paulo

2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

RAFAEL CORREIA FUSO

REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES

MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO

São Paulo

2016

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de Doutor em

Direito Tributário, sob a orientação do Professor

Doutor Tácio Lacerda Gama.

.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

RAFAEL CORREIA FUSO

REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES

MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de Doutor em Direito Tributário, sob a orientação

do Professor Doutor Tácio Lacerda Gama.

Aprovado em:____/____/____

Prof. Dr. Tácio Lacerda Gama (Orientador)

Instituição: PUC/SP

Assinatura_____________________________

Prof. Dr._____________________________________

Instituição:_______________________

Assinatura_____________________________

Prof.

Dr.__________________________________________________________________

Instituição:_______________________

Assinatura_____________________________

Prof.

Dr.__________________________________________________________________

Instituição:______________________

Assinatura_____________________________

Prof.

Dr.__________________________________________________________________

Instituição:______________________

Assinatura_____________________________

São Paulo

2016

A legalidade não está na lei. É um

processo histórico que se constrói no

eixo paradigmático do tempo. A

legalidade inspira-se na lei, mas se

realiza no ato de aplicação do direito.

EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI

AGRADECIMENTOS

Ao amigo e orientador, Professor TÁCIO LACERDA GAMA, destacado jurista,

por me mostrar o caminho a ser seguido neste trabalho.

Ao amigo e Professor EURICO DE SANTI, que me inspirou na elaboração

desta tese.

Aos Professores PAULO DE BARROS CARVALHO e CHARLES WILLIAM

MACNAUGHTON, pelos ensinamentos no doutorado.

Aos amigos e Professores ROBSON MAIA LINS e FABIANA DEL PADRE TOMÉ,

pela ajuda na busca de transformar este estudo em tese jurídica.

À minha esposa VIVIEN LYS e ao meu filho LUCAS HENRI, razões da minha

vida e dedicação acadêmica.

Aos meus pais pela ausência em razão do tempo despendido neste estudo.

RESUMO

FUSO, Rafael Correia. Regimes tributários na securitização de títulos e valores

mobiliários: lucro real e lucro presumido. 2016. Tese de Doutorado – Faculdade de

Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

O presente estudo busca tratar de dois regimes de tributação na atividade

das securitizadoras de títulos ou valores mobiliários: lucro real e lucro presumido,

considerando essas duas formas como passíveis de serem adotadas por essa modalidade

de securitização.

Percorremos um caminho que procura definir o conceito de securitização,

investigamos a sua natureza jurídica, identificamos as relações jurídicas que se formam

entre as partes envolvidas no processo que envolve a atividade das securitizadoras,

apontamos as modalidades de securitização, que diferem basicamente em razão do tipo

de direitos creditórios.

Saindo dessa parte genérica, fizemos cortes no sistema jurídico, utilizando a

Ciência do Direito e a Dogmática Jurídica para se aprofundar no estudo das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Enfrentamos o problema da equiparação da atividade das securitizadoras de

títulos e valores mobiliários com as factorings, que será imprescindível para

contestarmos o disposto no Parecer Normativo n.º 5/2014 editado pela Receita Federal

do Brasil.

Identificamos todas as diferenças entre as securitizadoras de ativos

empresariais e as factorings, concluindo que apenas a forma de aquisição e os direitos

creditórios são idênticos entre eles.

Estreitando o foco deste estudo, analisamos de forma genérica os tributos

incidentes e não incidentes sobre a atividade das securitizadoras de títulos e valores

mobiliários.

Como forma de utilização de critério científico e útil para tratar desses

tributos, não que outra não seja hábil e importante para se investigarem as incidências

tributárias, construímos as regras-matrizes de incidência tributária.

Essa investigação sobre os tributos serviu de premissa para avançarmos no

objetivo deste trabalho, que é analisar os regimes de tributação na securitização de

títulos e valores mobiliários, especificamente a forma de apuração de tributos no lucro

real e lucro presumido, que integram a base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da

Cofins.

O ponto central desta tese refere-se aos regimes tributários passíveis de

aplicação pelas securitizadoras de títulos ou valores mobiliários, explorando o problema

da classificação feita pelo fisco federal da atividade dessas empresas como espécie de

atividade de factoring, obrigando-as a se submeterem ao lucro real disposto no artigo 14

da Lei n.º 9.718/1998, gerando insegurança jurídica em todo o setor.

Em contraponto ao entendimento do fisco federal em relação à classificação

ora mencionada, identificamos que ao longo de nove anos a Receita Federal do Brasil,

reiteradamente, afirmou e confirmou que as securitizadoras de títulos e valores

mobiliários poderiam (faculdade) adotar o regime de recolhimento dos tributos pelo

lucro presumido.

Contudo, em abril de 2014, com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014,

a Fazenda acabou por mudar de opinião, ignorando os seus atos pretéritos, interpretando

o disposto no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, sob a premissa de que as

securitizadoras de ativos empresariais ou de valores mobiliários deveriam se submeter

ao regime do lucro real desde a edição da referida lei.

Destacamos que a consequência dessa mudança foi a lavratura de autos de

infração em face das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, passando a

submeter a incertezas jurídicas. Não obstante esse movimento de constituição de

créditos tributários, constatamos a existência de inconstitucionalidades no referido

Parecer Normativo.

Em razão dessa instabilidade jurídica provocada pelo órgão da União,

muitas securitizadoras de títulos e valores mobiliários migraram para os Fundos de

Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).

Tratando-se de uma espécie de securitização, o FIDC possui simplificada

forma de tributação, mantém na essência similaridade no processo de aquisição e cessão

de direitos creditórios, submete-se a regras jurídicas rígidas e específicas, evitando, com

isso, as surpresas fiscais praticadas pelo Poder Público.

Por fim, em razão do crescimento, da simplificação fiscal e da viabilidade

jurídica e operacional de se praticar a securitização de recebíveis por meio do FIDC,

iniciaram-se recentemente no País movimentos jurídicos e edição de regras objetivando

a securitização da dívida ativa.

Diante disso, investigamos a viabilidade jurídica dessa securitização,

apontando os obstáculos legais e principiológicos, que de forma atual, sem a mudança

necessária no sistema jurídico, impedem a securitização da dívida ativa dos entes

políticos.

Palavras-chave: Securitização. Tributação. Títulos e Valores Mobiliários. Regimes

Jurídicos.

ABSTRACT

FUSO, Rafael Correia. Tax Regimes for bonds and securities securitization: taxable

income and presumed profit. 2016. Pontifícia Universidade Católica (São Paulo

Catholic University), Law School, Doctoral Thesis,

This paper aims to study two taxation regimes for the activities of bonds or

securities securitization: taxable income and presumed profit, taking into account these

two regimes as liable to be adopted for this kind of securitization.

We followed a path that seeks to define the securitization concept,

investigated its legal nature, identified the legal relationships established between the

parties involved in the process involving securitization companies, pointing out the

securitization types that basically differ for each type of credit right.

Leaving this generic part behind, we segregated sections of the legal regime,

using the Law Science and the Legal Dogmatic to study in depth the bonds and

securities securitization companies.

We faced the problem of comparing the bonds and securities security

companies with the factoring companies, indispensable to challenge the Brazilian

Internal Revenue Service (Receita Federal do Brasil ) Regulatory Opinion number

5/2014.

We identified all the differences between the business assets security

companies and the factoring companies, concluding that only their means of acquisition

and the credit rights are identical.

Narrowing this paper’s focus, we analyzed in a generic way the taxes levied

and not levied on the bonds and securities security companies.

In order to use a scientific and useful criterion to discuss these taxes, not

meaning that a different one could not be capable and important to investigate the tax

levying, we built up the tax levying matrix rules.

This tax investigation served as a premise to go on to the purposes of this

paper, which is to analyze the taxation regime of the bonds and securities security

companies, specifically the way of calculating taxes under the taxable income and

presumed profit regimes integrating the calculation basis of the Corporate Income Tax

(IRPJ), of the Net Profit Social Contribution (CSLL), of the Social Integration Program

(PIS) and of the Social Security Financing Contribution (COFINS).

This thesis main point relates to the tax regimes liable to be applied by the

bonds and securities security companies through exploiting the problem of the federal

tax authorities classifying these companies as being a species of the factoring activity,

compelling them to submit to the taxable income regime, as provided by Law

9.718/1998, article 14, bringing legal uncertainty throughout the sector.

We identified that during nine years the Brazilian IRS repeatedly stated and

confirmed that the bonds and security securitization companies could (faculty) adopt

collecting taxes under the presumed profit regime, as opposed to the federal tax

authorities understanding in relation to the classification now being mentioned.

Nevertheless, in April 2014 with the issuance of Ruling Opinion 5/2014 the

IRS ended up changing its opinion, ignoring its past actions, interpreting Law

9.718/1998 art. 14, sub-item VI under the premise that as of the enactment of the

mentioned law the business assets or bond and security securities companies should be

submitted to the Taxable Income regime.

We would like to emphasize that the consequence of this change was the

write up of tax assessment notices against the bond and securities security companies,

that started to face legal uncertainties. Notwithstanding this move to constitute tax

credits, we found out that there were unconstitutionalities on the mentioned Ruling

Opinion.

In light of this legal instability caused by the Federal Government organ,

many bond and security securities companies migrated to Credit Rights Investment

Funds (FIDC).

As a kind of securitization FIDC enjoys a simplified taxation way, keeping

in its essence a similarity with the acquisition and assignment of credit rights submitted

to rigid and specific legal rule and thus avoiding tax surprises perpetrated by the Public

Power.

Finally, due to growth, to tax simplifications and to the legal and operational

feasibility to use receivables securitization through FIDC, legal movements and

issuance of rules seeking the securitization of the delinquent tax debt recently started

throughout the country.

In light of the above, we investigated the legal feasibility of this

securitization, pointing out the obstacles on its legal and underlying principles that in

the present format without the necessary change of the legal regime, hamper the

securitization of the delinquent tax debt of the political organs.

Keywords: Securitization. Taxation. Bond and Securities. Legal Regimes.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 14

1. ASPECTOS JURÍDICOS DA SECURITIZAÇÃO ........................................................... 23

1.1 Definição do conceito de securitização ...................................................................... 23

1.2 Natureza jurídica da securitização .............................................................................. 27

1.3 Modalidades de securitização ..................................................................................... 31

1.3.1 Securitização de exportações .......................................................................... 31

1.3.2 Fundo de investimento imobiliário ................................................................. 33

1.3.3 Securitização de crédito imobiliário ............................................................... 34

1.3.4. Securitização de ativos empresariais .............................................................. 37

1.3.5 Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) ................................ 38

1.3.6 Securitização de créditos financeiros .............................................................. 42

1.3.7 Securitização de créditos do agronegócio ....................................................... 44

1.4 Organograma geral da securitização .......................................................................... 45

2. A SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS:

MODALIDADE DE ATIVOS EMPRESARIAIS ............................................................. 54

2.1 Aspectos legais ........................................................................................................... 54

2.2 A compra e a cessão de títulos ou valores mobiliários............................................... 56

2.3 A sociedade de propósito específico (securitizadora) ................................................ 58

2.4 Organograma operacional específico ......................................................................... 60

2.5 Distinções com as factorings ...................................................................................... 60

2.6 A recompra dos direitos creditórios ........................................................................... 67

2.7 Distinções com o desconto bancário .......................................................................... 70

3. A TRIBUTAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E VALORES

MOBILIÁRIOS .................................................................................................................. 75

3.1 Objetivos e meios utilizados na análise dos tributos .................................................. 75

3.2 Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) .................................................................. 78

3.3 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ................................................ 109

3.4 Programa de Integração Social – PIS/Pasep............................................................. 119

3.5 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) ........................ 133

3.6 Sistemáticas de recolhimento dos tributos (regime caixa e regime competência) ... 136

3.7 Não incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) .............................. 144

3.8 Não incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) ........... 150

4. REGIMES TRIBUTÁRIOS DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E

VALORES MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL X LUCRO PRESUMIDO ....................... 155

4.1 Opção pelo lucro presumido como matéria de reserva legal .................................... 155

4.2 Lucro presumido como política de simplificação da fiscalização e aumento de

arrecadação ............................................................................................................... 157

4.3 Análise do artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998 ....................................................... 159

4.4 Análise da Lei n.º 12.249/2010 que incluiu modalidades de securitização na

sistemática do lucro real ........................................................................................... 161

4.5 Soluções de consultas e solução de divergência editadas pelas autoridades

administrativas: legalidade enunciada ...................................................................... 164

4.5.1 O papel da solução de consulta da Receita Federal do Brasil no sistema

jurídico brasileiro ......................................................................................... 165

4.5.2 As soluções de consulta editadas pela Receita Federal sobre o regime

tributário do lucro presumido adotado pelas securitizadoras de títulos e

valores mobiliários ....................................................................................... 167

4.5.2.1 1.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

342/2005 – Disit da 7.ª Região Fiscal – opção pelo lucro

presumido ................................................................................ 168

4.5.2.2 2.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

47/2008 – Disit da 10.ª Região Fiscal – exclusão da base

de cálculo presumida ............................................................... 169

4.5.2.3 3.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

33/2009 – Disit da 8.ª Região Fiscal – opção pelo lucro

presumido e fixação de base de cálculo .................................. 170

4.5.2.4 4.º ato enunciativo de legalidade: Soluções de Consulta

n.ºs 02, 03, 04 e 05 de 2010 – Disit da 3.ª Região Fiscal –

não obrigação pelo regime do lucro real ................................. 171

4.5.2.5 5.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

151/2010 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da

receita bruta e fixação de base de cálculo do lucro

presumido ................................................................................ 173

4.5.2.6 6.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

41/2010 – Disit da 4.ª Região Fiscal – não obrigação pelo

regime do lucro real ................................................................. 174

4.5.2.7 7.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

39/2011 – Disit da 1.ª Região Fiscal – não obrigação pelo

regime do lucro real ................................................................. 175

4.5.2.8 8.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

177/2011 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da

base de cálculo presumida ....................................................... 176

4.5.2.9 9.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

09/2012 – Disit da 6.ª Região Fiscal – identificação dos

obrigados ao regime do lucro real ........................................... 177

4.5.2.10 10.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

130/2012 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da

base de cálculo presumida ....................................................... 178

4.5.3 O papel da solução de divergência no sistema jurídico brasileiro ................ 179

4.5.4 A Solução de Divergência n.º 8/2011 editada pela Receita Federal do

Brasil sobre o regime tributário do lucro presumido adotado pelas

securitizadoras de títulos e valores mobiliários ............................................ 180

4.5.4.1 11.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Divergência

n.º 8/2011 da Cosit .................................................................. 181

4.6 Análise do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil –

aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo .......................................... 183

4.6.1 O papel do parecer normativoda Receita Federal do Brasil no sistema

jurídico brasileiro ......................................................................................... 184

4.6.2 Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil ........................ 187

4.7 Autuações das securitizadoras de títulos e valores mobiliários pela Receita

Federal do Brasil ...................................................................................................... 201

4.8 Decisões administrativas quanto às autuações fiscais das securitizadoras de

títulos e valores mobiliários ..................................................................................... 209

4.8.1 12.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 10-39.873 da 5.ª Turma

da DRJ/POA – distinções entre securitizadoras e factorings ....................... 210

4.8.2 13.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 14-45.449 da 5.ª Turma

da DRJ de Ribeirão Preto – identificação da base de cálculo presumida ..... 212

4.8.3 14.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 1402-002.005 do CARF

– identificação da base de cálculo presumida .............................................. 215

4.9 Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014 da Receita Federal do Brasil –

aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo .......................................... 216

5. A MIGRAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E VALORES

MOBILIÁRIOS PARA OS FUNDOS DE INVESTIMENTO EM DIREITOS

CREDITÓRIOS (FIDC) ................................................................................................... 221

5.1 Identidades e distinções entre as securitizadoras de títulos mobiliários e os

fundos de investimento em direitos creditórios ........................................................ 221

5.1.1 Sob o aspecto legal ....................................................................................... 229

5.1.2 Em razão da estrutura operacional ................................................................ 230

5.1.3 No âmbito da tributação ................................................................................ 237

5.2 Legalidade concreta e a busca pela não surpresa ..................................................... 247

5.3 A busca pela redução da carga fiscal pelas vias lícitas ............................................ 249

6. IMPOSSIBILIDADE DA SECURITIZAÇÃO DA DÍVIDA ATIVA NO ATUAL

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................................................................ 256

6.1 Natureza jurídica da certidão de dívida ativa ........................................................... 258

6.2 Crédito tributário como bem público indisponível................................................... 261

6.3 Impossibilidade da cessão do direito creditório tributário a terceiros ...................... 266

6.4 Impossibilidade da substituição do regime jurídico da execução fiscal pelo

regime de execução do direito privado em razão da natureza jurídica do crédito

tributário ................................................................................................................... 270

6.5 A Instrução CVM n.º 444/2006 e a Lei de Responsabilidade Fiscal: operação

de crédito na securitização da dívida ativa ............................................................... 272

6.6 As Resoluções n.º 43/2001, n.º 33/2006, n.º 11/2015 e n.º 17/2015 do Senado

Federal e a securitização da dívida ativa .................................................................. 281

7. CONCLUSÕES ................................................................................................................ 292

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 314

14

INTRODUÇÃO

A securitização no Brasil é muito recente, mas vem ganhando força nos

últimos anos, pois apresenta uma forma prática, estruturada e eficaz de se obterem

recursos financeiros para aqueles que buscam antecipar recebíveis no mercado e não

possuem linhas de créditos em instituições financeiras.

Com a escassez monetária nos dias atuais, especialmente com as restrições

ao crédito impostas pelos Bancos, as empresas de modo geral têm procurado recursos

na securitização de recebíveis, visto que essa atividade não depende da intermediação

de instituições financeiras.

Pela análise jurídico-científica, nosso desafio no presente estudo é investigar

os regimes tributários de apuração pelo lucro real e lucro presumido, que compõem a

base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social

sobre o Lucro Líquido, interferindo também na sistemática de recolhimento das

Contribuições ao PIS e à Cofins (regime cumulativo e regime não cumulativo), de

forma a sustentar a faculdade das securitizadoras de títulos e valores mobiliários a se

submeterem, desde que atendidas as regras de exceção dispostas no artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998, a ambos os regimes, não estando obrigada ao regime de apuração e

recolhimento de tributos pelo lucro real, nos termos do inciso VI do referido artigo,

como entendeu a Receita Federal do Brasil na edição do Parecer Normativo n.º 5/2014.

Realizando cortes no sistema jurídico, partimos no Capítulo 1 do aspecto

geral da definição de conceito de securitização, identificando a sua natureza jurídica no

direito civil, percorrendo as relações estabelecidas entre as partes envolvidas no

processo de securitização de recebíveis, identificando as espécies de securitização,

como as de títulos ou valores mobiliários, denominadas também de ativos empresariais.

No final do primeiro capítulo, construímos organograma operacional com o

descritivo do processo que envolve a atividade de securitização em termos gerais.

Buscou-se identificar as partes envolvidas na operação de securitização e o

procedimento de aquisição mediante cessão dos direitos creditórios pela securitizadora,

15

a emissão de títulos ou debêntures que lastreiam os recebíveis e os investimentos feitos

por terceiros mediante certa remuneração pelo emprego do dinheiro na securitizadora.

Neste Capítulo não objetivamos esgotar em nenhum momento o assunto,

tratando-se de meio descritivo para se conhecer em linhas gerais a securitização, o

surgimento dessa atividade no País, o histórico normativo, as modalidades existentes e

as partes envolvidas no processo.

No Capítulo 2, investigamos as securitizadoras de títulos e valores

mobiliários, apontando os aspectos legais (normas gerais e abstratas) a que essa

modalidade se submete. Concluímos que essa modalidade de securitização não possui

regras próprias ou regulamento tratando dos ativos empresariais. A atividade se sujeita a

legislações emprestadas das securitizadoras de créditos imobiliários (Lei n.º 9.514/1997

e suas alterações), ao Código Civil e à Lei n.º 6.404/1976, entre outras.

Diante disso, como forma de conhecer os detalhes da modalidade de

securitização que será objeto do presente estudo, percorremos sob o aspecto jurídico

cada passo do processo de securitização de títulos e valores mobiliários, analisando a

cessão dos direitos creditórios, o modo das securitizadoras adotar o modelo de

sociedade anônima com propósito específico, e identificamos as partes envolvidas no

processo de securitização (originador, devedor, securitizadora, investidor, empresas de

rating e agente fiduciário), concluindo que essa modalidade de securitização apresenta

peculiaridades, muito distintas da atividade de factoring, em razão das partes

envolvidas, da diluição do risco com investidores mediante a emissão de títulos e

debêntures lastreados nos direitos creditórios, entre muitas outras distinções.

Essas diferenças entre factoring e securitizadoras de títulos e valores

mobiliários fazem parte de quadro comparativo descritivo, existindo apenas duas

identidades entre elas, a forma de aquisição e o recebível ou direito creditório, que

possui origem em títulos de crédito, como cheques, faturas, notas promissórias,

duplicatas etc.

São constatações importantes nesse estudo, visto que o Parecer Normativo

nº 5/2014, que modificou o entendimento quanto ao regime de recolhimento de tributos

pelas securitizadoras de ativos empresariais, utiliza-se apenas de duas identidades

16

(forma e direito creditório) para afirmar que factoring e securitizadoras de títulos e

valores mobiliários são espécies do gênero fomento mercantil, e, portanto, estão

submetidas ao regime do lucro real.

Contudo, a Receita Federal ignora todas as outras distinções que afastam

essa comparação. Semelhanças não implicam afirmar que estamos diante da identidade.

Homens e macacos são semelhantes, mas não são idênticos!

Direcionamos, então, o presente estudo a enaltecer não só as distinções

trazidas em quadro comparativo, como também tratar da recompra do direito creditório

fixado em cláusula contratual nas operações de securitização de valores mobiliários,

condição essa permitida nas securitizadoras e vedada nas atividades de faturização.

Trata-se de mais uma distinção relevante ignorada pelo Poder Público ao comparar os

dois institutos no referido Parecer Normativo.

Por fim, distinguimos da mesma forma o instituto do desconto bancário

perante as operações das securitizadoras de recebíveis, para demonstrar que essa

modalidade de direito civil, a despeito de apresentar a mesma operação e a mesma

estrutura da atividade de factoring¸ diferenciando apenas em relação ao agente

cessionário do direito creditório (banco x factoring), não permite afirmar que são

operações idênticas, a despeito de o direito creditório explorado ser comum entre elas.

No Capítulo 3, permanecendo no caminho de demonstrar a faculdade dos

regimes de apuração do lucro real e lucro presumido na apuração de tributos pelas

securitizadoras de ativos empresariais, o primeiro passo a ser dado quanto aos aspectos

tributários é investigar os tributos incidentes sobre a atividade de securitização, apontar

os princípios e regras jurídicas incidentes, percorrer brevemente as discussões jurídicas

que permeiam esses tributos, não sendo objetivo deste trabalho esgotar os problemas

jurídicos identificados quanto ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), à

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), às Contribuições ao PIS e à Cofins,

o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer

Natureza (ISSQN).

A forma utilizada para tratar da incidência tributária foi construir a norma

geral e abstrata completa (regra-matriz de incidência tributária), que não menospreza ou

17

exclui outros meios e construções hermenêuticas feitas em relação aos tributos

analisados. Trata-se de uma opção considerada útil, científica e precisa para

visualizarmos as incidências tributárias.

Com isso, estamos diante de mais um corte feito no sistema jurídico para a

individualização do tema proposto.

No Capítulo 4, parte mais importante do presente estudo, estudamos os

regimes tributários relacionados à identificação e apuração das bases de cálculo dos

tributos incidentes, especificamente o lucro real e o lucro presumido.

Concluímos que a opção pelo lucro presumido é matéria de reserva de lei;

esse regime foi criado como modelo opcional no País para atender à política de

simplificação da fiscalização e aumento da arrecadação.

Investigamos os enunciados trazidos no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998, que trata das pessoas jurídicas obrigadas a apurar seus tributos no regime

do lucro real, entre elas as factorings. Contudo, entendemos não serem passíveis de

enquadramento nesse dispositivo as securitizadoras de valores mobiliários em razão do

autorreferenciamento enunciativo.

Destacamos a mudança legislativa que ocorreu em relação ao rol taxativo de

atividades obrigatórias de adotar o regime do lucro real, com a edição da Medida

Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, que incluiu as modalidades

de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, não fazendo

nenhuma menção em seu texto a securitizadoras de títulos e valores mobiliários, a

despeito do legislador indicar sua intenção em inserir nesse rol essa última modalidade

na exposição de motivos.

Como forma de convalidar o entendimento de que as securitizadoras de

títulos e valores mobiliários poderão adotar o regime do lucro presumido, a Receita

Federal do Brasil, por meio das suas Disit (Divisões de Tributação), expediram soluções

de consulta, identificando as bases de cálculo presumidas do IRPJ e da CSLL das

securitizadoras que adotarem o regime do lucro presumido, expressando a faculdade

dessa modalidade de não se submeter ao regime do lucro real, antes e depois da edição

da Medida Provisória n.º 472/2009.

18

Da mesma forma, como norma geral e concreta reafirmadora do

posicionamento permissivo em adotar o regime do lucro presumido pelas

securitizadoras de ativos empresariais, foi editada Solução de Divergência n.º 8/2001

pela Cosit (Coordenação-Geral de Tributação), departamento vinculado à Secretaria da

Receita Federal.

Analisamos ainda outros dois atos enunciativos de legalidade editados por

Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), que em sede de primeira instância

administrativa consideraram o lucro presumido como opção às securitizadoras de ativos

empresariais.

Por fim, examinamos acórdão do Conselho Administrativo de Recursos

Fiscais (CARF), que se fundamenta inclusive na Solução de Divergência n.º 08/2011,

para manter decisão da DRJ quanto ao cancelamento de autuação fiscal, trazendo na

decisão como pressuposto o regime do lucro presumido às securitizadoras de títulos e

valores mobiliários.

Portanto, analisamos 14 atos enunciativos de legalidade editados pela Disit

(10), Cosit (1), DRJ (2) e CARF (1), para demonstrar que em todos os níveis da

administração pública federal houve o reconhecimento jurídico por meio de regras

individuais e concretas e gerais e concretas da opção das securitizadoras por adotar o

regime do lucro presumido.

Para a surpresa das securitizadoras de ativos empresariais, o fisco federal

editou Parecer Normativo, interpretando com efeitos retroativos o disposto no inciso VI

do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, concluindo que essa modalidade de securitizadoras

possui identidade com a factoring, inserindo-as na obrigatoriedade do regime do lucro

real.

O referido parecer desrespeita vários princípios constitucionais, entre eles a

estrita legalidade, a irretroatividade, a moralidade administrativa e a segurança jurídica

(sobreprincípio), o que o macula de vícios insanáveis no ordenamento jurídico.

Por fim, percorremos as autuações fiscais apontando três fundamentos

jurídicos adotados pela fiscalização, fulcrados em contradições de mesma autoridade

fiscal, o que denota a falta de coerência e critérios lineares para as atuações.

19

Concluímos que, a despeito de a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014

possuir efeitos jurídicos vinculativos aos agentes públicos da Receita Federal do Brasil,

não há a obrigatoriedade exigida em lei para que as securitizadoras de títulos e valores

mobiliários se submetam à apuração dos tributos pelo regime do lucro real,

permanecendo a faculdade quanto ao lucro presumido.

No Capítulo 5, em razão da insegurança jurídica identificada no regime de

tributação das securitizadoras de ativos empresariais, tratamos da migração dessa

atividade para os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que se

comporta como um veículo de securitização alternativo às Sociedades de Propósito

Específico, na medida em que, ao dispensar a criação de uma sociedade anônima,

desonera a operação dos respectivos custos e tributos incidentes, como IRPJ, CSLL, PIS

e Cofins.

Estudamos as identidades e as diferenças entre a securitizadora de valores

mobiliários e o FIDC, no âmbito legal, operacional e fiscal, demonstrando em relação

ao fundo a incidência de regras próprias e rígidas emitidas pela Comissão de Valores

Mobiliários (CVM), as partes envolvidas, a economia operacional e a economia fiscal.

Tratando-se de uma modalidade já consolidada no mercado, o FIDC é uma

opção na modalidade de securitização de recebíveis, envolvendo significativo

investimento (exigência do investidor qualificado), comparado com as securitizadoras

de valores mobiliários. No entanto, os resultados são notórios, como menor risco ao

investidor, colateralização pelas cotas subordinadas ou outra modalidade de garantia,

boa avaliação de risco, significativa rentabilidade perante os ativos disponíveis no

mercado financeiro com nível de risco equivalente e eficaz e legítima economia

tributária.

Avaliamos ainda a questão da utilização do FIDC como meio legal para a

redução da carga tributária (planejamento tributário), desde que sejam atendidas as

regras do Conselho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários, o que é

legítimo em face do direito de escolha e da livre-iniciativa dos contribuintes.

Por fim, no Capítulo 6, concluímos nosso estudo sobre a securitização de

valores mobiliários, afirmando e confirmando a impossibilidade de securitizar os títulos

20

da Dívida Ativa dos entes políticos (União, Estados, Município e Distrito Federal), a

despeito de a natureza jurídica da certidão de Dívida Ativa tratar-se de título executivo

extrajudicial.

Apontamos princípios e barreiras normativas que impedem a cessão da

Dívida Ativa a terceiros, visto que o crédito tributário é considerado, em termos legais,

um bem indisponível, não podendo ser negociado. A execução da dívida ativa, por sua

vez, por possuir legislação específica (Lei n.º 6.830/1980), não contempla um terceiro

que não seja a Fazenda, como parte legítima para proceder à cobrança do débito fiscal

(artigo 132 da Constituição Federal), não se transferindo no âmbito processual a

cobrança do débito fiscal em legislação específica para o regime de direito privado,

sobretudo a forma de cobrança nos termos do Código de Processo Civil, em razão da

natureza jurídica do crédito.

Em razão de o deságio do valor do crédito fazer parte do processo de

securitização, decorrente de ato de transação do direito civil, no âmbito tributário esse

acordo firmado entre credor e devedor do débito fiscal é considerado causa extintiva do

crédito tributário. Destaca-se que não há no ordenamento jurídico atual legislação

instituindo e regulamentando a transação. Ainda que seja instituída por lei, entendemos

que há a necessidade da quebra da barreira da indisponibilidade do crédito tributário, o

que no nosso ordenamento jurídico é visto como um princípio do direito.

Por fim, analisamos a Instrução CVM n.º 444/2006, que considerou a

securitização da Dívida Ativa por meio da modalidade FIDC-NP como operação de

crédito, submetida à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Da mesma forma, investigamos as Resoluções n.º 43/2001, n.º 33/2006, n.º

11/2015 e n.º 17/2015, editadas pelo Senado Federal, cujo objetivo é ceder às

instituições financeiras a cobrança da Dívida Ativa, bem como captar recursos a título

de adiantamento do fluxo de recebimentos de créditos da Dívida Ativa, oferecendo em

caráter definitivo ao FIDC-NP os valores creditórios que serão lastreados em títulos a

serem adquiridos por investidores no mercado privado.

21

As Resoluções n.º 33/2006, n.º 11/2015 e n.º 17/2015 do Senado Federal

alteraram a Resolução n.º 43/2001 com o propósito de descaracterizar o entendimento

da operação como crédito sujeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não obstante a referida alteração dar legalidade à securitização da Dívida

Ativa, essa matéria (especificamente as modificações propostas pela Resolução n.º

33/2006 do Senado Federal) é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN

n.º 3786), que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Portanto, a securitização de créditos da Dívida Ativa, no atual ordenamento

jurídico, não é passível de ser implementada pela União, Estados, Municípios e Distrito

Federal, a despeito da previsão na Instrução CVM n.º 444/2006 e nas Resoluções

editadas pelo Senado Federal, destacando que a característica da indisponibilidade do

interesse (bem) público prevalece, além da incompatibilidade da cobrança do débito por

outra via que não seja a Lei de Execução Fiscal, existindo ainda falta de legitimidade

dos entes privados na cobrança do direito creditório inscrito em Dívida Ativa em

eventual inadimplência do devedor no rito proposto da lei especial.

Em breve síntese, concluímos nosso estudo realizando cortes no sistema

jurídico, que se iniciou com a análise geral e descritiva dos aspectos jurídicos das

securitizadoras, percorreu a especificidade da modalidade de securitização de valores

mobiliários, adentrou na tributação incidente e não incidente sobre essa atividade.

Tratou da insegurança jurídica vivenciada pelos securitizadores em relação

ao regime de tributação adotado, especialmente aqueles que optaram pelo lucro

presumido, ainda que a interpretação normativa da Receita Federal não sirva de

elemento transformador de legalidade para obrigar a adoção do lucro real.

Constatou-se a migração da atividade de securitização de ativos

empresariais para outra espécie de securitização, o FIDC, que possui regras rígidas,

regime jurídico simplificado, menor carga fiscal, menor custo operacional, embora

apresente maior complexidade administrativa, limitação de prestadores de serviços no

mercado etc.

No final deste estudo concluímos que, a despeito de o FIDC ser uma forma

atrativa e interessante de securitização, servindo como fuga em busca de maior

22

segurança jurídica aos securitizadores de títulos e valores mobiliários, essa modalidade

não pode ser utilizada como meio de viabilização da securitização de créditos inscritos

em Dívida Ativa, em razão de restrições de regras processuais e barreiras

principiológicas, a despeito da edição de Instrução CVM e de Resoluções autorizativas

pelo Senado Federal.

23

1

ASPECTOS JURÍDICOS DA SECURITIZAÇÃO

Este estudo parte das regras do nosso atual ordenamento jurídico, não

deixando de dar relativa atenção ao papel econômico e operacional da atividade da

securitização no Brasil. Contudo, nosso objetivo maior é a análise jurídica-tributária-

científica da securitização de títulos e valores mobiliários, especialmente em relação aos

regimes de recolhimento dos tributos incidentes sobre essa atividade.

Iniciemos nossa investigação buscando atribuir definição ao conceito de

securitização no âmbito stricto sensu. Trata-se do primeiro passo no longo caminho que

percorreremos neste trabalho.

1.1 Definição do conceito de securitização

Não é nosso propósito no presente estudo fazer críticas à palavra

securitização em razão do abuso do uso indiscriminado do anglicismo. A securitização

surgiu nos Estados Unidos da América em 1977, em uma coluna no Wall Street

Journal,1 quando foi atribuído tal nome ao processo pelo qual as agências

governamentais americanas ligadas ao crédito hipotecário promoveram o

desenvolvimento do mercado de títulos lastreados em hipoteca.2

Security, numa acepção geral das regras e do mercado americano, significa

valor mobiliário. Esse termo pode significar qualquer nota, ação, ação em tesouraria,

obrigações, debêntures, comprovante de dívida, certificado de depósitos em garantia etc.

Já a palavra securitização tem sentido de transformação de recebíveis em valores

mobiliários, que se chamou de securities.

1

Estudo feito por Lewis Ranieri em The origins of securization, sources of its growth, and its future

potential. In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J (Coord.). A primer on securitization.

Cambridge: MIT Press, 1996. p. 30; CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 36. 2

CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 13.

24

No Brasil, o “valor mobiliário” é basicamente instrumental, pois o conceito

está relacionado à regulação estatal de determinada atividade econômica. Essa

expressão apareceu em razão da necessidade de regulação estatal de determinadas

operações que afetam a economia popular, especialmente aquelas com maior risco para

os investidores.3

Não será útil e salutar a este estudo fazer críticas ao nome securities, visto

que a referida palavra já foi incorporada ao direito brasileiro e à economia brasileira,

sendo muito utilizada. O objetivo deste trabalho é atribuir definição e sentido à palavra,

contextualizando o uso desse signo4 pelos seus utentes, buscando apontar suas acepções

de forma ampla e estreita.

Para Fidelis Oditach, citado por Uinie Caminha,5 o termo securitização

apresenta três significados: a) pode significar a transformação de ativos sem liquidez em

títulos negociáveis; b) pode identificar operações de cessão de recebíveis mediante

emissão ou não de títulos; c) pode significar processo de emissão de títulos de dívida,

que podem ou não ser lastreados em ativos subjacentes. Essas três acepções, a nosso

ver, apresentam conteúdo de definição lato sensu.

Portanto, de forma ampla podemos definir securitização como uma forma de

desintermediação e substituição de financiamentos realizados em instituições bancárias.

Essa definição mais simples implica apenas a emissão de títulos no mercado monetário

ou de capitais para aquisição de novos financiamentos. Note-se que o sentido dado é de

processo de desintermediação no mercado bancário.

O mercado de valores mobiliários é necessariamente um processo de

desintermediação, em razão de a pessoa realizar diretamente aplicação de seus recursos

financeiros. Entre o investidor e aquele que necessita de capital ou financiamento, não

há a interposição de qualquer entidade financeira.6

3

EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & mercado de capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 138. 4

Adotando-se a definição de conceito dado por Edmund Hurssel, o signo é uma relação tríade entre um

suporte físico, um significado e uma significação. 5

CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37. 6

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:

Dialética, 1998. p. 21.

25

Na operação de intermediação bancária, tomadores e poupadores de

recursos financeiros são aproximados com o auxílio de um intermediário financeiro

(instituição financeira), que possui a incumbência de viabilizar empréstimos. A

desintermediação no mercado financeiro implica eliminar a instituição financeira,

fazendo com o que as operações sejam realizadas diretamente sem a presença da

instituição bancária, contudo a transação aparece com o mesmo escopo.

No âmbito stricto sensu definimos o conceito de “securitização” como uma

forma de acesso ao mercado de capitais por meio da emissão de títulos ou valores

mobiliários, vinculados em direitos creditórios de uma determinada pessoa jurídica e

adquiridos por investidores, formando-se uma relação jurídico-econômica contratual de

compra e venda7 entre o originador do crédito e a sociedade securitizadora, com

transmissão de obrigações mediante cessão, sendo que o cessionário adquirente sub-

roga-se no direito de cobrar diretamente o devedor.

Para Caminha,8 no sentido mais estreito, securitização tratou da reunião dos

três significados de Oditah, considerando que essa operação complexa envolve a

segregação de patrimônio (em razão da cessão a uma pessoa jurídica distinta ou

segregação interna) e a emissão de títulos lastreada nesse referido patrimônio segregado.

Para que ocorra uma atividade específica de securitização há a necessidade

de existir como parte da relação jurídica9 e econômica um agente originador do crédito

financeiro.

Na securitização os recebíveis decorrentes do originador do crédito são

negociados e comercializados com empresa de propósito específico denominada

securitizadora. Utilizando-se como lastro de pagamento esses créditos adquiridos, a

securitizadora emite “títulos ou valores mobiliários” adquiridos por investidores,

pessoas físicas e jurídicas, no mercado de capitais.

7

O artigo 481 do Código Civil dispõe que: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se

obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. 8

CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38. 9

Para Lourival Vilanova, relação jurídica é um conceito fundamental e geral, cujo estudo pertence à

Teoria Geral do Direito: Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 238.

Francesco Carnelutti descreve que “relação jurídica é uma relação entre dois sujeitos, constituída pelo

direito, concernente a um objeto” (Teoria geral do direito. Tradução de Rodrigues Queiró e Artur

Anselmo de Castro. Coimbra: Arménio Amado, 1942. p. 184).

26

A distinção que se faz entre título e valor mobiliário é que o primeiro seria

gênero e o segundo espécie. Entretanto, para que um determinado título seja

considerado valor mobiliário é preciso que ele esteja previsto no artigo 2.º da Lei n.º

6.385/1976, com a redação da Lei n.º 10.303/2001 (“Art. 2.º São valores mobiliários

sujeitos ao regime desta Lei: [...]”)

Conforme Newton de Lucca,10

a distinção existiria em relação à

característica do valor mobiliário a ser negociado em mercado. Sob o ponto de vista

lógico, para esse jurista, os dois possuem sistemas distintos, sem uma correspondência

lógica entre ambos.

Os recursos obtidos com a venda dos títulos ou valores mobiliários para os

investidores são utilizados pela securitizadora para pagar o originador dos recebíveis,

incorrendo nesse momento no desconto dos juros (remuneração do dinheiro).

Os recebíveis podem ser “performados”, “a performar” ou “não

performados”. Os “performados” são aqueles em que os bens foram entregues ou os

serviços já foram prestados pelo originador, o que implica dizer que o risco quanto à

operação fica adstrito à inadimplência do devedor. Por seu turno, nos recebíveis “não

performados” os bens ainda não foram entregues e o serviço ainda não foi prestado pelo

originador, existindo ainda duas pendências que interferem diretamente no risco da

operação: a inadimplência do devedor e o cumprimento da obrigação de entregar o bem

ou o serviço pelo originador. Os recebíveis “a performar” se relacionam com a

expectativa de auferimento de valores futuros, porém incertos, difíceis de quantificação

e lastro. São aqueles que decorrem da potencialidade do ganho sobre determinada

relação jurídica, como um contrato de concessão para explorar praças de pedágios.

A securitização é um instrumento que pode ser utilizado pelas empresas

para transformar sua carteira de recebíveis em disponibilidade financeira de caixa

imediata, em substituição de outros tipos de financiamento tradicionais, sem a

intermediação bancária. Esse recurso torna o Brasil mais competitivo perante a

globalização, trazendo importantes números ao crescimento, ao ganho de produtividade

10

LUCCA, Newton de. Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 36-

37.

27

e à geração de empregos, por meio da engenharia financeira na busca de baixar os juros,

permitir o crédito e reduzir a dependência bancária.

Muitos itens podem servir de lastro em uma operação de securitização, por

exemplo, contratos de locação de imóveis, contratos de venda de imóveis, pedágio de

rodovias, cartões de crédito, venda a crédito, contas de energia elétrica, exportações,

mensalidades escolares, planos de saúde, carteira de créditos de instituições financeiras,

faturas de exportação etc.

Cançado e Garcia11

apontam muitos outros ativos passíveis de securitização:

financiamentos e leasing de aeronaves; financiamentos e leasing de automóveis;

financiamentos de barcos; financiamento de giro de concessionários, conhecidos como

floorplans; leasing de contêineres marítimos e chassis; leasing de equipamentos;

empréstimos sobre automóveis; empréstimos para aquisição de computadores;

empréstimos baseados em factoring; empréstimos sobre equipamentos agrícolas;

empréstimos oriundos de franchising; empréstimos estudantis; empréstimos garantidos

por imóveis; empréstimos pessoais (consignados ou não); hipotecas sobre terras;

hipotecas de imóveis; recebíveis de passagens aéreas; recebíveis de empresa de saúde;

recebíveis de estacionamentos; recebíveis comerciais; campos de óleo e gás; fluxo de

royalties.

Portanto, os objetivos maiores inerentes à securitização são a criação de

liquidez na substituição do crédito por dinheiro e a transferência ou diluição de riscos

quanto ao inadimplemento.

A seguir, analisaremos a natureza jurídica da securitização.

1.2 Natureza jurídica da securitização

Securitização possui natureza jurídica de contrato de venda e compra de

direitos creditórios firmado entre partes, em que de um lado o originador (vendedor)

cede (obrigação de dar) à securitizadora (adquirente) direitos creditórios como forma de

11

CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 12-13.

28

diluição do risco em relação ao recebível. A transmissão da obrigação quanto ao crédito

adquirido se dá por meio da cessão, forma disposta no direito civil brasileiro, estudada

no Capítulo 2.

A primeira relação jurídica que se identifica na securitização ocorre entre o

originador e a empresa securitizadora, em que o primeiro se obriga a entregar direitos

creditórios ao segundo mediante o pagamento em dinheiro de valores decorrentes da

aquisição desses direitos, descontando-se, a título de remuneração da securitizadora,

certo montante denominado deságio do valor do crédito (spread).

Não obstante a natureza jurídica da securitização decorrer de um contrato de

venda e compra, é necessário destacar que o originador do crédito, antes de securitizar a

operação, já possui relação jurídica com terceiro (pessoa física ou jurídica), qual seja

aquele que irá realizar o pagamento do débito ao originador, seja em razão de operação

financeira, imobiliária, agrícola ou de recebíveis mobiliários.

Portanto, destaca-se a necessidade da ocorrência de uma relação jurídica

contratual anterior à operação de securitização, originária da formação desse direito, que

será objeto de cessão à securitizadora.

Com a transmissão ou cessão do direito à securitizadora, a relação jurídica

que se forma a partir de então se dá entre essa nova detentora dos direitos e o devedor

(pessoa física ou jurídica) que possui a obrigação jurídica de pagar pelo bem decorrente

da relação firmada com o originador. Há nesse caso a sub-rogação convencional12

do

direito ao crédito em relação à securitizadora.

Assim sendo, essa terceira relação jurídica contratual que se forma se dá

entre devedor e credor em virtude da transmissão de direitos do originador à

securitizadora, mediante comunicação do devedor, não dependendo em nenhum

momento da sua anuência.

12

O artigo 347 do Código Civil define sub-rogação convencional: “quando o credor recebe o pagamento

de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos”. O artigo 349 do mesmo Diploma

Legal dispõe que: “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e

garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”. Por fim, o artigo

350 do Código Civil atual trata dos limites do valor da cessão do crédito em razão da sub-rogação:

“Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à

soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor”.

29

Com a cessão dos direitos creditórios, a cessionária emite títulos ou valores

mobiliários para captar recursos financeiros, com o objetivo de proporcionar o

pagamento ao originador do crédito. Esses recursos advêm de investidores que

adquirem os títulos ou valores mobiliários.

No Brasil identificam-se duas formas mais comuns de emissão de valores

mobiliários. A primeira delas é feita pela própria companhia originadora dos recebíveis.

Esses créditos ficam vinculados aos valores mobiliários emitidos por um vínculo

obrigacional ou real. Essa prática é usual nas companhias concessionárias de serviços

públicos estatais, que não possuem tanta flexibilidade para criar subsidiárias. A segunda

forma é a emissão de valores mobiliários por uma companhia criada especificamente

para gerir o projeto, denominada Sociedade de Propósito Específico (SPE).13

Com a edição da Lei n.º 6.385/1976, alterada pela Lei n.º 10.303/2001, ficou

estabelecido um rol de valores mobiliários que poderão ser emitidos pelas companhias:

a) as ações, debêntures e bônus de subscrição;

b) os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de

desdobramento relativos aos valores mobiliários;

c) os certificados de depósito de valores mobiliários;

d) as cédulas de debêntures;

e) as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes

de investimento em quaisquer ativos;

f) as notas comerciais;

g) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos

subjacentes sejam valores mobiliários;

h) outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes;

e,

i) quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de

investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou

13

BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Securitização como parte da segregação de risco. Revista do BNDES,

Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 128, dez. 1999.

30

de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos

rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

Ficam excluídos desse rol os títulos da dívida pública federal, estadual,

municipal ou distrital e os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira,

exceto as debêntures.

A debênture é um valor mobiliário emitido por sociedades por ações,

representativo de dívida, que assegura a seus detentores o direito de crédito contra a

companhia emissora. Consiste em um instrumento de captação de recursos no mercado

de capitais, que as empresas utilizam para financiar seus projetos e investimentos.

Os recursos captados pela empresa por meio da distribuição de debêntures

podem ter diferentes usos: investimentos em novas instalações, alongamento do perfil

das dívidas, financiamento de capital de giro etc.

Ao disponibilizar seus recursos para serem utilizados pela empresa, o

comprador (ou debenturista ou titular de debênture) faz jus a uma remuneração.

Sobre as debêntures, valores mobiliários mais utilizados na securitização,

elas são classificadas, no tocante às garantias oferecidas aos investidores, em: (i)

debêntures com garantia flutuante, vinculadas a uma securitização, visto que a garantia

é sobre todo o patrimônio da SPE; (ii) debênture com garantia real, usada nos casos de

securitização imobiliária; (iii) debêntures subordinadas, aplicadas na securitização

quando há várias séries compondo a emissão; (iv) quirografárias; e (v) flutuantes.14

Destaca-se ainda que as securitizadoras não podem transacionar diretamente

com bancos, restringindo suas operações às compras de recebíveis financeiros, às

emissões de títulos ou debêntures no Brasil ou no exterior.

Passemos no próximo item, após breve introdução, a tratar das modalidades

de securitização. O estudo das modalidades é importante para conhecermos os tipos de

créditos securitizados no Brasil e a evolução histórica e normativa dessa atividade.

14

PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:

Almedina, 2015. p. 39.

31

1.3 Modalidades de securitização

Entre as modalidades de securitização, destacam-se: (i) os ativos

empresariais ou de títulos e valores mobiliários; e (ii) os Fundos de Investimento em

Direitos Creditórios, protagonistas do presente estudo.

Antes de se analisarem os aspectos gerais dessas duas modalidades,

entendemos necessário conhecer todas as modalidades existentes praticadas nesse país.

1.3.1 Securitização de exportações

As primeiras operações com securitização no Brasil ocorreram no final da

década de 1980. Os primeiros diplomas legais a tratar da securitização foram a

Resolução CMN n.º 1.844/1991, que dispôs sobre o Programa de Financiamento às

Exportações (Proex), regulamentada pela Circular do Banco Central do Brasil n.º

1.979/1991, tratando-se especificamente da securitização de ativos oriundos de

recebíveis de exportações de empresas brasileiras.

Esse programa permitiu a concessão de assistência financeira de descontos

de títulos em exportações de bens, ou financiamento direto, no caso de exportações de

serviços. Consistiu na emissão de títulos lastreados em créditos oriundos da exportação.

Nesses casos, a invoice ou fatura emitida em razão da exportação foi o meio

representativo do valor do crédito a ser securitizado.

A Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) não mencionou

expressamente a palavra “securitização”, mas em seu texto estabeleceu que as operações

de financiamento relativas às exportações de produtos e serviços nacionais teriam por

objeto títulos emitidos por exportadoras brasileiras.

Por seu turno, a Circular regulamentadora emitida pelo Banco Central tratou

explicitamente da securitização das exportações, mencionando a captação de recursos

no mercado externo para financiar as empresas exportadoras por meio de emissão de

títulos negociados no mercado internacional.

32

Portanto, o originador desses recebíveis foram as empresas exportadoras

brasileiras que negociaram com empresas estrangeiras de propósito específico os

recebíveis decorrentes da exportação.

Basicamente, o mecanismo apresenta a seguinte característica: uma empresa

subsidiária estrangeira de uma sociedade brasileira cede a título oneroso a uma empresa

de propósito específico estabelecida no exterior15

os recebíveis de exportação, sendo

emitidos pela adquirente títulos ou valores mobiliários no mercado lastreados nesses

recebíveis, captando recursos repassados aos originadores/exportadores brasileiros.

A securitização de exportações brasileiras foi lastreada em títulos no

exterior por meio da emissão de trust certificate.16

De acordo com Modesto Carvalhosa,

[...] caracteriza-se o trust pela transferência de capitais e valores

econômicos de uma determinada pessoa física ou jurídica, que tem

como objetivo gerir e administrar aqueles capitais e valores; exerce

esta última o papel de agente fiduciário, trustee, cabendo-lhe, com

plena autonomia, aplicar tais bens e valores da melhor forma, no

interesse do agenciador. Ao trustee cabe a direção, de maneira

uniforme, do conjunto de negócios que lhes são confiados.17

Em razão de guardar característica de lastro sobre receitas futuras, a

captação de recursos no exterior pode ser considerada recurso externo financiador de

exportações. Essa modalidade de securitização ainda é utilizada no Brasil por

companhias multinacionais.

15

Ilene Patrícia de Noronha Najjarian denomina empresa como “veículo de propósito exclusivo” (VPE)

(Securitização de recebíveis. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 63). 16

Trust certificate é um título de crédito emitido por sociedade constituída sob modalidade de trust. O

trust origina-se do common law inglês. É regido por um contrato de lealdade e confiança, como bem

lembra Isabel Vaz, em sua obra Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.

90. 17

CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Poder econômico: fenomenologia – seu disciplinamento

jurídico. São Paulo: RT, 1967.

33

1.3.2 Fundo de investimento imobiliário

Em 1993, surgiu no Brasil a securitização imobiliária, com o propósito de

desafogar e suprir o financiamento da habitação, utilizando-se de fundos mútuos de

investimento. A primeira regra a tratar da securitização imobiliária no Brasil foi a Lei

n.º 8.668, de 25.06.1993.

O fundo de investimento imobiliário foi criado sob a forma de uma reunião

de recurso, sem personalidade jurídica, sob o sistema de distribuição de valores

mobiliários descritos na Lei n.º 6.385/1976, cuja aplicabilidade ocorreu em

empreendimentos imobiliários.

Como bem observou Caminha,18

os fundos de investimento imobiliário não

são considerados expressamente mecanismos de securitização, mas no âmbito

conceitual apresentam idênticas características quanto à segregação dos ativos para

posterior emissão de títulos neles lastreados.

Diante disso, esses fundos foram criados para fomentar o financiamento

imobiliário, e, sob a forma de condomínio, é administrado por instituição que realiza em

seu nome a aquisição dos bens e direitos de natureza imobiliária.

Em momento posterior, a lei ora mencionada veio a ser regulamentada pela

Comissão de Valores Mobiliários, com a Instrução CVM n.º 205, de 14.01.1994,19

e

pelo Conselho Monetário Nacional, que expediu as Resoluções CMN n.º 2.248, de

08.02.1996, e n.º 2.686, de 26.01.2000.

Conforme a Lei n.º 8.668/1993, os bens e direitos integrantes do patrimônio

do fundo de investimento imobiliário não se comunicam com o patrimônio da

administradora, não podendo ser dado em garantia ou mesmo lastrear obrigações

próprias da administradora, a despeito de serem mantidos sob a propriedade fiduciária

da entidade administradora.

18

CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 145. 19

Revogada pela Instrução CVM n.º 472/2008.

34

Esses fundos estão bem consolidados no Brasil, são bem-sucedidos e

realizam financiamento de grandes projetos, como a construção de centros empresariais,

condomínios etc.

1.3.3 Securitização de crédito imobiliário

Outra modalidade importante e muito praticada no Brasil é a securitização

de créditos imobiliários. A regra fundamental que veio consolidar essa modalidade de

securitização foi editada em 20.11.1997, e vem sendo aplicada também nas operações

de securitização de títulos e valores mobiliários. Trata-se da Lei n.º 9.514, que criou o

Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).

Essa é a única lei brasileira em vigor que trata e regulamenta a securitização.

Instituiu essa regra o que chamamos de securitização de recebíveis imobiliários.

Gaggini,20

ao analisar a Lei n.º 9.514/1997, aponta que os créditos

imobiliários são vinculados à emissão de vários títulos de crédito expedidos por

empresas securitizadoras mediante “Termo de Securitização de Créditos”,21

que deverão

conter: (i) os devedores; (ii) o valor nominal de cada crédito que serviu de lastro para a

emissão do título; (iii) as informações do imóvel vinculado (número do Registro de

Imóveis ou Matrícula); (iv) o número do registro do ato em que o crédito foi cedido; (v)

a identificação dos títulos emitidos; (vi) outras garantias de resgate dos títulos da série

emitida, se exigidas.

A Lei n.º 9.514/1997 instituiu ainda o regime fiduciário, em que os ativos

lastreados da securitização devem ser segregados dos ativos da securitizadora,

constituindo-se patrimônio separado. Nesse regime, os investidores serão representados

por uma instituição financeira ou companhia autorizada a funcionar pelo Banco Central,

denominada Agentes Fiduciários, sendo considerados beneficiários os investidores

adquirentes dos valores mobiliários emitidos pelas securitizadoras.

20

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 69. 21

Exigência da Lei n.º 11.076/2004, artigo 37, VII.

35

Portanto, todos os créditos objeto do regime fiduciário são exclusivos da

liquidação dos títulos que tiverem atrelados, permanecendo inclusive isentos de

qualquer ação ou execução pelos credores da securitizadora.22

Como bem observa Noronha Najjarian,23

a segregação patrimonial nas

securitizadoras imobiliárias foi tratada em dois momentos, primeiro a fase da

incorporação, antes da securitização, depois no veículo securitizador, depois de cedidos

os créditos, destacando o papel importante da Lei n.º 10.931/2004, que criou a figura do

patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias.

A Lei define a securitização de créditos imobiliários como “a operação pela

qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de

crédito, mediante termo de securitização de créditos lavrado por uma companhia

securitizadora, onde constarão todas as informações a respeito da operação em tela”.24

A despeito de a lei autorizar as securitizadoras de títulos imobiliários a

emitir outras modalidades de valores mobiliários, como as debêntures,25

basicamente no

Brasil os recebíveis são lastreados em Certificado de Recebível Imobiliário (CRI).26

O CRI é definido como títulos de crédito nominativo, de livre negociação,

lastreados em créditos imobiliários, constituindo, portanto, promessa de pagamento em

dinheiro. São títulos exclusivos das companhias securitizadoras de créditos imobiliários.

As sociedades securitizadoras de títulos imobiliários são instituições não

financeiras, constituídas sob a forma de sociedades anônimas, com o propósito de

adquirir recebíveis imobiliários para posterior emissão do CRI.

22

Nesses termos, CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São

Paulo: Atlas, 2007. p. 21. 23

NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier

Latin, 2010. p. 59. 24

Artigo 8.º da Lei n.º 9.514/1997. 25

A Instrução CVM n.º 281/1998 tratou das debêntures de securitização, conferindo o mesmo

regramento relativo às debêntures definidas como valores mobiliários do artigo 2.º da Lei n.º

6.385/1976. As debêntures terão séries, rentabilidades e prazos distintos. Essa regra se aplica a todas

as modalidades de securitização. 26

Artigo 6.º da Lei n.º 9.514/1997.

36

Há a possibilidade ainda de os créditos serem representados por Cédula de

Crédito Imobiliário (CCI), instituída pela Medida Provisória n.º 2.223/2001, convertida

na Lei n.º 10.931/2004. Essas cédulas podem ser emitidas pelo credor imobiliário sem a

anuência do devedor.

A cessão da CCI pode ser feita por endosso caso seja um documento

cartular, ou por meio da central de liquidação e custódia de títulos na hipótese de

emissão escritural. Nas securitizações lastreadas em CCI, é indispensável a identificação

no Termo de Securitização do número, valor, série e instituição custodiante,

mencionando o patrimônio separado a que estão afetadas.

Destaca-se ainda que a Lei n.º 10.931, decorrente da conversão da Medida

Provisória ora mencionada, permitiu que os agentes financeiros possam operar a

securitização, de forma independente das securitizadoras, emitindo Letras de Crédito

Imobiliário (LCI), títulos nominativos que podem ser transferidos por endosso em preto,

emitidos e negociados de forma escritural. Tais títulos estão lastreados em créditos

imobiliários garantidos por hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis, sujeitando-se ao

tempo dos créditos que lhes dão lastro.27

Embora não sejam instituições financeiras, as sociedades securitizadoras de

créditos imobiliários sujeitam-se às regras editadas pelo Conselho Monetário Nacional,

como ocorre com a Resolução n.º 2.686/2000.

Essa modalidade de securitização opera com recebíveis, contudo, relativos

às operações imobiliárias, como compra e venda de imóveis (performado = entregue ou

não performado = entrega futura), contrato de locação de imóveis, financiamento de

imóveis residenciais e comerciais etc.

Nessa modalidade, quando a securitizadora emite os títulos, no caso os

Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), é necessária a contratação de um Agente

Fiduciário, uma instituição financeira ou outra entidade especialmente autorizada pelo

Banco Central, que tem por objetivo a administração ou a custódia de bens de terceiros

e que atua como representantes dos detentores do CRI perante a securitizadora.

27

CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 148.

37

No mercado mundial a figura do trustee é bem parecida com o papel do

Agente Fiduciário, a despeito de o primeiro ter um papel mais amplo que o agente, haja

vista que assume obrigações legais e adicionais em relação à estrutura da operação de

securitização.

1.3.4. Securitização de ativos empresariais

Denominada securitização de ativos empresariais ou de títulos e valores

mobiliários, essa modalidade, protagonista de nosso estudo, carece de disciplina legal

específica que possa ser aplicada indiscriminadamente, sendo tratada e regulamentada

por regras emprestadas de outras modalidades de securitização, como a Lei n.º

9.514/1997 (aplicáveis na securitização de créditos imobiliários), o Código Civil

brasileiro, a Lei das Sociedades Anônimas, entre outras.

A despeito da existência da falta de regulamentação, há elementos formais

necessários a essa modalidade, principalmente na formação da relação contratual de

aquisição e cessão dos direitos creditórios, na constituição da sociedade securitizadora,

na emissão de títulos ou valores mobiliários, na possibilidade de recompra dos créditos

pelo originador no caso de inadimplência do devedor, temas estudados no próximo

capítulo.

Os ativos empresariais passíveis de securitização não são apenas os

oriundos de operações comerciais, podem envolver também a prestação de serviços, que

gera valores econômicos que podem ser considerados recebíveis.

A diferença entre modalidades de securitização se dá na espécie de

recebíveis, objeto de cessão. Os recebíveis de cartões de créditos, por exemplo, é um

bom exemplo de ativo securitizado em todo o mundo.

Na modalidade de ativos empresariais os títulos de crédito comercializados

são as notas promissórias, duplicatas mercantis, cheques, letras de câmbio, faturas etc.

No Brasil, a securitização de ativos empresariais teve seu marco inicial com

o Grupo Mesbla, que transformou seus recebíveis em títulos financeiros negociáveis no

mercado. Com a constituição da Mesbla Trust, a primeira operação foi realizada em

38

1994, com a emissão de debêntures lastreadas em recebíveis originados da Mesbla S.A.,

em operações de compras feitas com cartões de crédito.

A falência da originadora dos créditos não afetou o resgate dos

investimentos feitos na Mesbla Trust, visto a segregação dos ativos da entidade

emissora em relação aos da originadora.

Há outras operações de securitização de recebíveis realizadas nesse país

com sucesso, como Feniciapar, Mappin Trust, Tec-Toy, Dominium Par, Energipar,

Golden Cross, Bahia Trust, Infovias, Metal Trust etc.28

1.3.5 Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)

Outra modalidade importante de securitização é o FIDC, criado pela

Resolução n.º 2.907/2001, com o intuito de servir de instrumento para a securitização de

ativos. Esse fundo é constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado, com a

existência de diferentes classes de cotas, permitindo-se estabelecer regras internas

quanto à emissão e resgate das cotas.

A administração do FIDC somente pode ser exercida por banco múltiplo,

banco comercial, Caixa Econômica Federal, banco de investimento, sociedade de

crédito, financiamento e investimento, sociedade corretora ou distribuidora de títulos e

valores mobiliários.29

A constituição desse tipo de fundo se dá mediante a cessão de recebíveis do

originador do crédito ao fundo, passando a compor o seu ativo. Uma característica do

FIDC disposta na regulamentação é que a aplicação de recursos somente deve ser feita

por investidores qualificados.

28

NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier

Latin, 2010. p. 85. 29

Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. Disponível em:

<http://portal.anbima.com.br/informacoes-tecnicas/estudos/produtos-de-

captacao/Documents/FIDC.pdf>, p. 67. Acesso em: 13 abr. 2016. Vide Instrução CVM n.º 356/2001,

artigos 32 e 37.

39

Entende-se por qualificados: (i) investidores profissionais; (ii) pessoas

naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$

1.000.000,0030

e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor

qualificado mediante termo próprio; (iii) pessoas naturais que tenham sido aprovadas

em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como

requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de

carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos

próprios; e (iv) clubes de investimento cuja carteira seja gerida por um ou mais cotistas

que sejam investidores qualificados.31

Investidores profissionais são: (i) instituições financeiras e demais

instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; (ii) companhias

seguradoras e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de

previdência complementar; (iv) pessoas naturais ou jurídicas que possuam

investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 e que, adicionalmente,

atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio; (v)

fundos de investimento; (vi) clubes de investimento, cuja carteira seja gerida por

administrador de carteira autorizado pela CVM; (vii) agentes autônomos de

investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários

autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e (viii) investidores não

residentes.32

A Instrução CVM n.º 356/2001, alterada pela Instrução CVM n.º 554/2014,

caracteriza o FIDC como “uma comunhão de recursos que destina parcela

preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos

creditórios”. Nessa operação os bens pertencem ao fundo e as cotas são dos

condôminos.

30

Em razão de a regra da CVM não especificar a modalidade de investimento da pessoa física para

atribuir a condição de investidor qualificado, o nosso entendimento e dos administradores do FIDC é

de que qualquer investimento feito pelo investidor que atinja o patamar mínimo exigido de R$ 1

milhão permite que o investidor assuma a condição de qualificado. 31

Instrução CVM n.º 555/2015. 32

Instrução CVM n.º 554/2014.

40

Por seu turno, os direitos creditórios são definidos pelo artigo 2.º da

Instrução CVM n.º 356/2001, com as alterações promovidas pela Instrução CVM n.º

442/2006, da seguinte forma:

Os direitos e títulos representativos de crédito, originários de

operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial,

imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de

serviços, e os warrants, contratos e títulos referidos no § 8.º do art. 40,

desta Instrução.

O FIDC deve manter mais do que 50% do seu patrimônio líquido em

direitos creditórios e os recursos remanescentes poderão ser aplicados em títulos

públicos e privados de renda fixa, títulos públicos federais, créditos securitizados pelo

Tesouro Nacional, títulos de emissão de Estados e Municípios, CDBs,33

RDBs,34

valores mobiliários e demais ativos financeiros de renda fixa, exceção feita às cotas do

FDS,35

operações com derivativos para fins de hedge, operações compromissadas e

aplicações em warrants e em contratos mercantis de compra e venda de produtos e

mercadorias e/ou serviços para entrega de prestação futura (com a garantia de

instituição financeira ou de sociedade seguradora).

O fundo pode ser aberto ou fechado, dado que no primeiro o investidor pode

solicitar o resgate de suas cotas em conformidade com o disposto no regulamento

interno; já os fechados são aqueles cujas cotas somente são resgatadas no término do

prazo de duração do fundo ou em virtude de sua liquidação.

Destaca-se ainda a exigência de classificação de risco do fundo por uma

empresa classificadora de risco em funcionamento no País. Qualquer alteração na

classificação de risco deve ser publicada como fato relevante.

33

Certificado de Depósitos Bancários é um título emitido pelos bancos para capitalizar ou financiar suas

atividades de crédito. 34

Recibo de Depósito Bancário é um investimento de renda fixa, no qual os investidores emprestam seu

dinheiro aos bancos para que possam utilizá-los em diversas transações, recebendo o valor aplicado

corrigido (incidência de juros) no final do contrato da aplicação. 35

Trata-se de uma fração ideal de patrimônio do Fundo de Desenvolvimento Social (fundo contábil de

natureza financeira com prazo indeterminado), voltado ao financiamento de projetos de investimento

de interesse social nas áreas de habitação popular.

41

Essa operação denominada rating consiste em apontar o grau de avaliação

do pagamento do principal e dos juros na data prometida e nos termos avençados quanto

ao rendimento e devolução do dinheiro investido. Refere-se a uma garantia ao

investidor em colocar seu dinheiro em um FIDC. As agências de classificação atribuem

notas a essa avaliação qualitativa do fundo, que vai de A a D em escalas. A é a nota para

o “bom pagador”, com o risco menor, e D a nota para o “mau pagador”, com risco

muito elevado nessa escala. A melhor classificação que se vislumbra nas empresas de

classificação é a chamada AAA. A pior é a D. Notas acima de BBB- dão ao agente o

grau de investimento, enquanto os classificados abaixo dessa nota recebem o grau de

especulação.

Outra segurança dada aos investidores ou cotistas está na auditoria a ser

realizada anualmente por auditores independentes, os quais deverão ter registro na CVM

para auditar fundos e companhias abertas, respondendo pelos seus atos.

Destaca-se ainda que a venda e a cessão de direitos creditórios para o FIDC

implicam perda da liberdade de renegociação dos créditos com os respectivos

originadores, embora haja fundos que contornem essa restrição permitindo a

substituição do lastro em caso de inadimplemento. Não obstante, esse procedimento está

atrelado ao perfil de risco do investidor a que se destina, que deverá estar informado

dessa possibilidade.36

O FIDC permite a composição de estruturas muito diferentes que atendem

aos mais diversos setores da economia, como industrial, comercial, imobiliário,

financeiro e de prestação de serviços, contemplando diversidade de cedentes

(originadores), como indústrias, factorings, empresas comerciais, incorporadoras,

locadoras, bancos e finanças, entre outros.

Os recebíveis, por sua vez, possuem diversidades, incluindo entre eles

duplicatas, carnês, cheques, cartões de crédito, contratos de compra e venda de imóveis,

contratos de aluguel de imóveis, Crédito Direto ao Consumidor (CDC) envolvendo

36

Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro. Câmara de Custódia e Liquidação.

FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. Estudos especiais. Produto de captação. Rio

de Janeiro: Andima, Cetip, 2006. p. 18.

42

veículos e créditos pessoais, com destaque para o consignado com desconto direto em

folha de pagamento e empréstimos bancários em geral.

1.3.6 Securitização de créditos financeiros

Outra modalidade muito utilizada no Brasil de securitização, envolvendo

recebíveis bancários, foi instituída pela Resolução CMN n.º 2.493/1998,

regulamentando operações com empréstimos e carteiras de arrendamento mercantil.

Segundo Fagundes,37

a referida Resolução foi o marco revolucionário nos créditos

financeiros.

Essa Resolução tratou da cessão de créditos oriundos de algumas operações

por parte de bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, sociedades

de arrendamento mercantil, sociedades de crédito, financiamento e investimento,

sociedades de créditos imobiliários, sociedades anônimas de propósitos específicos e

companhias securitizadoras de créditos financeiros.

A Resolução CMN n.º 2.493/1998 foi revogada pela Resolução CMN n.º

2.686/2000, que passou a reger as operações de securitização de créditos financeiros.

Podemos descrever essa modalidade de securitização como a operação em

que as instituições financeiras realizam a cessão dos seus créditos financeiros,

decorrentes de sua atividade de intermediação bancária, às companhias securitizadoras

que emitem títulos lastreados nesses créditos.

Caminha38

menciona que:

[...] a companhia de créditos financeiros pode emitir ações ou

debêntures não conversíveis para distribuição pública, ou debêntures

não conversíveis subordinadas para emissão privada, no mercado

local, ou ainda outros valores mobiliários para distribuição no

exterior, de acordo com as leis do país de distribuição. Note-se que a

emissão privada de debêntures só é permitida no caso de a instituição

cedente dos créditos ser sua única adquirente.

37

FAGUNDES, Carlos. Securitização: inovação na gestão de créditos bancários. Tecnologia de Crédito,

v. 2, n. 11, p. 6-13, mar. 1999. 38

CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158.

43

Outro ponto que merece atenção em relação à Resolução CMN n.º

2.686/2000 é que somente as companhias securitizadoras de créditos financeiros,

registradas na CVM como sociedade anônima de capital aberto, podem vender suas

ações perante a Bolsa de Valores e podem captar recursos financeiros mediante a

emissão de debêntures, a qual pode ser vinculada ao montante dos créditos

securitizados.

Destaca-se ainda em relação à Resolução em vigor a existência da

coobrigação da instituição financeira cedente pelo pagamento dos créditos cedidos, o

que de certa forma traz segurança ao investidor, mas longe ainda de ser uma operação

atrativa.

A securitização de créditos financeiros permitiu que as instituições

financeiras pudessem excluir dos seus balanços operações que comprometessem seus

níveis de concentração de risco, ou contratos com problemas, cedendo-os para veículos

de propósitos específicos que não fazem parte do Sistema Financeiro Nacional.

Como bem observa Livia Coelho,39

a Resolução n.º 2.686 determina que a

cessão de créditos financeiros somente pode ser realizada pela sociedade anônima que

contenha a expressa denominação de “Companhia Securitizadora de Créditos

Financeiros”.

Por fim, destaca-se que o registro de distribuição pública de debêntures por

companhias securitizadoras de créditos financeiros é regulado pela Instrução Normativa

n.º 281/1998, com as alterações feitas pela Instrução CVM n.º 307/1999 e Instrução

CVM n.º 480/2009.

39

COELHO, Livia Alves Visnevski Fróes. Securitização. 2007. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São

Paulo, p. 93.

44

1.3.7 Securitização de créditos do agronegócio

Por fim, outra importante modalidade de securitização foi instituída com a

edição da Medida Provisória n.º 221/2004, convertida na Lei n.º 11.076/2004, que

introduziu os títulos agrícolas a serem securitizados em relação ao agronegócio.

A citada lei traz em seu texto modelo muito similar à securitização de ativos

imobiliários, com o intuito de financiar o agronegócio no País.

A Lei n.º 11.076/2004 introduziu novas espécies de títulos de crédito a

serem utilizados em operações relativas ao agronegócio. São os Certificados de

Depósito Agropecuário (CDA), os Warrants Agropecuário (WA), os Certificados de

Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), as Letras de Crédito do Agronegócio

(LCA) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

O CDCA, a LCA e o CRA são títulos de emissão exclusiva das sociedades

securitizadoras de recebíveis do agronegócio.

