pesquisadoras indÍgenas: o protagonismo das mulheres …

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X PESQUISADORAS INDÍGENAS: O PROTAGONISMO DAS MULHERES TERENA Lindomar Lili Sebastião Resumo: O presente trabalho discorre sobre as pesquisas desenvolvidas pelas mulheres indígenas pesquisadoras Terena. Para situar o povo Terena, sua maior população 1 habita a região do centro oeste brasileiro, precisamente o estado de Mato Grosso do Sul, local desta pesquisa. Descendem do tronco linguístico Aruak ou Arawak, como é grafado na literatura. Há também um contingente significativo em outros estados: São Paulo e Mato Grosso, fruto do processo da política pacificadora do SPI Serviço de Proteção ao Índio, extinta na década de sessenta. Propomos, neste trabalho, apresentar as mulheres índias pesquisadoras e sujeitos de sua própria pesquisa, professoras e militantes. Ressaltamos a relevância deste estudo para a população indígena nos campos da Educação, Antropologia e Saúde. Tais resultados foram relevantes e culminaram com aos impactos em sua comunidade de pertença. A formação escolar/acadêmica (de acesso exclusivo masculino, a princípio) propiciou o reconhecimento e o protagonismo das mulheres Terena. Palavras-chaves: Índias Terena. Pesquisadoras. Protagonismo. 1 Introdução O presente trabalho aborda as mulheres indígenas do grupo étnico Terena e pesquisadoras nas áreas do conhecimento científico ocidental. Ao nos reportar às lutas das mulheres na sociedade não indígena, seja ela ocidental ou europeia, percebemos que as suas conquista por espaços na sociedade superaram inúmeros enfrentamentos como desafios. Entre a sociedade Terena em que as mulheres sempre atuaram nos bastidores das discussões e situações sociopolíticas, encontraram na formação intelectual espaço para sair do anonimato, ocupando espaços visíveis dentro e fora de seu contexto cultural. Na sociedade Terena é possível observar que a educação formal escolar sempre foi privilégio masculino, cabendo às mulheres apenas saberem copiar seu nome e sobrenome. Essa é a realidade vivida por essa sociedade até algumas décadas atrás e que deixou de ser uma prática, abrindo espaços ao avanço das mulheres no campo da formação científica. Torna-se plausível esta abordagem, principalmente para expor os avanços das mulheres indígenas ocupando diversos setores em que atuam no interior de sua comunidade, seja no setor da 1 Atualmente a população Terena no estado de Mato Grosso do Sul soma em torno de 23 mil habitantes. O número corresponde aqueles que residem tanto nas reservas no interior de vários municípios quanto áqueles que residem nas cidades.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

PESQUISADORAS INDÍGENAS: O PROTAGONISMO DAS MULHERES

TERENA

Lindomar Lili Sebastião

Resumo: O presente trabalho discorre sobre as pesquisas desenvolvidas pelas mulheres indígenas

pesquisadoras Terena. Para situar o povo Terena, sua maior população1 habita a região do centro

oeste brasileiro, precisamente o estado de Mato Grosso do Sul, local desta pesquisa. Descendem do

tronco linguístico Aruak ou Arawak, como é grafado na literatura. Há também um contingente

significativo em outros estados: São Paulo e Mato Grosso, fruto do processo da política

pacificadora do SPI – Serviço de Proteção ao Índio, extinta na década de sessenta. Propomos, neste

trabalho, apresentar as mulheres índias pesquisadoras e sujeitos de sua própria pesquisa, professoras

e militantes. Ressaltamos a relevância deste estudo para a população indígena nos campos da

Educação, Antropologia e Saúde. Tais resultados foram relevantes e culminaram com aos impactos

em sua comunidade de pertença. A formação escolar/acadêmica (de acesso exclusivo masculino, a

princípio) propiciou o reconhecimento e o protagonismo das mulheres Terena.

Palavras-chaves: Índias Terena. Pesquisadoras. Protagonismo.

