p f i no plano p 2012-2015 - escoladegestao.pr.gov.br · planejamento em bases mais complexas e...
TRANSCRIPT
Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 25, 26 e 27 de março de 2014
PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO INSTRUMENTO EFETIVO
DE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS: ANOTAÇÕES SOBRE O FÓRUM INTERCONSELHOS
NO PLANO PLURIANUAL 2012-2015
JOSÉ CARLOS DOS SANTOS DANIEL PITANGUEIRA DE AVELINO
2
Painel 01/002 Participação social e transversalidade
PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO INSTRUMENTO EFETIVO DE
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS: ANOTAÇÕES SOBRE O FÓRUM INTERCONSELHOS NO PLANO PLURIANUAL 2012-2015.
José Carlos dos Santos
Daniel Pitangueira de Avelino
RESUMO Como parte significativa do arcabouço institucional brasileiro, a Constituição Federal de 1988 aprovou legislação de reformas constitucionais e o instrumento dos Planos Plurianuais (doravante, PPAs) que se constituem como o principal instrumento de planejamento governamental para médio prazo. Consolidado como instrumento de planejamento governamental, o que se pode afirmar sobre a efetividade da participação social durante as etapas de planejamento – preconizadas constitucionalmente – ao longo dos 25 anos de vigência desse quadro constitucional? Avançaram a compreensão e a intervenção sobre políticas, com participação? Existem aprendizagens institucionais consolidadas, alguma irrigação metodológica – e se presentes – fertilizam inteligência decisória sobre políticas públicas? Palavras-chave: Planejamento governamental. Planos plurianuais. Agendas transversais. Planejamento governamental em contexto democrático.
3
INTRODUÇÃO
Como parte significativa do arcabouço institucional brasileiro, a
Constituição Federal de 1988 aprovou legislação de reformas constitucionais e o
instrumento dos Planos Plurianuais (doravante, PPAs) que se constituem como o
principal instrumento de planejamento governamental para médio prazo.
Consolidado como instrumento de planejamento governamental, o que se
pode afirmar sobre a efetividade da participação social durante as etapas de
planejamento – preconizadas constitucionalmente – ao longo dos 25 anos de
vigência desse quadro constitucional? Avançaram a compreensão e a intervenção
sobre políticas, com participação? Existem aprendizagens institucionais
consolidadas, a irrigação metodológica – se presente – fertiliza inteligência decisória
sobre políticas?
Este texto é a versão resumida da primeira parte de um projeto de
pesquisa sobre os instrumentos de planejamento governamental inspirado a partir
do aparecimento do Plano Plurianual no quadro institucional brasileiro, suas
mudanças conceituais – que passam a abranger uma ideia de Projeto Nacional de
Desenvolvimento – e a incorporação de instrumentos de participação social em suas
etapas de desenho, implementação, monitoramento e avaliação.
Para o caso do PPA ora vigente, 2012-2015, a inovação institucional
analisada é o caso do Fórum Interconselhos, instância de participação direta,
composta por membros dos Conselhos Nacionais de Políticas, participando desde a
etapa de desenho do Plano até intervenções de Monitoramento Participativo durante
a execução.
O PPA 2004-2007 definiu cinco dimensões estratégicas: social,
econômica, regional, ambiental e democrática que se posicionaram como
objetivos a serem perseguidos.
O PPA 2008-2011 organizou as ações de governo em três eixos:
crescimento econômico, agenda social e educação de qualidade. As inovações
institucionais desse Plano materializaram-se no anúncio de um primeiro Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC I), na construção de uma agenda social com foco
4
nas populações socialmente vulneráveis, prioritariamente focada em ações de
transferência de renda (notadamente, expansão do Programa Bolsa Família) e no
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
Ainda que se pretenda um documento global de planejamento
governamental, um dos mais evidentes desafios dos Planos Plurianuais está na
forma como incorporam os mais recentes planos setoriais de maneira harmônica,
abrangente e sinérgica. Esse arranjo não é trivial, mas algumas ações tentativas de
coordenação na década recente parecem apontar para uma retomada da função
planejamento em bases mais complexas e integradas.1
Entre o PPA 2004-2007 e o PPA 2008-2011 houve uma mudança clara no
teor dos documentos setoriais, que deixaram de ser apenas um apanhado de
diagnósticos gerais para assumirem caráter mais concreto ou pragmático, objetivado
em proposições de políticas bastante específicas e metas mensuráveis.