Nos termos do artigo 40 da Lei n.º 11.076/2004, a securitização de direitos

creditórios do agronegócio é a operação pela qual tais direitos são expressamente

vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante “Termo de

Securitização de Direitos Creditórios”, emitidos por uma companhia securitizadora, do

qual constarão os seguintes elementos: I – identificação do devedor; II – valor nominal e

o vencimento de cada direito creditório a ele vinculado; III – identificação dos títulos

emitidos; IV – indicação de outras garantias de resgate dos títulos da série emitida,

quando constituídas.

Os créditos lastreados em títulos, como debêntures, decorrem de produtos

comercializados ou depositados em armazéns certificados por autoridades

governamentais. Trata-se da cessão de créditos relativos à produção agrícola, à criação

de animais, à produção de etanol, à produção de açúcar, à produção de café, à produção

de algodão, à produção de laranja etc.

Outro setor que tem acesso ao mercado de capitais é o insumo agrícola.

Algumas empresas acabaram emitindo CRA sobre a venda de fertilizantes e defensivos

45

com prazo fixado na safra por meio de duplicatas, que podem ser cedidas a uma

securitizadora para emissão do referido certificado.

As principais vantagens para as empresas do agronegócio são: acessar o

investidor do mercado de capitais e ter operação que não toma limite bancário, o que

propicia mais facilidade para novas captações de recursos no longo prazo.

Além disso, o CRA pode financiar o ciclo operacional do produtor por mais

de uma safra. Existem operações realizadas de até cinco anos.

Do ponto de vista do investidor, o CRA é um título do segmento de renda

fixa que promete rentabilidade atrativa, bem como isenção de imposto de renda para

pessoas físicas, conforme disposto no artigo 7.º da Lei Federal n.º 11.311/2006, que

introduziu o inciso IV no artigo 3.º da Lei n.º 11.033/2004.40

Após a descrição das modalidades de securitização, constrói-se

organograma geral das securitizadoras, identificando as partes envolvidas, as funções

exercidas por elas e as operações realizadas entre elas.

Realçamos inicialmente no item seguinte a distinção entre o processo de

securitização na prática e na teoria, contudo não evidenciamos implicações jurídicas que

pudessem permitir sua descaracterização.

1.4 Organograma geral da securitização

Buscando apresentar uma forma genérica de estrutura operacional da

securitização, independentemente da modalidade do ativo a ser securitizado, apontamos

o seguinte organograma, que será objeto de análise a seguir:

40

“Art. 3.º Ficam isentos do imposto de renda: [...]

IV – na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, a remuneração produzida por

Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos

Creditórios do Agronegócio – CDCA, Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e Certificado de

Recebíveis do Agronegócio – CRA, instituídos pelos arts. 1.º e 23 da Lei n.º 11.076, de 30 de

dezembro de 200.”

46

a) Como deve ser o processo de securitização

Observa-se que a aquisição do crédito pela securitizadora (3), com a

emissão do contrato de aquisição e do Termo de Securitização, possibilita a

securitizadora ir ao mercado buscar investidores (4) com a emissão de títulos e valores

mobiliários (debêntures), gerando fluxo financeiro (5) para remunerar os originadores

(6).

Essa é a forma-padrão do procedimento de securitização.

Denominamos de processo de securitização o conjunto de atos e relações

jurídicas que se formam entre devedor, originador, securitizadora e investidor,

considerados o mínimo necessário para se caracterizar a operação de securitização. Sem

esses atos e relações jurídicas mínimos apontados no organograma, não é possível

afirmar que ocorreu a securitização.

Vejamos a seguir como funciona na prática esse processo de securitização.

47

b) Como é na prática o processo de securitização

Note-se no organograma supra que os números 4, 5 e 6 estão em posições

distintas ao compararmos com o organograma disposto no item anterior.

Isso porque, na prática, as securitizadoras adquirem e recebem em cessão os

recebíveis, efetuam o pagamento aos originadores com o caixa próprio, para logo em

seguida emitirem as debêntures com lastreamento nos créditos adquiridos, recebendo, a

partir de então, os investimentos para recomposição do caixa.

Essa prática se dá em razão do tempo exigido pelos originadores para

monetizar os recebíveis de forma imediata. Diante disso, no momento da aquisição dos

recebíveis pela securitizadora, há a assinatura do contrato de compra e cessão entre

originador e securitizadora.

Todavia, a emissão do “Termo de Securitização”, em que se apontam os

devedores, o valor nominal de cada crédito que serviu de lastro, o número de registro do

48

ato em que o crédito foi cedido, a identificação dos títulos ou valores mobiliários

emitidos e as garantias, ocorre após o pagamento ao originador.

Em nosso entendimento essa mudança de fluxo operacional em nada

interfere no âmbito jurídico das securitizadoras, tendo apenas impacto de fluxo

financeiro ou caixa para a adquirente dos recebíveis, visto que os lastreamentos dos

créditos (recebíveis) com as respectivas emissões de debêntures, a emissão do Termo de

Securitização, o registro da entrada e saída do investimento são realizados e atendem

perfeitamente à legislação aplicável.

Assim, em nenhum momento a inversão do pagamento pela aquisição dos

recebíveis e lastreamento dos recebíveis desqualifica a operação ou serve de elemento

para descaracterizar o processo de securitização de ativos.

Ademais, a estrutura de uma securitizadora é variável em razão dos

objetivos e interesses nas operações.

Para entendermos como funciona a securitização, iniciemos pelas partes

envolvidas:

(i) Originador (ou gerador)

Pessoa jurídica que dá origem aos recebíveis cedidos às securitizadoras. O

originador detém inicialmente o direito sobre o fluxo de caixa oriundo do

financiamento, representado pelas parcelas do saldo devedor constituídas do valor

principal e juros.

Destaca-se no âmbito operacional que o originador dos recebíveis promove

a remoção do seu balanço dos ativos cedidos à securitizadora. Tais recebíveis passam a

fazer parte do balanço patrimonial da sociedade adquirente, após a cessão.

(ii) Companhia securitizadora (ou veículo)

Em regra, são sociedades anônimas de propósito específico, não financeiras,

que adquirem recebíveis dos originadores, colocando no mercado títulos ou valores

mobiliários correspondentes a esses recebíveis. São detentoras de um fluxo de caixa

49

composto por recebíveis, e deve manter controles sobre a forma e o volume de seus

ativos e passivos, segregando, principalmente, o risco da originadora.41

(iii) Investidores

São pessoas físicas ou jurídicas que possuem recursos financeiros

disponíveis para a aquisição dos títulos ou valores mobiliários emitidos pelas

securitizadoras, tornando-se beneficiários dos fluxos de pagamento de juros e principal

provenientes dos financiamentos que formam o lastro dos recebíveis.

(iv) Cliente, tomador dos recursos ou devedor

São pessoas físicas ou jurídicas que compram mercadorias, tomam serviços,

realizam locações ou contratam financiamento de bens imóveis, adquirem produtos

agrícolas, ou tomam empréstimos financeiros, entre outros exemplos, tornando-se

devedores perante o originador.

(v) Empresa de classificação de risco (agência de rating)

Para que a securitizadora emita títulos ou valores mobiliários no mercado

para lastrear os recebíveis adquiridos dos originadores é necessária em algumas

modalidades de securitização a classificação do grau de investimento, feita por

empresas de “classificação de risco”, denominadas agências de rating.

O rating é uma avaliação sobre a qualidade do investimento e o risco de

perda. Para Noronha Najjarian42

trata-se da “sopa de letrinhas” que expressa a

probabilidade de não pagamento ou pagamento de montante menor ou igual a 70% do

valor de face do investimento (default).43

Essas empresas de rating analisam as origens dos créditos, se esses

recebíveis são decorrentes de contratos cumpridos ou não pelo originador, se esses

41

CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.

p. 34. 42

NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier

Latin, 2010. p. 135. 43

Default no âmbito jurídico deve ser entendido como inadimplência (risco de não receber do devedor o

crédito securitizado).

50

contratos dependem de obrigações de terceiros, analisa-se o histórico do financiamento

aos clientes do originador e os reflexos da performance desses financiamentos, se houve

cobrança judicial, protesto, atrasos no pagamento dos débitos etc.

Outros critérios examinados pelas empresas de rating são a concentração da

carteira formada com os recebíveis, observando o fluxo de recebimentos de acordo com

a sazonalidade dos negócios, níveis de dependência de um cliente específico, atuação

regionalizada ou nacional etc.

São ainda objetos de análise pelas empresas de classificação de risco de

inadimplência setorial o prazo médio dos contratos securitizados, o perfil do cliente

devedor, o valor da dívida, entre outros critérios.

A partir da análise desses dados, as agências de classificação de riscos

atribuem notas a esses recebíveis que determinarão os custos de captação da própria

securitizadora e da originadora.

Atualmente, existem várias agências de classificação de riscos, sendo as

maiores e mais conhecidas a Fitch Ratings, Moody’s e Standard & Poor’s, chamadas de

The Big Three (as três grandes). Essas empresas detiveram em 2013, 2014 e 2015 95%

do mercado global de classificação de crédito.

Tais empresas, em geral, adotam as seguintes notas para fins de

classificação dos riscos dos créditos:44

44

Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Classifica%C3%A7%C3%A3o_de_cr%C3%A9dito>.

Acesso em: 9 mar. 2016.

51

Moody’s S&P Fitch

Longo

prazo

Curto

prazo

Longo

prazo

Curto

prazo

Longo

prazo

Curto

prazo

Aaa

P-1

AAA

A-1+

AAA

F1+

Prime

Aa1 AA+ AA+

Grau elevado Aa2 AA AA

Aa3 AA- AA-

A1 A+ A-1

A+ F1

Grau médio elevado A2 A A

A3 P-2

A- A-2

A- F2

Baa1 BBB+ BBB+

Grau médio baixo Baa2 P-3

BBB A-3

BBB F3

Baa3 BBB- BBB-

Ba1

Not

prime

BB+

B

BB+

B

Grau de não

investimento

especulativo

Ba2 BB BB

Ba3 BB- BB-

B1 B+ B+

Altamente especulativo B2 B B

B3 B- B-

Caa1 CCC+

C CCC C

Risco substancial

Caa2 CCC Extremamente

especulativo

Caa3 CCC- Em moratória com uma

pequena

expectativa de

recuperação Ca

CC

C

C

D /

DDD

/ Em moratória / DD

/ D

Essa estrutura, que exclui da operação o banco, é realizada entre o tomador

e o prestador de recursos, podendo ter um grau maior ou menor de sofisticação. O grau

maior seria a inserção de medidas de garantia em favor dos investidores.

Em princípio, pode-se afigurar uma desvantagem e causar aumento de custo

para a originadora dos recebíveis (cujo interesse é o que se busca atender pela

operação), mas, dependendo do valor envolvido, o aumento das garantias é diretamente

proporcional à redução do risco da emissão dos títulos. Essas garantias, por seu turno,

representam maior segurança aos investidores que, então, passam a aceitar o

52

recebimento de juros menores no resgate de seus títulos e a conceder prazos maiores

para o resgate.

Com as garantias, os investidores são atraídos para a operação e passam a

aceitar o recebimento de juros menores no resgate de seus títulos, concedendo ainda

prazos maiores para o resgate dos investimentos.

Considerando os juros fixados com os investidores e os prazos para o

resgate dos investimentos, a securitizadora consegue repassar à empresa originadora

recursos financeiros a um custo menor do aquele obtido junto aos bancos.

Assim, a originadora antecipa seu crédito (recebimento imediato dos valores

que somente ocorreria quando do vencimento de vendas e serviços), repassando esse

direito à securitizadora, que lastreia esses recebíveis adquiridos do originador em títulos

ou valores mobiliários adquiridos por investidores.

Entre os valores mobiliários adquiridos por investidores, as debêntures é a

forma mais viável de captação no mercado de capitais, para os fins de securitização de

recebíveis, em função de conferir aos seus titulares, exclusivamente, um direito de

crédito, cuja emissão tem para a sociedade emissora o mesmo objetivo de um contrato

de empréstimo a longo prazo.

As modalidades de créditos securitizados que adotam classificação de riscos

mais comum são os recebíveis decorrentes de ativos imobiliários, financeiros e

agrícolas, e dependem significativamente do montante envolvido na securitização.

(vi) Agente fiduciário

O agente fiduciário possui algumas atribuições no processo de securitização,

sendo responsável por: (i) supervisionar a liquidação dos títulos da carteira dos

recebíveis securitizados; (ii) representar os investidores, buscando garantir os direitos

destes; (iii) administrar o processo de securitização; e (iv) reportar, por escrito e

mediante relatórios, o desempenho da carteira de recebíveis aos investidores, além de

aludir à classificação das agências de rating etc.

53

Esse agente, muitas vezes, acaba não compondo o processo de securitização,

visto tratar-se de mais um custo operacional. No caso da securitização de créditos

imobiliários, por exemplo, sua participação é obrigatória, conforme determinado na

legislação, sendo dispensado no caso das securitizadoras de títulos e valores

mobiliários.

Em síntese, a securitização é uma forma importante de acesso ao mercado

de capitais, como meio de desintermediação bancária, submetendo à emissão de títulos

ou valores mobiliários lastreados em direitos creditórios, formando-se uma relação

jurídico-econômica- contratual sob o regime da compra e venda mediante a forma de

transmissão de obrigações por cessão, entre o originador do crédito e a sociedade

securitizadora, existindo previamente operação de compra e venda mercantil ou

prestação de serviços entre originador e o devedor do qual origina o recebível.

Com a transmissão da propriedade do recebível mediante cessão dos direitos

creditórios à securitizadora, esta emite títulos ou valores mobiliários lastreados nos

direitos creditórios, sendo adquiridos pelos investidores, que são remunerados após o

vencimento ou resgate desses, por meio da liquidação feita pelos devedores do crédito.

Com isso, a atividade de securitização permite a monetização imediata de

direitos creditórios pelos originadores e a diluição dos riscos quanto ao inadimplemento

com os investidores.

Após breve análise das modalidades de securitização e a identificação do

papel de cada parte envolvida na operação, com destaque ao originador, devedor,

securitizador, investidor, agência de rating e agente fiduciário, cumpre-nos realizar mais

um corte no sistema jurídico, com o objetivo de estreitar o estudo à modalidade de

securitização de títulos e valores mobiliários, como se observa no próximo capítulo.

54

2

A SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS:

MODALIDADE DE ATIVOS EMPRESARIAIS

Neste capítulo buscamos estudar todos os aspectos envolvendo a

modalidade de securitização de ativos empresariais, principalmente apontar as

distinções com as atividades de factoring, haja vista a indevida equiparação feita pelo

Poder Público dessa atividade com a faturização. Iniciemos pela identificação das regras

jurídicas incidentes para logo em seguida tratarmos da cessão dos direitos creditórios e a

forma de sociedade a ser adotada pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

2.1 Aspectos legais

Quanto ao aspecto legal das securitizadoras de ativos empresariais, como já

mencionado neste estudo, não há legislação específica tratando dessa modalidade. O

fundamento legal aplicável às operações de securitização de ativos empresariais se

alicerça em algumas regras jurídicas.

Como trabalhamos com um sistema jurídico que precisa dar respostas às

relações intersubjetivas, aplica-se a essa modalidade de securitização o disposto na Lei

n.º 9.514/1997, que trata da securitização de títulos imobiliários.

Outras regras jurídicas são utilizadas para complementar e reger essas

relações intersubjetivas que se formam nas operações de securitização, como ocorre

com o Código Civil brasileiro (Lei n.º 10.406/2002).

Especificamente em relação ao Código Civil, cumpre destacar a aplicação

dos artigos 481 a 504 (compra e venda) e 286 a 298 (cessão), objeto de estudo no

próximo item.

Além disso, sobre a securitização de ativos empresarias incidem a Lei das

Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/1976) e a Lei que trata das Sociedades de

Propósitos Específicos (Lei n.º 11.079/2004), analisadas em momento oportuno.

55

Se por um lado há uma instabilidade jurídica que sobrecarrega a adaptação e

aplicação de regras mais abrangentes, por outro, essa falta de especificidade de regência

normativa permite que partes envolvidas na securitização de recebíveis empresariais

possam agir com mais liberdade.

Essa liberdade encontra guarida no princípio do Direito Administrativo de

que é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe. Por seu turno, na Administração Pública só

é permitido fazer o que a lei autoriza.

São consideradas ainda regras aplicáveis à securitização de ativos

empresariais:

a) Lei n.º 4.595/1964: permite o Conselho Monetário Nacional a disciplinar

as cessões de crédito entre os operadores da securitização, conforme

dispõe seu artigo 9.º;

b) Lei n.º 6.385/1976: cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM),45

responsável pela fiscalização dos valores mobiliários emitidos por

sociedades anônimas;

c) Instrução CVM n.º 307/1999: permite que a companhia securitizadora

emita, para distribuição pública, debêntures simples;

d) Instruções CVM n.º 554/2014 e n.º 555/2014: regulamentação pela CVM

da constituição e funcionamento dos FIDC como veículos de

securitização (no Fundo existe a modalidade de FIDC Fomento, que se

trata de securitização de títulos mobiliários);

e) Instrução CVM n.º 408/2004: a CVM determinou que as entidades de

propósito específico consolidem seus balanços em casos específicos;

f) Instrução CVM n.º 480/2009: trata do registro de companhias

securitizadoras e das informações a elas pertinentes;

g) Resolução CMN n.º 2.907/2001: autoriza a constituição e funcionamento

do FIDC.

45

Autarquia federal em regime especial vinculada ao Ministério da Fazenda, que disciplina e fiscaliza o

mercado de capitais.

56

No âmbito tributário, podemos destacar a Lei n.º 9.718/1998 e o Decreto n.º

3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda).

Por fim, destaca-se que o Banco Central do Brasil possui entendimento de

que empresas constituídas para desenvolverem atividades exclusivamente de

securitização de ativos empresariais e negócios pertinentes não estão sujeitas à

aprovação dessa instituição.

2.2 A compra e a cessão de títulos ou valores mobiliários

A primeira operação a ser analisada que envolve a securitizadora é a

aquisição do direito creditório do originador. Decorrente de contrato de compra e venda,

o Código Civil brasileiro define a relação jurídica que se forma entre o originador do

crédito e a securitizadora como “um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de

certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.46

Nas lições de Carlos Gonçalves, no contrato de compra e venda que envolve

bens incorpóreos (cessão de créditos, cessão de direitos hereditários), a mais adequada e

correta tecnicidade seria utilizar a expressão “cessão”.47

Portanto, a despeito da boa técnica jurídica, é fato que a modalidade

contratual que envolve os direitos creditórios é a compra e venda, e um dos efeitos dessa

compra e venda para o vendedor é a transferência do domínio de certa coisa (direito

creditório) por meio da cessão, mencionada no Código Civil como meio de transmissão

das obrigações. O outro efeito, gerado para o adquirente, é pagar certo preço em

dinheiro.

A cessão de títulos mobiliários entre o originador e a securitizadora decorre

de contrato específico, com fundamento no artigo 286 do Código Civil brasileiro. Em

geral, qualquer crédito pode ser objeto de cessão, visto que suas características inerentes

de negociabilidade advêm dos direitos patrimoniais.

46

Artigo 481 da Lei n.º 10.406/2002. 47

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. 8. ed. São Paulo:

Saraiva, 2011. v. 3, p. 214.

57

No contrato de cessão a transmissão do direito é irrevogável e irretratável,

de modo que a securitizadora se torna a legítima titular do direito creditório.

A cessão do crédito decorrente do acordo de vontades entre duas partes

capazes é passível de ser realizada caso não se opuser à natureza da obrigação, à lei, ou

à convenção com o devedor, e a cláusula proibitiva de cessão não poderá ser aposta ao

cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento contratual.48

A despeito de o direito civil brasileiro tratar a cessão sob duas formas, a

título gratuito ou oneroso, no caso da securitização necessariamente a cessão é feita de

forma onerosa, visto que a atividade-fim da securitizadora decorre da compra de

recebíveis.

A onerosidade é elemento intrínseco à operação como um todo, pois o

objeto dessa operação é o dinheiro (o recebível) que um terceiro deveria pagar ao

originador, mas que foi cedido a uma securitizadora após a necessária

comunicação/notificação do devedor,49

sob pena de ineficácia. Essa, por sua vez,

converte esses recebíveis (créditos) em títulos ou valores mobiliários, que serão

adquiridos por investidores (pessoas físicas ou jurídicas).

Diante dessa aquisição, a securitizadora torna-se de forma definitiva a titular

dos créditos adquiridos, necessariamente. Trata-se de característica inerente ao processo

de securitização.

De forma pragmática, o mercado de securitização adota procedimento de

incluir, no próprio contrato que poderá ser cedido, cláusula de notificação do devedor de

que o crédito poderá ser objeto de securitização de recebíveis.50

Com isso, o devedor

fica notificado antecipadamente e expressa sua concordância.

Por fim, na cessão e transferência dos créditos à securitizadora, além das

garantias a serem fixadas em comum acordo entre as partes, a Lei n.º 11.101/2005 (trata

48

Artigo 286 do Código Civil. 49

Artigo 290 do Código Civil. 50

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 46.

58

de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência) traz em seu artigo 136, § 1.º,51

privilégio à cessão de ativos realizada para uma securitizadora em relação aos riscos de

eventual Recuperação Judicial.

Com isso, no tocante à falência da sociedade originadora no processo de

securitização, a cessão dos créditos objeto da securitização não será considerada

ineficaz, na hipótese de se ajuizar ação revocatória com o intuito de revogar atos

praticados pelo originador ao prejudicar credores da empresa falida.

Diante disso, a atividade de securitização, em razão de envolver recursos de

terceiros mediante emissão de debêntures lastreadas nos recebíveis, acaba por ter

tratamento privilegiado com garantia, o que já não ocorre com as factorings.

Cumpre-nos analisar no próximo item a forma societária adotada pelas

securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

2.3 A sociedade de propósito específico (securitizadora)

As securitizadoras são sociedades de propósitos específicos, nos termos

definidos na Lei n.º 11.079/2004, com objetivo social restrito à atividade de aquisição

de ativos e emissão de títulos ou valores mobiliários. Portanto, as securitizadoras

possuem duas funções essenciais e específicas: comprar os recebíveis e emitir títulos ou

valores mobiliários lastreados no direito creditório.

Considerando que a operação de securitização decorre necessariamente da

conversão de recebíveis em lastro para emissão de títulos ou valores mobiliários que

serão subscritos por investidores, o tipo societário dessas empresas deverá ser a

51

“Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partes retornarão ao

estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao

devedor.

§ 1.º Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado

o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo

securitizador. [...].”

59

sociedade anônima,52

sendo regida pela Lei n.º 6.404/1976 e pela Instrução CVM n.º

480/2009.53

Essa forma de sociedade decorre necessariamente das características da

sociedade de propósito específico, em virtude da possibilidade da emissão e negociação

de valores mobiliários por ela emitidos em bolsa de valores.

A sociedade anônima securitizadora poderá adotar a espécie de sociedade

aberta ou fechada. Na companhia aberta, a securitizadora emitirá seus valores

mobiliários no mercado de capitais com o devido registro na CVM,54

a fim de captar

recursos dos investidores. Com isso, aumenta a perspectiva de obtenção de recursos no

mercado.

A securitizadora poderá ainda adotar a emissão privada de valores

mobiliários, bastando, para tanto, assumir a forma de sociedade anônima.

Diante disso, cumpre-nos, a partir dos elementos trazidos até agora no

presente estudo, apresentar organograma específico das securitizadoras de títulos e

valores mobiliários, que contempla o fluxo operacional e financeiro do processo de

securitização.

52

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 47. 53

“Art. 1.º A negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados, no Brasil, depende de

prévio registro do emissor na CVM:

[...]

§ 2.º O emissor de valores mobiliários deve estar organizado sob a forma de sociedade anônima, exceto

quando esta Instrução dispuser de modo diverso.” 54

“Art. 4.º Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários

de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.

§ 1.º Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores

Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.”

60

2.4 Organograma operacional específico

2.5 Distinções com as factorings

Antes de adentrarmos nas distinções entre as securitizadoras e as factorings,

devemos analisar a faturização, de maneira a conhecer esse instituto de direito privado

largamente praticado no Brasil.

Nos termos do artigo 15, III, “d”, da Lei n.º 9.249/1995, factoring consiste

“em aquisição de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de

prestação de serviços”.55

Segundo Arnoldo Wald,56

o contrato de factoring consiste na aquisição, por

uma empresa com propósito específico, de créditos faturados por uma pessoa jurídica

55

A referida definição é considerada pela doutrina e jurisprudência como incompleta. 56

WALD, Arnoldo. Direito civil brasileiro Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1959. v. 2, n. 235,

p. 466.

61

que exerce a atividade de comércio ou prestação de serviços, sem direito de regresso

contra ela. Com isso, a empresa de factoring assume o risco da cobrança e,

eventualmente, da insolvência do devedor, recebendo uma remuneração, ou realizando a

aquisição dos créditos com deságio.

Para Waldirio Bulgarelli, a operação de factoring é tratada como

[...] mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de

recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que

se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos

(convencional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity

factoring); obriga-se, contudo, a pagá-los mesmo em caso de

inadimplemento por parte do devedor da empresa.57

Carlos Gonçalves leciona que o faturizador, empresa de factoring,

desempenha três funções:

a) garante os créditos, submetendo-se ao pagamento da aquisição do

crédito, mesmo na hipótese de insolvência dos devedores do recebível,

salvo disposição em contrário no contrato; b) administra os créditos da

fazenda faturizada, opinando sobre os devedores duvidosos e

providenciando a cobrança; e c) financia o faturizado, quando sub-

rogando-se nos direitos creditícios do cedente por força do endosso ou

da cessão de direito civil.58

Destaca-se que as empresas de fomento mercantil ou factorings são

sociedades personificadas que atuam na prestação cumulativa e contínua de serviços de

assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração

de contas a pagar e a receber, conjugado com a compra total ou parcial de direitos

creditórios.

Já a securitizadora de títulos e valores mobiliários tem como objetivo social

apenas a aquisição e securitização de ativos empresariais. Sendo a securitizadora uma

companhia de propósito específico, não pode ela exercer outra atividade senão,

exclusivamente, a de seu objeto social. Não pode ela prestar serviços de qualquer

natureza, incluindo nessa proibição o pagamento a terceiros do produto oriundo de uma

57

BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 541. 58

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. 8. ed. São Paulo:

Saraiva, 2011. v. 3, p. 702-703.

62

operação de securitização. Caso adote a prestação onerosa de serviços, estará exercendo

a atividade de factoring.

As duas semelhanças entre essas atividades se dão na forma como os ativos

empresariais são adquiridos, ou seja, ambas adquirem ativos com fluxo de recebimento

futuro, por um valor presente determinado por um deságio, e os recebíveis advêm de

títulos de créditos idênticos, como duplicatas, cheques, notas promissórias etc. No mais,

os objetos e as finalidades são distintos.

De forma pontual, é possível traçar quadro de distinções como segue:

FACTORING SECURITIZAÇÃO

Geralmente constituída sob forma sociedade de

quotas de responsabilidade limitada.

Obrigatoriamente constituída sob forma

de sociedade anônima, tratando-se de

sociedade de propósito específico.

Firma contrato de fomento mercantil. Firma contrato de compromisso de cessão

de recebíveis empresariais, responsável

solidário e outras avenças.

Empresa cliente apresenta títulos de crédito

resultantes de suas vendas a prazo.

Os títulos de créditos recebíveis são transferidos

por endosso pleno em preto,59

que se aperfeiçoa

com a tradição dos títulos.

As operações são formalizadas por um “Termo

Aditivo” em que constam: a discriminação dos

títulos de crédito pelo seu valor de face, o valor

da comissão cobrada pelos serviços, o valor

resultante da aplicação do fator de compra e o

reembolso das despesas relativas à cessão, as

quais eram de responsabilidade da contratante,

tais como tarifas bancárias, avisos e sustações

de protestos, registro de contratos, despesas de

correio, autenticações de documentos, serviço

de malotes e outros que se façam necessários,

A securitizadora recebe os recebíveis

empresariais, endossados e assinados,

relaciona-os no documento denominado

“Declaração de Recebimento”, especifica

o valor do deságio, negociado para cada

operação, deduz eventuais solicitações de

baixa e paga o valor líquido ao cedente

(originador), por meio de DOC, TED ou

cheque nominal, sempre diretamente ao

cedente.

Os títulos de créditos recebíveis são

cedidos e transferidos por endosso pleno

em preto, que se aperfeiçoa com a

tradição dos títulos. As partes podem

ainda convencionar a cessão de direitos

creditórios que não estejam representados

59

Aquele em que se deve indicar o nome do beneficiário (endossatário).

63

solicitados e/ou pactuados entre as partes.

O pagamento será ao cedente ou a sua ordem,

considerando os serviços prestados.

por títulos de crédito, ou seja, contratos de

fornecimento para entrega futura de

produtos, mercadorias ou serviços

(negócios a performar). Para este caso a

negociação se dará por meio de “Termo

Aditivo”, pelo qual o cedente relaciona

seus créditos futuros e se compromete a

cedê-los à securitizadora quando da

possibilidade de emissão de título de

crédito, dando geralmente garantia para o

negócio.

No caso de inadimplemento do título endossado,

a factoring assume o risco, isentando a empresa

cliente, podendo cobrar apenas o sacado. Não há

o direito de regresso.

Não há constituição de garantia, o título de

crédito por si só perfectibiliza a operação.

Contém cláusula específica identificando

que a cessão e a transferência, por meio

de endosso pleno, são feitas com cláusula

de responsabilidade do originador cedente

pela solvabilidade do crédito, assumem

toda e qualquer responsabilidade relativa

à existência, veracidade, legitimidade dos

títulos, inclusive, pelos vícios redibitórios

dos títulos de crédito e dos ativos cedidos,

incluindo aqueles relacionados a casos

fortuitos ou de força maior. Regida pelo

Código Civil. Há direito de regresso. Pelo

inadimplemento serão responsáveis o

originador cedente/responsáveis solidários

e sacado (quando houver), tendo em vista

o instituto da cessão. Pode haver

constituição de garantia atrelada a uma

operação específica ou ao contrato como

um todo, negociada entre as partes.

A factoring realiza prestação de serviço e de

maneira cumulativa compra os títulos de crédito

de seu interesse, cobrando para tanto um fator

de compra, ajustado entre as partes. Os serviços

prestados são:

Acompanhamento do processo

A securitizadora analisa risco do negócio

com relação aos originadores cedentes

e/ou sacados para si própria. Aprovada a

operação (títulos performados e/ou

contratos futuros), combina valor de

deságio para securitização dos recebíveis.

64

produtivo ou mercadológico;

Seleção e avaliação dos devedores e dos

fornecedores;

Cobrança extrajudicial das contas a

receber;

Acompanhamento das contas a pagar;

Disponibilização dos valores das

operações diretamente a fornecedores ou à

ordem do cliente.

Para tanto, emite Nota Fiscal de Prestação de

Serviços no valor ajustado entre as partes.

Realiza o pagamento somente ao cedente

e recebe endossados os títulos, ou

assinado o Termo Aditivo (contratos

futuros).

Todos os recebíveis empresariais

adquiridos pela companhia securitizadora

deverão estar devidamente securitizados e

vinculados, ou em lastro e garantia de um

termo específico, ou em lastro e garantia

acessória de todos os termos já emitidos e

em vigor.

Dessa forma, o recebimento de um ativo

(título), constante de um anexo, vinculado

a um determinado “Termo de

Securitização”, enseja sua imediata

reposição, mediante a aquisição de novos

ativos (títulos), os quais serão

relacionados em um novo anexo, que,

adicionado aos ativos (títulos) vincendos e

constantes do anexo original servirão para

repor o lastro das debêntures daquele

termo, já emitidas e negociadas.

Não há securitização, sem a vinculação

dos ativos adquiridos, aos valores

mobiliários emitidos, pois a esse vínculo é

que denominamos securitização.

A respeito das distinções entre securitização e factoring, Eurico de Santi60

elabora o seguinte quadro comparativo:

60

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 21-25.

65

Factoring Securitização

Destinação dos Créditos

Recebíveis Comerciais

Formação de Carteira Própria

(Captação de Recursos)

Conversão em lastro para emissão de

debêntures ou ações (Fontes de

Financiamento)

Tipo de Atividade Prestação de Serviços Comércio

Forma de Contrato Fomento Mercantil Termo de Securitização

Tipo de Organização

Societária Limitada ou Anônima Sociedade por Ações

Normatização Lei 8.981/1995 Lei 11.079/2004

CNAE 6.491-3 6.492-1

Direito de Regresso contra o

Originador Não Sim

Constituição de Garantia Não há Pode haver

Representatividade Anfac e Febrafac Ansae

Ao comentar ambos os quadros comparativos, sendo o primeiro elaborado

por nós, Eurico de Santi entende que factoring e securitizadoras são diametralmente

distintas, apresentando diferenças nos âmbitos operacional, formal, econômico e

jurídico, conforme se observa a seguir:

a) No âmbito operacional, a aquisição de recebíveis comerciais para

uma securitizadora tem como destino a formação de lastro para

emissão de valores mobiliários no mercado de capitais

(materializando-se em debêntures ou ações), enquanto a factoring

capta recursos para formação de carteira própria;

b) A factoring é uma prestadora de serviços, dentre eles,

acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico; seleção e

avaliação dos devedores e dos fornecedores; cobrança extrajudicial de

contas a receber; acompanhamento de contas a pagar e

disponibilização dos valores das operações diretamente a fornecedores

ou a ordem de cliente. Emite, para essas operações, Nota Fiscal de

Prestação de Serviços. A securitizadora, por sua vez, tem a sua

atuação ligada à atividade comercial ao comprar e revender ativos

empresariais;

c) A forma dos contratos delimita sua atipicidade. Uma factoring

trabalha com contratos de “Fomento Mercantil” enquanto uma

securitizadora deve apresentar o “Termo de Securitização” para

realização de sua atividade, o que inclui características do papel,

fatores de risco e declarações e obrigações das partes;

66

O tipo de organização societária a partir da qual se alicerça uma

securitizadora necessariamente deve ser Sociedade por Ações,

enquanto em uma factoring, geralmente, é em forma de sociedade

com responsabilidade limitada;

d) As atividades de securitização são reguladas e normatizadas pela

Comissão de Valores Mobiliários e pelo Banco Central do Brasil,

enquanto as atividades de uma factoring não possuem tal supervisão e

autorização para o seu funcionamento. Atividade milenar, o factoring,

no Brasil, é legalmente reconhecido pela Lei 8.981, de 20.01.1995, a

Resolução Bacen 2.144, de 22.02.1995, e a Circular 2.715, de

28.08.1996,61 reconhecendo definitivamente a tipicidade jurídica

própria e delimitando a área de atuação da sociedade de fomento

mercantil que não pode ser confundida com a das instituições

financeiras, autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que

têm por objeto a coleta, intermediação e aplicação dos recursos de

terceiros no mercado62 (art. 17 da Lei 4.594 de 31.12.1964 e arts. 1.º e

16 da Lei 7.492/1986). A sociedade de securitização é organizada em

Sociedades de Propósito Específico (SPE), definidas pela Lei n.º

11.079/2004, regidas pela Lei n.º 6.404/1976 e amparadas pela Lei n.º

9.514/1997, Lei n.º 9.718/1998 e no Decreto n.º 3.000/1999 –

Regulamento do Imposto de Renda;

e) A própria Receita Federal reconhece a distinção das atividades

através da Classificação Nacional de Atividade Econômica:63 a

atividade de factoring possui CNAE 6.491-3, ao passo que para as

empresas de securitização de crédito é reservado o CNAE 6.492-1;

f) No caso de inadimplemento do título endossado, a factoring assume

o risco, isentando o Originador, podendo cobrar apenas o sacado. Não

há, portanto, direito de regresso. No “Termo de Securitização”, existe

cláusula específica identificando que a cessão e transferência do

crédito, através de endosso pleno, é feita com responsabilidade do

Originador pela solvabilidade deste crédito, assumindo este toda e

qualquer responsabilidade relativa à existência, veracidade e

legitimidade dos créditos. Caracteriza-se, portanto, coobrigação do

originador para com o ressarcimento dos recebíveis resultando em

direito de regresso;

g) Não há constituição de garantia em uma atividade típica de

factoring, sendo que o título de crédito por si só perfectibiliza a

operação. Nas operações de uma securitizadora pode haver

constituição de garantia atrelada a uma operação específica ou ao

contrato como um todo, negociada entre as partes;

h) Em termos de representatividade, as empresas de factoring e de

securitização de créditos mobiliários se congregam sob os auspícios

da Anfac – Associação Nacional de Factoring e da Febrafac –

Federação Brasileira das Empresas de Factoring. A atividade de

61

Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n.º 13, de 2007. 62

Eurico Marcos Diniz de Santi. Parecer jurídico, apud FALCÃO, Guilherme Jurema. Legislação que

regula as empresas de fomento mercantil (“Factoring”) no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados,

2001. 63

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

67

securitização de créditos mobiliários encontra partido na Ansae –

Associação Nacional das Securitizadoras de Ativos Empresariais.

Coincidem-se apenas quanto aos títulos de crédito adquiridos. Entretanto,

todo o restante da operação, assim como os aspectos formais, econômicos e jurídicos,

são distintos.

Nesses termos, em relação às factorings, podemos apresentar o seguinte

organograma operacional, muito mais simples e distinto daquele em relação às

securitizadoras:

2.6 A recompra dos direitos creditórios

Outra distinção que se pode apontar entre securitizadoras de títulos e valores

mobiliários é a cláusula de recompra dos direitos creditórios pelo originador na hipótese

de inadimplemento do devedor.

O Código Civil atual prescreve em seu artigo 295 que, “na cessão por título

oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela

existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade cabe nas

cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé”.

68

O artigo 296 do mesmo diploma legal prescreve que: “salvo estipulação em

contrário, o cedente não se responsabiliza pela solvência do devedor”.

Isso quer dizer que o cedente (originador) somente se responsabiliza pela

existência dos créditos cedidos, e, não existindo estipulação em contrário em cláusula

contratual, não se responsabiliza pelo pagamento dos mesmos. Nesse caso, o

cessionário assume o integral risco do recebimento do crédito na operação.

É muito comum encontrar nos contratos de cessão de recebíveis cláusulas

tratando da retrocessão dos créditos vencidos e não pagos, em que o cedente

(originador) responde pela existência do crédito, oferece uma garantia em face do risco

de inadimplência dos créditos cedidos, de forma que os créditos vencidos e não pagos

sejam “recomprados” pela cedente (originador).

Na maioria das operações, de forma a evitar desembolso monetário, o

originador substitui os créditos devolvidos por outros, sub-rogando-se no direito de

cobrar os devedores originais.64

Essa prática é válida e vem sendo adotada pelas securitizadoras de títulos e

valores mobiliários.

Como bem menciona Eurico de Santi,65

[...] [no] Termo de Securitização, existe cláusula específica

identificando que a cessão e transferência do crédito, através de

endosso pleno, é feita com responsabilidade do originador pela

solvabilidade deste crédito, assumindo este toda e qualquer

responsabilidade relativa à existência, veracidade e legitimidade dos

créditos. Caracteriza-se, portanto, coobrigação do originador para com

o ressarcimento dos recebíveis resultando em direito de regresso.

Nos contratos de factoring, a recompra de títulos é vedada justamente por

ser aspecto inerente a esse tipo de contrato e, principalmente, para evitar a

caracterização de atividade de instituição financeira.

64

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 78. 65

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 24.

69

Essa é uma justificativa para os juros praticados serem maiores do que o

mercado bancário, como forma de cobrir os riscos e efeitos da inadimplência, que são

assumidos unicamente pela factoring na liquidação dos títulos de crédito.

Gaggini66

destaca a diferença entre factoring e securitizadora, afirmando

que não é cabível o regresso do faturizador contra o faturizado em função da

inadimplência dos devedores, de modo que o faturizado assume o risco de

inadimplência. Já na securitização, embora haja cessão de recebíveis para a

securitizadora, por força de lei, não havendo o vínculo da cedente quanto ao pagamento

dos créditos inadimplidos, é possível estipular coobrigação da cedente, o direito de

retrocessão dos créditos não pagos ou outra forma que garanta o pagamento dos

recebíveis transferidos. No factoring, a proibição do direito de regresso é aspecto

essencial do contrato, não podendo ser pactuada disposição ao contrário, sob pena de

caracterização de prática de atividade privativa de instituição financeira.

Essa diferenciação fica clara nas descrições de Natalia Chaves, quando

afirma que,

[...] ao contrário do que se sucede na securitização, em que é possível

estabelecer-se a coobrigação da cedente, no factoring o faturizador

não pode agir regressivamente contra o faturizado, responsabilizando-

se integralmente pelos riscos de inadimplência. Exceção à regra é a

situação em que as expectativas do faturizador são frustradas por ato

imputável ao próprio faturizado, responsável pela existência do

crédito ao tempo da cessão [...]. Nota-se, pois, que, apesar das

semelhanças, a securitização de créditos e o conventional factoring

são negócios jurídicos distintos, não se justificando o enquadramento

de ambos na mesma categoria.67

O Superior Tribunal de Justiça, ao transcrever como parte integrante do

acórdão sentença proferida nos autos de ação judicial, acolheu a tese de que não pode

ser previsto o pacto de recompra para a atividade de factoring. Em outra decisão, essa

mesma Corte menciona a doutrina e a vedação ao direito de regresso do faturizador em

relação ao faturizado. Vejamos:

66

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 76-78. 67

CHAVES, Natalia Cristina. Direito empresarial. Securitização de crédito. Belo Horizonte: Del Rey,

2006. p. 71-76.

70

O objetivo principal de uma sociedade de factoring consiste na

compra de direitos oriundos do faturamento de uma empresa –

denominada cedente – a qual se formaliza por um instrumento de

cessão de crédito pro soluto, em caráter definitivo, sem a criação,

portanto, de obrigações passivas, ou seja, exigibilidades para a

cedente. Desse modo, a transferência dos títulos representativos dos

direitos creditórios para a empresa de fomento – o factor – se dá

mediante endosso pleno em preto, ficando o cedente responsável tão

somente pela existência do crédito, ao tempo da cessão, sem a

subsistência de qualquer vinculação com a obrigação que deu origem

aos títulos.68

***

[...] A doutrina vem firmando entendimento de que atribuir ao

faturizador direito de regresso perante o faturizado, nos casos em que

não lograr êxito na cobrança dos títulos, equivale a equiparar a

atividade de factoring àquela desempenhada pelas instituições

financeiras quando firmam com seus clientes contrato de desconto de

títulos, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, já que as

sociedades que desempenham atividade de fomento mercantil não

integram o sistema financeiro nacional.69

Portanto, a cláusula de recompra dos créditos pelo originador pode70

ser

mencionada em contratos de securitização, sendo vedada nos contratos de factoring.

2.7 Distinções com o desconto bancário

Outra atividade que merece ser analisada para fins de distinção com a

securitização e com o factoring, como forma de afirmar que não se trata de atividades

idênticas, é a praticada por bancos nos contratos de desconto bancário.

O desconto bancário é um contrato pelo qual o banco antecipa ao

interessado, geralmente uma empresa comercial, o valor correspondente de títulos de

crédito a vencer, mediante prévio abatimento de sua remuneração.

68

STJ, 6.ª Turma, Recurso em Habeas Corpus (RHC) n.º 6.394/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ

30.06.1997, p. 31083. 69

STJ, 3.ª Turma, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AREsp) n.º 150307/SC, Rel.

Min. Sidnei Beneti, DJe 02.05.2013. 70

Entenda-se como uma faculdade a inclusão dessa cláusula contratual.

71

A definição de desconto bancário surgiu no art. 1.858 do Código Civil

italiano, que o define como um contrato pelo qual o banco (descontador) antecipa ao

cliente (descontário) o valor de um crédito contra terceiro, ainda não vencido, de que se

fez cessionário, deduzindo desse valor a importância correspondente às despesas e juros

pelo espaço intercorrente desde a data à sua antecipação.

De acordo com o autor Sérgio Covello,71

desse contrato destacam-se cinco

características fundamentais:

1. Trata-se de um contrato de natureza creditícia, tendo sempre por

objeto um crédito contra terceiro ainda não vencido;

2. Aperfeiçoa-se com a transmissão efetiva do crédito ao Banco;

3. O Banco torna-se proprietário do crédito por meio da cessão,

quando se trata de crédito simples, ou endosso;

4. A cessão do crédito não é plena, pois o Banco não suportou o não

pagamento do crédito. Se, a época do vencimento, o crédito não é

pago pelo terceiro devedor principal, o Banco tem o direito de pleitear

junto ao descontário a cobrança seja por via bancária ou ação causal

ordinária; e

5. Há sempre a dedução prévia de encargos.

Para Orlando Gomes, trata-se de um “contrato por via do qual a instituição

financeira, descontando antecipadamente juros e despesas da operação, empresta à outra

parte soma de dinheiro, correspondente, de regra, a crédito deste, para com terceiro,

ainda não exigível”.72

O mais comum é o desconto de duplicatas. O cliente endossa a duplicata

para o banco, que se torna titular do crédito que esses títulos incorporam. O banco, por

sua vez, paga ao cliente, na data do endosso, o valor da duplicata, abatendo suas taxas

de juros pelo adiantamento.

No vencimento, o banco cobra a quantia designada no título do sacado e fica

com a integridade do valor. Em caso de inadimplemento do sacado, o valor adiantado é

cobrado do cliente, que recebe o título de volta (direito de regresso do banco).

71

COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4. ed. São Paulo: Leud, 2001. p. 238. 72

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 330.

72

Gaggini73

entende que o contrato de desconto bancário possui semelhança

com a operação de securitização de recebíveis, visto que em ambos os casos os

detentores do direito creditório a vencer buscam antecipar o recebimento do valor,

transferindo esse direito de recebimento na data do vencimento a terceiros. A despeito

da existência dessa semelhança, o jurista entende que as operações apresentam diversas

diferenças, entre as quais:

a) Custos são maiores na operação de securitização de recebíveis, em

razão da constituição da sociedade e da emissão dos títulos

mobiliários, o que pressupõe volumes elevados de negócios para diluir

o custo da operação. Já o desconto bancário permite antecipação de

pequenos valores, envolvendo uma operação mais simples, apenas a

emissão de um contrato com o banco;

b) As taxas de juros dos bancos são maiores que as taxas praticadas

pelas securitizadoras de recebíveis;

c) A securitização de recebíveis é uma forma de acesso ao mercado de

capitais, aumentando a sua base de investidores, ao contrário do

desconto bancário, cujos recursos disponibilizados, em geral, são de

curto prazo;

d) Na securitização de recebíveis, o originador pode transferir o risco

dos créditos integralmente a terceiros, caso não exista alguma

retrocessão, coobrigação ou vinculo do cedente ao pagamento dos

créditos, sendo que no desconto bancário, o cedente é o responsável

pelo pagamento dos créditos, sendo uma faculdade do banco em

cobrar o cedente na hipótese de inadimplência dos devedores;

e) No desconto bancário, usualmente os bancos descontam somente

créditos representados por títulos de crédito, chamado de “descontos

de duplicatas” ou “descontos de títulos”. Já na securitização de

recebíveis costuma envolver diversas espécies de créditos, de diversas

naturezas;

f) As partes envolvidas nas operações de desconto bancário são o

banco, o cliente (cedente) e o devedor dos créditos cedidos. Na

securitização de recebíveis, as partes envolvidas nas operações são a

originadora do crédito, a securitizadora, os devedores dos créditos e os

investidores;

g) Por fim, operação de securitização é um meio de permitir a

segregação dos riscos dos créditos para posterior repasse aos

investidores, que de forma indireta se tornarão os titulares destes

recebíveis, já nas operações de desconto, o banco não repassa os

créditos a terceiros, sendo ele o cessionário definitivo, reservando-se o

direito de cobrar o cedente em caso de inadimplemento pelo devedor.

73

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 81-84.

73

Com isso, as distinções entre desconto bancário e securitização apresentam

semelhanças, porém os objetivos, partes, formas e estrutura operacional são diferentes.

A semelhança que podemos apontar entre essas operações seriam a forma e

os direitos creditórios (recebíveis com vencimentos futuros), restrito no caso dos

descontos bancários.

Esse mesmo apontamento é possível fazer em relação às factorings, que têm

a semelhança em razão do crédito adquirido, mas que possuem profundas e nítidas

distinções com a securitização.

Assim, semelhanças não são identidades. Wittgenstein há tempos lecionava

em relação à linguagem e a sua forma lógica que “semelhança e parentesco não é

identidade. A semelhança não envolve uma propriedade comum invariável. Ao dizer

que uma coisa é semelhante a outra coisa, não estou de forma alguma postulando a

identidade entre ambas”. 74

Por não envolver operações idênticas, a securitizadora e o factoring não

poderiam ser considerados iguais ou equivalentes em razão da forma de aquisição e de o

direito creditório decorrer de títulos de crédito. Essa é a mesma conclusão a que se

chega em relação ao factoring, ao desconto bancário e à securitizadora. Há semelhanças

sim, mas estão restritas até o momento da aquisição do direito creditório e se esgotam

nesse momento, inclusive sequer se pode falar em identidade envolvendo os

adquirentes, visto que são pessoas jurídicas completamente distintas (factoring, banco e

securitizadora).

Essas considerações serão a premissa para impugnarmos a validade e o

conteúdo do Parecer Normativo n.º 05/2014, editado pela Receita Federal do Brasil, no

Capítulo 4.

Diante disso, cumpre-nos partir, no próximo capítulo, para a análise das

incidências e não incidências tributárias sobre as securitizadoras de títulos e valores

mobiliários, destacando eventuais discussões jurídicas que envolvem o IRPJ, a CSLL, o

74

CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. Belo Horizonte: Faculdades

Integradas Newton Paiva, 1998. p. 92.

74

PIS e a Cofins, para em seguida adentramos nos regimes jurídicos de apuração e

recolhimento desses tributos nas sistemáticas do lucro real e lucro resumido, chegando

ao objetivo do presente trabalho.

75

3

A TRIBUTAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E

VALORES MOBILIÁRIOS

Neste capítulo analisaremos a tributação das securitizadoras de títulos e

valores mobiliários, necessitando de outro corte no sistema jurídico, limitando nossa

análise jurídico-científica ao campo das incidências do IRPJ, da CSLL, do PIS e da

Cofins, inicialmente, e da não incidência do IOF e do ISSQN ao final.

3.1 Objetivos e meios utilizados na análise dos tributos

A metodologia adotada neste estudo implica tratar dos aspectos

constitucionais e legais dos tributos, apontando os princípios incidentes, a doutrina que

cuida de inconstitucionalidades e ilegalidades quanto aos aspectos da incidência

tributária.

Partimos da Teoria geral do direito tributário de Paulo de Barros Carvalho,

renomado jurista, para investigar as incidências tributárias sobre as atividades das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Adotando o marco jurídico desse cientista do direito com a criação de

esquema lógico-semântico da regra-matriz de incidência tributária, buscamos construir

de maneira objetiva as referidas normas gerais e abstratas que tratam do IRPJ, da CSLL,

do PIS e da Cofins.

A construção da regra-matriz de incidência é uma forma precisa e lógica de

se estudarem determinados tributos, permitindo conhecer a sua estrutura mínima e

completa, de forma a vislumbrar a incidência da norma sobre determinado fato do

mundo fenomênico.

Apresenta verdadeiro esquema lógico-semântico, que revela conteúdo

normativo, podendo ser utilizada na construção de qualquer norma jurídica em sentido

estrito.

76

Sua construção é obra do cientista do direito e apresenta compostura própria

dos juízos hipotético-condicionais. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que

se conjuga um mandamento, uma consequência normativa.

As regras-matrizes de incidência tributária são classificadas como gerais e

abstratas, constituídas por um antecedente e um consequente com elementos mínimos,

com a mesma estrutura sintática inerente a toda norma jurídica.

A fenomenologia da incidência tributária caracteriza-se pelo efeito de

jurisdicizar o fato descrito no antecedente da norma jurídica. Com isso, constatada a

ocorrência fática da hipótese tributária, a norma incide.

Essa incidência da norma geral e abstrata em relação ao fato concreto se dá

pela subsunção, operação lógica que ocorre entre linguagem de níveis diferentes.

O processo de subsunção se dá entre o conceito fato e o antecedente da

norma geral e abstrata, por meio da inclusão da classe do fato à classe descritiva do

antecedente normativo. Com isso, o processo resulta no nascimento de uma norma

individual e concreta, por meio da norma geral e abstrata.

Na expressão “regra-matriz” utiliza-se o termo “regra” como sinônimo de

norma jurídica, decorrente da construção feita pelo intérprete que faz uso dos textos

legais; já o termo “matriz” traz o significado de modelo uniforme sintático e semântico

na construção da norma.

Os critérios da regra-matriz de incidência tributária são formados por um

conjunto de propriedades denotativas, e a construção da regra no caso dos tributos

incidentes sobre as atividades das securitizadoras mostra-se relevante na medida em que

identifica os elementos definidores da incidência da norma geral e abstrata sobre os

fatos concretos, de forma que se permita o nascimento do fato jurídico tributário.

Como bem leciona Paulo de Barros Carvalho,75

as regras jurídicas são as

significações que a leitura do texto desperta em nosso espírito, e nem sempre coincidem

com os dispositivos legais. Para a compreensão da norma, caberá ao intérprete fazer

75

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 305.

77

incursões pelo sistema, isto é, recorrer a diversos textos de lei, buscar entre os diferentes

diplomas normativos a integridade existencial da norma.

Na construção dos conceitos conotativos dessa norma jurídica, no

antecedente ou hipótese, estarão presentes (i) um critério material (delineador de

comportamentos intersubjetivos); (ii) um critério temporal (condicionador da ação no

tempo); e (iii) um critério espacial (identificador do espaço na ação). No consequente ou

tese, haja vista a sua bipartição, estarão presentes (iv) um critério pessoal (identificador

dos sujeitos passivo e ativo da relação jurídico-tributária); e (v) um critério quantitativo

(constituído por base de cálculo e alíquota).76

É fato que a formação dos critérios material, temporal, espacial (previstos

do antecedente da regra-matriz) e os critérios pessoal e quantitativo (previstos no

consequente da regra-matriz) necessitam de outras regras trazidas no ordenamento

jurídico brasileiro.

Esse processo de identificação dos elementos que formarão a regra-matriz

de cada tributo será apontado a seguir, partindo do texto constitucional, passando pelo

Código Tributário Nacional e por leis ordinárias editadas pela União Federal. Todo esse

processo é construído pelo hermeneuta, no âmbito normativo hipotético condicional,

apresentando uma linguagem no plano da abstração cujo objeto será a reunião de textos

normativos editados pelo legislador.

Não temos a intenção de esgotar as eventuais discussões jurídicas que

envolvem seis tributos a seguir analisados. O escopo deste estudo é apenas identificar as

incidências e não incidências sobre as atividades das securtizadoras de títulos e valores

mobiliários e construir as regras-matrizes, que facilitam a identificação das normas

gerais e abstratas que incidem sobre os fatos jurídicos por elas praticados.

76

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-

semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 375.

78

3.2 Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)

Nas atividades de securitização de títulos e valores mobiliários, quando se

auferem receita e lucro, ocorrerá a incidência de tributos. Iniciaremos o estudo da

incidência tributária pelo IRPJ.

O imposto sobre a renda possui no artigo 153, III,77

da Constituição Federal

de 1988 a descrição de sua materialidade, qual seja “auferir rendas ou proventos de

qualquer natureza”.

Ao depararmos com os enunciados trazidos nos artigos 43,78

4479

e 45,80

todos do Código Tributário Nacional, conseguimos outros elementos para a construção

da regra-matriz de incidência tributária.

A despeito de a Constituição Federal definir o critério material do imposto

sobre a renda,81

e o Código Tributário Nacional (CTN) ter apontado elementos de

identificação do fato jurídico tributário, definiu renda e proventos de qualquer natureza,

apontou o critério espacial (aplicou o princípio82

da universalidade), identificou a base

77

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]

III – renda e proventos de qualquer natureza; [...]” 78

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem

como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não

compreendidos no inciso anterior.

§ 1.º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização,

condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

§ 2.º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o

momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste

artigo.” 79

“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos

proventos tributáveis.” 80

“Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem

prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda

ou dos proventos tributáveis.

Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição

de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.” 81

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 170. 82

Entendemos como princípio a norma jurídica, implícita ou explícita, que apresenta carga valorativa

(componente axiológico presente na comunicação normativa), servindo de vetor para a compreensão

79

de cálculo e os sujeitos ativo e passivo do critério pessoal, faltou ao CTN fixar as

alíquotas que compõem com a base de cálculo o critério quantitativo e os elementos

formadores do critério temporal.

Esse feito é realizado por outras leis, consolidadas e reproduzidas no

Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n.º 3.000/1999).

O IRPJ deve obediência aos princípios da generalidade, universalidade e

progressividade, nos termos do artigo 153, § 2.º, I, da Constituição Federal.

Generalidade impõe a necessidade de o IRPJ atingir todos os gêneros e

espécies de rendas e proventos à incidência do imposto. Está intimamente relacionado

com o princípio da igualdade, tratando-se de pressuposto da isonomia.

Em relação à universalidade, esse princípio trata da abrangência do universo

das pessoas adquirentes de rendas e proventos.83

Com isso, em razão da universalidade,

a tributação por meio de imposto sobre a renda impõe que o lucro deve ser considerado

de modo global, independentemente de sua origem.

Já a progressividade, o imposto calculado sobre as empresas, deve, na

medida do possível, afetar com maiores valores aquelas empresas que tiverem maiores

lucros. Como exemplo de atendimento a esse princípio é possível mencionar a

tributação das micro e pequenas empresas na sistemática do Simples, as empresas que

se submetem à apuração do lucro presumido e suas distinções entre empresas

comerciais e prestadores de serviços, entre outras.

de segmentos prescritos no ordenamento jurídico, bem como de elemento vinculante que deve ser

observado pelas normas jurídicas que com ele se conectam. Princípio, no Direito, pode significar:

norma-valor, norma-limite objetivo, valor ou limite objetivo, como bem aponta a Professora Fabiana

Del Padre Tomé, adotando essa jurista as acepções de norma-valor e norma-limite, em razão da

homogeneidade sintática do sistema do direito positivo, formado por normas jurídicas (Contribuições

para a seguridade social: aspectos constitucionais. 2000. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São

Paulo, p. 161). 83

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cadernos de Pesquisas Tributárias, São Paulo: Resenha Tributária, n.

14, p. 177, 1989.

80

Obviamente que o IRPJ está atrelado a outros princípios, como a estrita

legalidade,84

a igualdade,85

a irretroatividade da lei,86

a anterioridade,87

a capacidade

contributiva88

e a não confiscatoriedade.89

Quanto ao princípio da capacidade contributiva, Roque Carrazza considera

que os impostos devam ser modulados de acordo com

[...] as manifestações objetivas de riqueza dos contribuintes: auferir

renda e proventos de qualquer natureza, ter um imóvel, possuir um

automóvel, praticar operações mercantis, realizar operações

financeiras etc. Somente fatos deste tipo é que podem ser onerados por

meio de impostos. [...] Este pensamento conduz-nos à ideia de que a

base de cálculo dos impostos não pode ser manipulada de modo a

anular tal exigência constitucional, fazendo incidir o imposto sobre

fatos que não exibam conteúdo econômico e não gravem riqueza nova

do contribuinte.90

Quanto ao atendimento à vedação ao confisco, o legislador não pode

compelir os contribuintes a pagar um valor que confisque o patrimônio do administrado.

Carrazza91

leciona que é confiscatório o tributo que esgota ou

potencialmente esgota a riqueza tributável das pessoas, não levando em conta a

capacidade contributiva.

O imposto de renda da pessoa física (IRPF) e o imposto de renda da pessoa

jurídica (IRPJ) são subespécies do imposto sobre a renda e proventos de qualquer

natureza. As duas categorias foram criadas pelo legislador ordinário para diferenciar as

formas de tributação dessas pessoas, tendo em vista a distinção em termos econômicos

em relação à renda auferida. Cada um possui regra-matriz de incidência própria.

84

Artigo 150, I, da CF/1988. 85

Artigo 150, II, da CF/1988. 86

Artigo 150, II, “a”, da CF/1988. 87

Artigo 150, II, “b”, da CF/1988. 88

Artigo 145, § 1.º, da CF/1988. 89

Artigo 150, IV, da CF/1988. 90

CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). São

Paulo: Malheiros, 2009. p. 114-115. 91

Ibidem, p. 118.

81

Pontua-se que o objetivo deste estudo é investigar a incidência do IRPJ

sobre o lucro e rendimentos das securitizadoras de títulos e valores mobiliários (pessoa

jurídica), não sendo objeto de estudo a tributação de pessoas físicas.

A regra-matriz de incidência do IRPJ:

Cabe-nos aqui construir de forma objetiva a regra-matriz de incidência do

imposto sobre a renda.

A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência

A hipótese ou antecedente da norma jurídica completa, construída pelo

hermeneuta, descreve um fato hipotético extraído dos textos legais, de possível

ocorrência no mundo fenomênico social, apto a produzir efeitos jurídicos.

Paulo de Barros Carvalho nos ensina que

[...] a hipótese, como proposição descritiva de situação objetiva real,

na lição rigorosamente correta de Lourival Vilanova, é construída pela

vontade do legislador, que recolhe os dados pelo fato da realidade que

deseja disciplinar (realidade social), qualificando-os, normativamente,

como fatos jurídicos. Mas esse descritor, que é o antecedente ou

suposto da norma, está imerso na linguagem prescritiva do direito

positivo, porque, mesmo formulado por um conceito de teor

descritivo, vem atrelado à consequência da regra, onde reside a

estipulação da conduta (prescritor), meta finalística e razão da própria

existência do direito.92

O mesmo jurista propõe a classificação da hipótese jurídica tributária em

três critérios, quais sejam: o material, que diz respeito ao comportamento das pessoas

físicas ou jurídicas; o espacial, que concerne ao local onde o fato deve ocorrer, a fim de

que irradie os efeitos que lhe são característicos; e, por fim, o critério temporal, que

contém o grupo de indicações, que nos oferecem elementos para identificar, com

exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame

jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto.

92

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 322-

323.

82

A.1) Critério material

O primeiro critério da regra-matriz de incidência do IRPJ resulta de uma

abstração, centrada apenas no comportamento de pessoas, sem qualquer referência

espacial ou temporal. É composto por um verbo (pessoal e de predição incompleta) e

um complemento, excluindo-se os verbos impessoais, os sem sujeito e os de sentido

completo, que tornariam inviável a regulação da conduta intersubjetiva.

Diante desses valores a serem aplicados obrigatoriamente em relação ao

IRPJ das securitizadoras de ativos empresariais, o critério material possui o verbo

“auferir” e o complemento “renda” (lucro no caso desse imposto), e o acréscimo

patrimonial da sociedade só será computado na medida em que, após um resultado

aritmético, apura-se o resultado positivo (lucro) ou negativo (prejuízo) a partir da

atividade empresarial.

O critério material da regra-matriz de incidência do imposto de renda (de

forma geral) está insculpido no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que

prescreve:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e

proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da

disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da

combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os

acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1.º A incidência do imposto independe da denominação da receita

ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade

da fonte, da origem e da forma de percepção.

§ 2.º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a

lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua

disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste

artigo.

O Código Tributário Nacional previu como hipótese de incidência do

imposto sobre a renda em sua acepção ampla a aquisição da disponibilidade econômica

ou jurídica de renda e proventos de qualquer natureza, considerando que essa aquisição

de disponibilidade traga um acréscimo patrimonial, isto é, riqueza nova, ou seja, o valor

excedente às despesas, legalmente dedutíveis, necessárias para auferir os rendimentos.

83

Hugo de Brito93

nos ensina que a aquisição da disponibilidade econômica ou

jurídica trazida no CTN significa que a renda ou os proventos podem ser os que foram

pagos ou simplesmente creditados. Essa disponibilidade econômica decorre do

recebimento do valor que se vem a acrescentar ao patrimônio do contribuinte, enquanto

a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte

passa juridicamente a dispor, embora este ainda não esteja nas mãos. Portanto, a

disponibilidade econômica é adquirida com o efetivo recebimento da renda e a

disponibilidade jurídica ocorre com o crédito, à disposição do contribuinte, sem

qualquer obstáculo.

Para Roberto Quiroga,94

a palavra “renda” possui várias acepções no texto

constitucional. Aparece 22 vezes na Carta Magna de 1988, não sendo utilizada pelo

legislador precisão semântica do termo linguístico referido. Para esse jurista, o termo

“renda” adotado pelo legislador constitucional no artigo 153, III, que trata do imposto

sobre a renda e proventos de qualquer natureza, é uma das espécies de receitas que a

União Federal arrecada no mesmo exercício de sua competência tributária. Trata-se de

um somatório de rendimentos quando o legislador incluiu no texto o generalismo de

“proventos de qualquer natureza”.

José Eduardo Soares de Melo95

traz importante ensinamento sobre a questão

do lucro ao mencionar que deverá ser efetuada a sua apuração ao término de um

determinado período de tempo, não podendo ser desprezada a situação contábil

existente no início desse mesmo período. Isso quer dizer que a apuração do lucro não

deve menosprezar os valores negativos de períodos anteriores, de forma a se realizar a

compensação de prejuízos anteriores, pois senão estar-se-ia reduzindo o patrimônio da

sociedade, o que se aplicaria perfeitamente ao IRPJ e à CSLL, pois ambos possuem

como base de cálculo o lucro.

93

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 315. 94

MOSQUERA, Roberto Quiroga. O conceito constitucional de renda e provento de qualquer natureza.

1996. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p. 57-60. 95

MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2010. p. 162.

84

Destaca-se também que faturamento, patrimônio, capital, ganho e resultado

são conceitos veiculados na Constituição, porém não devem ser confundidos com o

lucro.

O faturamento, mencionado no artigo 195 da CF, é mero ingresso de valores

decorrentes da atividade e das faturas emitidas. O capital previsto em vários artigos da

Constituição Federal é tomado como investimento permanente. Patrimônio significa o

“conjunto estático de bens ou direitos titulados por uma pessoa, pública ou privada”. O

ganho diz respeito a ingressos, de forma descompromissada da noção de saldo positivo.

Resultado é considerado “situação terminal de um processo, sem qualificação valorativa

relativamente à manifestação de capacidade contributiva”. Por fim, o lucro, que se trata

do resultado positivo da atividade empresarial, noção menos ampla do que a renda.96

Em resumo, auferido lucro pela securitizadora de títulos e valores

mobiliários estará atendido o critério material da regra-matriz de incidência do IRPJ.

A.2) Critério temporal

O critério temporal traz no antecedente da norma um conjunto de

informações que nos permitem identificar o momento da ocorrência do evento a ser

promovido em fato jurídico.97

O critério temporal da regra-matriz de incidência do IRPJ das

securitizadoras de ativos empresariais comporta forma de apuração trimestral ou anual

de acordo com a legislação aplicável ao imposto, seja a apuração do imposto pela

sistemática do lucro real ou lucro presumido. Essa afirmação é de suma importância ao

presente estudo, pois seus reflexos serão devidamente analisados no capítulo 4.

Se o regime de apuração for trimestral, o critério temporal terá seu momento

de incidência do imposto no último dia de cada um dos quatro trimestres existentes no

ano fiscal. É o que dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 9.430/1996, em que aponta os períodos

de apuração com datas de encerramento nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de

96

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 177-179. 97

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-

semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 394.

85

setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário. Essas datas não devem ser

confundidas com a data de vencimento do pagamento do imposto para a União, que

ocorre até o último dia útil do mês subsequente ao trimestre.

Há a possibilidade de a securitizadora optar pela apuração de lucro real

anual do IRPJ em relação ao período considerado, para que se apure o fato de a pessoa

jurídica ter auferido lucro ou não durante todo o ano-calendário, e ao final do ano a

sociedade deverá fazer o ajuste e apurar saldo devedor de imposto a pagar ou saldo

negativo (crédito) em razão das antecipações feitas (recolhimentos feitos a maior que o

devido considerando o valor integral do imposto apurado no ano) durante os meses do

ano calendário.

O ajuste anual realizado na apuração do IRPJ se dá mediante técnica de

apuração do lucro real, sendo apontadas todas as despesas, receitas, impostos pagos,

permitindo-se fazer uma comparação com o imposto devido durante o ano-calendário.

Caso o contribuinte tenha pago um valor maior de tributo do que o devido, terá um

crédito com a União Federal, devidamente atualizado pela taxa Selic, que poderá ser

compensado com tributos a vencer ou vencidos e não pagos mediante compensação de

ofício; e na hipótese de apuração de um valor de tributo pago a menor o contribuinte

estará obrigado a recolher a diferença.

Os valores recolhidos pela sociedade no regime anual, mês a mês pelo

regime de estimativa, fixados com base na receita bruta98

ou apurados mediante a

elaboração de balancetes de suspensão ou redução, terão como critério temporal de

incidência do IRPJ o último dia do ano do respectivo calendário, e os recolhimentos

desse imposto feitos durante os meses serão considerados antecipações, podendo ser

abatidos na apuração do imposto no final do exercício.

Na hipótese do recolhimento das antecipações (mês a mês) quanto ao

regime do lucro real anual, o vencimento ocorrerá no último dia útil do mês subsequente

àquele que se referir (artigo 6.º da Lei n.º 9.430/1996), caso se apure imposto a pagar.

98

Sobre a receita bruta mensal aplicam-se percentuais constantes no artigo 15, § l.º, da Lei n.º

9.249/1995, acrescidos das demais receitas (ganho de capital, juros, variação monetária ativa etc.).

86

A sistemática de apuração do IRPJ, por seu turno, com base em balancetes

mensais de suspensão ou redução, se dá da seguinte forma:

(i) Suspensão: mediante o balancete mensal acumulado, demonstra-se que o

imposto pago até a data do balancete é maior que o devido. Exemplo: em 30 de abril,

pelo balancete acumulado de janeiro a abril do respectivo ano, apurou-se um imposto

devido de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e até essa data já foram recolhidos R$

120.000,00 – portanto, inexiste a obrigação de recolhimento do IRPJ. Essa opção

também pode ser utilizada nos meses em que houver prejuízo fiscal;

(ii) Redução: pelo balancete mensal acumulado demonstra-se que o imposto

devido, com base no lucro real, é inferior ao apurado com base na receita bruta mensal

da empresa, conforme citado no regime de estimativa baseada na receita bruta, podendo

haver a redução do recolhimento mensal.

Por fim, podemos ainda apontar como critério temporal o último dia útil do

mês subsequente ao evento da fusão, cisão ou incorporação, caso haja alguma operação

societária dessa natureza envolvendo a pessoa jurídica.

A.3) Critério espacial

O critério espacial traz um feixe de informações que permitem identificar

onde o evento ocorreu no mundo fenomênico para ser levado a fato jurídico.

Com a edição do artigo 25 da Lei n.º 9.249/1995 e suas alterações, o Brasil

passou a adotar o princípio da universalidade da tributação, com o princípio da

territorialidade instituído em 1924. Com isso, a renda e os lucros auferidos no exterior

passaram a ser tributados no Brasil.

O princípio da universalidade tem como essência estabelecer critério de

conexão o domicílio, viabilizando por parte da União Federal a tributação pelo IRPJ das

rendas auferidas de subsidiárias (coligadas ou controladas) no exterior pertencentes às

empresas estabelecidas no Brasil, além de tributar as fontes de renda produzidas nos

limites do território nacional.

87

Assinala-se sobre a tributação dos lucros auferidos no exterior que a Lei n.º

12.973/2014 traz em seus artigos 77 e seguintes entendimento de que a tributação das

controladas será automática, devendo ser adicionado na controladora todo dia 31 de

dezembro de cada ano-calendário o lucro da controlada, independentemente da sua

disponibilização, exceto se houver disponibilização (pagamento ou creditamento) em

momento anterior no ano-calendário. Neste caso, a incidência tributária ocorrerá no

momento do pagamento ou creditamento do lucro.

Para as coligadas no exterior, os lucros somente serão adicionados para fins

de tributação na empresa brasileira quando da sua disponibilização, salvo na hipótese de

o lucro ter sido auferido em regime de subtributação, qual seja aquele que tributa os

lucros da pessoa jurídica domiciliada no exterior à alíquota nominal inferior a 20%, não

esteja localizada a coligada em país ou dependência com tributação favorecida, ou não

seja beneficiária de regime fiscal privilegiado, que tratam os artigos 24 e 24-A da Lei

n.º 9.430/1996, e não seja controlada, direta ou indiretamente, por pessoa submetida a

tratamento tributário em regime de subtributação.99

Diante disso, o critério espacial em relação ao IRPJ das securitizadoras será

o lucro auferido por essas sociedades em território nacional e o lucro de subsidiárias

(coligadas ou controladas) auferido no exterior.