1 Introdução

O presente trabalho aborda as mulheres indígenas do grupo étnico Terena e pesquisadoras nas

áreas do conhecimento científico ocidental. Ao nos reportar às lutas das mulheres na sociedade não

indígena, seja ela ocidental ou europeia, percebemos que as suas conquista por espaços na

sociedade superaram inúmeros enfrentamentos como desafios. Entre a sociedade Terena em que as

mulheres sempre atuaram nos bastidores das discussões e situações sociopolíticas, encontraram na

formação intelectual espaço para sair do anonimato, ocupando espaços visíveis dentro e fora de seu

contexto cultural.

Na sociedade Terena é possível observar que a educação formal escolar sempre foi privilégio

masculino, cabendo às mulheres apenas saberem copiar seu nome e sobrenome. Essa é a realidade

vivida por essa sociedade até algumas décadas atrás e que deixou de ser uma prática, abrindo

espaços ao avanço das mulheres no campo da formação científica.

Torna-se plausível esta abordagem, principalmente para expor os avanços das mulheres

indígenas ocupando diversos setores em que atuam no interior de sua comunidade, seja no setor da

1 Atualmente a população Terena no estado de Mato Grosso do Sul soma em torno de 23 mil habitantes. O número

corresponde aqueles que residem tanto nas reservas no interior de vários municípios quanto

áqueles que residem nas cidades.

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Saúde, da Educação e no campo da Antropologia. Podemos mencioná-las como mulheres

desafiadoras, embora se identifiquem pelo termo “guerreiras”, diversas vezes presente em suas

falas. Elas ultrapassaram e superaram barreiras culturais deixando suas reservas para viverem

temporariamente nas metrópoles brasileiras.

Construímos o presente trabalho recorrendo aos aportes teórico-metodológicos entre os quais

pesquisadores que abordam a temática indígena, antropólogos e historiadores bem como aos

próprios pesquisadores Terena.

2 Lugar de pertença

Pertencemos à sociedade indígena Terena localizada em vários territórios: Taunay Ipegue2 no

município de Aquidauana; Buriti3, nos municípios de Dois irmãos do Buriti e Sidrolandia; e

Cachoeirinha4, no município de Miranda, no estado de Mato Grosso do Sul, mais precisamente no

centro oeste brasileiro.

Como parte do povo Terena, me coloco em meio às pesquisadoras enquanto antropóloga

indígena. (re)afirmamos o nosso pertencimento étnico como seres de cultura particular, específica e

em constante transformação, tal como bem fundamenta Ortiz (1989) apontando para a cultura como

algo dinâmico e não estático; em constante transformação. Costumes e hábitos culturais vão se

modificando ao longo do contato com outras sociedades.

Acreditamos que a transformação em nossos costumes se altera de forma a se ressignificar de

acordo com o momento histórico e a necessidade do meio em que vivemos. Aglutinamos novos

elementos exógenos, adaptando-os aos nossos costumes para suprir nossas necessidades do

momento.

Essas mudanças que abrangem o comportamento das Terena estão ligadas às forças políticas

e econômicas também, proporcionando a elas uma nova visão de mundo. Wolf (2003, p.295)

salienta em relação às transformações que atingiram povos indígenas dos Estados Unidos o

seguinte: “a questão não é se o indígena norte-americano produziu materiais culturais distintos

2 O referido território compõe-se de sete reservas, num total de 6.400 hectares e, aproximadamente, 3 mil habitantes.

3 O território Buriti compõe-se de 2.900 hectares e uma população de 4.077 habitantes, distribuídos entre as nove

reservas.

4 A terra indígena Cachoeirinha está inserida no município de Miranda e compõe uma população de 6.475 habitantes de

acordo com os dados do IBGE 2010.

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próprios, mas se fizeram isso sob a pressão das circunstâncias, as imposições de novas demandas e

mercados e as consequências de novas configurações políticas”.

Somos parte de um grupo minoritário em que a resistência é caracterizada pelo uso e

aglutinação de novos elementos culturais em empréstimos provenientes da sociedade nacional como

forma de resistência. A resistência étnica é afirmada pelo reconhecimento à identidade, pelo

pertencimento ao grupo étnico, pela manutenção da língua de origem, pela tradição e pela crença.