Os documentos setoriais pesquisados permitem observar a conformação
de um leque de áreas de atuação do Estado, dando mostras da amplitude,
complexidade e dificuldades da agenda do desenvolvimento com inclusão e
participação. 2
Para a montagem do PPA 2012-2015 o governo Dilma Rousseff partia,
portanto, de uma base muito mais favorável do que os dois mandatos Lula da Silva,
isso do ponto de vista tanto da trajetória concreta herdada da economia e do
desenvolvimento social, quanto da existência já de largos e bons diagnósticos
setoriais e um compêndio de diretrizes “concretas” de políticas públicas em várias
áreas de atuação do Estado.
Para uma breve contextualização das mudanças dos Planos Plurianuais e
evolução dos volumes de recursos envolvidos, organizam-se os quadros abaixo.
1 Para uma visão mais ampla sobre o tema, ver A Reinvenção do Planejamento Governamental no Brasil. Diálogos para o Desenvolvimento, volume 4. José Celso Cardoso Jr (org.) Ipea, 2011.
2 Para um melhor detalhamento e análise desses documentos, ver CARDOSO Jr. 2011.
5
Resumo dos principais momentos dos PPAs, pós CF 1988.
1988 - Reforma Constitucional (governo Sarney). Instituiu o Plano
Plurianual (PPA) como principal instrumento de planejamento de médio
prazo para o governo brasileiro. Na sequência, as reformas
constitucionais dos estados estenderam o conceito de planos
quadrienais para o âmbito da administração pública estadual;
1996 - Plano Plurianual 1996-99 (1º governo FHC). Introduziu novos
conceitos como nova referência espacial - os eixos nacionais de
desenvolvimento e os projetos estruturantes como meios de alcançar
as transformações almejadas;
2000 - Plano Plurianual 2000-2003 (2º governo FHC). Introduziu a ideia
de gestão por resultados, adotou o programa como unidade de gestão,
a integração entre plano, orçamento e gestão, além da implantação do
gerenciamento e da avaliação de desempenho nos programas do
governo federal;
2004 - PPA 2004-2007 (1º governo Lula). Definiu cinco dimensões
estratégicas (social, econômica, regional, ambiental e democrática) que
representariam os objetivos a serem perseguidos, conjugados à
dinamização do mercado de consumo de massa, ao aumento dos
investimentos e à elevação da produtividade. O desenvolvimento seria
viabilizado pela expansão competitiva das atividades que superariam a
vulnerabilidade externa;
2007 - PPA 2008-2011 (2º governo Lula). Desenvolvimento com
Inclusão Social e Educação de Qualidade. Organiza as ações de
governo em três eixos: crescimento econômico, agenda social e
educação de qualidade. Desdobra-se em um Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC), em uma Agenda Social com foco nas populações
socialmente vulneráveis, prioritariamente com ações de transferência
de renda (Benefício de Prestação Continuada, BPC) e Programa Bolsa
Família e no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
Fortemente orientado pela Agenda Nacional de Desenvolvimento
pactuada a partir do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social, CDES.
6
2011 – PPA 2012-2015 Plano mais Brasil Mais Desenvolvimento,
Mais Igualdade, Mais Participação – (Dilma Rousseff) Consolida uma
visão estratégica, participativa e territorializada para o planejamento
governamental, construindo uma visão de futuro para o Brasil. Propõe
onze macrodesafios de governo. Propõe valores para o
comportamento para a Administração Pública Federal. Permite a
participação da sociedade na sua construção, monitoramento e
avaliação, eliminando as barreiras da linguagem técnica. Possibilita
valorizar a diversidade e enxergar o território a partir dos recortes das
políticas e de seus impactos.
O documento do PPA 2012-2015 introduz outra inovação institucional,
materializando a participação social, desde o período de elaboração do Plano,
efetivada por meio do Fórum Interconselhos. O Fórum Interconselhos estimula a
participação social em todas as etapas do planejamento governamental, permitindo
à sociedade debater diretamente com o governo as estratégias norteadoras para os
próximos quatro anos.
Quadro 1 - Evolução dos Investimentos nos Planos Plurianuais
Fonte: MPOG, 2012. Adaptado.
O I Fórum foi realizado em maio de 2011 e reuniu cerca de 300
participantes para apresentar as contribuições da sociedade civil ainda durante a fase
de elaboração do Plano Plurianual 2012-2015l. Durante essa etapa, foram
apresentadas mais de 600 propostas e 77% dessas sugestões foram incorporadas ao
texto final do projeto de lei do PPA 2012-2015 que foi enviado ao Congresso Nacional.
7
Em outubro de 2011, o II encontro do Fórum Interconselhos, reuniu-se
para checar os números de incorporação de propostas ao Plano e discutir os
próximos passos, além das estratégias de monitoramento participativo do PPA.