B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência

Na tese ou consequente da regra-matriz de incidência tributária encontram-

se as propriedades que caracterizam a relação jurídico-tributária que se instaura quando

da verificação no mundo fenomênico da situação fática, descrita no seu antecedente

normativo.

Paulo de Barros Carvalho leciona sobre o consequente:

[...] se na hipótese, funcionando como descritor, anuncia os critérios

conceptuais para o reconhecimento de um fato, o consequente, como

prescritor, nos dá, também, critérios para a identificação do vínculo

jurídico que nasce, facultando-nos saber quem é o sujeito portador do

direito subjetivo; a que foi cometido o dever jurídico de cumprir certa

prestação; e seu objeto, vale dizer, o comportamento que a ordem

99

Artigos 81 e 84 da Lei n.º 12.973/2014.

88

jurídica espera do sujeito passivo e que satisfaz, a um só tempo, o

dever que fora atribuído e o direito subjetivo de que era titular o

sujeito pretensor.100

Vejamos os critérios que formam a tese ou consequente da regra-matriz de

incidência do IRPJ.

B.1) Critério pessoal

O critério pessoal permite identificar os sujeitos da relação jurídica a ser

instaurada quando da criação do fato jurídico tributário, em que ocorre a regulação da

conduta, prescrevendo direitos e obrigações para as pessoas envolvidas.

Trata-se do conjunto de elementos que nos apontam, no prescritor da norma,

quem são os sujeitos da relação jurídica que se forma; de um lado, o sujeito ativo credor

da obrigação tributária, e de outro, o devedor.

Em relação ao critério pessoal da regra-matriz de incidência do IRPJ, o

sujeito ativo (aquele que tem competência para cobrar o tributo) é a União Federal,

pessoa política que compõe a República Federativa do Brasil, e em relação ao sujeito

passivo (aquele que tem o dever de pagar o tributo) será a pessoa jurídica que auferir

lucro.101

O sujeito passivo do IRPJ está descrito no artigo 45 do Código Tributário

Nacional, que dispõe:

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se

refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao

possuidor, a qualquer título dos bens produtores de renda ou dos

proventos tributáveis.

Parágrafo único. A lei poderá atribuir à fonte pagadora da renda ou

dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja

retenção e recolhimento lhe caibam.

100

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 353. 101

Artigo 45 do Código Tributário Nacional.

89

Como mencionado no caput supra, o sujeito passivo será o beneficiário da

renda, ou seja, aquele que teve o seu patrimônio acrescido com o rendimento ou

provento que se lhe tornou disponível.

Entretanto, conforme se observa do parágrafo único citado, o sujeito passivo

pode ser um terceiro, a quem a lei confere a condição de responsável pelo recolhimento

do imposto. Em relação ao Imposto de Renda, é comum que essa obrigação seja

outorgada à fonte pagadora, que ao fazer a retenção e o recolhimento do tributo (nesse

caso estamos tratando do Imposto de Renda Retido na Fonte) acaba assumindo o papel

de agente repassador do tributo aos cofres públicos.

O sujeito passivo, nesse caso, aufere apenas os rendimentos líquidos da

operação, já deduzido o imposto sobre a renda.

No caso específico das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, estas

não sofrem qualquer retenção de IR-Fonte102

quando da recuperação do capital ao

receber o valor da dívida lastreada em direito creditório pelo devedor, visto decorrer de

uma dívida do devedor ao sub-rogador.

Não há nesse caso qualquer prestação de serviço ou operação descrita nos

artigos 647 (prestação de serviços de natureza profissional) a 653 (fornecimento de bens

ou serviços a órgãos, autarquias e fundações da administração pública federal) do

Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n.º 3.000/1999).

No tocante ao IR-Fonte, tratado no parágrafo único do artigo 45 do CTN, a

securitizadora também não será considerada responsável pela retenção e recolhimento

do imposto sobre a renda quando do pagamento de valores pela aquisição do crédito ao

originador, o que exclui, nesse caso, a securitizadora do papel de agente arrecadador.

Somente em razão da remuneração dos investidores, sobre o valor que

acrescer ao capital investido, haverá a retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte

sobre o ganho de capital pela securitizadora e seu recolhimento à União Federal. No

102

Considerado pela doutrina como imposto autônomo, o imposto de renda retido na fonte possui regra-

matriz própria, com critérios distintos do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e do Imposto de

Renda Pessoa Física (IRPF).

90

caso da pessoa física, a tributação será definitiva, e em relação à pessoa jurídica

investidora a tributação será tratada como antecipação, servindo de crédito para

abatimento do IRPJ quando da apuração trimestral ou anual.

No caso do IR-Fonte sobre ganho de capital,103

será adotada a seguinte

tabela de retenções:

Juros e

rendimentos

pagos

Prazo até 180 dias

De 181 a 360 dias

De 361 a 720 dias

Mais de 720 dias

22,5%

20,0%

17,5%

15,0%

Alienação de

debênture

Ganho auferido na alienação (diferença entre o valor de alienação e o valor de

aquisição).

Pagamento de

amortização

Diferença entre o valor amortizado (tomando por base o valor principal original) e

o valor efetivamente pago.

Exemplo de Cálculo:

Compra em 05.01.2015 R$ 10.000,00

Rendimentos recebidos em 1.º.01.2016 (período

de 360 dias) R$ 1.500,00

IR sobre rendimentos recebidos 20% sobre R$ 1.500,00 = R$ 300,00

B.2) Critério quantitativo

É no critério quantitativo que encontramos referências às grandezas

mediante as quais o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, com o

fim de definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo ao sujeito ativo a título de

tributo.

O critério quantitativo nos traz na regra jurídica as informações da base de

cálculo104

e alíquota, que conjuntamente são responsáveis pelo valor da prestação, que

103

Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-

demonstrativos/dirf-declaracao-do-imposto-de-renda-retido-na-fonte/arquivos-

mafon/mafon2015.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016. 104

Geraldo Ataliba, em sua obra Hipóteses de incidência tributária (6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

p. 108), leciona que a base de cálculo é uma perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese

91

nas lições de Paulo de Barros Carvalho o legislador buscou medir as proporções reais

do fato.105

Destacamos as diferentes funções desempenhadas pela base de cálculo: (i)

medir as proporções reais do fato, ou função mensuradora; (ii) compor a específica

determinação da dívida, ou função objetiva; e (iii) confirmar, infirmar, ou afirmar o

correto critério material do antecedente normativo, ou função comparativa.106

A base de cálculo do IRPJ deve guardar relação direta com o lucro (real)

obtido pela pessoa jurídica, ou seja, suas receitas menos seus custos e despesas obtidos

durante o ano-calendário ou durante o trimestre, conforme visto anteriormente.

Somente os ganhos, rendimentos e lucros novos que integrem ao

patrimônio107

poderão fazer parte da base de cálculo do IRPJ, conforme dispõe o artigo

218 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto n.º 3.000/1999), que

reproduz o disposto no artigo 25 da Lei n.º 8.981/1995 e artigos 1.º e 55 da Lei n.º

9.430/1996.

O artigo 44 do Código Tributário Nacional e o artigo 219 do RIR/1999

prescrevem que a base de cálculo do IRPJ é o lucro real, presumido ou arbitrado,

correspondente ao período de apuração, ou seja, essas modalidades interferem

diretamente na obtenção da base de cálculo desse imposto.

Integram a base de cálculo todos os ganhos e rendimentos de capital,

independentemente da denominação, da forma, da natureza, da espécie ou existência de

título ou contrato, bastando que esses ganhos e rendimentos decorram de ato ou negócio

que tenham os mesmos efeitos previstos na regra de incidência do imposto.

de incidência que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada

obrigação tributária concreta, do quantum devido. É a expressão econômica da hipótese de incidência,

verdadeira base para o cálculo do tributo. 105

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 400.

106 Idem. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 171.

107 O Supremo Tribunal Federal entendeu no Recurso Extraordinário n.º 117.887/SP que a expressão

“renda e proventos de qualquer natureza” significa sempre acréscimo patrimonial.

92

Nas lições de Edmar Andrade Filho, a expressão “lucro real” consta do

artigo 6.º do Decreto-lei n.º 1.598/1977, que é a matriz do artigo 247 do RIR/1999.

Afirma que:

[...] a palavra real utilizada para qualificar lucro não designa algo

determinável de acordo com a natureza das coisas, e, deste modo,

lucro real é conceito normativo construído pela lei, e, por isso, trata-se

de realidade relativa e cambiável. Por isso, nem o lucro real nem o

lucro contábil são conceitos absolutos.108

Eduardo Sabbag, analisando as três modalidades ou regimes de apuração,

apresenta os seguintes excertos:

a) o Lucro Real é apurado com base em contabilidade real, o lucro

resulta da diferença da receita bruta menos as despesas operacionais,

mediante rígidos critérios contábeis ou fiscais de escrita, exigindo-se o

arquivo de documentos comprobatórios de tais receitas e despesas. É o

lucro líquido do período-base, ajustado pelas adições, exclusões ou

compensações prescritas ou autorizadas pela lei fiscal. A apuração

pelo lucro real é obrigatória para as empresas indicadas em lei (Lei n.º

9.718/1998) e opcional às demais.

Com respaldo nesse sistema, as pessoas jurídicas podem optar pelo

pagamento por estimativa, consistente no pagamento mensal de um

valor do imposto de renda aferido com base em um lucro presumido,

formalizando-se, no final do ano, um ajuste anual, por meio do qual

será abatido o valor que foi pago mensalmente por estimativa durante

o ano-base.

b) o Lucro Presumido é sistema opcional à pessoa jurídica não

obrigada por lei à apuração do lucro real. Consiste na presunção legal

de que o lucro da empresa é aquele por ela estabelecido com base na

aplicação de um percentual sobre a receita bruta desta, no respectivo

período de apuração. Exemplo: percentual de 16% para prestação de

serviços de transportes (exceto cargas), 8% para prestação de serviços

de transportes de cargas ou 32% para prestação de serviços gerais;

c) Já o Lucro Arbitrado decorre da impossibilidade de se apurar o

lucro da pessoa jurídica pelo critério real ou presumido em razão do

não cumprimento de obrigações tributárias acessórias, tais como: não

apresentação regular dos livros fiscais ou comerciais; não

apresentação do sistema de escrituração de arquivos de documentos na

forma da lei; e não apresentação do Livro Contábil Razão. Resulta,

portanto, de imposição da autoridade fiscal, em face de prática

irregular do contribuinte. Todavia, desde o advento da Lei n.º

8.981/1995, é possível à pessoa jurídica comunicar ao Fisco a

impossibilidade de apuração do imposto de renda pelo lucro real ou

108

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

p. 34.

93

presumido, de forma espontânea, optando por sujeitar-se à tributação

de lucro arbitrado no período.109

Vejamos alguns detalhes dos três regimes de apuração do lucro, com

destaque ao lucro real e lucro presumido, analisados com enfoque nas atividades das

securitizadoras e das factorings.

A) Lucro real

No regime de apuração lucro real, a base de cálculo do IRPJ é o lucro real,

aquele apurado a partir do lucro efetivo da pessoa jurídica, ou seja, do resultado das

receitas, ganhos e rendimentos auferidos, deduzidos dos custos, das despesas e das

perdas, demonstrados por meio da escrita contábil.

O ponto de partida para determinação do lucro real é o lucro líquido

definido no artigo 248 do RIR/1999:

Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica

do lucro operacional (Capítulo V), dos resultados não operacionais

(Capítulo VII), e das participações, e deverá ser determinado com

observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei n.º 1.598, de

1977, art. 6.º, § 1.º, Lei n.º 7.450, de 1985, art. 18, e Lei n.º 9.249, de

1995, art. 4.º).

Como bem observa Edmar Andrade Filho,110

a expressão “lucro líquido”

constante do disposto no artigo 248 do RIR, em termos semânticos, não coincide com o

“lucro líquido” previsto no artigo 191 da Lei das S.A.: “Art. 191. Lucro líquido do

exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as

participações de que trata o artigo 190”.

Diante disso, conclui o renomado jurista que o lucro líquido, base para a

determinação do lucro real, não é o mesmo da Lei das S.A., visto que há dois elementos,

considerados para efeito de determinação do lucro líquido pela lei societária (Lei n.º

6.404/1976), que não são reputados pela legislação do IR: (i) os prejuízos acumulados; e

(ii) a provisão do imposto sobre a renda.

109

SABAGG, Eduardo. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1085.

110 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

p. 35.

94

Na apuração do lucro real, deverão ser adicionados ao lucro líquido do

período de apuração: (i) os custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e

quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro líquido que não sejam

dedutíveis na determinação do lucro real; e (ii) os resultados, rendimentos, receitas e

quaisquer outros valores não incluídos na apuração do lucro líquido que devam ser

computados na determinação do lucro real.111

A forma regular e geral do método de apuração do lucro é o regime do lucro

real trimestral. Nessa sistemática, a empresa deverá a cada trimestre do ano (31/mar.,

30/jun., 30/set. e 31/dez.) elaborar balancete acumulado no período trimestral e

definitivamente apurar o Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social

sobre o Lucro Líquido.

As empresas obrigadas ao recolhimento pela sistemática do lucro real estão

elencadas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998. Basicamente esse regime é utilizado por

(i) empresas que possuem receita bruta anual acima de R$ 78 milhões; (ii) que estejam

em determinados segmentos da economia; (iii) que se utilizam de incentivos fiscais; (iv)

empresas que tiverem lucros, rendimentos e ganhos de capital do exterior; (v) factorings

e securitizadoras de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.

A legislação do imposto de renda nessa sistemática permite que eventuais

prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores sejam compensados com os lucros

apurados posteriormente da pessoa jurídica. O referido prejuízo fiscal deverá ser

demonstrado no Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur).

Todavia, a compensação de tais prejuízos é limitada a 30% do lucro líquido

ajustado,112

não havendo exceções.

A forma de apuração trimestral do lucro real, para as empresas que auferem

prejuízos, é pouco utilizada, pois há limitação da compensação de prejuízos de

trimestres anteriores com somente 30% do lucro tributável gerado no trimestre.

111

Artigo 249 do RIR/1999.

112 Artigo 42 da Lei n.º 8.981/1995.

95

Essa limitação ocorre porque a apuração do IRPJ (e da CSLL), calculado na

opção do lucro real trimestral, é efetuada de maneira isolada, sendo realizada de forma

definitiva, daí o receio de não conseguir compensar 100% do saldo do prejuízo fiscal

apurado em um determinado trimestre com o lucro apurado em outro trimestre,

principalmente as empresas que possuem resultados sazonais.

Destaca-se ainda que a pessoa jurídica sujeita à tributação com base no

lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto e adicional, em cada mês,

determinado sobre base de cálculo estimada, desde que faça a apuração do imposto no

fim do ano-calendário.113

A opção será manifestada com o pagamento do imposto correspondente ao

mês de janeiro ou de início de atividade, como ocorre com qualquer uma das

modalidades de recolhimento de tributos perante a Receita Federal do Brasil.

Podemos dividir a sistemática do regime do lucro real anual em duas

espécies:

a) Com base na receita bruta

Considerando um percentual aplicado sobre o somatório do resultado da

receita bruta do mês, acrescido do ganho de capital e demais receitas. Os percentuais

aplicáveis sobre a receita bruta variam de acordo com a atividade da pessoa jurídica e

constam no artigo 15 da Lei n.º 9.249/1995:

(i) 8% na venda de mercadorias e produtos (aplicável às atividades das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários e aquisições de direitos

creditórios das factorings);

(ii) 32% na prestação de serviços (aplicável às atividades de prestação de

serviços praticadas pelas factorings).

Há outros percentuais mencionados na referida lei, mas não é interessante

para o presente estudo.

113

Artigo 2.º da Lei n.º 9.430/1996.

96

b) Com base em balancete suspensão ou redução do imposto

b.1) Suspensão

A suspensão do recolhimento do imposto ocorre quando a empresa

demonstra por meio de balancete que em um determinado mês o resultado acumulado

de janeiro até esse mês resultou em prejuízo fiscal, inexistindo imposto a pagar.

b.2) Redução

A redução ocorre quando a empresa, em um determinado mês, demonstra

que o valor apurado do imposto menos o valor já pago durante o período acumulado é

inferior ao cálculo pela estimativa como base na receita bruta.

Nesses casos, apura-se mensalmente o lucro líquido a ser tributado pelo

IRPJ, aplicando-se sobre essa base de cálculo as alíquotas de 15% (principal) e 10%

(adicional), mais bem estudadas a seguir.

Em relação aos balanços ou balancetes, deverão ser levantados com

observância às leis comerciais e fiscais e transcritos no Livro Diário e somente

produzirão efeitos para determinação da parcela do imposto devido no decorrer do ano-

calendário.

A legislação sobre essa modalidade prevê ainda que estão dispensadas do

pagamento mensal as pessoas jurídicas que, por meio de balanços ou balancetes

mensais, demonstrem a existência de prejuízos fiscais apurados a partir do mês de

janeiro do ano-calendário.114

E mais, o pagamento mensal, relativo ao mês de janeiro do ano-calendário,

poderá ser efetuado com base em balanço ou balancete mensal, desde que fique

demonstrado que o imposto devido no período é inferior ao calculado com base nas

regras de estimativa.115

114

Artigo 35, § 2.º, da Lei n.º 8.981/1995 e artigo 1.º da Lei n.º 9.065/1995.

115 Artigo 35, § 3.º, da Lei n.º 8.981/1995 e artigo 1.º da Lei n.º 9.065/1995.

97

Quanto ao aproveitamento de prejuízo fiscal, limitada a sua compensação a

30% do lucro tributável, no regime do lucro real anual não cabe observar o referido

limite gerado no próprio ano-calendário. Somente haverá essa limitação na

compensação com lucros do ano-calendário a utilização de prejuízos fiscais acumulados

e gerados em anos anteriores. Isso porque, nos balanços ou balancetes levantados para

fins de suspensão ou redução do imposto de renda, apura-se o resultado acumulado

desde o mês de janeiro, de modo que os prejuízos de um mês são automaticamente

absorvidos por lucros de outro, sem nenhuma restrição.

Os valores recolhidos de IRPJ e CSLL pelo regime do lucro real anual são

considerados como antecipação desses tributos quando da apuração a ser feita no dia 31

de dezembro de cada ano-calendário, ou seja, serão deduzidos ao final do exercício do

imposto apurado.

Se eventualmente não se apurarem tributos a pagar, haja vista que (i) o valor

recolhido foi suficiente para atender ao imposto devido no período anual, e (ii) os

recolhimentos feitos mensalmente foram superiores aos apurados após o ajuste, estes

últimos serão considerados saldos negativos de IRPJ ou base negativa de CSLL,

tratando-se de crédito no fisco federal, que poderá ser compensado com débitos futuros

arrecadados pela Receita Federal do Brasil, devidamente corrigidos pela Selic, a partir

do seu recolhimento.116

Na hipótese de o contribuinte não efetuar o recolhimento dos valores de

estimativa mensalmente, desde que apure imposto devido a pagar, o fisco poderá aplicar

uma penalidade por esse descumprimento legal. Conforme dispõe a Súmula 82 do

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que vincula apenas os julgadores

desse E. Tribunal, “após o encerramento do ano-calendário, é incabível lançamento de

ofício de IRPJ ou CSLL para exigir estimativas não recolhidas”.

O artigo 44, II, da Lei n.º 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n.º

11.488/2007, considera a penalidade em 50% do valor a ser pago mensalmente, tratada

116

Entendimento disposto na Súmula CARF n.º 84: “Pagamento indevido ou a maior a título de

estimativa caracteriza indébito na data de seu recolhimento, sendo passível de restituição ou

compensação”.

98

pela legislação como multa isolada. Essa penalidade será devida ainda que tenha sido

apurado prejuízo fiscal ou base negativa da CSLL, no ano-calendário correspondente.

A despeito de existirem discussões jurídicas sobre a legalidade da referida

multa e sua aplicação em casos de se apurar imposto de renda ou contribuição social

devida após o ajuste no fim do ano-calendário,117

dado que a exigência de tributos já

submeteria à incidência de multa de ofício de pelo menos 75%,118

o fato é que após as

alterações promovidas pela Lei n.º 11.488/2007, com sua literalidade textual, houve um

enfraquecimento significativo das teses levantadas quanto ao bis in idem (não configura

dupla tributação por serem fatos jurídicos e regras de incidência distintas),

concomitância de penalidades (existente apenas sobre uma possível e idêntica base de

cálculo) ou a tese da consunção (absorção da multa com percentual menor pela multa de

percentual maior – tese importada do Direito Penal) da multa de 50% (multa isolada)

pela multa de 75% (multa de ofício).

A jurisprudência atual do CARF, após as alterações promovidas pela Lei n.º

11.488/2007, é pela aplicação da multa isolada de 50%, e, se ainda o contribuinte apurar

imposto a pagar após o ajuste no fim do exercício, deverá se submeter a lançamento

fiscal e à multa de pelo menos 75% de ofício.119

Vejamos também, de forma objetiva, a modalidade do lucro presumido.

B) Lucro presumido

Iniciemos a análise desse regime afirmando que a expressão “lucro

presumido” é ambígua, pois serve para fazer referência a um regime de tributação em

117

Não estamos tratando aqui de exigências de valores de estimativas não recolhidas no mês, mas de

IRPJ e CSLL devidos após o ajuste e apuração feita no fim do ano-calendário. 118

Artigo 44, I, da Lei n.º 9.430/1996.

119 Acórdão n.º 1402-002.114 (Processo Administrativo n.º 10882.724009/2013-16), publicado em

13.04.2016; Acórdão n.º 1201-001.368 (Processo Administrativo n.º 16682.720774/2011-20),

publicado em 15.03.2016; Acórdão n.º 1301-001.856 (Processo Administrativo n.º

16327.720832/2013-26), publicado em 23.12.2015.

99

que algumas pessoas jurídicas podem aderir como sujeitos passivos do IRPJ e da CSLL,

e ao mesmo tempo servir para determinar a base de cálculo desses mesmos tributos.120

Podemos definir o conceito de “lucro presumido” como uma modalidade ou

regime optativo de determinação e apuração da base de cálculo do Imposto de Renda

das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),

dentro de um regime de tributação simplificada, partindo dos valores globais da receita

bruta da atividade. Esse regime aplica-se às pessoas jurídicas que não estiverem

obrigadas, no ano-calendário, à apuração do lucro real.

Em termos quantitativos o lucro presumido é o total da soma dos seguintes

valores:

a) o resultado da aplicação dos percentuais específicos de presunção do

lucro presumido, variáveis de acordo com o tipo de atividade exercida

pela pessoa jurídica, sobre a receita bruta apurada nos trimestres; e

b) demais acréscimos à base de cálculo, tais como: ganhos de capital nas

alienações de ativos, rendimentos e ganhos líquidos produzidos por

aplicações financeiras de renda fixa e variável, e juros relativos à

remuneração do capital próprio.

Nenhuma empresa está obrigada à utilização desse sistema de apuração,

embora nem todas as pessoas jurídicas se enquadrem nas condições exigidas para adotá-

lo. O uso desse sistema de apuração da base de cálculo não vincula sua manutenção

além do ano correspondente. Portanto, a opção é anual.

A sistemática de apuração do lucro pelo regime presumido, faculdade

atribuída às securitizadoras de títulos e valores mobiliários, desde que atendidas as

regras de exceção dispostas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, se dá sob a presunção de

um lucro.

120

Nesses termos é o entendimento de ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das

empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 889.

100

Portanto, as pessoas jurídicas que não se submeterem ao regime do lucro

real poderão adotar a sistemática do lucro presumido, tratando-se de identificação dos

sujeitos passivos de forma excludente daqueles que estão obrigados ao lucro real.

O percentual de lucro a ser considerado pelas securitizadoras será de 8%

sobre o valor da receita bruta auferida mensalmente (base de cálculo do IRPJ no lucro

presumido),121

visto que a securitização de recebíveis envolve apenas a compra de

direitos creditórios, não envolvendo nenhuma atividade onerosa de prestação de

serviços, como ocorre com o factoring.

Nessa sistemática, o recolhimento do IRPJ é feito trimestralmente, sendo

devido o tributo até o dia útil do mês subsequente ao trimestre.

A pessoa jurídica que optar pela tributação com base no lucro presumido

deverá manter:

a) escrituração contábil nos termos da legislação comercial ou livro Caixa,

no qual deverá estar escriturada toda a movimentação financeira,

inclusive bancária;

b) livro Registro de Inventário no qual deverão estar registrados os estoques

existentes no término do ano-calendário abrangido pelo regime de

tributação simplificada;

c) livro de Apuração do Lucro Real, quando existirem lucros diferidos de

períodos de apuração anteriores, inclusive saldo de lucro inflacionário a

tributar.

Destaca-se que os contribuintes deverão conservar em boa ordem e guarda,

enquanto não decorrido o prazo decadencial do direito de a Fazenda Pública constituir

os créditos tributários relativos a esses exercícios, os livros de escrituração obrigatória

por legislação fiscal específica e todos os demais papéis e documentos que serviram de

base para a escrituração comercial e fiscal.

121

Artigo 15, caput, da Lei n.º 9.249/1995 c/c o artigo 25 da Lei n.º 9.430/1996.

101

Ademais, diante do fato de as factorings não se submeterem ao regime do

lucro presumido, em razão da exigência trazida no artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998,

a aplicação de presunção do lucro de 32% sobre as atividades de prestação de serviços

somente ocorre em relação às faturizadoras na sistemática do lucro real anual com base

na receita bruta mensal.

Por fim, o regime do lucro arbitrado, a despeito de não ser protagonista do

presente estudo, será analisado de forma objetiva a seguir.

C) Lucro arbitrado

Quanto ao lucro arbitrado, essa modalidade é aplicada na apuração do

imposto sobre a renda pela autoridade fiscal e pelo contribuinte. Esse regime é adotado

pela autoridade fiscal quando a pessoa jurídica deixar de cumprir obrigações acessórias

relativas à determinação do lucro real ou presumido, dependendo do caso.

O artigo 148 do CTN dispõe que, quando o cálculo do tributo tenha por

base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou os atos

jurídicos, a autoridade fiscal, mediante procedimento regular, arbitrará aquele valor ou

preço, nas seguintes hipóteses: (i) sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as

declarações ou os esclarecimentos prestados; ou (ii) sempre que sejam omissos e não

mereçam fé os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente

obrigado, ressalvada, em caso de contestação.

Misabel Derzi122

entende que o arbitramento é apenas uma técnica, inerente

ao lançamento de ofício, não constituindo procedimento especial de lançamento.

Desde que seja conhecida a receita bruta e ocorrendo uma das hipóteses

previstas no artigo 530 do Regulamento do IR, o contribuinte poderá efetuar o

pagamento do IRPJ utilizando-se das regras do lucro arbitrado.

122

DERZI, Misabel Abreu Machado. Constituição de crédito tributário. In: NASCIMENTO, Carlos

Valder do (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.

391.

102

O IRPJ devido trimestralmente, com vencimento até o último dia útil

subsequente ao trimestre, será determinado com base nos critérios do lucro arbitrado,

nos casos de conhecida a receita bruta, quando:

(i) a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar evidentes

indícios de fraudes ou contiver vícios, erros ou deficiências que a

tornem imprestável para identificar a efetiva movimentação financeira,

inclusive bancária ou determinar o lucro real;

(ii) o contribuinte deixar de apresentar à autoridade fiscal os livros e

documentos da escrituração comercial e fiscal, ou deixar de apresentar o

Livro-Caixa, no qual deverá estar escriturada toda a movimentação

financeira, inclusive bancária, quando optar pelo lucro presumido e não

mantiver escrituração contábil regular;

(iii) contribuinte optar indevidamente pelo lucro presumido;

(iv) o comissário ou representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de

escriturar e apurar o lucro da sua atividade separadamente do lucro do

comitente, residente ou domiciliado no exterior;

(v) o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas

contábeis recomendadas, Livro-Razão ou fichas utilizadas para resumir,

totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Diário; e

(vi) o contribuinte não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e

fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela

legislação fiscal, nos casos em que o mesmo se encontre obrigado ao

lucro real.

Na hipótese de opção pelo contribuinte, a tributação com base no lucro

arbitrado será manifestada mediante o pagamento da primeira quota ou da quota única

do imposto devido, correspondente ao período de apuração trimestral em que o

contribuinte, pelas razões determinantes na legislação, se encontrar em condições de

proceder ao arbitramento do seu lucro.

103

A tributação com base no lucro arbitrado ocorrerá trimestralmente, em

períodos de apuração encerrados em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de

dezembro de cada ano-calendário.

Quando conhecida a receita bruta, a base de cálculo do lucro arbitrado será o

montante determinado pela soma das seguintes parcelas:

(i) o valor resultante da aplicação de percentuais variáveis, conforme o tipo

de atividade operacional exercida pela pessoa jurídica, sobre a receita

bruta auferida nos respectivos trimestres;

(ii) ao resultado obtido na forma do item (i) deverão ser acrescidos os

ganhos de capital, os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em

aplicações financeiras (renda fixa e variável), as variações monetárias

ativas, as demais receitas e todos os resultados positivos obtidos pela

pessoa jurídica, inclusive os juros recebidos como remuneração do

capital próprio, os descontos financeiros obtidos, os juros ativos não

decorrentes de aplicações e os demais resultados positivos decorrentes

de receitas não abrangidas no item anterior.

Também deverão ser incluídos os valores recuperados correspondentes a

custos e despesas, inclusive com perdas no recebimento de créditos, salvo se o

contribuinte comprovar não ter deduzido tais valores em período anterior no qual tenha

se submetido à tributação com base no lucro real, ou que se refiram a período a que

tenha se submetido ao lucro presumido ou arbitrado. Os lucros, rendimentos e ganhos

de capital oriundos do exterior serão adicionados ao lucro arbitrado para determinação

da base de cálculo do imposto.

O lucro arbitrado será apurado mediante a aplicação dos seguintes

percentuais,123

quando conhecida a receita bruta, sendo utilizados esses percentuais

pelos contribuintes e pelas autoridades fiscais:

123

Artigos 532 e 535 do RIR/1999.

104

a) Comércio e Indústria (inclui a atividade das securitizadoras e parte das

atividades das factorings: relacionada com a compra de direitos

creditórios): 9,6%; e

b) Prestação de Serviços em Geral (inclui parte das atividades das

factorings: relacionada com a prestação de serviços): 38,4%.

Na hipótese de não se conhecer a receita bruta, será apurado o imposto

mediante procedimento de ofício, nos termos do artigo 535 do RIR e artigo 136 da

Instrução Normativa SRF n.º 1.515/2014, conforme as seguintes alternativas de cálculo:

a) Lucro real referente ao último período em que a pessoa jurídica manteve

escrituração de acordo com as leis comerciais e fiscais: 1,5%;

b) Soma dos valores do ativo circulante e do ativo não circulante realizável

a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível, existentes no

último balanço patrimonial conhecido: 0,12%;

c) Valor do capital, inclusive sua correção monetária contabilizada como

reserva de capital, constante do último balanço patrimonial conhecido ou

registrado nos atos de constituição ou alteração da sociedade: 0,21%;

d) Valor do patrimônio líquido constante do último balanço patrimonial

conhecido: 0,15%;

e) Valor das compras de mercadorias efetuadas no trimestre: 0,4%;

f) Soma, em cada trimestre, dos valores da folha de pagamentos dos

empregados e das compras de matérias-primas, produtos intermediários e

materiais de embalagem: 0,4%;

g) Soma dos valores devidos no trimestre a empregados: 0,8%; e

h) Valor do aluguel devido no trimestre: 0,9%

O art. 136, § 1.º, da IN n.º 1.515/2014 estabelece que, a critério da

autoridade lançadora, poderão ser adotados limites e preferências na aplicação dos

percentuais, levando em consideração a atividade da empresa: as alternativas “e”, “f” e

“g” poderão ter sua aplicação limitada, respectivamente, às atividades comerciais (valor

105

de compras de mercadorias efetuadas no trimestre), industriais (valor da folha de

pagamento dos empregados somada a compra de matérias-primas, produtos

intermediários e materiais de embalagem no trimestre) e prestação de serviços (valores

devidos a empregados no trimestre) e, no caso de empresas com atividade mista, serem

adotadas isoladamente em cada atividade.

Na hipótese específica das securitizadoras de títulos e valores mobiliários,

caso se adote uma das alternativas supramencionadas, não poderiam ser aplicados os

itens “e” e “f”, pois não guardam correlação objetiva com a atividade de aquisição de

direitos creditórios.

No § 2.º do mesmo dispositivo, que trata do lucro real referente ao último

período em que a pessoa jurídica manteve escrituração de acordo com as leis comerciais

e fiscais, quando o lucro for decorrente de período-base anual, o valor que servirá de

base ao arbitramento será proporcional ao número de meses do período-base

considerado.

Já no § 3.º da referida Instrução Normativa, as alternativas de valor de

compras de mercadorias efetuadas no trimestre e a soma, em cada trimestre, dos valores

da folha de pagamentos dos empregados e das compras de matérias-primas, produtos

intermediários e materiais de embalagem, serão consideradas pelos valores totais,

incluindo o ajuste a valor presente, disposto no inciso III do artigo 184 da Lei das S.A.

Superados por meio de breves comentários os três regimes de apuração do

lucro em relação ao IRPJ, aplicáveis da mesma forma à CSLL, o próximo passo é

identificar a receita bruta, que servirá a partir de então para a apuração do lucro das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Como já exposto neste estudo, a remuneração das securitizadoras se dá na

diferença do desconto (deságio) do valor pago pelos títulos ou valores mobiliários ao

originador. O pagamento feito pelo devedor (cliente do originador) para a securitizadora

no vencimento do título nada mais é do que a recuperação do capital empregado na

atividade de securitização.

Nesse sentido, destaca-se o entendimento da Receita Federal do Brasil

quanto à receita bruta auferida pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, nos

106

termos dos itens 23, 24 e 25 do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do

Brasil:

23. Em relação ao conceito de receita bruta, releva destacar a

definição disposta no § 3.º do art. 10 do Decreto n.º 4.524, de 17 de

dezembro de 2002, e no Ato Declaratório SRF n.º 009, de 23 de

fevereiro de 2000, pela qual o deságio, assim entendido a diferença

entre o valor de face e o valor pago ao cedente, corresponde à receita

bruta nas aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de

fomento comercial (factoring). Pelas razões até aqui expostas, tal

definição aplica-se ao gênero de empresas de fomento comercial,

sendo extensiva à espécie, tal qual as securitizadoras de ativos

empresariais.

24. Convém assinalar que, para a securitizadora, a emissão de títulos

não gera receita nova, tratando-se de simples captação de recursos

com contrapartida no passivo. Na verdade, a ela cabem as vantagens

próprias da intermediação, pela fixação de uma diferença (spread)

entre os fluxos financeiros gerados pelo lastro e pelo título mobiliário,

decorrente do resgate e remuneração dos títulos mobiliários em

valores inferiores aos recebidos pelos títulos de crédito.

25. Entretanto, o spread não produz acréscimo patrimonial, eis que se

trata de realização parcial do deságio obtido na formação do lastro,

sendo a parcela restante destinada à realização do retorno do

investidor, isto é, a taxa de deságio do lastro comporta o spread e a

remuneração do título mobiliário, e se impõe como limite nessa

composição, sob pena de prejuízo da operação, a ser suportado pela

securitizadora. (destacamos)

O entendimento supra confirma o que vem sendo sustentado pela doutrina

editada antes do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil, qual seja

que a receita bruta das securitizadoras de títulos mobiliários é o deságio correspondente

ao pagamento pela aquisição do título, a diferença do valor de face do título e o seu

custo de aquisição.124

Cumpre destacar que nas atividades de factoring a base de cálculo foi

definida no Decreto n.º 4.524/2002, quando regulamentou o PIS/Pasep e a Cofins

devidos por pessoas jurídicas.

O artigo 10, § 3.º, do referido Decreto dispõe:

124

ANDERLE, Ricardo. A insegurança jurídica tributária que ameaça a atividade de securitização de

créditos empresariais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 215, p. 161,

2013.

107

[...] nas aquisições de direitos creditórios, resultantes de vendas

mercantis a prazo ou de prestação de serviços, efetuadas por empresas

de fomento comercial (factoring), a receita bruta corresponde à

diferença verificada entre o valor de aquisição e o valor de face do

título ou direito creditório adquirido.

Em que pese o referido Decreto não regulamentar a atividade de

securitização, estamos diante do mesmo preceito de identificação da receita originária

da compra de títulos de crédito mediante deságio quando do pagamento ao cedente, não

existindo sob essa premissa motivo para tratamento distinto.

Sobre o percentual da receita bruta a ser adotado pelas securitizadoras de

títulos e valores mobiliários, a Receita Federal do Brasil, por meio de Solução de

Consulta n.º 130, de 03.07.2012, apresentou o seguinte entendimento:

Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.

Securitização. Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita

bruta.

Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas

empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de

cálculo do IRPJ deve ser apurada com a utilização do percentual de

presunção de 8% (oito por cento).

Da mesma forma, a 5.ª Turma da Delegacia de Julgamento da Receita

Federal125

de Ribeirão Preto se pronunciou:

Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.

Ano-calendário: 2007, 2008.

Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo.

Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas

jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram

atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir

da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios.

O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de

8%.126

125

Órgão de julgamento de tributos federais vinculado à Receita Federal do Brasil.

126 DRJ/POR, 5.ª Turma, Acórdão 1445.494, Processo Administrativo n.º 10920.003613/201051, j.

10.10.2013.

108

Após a apuração do lucro (real, presumido ou arbitrado) da pessoa jurídica,

nos termos da legislação do IRPJ, aplica-se a alíquota de 15%127

sobre a base de

cálculo, de forma a apurar qual o montante devido do imposto sobre a renda.

Além disso, haverá a incidência da alíquota adicional de 10%128

sobre a

base de cálculo apurada do IRPJ, apenas em relação ao valor que exceder a R$

20.000,00 mensais, ou R$ 60.000,00 trimestrais ou R$ 240.000,00 anuais, dependendo

do período de apuração (mensal, trimestral ou anual).

Cumpre mencionar ainda que as securitizadoras, em razão de assumirem a

modalidade de sociedade anônima de propósito específico, não poderão adotar a

sistemática de recolhimento do Simples Nacional, conforme vedação expressa no artigo

30, § 3.º, I, da Lei Complementar n.º 123/2006.

Por fim, adotando-se elementos de generalização, que necessariamente

podem não apresentar os mesmos resultados em casos específicos, coloca-se a seguinte

questão, objeto de discussão no próximo capítulo: Por que a securitizadora de títulos e

valores mobiliários prefere se sujeitar ao lucro presumido, em vez de recolher seus

tributos no regime do lucro real?

Em termos gerais, o lucro presumido é utilizado por empresas que possuem

elevado lucro e poucos custos e despesas a serem deduzidos da base de cálculo na

apuração do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Já

o lucro real é usado pelas empresas sujeitas às obrigatoriedades trazidas no artigo 14 da

Lei n.º 9.718/1998 e que possuem baixo lucro e muitos custos e despesas a serem

deduzidos na apuração dos referidos tributos. Essas premissas e conclusões são obtidas

pela lógica da dedutibilidade de custos e despesas, existentes no lucro real, e não

aplicadas no lucro presumido.

Adotando-se essa premissa, por exemplo, para as empresas elencadas no rol

taxativo disposto no referido artigo 14, que possuem alto lucro e poucos custos e

despesas, por exemplo, elas se submeterão à altíssima carga tributária no regime do

127

Artigo 541 do RIR/1999.

128 Artigo 542 do RIR/1999.

109

lucro real. Daí o nosso apontamento de que os casos específicos não possuirão o mesmo

resultado.

As securitizadoras de títulos e valores mobiliários preferem apurar e

recolher seus tributos na sistemática do lucro presumido, pois quase não possuem custos

e despesas a serem deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, e o valor da sua

receita/lucro é elevado, tratando-se de uma economia relevante quando se compara com

a carga tributária apurada no regime do lucro real.

Entretanto, uma das desvantagens que podemos apontar do lucro presumido

é a impossibilidade de se deduzir prejuízo fiscal, procedimento considerado pela nossa

Suprema Corte129

como um benefício fiscal, limitado a 30% do valor do lucro apurado,

aplicado no regime de apuração do lucro real.

Por isso, em linhas gerais, há prós e contras em relação aos regimes de

apuração do IRPJ nas sistemáticas do lucro real e presumido. A despeito disso, em

linhas gerais, o que se busca no presente estudo não é apenas mostrar que determinado

regime permite uma carga tributária menor, mas zelarmos pela estrita legalidade que

preserva a faculdade das securitizadoras em adotar como opção o regime do lucro

presumido, mais bem estudado no próximo capítulo.

3.3 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)

Trata-se de contribuição instituída pela Medida Provisória n.º 22, de

07.12.1988, posteriormente convertida na Lei n.º 7.689, de 15.12.1988, que sofreu

alterações.

O fundamento constitucional da CSLL está no artigo 195, I, “c” (lucro), da

Constituição Federal, e o Supremo Tribunal Federal entendeu que a referida

contribuição possui natureza jurídica de tributo, quando do julgamento do Recurso

Extraordinário n.º 138.284-8/CE, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso.

129

Vide Recursos Extraordinários 344.994 e 545.308 do Supremo Tribunal Federal.

110

Da mesma forma que o IRPJ, a pessoa jurídica optante pelo regime do lucro

real, presumido ou arbitrado deverá se submeter à incidência da CSLL pelo mesmo

regime escolhido.

Aplicam-se à CSLL, além dos princípios da estrita legalidade,130

isonomia

tributária,131

irretroatividade da lei,132

anterioridade especial ou mitigada,133

vedação ao

confisco,134

o princípio da diversidade na base de financiamento da seguridade social, a

equidade na forma de participação no custeio, a retributividade e o princípio da

capacidade contributiva.

O princípio da diversidade na base de financiamento está previsto nos

incisos I, II, III e IV do artigo 195 da CF/1988, prescrevendo que a seguridade social

será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta.

Os recursos orçamentários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios

financiam diretamente a seguridade social, enquanto o recolhimento de contribuições

sociais dos empregadores, dos trabalhadores, da receita do concurso de prognósticos e

do importador o faz de forma indireta.

No § 9.º do artigo 195 da CF/1988 há expressa menção de que “as

contribuições sociais previstas no inciso I do caput desse mesmo artigo poderão ter

alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da

utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do

mercado de trabalho”, o que detalha o mecanismo da equidade.

130

Artigo 150, I, da CF.

131 Artigo 150, II, da CF.

132 Artigo 150, III, “a”, da CF.

133 O princípio da anterioridade veda que as pessoas políticas cobrem tributos no mesmo exercício

financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, conforme redação do art.

150, III, “b”, da CF/1988. Todavia, no caso das contribuições sociais, há exceção à referida regra,

submetendo-se a uma “anterioridade especial”, na terminologia adotada pelo Professor Roque

Antonio Carrazza, em sua obra Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 527. Isso quer dizer que, independentemente da lei que instituir ou majorar

contribuição social a ser publicada no dia 31 de dezembro, somente terá vigência a partir do prazo de

90 dias contados da sua publicação. 134

Artigo 150, IV, da CF.

111

Sobre esse tema, Fabiana Tomé135

leciona que deve ter correlação entre o

fator de diferenciação e a desequiparação procedida. Afirma que o princípio da

isonomia e da capacidade contributiva são balizadores dessa diferenciação, não podendo

servir para medir a capacidade contributiva apenas o dado “atividade econômica” ou

“utilização intensiva de mão de obra”, porque esses elementos não atendem de forma

objetiva esses princípios, podendo existir na mesma atividade econômica contribuintes

com maior e menor capacidade e com maior ou menor utilização de mão de obra.

Entendemos que o fato de uma empresa ser mais ou menos lucrativa, por

exemplo, critério constantemente utilizado pelo fisco federal para majorar a CSLL, não

revela a sua atividade econômica, o número de empregados, ou o seu tamanho. Uma

empresa pode ter alta lucratividade com poucos funcionários, enquanto outra pode ter

baixa taxa de retorno e utilizar muita mão de obra.

Fabiana Tomé defende também que o princípio da capacidade contributiva é

aplicável às contribuições sociais, haja vista que o vocábulo “imposto” trazido no artigo

145, § 1.º, da CF – “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão

graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” – é ambíguo, podendo ser

empregado para significar imposto em sentido estrito ou tributos.136

Essa ambiguidade se repete em outros momentos nos enunciados na Carta

Política de 1988, em razão de vícios de linguagem ou erros redacionais de textos legais

pelos legisladores.

Não temos dúvida de que o princípio da capacidade contributiva deve estar

contido nas regras que majoram ou alteram a CSLL, especialmente para sedimentar a

distinção tributária fixada em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de

mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

Quanto à referibilidade ou retributividade, a CSLL é uma contribuição para

a seguridade social, com destinação certa, vinculada, e a alíquota somente poderia ser

majorada caso beneficiários relacionados às empresas sujeitas à majoração

135

TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a seguridade social: aspectos constitucionais. 2000.

Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p. 200-201. 136

Idem, p. 181.

112

demandassem mais para o sistema de seguridade ou se houvesse a criação de algum

outro benefício para o segmento, o que não ocorre no presente caso.

Nos termos do artigo 195, § 5.º, da CF/1988, a regra da contrapartida ou da

referibilidade dispõe que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser

majorado sem a correspondente fonte de custeio. É dizer que não se justifica majorar a

CSLL algum setor da economia, por exemplo, porque nenhum benefício ou serviço da

seguridade social foi criado. A União estará arrecadando um valor sem, em

contrapartida, proporcionar qualquer benefício.

A respeito da referibilidade, o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo

a aplicação desse princípio nas contribuições sociais:

Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo.

Contribuição para o custeio da saúde. Compulsoriedade. Servidor

ocupante de dois cargos. Impossibilidade de a incidência alcançar o

valor auferido sob os dois vínculos. Sobrestamento. Modulação dos

efeitos. Desnecessidade. A Primeira Turma desta Corte assentou que a

incidência da contribuição para o custeio dos serviços de saúde,

exercida a opção pelo servidor, deve incidir sobre apenas um dos

cargos. O princípio da solidariedade se presta a universalizar o âmbito

de potenciais contribuintes, mitigando a referibilidade que é própria

das contribuições. Não se presta o referido postulado a legitimar

distorções na base de cálculo das contribuições, as quais, no intuito

desmedido de arrecadar, acarretam o desvirtuamento da natureza

retributiva que deve marcar os regimes de previdência. A controvérsia

relativa à restituição de indébito decorrente da declaração de

inconstitucionalidade da cobrança compulsória tem natureza

infraconstitucional e, portanto, não pode ensejar a abertura da via

extraordinária. Dessa maneira, não se faz imprescindível o

sobrestamento do presente feito até o trânsito em julgado do acórdão

proferido na ADI 3.106/MG. Agravo regimental a que se nega

provimento (ARE 672673 AgR/MG, 1.ª Turma, Min. Roberto

Barroso, j. 13.05.2014).

A jurisprudência supracolacionada permite afirmar que a referibilidade ou

retributividade estrita nas contribuições sociais é um verdadeiro balizamento para

marcar os regimes de previdência no País.

Ademais, há respeitável corrente doutrinária considerando que a CSLL tem

natureza de imposto, confundindo-se com o imposto sobre a renda, afirmando que:

113

O constituinte não pretendeu impor a incidência simultânea de dois

tributos sobre o mesmo fato gerador (o lucro auferido pelo

empregador). Chamou, impropriamente, de contribuição social o que

será, simplesmente, a destinação do produto de arrecadação do

imposto de renda para o financiamento da Seguridade Social. É que,

não sendo um técnico, o constituinte poderá cometer esse grosseiro

equívoco, apesar de, claramente, ter separado as espécies tributárias ao

longo de todo o corpo do Estatuto Magno.137

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que se trata de tributos

diferentes:

CSSL. Pretendida extensão à exação de benefício fiscal concedido em

relação ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza.

Suposta identidade ou semelhança entre as bases de cálculo dos

tributos. IR e CSLL. Tributos de espécies próprias e diferentes.

Impossibilidade de extensão automática de benefício concedido em

relação a um dos tributos ao outro. Processual civil.

Prequestionamento. Matéria infraconstitucional. Esta Corte já afastou

expressamente a identidade entre a Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido – CSLL e o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer

Natureza – IRPJ, por se tratarem de tributos classificados em espécies

próprias e diferentes. Assim, eventual semelhança entre as bases de

cálculo das exações não implica necessariamente unicidade de

tratamento fiscal. Ausente a identidade entre os tributos, a extensão do

benefício concedido em relação a uma das exações para a outra

dependeria de lei específica neste sentido (art. 150, § 6.º, da

Constituição). As demais alegações referem-se à matéria não

prequestionada, de natureza infraconstitucional. Agravo ao qual se

nega provimento.138

José Eduardo Soares de Melo139

aponta importante distinção entre esses

tributos, destacando que os ajustes realizados na aferição da base de cálculo do IR

constituem elementos estranhos e posteriores ao lucro societário (contábil). Para ele, é o

lucro fiscal que ocasiona o fato gerador do imposto de renda, enquanto para a CSLL é o

lucro contábil (societário) que acarreta o seu fato gerador. Há distinções numéricas que

não permitem atestar a identidade entre os lucros dos referidos tributos.

137

BALERA, Wagner. Seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1989. p. 57.

138 STF, RE 399.667/RN, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.ª Turma, DJ 08.11.2011.

139 MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2010. p. 227.

114

Portanto, concluindo o entendimento do renomado professor, os ajustes

feitos compreendem a própria formação e a apuração do lucro tributável pelo imposto

de renda, que nem sempre corresponde ao lucro tributável para a contribuição social.

Seguimos o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que fortalece nossa

premissa descrita em todo este estudo, de que semelhança não é igualdade. Há

diferenças na base de cálculo e na destinação desses tributos. O IRPJ não possui

destinação específica, tratando-se de tributo não vinculado,140

enquanto o segundo será

utilizado para custear a seguridade social, nos termos do artigo 195 da CF/1988.

Nesse sentido, passemos à análise da regra-matriz de incidência da CSLL.

A regra-matriz de incidência da CSLL:

A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência

A.1) Critério material

De forma objetiva, o critério material da CSLL é auferir lucro (verbo +

complemento).141

Sobre o lucro, Mary Elbe Queiroz nos ensina:

[...] o significado que melhor se enquadra à espécie é o de lucro

considerado como o resultado positivo da pessoa jurídica, obtido após

a dedução das receitas, de todos os custos, gastos e despesas

necessários à manutenção da fonte produtora e à produção dos

rendimentos, depois de compensados os prejuízos havidos na

exploração da atividade. Do contrário, seria admitir que em um

momento o lucro assumisse um sentido, quando, por exemplo,

destinar-se à quantificação da participação dos empregados ou à

distribuição de dividendos, em que obrigatoriamente devem ser

computados os prejuízos, e para fins tributários assumisse outro

sentido, no qual a compensação poderia ser limitada. 142

140

Artigo 16 do Código Tributário Nacional.

141 Miguel Horvath Júnior entende que o critério material da CSLL será auferir lucro ou apurar receita

bruta (Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 509). 142

QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole,

2004. p. 79.

115

A despeito de se basear no valor de receita bruta para fins de cálculo da

CSLL na sistemática do lucro presumido ou no regime de estimativa, o fato é que

nessas sistemáticas se presume um lucro de 12%, do valor da receita bruta, no caso das

atividades das securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

A.2) Critério temporal

O critério temporal pode ser auferido com a apuração trimestral, nos casos

de lucro real e lucro presumido, vencendo nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de

setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário.

Identifica-se ainda a apuração mensal nos casos de tributação com base no

lucro real anual, e ao final do ano a securitizadora deverá fazer o ajuste e apurar o saldo

devedor a pagar ou o saldo negativo (crédito) de CSLL em razão das antecipações feitas

(recolhimentos feitos a maior que o devido levando em consideração o ano) durante os

meses do ano-calendário.

Os valores recolhidos pela securitizadora no regime anual, mês a mês pelo

regime de estimativa, e a apuração do lucro mediante a elaboração de balancetes de

suspensão ou redução terão como critério temporal de incidência da CSLL o último dia

do ano respectivo calendário, nos termos do artigo 2.º, § 1.º, “a”, da Lei n.º 7.689/1988.

Contudo, considerando a hipótese de o recolhimento da CSLL se dar mês a

mês em razão do regime anual, o recolhimento dessa contribuição no caso do regime de

estimativa (valor fixo presumido) e a apuração de lucro por meio de balancetes de

suspensão e redução têm como vencimento o último dia útil do mês subsequente àquele

que se referir (artigo 6.º da Lei n.º 9.430/1996), momento que não se confunde com a

identificação do critério temporal da incidência tributária.

Por fim, identifica-se como critério temporal o último dia útil do mês

subsequente ao evento da fusão, cisão ou incorporação, caso haja alguma operação

societária dessa natureza envolvendo a securitizadora.143

143

Artigo 220, § 1.º, do RIR/1999.

116

A.3) Critério espacial

O critério espacial é todo o território nacional, atendendo o princípio da

territorialidade, bem como os lucros e rendimentos auferidos no exterior, em razão do

princípio da universalidade, aplicável à CSLL desde a edição da Medida Provisória n.º

1856-6/1999.

Sobre o princípio da universalidade, Heleno Tôrres144

nos ensina que a

tendência dos Estados, principalmente os exportadores de capital, é a de implantar o

princípio da universalidade como princípio de conexão para os rendimentos de

residentes dotados de elementos de estraneidade, em razão da constante e crescente

movimentação de capitais no mercado mundial, da necessária progressividade dos

impostos incidentes sobre as categorias redituais, e, principalmente, para o controle dos

casos de elusão e evasão fiscal internacional promovidos pelos “países com tributação

favorecida”.

Atualmente, o princípio da universalidade da CSLL está previsto nos artigos

77 e 81 da Lei n.º 12.973/2014, quando tratou dos lucros auferidos por controlada e

coligadas no exterior.

B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência

B.1) Critério pessoal

No critério pessoal, tem-se como sujeito ativo a União Federal, sendo

arrecadada a CSLL pela Receita Federal do Brasil, por força do disposto na Lei n.º

7.689/1988. Já o sujeito passivo da relação jurídico-tributária é a pessoa jurídica que

auferir o lucro líquido.

Wagner Balera145

apresenta entendimento de que há inconstitucionalidades

quando se atribui à União Federal a legitimidade para a cobrança de contribuições

144

TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. São

Paulo: RT, 2001. p. 86. 145

BALERA, Wagner. X Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário, São

Paulo: Malheiros, n. 67, p. 318, 1992.

117

destinadas à seguridade social, como ocorre com o disposto no artigo 33 da Lei n.º

8.212/1991 e o artigo 10 da Lei Complementar n.º 70/1991.

A preocupação desse autor é que os recursos da seguridade social não

poderiam parar nos cofres do Tesouro Nacional, recebendo destino estranho às

finalidades a que estão vocacionados no sistema jurídico.

Todavia, a despeito da pertinência da preocupação, cabe ao Tribunal de

Contas da União146

fiscalizar e julgar a destinação e aplicação dos recursos das

contribuições sociais, sob pena de não aprovação das contas da União Federal e

aplicação de sanções.

Após a edição da Lei n.º 11.457/2007, que criou a Super-Receita, perdeu

sentido essa questão de competência exclusiva do Instituto Nacional da Seguridade

Social (INSS) para arrecadar as contribuições dispostas no artigo 11 da Lei n.º

8.212/1991, até mesmo porque o § 1.º do artigo 2.º da Lei n.º 11.457/2007 prevê a

destinação do produto da arrecadação, em caráter exclusivo, ao pagamento de

benefícios do Regime Geral de Previdência Social, sendo creditado diretamente ao

Fundo do Regime Geral de Previdência Social, havendo, inclusive, prestação de contas

anualmente ao Conselho Nacional de Previdência Social dos resultados da arrecadação.

Passemos ao próximo critério da regra-matriz de incidência que traz a base

de cálculo e alíquota da CSLL em cada regime de apuração.

B.2) Critério quantitativo

A base de cálculo da CSLL será o resultado do exercício antes do

provisionamento do imposto sobre a renda, qual seja o lucro líquido,147

corresponde ao

resultado contábil do período ajustado pelas adições determinadas, pelas exclusões

admitidas e pelas compensações de base de cálculo negativa até o limite definido em

legislação específica vigente à época da ocorrência dos fatos geradores, porém o valor

da CSLL não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua

própria base de cálculo (art. 1.º da Lei n.º 9.316/1996).

146

Lei n.º 8.443/1992.

147 Artigo 2.º da Lei n.º 7.689/1988.

118

O conceito dado pelo Regulamento do Imposto de Renda ao lucro real é o

de lucro líquido ajustado. Definiu-se que “o lucro real é o lucro líquido do período de

apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas

por este Decreto” (Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, art. 6.º).148

Por sua vez, o lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do

lucro operacional, dos resultados não operacionais e das participações e deverá ser

determinado com observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei n.º 1.598, de

1977, art. 6.º, § 1.º, Lei n.º 7.450, de 1985, art. 18, e Lei n.º 9.249, de 1995, art. 4.º).149

Quanto à sistemática de apuração pelo lucro presumido, a base de cálculo da

CSLL é formada da mesma maneira mencionada, em relação ao IRPJ, no item anterior,

ou seja, a receita bruta calculada da mesma forma, diferenciando-se quanto à aplicação

do percentual, que será de 12%, nos termos do artigo 20 da Lei n.º 9.249/1995,150

com o

artigo 29 da Lei n.º 9.430/1996, enquanto no IRPJ o percentual é de 8%,151

no caso das

sociedades securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Esse inclusive é o entendimento da Resposta à Consulta n.º 130/2012, da

Receita Federal do Brasil:

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Securitização.

Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita bruta.

Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas

empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de

cálculo da CSLL deve ser apurada com a utilização do percentual de

presunção de 12% (doze por cento).

148

Artigo 247 do RIR/1999.

149 Artigo 248 do RIR.

150 “Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido devida pelas pessoas

jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2.º, 25 e 27 da Lei

no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá a 12% (doze por cento) sobre a receita bruta

definida pelo art. 12 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período,

deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, exceto para

as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1.º do art. 15, cujo

percentual corresponderá a 32% (trinta e dois por cento).” 151

Lei n.º 9.249/1995. “Artigo 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada

mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente,

observado o disposto no art. 12 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das

devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto

nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei n.º 8.981, de 20 de janeiro de 1995.”

119

A alíquota incidente sobre a base de cálculo é de 9%, conforme disposto no

artigo 3.º, III, da Lei n.º 7.689/1988, com a redação dada pelo artigo 37 da Lei n.º

10.637/2002.

O próximo tributo a ser analisado será a Contribuição ao Programa de

Integração Social.

3.4 Programa de Integração Social – PIS/Pasep

Os artigos 149 e 195 da Constituição Federal outorgaram à União Federal a

competência para instituir contribuições sociais.

A contribuição ao PIS/Pasep foi instituída antes da promulgação da atual e

vigente Carta Política de 1988, pela Lei Complementar n.º 7/1970, sendo recepcionada

pelo artigo 239 da CF/1988. Sua incidência tributária se dá sobre o valor da receita bruta

segundo as regras jurídicas atuais.

Todavia, entendemos necessário breve estudo da evolução normativa do

conceito de receita bruta.

Segundo o disposto na Lei Complementar n.º 7/1970, a incidência do

PIS/Pasep se dá sobre o faturamento: “Art. 3.º O Fundo de Participação será constituído

por duas parcelas: [...] b) a segunda, com recursos próprios da empresa, calculados com

base no faturamento, como segue: [...]”.

Somente com o advento da Lei n.º 9.718/1998, artigo 3.º, § 1.º, é que passou

a considerar a palavra faturamento como receita bruta, que por sua vez deveria ser

entendida como “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo

irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para

as receitas”.

Essa equiparação não possuía, à época da edição da Lei n.º 9.718/1998,

fundamento de validade na Constituição Federal.

120

Como forma de buscar um fundamento de validade para a referida

equiparação, foi editada a Emenda Constitucional n.º 20/1998, que alterou o disposto no

artigo 195 da CF/1988, incluindo a palavra “receita” no inciso I, “b”, a seguir:

Art. 195. [...]

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na

forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou

creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,

mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento (destacamos).

Contudo, com a discussão da inconstitucionalidade do artigo 3.º, § 1.º, da

Lei n.º 9.718/1998, o Supremo Tribunal Federal, em 09.11.2005, julgou os Recursos

Extraordinários n.º 357.950-9/RS, n.º 390.840-5/MG, n.º 358.273-9/RS e n.º 346.084-

6/PR, decidindo-se que a incidência do PIS/Pasep e da Cofins deveria se dar sobre o

faturamento, entendido como a receita decorrente da venda de mercadorias e/ou

prestação de serviços (operações próprias do negócio).

Somente com a promulgação das Leis n.º 10.637/02 (PIS) e n.º 10.833/2003

(Cofins), que instituíram a sistemática da não cumulatividade,152

para as empresas que

estão nesse regime é que passou a ser considerada a “receita bruta” a base de cálculo das

contribuições ao PIS/Pasep e Cofins.

152

A não cumulatividade é uma técnica que permite o contribuinte do PIS e da Cofins a apurar a receita

bruta, aplicar as alíquotas dessas contribuições e descontar desses tributos créditos, apurados da

mesma forma que os débitos, levando em conta valores de bens, serviços, aluguéis, máquinas etc.,

descritos nos artigos 3.º das Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003, que se apresentam como rol

taxativo. Essa técnica, considerada por muitos juristas como um princípio, atualmente tem

fundamento de validade no artigo 195, § 12, da CF/1988, porém, antes da previsão no texto

constitucional, a não cumulatividade foi prevista primeiro nas referidas leis ordinárias. Segundo

Adolpho Bergamine, “a operacionalização desta norma jurídica relativa à não cumulatividade do

PIS/Cofins é feita pelo Método Subtrativo Indireto, ou base contra base. Afinal, à tomada do crédito

que será utilizado ao abatimento do débito não se verifica a carga fiscal relativa ao PIS/Cofins da

etapa anterior (tal como ocorre com o IPI e o ICMS, onde se aplica o método imposto contra imposto,

isto é, o imposto destacado na NF de aquisição será utilizado no abatimento do imposto devido na

saída de mercadorias/produtos), mas sim o resultado da aplicação da alíquota de 9,25% sobre o

montante de certas despesas e aquisições, que será confrontado com o resultado da aplicação da

alíquota de 9,25% (ou outra alíquota a que o contribuinte estiver sujeito) sobre o faturamento do

contribuinte” (A não cumulatividade do PIS/Cofins sob a ótica constitucional. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3130>.

Acesso em: 26 abr. 2016).

121

Com a edição da Lei n.º 12.973/2014, em razão da aprovação da Medida

Provisória n.º 627/2013, que entrou em vigor em 1.º.01.2015, as empresas tributadas no

lucro presumido passaram a adotar a receita bruta como base de cálculo para a

incidência das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins, pois com a declaração de

inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 3.º da Lei n.º 9.718/1998, no período entre a

edição da referida regra declarada inconstitucional (efeito ex tunc da decisão do STF) e

a edição da referida lei em 2014, as empresas tributadas no lucro presumido não

possuíam regra jurídica ampliando a definição de conceito de faturamento.

Essa modificação e padronização do conceito de receita bruta editado pela

Lei n.º 12.973/2013 também resultaram em alterações para as empresas submetidas ao

regime não cumulativo.

Ao modificar o teor do artigo 12 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26.12.1977, o

conceito passou a ser: (i) o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

(ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de

conta alheia (aqueles obtidos pela venda de produtos ou mercadorias pertencentes a

terceiros, mediante o pagamento de comissão); (iv) as receitas da atividade ou objeto

principal da pessoa jurídica não compreendidas nos itens i a iii.

Diante disso, temos uma nova definição de conceito de receita bruta, em

razão de modificações legislativas, tendo como fundamento de validade constitucional o

disposto na Emenda Constitucional n.º 20/1998, aplicáveis em ambos os regimes de

recolhimento do PIS.

Há importante discussão jurídica sobre a inconstitucionalidade da ampliação

do novo conceito de receita bruta, ao incluir os tributos sobre ela incidentes, que

atingem diretamente as securitizadoras de títulos e valores mobiliários, além dos

contribuintes que se submetem ao recolhimento dessas contribuições no regime

cumulativo e não cumulativo.

Na prática, gerou-se indevido alargamento das bases de cálculo do

PIS/Pasep e da Cofins, destacando-se o fato de que tributos não devem fazer parte do

conceito de receita bruta.

122

Essa discussão possui os mesmos fundamentos com o questionamento da

exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das bases de

cálculo dessas duas contribuições. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Recurso

Extraordinário n.º 240.785/MG, concluiu que há

[...] um núcleo mínimo essencial que deflui direto da Constituição

para definição de faturamento e, por conseguinte, de receita bruta, já

que em parte coincidentes os conceitos para fins de incidência da

Cofins (e, por extensão, do PIS), o qual não abarca o valor atinente ao

ICMS.

Diante dessa nova discussão sobre a ampliação da receita bruta, a Corte

Especial do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região apreciará incidente de

inconstitucionalidade153

do art. 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998, art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º

10.637/2002 e art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º 10.833/2003, suscitado na parte em que fazem

remissão ao artigo 12 do Decreto-lei n.º 1.598/1977, com a redação que lhe foi dada

pela Medida Provisória n.º 627/2013, convertida na Lei n.º 12.793/2014,

especificamente ao texto do § 5.º do referido artigo 12, ao dispor que “Na receita bruta

incluem-se os tributos sobre ela incidentes”.

Mais uma discussão em que haverá a necessidade da manifestação do

Supremo Tribunal Federal, após bons longos anos adiante. Enquanto isso, a regra está

posta no sistema jurídico, é considerada válida e produz efeitos.

A solução de mais essa lide deveria receber o mesmo tratamento da

exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Pasep e Cofins, visto que a inclusão de

tributos no conceito de receita bruta é desprovida de fundamento constitucional e legal

(ausência de previsão na Regra Geral Tributária), tratando-se de mais uma

inconsistência jurídica, pois receita e faturamento são conceitos de direito privado que

não podem ser alterados por entendimento do fisco ou mesmo por norma tributária,

diante do disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional.

153

O incidente foi suscitado pelo Desembargador Otávio Roberto Pamplona, nos autos da Apelação

Cível n.º 5032663-08.2014.4.04.7200/SC, em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 4.ª

Região, em 07.10.2015.

123

Por fim, em relação à contribuição ao PIS/Pasep, estamos diante de tributo

que deve obedecer alguns princípios constitucionais, já apontados neste estudo quando

tratamos da contribuição social.

Contudo, um dos mais destacados é a anterioridade especial ou mitigada,

que dispõe a necessidade do prazo de 90 dias contados da publicação da lei para que se

possa haver a instituição ou majoração do PIS/Pasep, independentemente de a referida

lei ter sido publicada no dia 31 de dezembro.

Portanto, as majorações e alterações feitas na contribuição ao PIS/Pasep

deverão ser submetidas a esse prazo, que é posto no ordenamento jurídico para evitar

surpresas aos administrados.

Cumpre-nos construir a partir de agora a regra-matriz de incidência, como

forma de conhecer melhor a norma geral e abstrata, com todos os seus critérios mínimos

de incidência.

A regra-matriz de incidência do PIS/Pasep:

A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência

A.1) Critério material

Nos termos do artigo 195, I, “b”, da CF, a contribuição ao PIS/Pasep pode

incidir sobre faturamento e sobre a receita da pessoa jurídica, uma vez que o

faturamento está contido na receita. Com isso, consideramos que o critério material

dessa contribuição social é “auferir receita bruta”154

(verbo + complemento).

A receita bruta será aquela definida no artigo 1.º, § 1.º, da Lei n.º

10.637/2002, quanto às empresas que estão no lucro real, que incluem a ampliação dada

pelo artigo 2.º da Lei n.º 12.973/2014; e aquela definida no artigo 12 do Decreto-lei n.º

1.598/1977, com as alterações promovidas pelo artigo 2.º da Lei n.º 12.973/2014, para

as empresas que estão no lucro presumido.

154

A receita bruta, além de abranger o faturamento, incorpora todas as outras receitas de pessoa jurídica,

tais como aluguéis, juros, correção monetária, royalties, dividendos, entre outros.

124

A definição de conceito de receita bruta para ambos os regimes (lucro real e

lucro presumido) é a mesma a partir da vigência da Lei n.º 12.973/2014, que incluem as

demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores decorrentes do

ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei n.º 6.404,

de 15.12.1976.

Sobre a questão do ajuste a valor presente, apenas um parêntesis, pontua-se

que em busca do processo de harmonização e convergência das práticas às normas

contábeis previstas na International Financial Reporting Standards (IFRS), emitidas

pelo International Accounting Standard Board (IASB), o Brasil aprovou a Lei n.º

11.638/2007, que introduziu na Lei das S.A., o inciso VIII no artigo 183.155

O ajuste “a valor presente” objetiva efetuar estimativa do valor corrente de

um fluxo de caixa futuro (o valor de um direito ou obrigação descontadas as taxas

implícitas em seu valor original, registrar essas taxas como despesas ou receitas

financeiras), no curso normal das operações da entidade.

Objetiva-se que os juros embutidos nos valores das operações a prazo não

provoquem distorções nas demonstrações contábeis, pois as empresas deixavam de

reconhecer despesas e receitas financeiras incluídas nas operações, apurando resultados

distorcidos.

Portanto, as operações tornam-se comparáveis sob o ponto de vista de

análise, independentemente de as empresas operarem à vista ou a prazo. No caso das

empresas do lucro real, a receita bruta para fins de cálculo do PIS/Pasep conterá essa

variação financeira relativa ao ajuste a valor presente dos ativos de longo prazo.

Com isso, nas vendas a prazo, ainda que reconhecida a receita financeira do

“ajuste a valor presente”, este comporá a base de cálculo das contribuições.

155

“VIII – os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor

presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante.”

125

A.2) Critério temporal

O critério temporal das atividades de securitizadora de títulos e valores

mobiliários ocorre no último dia de cada mês, tratando-se de contribuição mensal, seja

na sistemática cumulativa (artigo 3.º da Lei n.º 9.718/1998) nos casos de apuração pelo

lucro presumido, seja na sistemática não cumulativa (artigo 1.º da Lei n.º 10.637/2002)

nos casos de apuração pelo lucro real.

A.3) Critério espacial

O critério espacial é o território nacional, adotando-se o princípio da

territorialidade. Com isso, toda a receita bruta auferida pela securitizadora no território

brasileiro será tributada pela contribuição do PIS/Pasep.

B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência

B.1) Critério pessoal

O sujeito ativo da relação jurídico-tributária que se forma no consequente da

regra-matriz de incidência é a União Federal, que cobra a contribuição ao PIS/Pasep por

meio da Receita Federal do Brasil. Já o sujeito passivo é a pessoa jurídica que auferiu a

receita bruta.

No caso em análise, a securitizadora de títulos e valores mobiliários, ao

realizar o desconto do valor do recebível (compra com deságio), aufere sobre esse

desconto receita bruta que deverá ser tributada pelo PIS/Pasep.

B.2) Critério quantitativo

A contribuição ao PIS/Pasep vigora em dois regimes. O regime cumulativo,

que encontra regulamentação na Lei Complementar n.º 7/1970, na Lei n.º 9.715/1998,

Lei n.º 9.718/1998 e no Decreto-lei n.º 1.578/1977 (artigo 12), possui base de cálculo a

receita bruta auferida e alíquota de 0,65%.156

Já o regime não cumulativo, que encontra

156

Artigo 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998, com a redação da Lei n.º 12.973/2014 (base de cálculo), e

artigo 8.º, I, da Lei º 9.715/1998 (alíquota).

126

regulamentação da Lei n.º 10.637/2002, a contribuição do PIS/Pasep possui base de

cálculo a receita bruta e alíquota de 1,65%.157

Portanto, as securitizadoras se submeterão, dependendo do regime de

tributação que adotarem, à alíquota de 0,65% sobre a receita bruta quando da

sistemática do lucro presumido, e 1,65% sobre a receita bruta quando da sistemática do

lucro real, e neste último caso poder-se-á creditar da contribuição ao PIS nas hipóteses

descritas do artigo 3.º da Lei n.º 10.637/2002.

O fato de a instituição securitizadora não ser, por definição legal, uma

instituição financeira não implica dizer que a receita dela decorrente de descontos

(deságio) na aquisição de recebíveis não tenha natureza de receita operacional própria.