3 As pesquisadoras Terena

Entre as diversas índias pesquisadoras, situaremos algumas para ilustração do novo papel da

mulher indígena no contexto sociocultural e político no interior do grupo de pertença. Buscamos

algumas dessas mulheres nos três territórios mencionados no ítem anterior, tendo como foco a

mulher enquanto pesquisadora e sujeito da pesquisa no âmbito da academia.

Nome Titulação/Instituição Tema da dissertação/tese

1.Edineide Bernardo de

Farias

Mestre em Educação –

UCDB

A criança indígena Terena

da aldeia Buriti, em Mato

Grosso do Sul: o primeiro

contato escolar.

2.Dalila Luiz Mestre em Educação –

UEMS

A prática pedagógica dos

professores Terena: o uso

de temas “geradores no

processo” de alfabetização.

3.Maria de Lourdes

Sobrinho

Mestre em Educação –

UCDB

Alfabetização na língua

Terena: uma construção de

sentido e significado da

identidade Terena da aldeia

Cachoeirinha.

4.Simone Eloy Amado Mestre em Antropologia

Social – UFRJ

O ensino superior dos

povos indígenas de Mato

Grosso do Sul: desafios,

superação e

profissionalização.

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5.Lindomar Lili Sebastião Mestre em Ciencias

Sociais/Antropologia –

PUCSP

Mulher Terena: dos papéis

tradicionais para a atuação

sociopolítica.

6.Nilza Leite Antonio Mestre em Psicologia –

UCDB

Raízes da Língua:

identidade e rede social de

crianças Terena da escola

bilíngue da aldeia Bananal.

7.Celma Francelino Fialho Mestre em Educação –

UCDB

O percurso histórico da

língua e cultura Terena na

aldeia Ipegue/Aquidauana-

MS.

8.Zuleica Tiago Mestre em Saúde da

Família – UFMS

Sífilis adquirida, sífilis em

gestante e sífilis congênita

na população indígena do

Mato Grosso do Sul: uma

análise comparativa entre

as notificações no SINAN e

DSEI-MS.

No percurso dessas mulheres, entre as idas e vindas de seus territórios de pertença os centros

urbanos onde se situam as instituições acadêmicas, o choque cultural tornou-se um dos marcos

históricos. Apesar do convívio mesmo que esporádico, com os purútuye (não indígena), não ficaram

isentas de um forte estranhamento da cultura do outro.

Os jargões acadêmicos foram elementos desafiadores para àquelas que tinham a língua de

origem como a primeira língua, um grande desafio que, segundo elas, foi aos poucos superado. O

convívio com novas pessoas de diferentes culturas propiciou a elas grandes descobertas e, seguindo

a dinâmica cultural, pode aglutinar novos hábitos a sua forma de agir, facilitando, dessa maneira, a

convivência com os não indígenas.

Dentre os trabalhos desenvolvidos pelas mulheres, a pesquisa da Terena Edineide Bernardo

de Farias, (2015) professora em sua comunidade, rendeu-lhe avanço profissional na área da

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Educação e na da organização política interna. Em seu trabalho, buscou situar a criança Terena no

primeiro contato escolar, descrevendo os impactos sofridos por ela diante dessa nova experiência

escolar no início de sua escolarização (a pré-escola); analisou a presença de um diálogo

estabelecido entre os conhecimentos oriundos dos saberes tradicionais adquiridos no âmbito

familiar, e o conhecimento obtido dos novos saberes propostos pela escola.

A criança Terena, nesse contexto, aprende brincando, tal como a pesquisadora escreve. É no

seu cotidiano, em meio às diversas brincadeiras, que as crianças indígenas acumulam os

conhecimentos vindos da tradição. Por outro lado, a escola tornou-se um espaço de referência para

aquisição dos conhecimentos do mundo ocidental. Quando questionada sobre a contribuição maior

de sua formação enquanto mulher indígena e professora para sua comunidade, a pesquisadora

responde:

No trabalho busquei sempre valorizar a questão cultural. Nós temos os conteúdos

ocidentalizados e se der nós aplicamos os nossos conhecimentos, aí que busquei

trabalhar o diferencial, abordando mais a questão cultural, as danças, a importância

dos registros, a oralidade, a participação mais intensa na contribuição da organização

interna junto com o cacique, ai que vi um importante trabalho e reconhecimento.