Fazemos essa afirmação para não confundir com o tratamento dado pela legislação em

relação à tributação das receitas financeiras pelo PIS/Pasep e pela Cofins às empresas

submetidas ao regime não cumulativo, após a edição do Decreto n.º 8.426/2015, que

restabeleceu alíquotas de 0,65% e 4%, para essas contribuições, respectivamente.

A despeito de o restabelecimento da tributação sobre as receitas financeiras

não interferir diretamente nas securitizadoras, há impactos nos investidores pessoa

jurídica sujeitos ao regime não cumulativo, com a revogação da alíquota zero fixada

pelos Decretos n.º 5.164/2004 e n.º 5.442/2005, autorizada pelo § 2.º do artigo 27 da Lei

n.º 10.865/2004. No caso em questão, houve a revogação da alíquota zero fixada por um

Decreto por outro.

Há juristas que defendem que houve violação ao princípio da estrita

legalidade, sob o argumento de que somente a lei poderá estabelecer a majoração de

tributos, ou a sua redução, bem como a fixação de tributo.

A matéria vem ganhando contornos negativos no Poder Judiciário, sob a

premissa de que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na revogação de um

decreto por outro.

157

Artigo 1.º, caput (base de cálculo), e artigo 2.º, caput (alíquota), ambos da Lei n.º 10.637/2002.

127

Na ausência de Decreto reduzindo a alíquota a zero, por revogação expressa,

voltaria a incidir as alíquotas de 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins constantes nas

Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003.

Em razão disso, o Decreto n.º 8.426/2015 impede que se apliquem as

alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (Cofins) ao restabelecer para 0,65% e 4% as alíquotas

do PIS e Cofins sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas

ao regime não cumulativo, até mesmo porque o § 2.º do artigo 27 da Lei n.º

10.865/2004 dá o respaldo legal ao Poder Executivo em reduzir ou restabelecer a

alíquota dessas contribuições.

As securitizadoras de títulos e valores mobiliários não tributam a receita

bruta como se fosse receita financeira, para sua atividade a receita bruta é considerada

operacional.

No tocante aos créditos que poderão ser aproveitados pelas securitizadoras,

caso adotem a sistemática do lucro real, estão as despesas de contratação de rating e os

custos inerentes à emissão de debêntures,158

reputados, em nosso entendimento, como

insumos na atividade de securitização, pois compõem e agregam valor na receita

operacional da companhia quando tais despesas são despendidas na operação de

securitização de títulos e valores mobiliários. Ou seja, nossa forma de apontar se

determinada despesa é ou não um insumo se dá na correlação e essencialidade159

com a

atividade-fim desenvolvida pelo contribuinte e sua potencial aptidão de interferência no

valor de receita auferida.

No caso das securitizadoras, as despesas de contratação de rating agregam

certamente valor à receita, pois avalia os riscos de determinado recebível e potencializa

a captação de investidores. Tal análise serve de precificação do valor do recebível e do

spread que será descontado. Portanto, trata-se de despesa que gera interferência na

atividade-fim e no auferimento de receita.

158

A emissão de debêntures possui fundamento de validade na Lei n.º 6.385/1976 e no artigo 52 da Lei

n.º 6.404/1976 (S.A). 159

STJ, REsp 1.246.317, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 29.06.2015.

128

Da mesma forma são os custos com a emissão de debêntures, como taxas

pagas quanto ao registro, taxas de fiscalização para o caso de companhias abertas etc.

Sem a emissão das debêntures não é possível fazer o lastreamento dos recebíveis e

muito menos a captação de recursos, interferindo diretamente na atividade da

securitização. Portanto, não há dúvidas quanto à essencialidade desses custos para fins

de creditamento do PIS/Pasep pelas securitizadoras que estiverem na sistemática do

lucro real, sujeitando-se à não cumulatividade dessa contribuição.

O artigo 3.º, II,160

da Lei n.º 10.637/2002 apresenta amplitude em sintonia

com a própria natureza jurídica da contribuição ao PIS/Pasep, que incide sobre receitas

em geral, e não somente sobre produtos industrializados ou sobre operações relativas à

circulação de mercadorias.

Segundo a disciplina legal adotada no regime não cumulativo, as

contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins são tributos que possuem bastante proximidade

com os impostos sobre valor agregado, existentes em outros países.

Os insumos, denominados imputs, vêm gerando grandes controvérsias na

doutrina e nas decisões administrativas e judiciais no País, tendo a Receita Federal

adotado definição de conceito restritivo, ao passo que os contribuintes buscam em

processos administrativos e judiciais a definição mais ampla, que seria atrelada aos

custos e despesas passíveis de apropriação na apuração do IRPJ, nos termos dos artigos

290161

e 299,162

ambos do Regulamento do Imposto de Renda.

160

“Art. 3.º Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados

em relação a: [...] II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção

ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto

em relação ao pagamento de que trata o art. 2.º da Lei n.º 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo

fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados

nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI.” 161

“Art. 290. O custo de produção dos bens ou serviços vendidos compreenderá, obrigatoriamente

(Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, art. 13, § 1.º):

I – o custo de aquisição de matérias-primas e quaisquer outros bens ou serviços aplicados ou

consumidos na produção, observado o disposto no artigo anterior;

II – o custo do pessoal aplicado na produção, inclusive de supervisão direta, manutenção e guarda das

instalações de produção;

III – os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação dos bens aplicados na

produção;

IV – os encargos de amortização diretamente relacionados com a produção;

129

Certamente a definição de insumo do Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI) não é a mesma a ser aplicada às contribuições do PIS/Pasep e da

Cofins, haja vista que os métodos de não cumulatividade aplicáveis ao IPI, ao PIS/Pasep

e à Cofins são totalmente diferentes; o primeiro está relacionado com a produção e

circulação de determinado bem e os dois últimos com a universalidade das receitas

auferidas pela pessoa jurídica.

Portanto, estamos convencidos de que a posição da Receita Federal

explicitada nos enunciados da Instrução Normativa n.º 247/2002,163

alteradas pelas

Instruções Normativas n.º 358/2003 e 404/2004, que traça um paralelo com a não

cumulatividade do IPI, não é a correta a ser aplicada em relação ao PIS/Pasep e Cofins,

ou seja, há ilegalidade no tocante às referidas Instruções Normativas, até mesmo porque

essas restrições não estão contempladas na Lei n.º 10.637/2002 e na Lei n.º

10.833/2003.

V – os encargos de exaustão dos recursos naturais utilizados na produção.

Parágrafo único. A aquisição de bens de consumo eventual, cujo valor não exceda a cinco por cento

do custo total dos produtos vendidos no período de apuração anterior, poderá ser registrada

diretamente como custo. Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, art. 13, § 2.º).” 162

“Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da

empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei n.º 4.506, de 1964, art. 47).

§ 1.º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações

exigidas pela atividade da empresa (Lei n.º 4.506, de 1964, art. 47, § 1.º).

§ 2.º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou

atividades da empresa (Lei n.º 4.506, de 1964, art. 47, § 2.º).

§ 3.º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a

designação que tiverem.” 163

“Art. 66. A pessoa jurídica que apura o PIS/Pasep não cumulativo com a alíquota prevista no art. 60

pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:

[...]

§ 5.º Para os efeitos da alínea ‘b’ do inciso I do caput, entende-se como insumos:

I – utilizados na fabricação ou produção de bens destinados à venda:

a) as matérias-primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens

que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas,

em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam

incluídas no ativo imobilizado;

b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na

produção ou fabricação do produto;

II – utilizados na prestação de serviços:

a) os bens aplicados ou consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no

ativo imobilizado; e

b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na

prestação do serviço. [...]”

130

Segundo a melhor doutrina, a diferença entre a Instrução Normativa n.º 404

e a Lei n.º 10.637/2002 – mesmo entendimento em relação à Lei n.º 10.833 – se resume

à utilização dos termos “aplicados ou consumidos”. A despeito de estes serem vagos,

pretendeu a Receita Federal restringir a noção de insumos trazida pela legislação,

tratando como tal apenas aqueles bens que “tenham contato” com serviço prestado

(exceção ao ativo permanente) ou os serviços que resultem na própria prestação objeto

da atividade do contribuinte, o que impõe elevado grau de subjetividade na questão.164

O CARF vem analisando autos de infração que discutem a definição de

conceito de insumo e ainda não uniformizou sua jurisprudência, porém vem sinalizando

reiteradamente entendimento segundo o qual o conceito de insumo, para fins de crédito

de PIS/Pasep e Cofins, deve considerar a relação entre o insumo (bens ou serviços) e a

sua essencialidade, necessidade ou imprescindibilidade com a atividade desenvolvida

pelo contribuinte.165

Após a reestruturação do CARF, não se pode afirmar que a posição que

vinha sendo adotada majoritariamente pelas Turmas Ordinárias e pela Câmara Superior

de Recursos Fiscais permanecerá da mesma forma.

A despeito dessa disputa entre fisco e contribuintes, temos como definição

de conceito de insumo para as securitizadoras de títulos e valores mobiliários o

desembolso de despesas e custos incorridos na operação de securitização.

Não podemos esquecer que a receita tributada pelo PIS/Pasep em relação às

securitizadoras é o deságio (spread) no desconto do valor do título, não fazendo parte

dessa receita tributada o custo de aquisição do título. Por isso, não podemos aceitar que

o valor de aquisição dos recebíveis seja considerado crédito, pois não fará parte da

composição da receita tributada pela securitizadora.

164

SCHOUERI, Luis Eduardo; VIANA, Matheus Cherulli Alcantara. O termo “insumos” na legislação

das contribuições sociais ao PIS/Pasep e à Cofins: a discussão e os novos contornos jurisprudenciais

sobre o tema. PIS e Cofins à luz da jurisprudência do CARF. São Paulo: MP, 2011. p. 415. 165

Destacam-se os acórdãos 9303-01.740, 9303-003.069, 9303-01.035, 9303-01.036, 9303-01.741, 9303-

002.651, 9303-002.652, 9303-002.653, 9303-002.655, 9303-003.079, 9303-003.193, 9303-003.194,

9303-003.308 e 9303-003.309, todos da 3.ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

131

Há outros créditos enumerados em uma lista prevista no artigo 3.º da Lei n.º

10.637/2002, como aluguéis, máquinas e equipamentos pagos à pessoa jurídica,

utilizados na atividade de securitização; valor de contraprestação de arrendamento

mercantil, como a contratação de leasing de equipamentos, computadores e servidores;

a aquisição de máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado

da securitizadora empregados na sua atividade; a energia elétrica consumida no

estabelecimento da sociedade, entre outros, que são passíveis de creditamento.

Nesses casos, a legislação é expressa, e eventuais questionamentos por parte

do Poder Público terão como base a subjetividade, o que poderá ser afastado por aqueles

que fazem o controle de legalidade por meio de medidas judiciais ou em defesas ou

recursos administrativos.

Por fim, com a vigência da Lei n.º 12.973/2014, que modificou o Decreto-

lei n.º 1.578/1977, as securitizadoras de títulos e valores mobiliários que se submeterem

à apuração do PIS/Pasep, seja pelo regime cumulativo ou não cumulativo, deverão

incluir na base de cálculo os tributos incidentes sobre a receita,166

isso quer dizer que o

próprio PIS/Pasep apurado deverá ser adicionado ao cálculo do tributo (denominado de

cálculo por dentro).

A legislação anterior à modificação previa a expressão “impostos incidentes

sobre a venda”, e não fazia menção a “tributo”, que incluem as contribuições sociais,

como o PIS/Pasep e Cofins, como já apontado neste estudo.

Essa fórmula de majoração indevida da contribuição já foi objeto de análise

pelo Supremo Tribunal Federal, no caso incidência das contribuições sociais em

operações de importação, reconhecendo a inconstitucionalidade da inclusão do próprio

PIS-importação e Cofins-importação na base de cálculo dessas contribuições.167

166

“Art. 12. [...]

§ 5.º Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a

valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de

1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4.º.” 167

STF, Plenário, Recurso Extraordinário 559.937/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 20.03.2013, DJe 206,

17.10.2013.

132

Aguarda-se coerência de tratamento quanto à base de cálculo do PIS/Pasep

em relação às contribuições incidentes na importação e àquela dada pela mesma

Suprema Corte quando determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do

PIS/Pasep e da Cofins, como já mencionado neste trabalho.

Em ambos os casos incluíram tributos na base de cálculo das contribuições

sociais, necessitando da mais alta Corte do Judiciário retirar a norma inconstitucional do

sistema jurídico, de forma a restabelecer o conceito de direito privado da receita bruta.

Por fim, antes de adentrar na análise da Cofins, pontua-se uma questão que

consideramos relevante e que interfere nos créditos de PIS/Pasep e Cofins na

sistemática não cumulativa. Ao incluir tributos no conceito de receita, inflando de forma

indevida a base de cálculo dessas contribuições, esse mesmo tratamento,

presumidamente, deveria ser dado em relação à apuração dos créditos dessas

contribuições.

Eventual exclusão da própria contribuição social da sua base de cálculo

deveria ter a mesma fórmula concernente à apuração do crédito. Com isso, haveria

identidades de apuração relativamente ao mesmo tributo.

Trata-se de fundamento fulcrado nos próprios efeitos da decisão judicial,

que guarda certa lógica em razão da sistemática da não cumulatividade dessas

contribuições.

A despeito de o crédito do PIS/Pasep e Cofins não ser considerado físico,

como ocorre com o ICMS e o IPI, possuindo natureza financeira, deveria guardar as

mesmas condições e tratamento na sua apuração.

Assim, se de um lado poderá ser diminuída (por decisão judicial) ou

acrescida na base de cálculo das contribuições sociais a própria contribuição, deveria

incorrer o contribuinte no mesmo tratamento em relação ao crédito na sistemática não

cumulativa.

A seguir, estudaremos a incidência da Contribuição para o Financiamento

da Seguridade Social sobre a atividade de securitização de ativos empresariais.

133

3.5 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)

Tratando-se de contribuição social, a primeira regra que instituiu a Cofins

foi a Lei Complementar n. º 70/1991, editada com fundamento na redação originária do

art. 195, I, da Constituição Federal de 1988, que previa a criação de contribuição para o

financiamento da seguridade social incidente sobre o “faturamento” de empregadores,

de empresas e de entidades a ele equiparadas.

Com a edição da Lei n.º 9.718/1998, resultante da conversão da Medida

Provisória n.º 1.724/1998, a Cofins sofreu profunda modificação. A alíquota passou de

2% para 3%. A base de cálculo, por sua vez, por força da alteração do conceito legal de

“faturamento”, passou a compreender o total da receita bruta da pessoa jurídica, como já

visto no item que tratou da contribuição ao PIS/Pasep.

Com a promulgação da Lei n.º 10.833/2003, que resultou da conversão da

Medida Provisória n.º 135/2003, o regime jurídico da Cofins sofreu nova modificação.

Foi instituída a disciplina legal da Cofins não cumulativa, com fundamento no artigo

195, § 12, da Constituição Federal, tratamento aplicado às empresas sujeitas ao regime

do lucro real.

Por seu turno, na sistemática cumulativa da Cofins, até a edição da Lei n.º

12.973/2014, as empresas sujeitas ao lucro presumido mantiveram-se como base de

cálculo o faturamento, nos termos da Lei Complementar n.º 70/1991.

Por fim, como referido neste estudo, a Lei n.º 12.973/2014 alterou a

definição de receita bruta, trazendo também modificações na base de cálculo da Cofins,

sendo aplicadas as mesmas discussões jurídicas apontadas neste trabalho quanto ao

PIS/Pasep, bem como o princípio da anterioridade mitigada em relação às alterações e

majorações dessa contribuição.

A partir de agora, passemos à construção da regra de incidência.

134

A regra-matriz de incidência da Cofins:

A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência

A.1) Critério material

Da mesma forma que a contribuição ao PIS/Pasep, a Cofins terá como

critério material o faturamento e a receita bruta da pessoa jurídica. Há, no artigo 195, I,

“b”, da CF/1988, previsão das duas bases de cálculo, existindo equiparação desses

conceitos, na medida em que o primeiro está inserido no segundo.

Em ambas as sistemáticas de recolhimento (cumulativa e não cumulativa), o

critério material da Cofins é “auferir receita bruta.

A.2) Critério temporal

O critério temporal, da mesma forma que o PIS/Pasep, ocorre no último dia

de cada mês, tratando-se de contribuição mensal.168

O critério temporal da incidência tributária se dá no momento do

faturamento ou auferimento da receita bruta, e não quando do recebimento de valores

por conta da operação. Essa regra é aplicada nos casos do regime competência na

apuração dos tributos, mais bem analisada no item seguinte.

No caso das securitizadoras que optaram pelo regime caixa, passível na

sistemática de recolhimento do lucro presumido, a receita bruta será auferida quando da

aquisição dos recebíveis, porém a tributação somente ocorrerá quando do recebimento

do valor pelo devedor. Esse controle deve ser feito de forma efetiva pela empresa, sob

pena de autuação pelo fisco federal.

168

Artigo 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998 (regime cumulativo) e o artigo 1.º da Lei n.º 10.833/2003

(regime não cumulativo).

135

A.3) Critério espacial

O critério espacial é o território nacional, adotando-se o princípio da

territorialidade. Toda receita bruta auferida pela securitizadora no País será tributada

pela contribuição da Cofins.

B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência

B.1) Critério pessoal

O sujeito ativo da regra-matriz de incidência é a União Federal, que cobra a

contribuição por meio da Receita Federal do Brasil, e o sujeito passivo é pessoa jurídica

que auferiu a receita bruta.

B.2) Critério quantitativo

Da mesma forma que o PIS/Pasep, a Cofins possui dois regimes de

apuração. O regime cumulativo, que encontra fundamento na Lei n.º 9.718/1998, em

seu artigo 3.º, possuindo como base de cálculo a receita bruta auferida e alíquota geral

de 3%,169

e o regime não cumulativo, em que a Cofins possui como base de cálculo a

receita bruta e alíquota, em geral, de 7,6%.170

Com isso, as sociedades securitizadoras de títulos e valores mobiliários,

dependendo do regime de tributação que adotarem, se submeterão à alíquota de 3%

sobre a receita bruta quando da sistemática do lucro presumido, e 7,6% sobre a receita

bruta quando da sistemática do lucro real.

Na sistemática não cumulativa, a securitizadora poderá se creditar da

Cofins, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 10.833/2003, cujos comentários a respeito da

definição do conceito de insumo e os créditos passíveis de serem considerados pela

sociedade na apuração das contribuições sociais devidas foram tratados na contribuição

ao PIS/Pasep.

169

Artigo 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998, com a redação da Lei n.º 12.973/2014 (base de cálculo), e

artigo 8.º da Lei º 9.718/1998 (alíquota). 170

Artigo 1.º, caput (base de cálculo), e artigo 2.º, caput (alíquota), ambos da Lei n.º 10.833/2003.

136

O que se acrescenta é que as securitizadoras de títulos imobiliários,

financeiros e agrícolas não se submetem ao regime não cumulativo do PIS/Pasep e da

Cofins, nos termos artigo 10, I, das Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003, quando

essas regras fazem referência ao § 8.º da Lei n.º 9.718/1998, que contempla essas três

modalidades de securitização.

Para essas modalidades, a base de cálculo será a receita bruta, e no caso do

PIS/Pasep a alíquota será de 0,65%, enquanto a alíquota da Cofins será de 3%, ou seja,

mantiveram-se as alíquotas gerais da sistemática cumulativa, a despeito de o artigo 14,

VII171

, da Lei n.º 9.718/1998 determinar que as securitizadoras de ativos imobiliários,

financeiros e agrícolas deverão se submeter à apuração do IRPJ e da CSLL pela

sistemática do lucro real.

Após breve análise das regras-matrizes de incidência, construídas para

conhecermos todos os aspectos das normas gerais e abstratas sobre o lucro e receita

bruta das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, apontando breves discussões

jurídicas, o próximo passo será investigar as sistemáticas de recolhimento desses

tributos pelo regime competência ou caixa, técnicas fiscais e contábeis que impõem

importantes impactos no recolhimento de tributos pelas sociedades de ativos

empresariais.

3.6 Sistemáticas de recolhimento dos tributos (regime caixa e regime

competência)

Inicialmente, cabe destacar que as receitas e despesas devem ser incluídas

na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre que se relacionarem e

de forma simultânea, independentemente de recebimentos ou pagamentos. É o que

dispõe o artigo 9.º da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n.º

750/1993, com a redação dada pela Resolução CFC n.º 1.282/2010.172

Trata-se da regra

171

Modalidades de securitização inseridas pela Medida Provisória n.º 472/2009, que foi convertida na

Lei n.º 12.249/2010, conforme seu artigo 22. 172

“Art. 9.º O Princípio da Competência determina que os efeitos das transações e outros eventos sejam

reconhecidos nos períodos a que se referem, independentemente do recebimento ou pagamento.

137

contábil denominada princípio da competência, que determina o reconhecimento de

receitas e despesas independentemente do recebimento ou pagamento.

Diante desse princípio, os resultados são reconhecidos no mês da realização

da operação, o que significa que a receita bruta será reconhecida no momento da venda

de bens e/ou prestação de serviços.173

A regra geral para as sociedades é a apuração pelo regime de competência, o

que impõe à pessoa jurídica a obrigação de registrar e contabilizar suas receitas, os

custos e as despesas naquele mês em que efetuou o faturamento, independentemente do

recebimento dos valores faturados.

A legislação brasileira que trata do IRPJ e da CSLL adota o regime de

competência para demonstração dos resultados,174

e isso quer dizer que ocorre a

incidência desses tributos (nasce o fato jurídico tributário) quando do registro da

operação, permitindo que se confrontem os custos e as despesas com as receitas

auferidas, para fins de apuração do lucro que será tributado.

A legislação tributária determina, na apuração do lucro líquido, a

observância da legislação comercial e das disposições da Lei n.º 6.404, de 1976,

independentemente da forma societária adotada pela pessoa jurídica – artigos 247, § 1.º,

248, 251 e 274, § 1.º, do RIR/1999 (artigos 7.º e 67, XI, do Decreto-lei n.º 1.598, de

1977).

O caput do artigo 177 da Lei n.º 6.404, de 1976, prescreve que a

escrituração será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da

legislação comercial e dessa lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos,

devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as

mutações patrimoniais segundo o regime de competência.

Parágrafo único. O Princípio da Competência pressupõe a simultaneidade da confrontação de receitas

e de despesas correlatas. (Redação dada pela Resolução CFC n.º 1.282/2010.)” 173

Nesse sentido, são os comentários de Vanessa Rahal Canado, em seu artigo Contribuição ao PIS e a

Cofins diante dos casos de inadimplência. Fundamentos do PIS e da Cofins. São Paulo: MP, 2007. p.

450. 174

Artigo 251 do RIR/1999.

138

O artigo 187, § 1.º, explicita esse regime, ao afirmar que na determinação do

resultado do exercício serão computadas as receitas e os rendimentos ganhos no

período, independentemente da sua realização em moeda.

A não observância do regime de competência, que resultará na inexatidão

quanto ao período de apuração de escrituração de receita, custo e reconhecimento do

lucro, implicará o lançamento de tributos, atualizados pela taxa Selic e multa punitiva

nos termos do artigo 44 da Lei n.º 9.430/1996.175

Todavia, na hipótese de ocorrer a inadimplência, a legislação do IRPJ

permite que se faça um controle por meio de ajustes contábeis, autorizando a

dedutibilidade das perdas. Contudo, dependendo do valor, é necessário que se atenda

condições legais e critérios temporais.176

Essa regra é aplicada às pessoas jurídicas que

apuram o IRPJ e a CSLL pelo regime do lucro real.

No âmbito do lucro presumido, não há essa forma de ajuste quanto ao

inadimplemento. O contribuinte deverá suportar além do inadimplemento o pagamento

dos tributos decorrentes do faturamento.

Nesse sentido é o entendimento da DISIT da 8.ª Região Fiscal:

Solução de Consulta n.º 113/2004

Contribuição para o PIS/Pasep. Vendas inadimplidas. Inclusão no total

das receitas. Os valores não recebidos relativos a vendas realizadas e

não adimplidas não devem ser excluídos do total das receitas, base de

cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep. Dispositivos legais: Lei

6.404, de 1976, art. 177 e art. 187, § 1.º, “a”; lei 10.637, de 2002, art.

1.º, caput e §§ 2.º e 3.º.

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.

Vendas inadimplidas. Inclusão no total das receitas. Os valores não

recebidos relativos a vendas realizadas e não adimplidas não devem

ser excluídos do total das receitas, base de cálculo da Cofins.

Dispositivos Legais: Lei 6.404, de 1976, art. 177 e art. 187, § 1.º, “a”;

Lei 10.833, de 2003, art. 1.º, caput e §§ 2.º e 3.º.

175

Artigo 273 do RIR/1999. 176

Artigos 340 e 341 do RIR/1999.

139

No caso do IRPJ e da CSLL, serão deduzidos da receita bruta apenas as

vendas canceladas, as devoluções e os descontos incondicionais concedidos, nos termos

do inciso I do artigo 25 da Lei n.º 9.430/1996.

Há respeitáveis doutrinadores que defendem que o inadimplemento não

implicaria auferimento de receita, o que permitiria a não tributação ou o estorno da base

de cálculo na apuração dos tributos.

Helenilson Cunha Pontes assevera que:

[...] há setores na economia cuja inadimplência é historicamente

registrada, “sendo apurada e atestada por instituições de absoluta

credibilidade, ou, por outro lado, há determinadas operações em que a

inadimplência já é atestada e reconhecida pelo devedor (casos de

empresas em concordata ou em falência). Nestas hipóteses, a

presunção que se estabelece em favor do imediato oferecimento à

tributação da receita, em face do princípio da competência, inverte-se,

ou seja, passa militar em favor do contribuinte uma presunção de que

aquela capacidade contributiva não se realizará, o que autoriza a não

tributação da receita respectiva ou da exclusão da mesma na apuração

da base de cálculo tributável, se já foi oferecida à tributação no

passado, de modo a recompor a situação de desconformidade

originada da presunção legal não realizada.177

Na mesma linha, Barbosa Nogueira descreve que:

[...] nas hipóteses de inadimplência absoluta com respectiva perda de

crédito comercial, nos termos do artigo 9.º e seguintes da Lei n.º

9.430/1996, ocorre a resolução do contrato de compras e vendas com

efeito ex tunc e erga omnes, não correndo, portanto, a consumação do

fato jurídico tributário. Como consequência, a tributação nessa

hipótese viola normas constitucionais e infraconstitucionais, uma vez

que submete o contribuinte ao pagamento de tributos quando inexiste

a riqueza correspondente à incidência tributária.178

Há ainda doutrinadores que sustentam que os valores antes escriturados em

obediência ao regime de competência que efetivamente não ingressarem nos cofres das

empresas contribuintes não são e nunca foram receitas, e, portanto, não podem compor a

177

PONTES, Helenilson Cunha. Grandes questões atuais do direito tributário. 8. ed. São Paulo:

Dialética, 2004. p. 153. 178

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Tributo antecipado pelo contribuinte de direito, cuja base de cálculo é o

preço. Não pago este, também a Fazenda não pode se apropriar do tributo. Compensação ou

restituição. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 62, p. 170, set. 2001).

140

base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. Entendimento diverso seria permitir a

tributação de fatos sem nenhuma expressão ou substrato econômico, e, no caso da

inadimplência, seria o mesmo que tributar o prejuízo.

A tese sustentada por eles tem certa pertinência por critério de justiça fiscal,

mas não vem sendo aceita pelo Supremo Tribunal Federal:

Tributário. Constitucional. Cofins/PIS. Vendas inadimplidas. Aspecto

temporal da hipótese de incidência. Regime de competência. Exclusão

do crédito tributário. Impossibilidade de equiparação com as hipóteses

de cancelamento da venda.

1. O Sistema Tributário Nacional fixou o regime de competência

como regra geral para a apuração dos resultados da empresa, e não o

regime de caixa (art. 177 da Lei n.º 6.404/1976).

2. Quanto ao aspecto temporal da hipótese de incidência da Cofins e

da contribuição para o PIS, portanto, temos que o fato gerador da

obrigação ocorre com o aperfeiçoamento do contrato de compra e

venda (entrega do produto), e não com o recebimento do preço

acordado. O resultado da venda, na esteira da jurisprudência da Corte,

apurado segundo o regime legal de competência, constitui o

faturamento da pessoa jurídica, compondo o aspecto material da

hipótese de incidência da contribuição ao PIS e da Cofins, consistindo

em situação hábil ao nascimento da obrigação tributária. O

inadimplemento é evento posterior que não compõe o critério

material da hipótese de incidência das referidas contribuições.

3. No âmbito legislativo, não há disposição permitindo a exclusão das

chamadas vendas inadimplidas da base de cálculo das contribuições

em questão. As situações posteriores ao nascimento da obrigação

tributária, que se constituem como excludentes do crédito tributário,

contempladas na legislação do PIS e da Cofins, ocorrem apenas

quando fato superveniente venha a anular o fato gerador do tributo,

nunca quando o fato gerador subsista perfeito e acabado, como ocorre

com as vendas inadimplidas.

4. Nas hipóteses de cancelamento da venda, a própria lei exclui da

tributação valores que, por não constituírem efetivos ingressos de

novas receitas para a pessoa jurídica, não são dotados de capacidade

contributiva.

5. As vendas canceladas não podem ser equiparadas às vendas

inadimplidas porque, diferentemente dos casos de cancelamento de

vendas, em que o negócio jurídico é desfeito, extinguindo-se, assim,

as obrigações do credor e do devedor, as vendas inadimplidas – a

despeito de poderem resultar no cancelamento das vendas e na

consequente devolução da mercadoria –, enquanto não sejam

efetivamente canceladas, importam em crédito para o vendedor

oponível ao comprador.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento179

(destacamos).

179

Recurso Extraordinário 586.482/RS, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 23.11.2011, DJE 119,

19.06.2012.

141

Observa-se que o ponto fraco da sustentabilidade dessa tese é a falta de

previsão legal para a exclusão ou estorno dos tributos da receita bruta, destacando que a

origem da receita nasce com o faturamento, e não com o recebimento, não sendo

incluído esse evento posterior à norma de incidência tributária, que subsume sobre o

fato em momento anterior.

Em relação ao PIS/Pasep e à Cofins, não se permite a exclusão das bases de

cálculo dos valores faturados e não recebidos, por falta de previsão legal para tanto.

Apenas as vendas canceladas e os descontos incondicionais são excluídos das bases de

cálculo dessas contribuições, nos termos do artigo 3.º, § 2.º, I, da Lei n.º 9.718/1998 e os

artigos 1.º, § 3.º, V, “a”, das Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003.

A obrigatoriedade de adoção do regime de competência não é absoluta. A

legislação tributária contempla exceções, previstas, por exemplo, nos artigos 409, 413,

421 e 422 do RIR/1999, no artigo 30 da Medida Provisória n.º 2.158-35/2001, no artigo

4.º da Lei n.º 10.931/2004 e no artigo 32 da Lei n.º 11.051/2004.

No entanto, a partir da edição da Instrução Normativa SRF n.º 104/1998,

passou-se a permitir o reconhecimento das receitas da venda de bens ou direitos ou de

prestação de serviços na medida do seu recebimento (adoção do regime de caixa).

Posteriormente, o artigo 13 da Lei n.º 9.718/1998 dispôs que a receita bruta

auferida no ano anterior será considerada segundo o regime de competência ou de caixa,

observado o critério adotado pela pessoa jurídica.

O regime caixa é o regime contábil que apropria as receitas e as despesas no

período de seu efetivo recebimento ou pagamento, respectivamente, independentemente

do momento em que são realizadas. No regime de caixa a receita só será apurada para

fins tributários quando for recebida, ou seja, no dia em que a parcela correspondente for

quitada pelo cliente.

142

No entendimento de Edmar Andrade Filho,180

o regime caixa privilegia o

aspecto financeiro dos negócios jurídicos, de modo que os efeitos fiscais das alterações

patrimoniais só serão reconhecidos para fins de tributação quando houver a realização

financeira. Para esse jurista, esse regime é o que melhor se amolda ao conceito

constitucional de renda, visto que se identifica com precisão o princípio da capacidade

contributiva, na medida em que o tributo deverá ser recolhido apenas quando o sujeito

passivo já estiver na posse dos recursos financeiros.

No Brasil, após a escolha do regime de caixa ou competência, deverá ser

mantido por todo o ano-calendário, não sendo permitido mudar o regime durante o ano-

base.

A despeito da regra quanto ao regime de competência, as sociedades que se

submeterem ao recolhimento dos tributos com base na sistemática do lucro presumido

poderão adotar o regime caixa, nos termos do artigo 20 da Medida Provisória n.º 2.158-

35/2001.181

Para essas empresas, o regime caixa é o mais indicado, visto que o fluxo de

caixa não fica comprometido com o desembolso de valores para fins de pagamento de

tributos. Essa modalidade deve ser informada pelo contribuinte em seus registros fiscais

e contábeis no início do ano-calendário e quando da entrega da Declaração de Imposto

de Renda da Pessoa Jurídica.

Nas operações de securitização de títulos e valores mobiliários, a despeito

de a receita auferida se basear no desconto do valor do deságio quando da aquisição dos

títulos, o momento do fato jurídico tributário para a incidência do IRPJ, da CSLL, do

PIS/Pasep e da Cofins se dá quando do faturamento ou auferimento de receita bruta

(momento da aquisição dos recebíveis), haja vista que é nesse instante que ocorrerá o

desconto do valor da remuneração da securitizadora. Dessa forma, a regra de tributação

é o regime competência, qual seja o mês em que ocorreu a aquisição dos recebíveis.

180

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

p. 113. 181

“Art. 20. As pessoas jurídicas submetidas ao regime de tributação com base no lucro presumido

somente poderão adotar o regime de caixa, para fins da incidência da contribuição para o PIS/Pasep e

Cofins, na hipótese de adotar o mesmo critério em relação ao imposto de renda das pessoas jurídicas e

da CSLL.”

143

Assim, para as securitizadoras que adotam o regime competência, a despeito

de o vencimento do título ocorrer em momento futuro, os custos de aquisição do crédito

devem ser registrados no mês da sua realização, submetendo o valor do deságio em

decorrência da substituição do capital empregado por um recebível com vencimento

futuro à escrituração para fins fiscais e contábeis, apurando-se receita tributada.

Entretanto, as securitizadoras de títulos e valores mobiliários que se

submetem ao regime de apuração do lucro presumido, desde que atendam às exigências

do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, poderão apurar e recolher os tributos ora

mencionados pelo regime caixa, submetendo-se ao pagamento destes apenas quando

ocorrer a recuperação do capital com o pagamento do título pelo devedor, devendo optar

por essa modalidade no início do ano-calendário.

Essa opção não implica modificar o momento do auferimento da receita

bruta, que se dá no momento da aquisição dos recebíveis, porém a tributação somente

ocorrerá, mediante suspensão do recolhimento, quando da recuperação do capital com o

pagamento do valor do crédito pelo devedor.

Com isso, a opção do regime caixa permite que a securitizadora de títulos e

valores mobiliários tenha equilíbrio financeiro (fluxo de caixa), realizando o pagamento

de tributos apenas quando do recebimento dos valores pelo devedor do título, desde que

mantenha um controle contábil e fiscal de suas operações.

Por fim, destaca-se que os recebíveis decorrentes de créditos imobiliários

(aluguéis), adquiridos por securitizadoras de valores imobiliários, sujeitarão à tributação

pelo regime competência, ou seja, irá apurar os tributos no momento da aquisição dos

recebíveis imobiliários. Para o originador, a tributação será diferida no tempo. Haverá a

alocação da receita proporcional ao período de referência do contrato, a despeito de o

originador ter recebido o valor da venda/cessão do título à vista da securitizadora.

É o que dispõe a Solução de Consulta n.º 12/2012 da Cosit – Receita

Federal do Brasil:

144

Solução de Consulta Interna n.º 12 – Cosit

Data: 29 de junho de 2012

Origem: Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da

4.ª Região Fiscal, Divisão de Tributação

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica

Ementa: Regime de competência. Aluguéis recebidos

antecipadamente. Securitização.

Os recursos recebidos antecipadamente, pelo locador, em razão da

securitização de créditos imobiliários, têm seu reconhecimento

apropriado à medida do transcurso do prazo de locação.

Dispositivos legais: Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, arts.

177 e 187; Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, arts. 7.º

e 67; Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, arts. 3.º, 6.º e 8.º; e

Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 286.

Após a análise dos regimes caixa e competência de recolhimentos de

tributos pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, o próximo objetivo será

tratar da não incidência de dois tributos, o Imposto sobre Operações Financeiras e o

Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, que são submetidos às factorings,

contudo, por falta de previsão legal, não há incidência deles sobre as atividades das

securitizadoras.

3.7 Não incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)

O IOF é imposto de competência privativa da União Federal, nos termos do

disposto no artigo 153, V, da Constituição Federal. Trata-se de tributo de natureza

extrafiscal, pois, nas palavras de Hugo de Brito, presta-se como “instrumento de política

de crédito, câmbio, seguros e transferências de valores”,182

e não como simples

instrumento de arrecadação.

Para Roberto Quiroga,183

foi assegurada à União a prerrogativa de criar

quatro exações tributárias distintas, autônomas e independentes, a despeito de elas

182

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 295. 183

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:

Dialética 1998. p. 93.

145

estarem elencadas num único inciso do artigo 153 da CF/1988. Operações de crédito, de

câmbio, de seguro e relativas a títulos ou valores mobiliários são locuções com

significações distintas, cada uma conotando uma realidade fática particular. Com isso,

esse jurista atribui a existência de quatro espécies de impostos, todos com regras-

matrizes diferentes, denominados IO/Crédito, IO/Câmbio, IO/Seguro e IO/Títulos.

Algumas características desse tributo são importantes neste estudo. A

primeira delas é a possibilidade de o Poder Executivo, atentando-se às condições e

limites legais, fixar e alterar as alíquotas do IOF, nos termos do artigo 153, § 1.º, da

CF/1988, que dispõe: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os

limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos

[...] V”.

A segunda é a possibilidade de a lei que criar ou majorar os impostos sobre

operações de crédito, câmbio, seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários ter

eficácia e vigência no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada, não

sendo necessária a obediência ao princípio da anterioridade, disposta no artigo 150, III,

“b”, da Constituição Federal.

Roque Carrazza,184

ao se deparar com a possibilidade da alteração de

alíquotas pelo Poder Executivo, entende que o dispositivo constitucional que autoriza

essa mudança não traz nenhuma exceção ao princípio da legalidade tributária. O papel

do Executivo é apenas alterar os impostos, com base em limites, determinados pelo

próprio legislador. Essa alteração pressupõe algo preexistente. Eventual inexistência de

alíquotas mínimas e máximas impede o Poder Executivo de exercer essa

discricionariedade.

O Código Tributário Nacional dá os contornos fundamentais ao IOF,

esclarecendo alguns critérios das regras-matrizes de incidência nas modalidades crédito,

câmbio, seguro e títulos e valores mobiliários.

O artigo 63 do CTN traz os seguintes excertos quanto aos fatos jurídicos a

serem tributados: (i) quanto às operações de crédito, o imposto incidirá quando da

184

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 253.

146

entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou

sua colocação à disposição do interessado; (ii) quanto às operações de câmbio, o

imposto incidirá quando da entrega da moeda nacional ou estrangeira, ou de documento

que a represente ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente

à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; (iii) quanto às

operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento

equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; (iv) quanto às

operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento

ou resgate destes, na forma da lei aplicável.

Quanto às bases de cálculo, o artigo 64 do CTN traz as seguintes definições:

(i) quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal

e os juros; (ii) quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda

nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; (iii) quanto às operações de seguro,

o montante do prêmio; (iv) quanto às operações relativas a títulos e valores

mobiliários, na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; na transmissão, o

preço ou o valor nominal ou o valor da cotação em bolsa, como determina a lei; no

pagamento ou resgate, o preço.

No tocante ao aspecto histórico legislativo, iniciou-se pela edição da Lei n.º

5.143/1966, que estabeleceu, em seu artigo 1.º, a incidência do IOF sobre as operações

de créditos e seguros, realizadas por instituições financeiras e seguradoras.

Sobreveio, no entanto, a Lei n.º 9.532/1997, alterando o regramento então

vigente sobre a matéria, incluindo as operações de câmbio e títulos e valores

mobiliários:

Art. 58. A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer

as atividades relacionadas na alínea “d” do inciso III do § 1.º do art.

15 da Lei n.º 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios

resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre

operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores

mobiliários – IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de

financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras.

147

Destaca-se o artigo 15, § 1.º, III, “d”, da Lei n.º 9.249/1995, mencionado no

texto legal supra, que trata especificamente das factorings:

Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada

mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a

receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do

Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das

devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais

concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei

nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

§ 1.º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo

será de:

[...]

III – trinta e dois por cento, para as atividades de:

[...]

d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,

mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de

contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes

de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).

Em razão de as factorings terem sido incluídas no rol de pessoas jurídicas

sujeitas ao recolhimento pelo regime do lucro real, o dispositivo supra aplica-se apenas

na sistemática de recolhimento pelo regime de estimativa do lucro real anual.

Com isso, a pessoa física ou jurídica que alienar direitos creditórios

decorrentes da venda a prazo às empresas que se dedicam ao fomento mercantil

(factoring) sujeita-se à cobrança do IOF, nas mesmas alíquotas aplicáveis às operações

de financiamento e empréstimo, praticadas por instituições financeiras.

A despeito da regra diretiva quanto às factorings, precisamos voltar um

pouco à questão do IO/Títulos, terminologia adotada das lições de Roberto Quiroga.

Eizirik185

conceitua “valores mobiliários” como papéis ou documentos,

passíveis de negociação em massa, representativos de investimento ou crédito, a que a

Lei considera como valores mobiliários e submete, em razão disso, a uma disciplina

especial e ao poder de polícia da CVM.

185

EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & mercado de capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 139-

140.

148

Segundo o jurista Luiz Gastão Paes de Barros Leães,186

ao analisar o

conceito de security no Direito americano e o conceito análogo no Direito brasileiro,

inclinou-se por dar uma interpretação mais ampla à expressão “títulos e valores

mobiliários”, corrente essa à qual nos filiamos integralmente.

A despeito da existência da teoria legalista, há outra corrente que vai pelo

caminho mais amplo, com conteúdo mínimo de significação, representando todo e

qualquer investimento realizado em dinheiro, com o intuito de lucro, ofertado ao

público e sobre o qual este não possui controle direto.187

Assim, o IOF ou IO/Título poderá incidir sobre os negócios jurídicos

relativos a investimentos oferecidos ao público, sobre os quais o investidor não possua

controle, com aplicação em dinheiro, bens ou serviços, objetivando lucro, não sendo

necessária a emissão de título para a materialização da relação obrigacional.

Essa descrição supra permitiria, pelos traços e critérios narrados, a

incidência do IOF ou IO/Título sobre as operações das securitizadoras, desde que o

legislador ordinário tenha previsto expressamente essa incidência, o que não aconteceu

até o presente momento.

Ademais, em razão das distinções trazidas entre as securitizadoras de títulos

e valores mobiliários e as factorings, a incidência do IOF nas atividades de fomento

mercantil não pode ser estendida às operações das securitizadoras de recebíveis, visto

que é vedada no sistema jurídico brasileiro a tributação por analogia, nos termos do

artigo 108, § 1.º, do Código Tributário Nacional,188

novamente referida neste estudo.

A literalidade da regra jurídica ora mencionada permite afirmar que não

poderá o aplicador do direito buscar em outra disposição expressa o princípio jurídico

estabelecido para casos afins, idênticos em sua natureza e efeitos, se o legislador se

186

LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. O conceito de security no direito americano e o conceito

análogo no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, ano

XIII, v. 14, p. 60, 1974. 187

Nesse sentido, MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São

Paulo: Dialética, 1998. p. 116. 188

“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação

tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: [...]

§ 1.º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.”

149

mantém silente sobre eles por imprevidência, inadvertência ou impropriedade de

linguagem.189

Portanto, não havendo no ordenamento jurídico atual regra prescritiva de

direito tratando da tributação das operações de cessão de direitos creditórios pelas

securitizadoras, não há que falar em tributação das operações de securitização pelo IOF

ou IO/Título, por falta de previsão legal.

Na hipótese de a União Federal exigir o IOF sobre as operações de

securitização de títulos e valores mobiliários sem a edição de lei específica, estaremos

diante do não atendimento ao princípio da estrita legalidade.

De acordo com Carrazza:

O artigo 150, I, da CF garante ao contribuinte o direito de não suportar

outros sacrifícios tributários além dos definidos em lei. Portanto, dele

só podem ser exigidos tributos quando se verificarem, no mundo

fenomênico, os pressupostos de fato descritos numa norma legal, ou

seja, quando ocorrerem os Tatbestands legais. 190

A Receita Federal, ao editar o Parecer Normativo n.º 5/2014, apresentou

construtivismo interpretativo aparentemente segundo a teoria da analogia da

compreensão, sustentada por Alfredo Augusto Becker. Isso porque, conforme mais bem

analisado no capítulo 4 deste trabalho, vem incluir nos enunciados dispostos no inciso

VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998 a securitização de títulos e valores mobiliários,

exigindo dessa modalidade o recolhimento dos tributos com base no lucro real.

Conforme o jurista gaúcho,

[...] na analogia da compreensão há interpretação, porque o que o

intérprete faz é a constatação de regra jurídica já existente e resultante

do cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico. Isto é, a lei,

considerada em si mesma, como um ser isolado, não existe como

regra jurídica.191

189

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi. 11.

ed. Rio de Janeiro, 1999. p. 679. 190

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 227. Tatbestand deve ser considerado “fatos”. 191

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002. p. 132-

133.

150

Todavia, estamos, na verdade, diante do uso da analogia por extensão, que

segundo a teoria de Becker “não há interpretação, mas criação de regra jurídica nova”.

O “intérprete” constata que o fato por ele direcionado não realiza a hipótese de

incidência da regra jurídica; entretanto, em virtude de certa analogia, esse “intérprete”

estende ou alarga a hipótese de incidência da regra de modo a abranger o fato por ele

focalizado, que no nosso entender, ao se adotar a analogia por extensão, não ocorreria à

incidência do IOF ou IO/Título, por expressa vedação legal.

Essa teoria vai ao encontro da teoria da criação (transcriativa) ou inovação,

mais bem estudada no capítulo seguinte.

Diante disso, não há incidência do IOF sobre as operações das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários por falta de lei prevendo a referida

incidência. A despeito da ausência de referida legislação ordinária, os contornos iniciais

necessários para a criação e construção da regra de incidência dessa espécie de IOF

estão já delineados pelo legislador geral (Código Tributário Nacional), como visto neste

estudo, faltando a complementação de alguns critérios a serem estabelecidos em lei para

se construir a regra-matriz de incidência do IOF/Título e Valores Mobiliários.

3.8 Não incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN)

Outro imposto que não incide sobre as operações das securitizadoras de

títulos e valores mobiliários é o ISSQN, por premissas inerentes à atividade, que não

incluiu qualquer prestação de serviço sujeita ao imposto. Diferentemente ocorre com o

factoring, que já envolve a atividade da prestação de serviços.

O ISSQN tem seu fundamento de validade no artigo 156, III, da CF, sendo

outorgada competência aos Municípios e ao Distrito Federal quanto à legislação e

constituição desses tributos por meio de lei.

A Constituição, entretanto, não conceituou serviço para fins de incidência

do ISSQN. Não se pode, portanto, considerar a incidência tributária restrita à figura de

“serviço”, mas sobre a “prestação do serviço”, porque é esta que vai abranger os

elementos da relação jurídica.

151

Pontes de Miranda nos ensina que: “Serviço é qualquer prestação de fazer

[...]; servir é prestar atividade a outrem; é prestar qualquer atividade que se possa

considerar locação de serviços. [...] Trata-se de dívida de fazer, que o locador

assume”.192

A prestação de serviço sujeita à incidência do ISSQN é aquela que exige um

prévio contrato (escrito ou verbal) e que, portanto, perfaz o objeto de uma relação

jurídica de cunho econômico, uma vez que há necessariamente onerosidade para que

ocorra a incidência tributária. O prestador realiza o serviço porque se obrigou a tanto,

contratualmente, perante o tomador, mediante o recebimento de remuneração.

O comportamento tributado pelo ISSQN é aquele em que o esforço pessoal

do devedor se sobrepõe aos materiais e equipamentos eventualmente aplicados.

Carrazza193

entende que “serviço de qualquer natureza”, para fins de

tributação por via de ISSQN, é a prestação, a terceiro, de uma utilidade (material ou

imaterial) com conteúdo econômico, sob regime de direito privado (em caráter

negocial).

Sergio Pinto Martins, sobre a prestação de serviço, defende:

Conforme se constata, serviço é bem imaterial na etapa da circulação

econômica. Prestação de serviços é a operação pela qual uma pessoa,

em troca do pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em

favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço). Prestar

serviço é vender bem imaterial, que pode consistir no fornecimento de

trabalho, na locação de bens imóveis, ou na cessão de direitos. Seu

pressuposto é a circulação econômica de um bem imaterial, ou

melhor, a prestação de serviços, em que se presume um vendedor

(prestador de serviço), um comprador (tomador de serviço) e um

preço (preço do serviço).194

192

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 20. ed. São Paulo: RT,

2012. v. XLVII, p. 370. 193

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002. p. 828. 194

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do imposto sobre serviços. 6. ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2004.

p. 42.

152

Assim, o que se tributa não é o fato “serviço”, mas sim a prestação de

serviço, pois é necessária a atuação de um particular em favor de um terceiro, com o

intuito de receber uma remuneração.

No contrato de aquisição de direitos creditórios lastreados em títulos ou

valores mobiliários, o elemento principal é a entrega do bem imaterial adquirido por

meio do instituto da cessão, que se consubstancia em verdadeira obrigação de dar.

Não há a incidência do ISS sobre a receita derivada das operações de

compra de direitos creditórios porque não configura hipótese de obrigação onerosa de

fazer em proveito alheio. Sobre essa característica necessária para configurar a

incidência do ISSQN, inerente à atividade de prestação de serviço, a legislação que

tratar do conceito de prestação de serviços não poderá alterar a definição e o alcance

predeterminado de Direito Privado, sob pena de ofensa ao artigo 110 do Código

Tributário Nacional.

Na decisão do Recurso Extraordinário n.º 116.121,195

o Supremo Tribunal

Federal considerou que a locação de bens móveis não pode ser qualificada como serviço

e declarou a inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis”, constante do

item 79 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei n.º 406/1968. Com a referida decisão,

essa Corte passou a compreender o conteúdo semântico da palavra “serviço” como

obrigação de fazer.

Destaca-se que a Lei Complementar n.º 116/2003, norma geral em vigor que

trata desse imposto, em seu item 17.23 da Lista de Serviços, prevê como prestação de

serviços a atividade de assessoria, análise, avaliação, atendimento, consulta, cadastro,

seleção, gerenciamento de informação, administração de contas a receber ou a pagar,

relacionadas às operações de factoring.

Aires Barreto nos ensina:

Empresas de factoring há, todavia, que, paralelamente à aquisição de

créditos, se dedicam a outros misteres, muitos até para tornar mais

195

STF, RE 116.121, Rel. Min. para Acórdão Marco Aurélio, DJ 25.05.2001. Esse Tribunal editou a

Súmula Vinculante n.º 31, que dispõe: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

153

eficaz o recebimento desses créditos. Essas atividades adicionais

configuram, em sua grande maioria, serviços tributáveis pelo ISS. [...]

Diante de empresa que componha este segundo grupo, as atividades

configuradoras de serviço sujeitar-se-ão ao ISS, na medida dos

respectivos valores. Mas nestes não poderão ser agregados aqueles

decorrentes da mera aquisição de títulos de crédito que seguirão

inalcançáveis pelo ISS. Em outras palavras, o fato de a empresa de

factoring dedicar-se – ao lado da aquisição de créditos – a atividades

sujeitas ao ISS, não transforma as de compra de direitos creditórios

em prestação de serviços. Nesse caso, conviverão, simultaneamente,

atividades de prestação de serviços com outras que de serviço não têm

nada. Cabe exigir ISS das primeiras, mas nunca das últimas.196

No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que

em breve síntese julgou parcialmente procedente o recurso especial para

[...] reconhecer que a base de cálculo do ISS é o valor dos serviços

prestados na atividade de factoring, excluída a parcela referente às

compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a

prazo ou de prestação de serviços, com a inversão dos ônus

sucumbenciais.197

Nas atividades de prestação de serviços que envolvem factoring, a

incidência do ISS se dá sobre o preço do serviço, e não sobre a receita obtida pela

empresa em decorrência da diferença de compra do título e do valor recebido do

devedor.

Diferentemente das operações de factoring, as atividades praticadas pelas

securitizadoras de títulos e valores mobiliários não envolvem a prestação de serviços

onerosa em nenhum momento. A atividade da securitizadora sob essa modalidade

possui um único objetivo, a aquisição de recebíveis empresariais, mediante contrato de

cessão de créditos, que são lastreados em debêntures adquiridas por investidores.

Se estamos diante de uma obrigação de dar (pagar pela aquisição do título e

pela remuneração das debêntures aos investidores), e não de fazer, não há nenhuma

possibilidade de enquadramento das atividades das securitizadoras como prestação de

serviço submetida à incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza.

196

BARRETO, Aires Fernandino. ISS na constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 144.

197 STJ, Recurso Especial 552.076/RS (2003/0084646-7), Rel. Min. Denise Arruda, j. 19.06.2007.

154

Ademais, na operação de compra de direitos creditórios não se embutem

alguns serviços indispensáveis à realização da operação, qual seja a análise do borderô,

ou seleção de cadastro. Tais serviços não são prestados ao originador, mas realizados a

favor da própria empresa que adquire os recebíveis, com o propósito de calcular o risco

envolvido na operação.

Portanto, se não há onerosidade ou prestação de serviço a terceiro pela

securitizadora, não existindo ainda cobrança de valores em razão da prestação de

serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de risco,

administração de contas a pagar e a receber, a municipalidade não poderá exigir o

ISSQN.

Não cabe nesse momento discutir se o contrato complexo de factoring está

sujeito ou não à incidência do ISSQN. O objetivo do presente estudo é demonstrar que

apenas as atividades que envolvem prestação de serviços previstas na lista de serviços

trazida pela Lei Complementar n.º 116/2003 se submetem à incidência do imposto

municipal, o que não ocorre com as securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Em breve síntese, podemos apontar o seguinte quadro resumo comparativo

quanto aos impactos fiscais sobre a atividade das securitizadoras de títulos e valores

mobiliários, adotando a sistemática do lucro real e o lucro presumido, considerando um

trimestre do ano-calendário:

Lucro Real Lucro Presumido

IRPJ = 15% (alíquota principal) x Lucro Real IRPJ = 15% (alíquota principal) x [8% x RB]

IRPJ = 10% (alíquota adicional) x (Lucro Real - R$60

mil)

IRPJ = 10% (alíquota adicional) x {[8% x RB] - R$

60 mil }

CSLL = 9% x Lucro Líquido CSLL = 9% x [12% x RB]

PIS = [1,65% x RB] - Valor dos créditos de PIS PIS = 0,65% x RB

Cofins = [7,6% x RB] - Valor dos créditos de Cofins Cofins = 3% x RB

IOF/Título = não incidência por ausência de previsão

legal

IOF/Título = não incidência por ausência de

previsão legal

ISSQN = não incidência em razão da atividade não

configurar prestação de serviço

ISSQN = não incidência em razão da atividade não

configurar prestação de serviço

RB = Receita Bruta RB = Receita Bruta

155

4

REGIMES TRIBUTÁRIOS DAS SECURITIZADORAS DE

TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL X LUCRO

PRESUMIDO

Neste capítulo analisaremos o conflito de interpretações editadas pelas

autoridades fiscais em relação ao regime de apuração e recolhimento de tributos das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Aprofundaremos o estudo quanto ao que dispõe o texto legal (artigo 14, VI,

da Lei n.º 9.718/1998) e no tocante ao construtivismo de norma jurídica pelo

hermeneuta em relação às pessoas jurídicas obrigadas a adotar o regime do lucro real.

O ápice da investigação será o momento de analisarmos o Parecer

Normativo n.º 5/2014, editado pela Receita Federal do Brasil, apontando as conclusões

e os efeitos produzidos por uma interpretação fundada no oportunismo, retroativa à

edição da Lei n.º 9.718/1998, que ignora os próprios atos enunciativos de legalidade

editados pelo órgão da União Federal.

Diante de mais um corte feito no sistema jurídico, para se chegar até o

objetivo enunciado neste estudo, precisamos investigar o disposto no artigo 14 da Lei

n.º 9.718/1998 para entendermos a construção hermenêutica feita pela Receita Federal

do Brasil, que abalou a atividade das securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

4.1 Opção pelo lucro presumido como matéria de reserva legal

A obrigação tributária e seus critérios devem constar na lei, conforme

prescreve o artigo 114 do Código Tributário Nacional.198

No caso dos regimes de recolhimento e apuração do IRPJ e da CSLL,

somente a lei poderá definir as condições ou critérios de distinção.

198

“Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e

suficiente à sua ocorrência.”

156

No sistema jurídico tributário brasileiro, o legislador optou por prescrever

quais as pessoas jurídicas obrigadas à apuração pelo lucro real, dado que a opção pelo

lucro presumido somente poderá ser exercida como uma faculdade pelo contribuinte

caso atenda aos requisitos legais e esteja inserido na regra de exceção.

O artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998 menciona os sujeitos passivos obrigados a

se submeter à sistemática de recolhimento do IRPJ e da CSLL pelo regime do lucro

real:

Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

I – cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite

de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional

ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses;

II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de

investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas,

sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de

crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores

mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários,

empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito,

empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de

previdência privada aberta;

III – que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do

exterior;

IV – que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de

benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto;

V – que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento

mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2.º da Lei n.º

9.430, de 1996;

VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua

de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,

seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras

de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de

prestação de serviços (factoring);

VII – que explorem as atividades de securitização de créditos

imobiliários, financeiros e do agronegócio. (Incluído pela Lei n.º

12.249, de 2010.)

157

O limite de receita bruta que obriga o contribuinte à opção pelo lucro real,

inicialmente fixada em R$ 24 milhões,199

foi posteriormente modificado para R$ 48

milhões200

e, atualmente, encontra-se em R$ 78 milhões.201

Observe no texto legal que o legislador, além de determinar quais os

contribuintes que se submetem ao recolhimento de tributos pelo regime do lucro real,

por exclusão, poderão adotar o regime do lucro presumido as pessoas jurídicas que

apurarem receita total inferior a R$ 78 milhões, que suas atividades não estejam

elencadas no rol taxativo obrigacional, que não aufiram lucros, rendimentos ou ganhos

oriundos do exterior, entre outras exigências denominadas regras de exceção.

No caso das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, não há expressa

menção dessa atividade no rol taxativo trazido no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998,

encontrando-se submetidas à apuração de tributos pelo regime do lucro real as

factorings, as securitizadoras de créditos imobiliários, as securitizadoras de créditos

financeiros e as securitizadoras de créditos do agronegócio, modalidades distintas

analisadas anteriormente neste trabalho.

Adentraremos na questão da equiparação das securitizadoras de títulos e

valores mobiliários às empresas de factoring feita pela Receita Federal quando

tratarmos da análise do Parecer Normativo n.º 5/2014.

4.2 Lucro presumido como política de simplificação da fiscalização e aumento de

arrecadação

Inicialmente, registra-se que não existe empresa do Lucro Presumido,

empresa do Lucro Real ou empresa do Simples. Essas denominações dadas referem-se

aos regimes de apuração e recolhimento dos tributos incidentes sobre as receitas e

lucros auferidos pelas empresas.

199

Artigos 13, caput e 14, I, da Lei n.º 9.718/1998. 200

Artigo 46 da Lei n.º 10.637/2002.

201 Artigo 7.º da Lei n.º 12.814/2013.

158

Sabemos que o direito cria suas regras e seus procedimentos. A tributação

da renda pelo regime do lucro presumido foi criada para simplificar o regime de

apuração e recolhimento de tributos, quando comparado com o regime do lucro real.

Essa artificialidade construída sob uma presunção de lucro levando em conta a receita

bruta busca satisfazer interesses públicos e privados.

O Brasil necessariamente é um país burocrático, que evolui no sentido de

atribuir ao contribuinte todas as obrigações acessórias de apuração, escrituração,

declaração e recolhimento dos tributos, visto a ineficácia do Estado em suportar e

atender às exigências legais. Por isso, criam-se e modificam-se regras, constroem-se

sistemas e regimes de apuração dos tributos atribuindo deveres aos administrados.

Há muito os regimes de tributação pelo lucro real e lucro presumido existem

no nosso ordenamento jurídico. O Decreto-lei n.º 5.844, em seus artigos 32202

e 33,203

contemplava esses dois regimes de tributação, atribuindo à faculdade de opção do lucro

presumido às pessoas jurídicas que não adotassem a forma de sociedades por ações e de

responsabilidade limitada.

Com a vigência do Código Tributário Nacional em outubro de 1966, o

artigo 44204

incluiu no critério quantitativo do imposto sobre a renda e proventos de

qualquer natureza os regimes real, arbitrado e presumido, considerando especificamente

que essas formas estariam compondo a base de cálculo desse imposto, como visto no

capítulo anterior deste trabalho.

Nas lições de Eurico de Santi, essa promoção do lucro presumido ao plano

das “normas gerais de direito tributário” tem os seguintes objetivos:

202

“Art. 32. As pessoas jurídicas serão tributadas de acordo com os lucros reais verificados, anualmente,

segundo o balanço e a demonstração da conta de lucros e perdas.” 203

“Art. 33. É facultado às pessoas jurídicas, salvo às sociedades por ações e às por quotas de

responsabilidade limitada, optar pela tributação baseada no lucro presumido, segundo a forma

estabelecida no art. 40.

§ 1.º O disposto neste artigo não se aplica às pessoas jurídicas cujo capital exceder a Cr$ 50.000,00 ou

cujo movimento bruto anual for superior a Cr$ 200.000,00, nem às filiais, sucursais ou agências no

país das firmas e sociedades com sede no estrangeiro, as quais serão sempre tributadas pelo lucro real.

§ 2.º A opção é irrevogável e será feita, em cada exercício, na própria declaração de rendimentos,

devidamente subscrita.” 204

“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

159

(i) sob a óptica do sujeito passivo, incentivar o pagamento do imposto

de renda das pessoas jurídicas, mediante a simplificação da sua

apuração, desonerando o contribuinte da necessidade de livros

contábeis e de outras obrigações acessórias exigidas na sistemática do

Lucro Real;

(ii) sob a óptica da administração tributária, reduzir os custos de

fiscalização, desonerando a máquina pública de complexas apurações

na órbita de pequenos contribuintes (abaixo da regra geral de exceção

de 24 milhões, 48 milhões e 78 milhões, por exemplo); e

(iii) sob a óptica do sujeito ativo (União), formalizar a economia,

aumentar a base de tributação e, por consequência, ampliar a

arrecadação sobre pequenos contribuintes.205

Acrescentamos aos ensinamentos do jurista citado o item: (iv) sob a óptica

da sociedade, a necessidade da desburocratização ou simplificação na apuração e

recolhimento de tributos, haja vista os custos e o tempo despendidos na atividade

contábil e fiscal exigida no regime do lucro real.

É fato que a instituição do regime do lucro presumido ajudou a reduzir a

informalidade na economia brasileira, contudo esse regime ao longo dos anos permitiu

que empresas que não possuíssem custos e despesas significativos dedutíveis na

apuração do lucro se submetessem a uma menor carga tributária se comparada com o

regime do lucro real. Como se trata de uma escolha para aqueles que não estão

elencados no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, o regime do lucro presumido, que não é

uma benesse fiscal, deve ser entendido como um regime criado pelo legislador que

buscou arrecadação, simplificação, desburocratização e uma opção para a economia

fiscal.

4.3 Análise do artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998

O desafio aqui é analisar o “parêntesis” trazido nos enunciados do inciso VI

do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, se estamos ou não diante de um problema de

linguagem. Vejamos o texto:

205

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014. p. 10.

160

Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

[...]

VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua

de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,

seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras

de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de

prestação de serviços (factoring).

Se pudermos fazer uma inversão de parêntesis com a sua definição,

utilizando como ferramenta de metalinguagem a palavra factoring sob o prisma do

“autorreferenciamento” (falar de si mesmo), estaremos diante de uma interpretação não

criativa. A interpretação criativa de texto legal não é permitida no ordenamento jurídico,

simplesmente porque o aplicador do direito estaria legislando sem a forma da lei.

Na visão de Eurico de Santi, que cita a Moderna gramática portuguesa, o

uso do parêntesis como ferramenta metalinguística em nada inova, porém será tratada

como aplicação óbvia e acessória, portanto dispensável. Com isso, estaríamos em face

de uma “operação de substituição – própria do código – fornecendo sobre o uso desse

código”.206

Cumpre-nos fazer um exercício linguístico para certificarmos se estamos

diante do mesmo sentido do código utilizado, desempenhando a função de

autorreferenciar o texto descritivo em português:

Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

[...]

VI – que explorem as atividades de factoring (prestação cumulativa e

contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de

crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber,

compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a

prazo ou de prestação de serviços).

206

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta, p. 17, apud CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo: Parma, 2005. p.

27.

161

Parece-nos perfeitamente coerente sob o ponto de vista da gramática e do

estudo da linguagem confirmar que todas as atividades de factoring estão

autorreferenciadas na inversão dos parêntesis, tratando-se do mesmo sentido.

A descrição de todas as atividades relacionadas ao factoring do texto legal

supra é diversa da atividade das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, pois

esta última não envolve em nenhum momento a prestação de serviços.

Qualquer interpretação dos enunciados do inciso VI do artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998, no sentido de inclusão de qualquer modalidade de compra e venda de

direitos creditórios sob o regime do lucro real, estará diante de criação de regra jurídica,

até mesmo porque a atividade de securitização, que possui um mínimo de atos e

relações jurídicas vistos no capítulo 2, não está inserida na atividade de factoring.

Para Eurico de Santi,207

estaremos diante do uso da função “transcriativa”208

que promove “invenção” da mensagem legal original, no lugar do sentido concreto do

texto da Lei n.º 9.718/1998.

Essa invenção feita por aplicadores do direito será objeto de críticas quando

analisarmos o Parecer Normativo n.º 5/2014, ao realizar exercício transcriativo quanto

aos enunciados trazidos no texto do inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998.

4.4 Análise da Lei n.º 12.249/2010 que incluiu modalidades de securitização na

sistemática do lucro real

O artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, que trata das modalidades obrigatórias de

apuração do IRPJ e da CSLL pelo regime lucro real, sofreu acréscimo com a edição da

Medida Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, ao introduzir no

inciso VII209

as securitizadoras de títulos imobiliários, financeiras e agronegócios.

207

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014. 208

Trata-se do afastamento da literalidade, uma transformação do original ou invenção do intérprete.

209 “VII – que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do

agronegócio. (Incluído pela Lei n.º 12.249, de 11 de junho de 2010.)”

162

A alteração legislativa mencionada não trouxe em seu texto legal a

modalidade de securitização de títulos e valores mobiliários. A exposição de motivos

disposta na Medida Provisória n.º 472/2009 faz a seguinte menção sobre a inclusão em

destaque:

27. As atividades das securitizadoras de recebíveis se assemelham em

muito às atividades de empresas de “factoring”, as quais se encontram

obrigadas à adoção da apuração pelo Lucro Real, conforme disposto

no inciso VI do art. 14 da Lei 9.718, de 1998.

27.1. Adicionalmente, ainda que as referidas securitizadoras não

possam ser consideradas como instituições financeiras, a atividade das

mesmas também se assemelha em muito à atividade de intermediação

financeira, fato inclusive evidenciado pela possibilidade de dedução

das despesas de captação na Base de Cálculo de PIS/Pasep e Cofins.

Em face do exposto, o art. 22 proposto obriga estas empresas a

apuração do imposto de renda pelo lucro real.

A intenção do legislador, segundo a exposição de motivos, foi a inclusão

das securitizadoras no item VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998. No entanto, esse

mesmo inciso que já trazia as factorings como obrigatórias à sistemática do lucro real,

não sofreu nenhuma modificação em seu texto. A intenção do legislador ficou apenas na

sua exposição de motivos.

A real inovação foi a inclusão expressa das outras três modalidades de

securitização no regime do lucro real.

Nesses termos, permanece a seguinte dúvida: Qual o motivo para o

legislador deixar de incluir expressamente as securitizadoras de títulos e valores

mobiliários no inciso VI ou VII do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998? Queria afirmar que

as securitizadoras de títulos e valores mobiliários já estariam contempladas no mesmo

inciso VI das factoring?

Entendemos tratar-se de atecnia do legislador, visto que, a despeito de a

Medida Provisória n.º 472/2009 mencionar na exposição de motivos a obrigação das

securitizadoras de recebíveis em adotar o lucro real, o texto legal da referida MP não

explicitou por meio da inclusão de enunciados claros e objetivos essa modalidade de

securitização no rol da obrigatoriedade do lucro real, até mesmo porque, em razão da

163

autorreferência da definição de factoring, notoriamente distinta da securitização

mobiliária, não há como incluir no texto legal a citada modalidade.

A Lei Complementar n.º 95/1998, que trata dos veículos introdutores-

legislativos210

de regras no sistema jurídico brasileiro, traz em seu artigo 11 a exigência

quanto à precisão nas regras jurídicas editadas pelo legislador:

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza,

precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes

normas:

[...]

II – para a obtenção de precisão:

a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar

perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto

evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador

pretende dar à norma; [...]

Caso atendida a referida exigência, permitir-se-á que o receptor da

mensagem do texto normativo tenha todas as condições de conhecer o objetivo da lei, o

seu conteúdo e alcance.

Bastava ao legislador ter inserido no inciso VI ou VII do artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998, de forma expressa, a modalidade de securitização de títulos e valores

mobiliários, que não haveria mais dúvida. Como não o fez, foi possível que aplicadores

do direito tivessem opiniões distintas da exposição de motivos dispostas na MP n.º

472/2009, conforme serão observadas nas soluções de consulta e divergência emitidas

pela Receita Federal do Brasil.

O que se acrescenta aqui é, ainda que a atecnia do legislador tenha

produzido, na exposição de motivos, a intenção de tributar a securitização de valores

210

Nesse sentido, adotaremos a classificação utilizada por Tárek Moysés Moussallém, que especifica os

veículos introdutores de normas em: 1) veículo introdutor-legislativo; 2) veículo introdutor-judiciário;

3) veículo introdutor-executivo; e 4) veículo introdutor-particular (Fontes do direito tributário. São

Paulo: Max Limonad, 2001. p. 188). Esse jurista considera como veículos introdutores-legislativos as

normas gerais expedidas pelo Poder Legislativo, como a Constituição Federal, as emendas

constitucionais, as leis, os decretos legislativos e as resoluções do Senado.

164

mobiliários no regime do lucro real, o inciso VI do referido dispositivo legal trata

especificamente da atividade de factoring.

Nesses termos, a falta de previsibilidade textual acabou fazendo com o que a

exposição de motivos se tornasse letra morta, sem nenhuma eficácia técnica, até mesmo

porque a validade e a produção de efeitos das regras jurídicas se dão em relação ao texto

introduzido no ordenamento jurídico, e não sobre a intenção do legislador mencionada

em enunciação-enunciada.211

4.5 Soluções de consultas e solução de divergência editadas pelas autoridades

administrativas: legalidade enunciada

Os atos enunciativos de legalidade editados que veiculam normas

individuais e concretas e normas gerais e concretadas expedidas pelos aplicadores do

direito, no caso em análise as autoridades fiscais, é o tema de investigação a partir de

agora.

Esses atos que se utilizam da interpretação de regras jurídicas, no caso

específico as pessoas jurídicas submetidas ao modal deôntico obrigatório212

quanto ao

recolhimento de tributos no regime do lucro real, passam a ser elemento definidor da

segurança jurídica em atendimento ao princípio da estrita legalidade, até mesmo porque

a administração pública está adstrita a esse princípio em todos os seus atos.

Buscando dar uma resposta aos contribuintes sobre dúvidas em relação ao

regime de recolhimento a ser adotado, a Receita Federal do Brasil, ao se utilizar da

Solução de Consulta e da Solução de Divergência, firma entendimento e orienta os

demais contribuintes a respeito de determinado assunto questionado.

211

Enunciação-enunciada são as marcas de pessoa, espaço e tempo da enunciação projetadas no

enunciado, como ocorre na exposição de motivos, refletindo, em tese, o processo de construção de

textos normativos. 212

Os modais deônticos são predicados de segundo nível, atuando sobre certas variáveis que representam

as condutas intersubjetivas que a linguagem das normas pretendem disciplinar. São três os modais

deônticos: Permitido (P), Obrigatório (O) e Proibido (V). Nesse sentido são as lições de

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-

semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 165-167.

165

No caso em análise, as reiteradas respostas ao longo de nove anos foi a

aplicação do modal deôntico permissivo (interpretado como uma faculdade) das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários em adotar o regime do lucro presumido,

ou, por critério de exclusão, a resposta pelo não enquadramento dessa atividade na

obrigatoriedade do regime do lucro real trazida no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998.

Iniciemos pelo papel da solução de consulta editada pela Receita Federal do

Brasil.

4.5.1 O papel da solução de consulta da Receita Federal do Brasil no sistema jurídico

brasileiro

Prevista no artigo 161, § 2.º,213

do Código Tributário Nacional, a “Consulta

Fiscal” foi regulamentada no âmbito dos tributos federais pela Instrução Normativa da

Receita Federal do Brasil n.º 740/2007, revogada pela vigente Instrução Normativa n.º

1.396/2013.

A Consulta Fiscal poderá assumir a natureza jurídica de norma individual e

concreta214

ou geral e concreta,215

expedida pela Receita Federal do Brasil.

Trata-se de meio idôneo de solucionar dúvidas do consulente quanto à

interpretação da legislação tributária, podendo o pleito ser rejeitado de plano (consulta

declarada ineficaz) se constatada abusividade ou má-fé.

213

“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for

o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de

quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

[...]

§ 2.º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do

prazo legal para pagamento do crédito.” 214

Por norma individual e concreta, entendemos aquela que vincula antecedente realizado em um

determinado tempo e espaço, sendo fato passado, com consequente individualizado, em que se

identificam os sujeitos da relação jurídica (FUSO, Rafael Correia. Seletividade tributária. 2006.

Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p. 33). 215

São gerais em relação ao destinatário, ou seja, aquele que se enquadrar na hipótese normativa e

concreta porque há uma ação determinada e individualizada.

166

Hugo de Brito entende que

[...] o processo de consulta tem por fim ensejar ao contribuinte

oportunidade para eliminar dúvidas que tenha na interpretação da

legislação tributária. A consulta pode ser feita diante de um caso

concreto, já consumado, como diante de uma simples hipótese

formulada pelo contribuinte.216

Em breve análise do disposto da já revogada Instrução Normativa n.º

740/2007, mas que teve sua eficácia e vigência durante a edição de algumas soluções de

consulta e solução de divergência a ser analisada neste estudo, destaca-se:

[...] na hipótese de alteração de entendimento expresso em Solução de

Consulta, a nova orientação alcança apenas os fatos geradores que

ocorrerem após a sua publicação na Imprensa Oficial ou após a

ciência do consulente, exceto se a nova orientação lhe for mais

favorável, caso em que esta atingirá, também, o período abrangido

pela solução anteriormente dada.217

Entre os enunciados em destaque na vigente Instrução Normativa n.º

1.396/2013, relativos à Consulta Fiscal, apontam-se:

(i) na hipótese de alteração de entendimento expresso em Solução de

Consulta sobre interpretação da legislação tributária e aduaneira, a

nova orientação alcança apenas os fatos geradores que ocorrerem

depois da sua publicação na Imprensa Oficial ou depois da ciência do

consulente, exceto se a nova orientação lhe for mais favorável, caso

em que esta atingirá, também, o período abrangido pela solução

anteriormente dada;218

(ii) serão observados os atos normativos, as Soluções de Consulta e de

Divergência sobre a matéria consultada proferidas pela Cosit, bem

como as Soluções de Consulta Interna da Cosit e os demais atos e

decisões a que a legislação atribua efeito vinculante;219

(iii) a Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir

da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB,

respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser

o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida,

sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de

fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.220

216

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 472.

217

Artigo 14, § 6.º, da IN n.º 740/2007.

218 Artigo 17 da IN n.º 1.396/2013.

219 Artigo 8.º da IN n.º 1.396/2013.

220 Artigo 9.º da IN n.º 1.396/2013, com a redação dada pela IN n.º 1.434/2013.

167

Em resumo, as Soluções de Consulta, caso modifiquem entendimento de

interpretação de legislação tributária, somente produzirão efeitos jurídicos a fatos

geradores sucedidos ulteriormente à publicação da Imprensa Oficial ou depois da

ciência do consulente, exceto no caso de beneficiar o administrado; caso isso ocorra,

será aplicada de forma retroativa.

Outro ponto que merece destaque são as Soluções de Consulta emitidas em

caráter divergente pelas Superintendências da Receita Federal do Brasil, sendo

uniformizado o entendimento da matéria por meio de recurso especial a ser apreciado

pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que editará a Solução de Divergência,

possuindo efeito vinculante no âmbito da Receita Federal do Brasil, servindo ainda para

respaldar o sujeito passivo que a aplicar, independentemente de ser ou não o consulente,

desde que se enquadre na situação apontada pela decisão.

Com isso, cumpre destacar a existência de duas espécies de respostas às

Soluções de Consulta: uma emitida pelas Divisões de Tributação da Superintendência

da Receita Federal do Brasil (DISIT), localizadas nas dez regiões espalhadas pelo

Brasil, e que têm efeito apenas em relação ao contribuinte consulente; e outra emitida

pela Cosit, estabelecida em Brasília, cujos efeitos dão caráter de norma individual e

concreta para o consulente e de geral e concreta aos demais contribuintes que se

enquadrarem na mesma situação.

Conforme será analisado a seguir, a Receita Federal editou diversas

Soluções de Consulta pela Disit e uma Solução de Divergência pela Cosit assegurando a

faculdade de as securitizadoras de títulos de valores mobiliários apurarem a base de

cálculo do IRPJ e da CSLL pelo regime do lucro presumido.

4.5.2 As soluções de consulta editadas pela Receita Federal sobre o regime tributário

do lucro presumido adotado pelas securitizadoras de títulos e valores

mobiliários

A Receita Federal do Brasil editou ao longo dos anos de 2005 a 2012

respostas às consultas formuladas por securitizadoras de títulos e valores mobiliários,

168

sendo emitido entendimento de que a atividade dessas empresas poderá se submeter ao

recolhimento do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido.

Analisaremos a seguir dez atos enunciativos de legalidade expedidos pelas

Disit, estabelecidas em sete regiões fiscais da Receita Federal do Brasil:

4.5.2.1 1.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

342/2005 – Disit da 7.ª Região Fiscal – opção pelo lucro

presumido

O primeiro ato enunciativo de legalidade sobre o tema foi emitido em

19.08.2005, quando foi veiculada a Solução de Consulta n.º 342 pela Disit 07, a qual

entendeu que “empresa de securitização pode optar, na apuração do Imposto de Renda

da Pessoa Jurídica (IRPJ), pelo Lucro Presumido, desde que cumpra as condições

impostas para este tipo de tributação”:

Solução de Consulta n.º 342, de 19 de agosto de 2005

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Empresas securitizadoras de créditos não estão obrigadas ao regime de

tributação pelo lucro real. Empresa de securitização pode optar na

apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), pelo Lucro

Presumido, desde que cumpra as condições impostas para este tipo de

tributação.221

Destaca-se por conseguinte que a Superintendência da Receita Federal do

Brasil expressamente respondeu ao consulente por meio de norma individual e concreta

que “empresas securitizadoras de créditos têm a faculdade de adotar o regime do lucro

presumido”.

221

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=18&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.

169

4.5.2.2 2.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 47/2008

– Disit da 10.ª Região Fiscal – exclusão da base de cálculo

presumida

O segundo ato enunciativo de legalidade da Receita Federal do Brasil foi

emitido quando da edição da Solução de Consulta n.º 47, veiculada em 15.02.2008, que,

apesar de não tratar especificamente sobre o regime de apuração do IRPJ e CSLL a ser

adotado por empresas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, parte do

pressuposto de que elas podem optar pelo lucro presumido:

Solução de Consulta n.º 47, de 15 de fevereiro de 2008

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Lucro presumido. Base de cálculo. Exclusão. Para efeitos de apuração

da base de cálculo presumida do IRPJ por empresa cuja atividade é a

securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir

da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis.

Dispositivos legais: Lei n.º 5.172, de 1966 (CTN), art. 97, inciso IV,

inciso I; RIR/1999, arts. 224, 246, 516, 517 e 518.

Lucro presumido. Base de cálculo. Exclusão. Para efeitos de apuração

da base de cálculo presumida da CSLL por empresa cuja atividade é a

securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir

da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis.

Dispositivos legais: Lei n.º 5.172, de 1966 (CTN), art. 97, inciso IV;

Lei n.º 7.689, de 1988, art. 6.º; Lei n.º 9.430, de 1996, art. 29.222

Ao consultarmos os fundamentos e a conclusão trazidos na Solução de

Consulta editada pela Disit da 10.ª Região Fiscal, observa-se o entendimento de que a

sistemática de recolhimento do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido está devidamente

identificada quando trata da base de cálculo “presumida” na apuração do IRPJ e da

CSLL, cuidando-se de pressuposto da resposta dada ao consulente:

222

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=17&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7= =>. Acesso em: 2 mar. 2016.

170

7. Assim sendo, não há possibilidade de exclusão da receita bruta

auferida em virtude da alienação dos retrocitados ativos empresariais

do custo dos recebíveis adquiridos de outras pessoas jurídicas para

efeitos de determinação da base de cálculo presumida do IRPJ e da

CSLL. A dedução desta base de cálculo do custo desses recebíveis

somente será possível na sistemática de apuração do lucro real.

[...]

9. Ante o exposto, conclui-se que, para efeitos de apuração da base de

cálculo presumida do IRPJ e da CSLL, por empresa cuja atividade é a

securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir

da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis.

4.5.2.3 3.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 33/2009

– Disit da 8.ª Região Fiscal – opção pelo lucro presumido e

fixação de base de cálculo

Consideramos como terceiro ato enunciativo de legalidade a Solução de

Consulta n.º 33, de 06.02.2009, que, embora verse sobre a impossibilidade de exclusão

da base de cálculo presumida dos “custos referentes à aquisição de recebíveis”, deixa

evidente o fato de que empresas securitizadoras de créditos têm a opção de realizarem a

apuração de seu IRPJ e CSLL pelo lucro presumido:

Solução de Consulta n.º 33 de 6 de fevereiro de 2009

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL

Ementa: Companhia securitizadora de créditos. Resultado presumido.

Base de cálculo. Para efeitos de apuração da base de cálculo da

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido devida por pessoa jurídica

cuja atividade é a securitização de ativos empresariais, que tenha

optado pela tributação do Imposto de Renda com base no lucro

presumido, inexiste esteio legal para excluir da receita bruta auferida

os custos referentes à aquisição de recebíveis. Sobre a receita bruta

apurada incide o percentual de 12%

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Companhia securitizadora de créditos. Lucro presumido.

Opção. Base de cálculo. Por não se enquadrar em qualquer das

condições de obrigatoriedade de tributação do Imposto de Renda pelo

Lucro Real, a companhia securitizadora pode optar pelo Lucro

Presumido, desde que atendidas as demais condições estipuladas em

lei. Para efeitos de apuração da base de cálculo presumida do IRPJ por

empresa cuja atividade é a securitização de ativos empresariais,

inexiste esteio legal para excluir da receita bruta auferida os custos

171

referentes à aquisição de recebíveis. Sobre a receita bruta apurada

incide o percentual de 8%.223

Apontam os enunciados supratranscritos a faculdade de o contribuinte optar

pelo lucro presumido, sendo esse regime o próprio pressuposto da Solução de Consulta.

Outro ponto que merece destaque é a fixação das bases de cálculo

presumidas do IRPJ (8%) e da CSLL (12%), analisadas no capítulo 3 deste trabalho,

confirmando a sistemática do lucro presumido.

4.5.2.4 4.º ato enunciativo de legalidade: Soluções de Consulta n.ºs 02, 03,

04 e 05 de 2010 – Disit da 3.ª Região Fiscal – não obrigação pelo

regime do lucro real

O quarto ato enunciativo de legalidade é formado por quatro Soluções de

Consulta formuladas por securitizadoras de títulos e valores mobiliários. A despeito de

serem atos distintos, o conteúdo é o mesmo, e reiteram a possibilidade de pessoas

jurídicas que exploram a atividade de securitização de créditos mobiliários de apurarem

IRPJ e CSLL pela sistemática do lucro presumido:

Solução de Consulta n.º 2, de 12 de fevereiro de 2010

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de

securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não

obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de

securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos

ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se

enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos

demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à

apuração pelo lucro real.

Solução de Consulta n.º 3, de 18 de fevereiro de 2010

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

223

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=15&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=

&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.

htm&r=14&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.

2016.

172

Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de

securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não

obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de

securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos

ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se

enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos

demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à

apuração pelo lucro real.

Solução de Consulta n.º 4, de 18 de fevereiro de 2010

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de

securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não

obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de

securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos

ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se

enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos

demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à

apuração pelo lucro real.

Solução de Consulta n.º 5, de 15 de março de 2010

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de

securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não

obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de

securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos

ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se

enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos

demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à

apuração pelo lucro real.224

Constata-se que as Soluções de Consulta já incorporam o entendimento da

Medida Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, que, entre outras

medidas, acrescentou ao artigo 14 da Lei 9.718/1998 o inciso VII, ou seja, a despeito de

224

Disponíveis em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=13&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-

brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/

pesquisaSOL.htm&r=11&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>;

<http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=

DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=12&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=

securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=

NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.

htm&r=10&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.

2016.

173

constar na exposição de motivos da referida Medida Provisória a equiparação das

securitizadoras de valores mobiliários ao factoring, a Receita Federal do Brasil entendeu

pela inexistência da modalidade de títulos e valores mobiliários no artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998, confirmando que apenas as modalidades imobiliário, financeiro e do

agronegócio deverão se sujeitar ao lucro real.

4.5.2.5 5.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

151/2010 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da receita

bruta e fixação de base de cálculo do lucro presumido

O quinto ato enunciativo de legalidade foi expedido em 25.06.2010, pela

Disit 09, quando emitiu a Solução de Consulta n.º 151. A Receita Federal tratou da

composição da receita bruta das empresas securitizadoras de valores mobiliários,

dispondo sobre o percentual de presunção do lucro a ser aplicado sobre a base de

cálculo, que de maneira equivocada considerou o índice das prestadoras de serviços.

Ao considerar o percentual de presunção, a Receita Federal acaba por

entender o lucro presumido como regime passível de ser adotado pelas securitizadoras

de valores mobiliários:

Solução de Consulta n.º 151, de 25 de junho de 2010

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização. Lucro presumido. Receita bruta. Nas

aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de

securitização, a receita bruta corresponde à diferença verificada entre

o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório

adquirido. Nesse caso, o percentual de presunção a ser aplicado é o

relativo à prestação de serviços em geral.

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL

Ementa: Securitização. Lucro presumido. Receita bruta. Nas

aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de

securitização, a receita bruta corresponde à diferença verificada entre

o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório

174

adquirido. Nesse caso, o percentual de presunção a ser aplicado é o

relativo à prestação de serviços em geral. 225

4.5.2.6 6.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 41/2010

– Disit da 4.ª Região Fiscal – não obrigação pelo regime do lucro

real

O sexto ato enunciativo de legalidade foi emitido em 21.07.2010, com a

edição da Solução de Consulta n.º 41, dispondo sobre a não obrigatoriedade de as

empresas securitizadoras de valores mobiliários se submeterem ao regime do lucro real:

Solução de Consulta n.º 41, de 21 de julho de 2010

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização. Apuração do lucro real. Não obrigação. A

pessoa jurídica que explore a atividade de securitização de outros

créditos que não os imobiliários, financeiros e do agronegócio, não é

obrigada à apuração do lucro real, desde que não se enquadre nas

demais hipóteses previstas nos incisos I a VI do art. 14 da Lei n.º

9.718, de 1998.226

Na Solução de Consulta mencionada, destaca-se que ela foi emitida após a

edição da MP n.º 472/2009, quando se depara com a seguinte transcrição: “A pessoa

jurídica que explore a atividade de securitização de outros créditos que não os

imobiliários, financeiros e do agronegócio, não é obrigada à apuração do lucro real”,

visto que menciona as outras modalidades de securitização introduzidas no artigo 14,

VII, da Lei n.º 9.718/1998.

225

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=8&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=; http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-

brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=9&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016. 226

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=7&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.

175

A pessoa jurídica que explora atividade de securitização de outros créditos

que não imobiliários, financeiros e do agronegócio, por critério de exclusão, é a

securitizadora de títulos ou valores mobiliários, prevendo a faculdade de adotar o lucro

presumido.

4.5.2.7 7.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 39/2011

– Disit da 1.ª Região Fiscal – não obrigação pelo regime do lucro

real

O sétimo ato enunciativo de legalidade foi editado em 06.06.2011, quando a

Disit 01 veiculou a Solução de Consulta n.º 39, a qual dispôs sobre a possibilidade de

securitizadoras de créditos mobiliários optarem pela sistemática do lucro presumido na

apuração de seu IRPJ e CSLL:

Solução de Consulta n.º 39, de 6 de junho de 2011

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização de direitos creditórios. Créditos outros.

Apuração com base no lucro real. Não obrigação.

A pessoa jurídica que explora as atividades de securitização de outros

créditos que não sejam os vinculados aos ramos imobiliário,

financeiro e do agronegócio, e desde que não se enquadre ou

desenvolva atividades que possam se subsumir nos demais incisos do

artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à apuração pelo

lucro real.227

Da mesma forma que no ato enunciativo anterior, a Solução de Consulta,

por critério de exclusão, contempla outra modalidade de securitização que não seja

relativa aos “ramos imobiliário, financeiro e agronegócio”, como passível de adotar o

regime do lucro presumido, em razão da não obrigação pelo regime de apuração do

lucro real.

227

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=4&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.

176

4.5.2.8 8.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

177/2011 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da base de

cálculo presumida

O oitavo ato enunciativo ocorreu em 16.08.2011, quando a Disit 09 veiculou

a Solução de Consulta n.º 177, a qual dispôs sobre o percentual de presunção aplicável a

determinadas atividades exercidas por empresas securitizadoras de créditos mobiliários:

Solução de Consulta n.º 177, de 16 de agosto de 2011

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização. Lucro presumido. Tarifas. Percentual de

presunção. Na atividade de securitização de créditos, as receitas

decorrentes de: tarifa para emissão e colocação de títulos de crédito e

valores mobiliários; taxa de administração de carteira de direitos de

crédito; tarifa de boleto de cobrança bancária, de instruções de

prorrogação de prazos, baixas, protestos, sustação de protestos e

outras ocorrências; todas cobradas do originador, estão sujeitas ao

percentual de presunção 32% (trinta e dois por cento).

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL

Ementa: Securitização. Lucro presumido. Tarifas. Percentual de

presunção. Na atividade de securitização de créditos, as receitas

decorrentes de: tarifa para emissão e colocação de títulos de crédito e

valores mobiliários; taxa de administração de carteira de direitos de

crédito; tarifa de boleto de cobrança bancária, de instruções de

prorrogação de prazos, baixas, protestos, sustação de protestos e

outras ocorrências; todas cobradas do originador, estão sujeitas ao

percentual de presunção 32% (trinta e dois por cento).228

Adota-se como pressuposto o fato de empresas securitizadoras de valores

mobiliários poderem apurar seu IRPJ e CSLL pelo lucro presumido.

228

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=3&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=

&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.

htm&r=2&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.

2016.

177

Há um notório erro na Solução de Consulta, pois as securitizadoras de

valores mobiliários não realizam prestação de serviços, por isso não poderiam submeter-

se a uma presunção de lucro com alíquota de 32%.

Não obstante, o importante que se extrai da Solução de Consulta ora

mencionada é a afirmação expressa da Receita Federal quanto à fixação da presunção de

lucro aplicável no regime do lucro presumido das securitizadoras de créditos.

4.5.2.9 9.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 09/2012

– Disit da 6.ª Região Fiscal – identificação dos obrigados ao

regime do lucro real

O nono ato enunciativo de legalidade foi editado em 02.02.2012, pela Disit

06, ao publicar a Solução de Consulta n.º 09, que assim dispôs:

Solução de Consulta n.º 9, de 2 de fevereiro de 2012

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização. Lucro real. As pessoas jurídicas que tenham

por objeto social a securitização de créditos imobiliários, financeiros e

de agronegócio estão obrigadas à apuração do Imposto de Renda

Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no Lucro Real.229

Nota-se que a Solução de Consulta elencou apenas as securitizadoras de

créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio como obrigadas à apuração pelo

lucro real, nada dispondo acerca das securitizadoras de créditos mobiliários.

229

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=1&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.

178

4.5.2.10 10.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º

130/2012 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da base de

cálculo presumida

O décimo ato de legalidade foi expedido em 03.07.2012, por meio da

Solução de Consulta n.º 130, com o seguinte excerto:

Solução de Consulta n.º 130, de 3 de julho de 2012

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Securitização. Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita

bruta.

Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas

empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de

cálculo do IRPJ deve ser apurada com a utilização do percentual de

presunção de 8% (oito por cento).

Neste caso, os custos referentes à aquisição dos direitos creditórios

não podem ser excluídos para fins de apuração da receita bruta

tributável, bem como para verificação do limite de receita estabelecido

para a adoção dessa sistemática de tributação (lucro presumido).

Dispositivos legais: Lei n.º 9.249, de 1995, art. 15; Lei n.º 9.514, de

1997, art. 3.º; Lei n.º 9.430, de 1996, arts. 1.º e 25, inciso I; Lei n.º

8.981, de 1995, art. 31 e parágrafo único; Lei n.º 9.718, de 1998, art.

14, inciso VII; Lei n.º 12.249, de 2010, art. 22; Decreto n.º 3.000, de

1999, arts. 518, 519 e 224.

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL

Securitização. Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita

bruta.

Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas

empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de

cálculo da CSLL deve ser apurada com a utilização do percentual de

presunção de 12% (doze por cento).

Neste caso, os custos referentes à aquisição dos direitos creditórios

não podem ser excluídos para fins de apuração da receita bruta

tributável, bem como para verificação do limite de receita estabelecido

para a adoção dessa sistemática de tributação (lucro presumido).

Dispositivos Legais: Lei n.º 9.249, de 1995, arts. 15 e 20; Lei n.º

9.514, de 1997, art. 3.º; Lei n.º 9.430, de 1996, art. 29; Lei n.º 8.981,

de 1995, art. 31 e parágrafo único; Lei n.º 9.718, de 1998, art. 14,

inciso VII; Lei n.º 12.249, de 2010, art. 22; Decreto n.º 3.000, de

1999, arts. 518, 519 e 224.

Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social –

Cofins.

179

Securitização. Base de cálculo. Receita bruta.

Para fins de apuração da base de cálculo da Cofins das pessoas

jurídicas que exploram a atividade de securitização de créditos não

imobiliários, financeiros ou do agronegócio, o custo de aquisição dos

direitos creditórios não pode ser excluído da receita bruta auferida.

Dispositivos legais: Lei n.º 9.718, de 1998, art. 3.º, § 8.º.

Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep

Securitização. Base de cálculo. Receita bruta.

Para fins de apuração da base de cálculo do PIS/Pasep das pessoas

jurídicas que exploram a atividade de securitização de créditos não

imobiliários, financeiros ou do agronegócio, o custo de aquisição dos

direitos creditórios não pode ser excluído da receita bruta auferida.

Dispositivos Legais: Lei n.º 9.718, de 1998, art. 3.º, § 8.º.230

De forma correta, a Receita Federal do Brasil esclareceu o percentual de 8%

de presunção do lucro aplicável para a apuração do IRPJ, e de 12% por cento de

presunção aplicável para a apuração da CSLL.

Entretanto, em relação ao custo de aquisição não ser excluído da receita

bruta, a Receita Federal, na sistemática do lucro presumido, ao entender dessa forma,

acaba por tributar o valor integral dos direitos creditórios, não apurando a efetiva receita

bruta da securitização. Como destacado neste estudo, a remuneração ou receita bruta das

securitizadoras se dá com base no spread, que nada mais é do que o desconto do valor

do ativo adquirido, e não sobre o valor do recebimento do crédito pelo devedor, que se

trata da recuperação do capital pela securitizadora.

4.5.3 O papel da solução de divergência no sistema jurídico brasileiro

As soluções de divergência são atos expedidos pelo Coordenador-Geral de

Tributação da Receita Federal do Brasil (Cosit), e têm como função uniformizar o

entendimento da Receita Federal sobre questões fiscais no País, em todas as suas

Superintendências.

230

Disponível em: <http://www.sinfac.net/20anos/index.php/sindicato/historia/15-noticias/139-nova-

solucao-de-consulta-ratifica-entendimento-sobre-ir-de-securitizadora>. Acesso em: 14 mar. 2016.

180

Em que pese ser um documento de uso interno das Superintendências

Regionais da Receita Federal, vinculante às autoridades fiscais, trata-se de uma norma

geral e concreta que dispõe sobre regras jurídicas no âmbito fiscal federal, orientando

também os contribuintes que poderão se enquadrar nas hipóteses descritas nessa norma

jurídica.

Portanto, a solução de divergência editada pelo Poder Público federal

orienta os administrados, alcançando fatos geradores posteriores à publicação da

Solução de Divergência, podendo retroagir no caso de beneficiar o contribuinte.

Em destaque, a Instrução Normativa n.º 740/2007, aplicada quando da

edição da Solução de Divergência n.º 8/2011, traz o seguinte dispositivo quanto à

edição de ato de caráter geral (produção de efeitos do próprio ato enunciativo de

legalidade): “a Solução de Divergência, uniformizando o entendimento, acarretará a

edição de ato específico de caráter geral”.231

Da mesma forma, a Instrução Normativa n.º 1.396/2013, em vigor, trata-se

de importante ferramenta jurídica a ser utilizada pela Receita Federal do Brasil para

uniformizar as soluções de consulta editadas pelas Disit, aponta entendimento do órgão

federal sobre determinado assunto, permite que contribuintes se enquadrem naquela

decisão (caráter geral), mesmo não tendo sido o consulente, e vincula por critério de

hierarquia as demais autoridades fiscais federais aplicadoras do direito.

4.5.4 A Solução de Divergência n.º 8/2011 editada pela Receita Federal do Brasil

sobre o regime tributário do lucro presumido adotado pelas securitizadoras de

títulos e valores mobiliários

O ato enunciativo de legalidade considerado de suma importância neste

estudo é a Solução de Divergência n.º 8/2011, editada com o intuito de pacificar

controvérsias dentro da Receita Federal do Brasil, tem sua função primordial

orientadora, com efeitos retroativos e futuros, vinculativa em relação às demais

231

Artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007.

181

autoridades fiscais pelo seu caráter hierárquico e, principalmente, assume caráter geral

perante os demais administrados que se enquadrarem em seu texto e contexto.

Editada em um momento em que as Disit de algumas regiões fiscais do País

apresentavam há tempos entendimento quanto ao regime optativo do lucro presumido a

ser adotado pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, a Solução de

Divergência em análise teve sua função de consolidação. Vejamos os detalhes a seguir.

4.5.4.1 11.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Divergência n.º

8/2011 da Cosit

O décimo primeiro ato enunciativo de legalidade foi editado pela

Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), em 13.04.2011. A Solução de Divergência

n.º 08 reafirmou a possibilidade de a atividade de securitização de valores mobiliários

apurar IRPJ e CSLL pela sistemática do lucro presumido, consolidando inclusive as

bases de cálculo presumidas:

Solução de Divergência n.º 8, de 13 de abril de 2011

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo. Para fins de

apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas jurídicas, optantes

pelo regime de lucro presumido, que exploram atividade de

securitização de créditos, inexiste base legal para excluir da receita

bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios. O

percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de 8%.

Excetuam-se do acima disposto as sociedades securitizadoras de

créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, visto que

encontram-se obrigadas à apuração do lucro real, de acordo com o

inciso VII do art. 14 da Lei n.º 9.718, de 1998.

Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL

Ementa: Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo. Para fins de

apuração da base de cálculo da CSLL das pessoas jurídicas, optantes

pelo regime de lucro presumido, que exploram atividade de

securitização de créditos, inexiste base legal para excluir da receita

bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios. O

percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de 12%.

Excetuam-se do acima disposto as sociedades securitizadoras de

créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, visto que

182

encontram-se obrigadas à apuração do lucro real, de acordo com o

inciso VII do art. 14 da Lei n.º 9.718, de 1998.232

A Solução de Divergência, como o próprio nome sugere, tem como objetivo

pacificar e uniformizar o entendimento sobre determinada matéria fiscal.233

À época da edição da Solução de Divergência n.º 8/2011 vigia a Instrução

Normativa n.º 740/2007. Em seu artigo 16 previa o caráter geral dos efeitos do ato

enunciativo produzido pela Cosit:

Art. 16. Havendo divergência de conclusões entre soluções de

consultas relativas à mesma matéria, fundada em idêntica norma

jurídica, caberá recurso especial, sem efeito suspensivo, para a Cosit

ou Coana, conforme a competência prevista no art. 10.

[...]

§ 5.º A Solução de Divergência, uniformizando o entendimento,

acarretará a edição de ato específico de caráter geral.

Da mesma forma, o artigo 21, § 3.º, da Instrução Normativa n.º 1.396/2013

dispõe que, “reconhecida a divergência, a Solução de Divergência acarretará a edição de

ato específico de caráter geral, uniformizando o entendimento, com imediata ciência ao

destinatário da solução reformada, aplicando-se seus efeitos a partir da data da ciência”.

O caso analisado pela Cosit tratou do percentual de presunção aplicado ao

IRPJ e à CSLL na apuração do lucro, sistemática própria do lucro presumido. Com isso,

se há a fixação de uma base de cálculo presumida para as securitizadoras de créditos, a

lógica que se tem do ato enunciativo é de que se permite tal regime para essa

modalidade.

232

Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-

DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=6&f=G&l=20&s1=&s3=

&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10

=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.

htm&r=5&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.

2016. 233

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 44.

183

Há ainda na Solução de Divergência a distinção das outras três modalidades

de securitização (imobiliária, financeira e agronegócio), que se submetem à apuração

pelo regime do lucro real.

Portanto, esse ato enunciativo de legalidade não só uniformiza o

entendimento sobre a matéria, mas permite que contribuintes que se encontrem na

mesma situação se beneficiem da “decisão” expedida pela Receita Federal do Brasil,

que possui caráter geral, concreto e vinculativo perante as demais autoridades desse

órgão da União.

Por fim, apenas como registro do agente público responsável pela edição da

Solução de Divergência n.º 8/2011, não querendo de modo algum comparar critério de

pessoalidade com o dever e função de agente público que age em nome da

Administração, registra-se que o referido ato enunciativo de legalidade foi assinado pelo

Auditor Fiscal Fernando Mombelli, Coordenador-Geral de Tributação da Secretaria da

Receita Federal do Brasil.

No item seguinte, verificaremos que esse mesmo agente público foi um dos

signatários da mudança de entendimento da Receita Federal do Brasil, quando da edição

do Parecer Normativo n.º 5/2014, com efeitos retroativos desde a vigência da Lei n.º

9.718/1998, ignorando, por completo aquilo que havia sido pronunciado em caráter

geral e concreto na Solução de Divergência n.º 8/2011.

4.6 Análise do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil –

aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo

Editado em desrespeito ao princípio da não surpresa, sob a condição de

“oportunidade e esperteza”, que não se confundem com legalidade, segurança jurídica e

democracia, muito atende ao princípio da supremacia do interesse público sob o

privado, pois, para tanto, o princípio corolário a ser inicialmente obedecido é a estrita

legalidade, inexistente nesse ato enunciativo de legalidade. Portanto, o Parecer

Normativo n.º 5/2014 merece duras críticas por este autor.

184

Com caráter direcionado e distorcido, aproveitando as autoridades fiscais

para mudar de entendimento, objetivando estritamente a arrecadação, não porque há

fundamentos ou elementos jurídicos que sustentariam essa mudança, mas porque se

aproveitou de um critério de identidade entre atividades semelhantes, a edição do

parecer normativo a ser analisado a seguir causou estranheza, alerta e receio daqueles

que se submeteram durante anos ao regime de apuração de tributos pelo lucro

presumido.

A confirmação da falta de seriedade e sustentabilidade jurídica será objeto

de análise a seguir.

4.6.1 O papel do parecer normativoda Receita Federal do Brasil no sistema jurídico

brasileiro

O parecer jurídico surge de uma necessidade da administração pública, que

na maioria das vezes se refere à situação individual. Entretanto, há ocasiões, em que

esse mesmo parecer pode se tornar geral, e ser obrigatória a sua aplicação a todos os

casos idênticos que passarem a existir, chamado, nesse caso, de parecer normativo.

Hely Lopes Meirelles, ao tratar do parecer normativo, define:

[...] é aquele que, ao ser aprovado pela autoridade competente, é

convertido em norma de procedimento interno, tornando-se impositivo

e vinculante para todos os órgãos hierarquizados à autoridade que o

aprovou. Tal parecer, para o caso que o propiciou, é ato individual e

concreto; para os casos futuros, é ato geral e normativo.234

Nesse passo, observa-se que, com o ato de aprovação do administrador

público, o parecer passa de norma individual para geral, devendo ser aplicado para

todos os casos assemelhados, servindo como alicerce para a prática de atos

administrativos futuros.

234

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.

189.

185

O parecer normativo emitido pela Receita Federal do Brasil é um ato

enunciativo de legalidade que tem como uma das suas funções uniformizar

interpretação de legislação fiscal ou aduaneira, que contenha dúvida ou conflito,

vinculando os agentes públicos federais.

Esse ato enunciativo de legalidade não possui força de lei, não altera

dispositivo de lei, tratando-se de mera opinião normativa vinculativa do órgão federal.

Sob essa premissa, os agentes fiscais federais estão vinculados ao

entendimento expedido pelo chefe maior da Receita Federal do Brasil,235

seja por

questão normativa que lhe confere competência,236

seja por questão de hierarquia dentro

da Administração Pública.

O que nos chama a atenção são as características atribuídas pelo próprio

órgão emitente do parecer normativo, quando enuncia que:

[...] o Parecer Normativo e o Ato Declaratório Normativo, por serem

atos interpretativos, possuem natureza declaratória, retroagindo, sua

eficácia, ao momento em que a norma por eles interpretada começou a

produzir efeitos. Sua normatividade funda-se no poder vinculante do

entendimento neles expresso.

Expressões como “atos interpretativos”, “natureza declaratória”,

“retroagindo”, “eficácia”, “começou a produzir efeitos” apontam evidências de que o

caráter declaratório desses atos enunciativos possui comando “constitutivo”, pois de

plano trazem ordens aos agentes públicos quanto à expedição de normas individuais e

concretas na hipótese de dado fato F” não atender as condições interpretativas “C”,

ainda que o antecedente da norma geral e abstrata não descreva expressamente o fato, o

que tornaria a norma produzida pelo processo de subsunção237

eivada de nulidade

material, porque não teria fundamento de validade na norma geral e abstrata. Nesse

caso, o problema se dá quanto à mensagem prescritiva de conduta.

235

Secretário da Receita Federal do Brasil.

236 Regimento Interno da Receita Federal do Brasil (Portaria MF n.º 203/2012, artigo 280, XXVI).

237 FUSO, Rafael Correia. Seletividade tributária. 2006. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p.

37.

186

Esse comando constitutivo, logicamente, não está inserido em pareceres

normativos; ele advém, primeiramente, do disposto nos artigos 141 e 142 do Código

Tributário Nacional.

Portanto, o parecer normativo aponta para duas obrigações: vinculação e

regra impositiva para a constituição do crédito tributário pelos agentes fiscais

vinculados à Receita Federal do Brasil, o que inclui os julgadores de primeira instância

administrativa desse órgão da União.

Não estamos afirmando aqui que o parecer normativo é uma regra jurídica

que permite construir uma norma geral e abstrata com fundamento de incidência

tributária por meio da subsunção, pois sequer esse ato enunciativo editado pelo

Secretário da Receita Federal possui condições jurídicas para tanto, haja vista não se

tratar de lei.

Pontua-se, fazendo breve parêntesis, que o processo de subsunção ocorre

entre o fato e o antecedente da norma geral e abstrata, por meio de inclusão da classe do

fato à classe descritiva do antecedente normativo. Com isso, o processo resulta no

nascimento de uma norma individual e concreta, por meio da norma geral e abstrata.

Gregório Robles238

nos ensina que a subsunção consiste em encaixar uma

ação concreta na ação contemplada no texto. Entretanto, para subsumir, é necessário

interpretar. É nessa ida e volta do olhar entre a ação realizada de fato e a ação

contemplada no texto que consiste o mecanismo intelectual que configura a subsunção.

As normas individuais e concretas produzidas pelos agentes públicos serão

autos de infração, as decisões de não homologação de compensações tributárias, os

indeferimentos de restituição ou ressarcimentos de tributos, entre outros, que deverão

atender aos enunciados e conclusões dispostos nos pareceres normativos.

Da mesma forma que esse ato enunciativo de legalidade traz uma mensagem

vinculativa aos agentes públicos, por critério de hierarquia por quem o emite, não

238

ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. São

Paulo: Manole, 2005. p. 38.

187

podemos afirmar que esse mesmo ato expede um comando normativo obrigatório aos

contribuintes para atender àquilo que foi contemplado nesse ato, ainda mais quando se

depara que há leis e princípios sendo notoriamente desrespeitados pelo órgão da União

Federal.

O referido ato impõe, na verdade, um alerta ao contribuinte, que poderá ser

fiscalizado e autuado caso tenha se submetido ou permaneça sujeito ao regime do lucro

presumido, permitindo que esses mesmos contribuintes possam afastar esse ato

enunciativo de ilegalidade perante o Poder Judiciário e junto ao Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

4.6.2 Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil

Em 10.04.2014, para a surpresa de todas as securitizadoras de títulos e

valores mobiliários, a Receita Federal do Brasil, por meio da edição do Parecer

Normativo n.º 5, assinado pelo Secretário da Receita Federal, Sr. Carlos Alberto

Barreto, e pelo Subsecretário de Tributação e Contencioso, Sr. Fernando Mombelli, o

mesmo agente que editou a Solução de Divergência n.º 8/2011, entendeu que o regime

de lucro real seria obrigatório para essa atividade desde a edição da Lei n.º 9.718/1998.

Com base nesse Parecer Normativo n.º 5/2014, desprovido de

sustentabilidade e segurança jurídica, as securitizadoras de créditos empresariais se

viram sob a ameaça de sofrerem autuações fiscais, caso tivessem empregado o regime

de apuração do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido, mesmo que tenha se enquadrado

no critério geral e concreto disposto na Solução de Divergência n.º 8/2011, que trazia a

interpretação do próprio fisco quanto à faculdade de se adotar o regime do lucro

presumido.

Portanto, analisaremos a partir de agora a mudança de entendimento da

Receita Federal com efeitos normativos e retroativos da forma de recolhimento de

tributos por empresa Securitizadora de Títulos e Valores Mobiliários.

Em pertinente crítica, Eurico de Santi traduz em poucas palavras sua

irresignação diante da edição do malsinado Parecer Normativo n.º 5/2014, sensação

188

despertada em qualquer estudioso do direito que zela pela legalidade concreta e

segurança jurídica:

Conforme vimos, é inesgotável a capacidade “TRANSCRIATIVA”

para gerar novos sentidos sobre um mesmo texto legal, alargando-se a

competência tributária. A geração de novos sentidos sobre o suporte

físico da mesma lei não é conduta digna do Poder Público:

ESPERTEZA e OPORTUNISMO não fazem rima com

LEGALIDADE e DEMOCRACIA. Para se exigir ética e lealdade do

contribuinte, a Administração Pública deve, antes e sponte própria,

agir de forma modelar. Afinal, ética não se prescreve e não se ensina

com palavras, mas com ação: se houver a omissão do Estado em dar o

primeiro exemplo, sem ética na produção e aplicação da lei, não há

legalidade; sem legalidade, não há Estado de Direito. 239

Destaca-se parte dos enunciados do Parecer Normativo RFB n.º 5/2014,

objeto de comentários e críticas a seguir:

17. No Brasil, a securitização de ativos surgiu em empresas não

financeiras, evoluindo para as instituições financeiras com a edição de

normas, tais como a Lei n.º 9.514, de 1997, e Resolução CMN/Bacen

n.º 2.686, de 26 de janeiro de 2000, para créditos imobiliários, Lei n.º

11.076, de 30 de dezembro de 2004, para créditos agrícolas, e

Resolução CMN/Bacen n.º 2.836, de 30 de maio de 2001, para

créditos financeiros. Além de disciplinar as operações, criaram

instrumentos específicos de emissão exclusiva da securitizadora

regulamentada, tais como o CRI (Certificado de Recebíveis

Imobiliários) e CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio).

Pela falta de regulamentação própria, a securitização de recebíveis

comerciais adotou o uso de instrumento de captação já instituído no

mercado de capitais: a debênture.

18. Dessa forma, o investidor recebe o retorno do investimento por

meio de pagamentos a título de amortizações e encargos na medida

em que os títulos de lastro são liquidados e/ou remunerados,

compondo assim fluxos financeiros combinados, administrados pela

securitizadora. Os títulos inadimplidos e considerados incobráveis são

abatidos do lastro, reduzindo assim os fluxos financeiros, o que,

observados os termos pactuados, resulta, a princípio, em perda tanto

para o investidor quanto para a securitizadora, por diferentes motivos,

melhor compreendidos mais adiante. Não obstante, a securitização

oferece diversas oportunidades econômicas para o investidor, pelas

possibilidades de ganhos com o risco adquirido e não materializado, e

para os cedentes, pela antecipação de recebíveis e redução da pressão

do risco de crédito sobre seus ativos.

239

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e

legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 26.

189

19. Tem-se portanto que, em se tratando de direitos creditórios

comerciais, tanto a securitização quanto a faturização operam a

compra de direitos creditórios originados em vendas a prazo de bens e

serviços, configurando modalidades distintas de fomento mercantil,

que só se distinguem pela destinação dos títulos adquiridos, ou seja, a

securitização se caracteriza pela formação de lastro para os títulos

mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira

própria. Contudo, em ambos os casos a aquisição de recebíveis

comerciais é regida pelas mesmas regras, dispostas nos arts. 287 e 295

do Código Civil (CC).

20. Dessa forma, não há qualquer justificativa para conferir

tratamentos tributários distintos a empresas que exerçam atividade de

securitização de créditos comerciais ainda que não haja

regulamentação específica estabelecida em lei comercial.

21. Por essa razão, e por se tratar de empresas dedicadas à compra de

direitos creditórios originários de vendas a prazo de bens e serviços,

tal como disposto no art. 14, inciso VI, da Lei n.º 9.718, de 1998, as

securitizadoras de direitos creditórios comerciais sujeitam-se a

tributação obrigatória pelo regime do lucro real, assim como as

faturizadoras, cabendo-lhes portanto, o mesmo tratamento tributário.

22. Ademais, a exposição de motivos (EM Interministerial n.º

00180/2009 – MF/MDIC) da MPV n.º 472, de 15 de dezembro de

2009, convertida na Lei n.º 12.249, de 2010, que introduziu o inciso

VII do art. 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, já reconhecia a similaridade

das atividades desenvolvidas pelas securitizadoras de ativos

empresariais e pelas faturizadoras, ao afirmar que “27. As atividades

das securitizadoras de recebíveis se assemelham em muito às

atividades de factoring, as quais se encontram obrigadas à adoção da

apuração pelo lucro real, conforme disposto no inciso VI do art. 14 da

Lei n.º 9.718, de 1998”, o que implica concluir que as securitizadoras

de ativos empresariais não foram incluídas no inciso VII porque já

estavam abrangidas pelo inciso VI.

[...]

31. A complexidade e diversidade de opções de negócio da

securitização demandam ordenamento e disciplina regulamentar, e as

normas editadas até o momento aplicam-se a créditos imobiliários,

financeiros, e agrícolas, porque eram segmentos com demanda

instaurada. Contudo, e muito recentemente, pelos motivos já

discorridos e que não se relacionam com o mercado, surgiram

empresas constituídas como securitizadoras de ativos empresarias,

utilizando, por analogia, as disposições da Lei n.º 9.514, de 1997, e

alegadamente dedicadas a securitização de títulos de crédito

originados em operações de venda de bens e serviços. Embora

admissível, a constituição de pessoas jurídicas com esse objeto social,

sob ponto de vista da exploração econômica, não se distingue de uma

empresa de fomento mercantil, eis que a securitização se desdobra na

captação de recursos por meio da emissão de títulos mobiliários, que

não gera receita própria, combinada com a aquisição de títulos de

crédito, esta sim, atividade que efetivamente gera o acréscimo

patrimonial, pelo valor do deságio obtido na cessão.

32. Assim, a receita bruta das securitizadoras de crédito, de qualquer

espécie, bem como de qualquer pessoa jurídica dedicada à compra de

190

direitos creditórios, é o deságio, assim entendido a diferença entre o

valor de face do título e o respectivo custo de aquisição.

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que:

a) as pessoas jurídicas que exploram a atividade de securitização de

ativos empresariais estão obrigadas ao regime de tributação do lucro

real, por força do disposto no art. 14, VI, da Lei n.º 9.718, de 1998, e

das demais, por disposição expressa do inciso VII;

b) a receita bruta das pessoas jurídicas que exploram a atividade de

securitização de ativos empresariais, para fins de apuração da base

de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, é o

deságio, assim entendido a diferença entre o valor de face dos títulos

de crédito adquiridos e o custo de aquisição (destacamos).

O parecer declara que a securitização de títulos mobiliários é uma espécie

do gênero fomento mercantil, distinguindo apenas quanto à destinação dos títulos

adquiridos, ou seja, a securitização de ativos empresariais se caracteriza pela formação

de lastro para os títulos mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de

carteira própria.

Uma das formas de distinguir a securitização da atividade de factoring, e

não para descaracterizá-la, é pela emissão de debêntures lastreadas em recebíveis,

permitindo a segregação e diluição do risco. Nesse caso, segundo a doutrina, há a cessão

do lastro, e não apenas do crédito:

Nesse passo, a SPE, como instrumento da operação, realiza a emissão

pública de títulos ou valores mobiliários, aplicando o produto desta

emissão na aquisição dos direitos creditórios da companhia

originadora. O mesmo ocorre com os Findos de Investimento em

Direito Creditório – FIDC –, objeto de análise específica no presente

livro.

Tais títulos terão como lastro (garantia) o fluxo de recebíveis da

empresa originadora que serão cedidos à SPE, sendo que a emissão

dos títulos espelha o fluxo dos recebíveis. Tipicamente, um originador

faz empréstimos aos consumidores para a compra de um bem, um

ativo, como um computador, um fogão, um apartamento; o

empréstimo e garantido pelo ativo financiado. O originador pode,

pois, “empacotar” alguns ou todos os seus recebíveis (crédito junto

aos consumidores) em uma operação de securitização e emitir valores

mobiliários lastreados pelos empréstimos feitos aos seus

consumidores.

Os Valores Mobiliários são quitados pelos pagamentos regulares

feitos pelos investidores-consumidores. Daí a SPE poder ser utilizada

como instrumento de segregação do risco de crédito dos recebíveis.

Esta é uma das diferenças entre a securitização e outras operações a

191

ela assemelhadas, isto é, a separação dos riscos inerentes de cada

negócio, e o fato de que a cessão de crédito ocorre para um fim

específico: a emissão de valores mobiliários, daí a razão de ser tratada

no presente livro não somente como cessão de crédito, mas como de

“cessão de lastro”. É bom que se diga que a cessão de crédito é a que

ocorre com o contrato de factoring (faturização), pois a factoring

utilizará os créditos para emissões de valores mobiliários, como ocorre

com a securitização que na verdade está adquirindo lastro.240

Eurico de Santi, em seu estudo sobre o tema, apontou de plano as seguintes

inconsistências no Parecer Normativo n.º 5/2014, o qual adotamos integralmente:

(i) O Parecer Normativo pretende alterar a interpretação das Leis

9.718/1998 e 12.249/2010 no sentido de que a atividade de

securitização de créditos mobiliários estaria equiparada (desde

sempre) à atividade de factoring, sendo esta sujeita obrigatoriamente

ao lucro real. Entretanto, trata-se de VEÍCULO INAPROPRIADO

para dispor sobre base de cálculo de tributo. A pretensão do Parecer

Normativo desrespeita a LEGALIDADE, ex vi art. 150, I, da

Constituição Federal e art. 97, inciso IV, do Código Tributário

Nacional, uma vez que apenas a LEI pode dispor sobre criação,

modificação ou extinção de tributos;

(ii) O Parecer Normativo pretende dar efeito ex tunc à interpretação

por ele introduzida em 2014 para Leis anteriores (Leis 9.718/1998 e

12.249/2010), novamente desrespeitando o preceito constitucional da

IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA, ex vi art. 150, III, da

Constituição Federal;

(iii) O Parecer Normativo também ignora entendimento da própria

Receita Federal, expresso em acórdão da Delegacia da Receita Federal

do Brasil e Julgamento em Porto Alegre (RS), o qual fundamenta toda

a sua razão de decidir na distinção entre as atividades de factoring e

de securitização de créditos mobiliários, assentando esta última na

condição de lucro presumido;

(iv) Ignora Solução de Divergência no sentido de que a atividade de

securitização de créditos mobiliários pode ser tributada pelo lucro

presumido. Reitera-se que o instituto da Solução de Divergência,

expedida pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), representa

posicionamento oficial da Receita Federal, de CARÁTER GERAL, ex

vi dos artigos 14 e 16 da IN/RFB 740/2007;

(v) Ignora DEZ Soluções de Consulta favoráveis à possibilidade de

empresas securitizadoras de créditos mobiliários optarem pela

sistemática do lucro presumido;

(vi) Ignora DEZ diferenças específicas entre as atividades de factoring

e securitização, utilizadas pela própria Receita Federal na

240

NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier

Latin, 2010. p. 79.

192

fundamentação de acórdãos e na veiculação de Solução de Consulta e

Solução de Divergência;

(vii) Finalmente, o Parecer Normativo incorre em contradição interna,

uma vez que RECONHECE a INEXISTÊNCIA DE NORMA

EXPRESSA obrigando as securitizadoras de créditos mobiliários a

apurarem o IRPJ/CSLL pelo lucro real. Afirma a existência de norma

apenas para os setores imobiliário, agrícola e financeiro (destaques do

próprio autor).

O fato de ignorar todo o histórico de respostas às consultas, solução de

divergência, decisões da Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), além de

realizar interpretação de critérios por semelhança, e não identidade, dá a entender que a

Receita Federal do Brasil usa da analogia para o enquadramento das securitizadoras no

enunciado disposto no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, o que é vedado no

nosso ordenamento jurídico, desrespeitando estritamente a legalidade.

Buscando entender o processo percorrido pelos intérpretes da Receita

Federal do Brasil, que caminharam pelo processo de interpretação e construção de

sentido no Parecer Normativo n.º 5/2014, partindo do disposto no artigo 14, VI, da Lei

n.º 9.718/1998, passando por outras regras do direito civil brasileiro, para concluir pela

aplicação do regime do lucro real às securitizadoras de títulos e valores mobiliários,

necessita-se investigar o processo de leitura, interpretação e compreensão dos

enunciados do referido dispositivo legal (tomado aqui como objeto).

Interpretar é valorar símbolos, atribuindo significações a objetos. Não se

trata de exclusividade do legislador, mas de todos os que produzem normas e que estão

submetidos a elas. De acordo com Karl Larenz, interpretar é “uma atividade de

mediação, pela qual o intérprete traz à compreensão o sentido de um texto que se lhe

torna problemático”.241

Outros cientistas entendem que interpretar é algo mais complexo, em que se

busca descobrir o verdadeiro sentido da regra jurídica, procurando a real significação da

definição de conceitos jurídicos. Somos adeptos dessa corrente.

241

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3. ed. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p.439.

193

Martin Heidegger242

deixa de lado a hermenêutica normativa, voltando-se

para a filosófica, em que a ontologia passa a ser fundamental no sentido do ser. Para

esse filósofo, a interpretação funda-se na compreensão.

A filosofia hermenêutica percorre três processos básicos, chamados de

funções hermenêuticas: ler, interpretar e compreender. Trata-se de um processo que

deve seguir a ordem exposta; se ocorrer algum obstáculo no primeiro processo, os

outros dois não serão alcançados.

Realizada a leitura do texto (objeto), o segundo passo é a interpretação, que

“consiste em averiguar o sentido coerente do que lemos, com a finalidade de poder

compreendê-lo. A interpretação consiste na aplicação de nossas faculdades

cognoscitivas na captação do sentido de uma realidade, com o objetivo de compreendê-

la”.243

O que se caracteriza na interpretação “é que o intérprete só quer fazer falar o

texto, sem acrescentar ou omitir o que quer que seja”.244

Nesse contexto, o intérprete

almeja tão somente conhecer o que a norma prescreve, entendida corretamente no seu

sentido.

Para Gadamer, “o ato de interpretar implica uma produção de um novo

texto, mediante a adição de sentido que o intérprete lhe dá”.245

Trata-se de uma

proposição verdadeira de que todo o processo de interpretação é feito em linguagem de

sobrenível, construída na mente humana, em que se atribui valoração própria do

intérprete nesse processo.

Após a interpretação, considerada como a busca do sentido, o terceiro passo

é a compreensão, que é a fixação ou a captação, na mente humana, desse sentido.

242

Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da

construção do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 190-195. 243

ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. São

Paulo: Manole, 2005. p. 50. 244

Entendimento de LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3.

ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 441. 245

Citação feita por Lenio Luiz Streck (Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica

da construção do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 209) sobre Hans-Georg

Gadamer (Verdade e método II. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 405).

194

Compreender é tomar como referência o conteúdo daquilo que se conheceu

e entendeu do texto legal. É atividade que pressupõe a análise experimental de

fenômenos reais e um plus axiológico.246

Para interpretar e compreender as coisas, é necessário partir da linguagem

do direito (objeto), que prescreve direitos e obrigações e regula condutas intersubjetivas.

Entretanto, todo intérprete precisa partir das ideias jurídicas e das possibilidades de

expressão da sua época, considerando o sentido normativo da lei, resguardando ainda as

intenções e as ideias normativas do legislador.

O primeiro contato do intérprete é com a literalidade do texto legal,

percebendo as estruturas morfológicas e gramaticais. Os enunciados prescritivos

observados nessa fase são as orações soltas, com sentido pleno, sem apresentar unidade

completa de significação deôntica.

Após essa primeira visualização, o intérprete começa a ordenar em sua

mente as frases prescritivas, com o objetivo de perceber a ordem de fala.

Karl Larenz nos ensina que “uma interpretação que não se situe já no âmbito

do sentido literal possível já não é interpretação, mas modificações de sentido”.247

Portanto, a interpretação literal ou literalidade textual é o ponto de partida

para o processo hermenêutico, e nessa fase já se apontam limites da atividade

interpretativa, devendo sempre ser trabalhado o direito no campo do possível.

A interpretação literal não é interpretação ainda, haja vista que estamos no

plano da leitura, sem ainda atingir a segunda fase das funções hermenêuticas. Esse

limite traduzido na literalidade deve possibilitar uma interpretação que seja conforme à

ideia de base da norma jurídica, evitando modificações de sentido.

Na linguagem da regra jurídica, pressupõe-se a existência de regras

gramaticais de um dado idioma, com contexto da comunicação, de tal forma que os

246

CARVALHO, Paulo de Barros. Incentivo fiscal: conflito entre estados. Revista Trimestral de Direito

Público, São Paulo: Malheiros, n. 9, p. 131-132, 1995. 247

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3. ed. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 454.

195

enunciados aparecem como “formações bem construídas e dotadas de referência

objetiva”.248

Nesse caso, estamos ainda no subsistema da literalidade das regras

jurídicas.

Entretanto, há métodos hermenêuticos que buscam suprir falhas gramaticais

e lógicas existentes nessas regras jurídicas, o que desmistifica essa boa construção

gramatical.

A segunda fase da exegese é a atribuição de valores unitários aos signos

encontrados no texto legal, possibilitando que o intérprete selecione significações e

componha frases portadoras de sentidos.

Nessa segunda fase, nos enveredamos no domínio do plano semântico dos

signos, associando-os e comparando-os com o intuito de estruturar significações

jurídicas. O intérprete procura lidar, por enquanto, com enunciados, isoladamente

compreendidos. Busca encontrar significações de base, novo ponto de partida para os

esforços de contextualização das palavras e das próprias frases.249

Nesse caso, estamos

já no subsistema das significações isoladas de enunciados prescritivos.

Portanto, no plano do conteúdo semântico, encontramos “significações com

referência prescritiva à linguagem da realidade social sem, contudo, possuir capacidade

de regulá-la”.250

No terceiro subsistema de construção da norma jurídica, partimos para o

conjunto articulado das significações normativas, em que o hermeneuta passa a

contextualizar os conteúdos obtidos no processo anterior, com a finalidade de construir

unidades completas de sentido deôntico.

Para construir a norma jurídica na mente do intérprete, é necessário iniciar

pelos enunciados prescritivos, atribuir-lhes valor, extrair deles conteúdos e agrupar

esses enunciados de forma organizada, com o intuito de construir a norma jurídica

248

Entendimento de Paulo de Barros Carvalho sobre a linguagem escrita das regras jurídicas (Direito

tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 66). 249

Ibidem, p. 75.

250 MOUSSALLÉM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 84.

196

completa. Com a criação da norma jurídica, temos as significações de enunciados no

antecedente da regra jurídica. No consequente, constata-se o regramento de condutas

intersubjetivas.

Nas lições de Paulo de Barros Carvalho, encontramos quatro planos da

linguagem no processo de interpretação e compreensão, e não apenas três:

[...] partindo da interpretação do plano da literalidade textual (S1),

que compõe o texto em sentido estrito, passando, mediante o

processo gerador de sentido, para o plano do conteúdo dos

enunciados prescritivos (S2), até atingir a plena compreensão das

formações normativas (S3), e a forma superior do sistema normativo

(S4), cujo conjunto integra o texto em sentido amplo.251

Destaca-se que para a compreensão do texto legal no processo de

interpretação é necessário existirem no hermeneuta elementos culturais que permitam

uma pré-compreensão do assunto veiculado no texto.

Nesse processo, se partirmos da literalidade do texto disposto no inciso VI

do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, chegaremos à conclusão de que os enunciados

utilizados para atender por critério de identidade a inclusão das securitizadoras de títulos

e valores mobiliários no rol sujeito ao regime de recolhimento de tributos do lucro real

são “compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de

prestação de serviços”.

Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:

VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua

de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,

seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras

de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de

prestação de serviços (factoring) (destacamos).

Todavia, ao enveredarmos para a segunda fase do processo de interpretação,

em que se busca o sentido dado pelo legislador, observa-se que estamos diante de uma

definição da atividade de factoring, visto que há outros enunciados anteriormente

dispostos no texto que compõem a atividade desse instituto de direito privado, como

251

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 165-

166.

197

“atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,

mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a

receber”.

No âmbito da compreensão, o legislador nada mais quis senão incluir no rol

do regime do lucro real uma soma de atos que são realizados pelas factorings, que

envolvem serviços e compra de direitos creditórios, ao tratar da conjugação e soma da

expressão “cumulativa”, apresentando a seguinte equação: (1) serviços de assessoria

creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a

pagar e a receber + (2) compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a

prazo ou de prestação de serviços = (3) factoring.

O legislador não tratou somente da atividade de compra de direito

creditório, de maneira em que o intérprete possa, de forma isolada, concluir pela

aplicação do regime do lucro real, pois há uma conjugação de atividades cumulativas

para se definir a atividade de factoring.

Com isso, a interpretação dada pelo Parecer Normativo n.º 5/2014, quanto à

securitizadora de títulos mobiliários, decorre de uma extensão não autorizada pelo artigo

14 da Lei nº 9.718/1998, que não trouxe de forma expressa o enquadramento dessa

modalidade de comercialização de ativos empresariais na obrigatoriedade da apuração

do IRPJ e CSLL pelo lucro real, e por isso fere o princípio da estrita legalidade.252

Ademais, o parecer normativo retroage a fatos geradores pretéritos (desde a

edição da Lei n.º 9.718/1998), o que não teria sentido diante da Solução de Divergência

n.º 8/2011 e seus efeitos de norma geral e concreta, violando inclusive o disposto no

artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007, expedida pelo Ministro da

Fazenda, autoridade superior ao Secretário da Receita Federal.

Acaba por ignorar ainda as Soluções de Consulta editadas durante anos pela

própria Receita Federal do Brasil e confirma a inexistência de norma expressa

252

Artigo 150, I, da CF, visto que o regime jurídico de apuração dos tributos compõem as bases de

cálculo (critério quantitativo da regra matriz de incidência) do IRPJ e da CSLL, como visto neste

trabalho.

198

obrigando as securitizadoras de títulos mobiliários a se submeter ao regime do lucro

real.

Na suposta interpretação realizada pelos agentes da Receita Federal do

Brasil quando da edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, os enunciados do artigo 14,

VI, da Lei n.º 9.718/1998 (signos253

e símbolos254

), analisados e interpretados pela

mesma autoridade administrativa são os mesmos quando da edição da Solução de

Divergência n.º 8/2011, contudo com significado completamente contrário àquele

enunciado pelo intérprete quando do exercício metalinguístico.

Como consequência desse ato enunciativo, sustentamos que não há

legalidade nas normas individuais e concretas expedidas pelos agentes públicos ao se

embasar no Parecer Normativo n.º 5/2014, para exigir o IRPJ e a CSLL no regime de

lucro real das securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

Além dos fundamentos já mencionados, que sustentam essa ausência de

validade e legalidade, não é possível aplicar analogia para se exigirem tributos,

incluindo nessa sistemática os regimes de apuração, haja vista que são componentes da

base de cálculo (critério quantitativo) do IRPJ e da CSLL.

Ademais, não se consegue sob o crivo de apenas um elemento comum, qual

seja a cessão de direitos creditórios fundados em recebíveis originários de títulos de

crédito, afirmar que securitização de títulos e valores mobiliários e factoring são

espécies do gênero fomento mercantil.

253

Signo é um ente que tem o status lógico de relação

, formado por um suporte físico, um significado e uma significação.

A semiótica, denominada de ciência que estuda os signos, apresenta um sistema sígnico dividido em

três planos: (i) o sintático, que estuda as relações entre os signos; (ii) o semântico, que estuda a

relação dos signos com seus objetos; e (iii) o pragmático, que examina a relação dos signos com seus

utentes, quais sejam o emissor e o receptor. Dessa forma, os signos são elementos importantes para o

conhecimento, principalmente para a comunicação entre os homens, feita somente por meio da

linguagem (CARVALHO, Paulo de Barros. Língua e linguagem – signos linguísticos – funções,

formas e tipos de linguagem – hierarquia de linguagens. Filosofia do direito I: apostila de lógica

jurídica. São Paulo: PUC/SP, 2003. p. 13-14). 254

Conceituamos símbolo como uma construção artificial arbitrariamente construída, que não guarda, em

princípio, qualquer relação com o objeto que o símbolo representa.

199

Primeiro, porque a premissa está equivocada, visto que fomento e factoring

possuem a mesma definição, são idênticos em todos os aspectos, divergindo apenas na

acepção da palavra, não existindo gênero e espécie entre eles.

Segundo, porque as distinções entre a securitização e a factoring são

evidentes, já demonstradas neste estudo, seja pela existência de prestação de serviço

neste último não presente na securitização, seja pela estrutura operacional mais

complexa na securitização envolvendo a emissão de debêntures, investidores, empresas

de análise de riscos, entre outras.

Portanto, a interpretação dada no parecer normativo pela equiparação da

securitização de títulos mobiliários com a factoring parte de critérios comuns apenas

quanto ao recebível, passa pela exposição de motivos que sequer fez alterações no texto

legal quanto ao inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, ignora todas as outras

diferenças existentes entres esses institutos de direito privado, para concluir pela

inclusão da atividade de securitização de ativos empresariais no lucro real, não fazendo

menção aos outros atos enunciativos de legalidade produzidos até então pela própria

Receita Federal do Brasil.

Essa forma de tratar o assunto causa uma frustração jurídica no setor

econômico, porque é evidente que falta seriedade nesse país para tratar os assuntos

fiscais, haja vista que a própria Receita Federal ignorou princípios e regras jurídicas em

prol da oportunidade e conveniência, pelo simples intuito da necessidade de arrecadação

para cobrir rombos no orçamento do governo federal.

O remédio para isso é o questionamento jurídico pelos contribuintes, no

âmbito administrativo e judicial, como forma de buscar o restabelecimento da

legalidade, a obediência aos princípios constitucionais e o zelo pela segurança jurídica.

Resistam, contribuintes, às ilegalidades e abusos impostos pela União Federal!

O sistema jurídico contempla uma ampla gama de normas, princípios e

regras jurídicas, determinados hierarquicamente. Segundo esse sistema, uma norma

encontra seu fundamento de validade em outra (s), e esta se assenta em princípios, e os

princípios repousam em sobreprincípios, até chegar à norma hipotética fundamental

200

criada por Hans Kelsen,255

como forma de fechar o sistema jurídico, pois essa norma se

encontra no ápice da pirâmide jurídica.256

Consideramos que a expressão “sobreprincípio” é atribuída aos princípios

que possuem maior carga valorativa no sistema jurídico, encontrando-se em um plano

hierárquico acima dos outros princípios, uma vez que regem todo o ordenamento

jurídico, servindo de vigas mestras enraizadas implicitamente na “alma” de todas as

normas jurídicas. A título de exemplificação, temos como sobreprincípio a justiça, a

certeza do direito e a segurança jurídica.257

O sobreprincípio da segurança jurídica, que traz a imagem de proteção do

cidadão em razão do Estado de Direito, exigível a qualquer ato de poder (Legislativo,

Executivo e Judiciário), tem como premissa a garantia da estabilidade jurídica e a

previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos do Poder

Público. O que exigiria, no fundo, seria: 1) fiabilidade, clareza, racionalidade e

transparência dos atos de poder; 2) de forma que, em relação a eles, o cidadão veja

garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos de seus

próprios atos.258

Sobre a segurança jurídica, Humberto Ávila259

nos ensina que, a despeito de

esse princípio possuir ambiguidade e vagueza, a Carta Magna não só protege a

segurança jurídica, mas também a consubstancia, ao definir as autoridades competentes,

os atos normativos a serem expedidos, os procedimentos, as matérias, com o intuito de

clareza, regramento e potencialização dos ideais de conhecimento e confiança

normativa. Desta feita, a segurança jurídica é protegida no âmbito constitucional em

várias dimensões, como a segurança do Direito, pelo Direito, perante o Direito, dos

Direitos e como um direito.

255

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2000. p. 215. 256

Entendimento de Paulo de Barros Carvalho, que demonstra a presença da norma fundamental no ápice

da pirâmide construída. 257

BORGES, José Souto Maior. Princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do tributo. Revista

de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 63, p. 206, 1993. 258

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra:

Almedina, 1998. p. 109 e 255-256. 259

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito

tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 678-680.

201

Ao analisarmos os enunciados da Constituição Federal de 1988, estaremos

diante de regras que trazem em maior ou menor medida (de forma implícita ou

explícita) a segurança jurídica. Os princípios da legalidade, o devido processo legal, a

supremacia da lei, a reserva de lei, a anterioridade da lei, a vigência da lei, a

irretroatividade e ultra-atividade da lei, a legalidade administrativa (artigo 37, caput,

CF/1988) e a legalidade tributária são exemplos.260

A nosso ver, esses princípios afirmam e confirmam a existência da segurança

jurídica no nosso ordenamento jurídico como um verdadeiro sobreprincípio.

Não obstante a importante existência desses princípios e sobreprincípios em

nosso ordenamento jurídico, a sociedade não pode tolerar a mudança de regras ou

interpretações sem qualquer justificativa, pelo simples oportunismo e conveniência.

Zelar pela estabilidade do ordenamento jurídico é missão constitucional dos

administradores públicos, pois há regras e diretrizes para qualquer mudança, em seu

tempo, espaço, forma e mediante motivação, tudo isso regido pela lei, mas que não se

viu na edição do Parecer Normativo n.º 5/2014.

4.7 Autuações das securitizadoras de títulos e valores mobiliários pela Receita

Federal do Brasil

Algumas securitizadoras de títulos mobiliários passaram por autuações pela

Receita Federal do Brasil nos últimos anos.261

A maioria das autuadas sofreu

lançamento por suposta prática simulada de atividade de factoring, a despeito de estar

sob o aspecto formal na atividade de securitização de títulos e valores mobiliários;

outras foram autuadas com fundamento no Parecer Normativo n.º 5/2014, em relação a

fatos pretéritos à edição do parecer.

Em todos os casos o fisco exigiu a diferença de recolhimento do IRPJ e da

CSLL com base no lucro real, descontando os valores recolhidos a título de lucro

260

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed.

rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 487. 261

Podemos apontar o Processo Administrativo n.º 11020.721197/2012-44 (caso Lorefac); Processo

Administrativo n.º 16327.720.915/2014-04 (caso MR); Processo Administrativo n.º

10920.003613/2010-5 (1.º caso Taipa), Processo Administrativo n.º 10920.721.367/2013-65 (2.º caso

Taipa), Processo n.º 10920.720870/2014-84 (caso Barcelona), entre outros.

202

presumido, recompondo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL para considerar custos e

despesas necessárias apresentadas pelas empresas autuadas, nos casos em que os

contribuintes possuíam os registros dessas despesas e custos em contabilidade.

No tocante ao PIS/Pasep e à Cofins, a fiscalização, nos casos de equiparação

das securitizadoras às factorings (Parecer Normativo n.º 5/2014) e nas hipóteses de

simulação (securitizadoras exercendo supostamente a atividade simulada de factoring),

aplicaram a essas contribuições o regime não cumulativo, em razão do enquadramento

no regime do lucro real que se submetem as factorings.

Como visto, no regime não cumulativo as alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6%

(Cofins) são superiores às alíquotas de 0,65% (PIS) e 3% (Cofins) adotadas no regime

cumulativo. Com isso, a fiscalização exigiu a diferença desses tributos nos lançamentos

fiscais, como insuficiência de recolhimento dessas contribuições.

Destacamos três autuações262

que merecem análise, pois nelas são usados

três fundamentos e critérios distintos.

A primeira reconhece que a autuada é uma securitizadora de títulos e valores

mobiliários, sujeita ao lucro presumido, porém aplicou bases de cálculo presumidas de

forma equivocada, ou seja, considerou em 32% o lucro presumido existente nas bases

de cálculo do IRPJ e da CSLL:

a) Processo Administrativo n.º 10920.003613/2010-51263

Termo de Verificação Fiscal:

[...]

3.1 Aplicação indevida de coeficiente de determinação do lucro.

Lucro presumido

A fiscalizada desenvolve a atividade de securitização. Para se

determinar a forma de apuração da receita bruta dessa atividade, é

necessário compreender como ocorrem as operações nela realizadas.

Nesse sentido, tem-se que as securitizadoras são instituições não

financeiras, cuja atividade consiste na conversão de um grupo de

262

Informamos que, a despeito de os processos administrativos gozarem de sigilo fiscal, as informações

foram obtidas dos advogados atuantes nos processos administrativos, após autorização das empresas

autuadas. 263

Primeira autuação da Taipa Securitizadora S.A. (1.º caso Taipa).

203

ativos (créditos) gerados por uma determinada empresa (originadora)

em títulos mobiliários passíveis de negociação. Isso provoca a

transformação de títulos de pouca liquidez em títulos mobiliários

líquidos, com a transferência dos riscos associados aqueles, aos

compradores destes. A securitização corresponde, assim, à emissão de

títulos mobiliários lastreados em recebíveis comerciais, com a

consequente distribuição dos riscos de um único credor para vários.

Daí decorre que as companhias securitizadoras têm como principal

atividade a compra de direitos creditórios, ao que é associado o

gerenciamento de créditos (gestão de crédito e a seleção de riscos).

Em razão disso, as atividades desenvolvidas as assemelham as

empresas de factoring (aquisição de direitos de crédito e

gerenciamento de riscos). A principal receita das empresas de

factoring consiste na diferença entre o valor de face do título e o valor

pelo qual ele é adquirido. Por analogia, é razoável que as

securitizadoras apurem a receita da mesma forma. Por conseguinte, a

apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das securitizadoras

também seguem as disposições aplicáveis, salvo disposições legais

expressas ao contrário, às empresas de factoring. Aqui cabe esclarecer

que as empresas de factoring estão obrigadas à apuração do lucro real,

obrigação esta que não existia para as securitizadoras nos anos-

calendário de 2007 e 2008. As securitizadoras estão obrigadas a

apurar o lucro real a partir da publicação da Medida Provisória n.º

472, de 15.12.2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010. Embora

obrigadas ao lucro real, os dispositivos legais abaixo apresentam o

percentual de presunção do lucro da atividade de factoring. Esse

percentual é utilizado pelas empresas de factoring que optam pela

apuração anual do imposto para o pagamento mensal de estimativas de

IRPJ e para o cálculo do IRPJ na apuração do lucro arbitrado, que

nada mais é do que os percentuais do lucro presumido majorados em

20%. Os dispositivos legais estão mostrados abaixo (grifou-se):

[...]