Hoje eu ocupo um espaço importante dentro do município, que é a representação nas

politicas publicas para as mulheres, que não tinha. E antes isso não tinha, não existia

para as mulheres indígenas. (Edineide B. Farias, 29 anos. Entrevista cedida em

março de 2016).

O seu reconhecimento enquanto profissional da Educação, somado ao papel de

pesquisadora, trouxe novas aberturas no que tange à atuação no âmbito político e representatividade

em sua comunidade. Essa é uma realidade semelhante em outros territórios onde a mulher passou a

ocupar novos espaços.

Entre os trabalhos científicos desenvolvidos, a Terena Dalila Luiz (2016) (diretora da escola

e liderança em sua comunidade) destaca a “alfabetização na língua materna”, em que analisa o

discurso dos professores alfabetizadores em sua comunidade, junto à prática pedagógica de

alfabetização na própria língua, utilizando temas geradores como ponto de partida. Os temas

geradores são elementos da tradição com os quais as crianças, em processo de alfabetização,

convivem, tais como: os mitos, contos, histórias narradas pelos velhos, entre outros temas que

fazem parte de seu cotidiano.

No campo da antropologia, destacamos o trabalho da Terena Lindomar Lili Sebastião

(2012), que em sua pesquisa de mestrado buscou evidenciar a transformação cultural por meio do

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comportamento das mulheres de seu grupo. Analisou fatores possíveis para a alteração dessa

transformação no contexto cultural, no que tange às novas funções de caráter político interno, e se

prolongando para o exterior de seu grupo. A análise realizada evidenciou que os papéis tradicionais

das mulheres permanecem e são praticadas em seu cotidiano, mas somados aos novos papéis que as

remetem às discussões que envolvem os interesses da comunidade.

As atuações políticas, no entanto eram consideradas espaços de exclusividade masculina.

Coube à mulher a permanência no privado, no âmbito doméstico, que a limitava aos bastidores.

Essa evidência buscamos em Bourdieu (2002, p.41):

Cabe aos homens, situados do lado exterior, do oficial, do público, do direito, do

seco, do alto, do descontínuo, realizar todos os atos ao mesmo tempo breves,

perigosos e espetaculares... As mulheres, pelo contrário, estando situado do lado do

úmido, do baixo, do curvo e do contínuo, veem serem-lhes atribuídos todos os

trabalhos domésticos, ou seja, privados e escondidos, ou até mesmo invisíveis e

vergonhosos.

Ainda nessa mesma discussão, a antropóloga Carmem Junqueira (2002, p.32), em seus

estudos sobre a relação de poder entre o homem e a mulher Kamaiurá do alto Xingu, enfatiza a

existência da assimetria, podendo ser caracterizada como uma das maiores assimetrias na a relação

do homem com a mulher:

O marido não é nenhum tirano, mas a divisão do trabalho encerra a mulher num

espaço acanhado. Enquanto o homem tem possibilidade de acumular novas experiências e aprofundar

novos conhecimentos do mundo, a vida da mulher transcorre num circuito fechado de repetições, distante

do poder e sem acesso às atividades que conferem maior prestígio.

É notório que as Terena circulavam no âmbito privado e eram exclusas da participação nas

discussões da aldeia, era em casa que elas se moviam dialogando com os homens, trazendo

informações e questionamentos. É possível que as informações e diálogos no âmbito familiar

tenham influência nas decisões que envolvem os homens. O depoimento5 da índia Iza Tapuia,

consultora da UNESCO, muito nos diz a respeito:

Os homens não tomam a decisão sozinho. Apesar de estarem no terreno, ou

conversando na casa dos homens, eles não saem de lá sem levar em conta a

5 Fonte<http://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/noticias-violencia/por-que-violencia-contra-mulheres-indigenas-e-

tao-dificil-de-ser-combatida-no-brasil/> Acesso 25/01/2017.

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orientação das mães, das irmãs, das esposas. É muito difícil que um homem tome

uma decisão que não seja compartilhada com as mulheres. Dá a impressão para

quem chega de fora que eles são os todo poderosos, são o centro da aldeia. Mas isso

não significa que nós não temos nosso poder. Se você conviver em uma aldeia você

vai perceber isso. Essas normas são feitas muito antes da gente nascer. Já está

definido ali o meu papel, a minha responsabilidade.”

O romper dessa tradição de ocupação masculina na esfera pública, remeteu as mulheres ao

público atuando enquanto lideranças em sua comunidade, hora enquanto professoras pesquisadoras,

ora como presidentes de associação jurídica e conselheiras tribais na hierarquia da liderança

tradicional. O avanço das mulheres nas esferas públicas tem propiciado o fortalecimento da

participação nos debates em torno das questões indígenas no âmbito interno e externo.

Ainda no campo da antropologia, segue a pesquisa da Terena Simone Eloy Amado ( 2016),

dando enfoque à presença dos povos indígenas do estado de Mato Grosso do Sul no ensino superior.

A autora enfoca a Educação como instrumento em busca da garantia de cidadania brasileira para o

protagonismo indígena na efetivação de seus direitos. Nos últimos anos, percebeu-se um aumento

significativo de jovens ingressos no Ensino Superior via políticas de ações afirmativas construídas

pelas instituições, e também pelas políticas governamentais, tidas como mecanismo de reparação

aos processos históricos coloniais. Para a pesquisadora, fica evidente que a Educação tornou-se

sinônimo de autonomia para o povo Terena.

Nilza Leite Antonio (2009), formada em Pedagogia, desafia o campo da Psicologia em seu

trabalho no âmbito da psicopedagogia, abordando a relevância do ensino bilíngue (Terena e

português) nas séries iniciais. O trabalho, segundo a pesquisadora, é um estudo de caso exploratório

e qualitativo tendo como objetivo a compreensão de alguns aspectos de sua identidade durante o

processo de escolarização. A pesquisa evidenciou que a alfabetização na língua de origem é um

importante instrumento para a preservação da cultura, como bem coloca a pesquisadora: “estudar

na própria língua é um ganho”. A pesquisa impulsionou reflexões a respeito da escola a que os

Terena têm acesso: se a princípio essa sociedade não necessitava de uma escola ocidental. O ensino,

no entanto, era oral, e, com a chegada dos purútuye, dos não indígenas, e a necessidade dos povos

chegarem ao nível da civilidade oriunda da política indigenista estatal, a escola ocidentalizada foi

introduzida deixando de lado a escola tradicional de saberes tradicionais vindos da cultura indígena.

Nos diversos territórios onde estão localizadas as reservas, há aquelas habitadas pelos Terena

não mais falantes da sua língua de origem, salvo os anciãos. Há também diversas reservas em que a

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língua de origem é a primeira língua falada. Na indagação de o porquê tais comunidades não usam

mais sua própria língua, a Terena Celma Francelino Fialho (2010), segue com a linha de pesquisa

no âmbito da Diversidade Cultural e Educação Indígena.

Analisando a trajetória da língua de origem da comunidade escolhida para a realização da

pesquisa, a pesquisadora, de acordo com os resultados encontrados, indício as intervenções na

língua sofridas ao longo do trajeto histórico. Há um forte evidencia de que o intenso contato com a

sociedade purútuye – não indígena - propiciou o desuso da língua. Os Terena se depararam, num

dado momento de sua história, com a necessidade de aprenderem fortemente a língua portuguesa,

pois acreditavam que com o domínio da segunda língua, colocando-a como a primeira língua em

seu meio, isso poderia resultarem avanços na facilidade de estabelecer diálogos e negociações no

mundo dos não indígenas. E com isso efetivar uma relação de poder mais simétrica entre ambas as

sociedades.

A opção pela língua portuguesa foi um instrumento de caráter político. Vargas (2011, p.149)

explica o desuso da língua de origem entre os Terena como instrumento de autodefesa, já que eles

conviviam com os não indígenas e viviam intensamente do trabalho braçal em suas fazendas: “Uma

das razões pelo qual os Terena não ensinavam a língua para os seus filhos era para protege-los

dos maus-tratos nas fazendas enquanto empregados, pois aqueles que tinham dificuldades para

entender o português eram humilhados pelos não índios...”