Pelos motivos e dispositivos legais acima mencionados e conforme o

disposto no artigo 108, inciso I, da Lei n.º 5.172/1966 – Código

Tributário Nacional, a base de cálculo do IRPJ lucro presumido para

as pessoas jurídicas que desenvolvem a atividade de securitização é o

resultado da aplicação do percentual de 32% sobre a receita bruta. A

receita bruta consiste na diferença entre o valor de face do título e o

valor pelo qual ele é adquirido.

3.2 Aplicação indevida de coeficiente de determinação da base de

cálculo da CSLL. Apuração reflexa

Os mesmos argumentos mencionados no item acima se aplicam para a

apuração da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido – CSLL. Os

dispositivos legais aplicáveis no caso da CSLL são mostrados abaixo

(grifou-se).

[...]

Pelos motivos e dispositivos legais acima mencionados e conforme o

disposto no artigo 108, inciso I, da Lei n.º 5.172/1966 – Código

Tributário Nacional, a base de cálculo da CSLL lucro presumido para

as pessoas jurídicas que desenvolvem a atividade de securitização é o

resultado da aplicação do percentual de 32% sobre a receita bruta. A

204

receita bruta consiste na diferença entre o valor de face do título e o

valor pelo qual ele é adquirido (destacamos).

A mencionada autuação equivocou-se quanto à inclusão da atividade de

securitização como prestadora de serviço. Diante desse erro, a DRJ cancelou a autuação

fiscal, sendo convalidada a decisão de primeira instância administrativa por acórdão do

CARF, analisados no item seguinte.

Como mencionado neste estudo, as securitizadoras de ativos empresariais

ou valores mobiliários estão submetidas à obrigação de dar (ceder), e não de fazer,

portanto devem ser enquadradas nas alíquotas de 8% e 12% da base de cálculo

presumida do IRPJ e da CSLL, respectivamente, e não de 32% relativa às prestadoras de

serviços.

Na segunda autuação ora comentada, a fiscalização baseou-se tão somente

nos enunciados do Parecer Normativo n.º 5/2014, reproduzindo os mesmos

fundamentos desse ato editado pelo Secretário da Receita Federal do Brasil:

b) Processo Administrativo n.º 16327.720.915/2014-04

Termo de Verificação Fiscal:

[...]

Tem-se, portanto, que, em se tratando de direitos creditórios

comerciais, tanto a securitização quanto a faturização operam a

compra de direitos creditórios originados de vendas a prazo de bens e

serviços, configurando modalidades distintas de fomento mercantil

que só se distinguem pela destinação dos títulos adquiridos, ou seja, a

securitização se caracteriza pela formação de lastro para os títulos

mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira

própria. Contudo, em ambos os casos a aquisição de recebíveis

comerciais é regida pelas mesmas regras, dispostas nos arts. 287 e 295

do Código Civil.

Nesse diapasão, a Secretaria da Receita Federal do Brasil tem se

manifestado, através do Parecer Normativo COSIT n.º 5, de

10.04.2014, nos seguintes termos: [...]

Dessa forma, não há qualquer justificativa para conferir tratamentos

tributários distintos a empresas que exerçam atividade de securitização

de créditos comerciais.

Por essa razão, e por se tratar de empresas dedicadas à compra de

direitos creditórios originários de vendas a prazo de bens e serviços,

tal como disposto no art. 14, inciso VI, da Lei n.º 9.718, já descrito

acima, as securitizadoras de direitos creditórios comerciais sujeitam-se

205

à tributação obrigatória pelo lucro real, assim como as faturizadoras.

Cabe-lhes o mesmo tratamento tributário.

Mas a forma como as “novas securitizadoras” estão operando em nada

difere das operações típicas de fomento mercantil. Elas contatam

empresas do ramo industrial, comercial e de prestação de serviços

com uma carteira de títulos a receber, negociam a compra desses

títulos por um preço à vista com deságio e só concretizam a operação

após entrar em contato com os clientes devedores para confirmar a

veracidade do título e da entrega do bem ou serviço, ou seja, de que a

dívida existe de fato, para então fechar o negócio.

Como em geral o título já foi emitido e o serviço prestado ou o bem

entregue ou prestes a ser, e o prazo de vencimento da obrigação está

próximo, a questão de semanas, não há tempo hábil para se securitizar

os títulos mediante a emissão de certificados de recebíveis e

identificar eventuais investidores interessados. Esse processo levaria

dias e a empresa credora se compromete, em contrato, a readquirir os

títulos que não forem honrados pelo devedor no prazo de vencimento.

De forma que não há como se falar em securitização desses títulos.

Trata-se de operações de fomento mercantil puro e simples.

O que nos chama a atenção no Termo de Verificação Fiscal supra são os

mesmos fundamentos trazidos no Parecer Normativo n.º 5/2014, apontando que as

regras do direito civil são as mesmas aplicadas em ambas as modalidades (securitização

e factoring), porém da mesma forma omite a existência da Solução de Divergência n.º

8/2011, aplicada aos fatos geradores objeto da autuação (2009, 2010 e 2011). Assim, o

fisco fundamenta o lançamento fiscal com aquilo que lhe é conveniente, o que reforça a

tese da falta de seriedade, moralidade administrativa e boa-fé da Administração Pública.

Sobre esse princípio, Bandeira de Mello destaca a impossibilidade de a

Administração Pública agir de modo malicioso e/ou astucioso:

De acordo com ele (Hauriou) a Administração e seus agentes têm de

atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará

violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a

conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros

de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição.

Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados

princípios da lealdade e da boa-fé, tão oportunamente encarecidos

pelo mestre espanhol Jesus Gonzáles Peres em monografia preciosa.

Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá

de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza

sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de

206

malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o

exercício de direitos por parte dos cidadãos. 264

Na terceira autuação, a fiscalização considerou que a autuada, na verdade,

agia como uma factoring, não exercendo a atividade de securitizadora de valores

mobiliários:

c) Processo Administrativo n.º 10920.721.367/2013-65

[...]

11.1 IRPJ. Opção indevida pelo lucro presumido. Não declaração de

resultados operacionais

A fiscalizada desenvolve a atividade de aquisição de direito creditório

(factoring), atividade essa que a obriga à tributação no regime do

Lucro Real. No entanto, a fiscalizada simulou outra atividade e optou

indevidamente pelo regime do Lucro Presumido. Comprovada a

simulação, a fiscalizada foi intimada a apresentar a apuração dos seus

tributos no regime do Lucro Real. [...]

11.2 CSLL. Opção indevida pelo lucro presumido. Não

Declaração de resultados operacionais

A opção indevida pelo Lucro Presumido também levou a fiscalizada a

apurar incorretamente a CSLL, que também será objeto de lançamento

de ofício no regime do lucro Real.

11.3 Cofins. Insuficiência de recolhimento

A fiscalizada desenvolve a atividade de aquisição de direito creditório

(factoring), atividade essa que obriga as pessoas jurídicas que a

desenvolvem a apurar o lucro no regime do Lucro Real e a apurar a

Cofins no regime NÃO CUMULATIVO. Assim, a simulação

realizada pela fiscalizada, e a opção indevida pelo Lucro Presumido,

repercutiram também na Cofins, apurada incorretamente pelo regime

cumulativo.

11.4 Contribuição para o PIS. Insuficiência de recolhimento

A fiscalizada desenvolve a atividade de aquisição de direito creditório

(factoring), atividade essa que obriga as pessoas jurídicas que a

desenvolvem a apurar o lucro no regime do Lucro Real e a apurar a

Contribuição para o P15 no regime NÃO CUMULATIVO. Assim, a

simulação realizada pela fiscalizada, e a opção indevida pelo Lucro

Presumido, repercutiram também na Contribuição para o PIS, apurada

incorretamente pelo regime cumulativo. [...]

264

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 1992. p. 61.

207

Identificamos no caso citado, após ter acesso aos autos do processo

administrativo, situação que desabona o trabalho da fiscalização.

O auditor do lançamento fiscal relativo à segunda fase das autuações da

Taipa é o mesmo que realizou o lançamento da primeira autuação. No primeiro

lançamento fiscal o agente fiscal certificou que a empresa era uma securitizadora de

valores mobiliários em todos os seus aspectos, portanto poderia optar pelo lucro

presumido, como visto no Termo de Verificação Fiscal transcrito do Processo

Administrativo n.º 10920.003613/2010-51.

Na segunda autuação, o mesmo auditor muda toda a sua versão factual e

fundamentação para afirmar que a empresa agia de forma simulada como factoring,

portanto estaria sujeita à apuração pelo lucro real.

Após breve leitura dos documentos (provas) existentes nos dois processos

administrativos,265

constata-se que os contratos firmados com os originadores dos

créditos, os nomes dos clientes devedores, os nomes dos investidores, a emissão de

debêntures, os Termos de Securitização, os registros contábeis e as cláusulas de

recompra dos créditos pelos originadores possuíam a mesma roupagem linguística em

todos os períodos-base fiscalizados pelo mesmo auditor, sendo inclusive em quantidade

maior o número de contratos, investidores, emissão de debêntures, em períodos

fiscalizados na segunda autuação. Isso denota falta de critério do agente autuante.

Diante disso, o resultado da fiscalização foi a certificação da securitização

em operações realizadas em 2007 e 2008, aceitando o regime do lucro presumido, e, em

períodos subsequentes (2009, 2010 e 2011), entendeu-se pela simulação com a atividade

de factoring, lavrando em ambos os casos atuações com fundamentos e critérios

distintos. No primeiro caso aplicou a base de cálculo presumida de 32% para o IRPJ e

CSLL, enquanto no segundo caso considerou a atividade como simulada de factoring,

exigindo os tributos com base no regime do lucro real.

265

Por questão de sigilo fiscal não serão objeto de análise objetiva as autuações, até mesmo porque os

processos administrativos ainda estão tramitando e este autor não possui a intenção de realizar a

valoração de provas desses casos, apenas constatar a existência delas nos processos administrativos

ora analisados.

208

Do ponto de vista jurídico, falta coerência. Ou o juízo de valor das provas266

na primeira autuação estava equivocado, valendo a segunda leitura feita na segunda

autuação; ou a primeira autuação atesta a atividade de securitização e a segunda

autuação encontra-se equivocada quanto à análise das provas e à simulação, utilizando-

se dessa conclusão aspectos lógicos em razão da linguagem existente nos documentos

trazidos nos autos processuais.

Ademais, destaca-se que as referidas autuações se deram com aplicação de

multa de ofício. No caso das empresas que supostamente praticaram simulação, segundo

o entendimento do agente autuante, as multas foram de 150%,267

sob o fundamento de

existir fraude pela prática aparente de atividade de securitização sob a essência do

fomento mercantil.

Por sua vez, na multa de ofício aplicada em face da empresa autuada em

razão do Parecer Normativo n.º 05/2014, a fiscalização considerou a penalidade em

75%, não existindo dolo, fraude ou simulação, incidindo apenas o disposto no artigo 44,

I,268

da Lei n.º 9.430/1996.

Não obstante os lançamentos terem presunção de validade, até ulterior

análise, especificamente no caso do lançamento fundado no Parecer Normativo n.º

5/2014, deveria o agente autuante aplicar o disposto na Instrução Normativa n.º

1.396/2014, visto que a Solução de Divergência n.º 8/2011, editada pela Receita

Federal, possui efeitos gerais e amplos aos contribuintes, e, a partir daí, verificar se o

266

Conforme estudo feito pela Professora Fabiana Tomé, não é possível apreciar uma prova, interpretar o

direito, sem interferência de subjetividade, da cultura acumulada pelo julgador ou aplicado do direito.

Esse agente que vive em sociedade, observando os acontecimentos e vivenciando experimentos

diversos, utiliza-se desse conteúdo cultural adquirido ao avaliar as provas, interpretar o direito e

aplicá-lo (A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011/2012. p. 300). 267

“Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

§ 1.º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput desde artigo será duplicado nos casos

previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n.º 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de

outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.”

“Art. 72. Fraude é toda ação ou emissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a

ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas

características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir seu

pagamento.” 268

“I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou

contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de

declaração inexata.”

209

contribuinte se enquadrou ou não no entendimento fixado pela Receita Federal do

Brasil.

O princípio da não surpresa é corolário do sistema jurídico brasileiro, e não

pode ser desrespeitado, ainda mais quando se aplica multa de ofício sob exigência de

tributos que foram recolhidos pelo regime jurídico que a própria Receita Federal

entendia como passível de ser adotado nos períodos anteriores à mudança de

entendimento.

Em razão disso, a multa de ofício aplicada nas autuações fiscais sob o

fundamento do disposto no Parecer Normativo n.º 5/2014, em fatos jurídicos tributários

pretéritos à sua edição, deve ser declarada inválida, pela inexistência de

descumprimento normativo quanto à falta de recolhimento de tributos pela sistemática

do lucro presumido.

Quanto aos casos de simulação, caberá ao julgador administrativo a análise

da multa de ofício, fazendo a valoração das provas e fatos trazidos nos autos de forma a

confirmar ou afastar a simulação ou fraude na atividade de securitização.

4.8 Decisões administrativas quanto às autuações fiscais das securitizadoras de

títulos e valores mobiliários

Ainda de maneira desprovida de aprofundamento sobre o tema, os órgãos

julgadores estão enfrentando as autuações realizadas pela Receita Federal do Brasil

quanto à tributação das securitizadoras e o enquadramento dessa atividade na

sistemática do lucro real ou presumido.

Em razão de a matéria ainda ser recente, não identificamos decisões que

pudessem servir de base para a construção de jurisprudência desses órgãos de

julgamento.

Essa ausência de edição de normas individuais e concretas pelos julgadores

agrava a falta de resposta pelo Poder Público, mantém incertezas jurídicas e não restaura

a ordem e a legalidade.

210

Não obstante, trabalhando com aquilo que já fora decidido sobre a matéria,

cumpre-nos debruçar sobre as decisões proferidas sobre as distinções reconhecidas entre

as atividades das securitizadoras e dos factorigs, tratando-se dos primeiros passos para a

consolidação de entendimento de que estas não são idênticas e poderão ser submetidas a

diferentes regimes de apuração e recolhimento de tributos.

4.8.1 12.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 10-39.873 da 5.ª Turma da

DRJ/POA – distinções entre securitizadoras e factorings

O décimo ato enunciativo de legalidade se deu com a decisão proferida pela

Delegacia da Receita Federal de Julgamento, que reconheceu que as atividades de

factoring e securitização de créditos mobiliários são diferentes, permitindo regimes

distintos de tributação entre elas:

Assunto: Normas gerais de direito tributário

Ano-calendário: 2008, 2009, 2010

Simulação

Comprovada a simulação por meio do conjunto indiciário

convergente, cabe à Fazenda Pública desconsiderar os efeitos dos atos

viciados, para que se operem consequências no plano da eficácia

tributária.

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ano-calendário: 2008, 2009, 2010

Securitização de ativos empresariais e factoring.

A essência na atividade de securitização está na conversão de

determinados créditos em lastro, suporte e garantia para a emissão de

títulos e valores mobiliários, os quais, no caso de ativos empresariais,

formalizam-se como debêntures. Indicando o conjunto probatório que

o lastro para a emissão e a aquisição das debêntures eram apenas

formais, sem substância negocial, a atividade descortina-se em uma

operação de fomento mercantil.

Factoring. Lucro real.

A pessoa jurídica que explora a atividade de factoring está obrigada à

apuração do imposto de renda pela forma do lucro real, baseada na

escrituração contábil.269

269

Acórdão n.º 10-39.873, 5.ª Turma da DRJ/POA, Processo 11020.721197/2012-44, Sessão de

26.07.2012. Caso Lorefac.

211

Como mencionado neste estudo, a Receita Federal do Brasil autuou

algumas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, por entender que realizavam,

na verdade, atividade de fomento mercantil, utilizando-se da simulação.

O que devemos extrair da decisão supra é que houve o reconhecimento da

distinção das atividades, que só não foi reconhecida a sistemática do lucro presumido

para o contribuinte autuado porque supostamente se estaria praticando a atividade de

fomento mercantil. Questões tipicamente de análise de fatos e provas trazidos nos autos.

Destaca-se da decisão, além da distinção das atividades, a menção à Solução

de Divergência Cosit n.º 08/2011, como fundamento relevante:

O centro do litígio é a definição da real atividade da autuada –

securitizadora ou de fomento mercantil – factoring e a respectiva

tributação dos resultados e das receitas.

O autuante e a defesa apresentaram conceitos sobre o tema em litígio.

Acrescentem-se as descrições que estão na Solução de Divergência n.º

8 – Cosit/RFB:

6.1 [...] a definição da atividade de factoring é a seguinte:

a) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,

mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de

contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes

de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).

6.2 Já a operação de securitização, em síntese, compreende um

processo por meio do qual uma sociedade, com o objetivo de antecipar

o recebimento de seus créditos vincendos, agrupa determinados

direitos creditórios e os transfere, com determinado deságio, a uma

sociedade de propósito específico (securitizadora).

A adquirente, tendo por lastro os referidos créditos e a fim de captar

recursos no mercado de capitais, emite títulos e valores mobiliários.

Outro ponto que merece destaque da decisão é a consciência dos julgadores

da DRJ quanto às distinções entre as atividades de factoring e securitização,

descrevendo com detalhes cada uma delas, identificando a semelhança, mas que não

leva à confusão ou equiparação entre elas, como ocorreu no Parecer Normativo n.º

5/2014:

Apesar das óbvias diferenças entre as operações de securitização e

fomento mercantil, recentemente têm-se observado iniciativas isoladas

no mercado de fomento mercantil, no sentido de se utilizar a

securitização em uma estrutura desnaturada, com intuitos diversos

daqueles para os quais a operação se presta. Com efeito, enquanto a

212

operação de fomento mercantil, como o próprio nome leva a entender,

tem por objetivo estímulo à atividade empresarial por meio de

atividades de consultoria e assessoria empresariais e creditícias,

aliadas ao desconto antecipado de títulos, a função da securitização é a

de segregar ativos para emissões de títulos ou valores mobiliários no

mercado de capitais (mesmos princípios do FIDC – por EJS). Embora

possa-se vislumbrar uma semelhança inicial entre a securitização e o

factoring, uma vez que ambos, via de regra, contam com uma cessão

de créditos ou contratos inicialmente, as semelhanças esgotam-se

nessa fase.

No fomento mercantil, após a cessão, a sociedade cessionária passa a

administrar o crédito, por sua conta e risco, até a sua extinção por

pagamento ou outro meio extintivo de obrigações.

No caso da securitização, a cessão de créditos a um veículo de

propósito específico marca apenas o início da operação, que terá seu

ápice na emissão e compra dos valores mobiliários lastreados nos

créditos cedidos pelos investidores. Assim, ainda que se procure, por

meio de contratos ou outros instrumentos jurídicos, transmutar uma

operação de fomento em securitização, materialmente torna-se fácil

distinguir aquelas operações que realmente – e não apenas

formalmente – podem ser caracterizadas como securitização, uma vez

que cumprem plenamente sua função econômica, daquelas que se

transvestem de securitização com intuito de se beneficiar de seu

regime jurídico específico (destacamos).

Nota-se que o acórdão utiliza expressões muito fortes do ponto de vista

jurídico, como “óbvias diferenças”, “embora possa-se vislumbrar uma semelhança

inicial entre a securitização e o factoring”, “as semelhanças se esgotam nessa fase”.

Isso apenas reforça a tese de que o parecer normativo editado pela Fazenda

é desprovido de sustentação jurídica, submetido a ilegalidades, violador de princípios da

irretroatividade, da estrita legalidade, da moralidade administrativa, da boa-fé e da

segurança jurídica.

4.8.2 13.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 14-45.449 da 5.ª Turma da DRJ

de Ribeirão Preto – identificação da base de cálculo presumida

O décimo terceiro ato enunciativo de legalidade foi proferido pela DRJ no

Acórdão n.º 14-45.499, de 10.10.2013, que cancelou integralmente o lançamento fiscal,

reconhecendo que os percentuais presumidos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL

das securitizadoras de títulos mobiliários não se enquadram como prestação de serviços:

213

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ano-calendário: 2007, 2008

Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo.

Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas

jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram

atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir

da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios.

O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de

8%.

CSLL. Lançamento reflexo.

Inexistindo disposição específica, aplica-se à Contribuição Social

sobre o Lucro, CSLL, o decido no IRPJ.

Impugnação procedente.

Observa-se que não há qualquer discussão sobre os regimes de apuração do

IRPJ e da CSLL (lucro real x lucro presumido), até mesmo porque a decisão da DRJ

deixa bem evidentes as distinções entre factoring e securitização de ativos empresariais,

reconhecendo que essas atividades não podem ser confundidas, sendo que a primeira

possui, além da cessão de créditos empresariais, a prestação de serviços, enquanto as

securitizadoras se restringem apenas à cessão do crédito, emissão de títulos e valores

mobiliários para captação de recursos de investidores.

Vejamos o que constou no voto do Acórdão n.º 14-45.499 da 5.ª Turma da

DRJ/Ribeirão Preto, que cancelou o lançamento fiscal:

Pela leitura das citadas ementas, infere-se que há divergência entre as

regiões fiscais no tocante a dois pontos em relação às securitizadoras:

- determinação da receita bruta para fins de apuração das bases de

cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na sistemática de

tributação com base no lucro presumido; e

- percentual de presunção a ser aplicado sobre a mencionada receita

bruta.

6. No que tange ao primeiro ponto, a Disit/SRRF09 entende por

receita bruta a diferença entre o valor de face e o valor de aquisição do

título ou direito creditório objeto da operação de securitização. Como

argumento para tal tese, cita o Ato Declaratório Normativo (ADN)

Cosit n.º 31, de 24 de dezembro de 1997, o Ato Declaratório (AD)

SRF n.º 009, de 23 de fevereiro de 2000, e o Decreto n.º 4.524, de 17

de dezembro de 2002.

6.1 No entanto, os atos mencionados dizem respeito à atividade

desenvolvida pelas empresas de fomento comercial (factoring), que

não se confundem com as securitizadoras. De acordo com art. 15, §

214

1.º, inciso III, alínea “d”, da Lei n.º 9.249, de 26 de dezembro de

1995, a definição da atividade de factoring é a seguinte:

“d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria

creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos,

administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos

creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação

de serviços (factoring).”

6.2 Já a operação de securitização, em síntese, compreende um

processo por meio do qual uma sociedade, com o objetivo de

antecipar o recebimento de seus créditos vincendos, agrupa

determinados direitos creditórios e os transfere, com determinado

deságio, a uma sociedade de propósito específico (securitizadora). A

adquirente, tendo por lastro os referidos créditos e a fim de captar

recursos no mercado de captais, emite títulos e valores mobiliários.

6.3 Nesse sentido, a Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, assim

definiu a securitização de créditos imobiliários:

“Art. 3.º As companhias securitizadoras de créditos imobiliários,

instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por

ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos

e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de

Recebíveis Imobiliários, podendo emitir outros títulos de crédito,

realizar negócios e prestar serviços compatíveis com as suas

atividades”.

6.4 Dessa forma, não há como fazer uso das normas que

regulamentam a atividade de factoring para aplicá-las às

securitizadoras, pois estas não prestam de forma cumulativa as

atividades relacionadas no art. 15, § 1.º, inciso III, alínea “d”, da Lei

n.º 9.249, de 1995. São, portanto, operações distintas.

6.5 Feita a devida diferenciação, cabe ratificar o entendimento exposto

pelas Soluções de Consulta Disit/SRRF08 n.º 33, de 2009, e

Disit/SRRF10 n.º 47, de 2008, quando afirmam que inexiste base legal

para excluir da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição

dos direitos creditórios para efeito de apuração das bases de cálculo do

IRPJ e da CSLL no regime de lucro presumido.

(...)

7. Em relação ao percentual de presunção a ser aplicado sobre a

receita bruta para a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL,

a Disit/SRRF09 decidiu que este seria de 32%, relativo à prestação de

serviços em geral, conforme o disposto nos arts. 25, inciso I, e 29,

inciso I, da Lei n.º 9.430, de 1996, combinados com os arts. 15, § 1.º,

inciso III, alínea “a”, e 20 da Lei n.º 9.249, de 1995.

7.1 Todavia, cabe observar que, na operação de securitização, há uma

compra e venda de créditos vincendos, como descrito anteriormente.

A sociedade securitizadora adquire os direitos creditórios com

deságio, passa a ser a legítima credora e os recebe diretamente dos

devedores pelo valor de face do título cedido. Dessa forma, por não se

tratar de atividade caracterizada como prestação de serviços, o caso

enquadra-se na regra geral para fins de opção pelo lucro presumido.

Assim, o percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta

para a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL é de 8% e

12%, respectivamente (destacamos).

215

Nesses termos, o décimo terceiro ato enunciativo de legalidade foi expedido

por julgadores em primeira instância administrativa (DRJ), órgão vinculado à Receita

Federal do Brasil, em que reconheceram a insustentabilidade do lançamento fiscal,

firmando entendimento de que as securitizadoras são distintas das empresas de

factorings, submetendo-se a uma base de cálculo presumida de IRPJ em 8% e de CSLL

de 12%, caso optem pelo regime do lucro presumido.

4.8.3 14.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 1402-002.005 do CARF –

identificação da base de cálculo presumida

O décimo quarto ato enunciativo de legalidade é o Acórdão n.º 1402-

002.005, proferido em 10.12.2015, pela 2.ª Turma Ordinária da 4.ª Câmara da 1.ª Seção

do CARF, sob a relatoria do Conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto:

Assunto: Processo Administrativo Fiscal

Ano-calendário: 2007, 2008

Recurso voluntário. Falta de interesse de agir.

Tratando-se de recurso voluntário interposto em face de acórdão de

primeira instância que exonerou a totalidade do crédito tributário em

litígio, o mesmo não deve ser conhecido ante a falta de interesse de

agir da recorrente. Eventuais falhas no cumprimento das decisões

devem ser sanadas no âmbito da unidade encarregada da execução do

acórdão.

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ano-calendário: 2007, 2008

Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo.

Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas

jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram

atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir

da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios.

O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de

8%.

CSLL. Lançamento reflexo.

216

Inexistindo disposição específica, aplica-se à Contribuição Social

sobre o Lucro, CSLL, o decido no IRPJ. Recurso de Ofício Negado.270

Destaca-se no voto do referido Conselheiro Relator o reconhecimento do

regime do lucro presumido para as securitizadoras de títulos e valores mobiliários:

Compulsando os autos, entendo que a decisão recorrida deve ser

confirmada pelos seus próprios fundamentos.

Conforme se observa, a própria RFB firmou entendimento de que, se

tratando de pessoa jurídica cuja atividade é a securitização, o

coeficiente de presunção aplicável para fins de determinação do IRPJ

e da CSLL para os optantes pelo lucro presumido é de 8% e 12%,

respectivamente.

Os demais fundamentos trazidos no acórdão do CARF foram avocados da

decisão da DRJ, analisada supra, quando tratamos do décimo terceiro ato enunciativo

de legalidade. O referido acórdão teve seu trânsito em julgado administrativo,

submetendo o crédito tributário à extinção nos termos do artigo 156, IX, do Código

Tributário Nacional, que cuida “da decisão administrativa irreformável, assim entendida

a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”.

4.9 Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014 da Receita Federal do Brasil –

aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo

Destaca-se ainda que, após a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, a

Receita Federal do Brasil foi submetida a responder consulta fiscal a respeito da

interpretação da legislação tributária fiscal sobre o mesmo tema já veiculado no parecer:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

Ementa: Securitização. Lucro real. O parecer normativo, por se tratar

de ato interpretativo, possui natureza apenas declaratória, o que faz

com que sua eficácia retroaja ao momento em que a norma por ele

interpretada começou a produzir efeitos. Por essa razão, a

obrigatoriedade de adoção do lucro real pelas pessoas jurídicas que

explorem a atividade de securitização de créditos comerciais, de que

trata o Parecer Normativo Cosit n.º 5, de 2014, subsiste desde a

entrada em vigor do art. 14, VI, da Lei n.º 9.718, de 1998.

270

Processo n.º 10920.003613/2010-51, 2.ª Turma, 4.ª Câmara, 1.ª Seção do CARF, j. 10.12.2015.

Disponível em: <https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/

listaJurisprudenciaCarf.jsf>. Acesso em: 6 mar. 2016.

217

Dispositivos legais: Lei n.º 9.718, de 1998, art. 14, VI; Parecer

Normativo Cosit n.º 5, de 2014; Parecer Normativo Cosit n.º 5, de

1994.

Assunto: Processo Administrativo Fiscal

Ementa: Consulta ineficaz. É ineficaz a consulta, não produzindo

efeitos, quando a matéria estiver disciplinada em ato normativo

publicado na Imprensa Oficial antes de sua apresentação.

Dispositivos legais: Instrução Normativa RFB n.º 1.396, de 2013, art.

18, VII.

Note-se que a consulta tratou da subsunção das securitizadoras de créditos

comerciais (ativos empresariais) ao disposto no artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998,

quanto à obrigatoriedade de apuração do imposto de renda com base no lucro real,

sendo respondida pela Cosit.

A consulente alegou incoerência nos enunciados produzidos pela Receita

Federal do Brasil, fazendo um comparativo do disposto na Solução de Divergência n.º

8/2011, com o Parecer Normativo n.º 05/2014.

Diante disso, a consulente solicitou esclarecimentos quanto à sistemática de

recolhimento das securitizadoras de títulos empresariais.271

Consideramos despropositada a consulta formulada, visto que o parecer

normativo, hierarquicamente superior à solução de consulta Cosit, se sobrepõe, até

mesmo porque a autoridade que assinou o referido parecer normativo é o chefe direto do

Coordenador da Cosit, e, portanto, a solução de consulta não poderia contrariar o

parecer.

O entendimento apresentado na Solução de Consulta n.º 202/2014, que não

precisava sequer adentrar nos questionamentos feitos pela consulente, declarou ineficaz

271

Foram formulados na consulta dois questionamentos: “(a) A atividade representada pela impugnante

encontra-se obrigada à adoção do regime do lucro real, por aplicação do inciso VI do artigo 14 da Lei

n.º 9.718/1998? (b) Na eventualidade de a resposta ser positiva, deverá responder também se a novel

orientação firmada no Parecer Normativo n.º 05/2014 apresenta eficácia ex tunc, a despeito da

vedação contida no § 12 do art. 48 da Lei n.º 9.430/1996, no art. 146 do Código Tributário Nacional,

bem como decorrente do princípio da segurança jurídica e seus consectários da irretroatividade,

moralidade administrativa e proteção à confiança”.

218

a consulta formulada,272

enunciando que a obrigatoriedade de adoção do lucro real pelas

securitizadoras de títulos mobiliários está expressa no Parecer Normativo Cosit n.º

5/2014.

Todavia, um ponto nos chama atenção nesse ato enunciativo de legalidade.

A Cosit veio justificar a retroatividade sob o fundamento de que o parecer normativo e o

ato declaratório normativo, por serem atos interpretativos, possuem natureza

declaratória, retroagindo, sua eficácia, ao momento em que a norma por eles

interpretada começou a produzir efeitos.

E continua afirmando que não cabe à Receita Federal do Brasil inovar, via

ato administrativo, no rol de pessoas jurídicas que estão obrigadas à apuração do

imposto de renda com base no lucro real.

Contudo, como visto neste estudo, a Fazenda inovou, incluiu no artigo 14 da

Lei n.º 9.718/1998 a modalidade de securitização de títulos e valores mobiliários no rol

do regime do lucro real.

Pontua-se que, se aplicarmos o disposto no artigo 48, § 12,273

da Lei n.º

9.430/1996, levando em conta o entendimento da Solução de Divergência n.º 8/2011

editada pela Cosit, ainda que se considerasse inexistirem ilegalidades no parecer

normativo, teríamos o cenário de que apenas a partir da publicação do referido parecer

se poderia aplicar o entendimento de que as securitizadoras se submeteriam ao lucro

real.

272

Ineficácia sob o fundamento disposto no artigo 18, VII, da Instrução Normativa da Receita Federal do

Brasil n.º 1.396/2013, que dispõe: “Não produz efeitos a consulta formulada: [...] VII – quando o fato

estiver disciplinado em ato normativo publicado na Imprensa Oficial antes de sua apresentação”. No

caso da consulta ora formulada, quando do seu protocolo já havia sido editado o Parecer Normativo

n.º 5/2014, por isso a sua ineficácia e desnecessidade. 273

“Art. 48. No âmbito da Secretaria da Receita Federal, os processos administrativos de consulta serão

solucionados em instância única. [...]

§ 12. Se, após a resposta à consulta, a administração alterar o entendimento nela expresso, a nova

orientação atingirá, apenas, os fatos geradores que ocorram após dado ciência ao consulente ou após a

sua publicação pela imprensa oficial. [...]”

219

Como a opção pela mudança de regime se dá apenas anualmente (até 31 de

janeiro de cada ano), o entendimento sufragado no parecer teria eficácia técnica274

e

jurídica275

somente a partir de 1.º.01.2015, visto que a publicação do parecer normativo

se deu em 11.04.2014, ou seja, as securitizadoras não teriam meios normativos de

alterar a forma do regime de recolhimento no meio do exercício fiscal.

Destaca-se ainda em relação à Solução de Consulta n.º 202/2014 que a Cosit

considerou que a Solução de Divergência n.º 8/2011 possui eficácia e vigência apenas

para os consulentes, e até a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, que em um pior

cenário produziria efeitos até 31.12.2014, visto a impossibilidade de se cumprir a

mudança de regime.

A resposta a que a Solução de Consulta Cosit deveria se ater é outra: Como

ficam os contribuintes que se enquadraram na Solução de Divergência n.º 8/2011,

conforme prescreve o artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007 e o artigo 9.º

da Instrução Normativa n.º 1396/2013, com a redação dada pela Instrução Normativa n.º

1434/2013, em relação aos efeitos gerais àqueles que se enquadrarem nas mesmas

condições, situação que não exige do administrado pedido de consulta formal?

A resposta é simples: o parecer normativo e a Solução de Consulta n.º

202/2014 desrespeitaram os efeitos gerais trazidos nas referidas instruções normativas.

Assim, não temos dúvidas de que estamos diante de prática abusiva do Poder Público,

que editou dois atos enunciativos de ilegalidade.

Outro ponto que merece críticas na Solução de Consulta n.º 202/2014 está

na menção de que não há no Decreto n.º 70.235/1972 (norma que trata do processo

administrativo fiscal federal) e na Lei n.º 9.430/1996 qualquer disposição que confira

efeitos erga omnes às soluções de consulta, ou seja, produz relação jurídico-tributária

entre a consulente e o fisco federal.

274

A possibilidade de produzir efeitos por existência de regras regulamentadoras (eficácia técnica

sintática) e existência de ordem material, apresentando condições de criar em linguagem a incidência

normativa (eficácia técnica semântica) (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do

direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 197-199). 275

Trata-se de “propriedade do fato de provocar os efeitos que lhe são próprios” (CARVALHO, Paulo de

Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.

55).

220

Nossa concordância se dá apenas em relação à solução de consulta da Disit.

No tocante aos atos da própria Cosit, como a solução de divergência, não podemos

aceitar tamanho menosprezo, visto que tem efeito geral previsto em instruções

normativas.

A própria Solução de Consulta n.º 202/2014 acaba reconhecendo o caráter

geral dela mesma com efeito vinculante, mas se esquece de atribuir os mesmos efeitos à

solução de divergência. O fisco escreve e menciona aquilo que lhe interessa, ignorando

as suas próprias regras e atos.

Portanto, analisamos 14 atos enunciativos de legalidade editados pela Disit

(10), Cosit (1), DRJ (2) e CARF (1) para demonstrar que em todos os níveis da

administração pública da União Federal a coerência jurídica e o princípio da legalidade

foram preservados. Infelizmente com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014,

acompanhado pela Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014, a Receita Federal do Brasil

ignorou os atos enunciativos de legalidade editados até então, em total desrespeito a

direitos e garantias dos contribuintes.

Assim, a despeito de a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014 possuir

efeitos jurídicos vinculantes aos agentes da Receita Federal do Brasil, não há a

obrigatoriedade exigida em lei para que as securitizadoras de títulos e valores

mobiliários se submetam à apuração dos tributos pelo regime do lucro real, podendo

permanecer ou adotar o regime do lucro presumido caso atendam as denominadas

exceções previstas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998.

A despeito da rasteira dada pela Receita Federal, o setor da securitização de

valores mobiliários se uniu e buscou por meio da via judicial atacar o referido Parecer

Normativo n.º 5/2014.276

Não obstante a busca de respostas pelo Poder Judiciário, a 16.ª

Vara Federal de Brasília incorreu no mesmo erro do parecer normativo, e não aceitou o

pedido de afastabilidade e ilegalidade do referido ato interpretativo da Receita Federal.

A esperança no restabelecimento da ordem jurídica permanece agora nas mãos do E.

Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, que julgará recurso de apelação. Nossa torcida

pela reforma da sentença eivada dos mesmos vícios jurídicos tratados neste trabalho.

276

Ação Ordinária n.º 0024161-69.2015.4.01.3400, em trâmite perante a 16.ª Vara Federal de Brasília –

DF, tendo como objeto permitir que as securitizadoras de ativos empresariais associadas à Associação

Nacional das Securitizadoras de Ativos Empresariais possam permanecer optantes do regime de

tributação pelo lucro presumido para fins de IRPJ e CSLL.

221

5

A MIGRAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E

VALORES MOBILIÁRIOS PARA OS FUNDOS DE

INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS (FIDC)

Analisaremos a partir de agora alternativa econômica e jurídica para a

securitização de ativos empresariais. O Fundo de Investimento em Direitos Creditórios

(FIDC) possui operações de securitização de recebíveis que guardam semelhanças com

a securitização de títulos e valores mobiliários, atendem o objetivo da atividade e seus

atos estão regulamentados por autoridades monetárias e fiscais, com maior grau de

confiabilidade e segurança jurídica.

5.1 Identidades e distinções entre as securitizadoras de títulos mobiliários e os

fundos de investimento em direitos creditórios

O FIDC tem se mostrado um veículo de securitização alternativo às

sociedades securitizadoras, pois, além de não ser exigida a constituição de uma

sociedade anônima com propósito específico, desonera custos operacionais e fiscais,

não existindo incidências de tributos como ocorre com as securitizadoras.

Trata-se de mais uma fonte de captação de recursos, a custos mais baixos,

sendo lastreados os direitos creditórios em carteira de ativos de risco inferior ao da

própria empresa cedente.

O FIDC também é muito utilizado para equacionar fluxos de caixa de

empresas de um mesmo grupo econômico, podendo desonerar o balanço da instituição,

e, após a cessão, o recebível passa a fazer parte do balanço do adquirente, usando-se a

antecipação feita pelo fundo para abater dívidas.

Ao longo dos últimos dois anos, principalmente após a insegurança jurídica

causada pela Receita Federal do Brasil com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014,

muitas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, que possuem determinado porte

222

e capital,277

acabaram constituindo FIDC, migrando suas atividades de compra de

recebíveis.

Destaca-se que os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios são

veículos com maior frequência no Brasil nas operações de securitização:

21. Os três veículos utilizados com maior frequência no Brasil nas

operações locais de securitização são:

[...]

(c) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) são

fundos de investimento cuja parcela significativa da carteira deve ser

constituída de direitos creditórios e instrumentos que os representem,

oriundos de operações realizadas nos setores financeiro, comercial,

industrial, imobiliário, hipotecário, de arrendamento mercantil,

serviços e correlatos, além de outros ativos financeiros e mecanismos

de investimento. Via de regra, as carteiras dos FIDCs são constituídas

de direitos creditórios originários de um único segmento de mercado

ou empresa. A maior vantagem destes fundos em relação às CSCIs

(Companhias Securitizadoras de Créditos Imobiliários) e CSCFs

(Companhias Securitizadoras de Créditos Financeiros) está no

tratamento fiscal: por constituírem uma comunhão de bens, eles não

estão sujeitos aos impostos normalmente pagos pelas empresas.278

Nos termos da Instrução CVM n.º 356/2001 (artigo 2.º, I, II e III), que

regulamentou a constituição e o funcionamento do FIDC, destacam-se as seguintes

definições:

a) direitos creditórios são os direitos e títulos representativos de crédito,

originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial,

imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os

warrants, contratos e títulos referidos no § 8.º do artigo 40 da referida ICVM n.º

356/2001;

277

O mercado considera viável a abertura de um FIDC mediante emissão de cotas para captação de

recursos por meio de investimento no patamar entre R$ 3 milhões a R$ 20 milhões, uma vez que nesses

patamares os custos são fixos e não modificam. Nesses valores o custo é calculado sobre uma

porcentagem de 0,5% sobre o patrimônio líquido (PL) do fundo. No caso de fundos com valores acima de

R$ 20 milhões até R$ 50 milhões, os custos são de 0,4% do valor do patrimônio líquido, diminuindo de

acordo com o aumento do PL. 278

Parecer n.º 06172/2004/DF. Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Disponível em: <http://www.cade.gov.br/plenario/Sessao_344/Pareceres/ParecerSeae-2004-08012-

007026-HSBC-Valeu.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2015.

223

b) cessão de direitos creditórios é a transferência pelo cedente, credor

originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os

elementos restantes da relação obrigacional;

c) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) são uma

comunhão de recursos que destinam parcela preponderante do respectivo patrimônio

líquido para a aplicação em direitos creditórios.

A constituição de um FIDC deve ser deliberada por seu administrador, que

no mesmo momento deverá aprovar o Regulamento do fundo. É no Regulamento que

estão apontadas as características do fundo, as cotas a serem emitidas, as obrigações

assumidas e a nominação de instituições envolvidas, como o administrador, o

custodiante e o gestor da carteira.

Algumas características gerais do FIDC devem ser analisadas. Vejamos.

Como se trata de um condomínio,279

o FIDC pode ser aberto ou fechado,

podendo ter prazo de duração determinado ou indeterminado. No primeiro critério de

temporariedade, findo o prazo (vencimento), todas as cotas são resgatadas. No fundo

aberto é admissível o resgate das cotas a qualquer tempo, mediante a solicitação do

cotista; outrossim, no fundo fechado, o resgate somente ocorre ao término do prazo do

fundo, ao final de cada série ou classe de cotas.280

Da mesma forma que as securitizadoras, o FIDC trabalha com direitos

creditórios, originados pelas transações realizadas nos segmentos financeiros,

comercial, industrial, imobiliário, hipotecário, arrendamento mercantil, prestação de

serviços etc.

Enquadram-se nessa categoria duplicatas, cheques, notas promissórias,

warrants, CRI, contratos de compra e venda de produtos e serviços para entrega futura,

recebíveis de cartões de crédito, mensalidades escolares, entre outros.

279

“Art. 3.º da Instrução CVM n.º 356: “os fundos regulados por esta instrução terão as seguintes

características:

I – serão constituídos na forma de condomínio aberto ou fechado;

[...].” 280

Artigo 2.º, V e VI, da Instrução CVM n.º 356/2001.

224

Quanto às cotas do FIDC, são classificadas em subordinadas e seniores. A

proporção de cada espécie de cotas deve ser mencionada no regulamento do fundo. As

cotas do FIDC devem ser nominativas e mantidas em conta de depósito em nome dos

titulares.

As cotas subordinadas são aquelas que se subordinam ou se sujeitam às

cotas seniores para efeito de amortização, resgate e distribuição dos rendimentos. Não

são cotas preferenciais. São subscritas pelo originador do FIDC, no ato da constituição

do fundo, para suportar eventuais perdas decorrentes quando se emitem cotas

subordinadas de diversas classes. São remuneradas de acordo com o rendimento

excedente apresentado pelo FIDC, após o pagamento das remunerações dos cotistas

seniores e das demais despesas do fundo.

As cotas seniores são cotas de uma única classe que não se sujeitam às

demais cotas para efeitos de amortização, resgate e distribuição dos rendimentos. São

cotas que têm preferência sobre as cotas subordinadas. No FIDC fechado, a legislação

permite a emissão em séries ou grupos de cotas seniores com características

diferenciadas, possuindo distinção em relação aos valores, valor mínimo de aplicação,

remuneração e prazos distintos para amortização, que pode ser total ou parcial. Por meio

dessas cotas as empresas originadoras captam os recursos financeiros.

Os cotistas qualificados poderão subscrever as cotas seniores do FIDC no

mercado primário281

ou adquiri-las no mercado secundário.282

Atualmente, os principais

investidores do FIDC são os fundos de investimentos, fundo de pensão, tesouraria de

bancos e pessoas físicas com alta renda.

281

O mercado primário é aquele em que os valores mobiliários de uma nova emissão da companhia são

negociados diretamente entre a companhia e os investidores – subscritores da emissão –, e os recursos

são destinados para os projetos de investimento da empresa ou para o caixa. 282

O mercado secundário é formado por títulos e valores mobiliários previamente adquiridos no mercado

primário, ocorrendo apenas a troca de titularidade, isto é, a compra e venda. Não envolve mais o

emissor nem a entrada de novos recursos de capital para quem o emitiu. Seu objetivo é gerar

negócios, isto é, dar liquidez aos títulos.

225

Os cotistas do fundo não são proprietários dos ativos que compõem o

patrimônio do FIDC; são proprietários das cotas que representam uma fração ideal do

patrimônio.283

Atualmente, com a revogação do artigo 3.º, IV, da Instrução CVM n.º

356/2001, pela Instrução CVM n.º 554/2014, não há mais a exigência mínima de valor

de investimento de R$ 25.000,00 como havia anteriormente à revogação. Com isso, o

FIDC está sob a mesma égide das securitizadoras de não se exigirem valores mínimos

de investimentos, embora, como visto neste estudo, o investidor no fundo deverá provar

que possui, no mínimo, R$ 1.000.000,00 em investimentos.

Quanto aos rendimentos, as cotas seniores possuem um benchmark (índice

de referência) de rentabilidade, ou seja, há um rendimento esperado e estimado, não

significando uma promessa de rentabilidade. Alguns FIDC utilizam percentual de

variação do CDI,284

que se trata do benchmark, que poderá ser complementado pelas

cotas subordinadas, e até o limite destas, sendo vedada a promessa de rendimentos

predeterminados aos condôminos.285

As securitizadoras, por sua vez, trabalham da mesma forma com um

percentual de remuneração fixado em CDI, por exemplo, paga-se 100% a 120% do CDI

pelo investimento.

Há ainda alguns fundos e securitizadoras que utilizam como remuneração ao

investidor índices como IGP-M,286

Taxa Prefixada, Selic, CDI + Taxa Prefixada, entre

outros.

Não obstante, quanto maior a remuneração fixada pelo FIDC, maior o risco

para o investidor. Por envolver muitas vezes taxas pré-acordadas, em que não está

283

Observação feita por PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios

(FIDC). 2. ed. São Paulo: Almedina, 2015. p. 64. 284

Certificados de depósitos interbancários (CDI) são títulos que têm lastro em títulos do Tesouro e são

negociados exclusivamente entre as instituições financeiras a fim de sanarem os fluxos de caixas de

curtíssimo prazo de uns bancos com os outros. 285

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENTIDADES DE MERCADOS FINANCEIROS E DE

CAPITAIS. Fundos de investimento em direitos creditórios. Redatores: Antônio Filgueira, Dalton

Boechat. Rio de Janeiro: Anbima, 2015. p. 17. 286

Índice Geral de Preços do Mercado é calculado mensalmente pela Fundação Getulio Vargas.

226

atrelada a competência dos gestores nos resultados, como ocorre com os fundos

multimercado, se houver uma inadimplência muito grande por parte dos devedores dos

recebíveis, por exemplo, os investidores correrão riscos de resultados negativos ou até

de não receberem seus investimentos no resgate ou amortização de cotas.

A credibilidade e o risco do investidor estão intimamente atrelados aos

gestores e administradores do FIDC, que prestam serviços ao fundo.

Quanto aos custos, o patrocinador do FIDC (empresa instituidora) arca

inicialmente com a estruturação, auditoria/análise dos recebíveis, obtenção do rating e

distribuição das cotas seniores. Em um segundo momento, após a distribuição das cotas,

os custos operacionais passam a ser do fundo, como a taxa de administração, a taxa de

custódia, as despesas de auditoria, a obtenção de rating periódico, a divulgação de

informações mensais, trimestrais, anuais, realização de assembleias, consultorias

jurídicas etc.

Aponta-se ainda que os custos na constituição dos fundos de recebíveis são

menores do que a securitização de valores mobiliários realizada por meio de sociedade

de propósito específico, haja vista que nesta última são necessários requisitos legais

preliminares para a constituição de uma sociedade anônima, a elaboração de estatuto

social, o correspondente registro na Junta Comercial, a subscrição das ações em que se

divide o capital social fixado no estatuto por pelo menos dois acionistas, a realização,

como início das operações, de no mínimo 10% do preço de emissão das ações subscritas

em dinheiro e o depósito da parte do capital social em dinheiro em instituição financeira

autorizada pela CVM, além dos custos para emissão de oferta pública pela SPE.

Para o FIDC, os custos incorridos são gastos para a constituição do fundo,

com a obtenção de CNPJ, e seus registros perante a CVM, protocolo de documentos

perante a CVM que instruem a oferta pública das cotas do FIDC (emissões de cotas do

fundo fechado), que fazem parte da oferta das cotas, material de divulgação da oferta,

prospecto, designação de prestadores de serviços contratados para a oferta, além de

227

outros, conforme dispõem os artigos 8.º e 17 da Instrução CVM n.º 356/2001 e artigo 80

da Lei das S.A.287

Outra diferença do FIDC em relação às securitizadoras está na menor

dependência de linhas e limites de créditos, menor custo de captação de investimentos,

flexibilidade e menos onerosidade quanto aos tributos, objeto de estudo a seguir.

Quando as empresas se valem do FIDC com a finalidade de gerirem o caixa

em um grupo econômico, cria-se um fundo fechado com o intuito de as empresas que

têm necessidade de caixa cederem os recebíveis para o fundo, e as outras empresas do

mesmo grupo, com recursos disponíveis, subscrevem as cotas do FIDC (colocação

privada), provendo os recursos ao fundo. Nesse caso, o FIDC passa a exercer o papel de

intermediário financeiro.

O FIDC pode ser classificado nas seguintes espécies:

a) FIDC Fomento Mercantil: investem em carteiras de recebíveis

pulverizadas, decorrentes de duplicatas, notas promissórias, cheques, faturas etc.

Enquadram-se nessa categoria os fundos utilizados como meio de fornecimento de

recursos ou antecipação de receitas para pessoas físicas ou jurídicas por intermédio de

factoring, cooperativas de crédito e firmas de assessoria financeira;

b) FIDC Financeiro: formado por carteira de recebíveis dos seguintes

setores: crédito imobiliário, crédito consignado, crédito pessoal, financiamento de

veículos e multicarteira financeiro;

c) FIDC Agro, Indústria e Comércio: formado por carteira de recebíveis dos

seguintes setores: infraestrutura, comércio, crédito corporativo, agronegócio e

multicarteira agro, indústria e comércio;

d) FIDC Outros: formado por carteira de recebíveis dos seguintes setores:

recuperação, Poder Público e multicarteira entre outros.288

287

Nesse sentido, o importante estudo feito por PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em

Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo: Almedina, 2015. p. 25.

228

A modalidade utilizada pelas securitizadoras de valores mobiliários que

migraram suas atividades para o FIDC adota a espécie FIDC Fomento Mercantil para

realizar suas operações de aquisição de recebíveis.

Da mesma forma que as securitizadoras, o FIDC possui um contrato de

cessão firmado entre a empresa originadora, na qualidade de cedente, e o FIDC,

representado por seu administrador, na qualidade de cessionário. Mantém-se sob esse

prisma o direito de regresso contra a empresa originadora, caso não seja honrado o

pagamento pelo devedor do recebível.

Devem constar do contrato de cessão de direitos creditórios: (i) o objeto da

cessão; (ii) as condições suspensivas, quando houver, e as condições da cessão dos

direitos creditórios ao fundo; (iii) a descrição das etapas da cessão quando é gradativa;

(iv) a descrição do preço que o fundo pagará pelos direitos creditórios, e da forma de

pagamento a ser efetuado pelo custodiante; (v) a descrição das obrigações da cedente;

(vi) o procedimento de cobrança da dívida, bem como a cobrança judicial dos referidos

direitos creditórios; (vii) a forma de notificação dos devedores dos recebíveis em

decorrência da cessão dos direitos creditórios ao fundo; (viii) a descrição dos eventos de

revisão, que, caso ocorram, podem comprometer a saúde financeira da empresa

originadora; (ix) a recompra e substituição dos direitos creditórios pela empresa

originadora; (x) as hipóteses de rescisão contratual.289

Há outras diferenças que podemos observar a seguir, estrategicamente

apontadas com destaque, pois são bases de diferenciação que não se permite afirmar que

há continuidade da atividade de securitização propriamente dita quando se migra para o

FIDC, não se podendo falar em simulação.

288

PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:

Almedina, 2015. p. 89. 289

PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:

Almedina, 2015. p. 121.

229

5.1.1 Sob o aspecto legal

Diferentemente das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, que são

regradas por legislações emprestadas de outras modalidades de securitização, o FIDC

possui regras próprias e rígidas, como as Instruções CVM n.º 356/2001 e n.º 393/2003,

e suas alterações (Instruções n.ºs 435, 442, 446; 458, 484, 498, 510, 531, 545 e 554), e a

Resolução CMN n.º 1907/2001, tratando-se das regras gerais que regulam a

constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação do FIDC, submetendo-se

ao prévio registro na– Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Associação

Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).

De acordo com a regulamentação da CVM, a parcela preponderante da

carteira do FIDC deve ser composta por direitos creditórios (no mínimo 50%) e, por

esse motivo, depende do adimplemento dos devedores dos direitos creditórios. As cotas

nominativas do FIDC podem ser adquiridas por investidores qualificados, como as

instituições financeiras, companhias seguradoras, entidades de previdência

complementar e pessoas físicas consideradas investidores profissionais ou qualificados,

já analisadas no presente estudo.

As mesmas instruções da CVM regularam os Fundos de Investimento em

Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FICFIDC). Destaca-se que

nessa subespécie de FIDC deverá ser mantido, no mínimo, 95% do patrimônio líquido

em cotas de Fundo de Recebíveis, sendo que os demais 5% podem ser aplicados em

outros ativos de renda fixa.

No caso das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, a regra geral

aplicada, a despeito de não ser específica para essa modalidade, é a Lei n.º 9.514/1997,

sendo regidas também por dispositivos do Código Civil brasileiro e da Lei das

Sociedades Anônimas, além de outras regras mencionadas no item 2.1. deste estudo,

não existindo regulamentação específica até o presente momento, como ocorre com o

FIDC.

230

5.1.2 Em razão da estrutura operacional

A estrutura operacional de um FIDC apresenta algumas distinções em

relação à estrutura das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, especialmente

quanto aos prestadores de serviços envolvidos necessariamente no procedimento.

A atuação de vários participantes no FIDC permite maior transparência na

operação, aumentando a segurança para os investidores. Para tanto, a CVM editou a

Instrução CVM n.º 531/2013, alterando alguns dispositivos da Instrução CVM n.º

356/2001, que contempla as seguintes partes envolvidas no fundo:

a) Administrador

A estrutura do FIDC compreende a participação de diferentes instituições,

que desempenham funções específicas. Todavia, há a necessidade da presença de uma

instituição principal para coordenar e administrar o processo e a participação de

investidores. Essa função é exercida pelo Administrador do fundo.290

O Administrador do FIDC é considerado o responsável legal, para assunção

de obrigações e para o exercício de direitos e deveres atribuídos ao fundo, que possui

várias funções: (i) manter atualizada e em ordem toda a documentação do fundo, como

relativas às operações, registro dos condôminos, livros de Atas das Assembleias, livro

de presença dos condôminos, demonstrativos trimestrais, registros da contabilidade e

relatório de auditoria independente; (ii) receber rendimentos ou valores do fundo

diretamente ou por meio de instituição financeira contratada; (iii) entregar ao

condômino, sem nenhum custo, o Regulamento do fundo, informando sobre o periódico

de divulgação de informações e a taxa de administração; (iv) divulgar e manter

disponíveis em sua sede, agências e instituições custodiantes todas as informações sobre

o valor do patrimônio líquido do fundo, o valor da cota, as rentabilidades acumuladas

no mês e no ano, os relatórios das agências classificadoras de riscos; (v) custear as

290

Instrução CVM n.º 356/2001. “Art. 32. A administração do fundo pode ser exercida por banco

múltiplo, por banco comercial, pela Caixa Econômica Federal, por banco de investimento, por

sociedade de crédito, financiamento e investimento, por sociedade corretora de títulos e valores

mobiliários ou por sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários.”

231

despesas de propaganda do fundo; (vi) fornecer anualmente aos condôminos as

informações de rendimento e extrato contendo o número de cotas de sua propriedade e

respectivo valor; (vii) manter, separadamente, registros analíticos com informações

completas sobre todas as modalidades de operações realizadas pelo fundo; (viii)

providenciar, a cada três meses, a atualização da classificação de risco do fundo ou dos

direitos creditórios; (ix) informar o Banco Central sobre os direitos creditórios

adquiridos, entre outras.291

É defeso ao Administrador prestar qualquer garantia pessoal ou coobrigar-se

nas operações realizadas pelo fundo, bem como utilizar ativos de titularidade própria

como garantia às operações do FIDC.292

Destaca-se que para o Administrador fazer valer suas atribuições poderá

contratar serviços de terceiros quanto à gestão de carteira e serviços de custódia de

ativos. Não obstante, essa contratação não exclui em nada a responsabilidade do

Administrador.

No caso das securitizadoras de títulos e valores mobiliários não há a figura

do Administrador na administração da Sociedade Anônima de Propósito Específico. A

administração, nas securitizadoras, é feita pela própria sociedade constituída.

b) Gestor da carteira

O gestor da carteira é o responsável pela compra e venda dos ativos

integrantes da carteira do fundo, ou seja, é o responsável em aplicar o dinheiro do

participante. Este deverá respeitar a política de investimento e os critérios de

elegibilidade dos direitos creditórios fixados em Regulamento, como os prazos de

vencimento, a origem, os valores máximos e mínimos, histórico de inadimplemento do

devedor etc.

291

Artigo 34 da Instrução CVM n.º 356/2001.

292 Artigo 35 da Instrução CVM n.º 356/2001.

232

Necessariamente o gestor deverá ser pessoa jurídica domiciliada e com sede

no País, devendo possuir autorização da Comissão de Valores Mobiliários para tal

exercício e função.

Essa atividade é realizada para o fundo mediante a celebração de contrato de

prestação de serviços por meio do Administrador.

Da mesma forma, a figura do gestor da carteira não existe nas

securitizadoras de títulos e valores mobiliários, tratando-se de figura importante para o

FIDC.

c) Custodiante

O custodiante é a instituição financeira responsável pelo recebimento,

análise, validação dos direitos creditórios integrantes da carteira do FIDC, efetua a

liquidação física e financeira das cotas e ativos, realiza a guarda e cobrança de

documentos relacionados ao direito creditório, submetendo-se às regras atinentes a um

contrato de depósito, previsto no artigo 617 e seguintes do Código Civil e nos termos da

Instrução CVM n.º 542/2013.

Da mesma forma que o gestor, o custodiante deverá ser cadastrado e

habilitado pela CVM para essa atividade, formalizando-se contrato de prestação de

serviços com o fundo por meio do Administrador.

No processo de cobrança dos recebíveis e recebimento dos recursos

decorrentes dos pagamentos destes, no resgate dos títulos que integram o patrimônio do

fundo, é necessário fazer os depósitos em conta de titularidade do fundo, ou em conta

especial instituída pelas partes em instituições financeiras, sob a forma de contrato,

evitando, com isso, a contaminação com recursos decorrentes de outras operações.293

Destaca-se ainda outra característica do custodiante no FIDC, qual seja

servir como certificador de que o administrador e o gestor estão atendendo ao disposto

no Regulamento.

293

Artigo 38 da IN CVM n.º 356/2001.

233

Não há a figura do custodiante nas securitizadoras de títulos e valores

mobiliários, até mesmo porque os títulos e valores mobiliários não ficam custodiados

em instituição financeira, como ocorre no FIDC. As debêntures ou títulos, no caso das

securitizadoras, ficam em poder dessas sociedades.

d) Cotistas ou condôminos

Os cotistas ou condôminos são: (i) os titulares de cotas subordinadas, nesse

caso a empresa originadora do recebível; e (ii) os titulares de cotas seniores, quais sejam

os investidores qualificados.

Nas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, o originador não se

torna cotista quando realiza a cessão do crédito.

No FIDC, os originadores, ao realizarem a cessão do crédito para o fundo,

recebem cotas subordinadas. Em relação aos investidores, quando aportam recursos no

fundo, acabam adquirindo cotas seniores. Ambos são remunerados quando do resgate

ou amortização das cotas.

Essa reunião do originador com o investidor no fundo como cotistas, com

cotas distintas, permite que as cessões sejam realizadas na figura do condomínio,

remunerando-se ambos, seja por meio da aquisição dos recebíveis dos originadores pelo

fundo, seja mediante o resgate de cotas com a respectiva remuneração aos investidores.

Analisaremos como funciona esse processo de cotização e remuneração em gráfico

operacional.

e) Empresa de auditoria independente

A empresa de auditoria independente é necessária para o FIDC na medida

em que auditam-se os recebíveis cedidos e as demonstrações financeiras anualmente.

Deverão ser habilitados e registrados na CVM para o exercício de suas funções.

Entre suas principais atribuições estão a análise da qualidade dos direitos

creditórios que formarão a carteira do FIDC. Também estão sob sua competência a

234

análise e a auditoria das demonstrações financeiras do FIDC, nos termos do artigo 44 da

Instrução CVM n.º 356/2001.

Estão também sob sua atribuição o exame da amortização, a emissão e o

resgate das cotas, a verificação dos limites mínimo e máximo para aplicação em direitos

creditório e o recálculo das despesas contabilizadas no FIDC.

A securitização de ativos empresariais não utiliza, com os mesmos fins

adotados pelo FIDC, as empresas de auditoria independentes, salvo em casos muito

específicos, como ocorre com a qualidade dos direitos creditórios que formam a carteira

de recebíveis e a auditoria das demonstrações financeiras, como forma de dar maior

credibilidade às operações perante os investidores.

f) Agência de rating

Uma das mais importantes vantagens oferecidas pelas cotas de FIDC aos

investidores é a exigência regulamentar de que as classes e séries de cotas destinadas a

oferta pública sejam avaliadas e trimestralmente reavaliadas por agências de riscos em

funcionamento no País, denominadas agências de rating.294

Como já analisado no presente estudo, as agências de rating nas

securitizadoras de títulos e valores mobiliários não são obrigatórias, tratando-se de

importante elemento de avaliação de risco para a fixação da remuneração.

Contudo, em razão de seu elevado custo, as securitizadoras se utilizam

dessas agências nos casos de recebíveis de valores significativos, quando o deságio

também é elevado, como meio para atrair investidores.

A avaliação feita pelas agências de rating do País leva em conta: (i) a

qualidade da carteira de recebíveis, especificamente o risco de inadimplemento; (ii) a

idoneidade e a capacidade de todas as instituições participantes da operação; (iii) a

estrutura do fluxo de caixa, que considera a estatística da carteira diante da

294

Instrução CVM n.º 400/2003.

235

inadimplência; (iv) a possibilidade de antecipação do pagamento dos créditos, o prazo

dos recebíveis e as obrigações do fundo com os cotistas; e (v) a solidez jurídica da

operação.295

Acrescentam-se ainda na avaliação feita pelas agências de rating: (vi) os

riscos legais e operacionais envolvidos; (vii) a espécie de ativo que representa os

recebíveis; (viii) o modo de cobrança e o controle de pagamentos efetuados pelos

devedores; (ix) a análise histórica dos pagamentos efetuados pelos devedores nos

últimos anos; (x) a estrutura jurídica da operação; e (xi) o impacto da ausência de

verificação de lastro pelo custodiante.296

Assim, suas notas de classificações de risco orientam os investidores quanto

à qualidade dos recebíveis e da estrutura dos fundos de investimento em direitos

creditórios.

g) Estruturador

O estruturador é empresa especializada que garante a qualidade técnica e

estratégica na criação e desenvolvimento do FIDC. Auxilia na seleção de recebíveis que

integrarão a carteira do fundo, na estruturação da operação, na contratação de

prestadores de serviços e na análise dos impactos econômicos decorrentes da operação.

Regra geral é contratada pela empresa instituidora do fundo.

Não há estruturador entre os integrantes da estrutura operacional das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários. Trata-se de prestador de serviços

específico das operações envolvendo FIDC.

295

SANTANA, Rogério de Araújo. O fundo de investimento em direitos creditórios como alternativa de

financiamento: 2001 – 2005. 2006. Dissertação (Mestrado em Economia) – PUC/SP, São Paulo, p. 60. 296

PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:

Almedina, 2015. p. 106.

236

h) Escriturador

Trata-se de instituição financeira prestadora de serviços de escrituração de

cotas do fundo, sendo responsável pela atualização dos registros dos cotistas no

respectivo livro de cotas.

Nas securitizadoras, a escrituração das debêntures é feita pelos contadores e

auxiliares administrativos das empresas.

i) Consultoria jurídica

A consultoria jurídica é responsável pela elaboração de contratos e

montagem da estrutura do FIDC, levando em conta todas as regras jurídicas

regulamentadoras. Em determinadas situações, os advogados podem auxiliar

juridicamente na elaboração de instrumento de constituição do FIDC, regulamento,

prospecto, contratos de cessão e documentos relativos à oferta, obtenção de garantias,

apontamentos de cargas e riscos fiscais, entre outros.

Em termos gerais, os consultores jurídicos realizam as mesmas atividades

nas securitizadoras de valores mobiliários.

Assim, o FIDC não se trata de uma pessoa jurídica, é formado pelos

originadores e investidores em forma de condomínio (denominados de participantes),

administrado por uma pessoa jurídica, o Administrador, contudo, possui inscrição

perante a Receita Federa do Brasil por meio de CNPJ.

Como forma de demonstrar as diferenças entre o FIDC e as securitizadoras

de títulos e valores mobiliários, no plano estrutural, apresentamos a seguir o

organograma operacional.

237

5.1.3 No âmbito da tributação

No âmbito fiscal a grande vantagem do FIDC é que não incidem tributos

sobre a carteira do fundo, como o IRPJ, a CSLL, o PIS/Pasep e a Cofins, o que já não

ocorre com a sociedade securitizadora anônima de propósito específico, conforme

estudado no capítulo 3 deste trabalho.

Apenas considerando esse aspecto o FIDC já ganha em eficiência e

resultado, proporcionando um processo que não limita o crescimento desse mercado.

O FIDC terá a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IR-Fonte) a

ser retido quando do pagamento de remuneração, amortização ou resgate das cotas dos

investidores e originadores, e à taxa de fiscalização devida para a CVM, quando as cotas

forem objeto de distribuição pública. Com isso, em relação ao IR-Fonte, o contribuinte

238

serão os cotistas, e o responsável tributário pelo pagamento dos tributos e taxas é o

Administrador.297

No caso dos fundos de condomínio aberto, há incidência de Imposto de

Renda na Fonte298

sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário conforme

descrito a seguir: (i) no último dia útil dos meses de maio e novembro de cada ano, ou

no resgate, se ocorrido em data anterior (“come cotas semestral”),299

e (ii) na data em

que se completar cada período de carência para resgate de cotas com rendimento ou no

resgate de cotas, se ocorrido em outra data, no caso de fundos com prazo de carência de

até 90 dias.

O IR-Fonte, segundo a melhor doutrina, é imposto autônomo de incidência

particular, com regra-matriz distinta do imposto sobre a renda das pessoas físicas e

jurídicas.300

Esse imposto pode ser classificado em duas subespécies: (i) imposto sobre a

renda na fonte definitivo (exclusivo); e (ii) imposto sobre a renda na fonte como

antecipação. O primeiro não exige complemento, o segundo é cobrado como

antecipação de eventual imposto futuro.

No caso do FIDC, se o cotista for pessoa física, a retenção na fonte do IR

será da subespécie definitiva; no caso de o cotista ser pessoa jurídica, a retenção do

imposto será considerada como antecipação, podendo deduzir o montante pago do

imposto quando da apuração do IRPJ.

Todavia, na modalidade antecipação (pessoa jurídica), o impacto fiscal é

maior do que nas pessoas físicas, visto que sobre a receita financeira incidirão, regra

297

Artigo 785 do Decreto n.º 3.000/1999, que trata dos responsáveis pela retenção e pagamento do

imposto. No caso do FIDC, segundo o inciso I do referido dispositivo, o responsável por esses atos

será o Administrador do fundo. 298

Artigo 1.º da Lei n.º 11.033/2004 e Instrução Normativa n.º 1.585/2015, artigos 4.º, 6.º e 7.º, com as

alterações feitas pela Instrução Normativa n.º 1.637/2016, que tratam do IR-Fonte por ocasião do

resgate, os prazos médios das cotas dos fundos e as alíquotas (longo prazo) e artigos 3.º e 8.º, que

tratam dos prazos médios das cotas dos fundos e as alíquotas (curto prazo). 299

Todos os meses de maio e novembro o Governo Federal recebe uma parte dos rendimentos dos

últimos seis meses de investimento. É dessa forma que a União cobra o Imposto de Renda sobre os

rendimentos dos fundos de investimento. 300

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:

Dialética 1998. p. 142.

239

geral, o IRPJ (15%+ 10%) e a CSLL (9%). No tocante ao PIS (0,65%) e Cofins (4%), a

incidência se dará apenas para as pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo

cujo o rendimento tratar-se de receita financeira.301

As Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003 permitiram, respectivamente, que

as pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa do PIS/Pasep e da

Cofins computassem créditos sobre as despesas financeiras incorridas mensalmente.

Com a edição da Lei n.º 10.865/2004, todavia, passou a ser vedada a apuração dos

referidos créditos sobre as despesas financeiras.

Para contrabalançar as despesas dos contribuintes, o Governo Federal editou

o Decreto n.º 5.442/2005, que reduziu a zero as alíquotas das contribuições ao

PIS/Pasep e à Cofins, incidentes sobre as receitas financeiras, auferidas pelas pessoas

jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições,

sendo restabelecidas as alíquotas com a edição do novo Decreto, objeto de análise no

Capítulo 4 deste trabalho.

O rendimento obtido com a aplicação em cotas de FIDC é considerado

receita financeira para pessoas jurídicas que não possuem atividade financeira, para

efeito de cálculo do IR ou CSLL apurados conforme a legislação aplicável. Se a fonte

de renda da pessoa jurídica for apenas o resultado de sua aplicação em cotas de FIDC,

esta acabará pagando um valor maior de tributos (34%) quando comparado à carga

tributária que incidiria sobre a aplicação caso ela fosse uma pessoa física (entre 22,5% e

15%).

Esse tributo tem fundamento de validade constitucional nos artigos 157302

e

158,303

regulamentado pelo Decreto n.º 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de

Renda), em vários dispositivos.

301

Decreto n.º 8.426/2015 (efeitos desde 1.º de julho de 2015), que restabeleceu as alíquotas da

Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas

pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativo das referidas contribuições. 302

“Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza,

incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas

fundações que instituírem e mantiverem; [...]” 303

“Art. 158. Pertencem aos Municípios:

240

A alíquota do imposto sobre a renda será determinada de acordo com o

prazo médio da carteira do fundo e com o prazo do investimento.304

Assim, caso a carteira do FIDC tenha prazo médio superior a 365 dias, a

alíquota do imposto de renda na fonte obedecerá a seguinte tabela:

Alíquota Prazo de Investimento

22,5% até 180 dias

20,0% entre 181 e 360 dias

17,5% entre 361 e 720 dias

15,0% acima de 720 dias

Na hipótese de o prazo médio da carteira do fundo ser igual ou inferior a 365

dias, a alíquota do imposto de renda na fonte será determinada da seguinte forma:

Alíquota Prazo de Investimento

22,5% Até 180 dias

20,0% acima de 180 dias

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza,

incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas

fundações que instituírem e mantiverem; [...]” 304

Artigos 6.º e 7.º da Instrução Normativa n.º 1.585/2015.

241

Para que o fundo se submeta à alíquota de 15% a título de IR-Fonte, o

administrador acaba por investir parte do patrimônio líquido do fundo em títulos de

longo prazo, acima de 720 dias, permitindo que se enquadre nessa alíquota menor.

Não obstante, incide IOF sobre os rendimentos do FIDC, sob a forma de

alíquotas regressivas. A incidência do IOF se dará a alíquota de 1% ao dia sobre o valor

de resgate, cessão, repactuação de títulos de renda fixa e fundos e clubes de

investimento (conforme o prazo e limitado a percentual do rendimento), incidindo sobre

operações com títulos públicos federais, CDB e cotas de Fundos de Renda Fixa, de

prazo inferior a 30 dias. No caso de prazo ser superior a 30 dias, a alíquota será zero. 305

Quanto ao IOF sobre a “compra” ou “venda” dos recebíveis (operações de

carteira do FIDC), sua alíquota é zero.306

Destaca-se ainda que a Medida Provisória n.º 517/2010, convertida da Lei

n.º 12.431/2010, criou incentivos fiscais para instrumentos de financiamento ao

investimento, com o objetivo de estimular a construção de um mercado privado de

financiamentos de longo prazo.

Esses benefícios são para a aquisição por não residentes de títulos de longo

prazo de emissores privados não financeiros, e para detentores de debêntures de

infraestrutura, buscando incentivar a utilização desses instrumentos como forma de

viabilizar a captação de recursos para o financiamento de investimentos e ampliar o

acesso das empresas ao mercado de capitais.

A Lei n.º 12.844/2013 ampliou o escopo dos instrumentos incentivados para

investidores residentes ou domiciliados no Brasil, incluindo os fundos de investimento

em direitos creditórios (FIDC-Projeto), constituídos sob a forma de condomínio

fechado.

305

Decreto n.º 6.306/2007. “Artigo 32. O IOF será cobrado à alíquota de um por cento ao dia sobre o

valor do resgate, cessão ou repactuação, limitado ao rendimento da operação, em função do prazo,

conforme tabela constante do Anexo.” Quanto ao anexo mencionado no caput do referido artigo,

poderá ser acessada em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-

2010/2007/Decreto/D6306.htm#anexo>. Acesso em: 16 mar. 2016. 306

Decreto n.º 6.306/2007. “Art. 32. [...]

§ 2.º Ficam sujeitas à alíquota zero as operações: [...]

II – das carteiras dos fundos de investimento e dos clubes de investimento” (destacamos).

242

As medidas de incentivo fiscal que inclui o FIDC-Projeto estão a seguir

descritas:

a) Cotas de FIDC fechados – residentes ou domiciliados no exterior, exceto

em país que tenham tributação favorecida: alíquota zero de IR para rendimentos de

títulos privados, com características específicas de prazo médio e remuneração e

recursos captados alocados em projetos de investimento, adquiridos por residentes ou

domiciliados no exterior, cujo originador ou cedente da carteira de direitos creditórios

não seja instituição financeira.307

b) Cotas de FIDC fechados – residentes e não residentes no País: alíquota

zero de IR para rendimentos de debêntures (objeto de distribuição pública) auferidos por

pessoas físicas; alíquota de 15% de IR (tributação na fonte) para rendimentos de

debêntures (objeto de distribuição pública) auferidos por pessoas jurídicas com

características específicas de prazo médio e remuneração e de emissão de SPE,

constituída para implementar projetos de investimento, nas áreas de infraestrutura ou de

produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação (Pesquisa,

Desenvolvimento e Inovação), considerados prioritários.308

O FIDC-Projeto deve apresentar uma série de características para fazer jus

ao incentivo tributário descrito na lei:309

Prazo de duração mínimo de seis anos;

Vedação ao pagamento total ou parcial do principal das cotas nos dois

primeiros anos a partir da data de encerramento da oferta pública de

distribuição de cotas constitutivas do patrimônio inicial do fundo, exceto

nas hipóteses de liquidação antecipada do fundo, previstas em seu

regulamento;

307

Lei n.º 12.431/2011, art. 1.º, com as alterações dadas pela Lei n.º 12.844/2013, MP n.º 601/2012 e

Res. CMN n.º 3.947/2011. 308

Lei n.º 12.431/2011, art. 2.º – Redação dada pela Lei 12.844/2013, MP n.º 601/2012, Res. CMN n.º

3.947/2011 e Decreto n.º 7.603, de 09.11.2011. 309

Anbima. Informe Legislativo n.º 21/2014.

243

Vedação à aquisição de cotas pelo originador ou cedente ou por partes a

eles relacionadas, exceto quando se tratar de cotas cuja classe subordine-

se às demais para efeito de amortização e resgate;

Prazo de amortização parcial de cotas, inclusive as provenientes de

rendimentos incorporados, caso existente, com intervalos de, no

mínimo, 180 dias;

Comprovação de que as cotas estejam admitidas na negociação em

mercado organizado de valores mobiliários ou registrados em sistema de

registro devidamente autorizado pelo Banco Central do Brasil ou pela

CVM;

Procedimento simplificado que demonstre o objetivo de alocar os

recursos obtidos com a operação em projetos de investimento, inclusive

os voltados à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação;

Presença obrigatória no contrato de cessão, no regulamento e no

prospecto, se houver, na forma a ser regulamentada pela CVM,

incluindo o objetivo do projeto ou projetos beneficiados; do prazo

estimado para início ou encerramento (incluindo projetos em fase de

encerramento); do volume estimado dos recursos financeiros (dos

projetos não iniciados ou para a conclusão dos já iniciados) e do

percentual estimado na captação da venda dos direitos creditórios;

Percentual mínimo de 85% de patrimônio líquido representado por

direitos creditórios, e os 15% restantes por títulos públicos federais,

operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais ou

cotas de fundos de investimento que invistam em títulos públicos

federais.

Ressalte-se ainda que o FIDC pode ser constituído para adquirir recebíveis

de um único cedente ou devedor ou de empresas pertencentes ao mesmo grupo

econômico.

Esses benefícios vistos supra não são aplicáveis às securitizadoras de títulos

e valores mobiliários.

244

Por fim, cumpre analisar outra subespécie de FIDC criado pela Instrução

CVM n.º 444/2006, mais flexível que o FIDC tradicional. Trata-se do Fundo de

Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP).310

O artigo 1.º, § 1.º, da Instrução CVM regulamentadora do FIDC-NP permite

que se realizem aplicações em quaisquer percentuais de seu patrimônio líquido, em

direitos creditórios:

Art. 1.º A presente Instrução dispõe sobre a constituição e o

funcionamento dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios

Não padronizados – FIDC-NP.

§ 1.º Para efeito do disposto nesta Instrução, considera-se Não

Padronizado o FIDC cuja política de investimento permita a

realização de aplicações, em quaisquer percentuais de seu patrimônio

líquido, em direitos creditórios:

I – que estejam vencidos e pendentes de pagamento quando de sua

cessão para o fundo;

II – decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como

de suas autarquias e fundações;

III – que resultem de ações judiciais em curso, constituam seu objeto

de litígio, ou tenham sido judicialmente penhorados ou dados em

garantia;

IV – cuja constituição ou validade jurídica da cessão para o FIDC seja

considerada um fator preponderante de risco;

V – originados de empresas em processo de recuperação judicial ou

extrajudicial;

VI – de existência futura e montante desconhecido, desde que

emergentes de relações já constituídas; e

VII – de natureza diversa, não enquadráveis no disposto no inciso I do

art. 2.º da Instrução CVM n.º 356, de 17 de dezembro de 2001.

Note-se do texto legal anterior que entre os direitos creditórios que podem

compor um fundo não padronizado estão aqueles vencidos ou pendentes de pagamento

no momento da cessão, os resultantes de ação judicial em curso, que estejam

penhorados ou dados em garantia, os débitos fiscais e não fiscais que compõem as

310

Refere a fundos que investem em direitos creditórios com características especiais. A criação desse

segmento foi motivada principalmente pelos reiterados pedidos de registro de fundos, analisados pelo

colegiado da CVM, cujas carteiras seriam compostas por direitos creditórios não enquadrados pela

Instrução CVM n.º 356, publicada em 2001, a principal norma que regula o mercado de FIDC. A

edição da IN CVM n.º 444, por conseguinte, ampliou de maneira expressiva a gama de direitos

creditórios passíveis de serem adquiridos, a partir de então, pelo novo veículo, o FIDC-NP.

245

receitas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e ainda

os originados de empresas em processo de recuperação judicial ou extrajudicial.

O FIDC-NP funciona de forma muito similar ao FIDC tradicional, exceto

pela liberdade maior na escolha dos direitos creditórios, alvo da carteira de

investimento. Há maior risco, porém maior retorno se comparado a um FIDC

tradicional.

A principal diferença reside no fato de o fluxo de caixa de fundo não

padronizado não ser previamente determinado, justamente por tratar-se de operações

vencidas, como dívidas ativas, precatórios e afins.

Em razão de características específicas, é perfeitamente admissível que o

FIDC-NP ofereça uma rentabilidade maior que a dos demais fundos. Em princípio, um

FIDC-NP deveria render mais do que 120% do CDI, enquanto o rendimento médio dos

tradicionais gira em torno de 100% a 120% do Certificado de Depósito Interbancário

(CDI), que é a taxa média dos empréstimos feitos entre os bancos.

Da mesma forma que o FIDC tradicional, o FIDC-NP tem como um dos

principais diferenciais a tributação favorável. O Fundo é isento de tributação acerca das

transações cotidianas, envolvendo a compra de créditos, e somente no momento de

resgate das cotas os quotistas serão tributados pelo IR-Fonte, sobre as mesmas bases

que o FIDC tradicional.

Ademais, o FIDC-NP terá cota de valor nominal unitário mínimo de R$

1.000.000,00, somente sendo permitidas a emissão e a negociação de fração de cotas

para os titulares de pelo menos uma cota com esse valor nominal. Todavia, esse valor

mínimo não se aplica nos casos decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas

dos entes políticos e de natureza diversa.311

Por fim, não podemos apenas destacar as vantagens do FIDC em relação à

securitizadoras, como foi feito até o presente momento. Há desvantagens que merecem

ser apontadas.

311

Artigo 4.º da IN CVM n.º 444/2006.

246

A primeira é a dificuldade que se tem na renegociação dos títulos que

lastreiam os direitos creditórios quando ocorre a inadimplência pelo devedor. Pelo fato

de ter havido a cessão dos direitos creditórios ao fundo pelas empresas originadoras,

aquele assume o papel de credor.

Essa dificuldade existe com as securitizadoras, contudo é mais fácil de ser

administrada, pois os sócios ou os operadores da securitizadora acabam interferindo

diretamente na renegociação.

Em relação ao fundo, por possuir prestadores de serviços vinculados na

operação, com funções e responsabilidades próprias de administração e gestão, a

margem de renegociação torna-se mais difícil.

Uma solução encontrada por ambos foi a troca ou substituição dos títulos

por outro a ser oferecido pelo mesmo originador, devolvendo os títulos inadimplidos à

titularidade da empresa cedente.

No caso do FIDC, a partir de 2011, criou-se a obrigatoriedade de listagem

dos eventos como pré-pagamento, inadimplência, entre outros, o que trouxe maior

transparência ao mercado envolvendo esses fundos.

Outro ponto negativo dos fundos é a capacidade econômica dos

investidores, como os investidores qualificados e profissionais, que exigem valores

muito superiores em relação aos investidores das securitizadoras, visto que nesse último

não há exigência de capacidade econômica mínima.

A terceira desvantagem é a rigidez das regras aplicadas aos fundos e a

burocracia dos registros e procedimentos na CVM e Anbima, o que já não se vislumbra

nas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, que possui maior liberdade.

Por fim, outro ponto negativo no tocante às operações de FIDC é o número

restrito de prestadores de serviços que compõem a estrutura operacional dos fundos, o

que pode ensejar o não atendimento das demandas existentes, impactando de forma

negativa o desenvolvimento do setor.

247

Do ponto de vista jurídico, podemos mencionar algumas desvantagens

também para o FIDC, que geram insegurança aos investidores, como:

(i) a responsabilidade pela existência de eventuais recebíveis

fraudulentos na carteira; (ii) a eficácia da coobrigação da cedente

quando a cessão dos direitos de crédito ao fundo é feita com

coobrigação da empresa originadora dos referidos direitos; e (iii) a

cessão realizada dentro do período definido como termo legal da

falência do cedente, o qual poderá ser determinado pelo juiz, ou do

primeiro protesto por falta de pagamento.312

Assim, há vantagens e desvantagens na migração das atividades das

securitizadoras para o FIDC, devendo as empresas customizar e avaliar os riscos

operacionais, sendo certo que no âmbito jurídico o aspecto é mais favorável aos Fundos

de Investimento em Direitos Creditórios, em razão da regulamentação existente, da

estrutura societária e da economia fiscal.

5.2 Legalidade concreta e a busca pela não surpresa

No caso do FIDC, a forma de tributação está consolidada e a segurança

jurídica é maior em relação ao regime de tributação aplicado ao passado, visto tratar de

condomínio em que a tributação ocorre na fonte em relação aos rendimentos dos

cotistas.

Diferentemente se dá com as securitizadoras que operam com recebíveis,

que foram surpreendidas com a mudança do regime do lucro presumido para o lucro

real em razão da edição do Parecer Normativo n.º 5/2014.

Diante dessa instabilidade jurídica, muitas securitizadoras de ativos

empresariais, após a mudança de entendimento da Receita Federal do Brasil, passaram a

migrar suas operações de ativos empresariais para fundos de investimento em direitos

creditórios, concentrando seus recebíveis em diferentes prazos de vencimentos,

buscando enquadrar sua carteira na categoria de títulos com prazo médio superior a 365

dias, em razão da menor carga tributária (15%).

312

PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:

Almedina, 2015. p. 77.

248

A migração não é indício e muito menos significa que um contribuinte que

passou a exercer nova atividade continue desempenhando a atividade anterior, como se

presume de forma indevida pelas autoridades fiscais.

É necessário identificar objetivamente um conjunto de elementos

necessários para suportar uma afirmação: o contribuinte continua de fato praticando a

atividade anterior, sob a roupagem, imagem ou aparente ideia de que está exercendo a

nova atividade?

No caso do FIDC, em razão de as diferenças serem tão notórias no âmbito

legal, operacional e fiscal em relação às sociedades securitizadoras, não se permite

afirmar que está praticando a securitização de títulos e valores mobiliários, utilizando-se

da fraude ou simulação sob a forma de FIDC.

Essa migração visa, além da busca da legalidade, da segurança jurídica nas

operações, evitar qualquer surpresa do Poder Público não em relação ao futuro, que é

incerto, mas no tocante àquilo que fora praticado no passado.

O ato do Poder Público de interpretação retroativa desconsiderando seus

próprios atos enunciativos de legalidade denota que a instabilidade jurídica se instalou

no País sob a premissa de a qualquer custo gerar fontes de receitas tributadas para suprir

os caixas do Governo Federal.

A falta de seriedade não só desestimulou o setor da securitização de ativos

empresariais, como gerou fuga de capital para fora do País.

No final de 2014, o Banco Central brasileiro constatou a saída de US$ 11,3

bilhões de dólares.313

É a maior fuga de capitais desde 1982, quando o Banco Central

começou a registrar os dados. Logicamente a justificativa para tal não é apenas a

insegurança jurídica no País, existindo outros fatores, como a crise política.

Não obstante, muitos investidores em direitos creditórios preferiram investir

em papéis e ações no mercado internacional, o que diminuiu também o fluxo de

investimentos em securitizadoras e FIDC.

313

Dados do Banco Central do Brasil de 31.12.2014.

249

Se as regras do sistema jurídico brasileiro não são claras ou são passivas de

interpretações dúbias, caberia ao aplicador do direito solucionar essas falhas. A Receita

Federal buscou fazer esse papel de 2005 até abril de 2014. Todavia, mudou de

entendimento e causou o efeito insegurança jurídica no setor.

O que resta agora às securitizadoras de ativos empresariais é bater à porta do

CARF e do Poder Judiciário para restabelecer a ordem jurídica profundamente abalada,

e aqueles que ainda se sentirem ameaçados pelo Poder Público, no sentido de serem

autuados ao continuarem optando pelo regime do lucro presumido, visto que a Receita

Federal do Brasil não sinaliza em nenhuma hipótese restabelecer o permissivo quanto ao

regime do lucro presumido, poderão realizar a migração para o FIDC, pelo menos para

se agarrar à legalidade concreta e evitar surpresas após a migração, até mesmo porque

em relação aos fundos não há certa margem de liberdade de interpretação das regras

editadas, existindo textos normativos mais claros e objetivos expedidos pela Comissão

de Valores Mobiliários e pela Receita Federal do Brasil.

5.3 A busca pela redução da carga fiscal pelas vias lícitas

No Brasil, reconhece-se o direito dos contribuintes de arranjar seus negócios

de modo a contrair o mínimo de responsabilidade fiscal possível. A despeito de esse

direito se encontrar mitigado por decisões administrativas do CARF, que evoluiu ao

longo de uma década para não aceitar a reorganização societária e operacional tão

somente na busca pela economia fiscal, incluindo outras exigências como o propósito

negocial, o fundamento econômico, entre outros, há no ordenamento jurídico brasileiro

esse preceito e responsabilidade do administrador de pretender organizar os negócios

visando a maior rentabilidade possível.

O estudo do permissivo normativo de se buscar na atividade empresarial,

especificamente na securitização de títulos ou valores mobiliários, incluindo o FIDC, a

redução da carga fiscal pelas vias lícitas, não envolvendo o dolo, fraude ou simulação,

será o nosso próximo passo neste trabalho.

250

Destaca-se, apenas um parêntesis, que a tríade “dolo, fraude e simulação”

fora mencionada no disposto no artigo 149, VII,314

do CTN, autorizando e vinculando o

fisco a realizar o lançamento fiscal com penalidades majoradas ou agravadas, bem como

no artigo 150, §4 .º,315

do CTN, quando o dolo, fraude ou simulação alteram a contagem

do prazo decadencial para o fisco homologar expressamente a atividade exercida pelo

contribuinte, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação.

Também a referida tríade fora mencionada no artigo 154, parágrafo

único,316

do CTN, quando tratou da moratória, e no artigo 180, I,317

do CTN, ao se

referir à anistia.

No contexto do Código Tributário Nacional essa expressão “dolo, fraude ou

simulação” configura vícios produzidos de forma intencional pelo contribuinte, que

utiliza da má-fé, cria uma situação falsa ou de mera aparência, para extinguir, reduzir ou

postergar a incidência tributária.318

O dolo, a fraude ou a simulação configuram crime de sonegação fiscal, nos

termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/1990.

314

“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes

casos: [...]

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo,

fraude ou simulação” (destacamos). 315

“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao

sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa,

opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida

pelo obrigado, expressamente a homologa. [...]

§ 4.º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato

gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se

homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de

dolo, fraude ou simulação” (destacamos). 316

“Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os créditos

definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha

sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo.

Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo

ou do terceiro em benefício daquele” (destacamos). 317

“Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei

que a concede, não se aplicando:

I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa

qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em

benefício daquele; [...]” (destacamos). 318

Nesse sentido é o entendimento de BOZZA, Fábio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia

privada. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 199. (Série Doutrina tributária, v. XV.)

251

Paulus Merks319

nos ensina que sonegação fiscal busca esconder ou

disfarçar certo fato gerador, sem causar efeito no próprio fato gerador, enquanto o

planejamento tributário e a elisão fiscal impactam o fato gerador em si. Em resumo, a

sonegação fiscal pode ser definida como a violação direta de uma lei.

Ademais, nas lições de Charles Mcnaughton, equiparar economia tributária

à fraude encontra barreiras no artigo 150, IV, da CF, pois estaria incorrendo o fisco em

instituição de norma confiscatória.320

Ainda que se constate a existência de dolo, fraude ou simulação, a barreira

para se aplicar a penalidade seria no máximo o valor equivalente ao tributo devido,

como bem assentou o Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no AgR/RE

657372/RS, de 28.05.2013.321

Esse entendimento fixado pelo STF tem total coerência com o direito

patrimonial do contribuinte, pois respeita os abusos fixados pelo legislador, como

ocorre com as multas acima de 100%.

Portanto, trabalharemos a busca da economia fiscal sem o uso de artifício

empregado pelo contribuinte ou por terceiro com o intuito de enganar o fisco.

Utilizando-se do permissivo legal quanto às escolhas, direito constatado

neste estudo em relação aos regimes do lucro real e presumido para as securitizadoras

de títulos e valores mobiliários, ou mesmo a criação de FIDC para o exercício da

atividade de securitização de recebíveis, elucidamos que esses atos não configuram

planejamento fiscal, pois não há nenhum objetivo em elidir a lei, no sentido de

manipular a lei de forma lícita para a obtenção de economia fiscal.322

319

MERKS, Paulus. Sonegação fiscal, elisão fiscal, planejamento tributário agressivo e não agressivo.

Direito tributário internacional: teoria e prática. São Paulo: RT, 2014. p. 624-625. 320

MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva (completabilidade e sistema

tributário). 2013. Tese (Doutorado) – PUC/SP, São Paulo, p. 278. 321

STF, 2.ª Turma, AgR RE 657372/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.05.2013. 322

Nesse sentido é o entendimento de Alberto Xavier e Sampaio Dória sobre a definição do conceito de

Elisão Fiscal (XAVIER, Alberto. A evasão fiscal legítima: o negócio jurídico indireto em direito

fiscal. Revista de Direito Público, São Paulo: RT, ano VI, n. 23, p. 236-253, jan.-mar. 1973; DÓRIA,

Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Livraria dos Advogados, 1971. p. 25).

252

Adequar a atividade praticada por pessoa jurídica nas hipóteses em que não

há vedação legal, atendendo as regulamentações normativas, não configura ato de elisão

e evasão fiscal. Trata-se do exercício da livre-iniciativa e do livre-arbítrio do

contribuinte, direitos intransponíveis, insculpidos no artigo 1.º, IV, e artigo 5.º, caput,

ambos da CF/1988, fulcrados no permissivo legal.

A melhor doutrina faz a distinção de elisão, elusão e evasão, considerando

que na elisão a finalidade é a legítima economia de tributos, os atos praticados são

lícitos, mas não há violação direta ou indiretamente de dispositivos legais; já a elusão o

contribuinte utiliza atos lícitos, se isoladamente considerados, mas sem causa,

simulados ou em fraude à lei, tudo com o objetivo de economizar tributos. Por fim, na

evasão fiscal o contribuinte age voluntária e dolosamente para suprir, reduzir ou eximir-

se do pagamento do tributo devido.323

Nas lições de Ulhoa Canto,324

evasão fiscal ocorre quando se descumpre a

norma tributária, deixando de recolher tributo mediante a utilização de um mecanismo

para ludibriar a autoridade fiscal sobre esse evento.

Em 2001, a Lei Complementar n.º 104 promoveu alterações no Código

Tributário Nacional, entre as quais a inclusão do parágrafo único no artigo 116, que

prescreve:

[...] a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios

jurídicos praticados com a finalidade de dissimular ocorrência do fato

gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da

obrigação tributária, observados os procedimentos a serem

estabelecidos em lei ordinária.

Para o jurista Marco Aurélio Greco,325

a norma antielisiva não autoriza a

exigência de tributo por analogia ou sem a efetiva realização do fato gerador previsto

em lei. Não permite conjecturas ou suposições pelo fisco acerca de atos ou negócios que

poderiam ter ocorrido. Afirma que o pressuposto para a aplicação do referido

323

TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada: simulação: elusão

tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 174-189. 324

CANTO, Gilberto Ulhoa. Elisão e evasão fiscal. Cadernos de pesquisas tributárias. São Paulo:

Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1998. v. 3, p. 44. 325

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2011. p. 548-557.

253

dispositivo é a existência de ato ou negócio lícito, sem patologia, mas que procura fingir

a ocorrência do fato gerador tributário, em desconformidade com o princípio da

capacidade contributiva.

Ainda que tenham surgido importantes teorias sobre a norma antielisiva e a

jurisprudência ter enfrentado de maneira tímida a questão, uma crítica que se faz é que

permanecemos com um dispositivo (artigo 116 do CTN) de alto grau de

indeterminação, vagueza e dependência de lei federal que regule o procedimento, que

necessita de textos mais claros, mais objetivos, menos evasivos, de forma a evitar o

conflito interpretativo entre a liberdade do fisco na desconsideração dos atos ou

negócios jurídicos e a liberdade do contribuinte em se auto-organizar de maneira

fiscalmente menos onerosa.

Segundo Greco, essa liberdade não é absoluta e deve ser observada no plano

do seu exercício para o fim de detectar a eventual existência de um abuso de direito,

devendo existir uma razão extratributária, econômica, empresarial e familiar que a

justifique.326

Essa teoria foi submetida a pertinentes críticas, especialmente quando trata

do abuso de direito327

em matéria fiscal, sustentando a implicação de “inoperância” ou

“ineficácia” do ato em relação ao Fisco, o que não importaria em ilegalidade ou ilicitude

da operação.

Entender dessa forma, mesmo que se afastem os princípios “se não está

permitido está proibido” (que vigora para a Administração) e “se não está proibido está

permitido” (que vigora para o particular), como defende o referido jurista, seria atribuir

ao “abuso de direito” uma ferramenta impositiva ao direito tributário.

326

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética,

1998. p. 139-140. 327

Criado para inibir práticas, embora esteja dentro do campo da licitude, implica, no seu resultado, uma

distorção no equilíbrio do relacionamento entre as partes, seja pela utilização de um poder ou de um

direito em finalidade diversa daquela para a qual o ordenamento assegura sua existência, seja sua

distorção funcional, por implicar inibir a eficácia da lei incidente sobre a hipótese sem sua razão

suficiente que a justifique. Definição dada por Marco Aurélio Greco para sustentar sua tese de

aplicação do abuso de direito no planejamento tributário. Ibidem, p. 128.

254

O abuso de direito pode ser usado com parcimônia para qualificação de atos

jurídicos, especialmente os praticados sem causa.328

Não que esse instituto do direito civil, previsto no artigo 188, I,329

da Lei n.º

10.406/2002, não seja aplicável ao direito tributário, mas estamos diante de algo que

não configura ato ilícito, e que por si só, por não existir proibição legal em praticar atos

que busquem gerar economias tributárias, não pode ser aplicado isoladamente para

desconsiderar atos ou negócios jurídicos realizados pelos contribuintes.

Voltando à questão do direito de escolhas – usado pelas securitizadoras de

valores mobiliários –, seja em se submeter ao regime do lucro presumido ao atender os

requisitos do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, seja em constituir um Fundo de

Investimento em Direitos Creditórios para securitizar recebíveis, desde que se

comportem material e formalmente na atividade de securitização, atendendo a todas as

características operacionais, contratuais, normativas perante os investidores e partes

relacionadas na operação, estaremos no campo do possível, do permissivo legal, no

exercício do direito de buscar maior rentabilidade e economia fiscal, fazendo valer a

tributação conforme a lei, e nada mais do que está disposto na lei, condicionado pela

própria lei.

Assim, o exercício da busca pela legalidade, mediante escolhas previstas nas

próprias leis, sequer poderia ser tachado como planejamento tributário sujeito a

qualquer instituto do abuso do direito, do negócio jurídico indireto ou qualquer ato

atentatório à desconsideração de atos ou negócios jurídicos, até mesmo porque há

também obrigações envolvidas. Não é algo gratuito, sem sentido ou sem causa.

Negar esse direito de escolha seria uma violência desmedida fulcrada na

usurpação de direitos dos contribuintes previstos na própria lei.

Poderíamos comparar esse direito de escolha fixado pela lei com a opção

dos contribuintes pessoa física que, ao realizarem sua declaração de imposto sobre a

328

Como bem observado por MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva

(completabilidade e sistema tributário). 2013. Tese (Doutorado) – PUC/SP, São Paulo, p. 382. 329

“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; [...]”

255

renda, farão um comparativo de pagamento do imposto entre adotar a declaração

simplificada e a declaração completa. Aquela que trouxer maior economia fiscal poderá

ser adotada, pois ambas estão previstas em lei.

Atender o que está disposto na Lei, mediante escolhas, não é só uma

obrigação do contribuinte, mas um direito que deve ser preservado sobre todos os

aspectos.

256

6

IMPOSSIBILIDADE DA SECURITIZAÇÃO DA DÍVIDA ATIVA

NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Neste capítulo, nosso objetivo é aprofundar ainda mais o estudo sobre a

securitização, especificamente a utilização de FIDC-NP (forma mencionada por

instrução CVM) nas antecipações de recebíveis de natureza tributária e não tributária

pelos entes políticos.

Fizemos um novo corte no sistema jurídico para tratar da securitização da

Dívida Ativa, não sendo objeto deste trabalho a securitização de contratos existentes

com o Poder Público, créditos tributários a vencer, créditos tributários parcelados pelos

contribuintes, entre outros, que configuram recebíveis. Buscamos tratar da securitização

da Dívida Ativa em razão de configurar a maior fonte de receita pública dos entes

políticos, com pouca eficácia em termos de recebimento desses créditos.

Constatamos neste estudo que, desde o início de 2009, Estados, Municípios

e o Distrito Federal têm aplicado a securitização no recebimento de recursos de longo

prazo por meio da denominada “Securitização de Dívida Ativa”, envolvendo

antecipação de direitos creditórios. Todavia, foi editada regra pela Comissão de Valores

Mobiliários incluindo a securitização como operação de créditos diante da antecipação

de receita pública, nos termos do artigo 167, IV, da CF/1988, a despeito de não

concordarmos com esse enquadramento. Vejamos o texto constitucional:

Artigo 167. São vedados:

[...]

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou

despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação

dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação

de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para

manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de

atividades da administração tributária, como determinado,

respectivamente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a

prestação de garantias às operações de crédito por

antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8.º, bem como

o disposto no § 4.º deste artigo;

[...]

§ 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas

pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos

257

recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II,

para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para

pagamento de débitos para com esta (destacamos).

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

[...]

§ 8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho

à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo

na proibição a autorização para abertura de créditos

suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que

por antecipação de receita, nos termos da lei.

Na “Securitização de Dívida Ativa”, que busca antecipar recebíveis fiscais e

não fiscais já vencidos e não pagos, o detentor do direito de receber o crédito (ente

político) cede os direitos creditórios, constituídos em razão de fatos jurídicos já

ocorridos, para securitizadora ou Fundo de Investimento em Direitos Creditórios,

recebendo o ente político recursos financeiros, bem como debêntures (securitizadora) ou

títulos subordinados (FIDC) lastreados nos valores da Dívida Ativa.

A cessão dos direitos creditórios realizada de forma definitiva à

securitizadora ou ao FIDC é considerada uma alienação patrimonial, ou seja, trata-se da

venda de um ativo pertencente ao Poder Público, não possuindo nenhuma característica

de financiamento ou cessão de crédito que possa gerar uma dívida do Poder Público

com a securitizadora caso não se inclua cláusula de recompra dos direitos creditórios na

operação, a despeito de guardar consigo a antecipação do valor de um recebível pelo

originador do crédito.

A discussão que teremos pela frente é se essa operação de securitização está

submetida ou não à Lei de Responsabilidade Fiscal e se possui sustentabilidade diante

de Resoluções editadas pelo Senado Federal.

Para tanto, será necessário analisarmos o Parecer da Procuradoria da

Fazenda Nacional n.º 1579/2014,330

que respondeu consulta sobre o enquadramento da

criação de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) pelo Município de

Nova Iguaçu-RJ no conceito de operação de crédito da Lei de Responsabilidade Fiscal

(LRF).

330

Disponível em: <http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres/resource/15792014>. Acesso em:

30 abr. 2016.

258

Destaca-se ainda que o Tribunal de Contas da União enfrentou a

securitização da Dívida Ativa por antecipações de receita, submetendo-se,

liminarmente, à suspensão dos fundos constituídos pelos entes políticos até o

julgamento do mérito da matéria.

Com o intuito de evitar a incidência da LRF, o Senado Federal editou as

Resoluções n.º 11/2015 e n.º 17/2015, alterando a Resolução n.º 43/2001, dispondo que

a securitização de recebíveis de Dívida Ativa não sejam consideradas “operação de

crédito”.

A despeito de o legislador buscar permissão para que a União, Estados,

Distrito Federal e Municípios antecipem recursos financeiros sem infringir a LRF,

apontamos a existência de obstáculos que envolvem desde a indisponibilidade do bem

público, passa pela impossibilidade da cessão do direito creditório, percorre a

ilegitimidade da entidade privada que se sub-rogou no direito do crédito na utilização da

Lei de Execuções Fiscais para cobrar o devedor, adentra ainda a falta de interesse

público após o processo de securitização da dívida ativa, em razão da antecipação e

liquidação do débito perante a Fazenda, para no final apontar as decisões liminares

proferidas pelo Tribunal de Contas da União331

sobre a securitização da Dívida Ativa.

Iniciemos o estudo identificando a natureza jurídica das certidões em Dívida

Ativa, título que permite a cobrança judicial dos débitos fiscais e não fiscais, nos termos

da Lei n.º 4.320/1964.

6.1 Natureza jurídica da certidão de dívida ativa

O artigo 784 do Novo Código de Processo Civil332

prescreve que a certidão

de Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

331

Art. 71 da Constituição Federal. “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido

com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]

II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos

da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo

Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade

de que resulte prejuízo ao erário público; [...]” 332

Lei n.º 13.105/2015, com vigência desde 18.03.2016. Nos termos do artigo 585, VII, do antigo

Código de Processo Civil, a previsão era a mesma.

259

Municípios é título executivo extrajudicial, possuindo a mesma classificação das notas

promissórias, duplicatas, cheques, debêntures, entre outros, estes últimos passíveis de

securitização, como visto no presente estudo.

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

[...]

IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos

créditos inscritos na forma da lei;

[...] (destacamos).

A Lei n.º 6.830/1980, que trata do processo de execução fiscal,333

dispõe em

seu artigo 2.º que:

Constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como

tributária e não tributária na Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964,334

com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito

financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da

União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Note-se que a definição do conceito de Dívida Ativa é bem ampla, pois

abrange todas as receitas da Fazenda Pública. Isso quer dizer que “qualquer valor”, cuja

cobrança seja atribuída por lei à Fazenda Pública, “será considerado Dívida Ativa”.335

333

Rito expropriatório específico, conforme leciona ASSIS, Araken de. Manual de processo de

execução. 5. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 147. 334

Lei n.º 4.320/1964: “Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária,

serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas espécies rubricas

orçamentárias [...]

§ 2.º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação

legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa Não Tributária são os

demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios,

contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias,

foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados

por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis

definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de

sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras

obrigações legais” (destacamos). 335

THEODORO JR., Humberto. Processo de execução. 23. ed. São Paulo: Editora Universitária de

Direito, 2005. p. 173.

260

No âmbito do Estado, receita pública decorre da entrada de recursos,

relativos ao recebimento de dinheiro ou de outras verbas recebidas pelo erário

público.336

A execução da Dívida Ativa depende de ato prévio de controle

administrativo da legalidade do crédito fazendário, que se faz por meio de inscrição em

livro próprio.337

O ato e os requisitos necessários à inscrição do débito em Dívida Ativa

para a formação do título executivo extrajudicial pela Fazenda Pública encontram

guarida no artigo 202 do Código Tributário Nacional.338

Observa-se que o título executivo não é a inscrição da Dívida Ativa, mas a

certidão da dívida, cujos requisitos estão no Código Tributário Nacional antes

mencionado.

Nesse ponto, podemos afirmar que a certidão de Dívida Ativa e os demais

títulos de crédito passíveis de securitização possuem a mesma classificação de títulos

executivos extrajudiciais.

Assim, para que a Fazenda Pública possa cobrar a Dívida Ativa, um dos

requisitos necessários é a sua inscrição, submetendo-se a execução judicial do débito

aos termos da Lei n.º 6.830/1980, diferentemente do que ocorre com os demais títulos

executivos extrajudiciais que seguem o rito de execução do Código de Processo Civil.

O próximo passo é examinarmos o crédito tributário e sua indisponibilidade.

336

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores

Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 123. 337

Artigo 2.º, § 3.º, da Lei n.º 6.830/1980. 338

“Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará

obrigatoriamente:

I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos corresponsáveis, bem como, sempre que possível, o

domicílio ou a residência de um e de outros;

II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja

fundado;

IV – a data em que foi inscrita;

V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.

Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha

da inscrição.”

261

6.2 Crédito tributário como bem público indisponível

Inicialmente, cumpre pontuar que a administração pública deve realizar suas

condutas sempre zelando pelos interesses da sociedade, porém não poderá dispor desses

interesses, uma vez que o administrador não goza de livre disposição dos bens que

administra, haja vista que o titular desses bens é o povo.

Hely Lopes Meirelles339

destaca que a Administração Pública não pode

dispor desse interesse geral e renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela,

mesmo porque ela não é a legítima possuidora do interesse público, cujo titular é o

Estado, que, por isso, mediante lei, poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia.

A Lei Federal n.º 9.784/1999 prevê em seu artigo 2.º, parágrafo único, II, a

indisponibilidade do interesse público pela Administração Pública:

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados,

entre outros, os critérios de:

II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou

parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei.

Celso Antônio Bandeira de Mello340

leciona que a indisponibilidade dos

interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da

coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem

quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não

tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é

também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.

Não obstante o conceito de interesse público ser muito amplo, temos que

pensar em uma categoria que não seja a de interesse individual ou de interesse pessoal,

ou seja, precisamos analisar o conjunto, o social, que não se confunde com o somatório

de interesses privados ou particulares, peculiares de cada um.

339

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.

103. 340

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 1992. p. 62-63.

262

O artigo 17 da Lei n.º 8.666/1993 dispõe que: “Os fins da administração

pública se resumem num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada.

Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo”.

O tributo, que compõe a Dívida Ativa, fonte de sustentabilidade financeira

dos entes públicos, é um bem enquadrado no interesse público do Estado, tratando-se da

fonte de receita para o exercício do múnus público perante os administrados.

Sua indisponibilidade é inerente a sua natureza jurídica, portanto a

autoridade administrativa não pode dispor sem a existência de lei específica que trata da

redução ou transação e, em razão disso, realizar acordos com os contribuintes.

Portanto, os direitos creditórios originados de créditos tributários,

constituídos ou não, parcelados ou não, cobrados ou não, formadores da receita pública,

são bens públicos indisponíveis, inegociais e irrenunciáveis, porque são necessários ao

cumprimento dos fins do Estado, que busca atender o bem comum e satisfazer as

necessidades públicas, amparados nos princípios da estrita legalidade e da

indisponibilidade dos interesses públicos.

Pontua-se ainda que não se permite delegação de competência para a

instituição de tributos, como se observa do disposto no artigo 7.º, caput, do CTN:

Art. 7.º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das

funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis,

serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária,

conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos

termos do § 3.º do artigo 18 da Constituição.

O que é permitido ao Poder Público é delegar a arrecadação (cobrança e

recebimento) desses tributos à iniciativa privada, atribuição que compreende as

garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público.

É o que se observa no disposto nos §§ 1.º e 3.º do artigo 7.º do Código

Tributário Nacional:

Art. 7.º [...]

§ 1.º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais

que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.

263

§ 3.º Não constitui delegação de competência o cometimento, a

pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar

tributos.

Não podemos deixar de mencionar que o instituto da transação como causa

extintiva do crédito tributário tem previsão no artigo 156, III, do Código Tributário

Nacional, e os seus requisitos estão elencados no artigo 171 do mesmo Diploma Legal:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos

sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que,

mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e

consequente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar

a transação em cada caso.

Todavia, não há no ordenamento jurídico lei dispondo e regulamentando a

transação de créditos tributários. O que existe no sistema jurídico são edições de leis

que tratam de anistia de multa e juros (redução ou perdão), que não envolvem o valor do

tributo, prática comum entre os entes políticos brasileiros.

Heleno Tôrres341

assevera que a transação tributária tem como pressuposto a

lide e a vontade das partes de realizar acordo mediante concessões recíprocas. Sem essa

concessão de ambas as partes (Poder Público e contribuinte), não há que falar em

transação e disponibilidade do crédito tributário.

Com isso, é evidente que faltam no ordenamento jurídico atual leis que

possam transpor certas barreiras na administração pública, de forma a viabilizar

eventual securitização de créditos tributários.

Para que se possa realizar a securitização da Dívida Ativa ou mesmo buscar

a conciliação judicial, a transação e a arbitragem em matéria tributária, será necessária

verdadeira transformação do sistema jurídico atual. Apenas a acomodação dos

princípios da indisponibilidade do patrimônio público e a segurança jurídica, com a

eficiência e a simplificação fiscal, não serão suficientes.

341

TÔRRES, Heleno Taveira. Novas medidas de recuperação de dívidas tributárias. Revista Consultor

Jurídico, São Paulo, 17 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-17/consultor-

tributario-novas-medidas-recuperacao-dividas-tributarias?pagina=2>. Acesso em: 3 mar. 2016.

264

É louvável no âmbito da transformação do direito o surgimento de teorias

que enaltecem o princípio jurídico e técnico da praticabilidade da tributação, que impõe

ao legislador dever de buscar caminhos para maior economia, eficiência e celeridade na

constituição e recebimento dos tributos.

Não temos dúvidas de que o princípio da indisponibilidade do interesse

(bem) público, além de ser um obstáculo relativamente instransponível até mesmo para

a própria lei, somente poderia ser superado se o sistema jurídico brasileiro sofresse uma

profunda transformação em relação a valores dados às regras jurídicas, sujeitas inclusive

a modificações de textos legais no âmbito constitucional, de leis complementares e

ordinárias.

Temos consciência de que da forma como as regras estão postas no

ordenamento jurídico brasileiro elas não poderão permanecer. Há a necessidade de o

direito evoluir, mudar e transformar-se, com o objetivo de atender à eficiência da

arrecadação. Isso depende muito da conjugação de esforços e atos do Poder Executivo,

Legislativo e Judiciário, até mesmo porque a ineficiência dos entes públicos em cobrar e

receber os tributos dos administrados é patente, basta olhar os números da Dívida Ativa

da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

É reconhecido o esforço do jurista Heleno Tôrres, um dos defensores da

acomodação de princípios, em olhar para o sistema jurídico atual e buscar a aplicação

dessa flexibilização da indisponibilidade do tributo (que se torna objeto da relação

jurídica que se forma no crédito tributário) como bem público, afirmando que “o crédito

tributário – previsto em lei – pode ser disponível para a Administração, segundo limites

estabelecidos pela própria lei, atendendo a critérios de interesse coletivo, ao isolar (a lei)

os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário,

bem como de resolução de conflitos, guardados os princípios fundamentais, muito

especialmente aqueles da igualdade, da generalidade e da definição de capacidade

contributiva. Eis o que merece grande acuidade para alcançar respostas adequadas aos

temas de conciliação, transação, arbitragem e outros pactos na relação tributária,

265

tomando como premissa a inexistência, no direito, de um tal princípio universal de

“indisponibilidade do tributo”.342

Contudo, não podemos concordar que o crédito tributário – previsto em lei –

pode ser disponível para a Administração Pública ao analisar regras e princípios

existentes no sistema jurídico atual, pois a indisponibilidade do crédito tributário, que

decorre da relação jurídica formada entre contribuinte e ente político quanto ao seu

objeto (tributo), impõe ao Poder Público o objetivo e o dever de arrecadar e receber o

seu bem tutelado para custear suas expensas.

Entretanto, não é possível fazer ilação de que o crédito tributário está

desconectado do tributo e, portanto, não estaria sob o manto do princípio da

indisponibilidade do interesse público.

O artigo 139 do CTN prescreve que: “O crédito decorre da obrigação

principal e tem a mesma natureza desta”. Portanto, tendo o crédito a mesma natureza do

tributo, sendo este último um bem público, não poderia o agente administrativo dispor

do crédito tributário.

O crédito decorre da obrigação tributária do contribuinte que tem diante do

ente político que exerceu sua competência. Da mesma forma, o crédito tributário

configura o direito do ente público competente de exigir o tributo do devedor. Trata-se

de mão dupla no âmbito relacional.

O artigo 141 do CTN, que trata do crédito tributário, traz em suas

entrelinhas o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos, ao dispor que:

O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou

extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos

previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob

pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação

ou as respectivas garantias.

342

TÔRRES, Heleno Taveira. Novas medidas de recuperação de dívidas tributárias. Revista Consultor

Jurídico, São Paulo, 17 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-17/consultor-

tributario-novas-medidas-recuperacao-dividas-tributarias?pagina=2>. Acesso em: 3 mar. 2016.

266

Como bem leciona Paulo de Barros Carvalho,343

excluir o crédito tributário

é excluir o débito, com existências simultâneas, numa correlação antagônica. Na visão

desse jurista, ao comentar o artigo 141 do CTN, que trata do crédito tributário e sua

modificação, extinção ou suspensão, entende que o funcionário da administração

tributária está impedido de dispensar a efetivação do crédito ou as respectivas garantias,

sob pena de responsabilidade funcional, na forma da lei.

Diante disso, na implicitude dessa mensagem, identifica o princípio da

indisponibilidade dos interesses públicos, um dos fundamentos do direito

administrativo, que obstaculiza a securitização da Dívida Ativa, pois o tributo e o

crédito tributário são bens públicos indisponíveis, princípio que impõe restrições

inclusive à própria lei.

6.3 Impossibilidade da cessão do direito creditório tributário a terceiros

A cessão do direito creditório tributário para terceiros, em razão da

transferência do direito de receber o tributo lastreado em título executivo extrajudicial

(certidão de Dívida Ativa) de maneira definitiva e irrevogável à securitizadora ou FIDC,

constituídos pela iniciativa privada, é passível de discussão.

Por mais que haja a extinção do crédito tributário mediante

antecipação/pagamento, atendendo ao direito do fisco em receber a obrigação tributária,

feita pela securitizadora ou FIDC, assumindo o papel de credores no lugar do Poder

Público, a partir de então, estaremos diante de uma nova relação jurídica, agora de

direito privado, que se forma entre securitizadores de direito privado e o devedor do

crédito tributário (contribuinte).

Contudo, a origem que lastreia o direito e o crédito (recebível) ainda é de

mesma natureza. No caso dos tributos, mantém-se a natureza tributária. Não é possível

apagar ou modificar esse critério inerente à formação do crédito. O crédito não se

343

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 439-

440.

267

transforma em outro, apenas as partes credoras se modificam mediante o instituto da

cessão e sub-rogação de direitos.

Pode-se suscitar que eventual criação legal da parafiscalidade, mediante a

atribuição da atividade de arrecadação do tributo à pessoa de direito privado, no caso

em estudo à securitizadora ou ao FIDC, assumindo estes o papel legal de arrecadador,

poderia atender viabilizar a securitização da Dívida Ativa. Contudo, uma das exigências

para a instituição da parafiscalidade será a utilização do produto da arrecadação em prol

da finalidade pública.

É fato que a parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de

tributo, pois a disponibilidade do recurso ao arrecadador que figurar no polo ativo da

relação jurídica tributária, com o objetivo de aplicação dos recursos recebidos nos

propósitos que motivaram a sua exigência, não modifica a sua natureza tributária, como

bem observa Paulo Ayres Barreto.344

A competência tributária pressupõe a capacidade ativa. Isso quer dizer que à

União, Estados e Municípios outorgou-se a faculdade de expedir leis fiscais, atribuindo-

se também o poder de serem sujeitos ativos de relações jurídicas de cunho tributário.345

Tácio Lacerda Gama assevera que competência tributária é “a aptidão

jurídica, modalizada em obrigatório ou em permitido, para criar normas jurídicas que,

direta ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de

tributos”.346

Todavia, em determinadas situações, é possível verificar que a lei

instituidora do tributo indica sujeito passivo diferente daquele que detém a competência

tributária. Sempre que isso ocorrer, estaremos diante de duas situações distintas: (i)

aquele que recebeu a atribuição de arrecadar o tributo exercerá o disposto no artigo 7.º

do CTN, não ficando com o produto arrecadado, ou seja, transfere os recursos apenas ao

ente político; (ii) aquele que recebeu a atribuição de arrecadar o tributo exercerá as

344

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,

2006. p. 99. 345

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 292. 346

GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.ed. São

Paulo: Noeses, 2011. p. 359.

268

mesmas atribuições do item (i), acrescidas da disponibilidade sobre os valores

arrecadados, para que os aplique no desempenho de suas atividades. Neste último caso

estamos diante da parafiscalidade.347

Regina Helena Costa348

nos ensina que parafiscalidade é conceito que se

relaciona com a capacidade tributária ativa, da aptidão de arrecadar e fiscalizar a

exigência de tributos a outra pessoa, de direito público ou privado – autarquia, fundação

pública, empresa estatal ou pessoa jurídica de direito privado, esta desde que persiga

finalidade pública. Às pessoas delegatárias, em regra, atribui-se, outrossim, o produto

arrecadado.

Não estamos tratando aqui de delegação de competência tributária, que é

vedada.349

A parafiscalidade é a delegação da arrecadação do tributo, por meio da

transferência da capacidade tributária ativa, feita por meio de lei editada pela mesma

pessoa jurídica que tem a competência de instituição do tributo.

Mesmo nessa hipótese, não será passível de aceitar a parafiscalidade na

securitização da Dívida Ativa, pois a pessoa jurídica de direito privado beneficiária

deverá desenvolver atividades de interesse público, e não privado, como ocorre com a

securitização feita por meio de sociedade de propósito específico privada ou FIDC.

Todavia, poder-se-ia cogitar a existência de um cenário diferente se a União,

Estados, Distrito Federal e Municípios criassem por meio de lei própria uma companhia

securitizadora (empresa pública)350

com propósito único e exclusivo de adquirir direitos

creditórios de titularidade daquele ente político, originários de créditos tributários ou

não tributários, objetos de parcelamento administrativos ou judiciais, com a emissão de

347

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 292. 348

COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código de direito tributário

nacional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 48-49. 349

Artigos 7.º e 8.º do Código Tributário Nacional. 350

“Artigo 37 da CF/1988. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa

pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último

caso, definir as áreas de sua atuação.”

269

títulos ou valores mobiliários, de forma a obter recursos no mercado de capitais,

lastreados nos referidos direitos creditórios.

Nesse caso, em que a securitização será realizada por securitizadora sob o

controle público, conforme será visto em item específico a seguir, a Lei de

Responsabilidade Fiscal poderá incidir sobre essas operações.

Não se questiona neste estudo a hipótese de o ente público constituir um

FIDC, visto tratar-se de um condomínio, em que reúne investidores detentores de

direitos creditórios e investidores qualificados.

Todavia, destaca-se que alguns entes públicos vêm se utilizando de FIDC-

NP e companhias securitizadoras para realizar a antecipação de valores da Dívida Ativa,

e essas operações estão sendo questionadas no Tribunal de Contas da União.

Assim, se por um lado o interesse público seria mantido após a securitização

da dívida ativa, não em relação ao ente político, que recebeu os recursos financeiros a

título de antecipação/pagamento realizado pela securitizadora, mas no tocante à

securitizadora de direito privado sob o controle do Poder Público,351

por outro, essa

antecipação de receita pública originada de créditos da Dívida Ativa corre o risco de ser

enquadrada como operação de crédito, submetendo-se à LRF.

A título de exemplo de criação de securitizadora controlada pelo Poder

Público, podemos citar a Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), constituída em

15.10.2009, mediante autorização da Lei Estadual n.º 13.723/2009, sociedade anônima

controlada pelo Estado de São Paulo, que faz aquisição de direitos creditórios de

titularidade exclusiva do referido Estado.

Adotar a parafiscalidade nas operações de securitização da Dívida Ativa por

empresas sob o controle público, que se utilizando de investimentos captados no

351

As empresas referidas pela LRF são aquelas instituídas pelo Estado visando à exploração de atividade

econômica, de natureza civil ou comercial, cujo controle acionário é por ele exercido. Entre as

empresas estatais nessa condição, podem ser destacadas as sociedades de economia mista, as

empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Entendimento de

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores

Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 68-

69.

270

mercado adquirem direitos creditórios de certo ente político, poderia manter o interesse

público na operação no sentido de gerar recursos imediatos ao Estado. Entretanto,

estaremos nos valendo do conceito de interesse público em sua acepção ampla.

Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina que

[...] o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos

(situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá

defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se

chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam

com a realização deles.352

Diante disso, somente seria passível de aplicar a parafiscalidade na

securitização da Dívida Ativa se a cessão do direito creditório fosse para empresa

pública, criada por meio de lei exclusivamente para atender aos interesses do Estado,

visto a necessidade de se perseguir o interesse público na operação. Na iniciativa

privada, a securitização mediante a parafiscalidade deixa de ser autorizada, na medida

em que a entidade privada não perseguirá o interesse público.

Iremos nos deparar a seguir com a Instrução CVM n.º 444/2006, que veio

considerar que a securitização da Dívida Ativa se enquadra como operação de crédito,

sujeita à LRF. Antes de estudarmos essa regra, vejamos a seguir mais um obstáculo a

ser analisado quanto à securitização da Dívida Ativa.

6.4 Impossibilidade da substituição do regime jurídico da execução fiscal pelo

regime de execução do direito privado em razão da natureza jurídica do

crédito tributário

Outro obstáculo que a securitização da Dívida Ativa encontra é a

impossibilidade da substituição do regime jurídico da cobrança do débito pelas regras

de execução do direito privado, atualmente regidas pelo Novo Código de Processo Civil

(artigos 824 e seguintes).

352

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 1992. p. 66.

271

Isso porque, perante o título executivo extrajudicial, mesmo em face da

cessão do direito creditório na securitização, ocorre a preservação da natureza do

crédito. Os termos e condições previstos em lei quanto à atualização monetária e juros

incidentes sobre o valor principal e multa, que compõem o recebível, deverão ser

integralmente transferidos à securitizadora. Esse é um dos requisitos da cessão do

direito creditório na securitização, preservar a origem do crédito, os critérios de

correção monetária e condições de pagamento.

Destaca-se que, se a Fazenda Pública preservar a relação jurídica de credora

perante o contribuinte, ou seja, não realizar a efetiva transmissão da propriedade do

direito creditório à securitizadora, estaremos diante de uma operação financeira de

empréstimo (crédito) feita pela securitizadora ao ente público e, caso a financiadora

dessa operação seja um banco, estaremos em face de um financiamento (crédito)

bancário dessas operações, haja vista que os créditos permanecerão como garantias do

pagamento da dívida perante o financiador.

A Lei n.º 6.830/1980, que dispõe sobre a execução judicial para cobrança da

Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e suas

respectivas autarquias, não prevê a legitimidade processual às empresas privadas ou sob

o controle do Poder Público na cobrança de valores inscritos em Dívida Ativa.

O artigo 132 da Constituição Federal prevê que a representação judicial das

unidades federadas é atribuição dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal,

organizados em carreira. Esse dispositivo sinaliza a importância da advocacia pública

em relação aos entes públicos, preservando-se nas mãos dos procuradores a

representativa em juízo do ente político.

Isso significa que, se as entidades privadas adentrarem no processo de

Execução Fiscal para cobrar a Dívida Ativa, após a securitização, teremos uma situação

processual incompatível com a Lei n.º 6.830/1980. Isso porque, a referida lei não

outorga legitimidade à entidade privada na cobrança de débitos de natureza pública.

Ademais, o artigo 5.º da Lei de Execução Fiscal dispõe o seguinte: “A

competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública

exclui a de qualquer outro Juízo”. Isso quer dizer que, uma vez o crédito inscrito e

272

representado em certidão de Dívida Ativa, e mantendo-se a sua natureza jurídica com a

securitização, não há outra forma de continuar cobrando o direito creditório senão pela

Lei n.º 6.830/1980.

De um lado, temos a falta de legitimidade das securitizadoras em participar

do polo ativo na cobrança da Dívida Ativa, de outro, temos a fixação da competência ao

Juízo de Execuções Fiscais que segue os dispositivos trazidos na Lei n.º 6.830/1980.

E mais, não podemos afirmar que o interesse público permanece nos autos

da Execução Fiscal após a securitização da Dívida Ativa, salvo se a securitizadora for

empresa controlada pelo Poder Público e atue exclusivamente em prol do interesse

público, mas esta, como visto, não terá legitimidade para continuar nos autos da

Execução Fiscal cobrando o crédito tributário em caso de inadimplemento do devedor.

Nesses termos, a securitização da dívida ativa é incompatível com a forma

de cobrança do direito creditório tributário prevista na Lei n.º 6.830/1980, não podendo

ocorrer a substituição do regime jurídico da execução fiscal pelo regime de execução do

direito privado em razão da natureza jurídica do direito creditório no atual ordenamento

jurídico.

6.5 A Instrução CVM n.º 444/2006 e a Lei de Responsabilidade Fiscal: operação

de crédito na securitização da dívida ativa

O próximo passo será estudar as regras editadas pela Comissão de Valores

Mobiliários, que exerce imprescindível papel na regulamentação da atividade de

securitização, com foco na Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios, fazendo-se um comparativo com pareceres proferidos pela

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto à aplicação da Lei de Responsabilidade

Fiscal nessas operações.

É importante ressaltar, preliminarmente, que os atos exercidos pelos entes

políticos, a despeito de serem exercidos de forma autônoma, repercutem na situação

jurídica e econômica do País, refletindo no setor público e privado.

273

Eventuais danos ou descontrole fiscal desses entes públicos podem causar

graves problemas econômicos e sociais, sendo criadas regras exatamente para prevenir

ao menor sinal o mau comportamento.

O que se evita com tamanhos controles legais são os atos capazes de

comprometer a saúde fiscal do setor público, com o excesso de endividamento.

Diante desse quadro, podemos afirmar que há um interesse nacional pela

estabilidade fiscal de todos os entes federados, o qual exige uma situação preventiva e

coordenada pelo Poder Executivo e Legislativo, com a efetiva aplicação da Lei de

Responsabilidade Fiscal (LRF).

Uma questão que deve ficar clara neste estudo é que tanto a Constituição

Federal quanto a própria LRF atribuem os poderes de fiscalização orçamentária e

financeira dos entes federados ao Poder Legislativo respectivo, com o auxílio dos

Tribunais de Contas, e aos órgãos de controle interno de cada Poder e do Ministério

Público.

Portanto, não obstante o Ministério da Fazenda possuir importante papel na

LRF, em nenhum momento foi atribuída competência fiscalizatória, seja prévia, seja a

posteriori, a esse órgão da União Federal. Esse inclusive é o entendimento da

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

E mais, a Lei de Responsabilidade Fiscal traz em sua essência a

subordinação do administrador público aos princípios da estrita legalidade, da

impessoalidade, da moralidade administrativa, da eficiência, entre outros, estabelecidos

no artigo 37 da CF/1988.

Diante dessa breve introdução, destaca-se que a CVM editou em

08.12.2006, a Instrução n.º 444, autorizando a securitização de créditos pertencentes aos

entes públicos, suas autarquias e fundações, por meio da estruturação de Fundos de

Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP), estudado no

capítulo 5 deste trabalho.

274

Considerada uma inovação, o artigo 1.º, II,353

da referida Instrução CVM, a

securitização de Dívida Ativa foi classificada como operação de crédito, nos termos do

artigo 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, e exige em seu artigo 7.º, §§ 9.º e

10,354

que a constituição do fundo seja previamente autorizada pelo Ministério da

Fazenda, com o respectivo registro na CVM.

Em contrapartida a esse entendimento, a Procuradoria da Fazenda Nacional

vem editando pareceres355

para tratar do assunto.

Como destaque, o Parecer PGFN/CAF n.º 1.579/2014, que traz importante

entendimento sobre a cessão definitiva do direito creditório à securitizadora. A opinião

da Procuradoria é que nos casos em que não há exigência de garantia do pagamento do

crédito pelo Poder Público em caso de inadimplência do devedor, e não havendo a

exigência da substituição do crédito por outro, será descaracterizada a chamada

operação de crédito, não sendo aplicadas inclusive as imposições trazidas pela Lei de

Responsabilidade Fiscal. Vejamos:

9. Primeiramente, como é de conhecimento da STN, esta PGFN

consolidou há muito o entendimento de que a cessão de direitos

creditórios inscritos em dívida ativa tributária ou não tributária,

353

“Art. 1.º A presente Instrução dispõe sobre a constituição e o funcionamento dos Fundos de

Investimento em Direitos Creditórios Não padronizados – FIDC-NP.

[...]

II – decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações; [...]” 354

“Art. 7.º O funcionamento dos fundos de que trata esta Instrução, abertos ou fechados, dependerá

de prévio registro na CVM.

[...]

§ 9.º Nos fundos que realizarem aplicações nos direitos creditórios referidos no inciso II do § 1.º

do art. 1.º desta Instrução, ou em direitos creditórios cedidos ou originados por empresas

controladas pelo poder público, deverá ser apresentada manifestação acerca da existência de

compromisso financeiro que se caracterize como operação de crédito, para efeito do disposto na

Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, devendo, em caso positivo, ser anexada

competente autorização do Ministério da Fazenda, nos termos do art. 32 da referida Lei

Complementar.

§ 10. O prazo de que trata o § 7.º ficará estendido para 30 (trinta) dias quando se tratar de fundo

cujos recebíveis se enquadrem no inciso II do § 1.º do art. 1.º desta Instrução, e a CVM tenha

solicitado a manifestação prévia do Banco Central do Brasil ou da Secretaria do Tesouro Nacional

sobre as condições de constituição do fundo” (destacamos). 355

Ver sobre o tema os pareceres: PGFN/CAF/n.º 026/2003, PGFN/CAF/n.º 200/2003,

PGFN/CAT/CAF/n.º 1152/2003, PGFN/CAF/n.º 796/2005, PGFN/CAF/n.º 2063/2005,

PGFN/CAF/n.º 2900/2007, PGFN/CAF/n.º 524/2008, PGFN/CAF//n.º 2174/2010, PGFN/CAF/n.º

1612/2012, PGFN/CAF/n.º 1914/2012.

275

quando puder ser caracterizada como cessão definitiva, isto é, que não

envolva obrigação de pagar, mas, tão somente, de fazer, não se

enquadra no conceito de operação de crédito da Lei de

Responsabilidade Fiscal.

10. Um complicador, em relação a esse entendimento básico, é o

caso da chamada cessão do fluxo financeiro decorrente de créditos

inscritos em dívida ativa. Isto porque, nesse caso, a titularidade do

crédito não é propriamente transferida pelo cedente ao cessionário,

permanecendo, pois, no ativo do primeiro; mas tão somente o fluxo

financeiro decorrente dos pagamentos efetuados pelos devedores ao

credor. Não obstante, o entendimento desta PGFN é que, desde que

inexistente no caso concreto, por parte do cedente, obrigação de

garantir eventual crédito inadimplido pelo devedor – seja em dinheiro,

seja substituindo-o por outro crédito –, não há que se falar em

operação de crédito; já que inexistiria obrigação de pagar por parte do

cedente, mas apenas obrigação de fazer, no caso, repassar ao

cessionário o numerário entregue ao credor pelo devedor inscrito em

dívida ativa. Tal entendimento, segundo os posicionamentos

consolidados desta PGFN, permanece verdadeiro, mesmo no caso de o

cedente se obrigar a cobrar judicialmente o crédito não adimplido,

tendo em vista que, tal obrigação não se caracteriza enquanto

obrigação de pagar, mas de fazer.

[...]

18 . Pelo exposto, respondemos às questões postas na consulta da

STN, no sentido de que:

a) As operações de cessão definitiva de direitos creditórios ou do

fluxo financeiro decorrente de tais direitos, quando não implicar,

direta ou indiretamente, qualquer compromisso de garantir o

recebimento do valor do crédito cedido, em caso de inadimplemento

por parte do devedor, não constitui operação de crédito, no sentido da

LRF;

b) A submissão de qualquer operação de ente subnacional ao processo

de verificação, pelo Ministério da Fazenda, de limites e condições,

previsto no art. 32 da LRF e em dispositivos correlatos da RSF n.º 43,

de 2001, depende da caracterização da referida operação como

operação de crédito, motivo pelo qual as operações de cessão

definitiva de direitos creditórios ou do fluxo financeiro decorrente de

tais direitos, desde que nas condições descritas no item “a” acima, não

se submetem ao referido processo de verificação;

c) A posição da PGFN sobre as operações de cessão definitiva de

direitos creditórios ou do fluxo financeiro decorrente de tais direitos

tem sido a mesma, em essência, no sentido definido nos itens “a” e

“b” acima, a qual, salvo modificação de entendimento ou enquanto

não houver posicionamento vinculante distinto por parte da cúpula da

Advocacia-Geral da União ou do Tribunal de Contas da União, deverá

servir de orientação básica para a análise por parte da STN das

referidas operações.

Já o Parecer PGFN/CAF n.º 2.035/2014, que reanalisou o mesmo caso

disposto no Parecer PGFN/CAF n.º 1.579/2014, confirmou o entendimento anterior de

276

que em razão de cláusula contratual firmada entre o FIDC-NP e o Município, que obriga

o ente público a honrar com o pagamento do crédito cedido em caso de inadimplência

dos devedores de débitos da Dívida Ativa, será considerada operação de crédito:

12. Feitos os esclarecimentos acima, devem ter ficado bastante claros

os motivos pelos quais entendemos não ser da competência desta

PGFN se manifestar em concreto acerca da referida cláusula 11.7.1 do

regulamento do FIDC – NP – Dívida Ativa do Município de Nova

Iguaçu, o qual se encontra em análise na CVM. Não obstante, em face

da informação constante do Ofício da Semag de que a referida

cláusula “impõe ao município de Nova Iguaçu uma obrigação residual

de pagar em caso de frustração da receita esperada como resultado da

cobrança de dívidas transferidas ao Fundo”, não temos dúvida em

reafirmar nossa posição há muito consolidada de que sempre que, em

uma operação de cessão definitiva de créditos por parte de um ente

federado, existir um compromisso de pagar – e não apenas de fazer,

conforme bem ressaltado na Decisão do Ministro Relator, em

concordância com o posicionamento desta PGFN –, em tese está

caracterizada a existência de operação de crédito para os fins da Lei de

Responsabilidade Fiscal.

Nesse aspecto corroboramos o entendimento da Procuradoria-Geral da

Fazenda Nacional. Não há como confundir securitização com operação de crédito, pois

estamos diante de uma alienação de direitos creditórios (ativos).

Esse posicionamento traz uma questão importante em relação ao processo

de securitização de recebíveis, no caso em questão de Dívida Ativa, a garantia ao

pagamento do débito não adimplido pelo devedor, usualmente utilizada por FIDC ou

securitizadoras por meio de cláusulas de recompra ou garantia.

Portanto, para a Procuradoria da Fazenda Nacional, a securitização de

Dívida Ativa que envolver a cessão definitiva do recebível sem garantias, sem pactos de

recompra e sem a substituição dos créditos por outros pelo cedente, não deverá ser

tratada como operação de crédito, o que não se submeteria à LRF.

Não obstante, como visto, a Instrução CVM n.º 444/2006 traz em seu artigo

7.º, § 9.º, a afirmação de que a securitização da Dívida Ativa deve ser tratada como uma

operação de crédito, utilizando-se para esse procedimento o FIDC-NP.

277

O disposto no artigo 29, III, da LRF definiu a operação de crédito como

[...] compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de

crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens,

recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de

bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações

assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros

(destacamos).

No texto supra estão apontados os critérios e perfis das dívidas

(compromissos financeiros) assumidas pelo Poder Público, incluindo como operação de

crédito o recebimento antecipado de valores provenientes da venda de bens.

O conteúdo da expressão “compromissos financeiros” é muito amplo,

podendo ser incluída nele qualquer operação que gere algum compromisso que implique

endividamento do Poder Público ou mesmo a cessão de recebíveis da Dívida Ativa.

Com uma tipologia aberta, a interpretação do texto caberá ao aplicador do direito, não

se restringindo, como observado neste estudo, à mera leitura do texto legal.

Não obstante, a condição da venda a termo é incompatível com a

securitização, pois o ente público ou cedente não aguardará o vencimento da dívida; a

dívida já venceu e não foi paga pelo devedor, por isso foi inscrita em Dívida Ativa. Na

securitização a cessão do direito creditório é feita de forma imediata, e não ficará

condicionada a algum evento futuro.

Todavia, a despeito da acepção ampla dada pelo legislador quanto à

operação de crédito, ela não guarda coerência e relação com a venda de ativo ou

alienação de direito creditório, pois não haverá endividamento do Poder Público em

razão de direitos creditórios inscritos em Dívida Ativa. Existirá a monetização desses

recebíveis, transferindo a obrigação correspondente à cobrança e recebimento ao

securitizador.

Portanto, não concordamos com o disposto na Instrução CVM n.º 444/2006,

quando equipara a securitização da Dívida Ativa utilizando-se do FIDC às operações de

crédito sujeitas à LRF.

278

Apesar de não concordarmos, o fato é que a imposição dada pela CVM traz

consequências à operação de securitização da Dívida Ativa, condicionada inclusive ao

funcionamento do FIDC-NP, considerando-se a exigência da autorização até do

Ministro da Fazenda. Diante disso, resta inevitável sob o ponto de vista operacional a

incidência dos artigos 32356

e 38357

da Lei Complementar n.º 101/2000, que impõem

exigências e restrições a seguir elencadas:

356

“Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à

realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles

controladas, direta ou indiretamente.

§ 1.º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e

jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o

atendimento das seguintes condições:

I – existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em

créditos adicionais ou lei específica;

II – inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação, exceto

no caso de operações por antecipação de receita;

III – observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;

IV – autorização específica do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédito externo;

V – atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição;

VI – observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.

§ 2.º As operações relativas à dívida mobiliária federal autorizadas, no texto da lei orçamentária ou de

créditos adicionais, serão objeto de processo simplificado que atenda às suas especificidades.

§ 3.º Para fins do disposto no inciso V do § 1.º, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total

dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas,

observado o seguinte:

I – não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou

financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de

competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;

II – se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição

financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de

capital;

III – (Vetado.);

§ 4.º Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o

Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas

interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:

I – encargos e condições de contratação;

II – saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e

concessão de garantias.

§ 5.º Os contratos de operação de crédito externo não conterão cláusula que importe na compensação

automática de débitos e créditos.” 357

“Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa

durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:

I – realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;

II – deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada

ano;

279

(i) a necessidade de prévia e expressa autorização para a contratação, no

texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;

(ii) a inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos

provenientes da operação, exceto no caso de operações por antecipação de receita;

(iii) a observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;

(iv) o atendimento ao disposto no inciso III do artigo 167 da CF/1988;358

(v) a obediência ao prazo de liquidação (10 de dezembro de cada ano);

(vi) a impossibilidade de nova contratação enquanto existir operação

anterior da mesma natureza não integralmente resgatada; e

(vii) a impossibilidade da contratação no último ano de mandato dos chefes

do Poder Executivo.

Ainda que a securitização seja realizada por empresa sob o controle público,

efetuando a aquisição do direito creditório tributário sem proceder a qualquer redução

do valor do tributo, o que preservaria o princípio da indisponibilidade do interesse

público, remunerando-se a securitizadora em razão de descontos sobre valores de multas

e juros, necessariamente previstos em lei, e preservando os valores proporcionais

III – não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação,

obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;

IV – estará proibida:

a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;

b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.

§ 1.º As operações de que trata este artigo não serão computadas para efeito do que dispõe o inciso III

do art. 167 da Constituição, desde que liquidadas no prazo definido no inciso II do caput.

§ 2.º As operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão

efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo

competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.

§ 3.º O Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito

aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora.” 358

“Art. 167. São vedados:

[...]

III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital,

ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa,

aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.”

280

pertencentes aos outros entes políticos,359

ou seja, a securitização não envolveria receita

de tributos pertencentes a outro ente político, e diante do disposto na regra editada pela

CVM essa operação estará sob a incidência e condições da Lei de Responsabilidade

Fiscal.

A conclusão a que se chega em relação à inovação trazida pela Instrução n.º

444/2006 é que, a despeito de a Comissão de Valores Mobiliários permitir a

securitização de créditos pertencentes aos entes públicos, suas autarquias e fundações,

por meio da estruturação de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não

Padronizados (FIDC-NP), a operação será considerada de crédito, submetendo à

autorização prévia do Ministério da Fazenda e aos artigos 32 e 38 da Lei de

Responsabilidade Fiscal, obrigatoriamente.

Trata-se de regra regulamentadora que impõe condições às securitizadoras e

aos fundos, portanto são vinculativas sob no sentido de atingir a autorização e o

funcionamento dos cessionários dos direitos creditórios.

Não obstante a referida imposição, a instrução da CVM não vincula os entes

políticos, mas impede o funcionamento do FIDC que vierem a ser criados pela iniciativa

privada ou pela Administração Pública.