O estudo sobre a presença ou não da língua de origem nessa sociedade tornou-se uma das

questões mais abordadas nas últimas décadas entre os profissionais indígenas no campo da

Educação. Ler e escrever usando a própria língua tem despertado a sua valoração como elemento da

cultura, e para a sua não extinção, as comunidades não falantes construíram meios para a sua

revitalização. Nesse âmbito, também encontramos o trabalho desenvolvido pela Terena Maria de

Lourdes Sobrinho (2010), ex-doméstica que encontrou na formação acadêmica o instrumento para

contribuir com seu povo, abordando a alfabetização na língua Terena.

De acordo com a pesquisadora, o objetivo do trabalho desenvolvido estava voltado para

analisar a alfabetização na língua Terena, discutindo a construção de sentido e significado a partir

de uma experiência realizada (no 1º ano do Ensino Fundamental). Com o resultado preliminar da

pesquisa, foi possível perceber que a língua Terena é meio de socialização entre o grupo étnico,

construindo sentidos e significados na cosmovisão Terena, e promovendo a afirmação da

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identidade. A pesquisa também evidenciou que alfabetizar criança na língua de origem é um grande

desafio, pois cria impasses políticos por exemplo a resistência, por não reconhecer a relevância da

própria comunidade no ensino da língua de origem na construção do pensamento e do

conhecimento.

Na área da Saúde, Zuleica Tiago (2015) ingressou no mestrado profissional em Saúde da

Família pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, tendo como tema de pesquisa DST –

Sífilis entre a população indígena do estado de Mato Grosso do Sul. Em seus estudos procurou

evidenciar a incidência e a presença de sífilis em gestante, congênita e adquirida nas populações

indígenas desse estado. As analises dos dados permitiram identificar as subnotificações; gerando

uma planilha com o total de casos de sífilis num recorte temporal entre 2011 e 2014. Dessa forma,

tornou-se evidente uma concentração significativa da doença na região. O maior índice se

concentrou na região sul do estado, demonstrando ser um grave problema de saúde pública presente

entre a população indígena.

4 Considerações Finais

O acesso à educação tem sido um dos fatores mais relevantes e determinantes para o

protagonismo das mulheres Terena no estado de Mato Grosso do Sul Como descrevemos

anteriormente, por muito tempo o acesso à educação foi um direito exclusivo do homem. Às

mulheres restava o circuito doméstico, interno e sempre acanhado em relação aos papéis mais

significativos exercidos pelos homens.

É possível que o intenso contato desses indígenas com a sociedade não indígena, ao longo de

sua história, tenha possibilitado abrir novos espaços para as mulheres atuarem. De acordo com as

suas demandas e necessidades, as mulheres recorreram à educação como instrumento de ampliação

dos papéis por elas exercidos. A princípio, a formação concentrou-se na área da educação. Como

professoras, seus papéis deram continuidades ao “cuidar”, papel exercido no âmbito familiar. Em

decorrência da aquisição de novas informações e de conhecimentos ocidentais, as mulheres foram

impulsionadas a ampliar seu papel dentro da comunidade, como pesquisadoras em diversos

programas de Pós-Graduação gerando reconhecimento significativo do grupo de pertença e suas

respectivas lideranças.

Hoje, não são somente os homens que vão para as discussões que envolvem a comunidade, mas

também elas, como por exemplo, o papel atualmente exercido pela pesquisadora Edineide B. Farias,

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retratando as mulheres indígenas no cargo de representante de políticas públicas para as mulheres

indígenas em seu município. Assim como tantas outras mulheres presentes atuando na luta pelos

direitos indígenas, são elas também que participam das discussões sobre território, educação, saúde,

entre outras demandas nos âmbitos municipal, estadual e nacional.

Os resultados das pesquisas provocou o impacto em suas comunidades à medida que trouxeram

reflexões e possíveis direções aos problemas vivenciados, como no âmbito da Saúde. Na educação

ficou evidente a necessidade da revitalização da língua de origem como parte de sua identidade

étnica e manutenção da própria cultura. O desuso da língua de origem em algumas aldeias tanto nos

momentos históricos quanto nos atuais denota uma forma de resistência e negociação com a

sociedade nacional. Porém, atualmente, as escolas reverteram esse quadro buscando a revitalização

da língua de origem como instrumento de afirmação de sua identidade.