O descumprimento da referida regra poderá ocasionar a imposição de

sanções aos securitizadores, sejam sob o controle público ou privado.

Como bem lembra José Maurício Conti,360

há duas sanções para o

descumprimento das regras estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal: as

institucionais e as pessoais, estas últimas arroladas na Lei n.º 10.028/2000.

As sanções impostas às instituições financeiras privadas importam em

nulidade do contrato celebrado, com o consequente cancelamento do negócio, além da

devolução dos recursos emprestados, nos termos do artigo 33 da LRF.

359

Vide artigos 157, 158 e 159 da Constituição Federal. 360

CONTI, José Mauricio. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores Ives Gandra

da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 288.

281

No tocante aos entes da Federação, a obrigação da devolução do valor

recebido sem qualquer acréscimo a títulos de juros e demais encargos financeiros é a

principal sanção. O ente público deverá fazer a devolução no mesmo exercício

financeiro em que houver o recebimento do dinheiro, e, em caso de impossibilidade da

devolução, será constituída reserva específica na lei orçamentária para tanto no

exercício seguinte.

Por fim, além da nulidade do contrato, já mencionado, há penalidades,

dispostas no artigo 23, § 3.º, da LRF, que são extremamente rígidas aos entes públicos:

(i) a proibição do ente federado de receber transferências voluntárias (cooperação,

auxílio ou assistência financeira); (ii) a proibição do infrator de obter garantia, direta ou

indireta, de outro ente; e (iii) a vedação à contratação de operações de crédito, salvo nas

hipóteses de refinanciamento da dívida mobiliária e a redução das despesas com o

pessoal.

Assim, o descumprimento das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal nas

operações de crédito (securitização da Dívida Ativa) realizadas pelos entes públicos

com as securitizadoras e os FIDC-NP causará sanções a ambas as partes, que chegam a

inviabilizar a vida financeira daquele que não atender aos limites e condições dessa

regra.

Vejamos a seguir regras que permitem a securitização da Dívida Ativa,

editadas pelo Senado Federal e suas peculiaridades.

6.6 As Resoluções n.º 43/2001, n.º 33/2006, n.º 11/2015 e n.º 17/2015 do Senado

Federal e a securitização da dívida ativa

O artigo 52 da Constituição Federal prevê a competência privativa do

Senado Federal para “VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações

de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público

federal”.

282

Note-se que a competência do Senado Federal está restrita a editar

resoluções para tratar dos limites e condições das operações de crédito externo e interno

dos entes políticos, desde que se respeitem a autonomia de cada membro do Estado

Democrático de Direito. Por isso, cabe-lhe fixar limites globais, não específicos, como

condições gerais para a formação de créditos.

Destaca-se que o artigo 32, § 1.º, III, da LRF confirma a competência

constitucional de que cabe ao Senado Federal a fixação de limites e condições relativos

às realizações de operações de crédito de cada ente da Federação, incluindo as empresas

por eles controladas, direta ou indiretamente.

Isso quer dizer que não são apenas as leis complementares que tratam de

normas gerais de Direito Financeiro ou Tributário, as resoluções do Senado Federal

também têm essa atribuição constitucional, qual seja fixar os limites da dívida

consolidada dos entes federados, ao estabelecer os limites globais e as condições das

operações de crédito interno e externo, assim como do montante da dívida mobiliária

dos entes políticos. Portanto, as Resoluções do Senado ditam os critérios de validade

das ordens jurídicas parciais.361

Diante disso, sobre a questão da securitização da Dívida Ativa, o Senado

Federal editou a Resolução n.º 43/2001, que dispôs originalmente que:

Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os

compromissos assumidos com credores situados no País ou no

exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de

título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de

valores provenientes da venda a termo de bens e serviços,

arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive

com o uso de derivativos financeiros.362

Outro destaque a ser feito na referida Resolução é o artigo 5.º, I,363

que veda

aos entes públicos receber antecipadamente valores (acepção ampla) de empresa em que

361

DERZI, Misabel Abreu Machado. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores Ives

Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 322-323. 362

Artigo 3.º da Resolução n.º 43/2001 do Senado Federal. 363

“Art. 5.º É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

283

o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito

a voto, salvo lucros e dividendos.

Observa-se que, em relação à definição de operação de crédito e à

antecipação de recursos de empresa sob o controle do Poder Público, a Resolução n.º

43/2001 repete o disposto no artigo 29, III, da LRF e proíbe qualquer adiantamento feito

por empresa sob o controle do Poder Público.

Em 13.07.2006, o Senado Federal editou a Resolução n.º 33, muito criticada

por alguns juristas e entidades representativas de Procuradores das Fazendas, dispondo

da permissibilidade de ceder às instituições financeiras a cobrança da Dívida Ativa dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Vejamos:

Art. 1.º Podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ceder a

instituições financeiras a sua dívida ativa consolidada, para cobrança

por endosso-mandato, mediante a antecipação de receita de até o valor

de face dos créditos, desde que respeitados os limites e condições

estabelecidos pela Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, e

pelas Resoluções n.ºs 40 e 43, de 2001, do Senado Federal.

Art. 2.º A instituição financeira endossatária poderá parcelar os

débitos tributários nas mesmas condições em que o Estado, Distrito

Federal ou Município endossante poderia fazê-lo.

Art. 3.º A instituição financeira endossatária prestará contas

mensalmente dos valores cobrados.

Art. 4.º Uma vez amortizada a antecipação referida no art. 1.º, a

instituição financeira repassará mensalmente ao Estado, Distrito

Federal ou Município o saldo da cobrança efetivada, descontados os

custos operacionais fixados no contrato.

Art. 5.º O endosso-mandato é irrevogável enquanto não amortizada a

antecipação referida no art. 1.º.

Note-se que o ato de ceder poderes à instituição financeira para a cobrança

do débito se dá por meio do endosso-mandato. O endosso é um ato praticado pelo

legítimo portador de um título de crédito quando deseja transferi-lo a outrem, cedendo

todos ou alguns direitos que possui o endossante (quem endossa) ao endossatário (quem

recebe o título endossado).

I – recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou

indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da

legislação; [...]”

284

Há duas espécies de endosso:

(i) endosso translativo: nessa espécie de endosso, o credor de um título

transfere todos os seus direitos creditícios para o endossatário.

Assim, o endossatário passa a ser o credor do título, podendo

receber o valor do crédito, dar quitação do pagamento e, se o título

for protestado, o endossatário pode declarar sua anuência para o

cancelamento do protesto;

(ii) endosso-mandato: nessa espécie de endosso, o credor de um título

mantém a sua condição originária, realizando o endosso apenas

para que o endossatário possa representá-lo (cláusula mandato ou

procuração). Assim, o endossatário atua no interesse do endossante,

podendo receber o valor do crédito, mas, se o título for protestado,

por exemplo, a declaração de anuência para o cancelamento do

protesto tem que ser feita pelo endossante.

Pontua-se que o endosso-mandato de créditos da Dívida Ativa em nada se

relaciona com a securitização da Dívida Ativa, pois esta última implica cessão ou

transmissão do direito creditório a terceiros, e não há outorga de procuração ou poderes

a outrem para receber a dívida ou praticar atos em nome do Poder Público.

Não obstante a referida alteração dar legalidade à securitização da Dívida

Ativa, essa matéria é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3786),

interposta pela Associação Nacional dos Procuradores de Estado, que aguarda

julgamento no Supremo Tribunal Federal, não sendo apreciada ainda medida cautelar

que pleiteia a suspensão da eficácia técnica364

da Resolução n.º 33/2006, a despeito de

ela já ter sido alterada pelas Resoluções n.º 11/2015 e n.º 17/2015.

364

Robson Maia Lins nos ensina que em eventual concessão de medida liminar em pedido cautelar

haveria a suspensão da eficácia técnico-sintática da regra-matriz de incidência, ou seja, impediria o

agente competente de realizar a incidência da RMIT. A previsão do pedido de inconstitucionalidade

quanto ao deferimento cautelar encontra guarida na Lei n.º 9.868/1999 (LINS, Robson Maia. Controle

de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quatier Latin, 2005.

p. 162-163).

285

A autora da ação direta de inconstitucionalidade aponta que a Resolução n.º

33/2006 viola os artigos 52, V a IX, 61, § 1.º, II, “e”, 132 e 146, III, “b”, todos da

Constituição Federal.

Quanto à violação ao artigo 52, o argumento de inconstitucionalidade se

baseia na ausência de competência do Senado Federal para tratar de questões

relacionadas às operações financeiras dos entes da Federação.

Em relação ao artigo 61, afirma que a resolução contraria a competência

exclusiva do Presidente da República quanto à proposição de leis que disponham sobre

os órgãos da Administração Pública.

Sustenta ainda que há violação ao artigo 132 da Constituição Federal no que

concerne à competência dos procuradores dos Estados e do Distrito Federal em exercer

a representação judicial e a consultoria das respectivas unidades federadas.

Por fim, alegaram contradição ao artigo 146 da Constituição Federal, pois a

resolução veio normatizar matéria de natureza tributária, o que já teria uma estrutura

regulamentada pelo artigo 146 da CF/1988.

Não temos o objetivo neste estudo de nos aprofundar nas

inconstitucionalidades da Resolução n.º 33/2006, visto que não configura securitização

o disposto na referida regra, tratando-se de endosso-mandato, que não implica cessão do

direito creditório de forma definitiva à securitizadora ou ao FIDC.

Ademais, em 31.08.2015, o Senado Federal editou a Resolução n.º 11,

incluindo na Resolução n.º 43/2001 a possibilidade de ceder o fluxo de recebimento a

período correspondente ao mandato do chefe do Poder Executivo, e fora do período do

mandato, quando o objetivo do recebível for para a capitalização de Fundos de

Previdência ou para a amortização extraordinária de dívidas com a União. Essa é a

interpretação que se faz ao depararmos com os seguintes enunciados:

Art. 5.º É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VII – em relação aos créditos inscritos em dívida ativa:

a) ceder o fluxo de recebimentos relativos a período posterior ao do

mandato do chefe do Poder Executivo, exceto para capitalização de

286

Fundos de Previdência ou para amortização extraordinária de dívidas

com a União;

b) dar em garantia ou captar recursos a título de adiantamento ou

antecipação do fluxo de recebimentos cujas obrigações contratuais

respectivas ultrapassem o mandato do chefe do Poder Executivo;

c) cedê-los em caráter não definitivo ou quando implicar, direta ou

indiretamente, qualquer compromisso de garantir o recebimento do

valor do crédito cedido, em caso de inadimplemento por parte do

devedor.

§ 2.º Qualquer receita proveniente da antecipação de receitas de

royalties ou da antecipação do fluxo de recebimentos dos créditos

inscritos em dívida ativa será destinada exclusivamente para

capitalização de Fundos de Previdência ou para amortização

extraordinária de dívidas com a União. [...]

No § 2.º do referido dispositivo, observa-se a permissão da securitização da

Dívida Ativa como meio de captação de recursos por meio da cessão de direitos

creditórios para monetização dos recebíveis, não se fazendo qualquer menção à rigidez

e ao controle da Lei de Responsabilidade.

Essa omissão, a nosso ver, é indício de que o Senado Federal logo em

seguida buscaria excluir os entes políticos quanto às operações de securitização da

Dívida Ativa em relação à LRF, até mesmo porque a Procuradoria-Geral da Fazenda

Nacional já havia sinalizado de forma positiva à referida operação sem o controle da Lei

Complementar n.º 101/2000.

Diante disso, podemos afirmar que a alínea “c” do inciso VII do artigo 5.º

da Resolução n.º 11/2015 consolida o permissivo da securitização da Dívida Ativa,

mediante a transmissão definitiva do direito creditório e a ausência de garantia quanto

ao pagamento do débito, inexistência de cláusula de recompra e não obrigação de troca

de títulos pelo ente público.

Entretanto, a edição da Resolução n.º 11/2015 vem causar preocupação

quanto ao uso abusivo das antecipações dos créditos da Dívida Ativa, ainda que os

fluxos de recebimentos dos créditos sejam limitados ao período do mandato do chefe do

Poder Executivo.

Ato contínuo, a Resolução n.º 43/2001 do Senado Federal sofreu novamente

alterações em seu texto, em razão da edição da Resolução n.º 17/2015, incluindo

287

expressamente que apenas a cessão do fluxo de recebimento relativo aos direitos

creditórios da Dívida Ativa com assunção, ou seja, sem a efetiva transmissão do ativo à

securitizadora ou FIDC, estará sujeita à LRF, podendo ser extraído do texto a seguir

que, na hipótese de ocorrer a efetiva transferência do direito creditório de forma

definitiva, não haverá a submissão da operação à LRF. Vejamos:

VII – em relação aos créditos inscritos em dívida ativa:

a) ceder o fluxo de recebimentos relativos aos direitos creditórios da

dívida ativa de forma não definitiva ou com cláusula revogatória;

b) ceder o fluxo de recebimentos relativos aos direitos creditórios da

dívida ativa com assunção, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo

Município, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo

pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de

compromisso financeiro que possa, nos termos da Lei Complementar

n.º 101, de 4 de maio de 2000, caracterizar operação de crédito.

§ 1.º Constatando-se infração ao disposto no caput, e enquanto não

promovido o cancelamento ou amortização total do débito, as dívidas

serão consideradas vencidas para efeito do cômputo dos limites dos

arts. 6.º e 7.º e a entidade mutuária ficará impedida de realizar

operação sujeita a esta Resolução.

§ 2.º Qualquer receita proveniente da antecipação de receitas de

royalties será exclusiva para capitalização de Fundos de Previdência

ou para amortização extraordinária de dívidas com a União.

§ 3.º Nas operações a que se refere o inciso VI, serão observadas as

normas e competências da Previdência Social relativas à formação de

Fundos de Previdência Social.

Assim, quanto à Resolução n.º 17/2015, que alterou o artigo 5.º da

Resolução n.º 43/2001, conclui-se que:

(i) a regra veda a cessão do fluxo de recebimentos relativos aos direitos

creditórios da Dívida Ativa de forma não definitiva ou com cláusula que permita

eventual revogação da operação;

(ii) a regra veda a manutenção, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo

Município, perante a securitizadora ou FIDC, de responsabilidade pelo efetivo

pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso

financeiro que possa, nos termos do artigo 29, III, da LRF, caracterizar operação de

crédito.

288

Diante disso, o Senado Federal busca harmonizar suas resoluções com o

disposto na Lei Complementar n.º 101/2000, trazendo para suas regras o entendimento

consolidado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Ainda que estejamos diante de permissivo da securitização da Dívida Ativa,

não podemos esquecer da existência de obstáculos analisados no início deste capítulo,

como:

(i) a indisponibilidade do interesse (bem) público, que apenas seria atendida

sob uma acepção lato sensu do seu conceito no caso de a cessão do direito creditório vir

a ser realizada por securitizadora ou FIDC-NP sob o controle do Poder Público,

devendo se limitar eventual deságio aos valores de multa e juros, respeitando-se ainda a

parcela da receita pública de outro ente da Federação;

(ii) impossibilidade da “antecipação de valores” (acepção ampla da

expressão) aos entes políticos pelas empresas públicas que estiverem direta ou

indiretamente sob o seu controle;

(iii) ilegitimidade de a securitizadora ou de o FIDC-NP vir ao juízo de

Execução Fiscal cobrar o crédito da Dívida Ativa por falta de legitimidade prevista em

lei, considerando a manutenção da natureza jurídica do direito creditório;

(iv) impossibilidade da substituição do regime jurídico de cobrança do

débito pelas regras de execução do direito privado, diante do disposto no artigo 5.º da

Lei n.º 6.830/1980; e

(v) falta de interesse público na operação após a securitização, com a

liquidação do crédito inscrito em Dívida Ativa com a antecipação dos recebíveis, salvo

na hipótese de a securitização vir a ser realizada por empresa pública, que deverá

perseguir apenas o interesse público.

Para finalizar o presente estudo, analisamos brevemente decisões proferidas

pelo Tribunal de Contas da União, que, de forma cautelar, em relação à securitização da

Dívida Ativa, determinou a suspensão dos fundos constituídos até o julgamento do

mérito da matéria.

289

O questionamento feito pela Secretaria de Macroavaliação Governamental

(Semag) do próprio Tribunal, aditada pelo Ministério Publico, nos autos do TC n.º

016.585/2009-0, apensado ao TC n.º 024.270/2015-6 e TC n.º 043.416/2012-8, se dá

quanto à natureza jurídica das operações realizadas por alguns entes da federação

(Municípios de Belo Horizonte, Nova Iguaçu e Distrito Federal) para captar recursos

financeiros no mercado, mediante a cessão de direitos creditórios lastreados na receita

futura de títulos das respectivas Dívidas Ativas decorrentes de créditos tributários

vencidos e não pagos, realizadas por meio de Fundos de Investimento em Direitos

Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP).

Podemos apontar que os questionamentos formulados ao TCU envolveram

três situações fáticas distintas:

(i) Município autoriza efetuar cessão, a título oneroso, de crédito tributário,

parcelado ou não, inscrito ou não em Dívida Ativa, mediante prévia avaliação e

procedimento de alienação legalmente previsto, inclusive leilão em bolsa de valores;

(ii) Município cede e transfere todos os direitos decorrentes dos créditos

tributários de sua competência, inscritos em Dívida Ativa, inclusive seus acessórios,

parcelados ou não, ao FIDC, que adquire de acordo com os termos, condições e

limitações previstos em contrato;

(iii) Município cede direitos creditórios decorrentes do fluxo de caixa do

adimplemento dos parcelamentos de dívidas inscritas ou não em Dívida Ativa,

confessadas pelos contribuintes.

Ao longo da instrução processual, o TCU passou a analisar também as

operações envolvendo o FIDC-NP Nova Iguaçu, o Fundo Especial da Dívida Ativa do

Distrito Federal (Fedat)365

e o FIDC Saneamento Ambiental e Infraestrutura São Paulo,

atual Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura (FMSAI) e a cessão

de direitos creditórios autônomos originados de créditos tributários ou não, parcelados,

do Estado de Goiás.366

365

Lei Distrital n.º 5.424/2014. 366

Lei Estadual n.º 18.873/2015.

290

Portanto, o objeto da lide analisada pelo TCU é a implementação dos fundos

sob análise não submetida à prévia autorização do Ministério da Fazenda, em desacordo

com o exigido pelo artigo 32, caput, da Lei Complementar n.º 101/2000, porquanto a

antecipação do recebimento de recursos de Dívida Ativa realizada por meio de FIDC

poderá caracterizar operação de crédito, na forma definida pelo inciso III do artigo 29

da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A questão é muito relevante, haja vista que, no caso das operações de

crédito, se faz necessária a prévia autorização do Ministério da Fazenda, que possui

competência para verificar o cumprimento dos limites e condições relativos ao

endividamento de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas,

direta ou indiretamente, nos termos do artigo 32 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No voto proferido pelo Ministro Raimundo Carreiro do TCU, acompanhado

pelos demais ministros do Plenário (Acórdão n.º 772/2016), em 06.04.2016, consignou-

se a necessidade da oitiva da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal,

para que, assim desejando, se manifeste acerca da representação formulada pela

Secretaria de Macroavaliação Governamental do TCU e pelo representante do

Ministério Público de Contas, consoante o Relatório que integra o Acórdão,

especialmente no que tange à parte dispositiva da Resolução SF n.º 43/2001, com

redação dada pela Resolução SF n.º 17/2015, em face dos objetivos declarados no

Parecer CAE n.º 1019, de 2015, relativo ao PRS n.º 50/2015, que fundamentou a

referida norma de alteração.

Contudo, a despeito de o mérito da matéria ainda não ter sido julgado pelo

TCU, antes do apensamento do TC n.º 043.416/2012-8, foram expedidas duas medidas

cautelares, referendadas pelo Plenário do TCU,367

dirigidas à Comissão de Valores

Mobiliárias, nos seguintes termos:

– TC 043.416/2012-8 (expedida pelo Ministro Bruno Dantas, em

25.11.2014):

[...] determinar à Comissão de Valores Mobiliários que suspenda o

registro do FIDC-NP Dívida Ativa de Nova Iguaçu, bem como o

registro de qualquer fundo que tenha em sua constituição direitos

367

Ata do TCU publicada em 11.12.2014, p. 4. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/

Docs/CONSES/TCU_ATA_0_N_2014_48.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016.

291

creditórios que se enquadrem na hipótese prevista no art. 1.º, § 1.º,

inciso II, da Instrução CVM 444/2006, caracterizados como

operações de crédito pela análise da CVM, e que não contenham

autorização expressa do Ministério da Fazenda, emitida nos termos

do art. 32 da LRF, até que esta Corte delibere sobre o mérito desta

representação;

– TC 016.585/2009-0 (cautelar expedida por este relator, em

11.12.2014):

[...] determinar cautelarmente à Comissão de Valores Mobiliários que

não proceda, ou suspenda, caso já tenha sido realizado, o registro do

Fundo Especial da Dívida Ativa do Distrito Federal – FEDAT-DF,

até que esta Corte delibere sobre o mérito desta representação.

Entendemos como acertadas as decisões acima transcritas, em razão do

caráter liminar existente nos processos, porquanto o iminente dano ao erário e eventual

violação à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Assim, conforme apontado supra, em relação à securitização da “Dívida

Ativa”, existem conflitos de pareceres da PGFN perante o disposto em instrução CVM,

há resoluções editadas pelo Senado Federal buscando evitar a incidência da Lei de

Responsabilidade Fiscal, há manifestações liminares do Tribunal de Contas da União

determinando a suspensão dos fundos utilizados na securitização da Dívida Ativa,

tratando-se de cenário sujeito a verdadeira insegurança jurídica, não existindo ainda um

caminho menos tormentoso a ser seguido.

Diante do exposto, concluímos não ser possível a securitização da Dívida

Ativa no atual ordenamento jurídico, a despeito da existência de regras permissivas

(instrução CVM e resoluções do Senado Federal) e do esforço da doutrina em buscar

acomodações de princípios jurídicos, existindo outras barreiras que impedem o

processo.

Para que se possa pôr em prática a securitização da Dívida Ativa serão

necessárias mudanças, envolvendo valores e regras jurídicas, de forma a não existirem

surpresas e não se aplicarem punições aos securitizadores e entes da Federação.

292

7

CONCLUSÕES

7.1. Iniciamos o estudo concluindo que securitização é uma forma de

acesso ao mercado de capitais por meio da emissão de títulos ou valores mobiliários,

vinculados em direitos creditórios de uma determinada pessoa jurídica e adquiridos por

investidores, formando-se uma relação jurídico-econômica contratual de compra e

venda entre o originador do crédito e a sociedade securitizadora, com transmissão de

obrigações mediante cessão, dado que o cessionário adquirente sub-roga-se no direito de

cobrar diretamente o devedor.

7.2. A natureza jurídica da securitização decorre da relação contratual de

compra e venda de direitos creditórios firmada entre o originador (vendedor), que por

meio da cessão transfere à securitizadora ativos (direitos creditórios), como forma de

diluir o risco em relação ao recebível.

7.3. Antes da operação de securitização, será necessária a relação jurídico-

contratual entre o originador e o terceiro devedor, sendo este último responsável pelo

pagamento do débito decorrente de compra e venda ou prestação de serviço ao

originador, seja em razão de operação financeira, imobiliária, agrícola ou mobiliária.

7.3. As modalidades de securitização identificadas neste trabalho divergem

basicamente em relação aos ativos ou direitos creditórios negociados, como os

recebíveis decorrentes de exportação por empresas brasileiras, os créditos imobiliários,

os ativos empresariais mediante a emissão de títulos ou valores mobiliários, os créditos

financeiros envolvendo recebíveis bancários e os créditos do agronegócio.

7.4. Identificamos a necessidade da existência de estrutura mínima

operacional do processo de securitização, destacando a emissão de títulos ou valores

mobiliários lastreados nos direitos creditórios, submetidos à aquisição por investidores,

que investem esse capital mediante certa remuneração, capital esse utilizado para

remunerar os originadores em razão da aquisição dos direitos creditórios ou para

reposição de caixa das securitizadoras.

293

7.5. Assim, finalizamos o primeiro capítulo afirmando que a atividade de

securitização permite a monetização imediata de direitos creditórios pelos originadores

e a diluição dos riscos quanto ao inadimplemento com os investidores, tratando-se de

estrutura complexa.

7.6. No segundo capítulo, entendemos que não há legislação específica

regulamentando a securitização de ativos empresariais ou de títulos e valores

mobiliários. A Lei n.º 9.514/1997, que rege a securitização de títulos imobiliários,

acrescida do Código Civil e da Lei das Sociedades Anônimas, são os pilares que

emprestam à securitização de títulos e valores mobiliários normatividade naquilo que

não seja incompatível. Identificamos também outras regras que compõem o

ordenamento jurídico da securitização em estudo, como a Lei n.º 4.595/1964, a Lei n.º

6.385/1976, a Resolução CMN n.º 2907/2001 e as Instruções Normativas CVM n.º

307/1999, n.º 408/2004, n.º 480/2009, n.º 554/2014, n.º 555/2014, aplicadas de forma

subsidiária e complementar às operações de securitização em estudo.

7.7. Após breve análise sobre as características da cessão do direito

creditório e a necessidade da utilização da forma de sociedade anônima com propósito

específico pela securitizadora em razão da emissão de debêntures que serão lastreadas

pelos direitos creditórios relativos a recebíveis de ativos empresariais, construímos

organograma operacional específico, com o intuito de distinguir a atividade, as partes

envolvidas e as etapas do processo em relação à atividade de factoring, que não se

confundem.

7.8. Há apenas dois elementos que possamos chamar de critérios

semelhantes existentes nas operações de securitização de ativo empresarial e factoring:

(i) ambas adquirem ativos com fluxo de recebimento futuro, por um valor presente

determinado por um deságio; (ii) os recebíveis advêm de títulos de créditos idênticos,

como duplicatas, cheques, notas promissórias etc. No mais, os objetos e as finalidades

são distintos.

7.9. Identificamos diferenças entre factoring e securitizadora de títulos e

valores mobiliários, no aspecto operacional (comparando organogramas das operações),

no âmbito societário, em relação aos contratos firmados, os riscos assumidos por cada

uma delas, as distinções das espécies de atividades praticadas (factoring = prestação de

294

serviços + compra de direitos creditórios; securitização = compra de direitos

creditórios), a existência ou não de garantias no processo, aplicada apenas na

securitização.

7.10. Por fim, concluímos que a cláusula de recompra ou substituição dos

direitos creditórios em caso de não liquidação da dívida pelo devedor somente poderá

ser veiculada no contrato da securitizadora, sendo vedada em relação à factoring

justamente por ser um aspecto inerente ao tipo de contrato de faturização,

especificamente para evitar a caracterização de atividade de instituição financeira, como

ocorre com os descontos bancários.

7.11. No terceiro capítulo, realizamos novo corte no sistema jurídico, com

o intuito de analisar as incidências e não incidências de tributos sobre a atividade da

securitização de títulos e valores mobiliários. Estudamos as incidências do IRPJ, da

CSLL, do PIS e da Cofins, e a não incidência do IOF e do ISSQN, destacando que a

forma utilizada para conhecer os critérios das normas gerais e abstratas desses tributos

foi a análise e a construção das regras-matrizes de incidência.

7.12. Em razão de os regimes tributários (lucro real e lucro presumido) das

securitizadoras de títulos e valores mobiliários comporem as bases de cálculo do IRPJ e

da CSLL, com reflexos em relação à definição dos regimes cumulativos ou não

cumulativos do PIS e da Cofins, o estudo dos critérios que formam as regras-matrizes

de incidência é imprescindível.

7.13. Em relação ao IRPJ, a regra-matriz de incidência traz os seguintes

critérios:

– Antecedente da regra-matriz do IRPJ:

(i) o critério material possui o verbo “auferir” e o complemento “renda”

(lucro), e o acréscimo patrimonial da sociedade só será computado na medida em que,

após um resultado aritmético, se apura o resultado positivo (lucro) ou negativo

(prejuízo) a partir da atividade empresarial. Em nosso entendimento, o Código

Tributário Nacional previu como hipótese de incidência do imposto a renda em sua

acepção ampla, decorrente da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica,

295

destacando que essa aquisição de disponibilidade traga um acréscimo patrimonial, isto

é, uma nova riqueza;

(ii) o critério temporal comporta a forma de apuração trimestral ou anual de

acordo com a legislação aplicável ao imposto, seja a apuração do tributo pela

sistemática do lucro real ou lucro presumido. Se o regime de apuração for trimestral, o

critério temporal terá seu momento de incidência do imposto no último dia de cada um

dos quatro trimestres existentes no ano fiscal. Se optar pelo regime anual, os valores

recolhidos pela sociedade mês a mês pelo regime de estimativa, fixados com base na

receita bruta ou apurados mediante a elaboração de balancetes suspensão ou redução,

terão como critério temporal de incidência do IRPJ o último dia do ano do respectivo

calendário, e os recolhimentos desse tributo feitos durante os meses do ano-calendário

serão considerados antecipações, podendo ser abatidos na apuração do imposto no final

do exercício;

(iii) o critério espacial será o lucro auferido pelas sociedades em todo o

território nacional e o lucro de subsidiárias (coligadas ou controladas) auferido no

exterior, em razão do princípio da universalidade;

– Consequente da regra-matriz do IRPJ:

(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo a União Federal, e em relação

ao sujeito passivo será a pessoa jurídica que auferir lucros;

(v) o critério quantitativo será composto pela base de cálculo e alíquota do

imposto. A base de cálculo do IRPJ será o lucro real, presumido ou arbitrado,

correspondente ao período de apuração. Integram a base de cálculo todos os ganhos e

rendimentos de capital, independentemente da denominação, da forma, da natureza, da

espécie ou existência de título ou contrato, bastando que esses ganhos e rendimentos

decorram de ato ou negócio que tenham os mesmos efeitos previstos na regra de

incidência do imposto. No lucro presumido, o percentual de lucro a ser considerado

pelas securitizadoras será de 8% sobre o valor da receita bruta auferida mensalmente,

visto que a securitização de recebíveis envolve apenas a compra de direitos creditórios,

não envolvendo nenhuma atividade de prestação de serviços. Já a alíquota principal será

de 15% sobre a base de cálculo, acrescida, na apuração do lucro, do adicional de 10%,

296

apenas sobre o valor que exceder a R$ 20.000,00 mensais, ou R$ 60.000,00 trimestrais

ou R$ 240.000,00 anuais, dependendo do período de apuração (mensal, trimestral ou

anual).

7.14. Concluímos, adotando premissa lógica levando em conta a

dedutibilidade de custos e despesas, aplicadas apenas no lucro real, que as

securitizadoras preferem apurar e recolher seus tributos pelo regime tributário do lucro

presumido, pois quase não possuem custos e despesas a serem descontados na apuração

do lucro, e o valor da receita auferida na atividade de securitização de ativos

empresariais é relativamente elevado.

7.15. Uma das desvantagens que podemos apontar no lucro presumido é a

impossibilidade de se deduzir prejuízo fiscal, procedimento esse considerado como um

benefício fiscal, limitado a 30% do valor do lucro apurado, aplicado no regime de

apuração do lucro real.

7.16. No tocante à incidência da CSLL, após identificarmos os princípios

aplicados a esse tributo, concluímos que há diferenças em relação ao IRPJ,

especialmente quanto à destinação e à base de cálculo. Diante disso, construímos a

regra-matriz de incidência tributária como forma de identificarmos os critérios que

compõem a norma geral e abstrata desse tributo.

– Antecedente da regra-matriz da CSLL:

(i) o critério material será “auferir lucro” (verbo + complemento);

(ii) o critério temporal poderá ser identificado na apuração trimestral ou

anual da contribuição. No trimestral, nos casos de lucro real e lucro presumido, a

incidência ocorre nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro

de cada ano-calendário. No lucro real anual, em que a sociedade deverá fazer o ajuste e

apurar saldo devedor a pagar ou saldo negativo (crédito) de CSLL em razão das

antecipações feitas durante os meses do ano-calendário, o critério temporal será o

último dia do ano no respectivo calendário;

297

(iii) o critério espacial será todo o território nacional, atendendo ao princípio

da territorialidade, bem como os lucros e rendimentos auferidos no exterior, em razão

do princípio da universalidade;

– Consequente da regra-matriz da CSLL:

(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo a União Federal, sendo

arrecadada a CSLL pela Receita Federal do Brasil, e o sujeito passivo será a pessoa

jurídica que auferir o lucro líquido;

(v) o critério quantitativo, composto pela base de cálculo decorrente do

resultado do exercício antes do provisionamento do imposto de renda, qual seja o lucro

líquido, corresponde ao resultado contábil do período ajustado pelas adições

determinadas, pelas exclusões admitidas e pelas compensações de base de cálculo

negativa até o limite definido em legislação específica vigente à época da ocorrência

dos fatos geradores, porém o valor da CSLL não poderá ser deduzido para efeito de

determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo. Quanto à sistemática de

apuração pelo lucro presumido, a base de cálculo da CSLL será auferida por meio de

uma presunção de 12% a título de lucro levando em consideração o valor da receita

bruta. Já a alíquota será de 9% calculada sobre o valor da base de cálculo.

7.17. Quanto à contribuição ao PIS/Pasep, após breve análise sobre a

evolução legislativa referente à ampliação da base de cálculo de faturamento para

receita bruta, construímos a regra-matriz de incidência.

– Antecedente da regra-matriz do PIS/Pasep:

(i) o critério material da norma de incidência será “auferir receita bruta”

(verbo + complemento). A definição de conceito de receita bruta para ambos os regimes

(lucro real e lucro presumido) é a mesma a partir da vigência da Lei n.º 12.973/2014,

que incluem as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores

decorrentes do ajuste a valor presente;

(ii) o critério temporal ocorrerá no último dia de cada mês, tratando-se de

contribuição mensal, seja na sistemática cumulativa (artigo 3.º da Lei n.º 9.718/1998)

298

nos casos de apuração pelo lucro presumido, seja na sistemática não cumulativa (artigo

1.º da Lei n.º 10.637/2002) ou nos casos de apuração pelo lucro real;

(iii) o critério espacial será o território nacional, adotando-se o princípio da

territorialidade;

– Consequente da regra-matriz do PIS/Pasep:

(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo da relação jurídico-tributária a

União Federal. Já o sujeito passivo será a pessoa jurídica que auferir a receita bruta;

(v) o critério quantitativo do PIS/Pasep terá como base de cálculo a receita

bruta, contudo há dois regimes de apuração e recolhimento dessa contribuição social: o

regime cumulativo, que possui base de cálculo a receita bruta auferida e alíquota 0,65%;

e o regime não cumulativo, que possui base de cálculo a receita bruta e alíquota 1,65%.

A receita tributada pelo PIS/Pasep em relação às securitizadoras é o deságio (spread) no

desconto do valor do título, não fazendo parte dessa receita tributada o custo de

aquisição do título. Na sistemática não cumulativa, em que é possível descontar

créditos, apurados da mesma forma que os débitos, levando em conta valores de bens,

serviços, aluguéis, máquinas etc., descritos nos artigos 3.º das Leis n.º 10.637/2002 e n.º

10.833/2003, consideramos como insumos as despesas com a agência de rating e as

taxas e emolumentos necessários para a emissão das debêntures.

7.18. Em relação à Cofins, mais uma contribuição incidente sobre as

atividades das securitizadoras, concluímos que a regra-matriz de incidência possui os

seguintes critérios:

– Antecedente da regra-matriz da Cofins:

(i) o critério material dessa contribuição será “auferir receita bruta”,

proveniente dos fatos que compõem a atividade da sociedade;

(ii) o critério temporal ocorrerá no último dia de cada mês, tratando-se de

uma contribuição social mensal;

(iii) o critério espacial será o território nacional, adotando-se o princípio da

territorialidade;

299

– Consequente da regra-matriz da Cofins:

(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo a União Federal e o sujeito

passivo será a pessoa jurídica que auferir receita bruta;

(v) o critério quantitativo, da mesma forma que a contribuição ao PIS/Pasep,

terá dois regimes de apuração: o regime cumulativo, que possui como base de cálculo a

receita bruta auferida e alíquota de 3%; e o regime não cumulativo, em que a Cofins

possui base de cálculo a receita bruta e alíquota de 7,6%.

7.19. Ao tratarmos dos regimes caixa e competência, que interferem

diretamente no fluxo de caixa das atividades das securitizadoras e apuração de tributos,

destacamos que a regra geral para as sociedades é a apuração pelo regime de

competência, o que impõe à pessoa jurídica registrar e contabilizar suas receitas, os

custos e despesas naquele mês em que efetuou o faturamento, independentemente do

recebimento dos valores faturados.

7.20. Em razão de o Brasil adotar na apuração do IRPJ e da CSLL o

regime de competência para demonstração dos resultados, ocorre a incidência tributária

quando do registro da operação, permitindo que se confrontem os custos e as despesas

com as receitas auferidas, para fins de apuração do lucro que será tributado.

7.21. Contudo, a partir da edição da Instrução Normativa SRF n.º

104/1998, passou a permitir o reconhecimento das receitas da venda de bens ou direitos

ou de prestação de serviços na medida do seu recebimento (adoção do regime de caixa).

O artigo 13 da Lei n.º 9.718, de 1998, dispõe que a receita bruta auferida no ano anterior

será considerada segundo o regime de competência ou de caixa, observado o critério

adotado pela pessoa jurídica.

7.22. O regime caixa é o regime contábil que apropria as receitas e

despesas no período de seu efetivo recebimento ou pagamento, respectivamente,

independentemente do momento em que são realizadas. Nesse regime a receita só será

apurada para fins tributários quando for recebida, ou seja, no dia em que a parcela

correspondente for quitada pelo cliente.

300

7.23. Nas operações de securitização de ativos empresariais, a despeito de

a receita auferida se basear no desconto do valor do deságio quando da aquisição dos

títulos, o momento do fato jurídico tributário para a incidência do IRPJ, da CSLL, do

PIS/Pasep e da Cofins se dará quando do faturamento ou auferimento de receita bruta

(momento da aquisição dos recebíveis), haja vista que é nesse instante que ocorrerá o

desconto do valor da remuneração da securitizadora.

7.24. Já as securitizadoras de ativos empresariais que se submeterem ao

regime de apuração do lucro presumido, atendendo às exceções previstas no artigo 14

da Lei n.º 9.718/1998, poderão apurar e recolher os tributos ora mencionados pelo

regime caixa, tributando quando ocorrer a recuperação do capital com o pagamento do

título pelo devedor, devendo optar por essa modalidade no início do ano-calendário.

7.25. Assim, a opção pelo regime caixa permite que a securitizadora de

títulos e valores mobiliários tenha equilíbrio financeiro (fluxo de caixa), submetendo ao

pagamento de tributos apenas quando do recebimento dos valores pelo devedor do

título, desde que mantenha um controle contábil e fiscal de suas operações.

7.26. Quanto ao IOF, concluímos que a pessoa física ou jurídica que

alienar direitos creditórios decorrentes da venda a prazo às empresas que se dedicam ao

fomento mercantil (factoring) se sujeita à cobrança desse imposto, nas mesmas

alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo, praticadas por

instituições financeiras.

7.27. Em relação às securitizadoras, não há expressa previsão legal para a

incidência do IOF sobre as operações de securitização envolvendo a emissão de títulos

ou valores mobiliários, sendo vedada a aplicação da analogia no sistema jurídico, nos

termos do artigo 108, § 1.º, do CTN.

7.28. Portanto, não existindo no ordenamento jurídico atual regra

prescritiva de direito tratando da tributação das operações de cessão de direitos

creditórios pelas securitizadoras, não há que falar em tributação das operações de

securitização pelo IOF ou IO/Título, por falta de previsão legal. Eventual cobrança pelo

fisco federal implicará violação ao princípio da estrita legalidade.

301

7.29. Quanto ao ISSQN, em razão de a securitizadora não realizar

qualquer prestação de serviço ou obrigação onerosa de fazer, não haverá a incidência

desse imposto de competência municipal. No contrato de aquisição de direitos

creditórios lastreados em títulos ou valores mobiliários, o elemento principal é a entrega

do bem imaterial adquirido por meio do instituto da cessão, que se consubstancia em

verdadeira obrigação de dar.

7.30. Diante disso, sobre a característica necessária para configurar a

incidência do ISSQN, inerente à atividade de prestação de serviço, a legislação que

tratar do conceito de prestação de serviços não poderá alterar a definição e o alcance

predeterminado de Direito Privado, sob pena de ofensa ao artigo 110 do Código

Tributário Nacional.

7.31. Após análise dos impactos tributários sobre a operação de

securitização, tratamos da faculdade da securitizadora de títulos e valores mobiliários

em adotar o regime tributário de apuração pelo lucro presumido, desde que atendidas as

regras de exceção dispostas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998.

7.32. Concluímos no quarto capítulo que somente a lei poderá dispor sobre

os regimes de tributação do IRPJ e da CSLL, quais sejam o lucro real e o lucro

presumido.

7.33. O lucro presumido foi criado para simplificar o regime de apuração e

recolhimento de tributos, quando comparado com o regime do lucro real. Esse regime,

além de visar também a arrecadação, apresenta características de desburocratização e

uma opção prevista em lei para a economia fiscal.

7.34. Em análise ao disposto no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º

9.718/1998, que trata da obrigatoriedade de se adotar o regime de lucro real pelas

empresas de factoring, ao realizar a inversão do parêntesis em relação ao texto existente

no referido inciso, sob o prisma gramatical do “autorreferenciamento” (falar de si

mesmo), estaremos diante de uma interpretação do enunciado não criativa ou não

transcritiva, concluindo-se que factoring = “atividades de prestação cumulativa e

contínua de serviço de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e

302

riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios

resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços”.

7.35. O artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998 sofreu acréscimo com a edição da

Medida Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, ao introduzir no

inciso VII as securitizadoras de títulos imobiliários, financeiras e agronegócios. A

alteração legislativa mencionada não trouxe em seu texto legal a modalidade de

securitização de títulos e valores mobiliários.

7.36. Diante dessa inclusão, a despeito de a exposição de motivos da MP n.º

472/2009 mencionar que, em razão de critérios de semelhanças com o factoring, as

securitizadoras de recebíveis deverão se sujeitar ao regime do lucro real, a atecnia do

legislador em não incluir no texto da referida medida provisória a previsão legal acabou

fazendo com o que a exposição de motivos se tornasse verdadeira letra morta, sem

nenhuma eficácia técnica, até mesmo porque a validade e a produção de efeitos das

regras jurídicas se dão em relação ao texto introduzido no ordenamento jurídico, e não

sobre a intenção do legislador mencionada em enunciação-enunciada.

7.37. Em relação às consultas respondidas pela Receita Federal do Brasil,

especificamente as respostas expedidas quando da vigência das Instruções Normativas

n.º 740/2007 e n.º 1.396/2013, destacamos a existência de duas espécies de

manifestações do órgão federal, uma que é emitida pelas Disit, e que tem efeito apenas

em relação ao contribuinte consulente, e outra expedida pela Cosit, cujos efeitos dão

caráter de norma individual e concreta para o consulente, e de geral e concreta aos

demais contribuintes que se enquadrarem na mesma situação.

7.38. Identificamos no ordenamento jurídico a edição de dez atos

enunciativos de legalidade publicados pela Disit ao longo de todo o País, que por meio

de soluções de consulta responderam aos contribuintes durante 2005 a 2012 que as

securitizadoras de títulos e valores mobiliários poderiam adotar o regime do lucro

presumido, seja de forma expressa, seja por critério de exclusão com as hipóteses

trazidas quanto aos obrigados ao regime do lucro real, seja como pressuposto das

próprias respostas emitidas.

303

7.39. No tocante à solução de divergência editada pela Receita Federal do

Brasil, destacamos o caráter geral desses atos enunciativos de legalidade concreta, nos

termos das Instruções Normativas n.º 740/2007 e n.º 1.396/2013.

7.40. Em destaque, a Solução de Divergência n.º 8/2001, que

expressamente, produzindo efeitos gerais e concretos, reafirmou a possibilidade de a

atividade de securitização de valores mobiliários apurar IRPJ e CSLL pela sistemática

do lucro presumido.

7.41. Caminhamos para o estudo do Parecer Normativo n.º 5/2014, que

alterou o entendimento sobre o regime tributário das securitizadoras, passando da

faculdade do lucro presumido para a obrigatoriedade do lucro real.

7.42. Antes de se apontarem conclusões sobre a mudança de

entendimento, identificamos que o parecer normativo emitido pela Receita Federal do

Brasil é um ato enunciativo de legalidade que tem como uma de suas funções

uniformizar a interpretação de legislação fiscal ou aduaneira, que contenha dúvida ou

conflito, vinculando os agentes públicos federais.

7.43. Esse ato enunciativo de legalidade não possui força de lei, não altera

dispositivo de lei, tratando-se de mera opinião vinculativa do órgão federal.

7.44. Quanto ao Parecer Normativo n.º 5/2014, a Receita Federal usa o

argumento de que a securitização de títulos mobiliários é uma espécie do gênero

fomento mercantil, distinguindo apenas quanto à destinação dos títulos adquiridos, ou

seja, a securitização de ativos empresariais se caracteriza pela formação de lastro para

os títulos mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira própria.

7.45. Constatamos no referido parecer as seguintes violações: (i) ao

princípio da estrita legalidade, visto que apenas a Lei pode dispor sobre criação,

modificação ou extinção de tributos; (ii) ao princípio da irretroatividade tributária, pois

o parecer pretendeu atribuir efeito ex tunc à interpretação por ele dada a leis anteriores;

(iii) ignorou entendimento da própria Receita Federal, representado em dez soluções de

consulta e em decisões proferidas por DRJ; (iv) ignorou os efeitos gerais produzidos

pela Solução de Divergência n.º 8/2011; (v) ignorou todas as outras diferenças

existentes entre as atividades de factoring e securitização, utilizadas pela própria

304

Receita Federal em decisões e respostas às consultas; (vi) reconheceu a inexistência de

regra jurídica expressa obrigando as securitizadoras de ativos empresariais a apurar o

IRPJ/CSLL pelo lucro real, afirmando que as regras editadas dispõem apenas da

securitização de setores imobiliário, agrícola e financeiro.

7.46. No âmbito da compreensão do disposto no inciso VI do artigo 14 da

Lei n.º 9.718/1998, o legislador nada mais quis senão incluir no rol do regime do lucro

real uma soma de atos realizados pelas factorings, que envolvem serviços e compra de

direitos creditórios, ao tratar da conjugação e soma da expressão “cumulativa”,

apresentando a seguinte equação: (1) serviços de assessoria creditícia, mercadológica,

gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber + (2)

compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação

de serviços = (3) factoring.

7.47. O legislador não tratou da atividade de compra de direito creditório,

de maneira que o intérprete possa concluir isoladamente pela aplicação do regime do

lucro real às securitizadoras de títulos e valores mobiliários.

7.48. Com isso, a interpretação dada pelo Parecer Normativo n.º 5/2014,

quanto à securitizadora de títulos mobiliários, é abusiva e não se sustenta na lei, que não

trouxe de forma expressa o enquadramento dessa modalidade de comercialização de

ativos empresariais na obrigatoriedade da apuração do IRPJ e CSLL pelo lucro real, e,

por isso, fere o princípio da estrita legalidade.

7.49. Conclui-se ainda que o Parecer Normativo retroage a fatos jurídicos

tributários pretéritos (desde a edição da Lei n.º 9.718/1998), o que não teria sentido em

face da Solução de Divergência n.º 8/2011 e seus efeitos de norma geral e concreta,

violando inclusive o disposto no artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007,

expedida pelo Ministro da Fazenda, autoridade superior ao Secretário da Receita

Federal.

7.50. Ao ignorar ainda as soluções de consulta editadas durante anos pela

própria Receita Federal do Brasil e ao confirmar a inexistência de norma expressa

obrigando as securitizadoras de títulos mobiliários a se submeter ao regime do lucro

305

real, acaba por violar novamente a estrita legalidade e os atos enunciativos de legalidade

concreta da própria administração pública.

7.51. Ademais, há ilegalidade nas normas individuais e concretas

expedidas pelos agentes públicos fundamentadas no Parecer Normativo n.º 5/2014, para

exigir o IRPJ e a CSLL no regime de lucro real das securitizadoras de títulos

mobiliários, pois esse embasamento não se sustenta na Lei, mas em uma equivocada

construção interpretativa eivada de vícios e sem sustentabilidade jurídica.

7.52. Outro ponto investigado do referido parecer se dá quanto ao disposto

no artigo 48, § 12, da Lei n.º 9.430/1996. Levando em conta o entendimento da Solução

de Divergência n.º 8/2011 editada pela Cosit, ainda que se considerasse inexistirem

ilegalidades no parecer normativo, teríamos o cenário de que apenas a partir da

publicação do referido parecer se poderia aplicar o entendimento de que as

securitizadoras se submeteriam ao lucro real.

7.53. Em razão da impossibilidade legal de mudança de regime no meio

do ano-calendário, o entendimento sufragado no parecer teria eficácia técnica e jurídica

apenas a partir de 1.º.01.2015, visto que a publicação do parecer normativo se deu em

11.04.2014, e as securitizadoras não teriam meios normativos de alterar a forma do

regime de recolhimento no meio do exercício fiscal.

7.54. Investigamos ainda as autuações realizadas pelo fisco federal em

relação às securitizadoras e decisões da DRJ e do CARF, concluindo que inexiste

jurisprudência formada sobre o tema, a despeito da falta de critérios para as autuações,

identificando até contradições do mesmo agente autuante.

7.55. Diante do exposto, analisamos 14 atos enunciativos de legalidade

editados pela Disit (10), Cosit (1), DRJ (2) e CARF (1), para demonstrar que em todos

os níveis da administração pública da União Federal a coerência jurídica e o princípio

da legalidade foram preservados durante anos.

7.56. Com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, acompanhado pela

Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014, a própria Receita Federal do Brasil ignorou

todos os atos enunciativos de legalidade editados até então, em total desrespeito a

direitos e garantias dos contribuintes.

306

7.57. Resta aos contribuintes autuados a busca pela legalidade da

faculdade do regime do lucro presumido por meio da via administrativa e judicial, visto

que o governo federal não sinaliza mudanças sobre o disposto no Parecer Normativo n.º

5/2014.

7.58. Constatamos que a opção da prática da atividade de securitização de

títulos e valores mobiliários com certa segurança jurídica é o Fundo de Investimento em

Direitos Creditórios (FIDC).

7.59. Identificamos no quinto capítulo que o FIDC possui operações de

securitização de recebíveis que guardam semelhanças com a securitização de títulos e

valores mobiliários, atendem ao objetivo da atividade e seus atos estão regulamentados

por autoridades monetárias e fiscais, com maior grau de confiabilidade e segurança

jurídica.

7.60. No plano societário, os custos concernentes ao FIDC são menores

em relação às securitizadoras, visto que não se trata de uma sociedade submetida à

inscrição na Junta Comercial, com custos inerentes à abertura de uma sociedade

anônima de propósito específico, como ocorre com as securitizadoras de títulos e

valores mobiliários.

7.61. No âmbito legal, diversamente das securitizadoras de títulos e valores

mobiliários, que são regradas por legislações emprestadas de outras modalidades de

securitização, o FIDC possui regras próprias e rígidas, como as Instruções CVM n.º

356/2001 e n.º 393/2003, e suas alterações, e a Resolução CMN n.º 1907/2001.

7.62. Em relação ao aspecto operacional, o FIDC conta com um número

grande de prestadores de serviços, que compõem a sua complexa estrutura, destacando o

administrador, o gestor da carteira, o custodiante, os condôminos ou cotistas, a empresa

de auditoria independente, a agência de rating, o estruturador, o escriturador e a

consultoria jurídica, todos com papéis importantes e específicos nas operações do

fundo. Nas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, as partes envolvidas são

outras: originador, securitizadora, investidor e devedor, com funções operacionais

relacionadas ao direito creditório.

307

7.63. Quanto ao critério tributário, o FIDC não possui o mesmo impacto

fiscal das securitizadoras, não submetendo ao recolhimento de IRPJ, CSLL, PIS e

Cofins, pois trata-se de um condomínio, incorrendo na retenção do IR-Fonte quando da

remuneração, resgate ou amortização das cotas dos investidores em relação ao valor dos

juros que incorporarem à remuneração destes. Também será submetido ao pagamento

de taxa de fiscalização devida para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quando

as cotas forem objeto de distribuição pública.

7.64. Com isso, o contribuinte do IR-Fonte são os investidores, e, no caso

da pessoa física beneficiária da receita financeira, o imposto sobre a renda na fonte será

considerado tributação definitiva, enquanto na hipótese de a beneficiária tratar-se de

pessoa jurídica o imposto sobre a renda na fonte será considerado uma antecipação.

7.65. Fazendo-se um comparativo em relação aos investidores do FIDC, se

a fonte de renda da pessoa jurídica for apenas o resultado de sua aplicação em cotas de

FIDC, esta acabará pagando um valor maior de tributos (34%) quando comparado à

carga tributária que incidiria caso ela fosse uma pessoa física (entre 22,5% e 15%). No

caso de investidores pessoas jurídicas cujos rendimentos forem considerados receitas

financeiras, incorrerá ainda no pagamento de PIS e Cofins caso recolha essas

contribuições no regime não cumulativo, sujeitando-se à carga tributária de 0,65% e

4%, respectivamente.

7.66. Concluímos ainda que, para que o fundo se submeta à alíquota de

15% a título de IR-Fonte, o Administrador deverá investir parte do patrimônio líquido

do fundo em títulos de longo prazo, acima de 720 dias.

7.67. Apontamos ainda que há incidência do IOF sobre os rendimentos do

FIDC, sob a forma de alíquotas regressivas. A alíquota será de 1% ao dia sobre o valor

de resgate, cessão, repactuação de títulos de renda fixa e fundos e clubes de

investimento, incidindo sobre operações com títulos públicos federais, CDB e cotas de

Fundos de Renda Fixa, de prazo inferior a 30 dias. Se o prazo for superior a 30 dias, a

alíquota será zero. Quanto ao IOF sobre a “compra” ou “venda” dos recebíveis, sua

alíquota é zero.

308

7.68. Concluímos pela existência de desvantagens do FIDC em relação às

securitizadoras: (i) dificuldade na renegociação de créditos em razão da inadimplência

do devedor, haja vista a quantidade de prestadores de serviços vinculados na operação;

(ii) capacidade econômica dos investidores, que exigem valores elevados; (iii) rigidez

das regras aplicadas aos fundos e burocracia dos registros na CVM e Anbima; e (iv)

número restrito de prestadores de serviços que compõem o quadro estrutural dos fundos.

7.69. Portanto, há vantagens e desvantagens na migração das atividades de

securitização para o FIDC, e no âmbito jurídico o quadro é mais favorável para os

Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, em razão da regulamentação existente,

da estrutura societária e da economia fiscal.

7.70. Quanto à migração das atividades das securitizadoras para o FIDC,

concluímos tratar-se de uma opção sob o ponto de vista de se agarrar à legalidade

concreta e evitar surpresas, até mesmo porque, no tocante aos fundos, não há certa

margem de liberdade de interpretação das regras editadas, existindo textos normativos

mais claros e objetivos expedidos pela Comissão de Valores Mobiliários e pela Receita

Federal do Brasil.

7.71. Por fim, para encerrar o quinto capítulo, adotando-se o permissivo

legal quanto ao direito de escolhas, constatado em relação aos regimes do lucro real e

presumido para as securitizadoras de títulos e valores mobiliários, ou mesmo para a

criação de FIDC com o intuito de exercer a atividade de securitização de recebíveis,

concluímos que esses atos não configuram planejamento fiscal, pois não há nenhum

objetivo em elidir a lei, no sentido de manipular a lei de forma lícita para a obtenção de

economia fiscal.

7.72. O fato de adequar a atividade praticada por pessoa jurídica nas

hipóteses em que não há vedação legal, atendendo as regulamentações normativas, não

configura ato de elusão, elisão ou evasão fiscal. Trata-se do direito de escolha previsto

em lei, acrescido do exercício da livre-iniciativa e do livre-arbítrio do contribuinte,

direitos intransponíveis, insculpidos no artigo 1.º, IV, e artigo 5.º, caput, ambos da

CF/1988, fulcrados no permissivo legal.

309

7.73. No último capítulo deste trabalho, aprofundamos nosso estudo da

securitização da Dívida Ativa, fonte de receita dos entes públicos com baixa eficácia de

recebimento e valores vultosos.

7.74. Partimos de algumas conclusões, afirmando que a “Dívida Ativa” é

composta por fontes de receitas públicas tributárias e não tributárias, nos termos da Lei

n.º 4.320/1964.

7.75. A execução da Dívida Ativa depende de ato prévio de controle

administrativo da legalidade do crédito fazendário, que se faz por meio de inscrição em

livro próprio. O ato e os requisitos necessários à inscrição do débito em Dívida Ativa

para a formação do título executivo extrajudicial pela Fazenda Pública estão delineados

e fundamentados no artigo 202 do Código Tributário Nacional.

7.76. Constatamos nos termos do artigo 784 do Código de Processo Civil

atual que a certidão de Dívida Ativa e os demais títulos de crédito passíveis de

securitização possuem a mesma classificação de títulos executivos extrajudiciais.

7.77. O primeiro obstáculo que se aponta quanto à securitização da Dívida

Ativa é a indisponibilidade do interesse público. Os direitos creditórios decorrentes de

tributos, constituídos ou não, parcelados ou não, cobrados ou não, formadores da receita

pública, são bens públicos indisponíveis, inegociais e irrenunciáveis, porque necessários

ao cumprimento dos fins do Estado, que busca atender ao bem comum e satisfazer as

necessidades públicas, amparados nos princípios da estrita legalidade e da

indisponibilidade dos interesses públicos.

7.78. Diante dessa barreira, que impõe até restrições à própria lei, a Dívida

Ativa somente poderia ser securitizada se o sistema jurídico brasileiro sofresse uma

profunda transformação em relação aos valores atribuídos às regras jurídicas,

sujeitando-se necessariamente a modificações de textos legais.

7.79. Outro obstáculo enfrentado na securitização da Dívida Ativa é a

impossibilidade da cessão do direito creditório a quem não possui interesse público.

Mantendo-se a natureza jurídica tributária do crédito objeto da securitização, após a

cessão à securitizadora, apenas as empresas públicas securitizadoras por meio da edição

310

de lei prevendo a parafiscalidade poderiam guardar o interesse público, adotando-se

uma acepção lato sensu do princípio da indisponibilidade do interesse público.

7.79. Outro obstáculo que a securitização da dívida ativa encontra pela

frente é a impossibilidade da substituição do regime jurídico da cobrança do débito

pelas regras de execução do direito privado, atualmente regidas pelo Novo Código de

Processo Civil.

7.80. Na hipótese de a Fazenda Pública preservar a relação jurídica de

credora perante o contribuinte, ou seja, se não houver a efetiva transmissão da

propriedade do direito creditório à securitizadora, estaremos diante de uma operação

financeira de empréstimo (crédito) feita pela securitizadora ao ente público e, caso a

financiadora dessa operação seja um banco, estaremos em face de um financiamento

(crédito) bancário dessas operações, haja vista que os créditos permanecerão como

garantias do pagamento da dívida perante o financiador.

7.81. A Lei de Execução Fiscal não prevê a legitimidade processual às

empresas privadas ou sob o controle do Poder Público na cobrança de valores inscritos

em Dívida Ativa.

7.82. O artigo 5.º da Lei de Execução Fiscal prevê que “A competência

para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de

qualquer outro Juízo”, o que significa que, uma vez o crédito inscrito e representado em

certidão de Dívida Ativa, e mantendo-se a natureza jurídica do crédito com a

securitização, não há outra forma de continuar cobrando o direito creditório senão pela

Lei n.º 6.830/1980 no atual ordenamento jurídico.

7.83. Concluímos ainda que não haverá o interesse público nos autos da

Execução Fiscal após a securitização da Dívida Ativa, salvo se a securitizadora for

empresa controlada pelo Poder Público e atue exclusivamente em prol do interesse

público. Entretanto, o credor de recebíveis da Dívida Ativa não terá legitimidade para

continuar nos autos da Execução Fiscal exigindo o crédito tributário.

7.84. Destacamos que a CVM editou a Instrução n.º 444/2006,

explicitando que securitização de créditos pertencentes aos entes públicos, suas

autarquias e fundações, por meio da estruturação de Fundos de Investimento em

311

Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP), são consideradas operações de

crédito, submetidas, portanto, à Lei de Responsabilidade Fiscal.

7.85. Por seu turno, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional entendeu

que nos casos em que não há exigência de garantia do pagamento do crédito pelo Poder

Público na hipótese de inadimplência do devedor, e não havendo a exigência da

substituição do crédito por outro, será descaracterizada a chamada operação de crédito,

não se submetendo às imposições trazidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

7.86. O inciso III do artigo 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),

ao definir operação de crédito, trouxe expressão muito ampla, mas que não guarda

correlação com a operação de securitização, visto que esta implica alienação

patrimonial, não se tratando de endividamento do Poder Público.

7.87. A despeito de a edição da Instrução CVM n.º 444/2006 determinar

de forma incorreta a submissão da securitização da Dívida Ativa à operação de crédito

regida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o não atendimento aos requisitos dispostos

nos artigos 32 e 38 dessa lei importará na não autorização de funcionamento do fundo

pela CVM, submetendo-se ainda o securitizador ao recebimento de penalidades.

7.88. Por fim, analisamos a competência do Senado Federal em editar

Resoluções com o intuito de dispor sobre os limites globais e condições para as

operações de crédito externo e interno dos entes públicos.

7.89. É um verdadeiro contrassenso o fato de o Senado Federal tratar da

securitização da “Dívida Ativa”, excluindo essa operação do conceito de “operação de

crédito”, embora possua apenas competência para dispor sobre operações de crédito

interno e externo nos termos do artigo 52 da CF/1988. Se não se trata de operação de

crédito, então o Senado não teria competência para dispor sobre a securitização da

“Dívida Ativa”.

7.90. Ao investigarmos a Resolução n.º 17/2015, que alterou o artigo 5.º

da Resolução n.º 43/2001, conclui-se que: (i) essa regra veda a cessão do fluxo de

recebimentos relativos aos direitos creditórios da Dívida Ativa de forma não definitiva

ou com cláusula que permita eventual revogação da operação; e (ii) essa regra veda a

manutenção, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo Município, perante a

312

securitizadora ou FIDC, de responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do

contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso financeiro que possa, nos

termos do artigo 29, III, da LRF, caracterizar operação de crédito.

7.91. Isso quer dizer que a securitização da Dívida Ativa está prevista no

artigo 5.º da Resolução n.º 43/2001, do Senado Federal, com as alterações promovidas

pela Resolução n.º 17/2015.

7.92. Entretanto, embora o Senado Federal busque evitar, de maneira

correta, que a securitização da Dívida Ativa prevista em suas resoluções submeta-se à

incidência da Lei Complementar n.º 101/2000 (LRF), consolidando em termos

normativos o entendimento editado Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em sede de

pareceres, há obstáculos que impedem a securitização da Dívida Ativa, como:

(i) indisponibilidade do interesse (bem) público, que apenas seria atendida

sob acepção lato sensu no caso de a cessão do direito creditório vir a ser feita à

securitizadora ou ao FIDC-NP sob o controle do Poder Público, devendo se limitar

eventual deságio aos valores de multa e juros, respeitando-se ainda a parcela da receita

pública de outro ente da Federação;

(ii) ilegitimidade de a securitizadora ou de o FIDC-NP vir ao juízo de

Execução Fiscal cobrar o crédito da Dívida Ativa por falta de previsão legal,

considerando a manutenção da natureza jurídica do direito creditório;

(iii) impossibilidade da substituição do regime jurídico de cobrança do

débito pelas regras de execução do direito privado, em face do disposto no artigo 5.º da

Lei n.º 6.830/1980; e

(iv) falta de interesse público na operação após a securitização, com a

liquidação do crédito inscrito em Dívida Ativa com a antecipação dos recebíveis, salvo

na hipótese de a securitização vir a ser realizada por empresa pública, que deverá

perseguir apenas interesses públicos.

7.93. Diante do exposto, os primeiros passos para a securitização da Dívida

Ativa foram dados de maneira correta pelo Senado Federal, contudo é necessária a

alteração da legislação, de forma a permitir eventual relativização da disponibilidade do

313

interesse público perante outros importantes princípios de Direito Administrativo e

viabilizar a cobrança dos débitos pelos securitizadores com eventual alteração do rito

processual de cobrança da Dívida Ativa em casos de securitização.

314

8

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERLE, Ricardo. A insegurança jurídica tributária que ameaça a atividade de

securitização de créditos empresariais. Revista Dialética de Direito Tributário,

São Paulo: Dialética, n. 215, p. 161, 2013.

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São

Paulo: Atlas, 2014.

ASSIS, Araken de. Manual de processo de execução. 5. ed. São Paulo: RT, 1998.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DOS MERCADOS

FINANCEIROS E DE CAPITAIS. Disponível em: <http://portal.anbima.

com.br/informacoes-tecnicas/estudos/produtos-de-captacao/Documents/FIDC.

pdf>. Acesso em: 13 abr. 2016.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DO MERCADO FINANCEIRO.

Câmara de Custódia e Liquidação. FIDC – Fundo de Investimento em Direitos

Creditórios. Estudos especiais. Produto de captação. Rio de Janeiro: Andima,

Cetip, 2006.

ATALIBA, Geraldo. Hipóteses de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros,

2009.

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no

direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizadora Misabel Abreu

Machado Derzi. 11. ed. Rio de Janeiro, 1999.

BALERA, Wagner. X Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito

Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 67, p. 318, 1992.

______. Seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1989.

315

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 3. ed. São

Paulo: Malheiros, 1992.

______. Elementos de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

BARRETO, Aires Fernandino. ISS na constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética,

2005.

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São

Paulo: Noeses, 2006.

BOZZA, Fábio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia privada. São Paulo:

Quartier Latin, 2015. p. 199. (Série Doutrina tributária, v. XV.)

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus,

2002.

BERGAMINE, Adolpho. A não cumulatividade do PIS/Cofins sob a ótica

constitucional. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/

site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3130>. Acesso em: 26

abr. 2016.

BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Securitização como parte da segregação de risco.

Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 128, dez. 1999.

BORGES, José Souto Maior. Princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do

tributo. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 63, p. 206, 1993.

BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3.

ed. Coimbra: Almedina, 1998.

CANADO, Vanessa Rahal. Contribuição ao PIS e a Cofins diante dos casos de

inadimplência. Fundamentos do PIS e da Cofins. São Paulo: MP, 2007.

316

CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo:

Atlas, 2007.

CANTO, Gilberto Ulhoa. Elisão e evasão fiscal. Cadernos de pesquisas tributárias. São

Paulo: Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1998.

v. 3.

CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Tradução de Rodrigues Queiró e

Artur Anselmo de Castro. Coimbra: Arménio Amado, 1942.

CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas

específicos). São Paulo: Malheiros, 2009.

______. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo

lógico-semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2006.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva,

2012.

______. Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011/2012.

v. I.

______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999.

______. Incentivo fiscal: conflito entre estados. Revista Trimestral de Direito Público,

São Paulo: Malheiros, n. 9, p. 131-132, 1995.

______. Língua e linguagem – signos linguísticos – funções, formas e tipos de

linguagem – hierarquia de linguagens. Filosofia do direito I: apostila de lógica

jurídica. São Paulo: PUC/SP, 2003.

CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Poder econômico: fenomenologia – seu

disciplinamento jurídico. São Paulo: RT, 1967.

317

CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo: Parma, 2005.

CHAVES, Natalia Cristina. Direito empresarial. Securitização de crédito. Belo

Horizonte: Del Rey, 2006.

COELHO, Livia Alves Visnevski Fróes. Securitização. 2007. Dissertação (Mestrado) –

PUC/SP, São Paulo.

CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. Belo Horizonte:

Faculdades Integradas Newton Paiva, 1998.

CONTI, José Mauricio. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores

Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014.

COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código de direito

tributário nacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4. ed. São Paulo: Leud, 2001.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Organizadores Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7.

ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

______. Constituição de crédito tributário. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do

(Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense,

1998.

DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Livraria dos

Advogados, 1971.

EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & mercado de capitais. Rio de Janeiro: Renovar,

1997.

FAGUNDES, Carlos. Securitização: inovação na gestão de créditos bancários.

Tecnologia de Crédito, v. 2, n. 11, p. 6-13, mar. 1999.

FALCÃO, Guilherme Jurema. Legislação que regula as empresas de fomento mercantil

(“Factoring”) no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.

318

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,

dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FUSO, Rafael Correia. Seletividade tributária. 2006. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP,

São Paulo.

GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da

nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011.

GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. 8.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 3.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais.

São Paulo: Malheiros, 2002.

GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São

Paulo: Dialética, 1998.

______. Planejamento tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2011.

HARADA, Kiyoshi. Cessão de crédito tributário – Parecer. Conteúdo Jurídico, Brasília,

3 dez. 2009. Disponível em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=8648.25624&seo=1>.

Acesso em: 30 abr. 2016.

HORVATH JR., Miguel. Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J (Coord.). A primer on securitization.

Cambridge: MIT Press, 1996.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3. ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

319

LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. O conceito de security no direito americano e o

conceito análogo no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial,

Econômico e Financeiro, ano XIII, v. 14, p. 60, 1974.

LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributária: decadência e

prescrição. São Paulo: Quatier Latin, 2005.

LUCCA, Newton de. Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito. São Paulo:

Pioneira, 1979.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros,

2007.

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do imposto sobre serviços. 6. ed. São Paulo: Jurídico

Atlas, 2004.

MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva (completabilidade e

sistema tributário). 2013. Tese (Doutorado) – PUC/SP, São Paulo.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2002.

MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário. 6. ed. São

Paulo: Malheiros, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

MERKS, Paulus. Sonegação fiscal, elisão fiscal, planejamento tributário agressivo e não

agressivo. Direito tributário internacional: teoria e prática. São Paulo: RT,

2014.

MOSQUERA, Roberto Quiroga. O conceito constitucional de renda e provento de

qualquer natureza. 1996. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo.

______. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1998.

MOUSSALLÉM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max

Limonad, 2001.

320

NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São

Paulo: Quartier Latin, 2010.

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Organizadores Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7.

ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Tributo antecipado pelo contribuinte de direito, cuja base

de cálculo é o preço. Não pago este, também a Fazenda não pode se apropriar

do tributo. Compensação ou restituição. Revista Dialética de Direito Tributário,

São Paulo: Dialética, n. 62, p. 170, set. 2001.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cadernos de Pesquisas Tributárias, São Paulo: Resenha

Tributária, n. 14, p. 177, 1989

PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2.

ed. São Paulo: Almedina, 2015.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 20. ed.

São Paulo: RT, 2012. v. XLVII.

PONTES, Helenilson Cunha. Grandes questões atuais do direito tributário. 8. ed. São

Paulo: Dialética, 2004.

QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São

Paulo: Manole, 2004.

RANIERI, Lewis. The origins of securization, sources of its growth, and its future

potential. In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J (Coord.). A primer on

securitization. Cambridge: MIT Press, 1996. p. 30.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do

direito. São Paulo: Manole, 2005.

SABAGG, Eduardo. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

321

SANTANA, Rogério de Araújo. O fundo de investimento em direitos creditórios como

alternativa de financiamento: 2001 – 2005. 2006. Dissertação (Mestrado em

Economia) – PUC/SP, São Paulo.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança

jurídica e legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014.

SCHOUERI, Luis Eduardo; VIANA, Matheus Cherulli Alcantara. O termo “insumos”

na legislação das contribuições sociais ao PIS/Pasep e à Cofins: a discussão e os

novos contornos jurisprudenciais sobre o tema. PIS e Cofins à luz da

jurisprudência do CARF. São Paulo: MP, 2011.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica

da construção do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

THEODORO JR., Humberto. Processo de execução. 23. ed. São Paulo: Editora

Universitária de Direito, 2005.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2011/2012.

______. Contribuições para a seguridade social: aspectos constitucionais. 2000.

Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo.

TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada:

simulação: elusão tributária. São Paulo: RT, 2003.

______. Novas medidas de recuperação de dívidas tributárias. Revista Consultor

Jurídico, São Paulo, 17 jul. 2013. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2013-jul-17/consultor-tributario-novas-medidas-

recuperacao-dividas-tributarias?pagina=2>. Acesso em: 3 mar. 2016.

______. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. São Paulo:

RT, 2001.

VAZ, Isabel. Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2000.

322

WALD, Arnoldo. Direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito,

1959. v. 2, n. 235.

XAVIER, Alberto. A evasão fiscal legítima: o negócio jurídico indireto em direito

fiscal. Revista de Direito Público, São Paulo: RT, ano VI, n. 23, p. 236-253,

jan.-mar. 1973.