É possível afirmarmos que os Terena encontraram na formação escolar e científica o meio de

resistência na busca da efetivação dos direitos adquiridos e constitucionais. A formação tem sido

ferramenta para negociação com o mundo do outro, buscando dessa forma, uma possível simetria

com a sociedade dos não índios. Como exemplo, o índice significativo de jovens (mulheres e

homens) no ensino superior. Nesse contingente, a presença da mulher é maciça. Vale ressaltar que a

educação, equiparada aos elementos transformadores, não trouxe apenas a leitura e a escrita, trouxe

também outros elementos além da tradição para a mulher pensar e se posicionar, opinar, lançar suas

ideias e fazer sua história.

5 Referencial Bibliográfico

AMADO. Simone Eloy. O ensino superior para os povos indígenas do estado de Mato Grosso do

Sul: desafios, superação e profissionalização. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de

Antropologia Social. UFRJ. 2016

ANTONIO, Nilza Leite. Raízes da Língua: identidade e rede social de crianças Terena da escola

bilíngue da aldeia Bananal. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação

em Psicologia da Saúde. UCDB. 2009.

BOURDIEU. Pierre. A dominação masculina. Ed. Bertrand Brasil. RJ. 2010.

FARIAS, Edineide Bernardo. A criança indígena Terena da aldeia Buriti, em Mato Grosso do Sul:

o primeiro contato escolar. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Educação. UCDB. 2015.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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FIALHO. Celma Francelino. O percurso histórico da língua e cultura Terena na aldeia

Ipegue/Aquidauana-MS. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em

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JUNQUEIRA. Carmem Silvia. Sexo e desigualdade: Entre os Kamiurá e os Cinta Larga. Ed. Olho

D `água. SP.2002.

LUIZ, Dalila. A prática pedagógica de professores Terena: o uso de “temas geradores” no

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ORTIZ, Fernando. Transculturación in. Editorial de Ciencias Sociales. La Habana. 1989.

SEBASTIÃO. Lindomar Lili. Mulher Terena: dos papéis tradicionais para a atuação sociopolítica.

Dissertação de mestrado apresentado ao programada de pós-graduação em Ciências

Sociais/Antropologia. PUCSP. SP. 2012.

SOBRINHO, Maria de Lourdes Elias. Alfabetização na língua Terena: uma construção de sentido e

significado da identidade Terena da aldeia Cachoeirinha. Dissertação de mestrado apresentado ao

Programa de Pós-graduação em Educação. UCDB. 2010.

TIAGO, Zuleica. Sífilis adquirida, sífilis em gestante e sífilis congênita na população indígena do

Mato Grosso do Sul: uma análise comparativa entre as notificações no SINAN e DSEI-MS.

Dissertação de Mestrado apresentado no programada de pós-graduação em Mestrado Profissional

em Saúde da Família. UFMS. 2015.

VARGAS, Vera Lúcia Ferreira. A dimensão sociopolítica do território para os Terena: as aldeias

no século XX e XXI. Tese de doutorado apresentada no Programa de Pós-graduação em História

Social. UFF. 2011.

WOLF. Eric.R. Antropologia e poder: Cultura, Panacéia ou problema? Ed. Unicamp. SP. 2003.

Female indigenous researcher: the protagonism of the terena women

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Abstract: This work discusses research developed by Terena indigenous women. The major

population6 of Terena people lives in Brazilian Mid-West, precisely, in the state of Mato Grosso do

Sul, location of this research. They descend from the Aruak linguistic stock, described as Arawak

on literature. There is also a significant population in other states like: São Paulo e Mato Grosso,

result of the peace-keeping policies of SPI – Service of Indigenous Protection, extinct in the 1960’s.

In this work, we propose to present the indigenous researcher women that are also subjects of their

own research, teachers and activists. We highlight here the relevance of this study to the indigenous

population in the fields of Education, Anthropology and Health. Such results were important and

made impact the territories from where they come from. The access to school/university (exclusive

for men in the past) was central to the recognition and the protagonism of Terena women.

Keywords: Terena Indigenous Women. Female Researchers. Protagonism.

6 Currently the Terena population of Mato Grosso is estimated in 23.000 people, corresponding to those who live in indigenous territories within municipal areas and those who live in cities.