Em novembro de 2012, o III Fórum Interconselhos foi organizado para
apresentar e pactuar a proposta de monitoramento participativo do Plano Plurianual
2012-2015. Foram pactuadas nove Agendas Transversais (Criança e Adolescente,
Juventude, Políticas para Mulheres, Idosos, População LGBT, Povos Indígenas,
População em Situação de Rua, Pessoas com Deficiência, Igualdade Racial,
Quilombolas e Comunidades Tradicionais)
A quarta edição, IV Fórum Interconselhos, foi realizada em setembro de
2013 e ali foi divulgado o Relatório de Monitoramento das Agendas Transversais do
Plano Plurianual (PPA) 2012-2015, reunido resultados do conjunto dos
compromissos de governo federal relativos a temas de natureza transversal e
multissetorial.
Esta edição do Fórum contou com a participação de cerca de duzentos
representantes de conselhos nacionais e movimentos sociais.
O Encontro inaugurou as ações do monitoramento participativo e da
participação social na gestão do PPA 2012-2015, de acordo com o artigo 3º, VII e
VIII do Decreto nº 7.866/2012.
Essas ações de monitoramento e controle social prosseguiram com a
análise das agendas no âmbito dos Conselhos Nacionais. A perspectiva para 2014 é
aprofundar essa participação, com a manifestação da sociedade sobre a execução
das ações governamentais e com a preparação do processo participativo a ser
adotado na elaboração do PPA 2016-2019.
BREVES REFLEXÕES SOBRE O DEBATE DEMOCRACIA X PARTICIPAÇÃO X PLANEJAMENTO
Observado o debate que se traçou, principalmente ao longo do século XX
até os dias de hoje, sobre democracia, temos que há uma mudança de foco
bastante importante. Se no inicio do século XX a discussão que se trazia era ”quê
democracia?”, ou seja, democracia ou socialismo, democracia ou comunismo,
8
ou ainda, uma variedade de formas de organização politica. A partir da primeira
metade do século XX, em diante, a democracia se torna um regime politico
hegemônico no mundo, indiscutivelmente.
Com isso, temos uma maioria esmagadora dos países do mundo que se
declaram serem democracias - se são ou não são, e em que intensidade, isso a
sabemos que varia muito. Mas, grande parte dos países do mundo de hoje se
identificam com essa ideia de ter um regime politico democrático.
Diante desse contexto, a grande questão que se coloca é sobre como se
organizam essas democracias, qual é a forma de exercício do poder democrático
que prevalece ou vigora nesses países?
Nesse sentido, o debate dentro da teoria democrática acabou assumindo
uma contraposição entre duas concepções sobre a forma da democracia na qual o
elemento participação tem um papel decisivo na diferenciação entre essas duas
concepções.
Ambas são concepções de democracia, não estamos falando aqui de
outra coisa. Mas, em uma delas a noção de participação é algo central e
estruturante e em outra não. Nesse segundo caso, normalmente, tornou-se comum
falar em uma concepção elitista de democracia; elitista não necessariamente no
sentido pejorativo, mas no sentido de que se trata de um regime politico cujo
exercício da autoridade - e a condução cotidiana dos negócios e das atividades da
administração pública - é feito por um grupo menor, ou seja, por uma elite dentro
dessa comunidade politica.
Essa concepção elitista se ancora na ideia de que a democracia,
fundamentalmente, deve se basear somente, ou principalmente, no procedimento
eleitoral de escolha de representantes políticos. A argumentação que dá suporte a
essa análise é a seguinte: as sociedades atuais são complexas, os Estados
nacionais têm que administrar territórios em grande escala ou populações em
grande escala, não há como o cidadão se fazer presente nas atividades do governo.
Mesmo se houvesse o argumento de que o cidadão provavelmente não teria o
interesse, ou ainda, se tivesse o interesse, não teria a capacidade de participar dos
debates políticos e das decisões sobre as politicas públicas.
9
Nessa fórmula, fundamentalmente, a democracia envolve o
estabelecimento de um procedimento por meio do qual esses cidadãos possam
delegar o seu poder de decisão, a sua autonomia, a sua soberania para alguém que
o represente na condução das atividades desse governo, alguém que possua as
capacidades necessárias, o interesse dele e que possa em nome desse cidadão
conduzir as politicas públicas.
Em contraposição a isso, há essa outra concepção de democracia, que
tenta dar maior valor, ou maior ênfase à ideia de participação social ou de
participação dos cidadãos.
Essa segunda concepção vai argumentar resumidamente: o procedimento
eleitoral é essencial, não se trata de desmerecê-lo, ou de combater a sua
importância, mas ele não pode ser considerado a única forma de contato entre
cidadãos e as elites dirigentes, nem pode ser considerado o único mecanismo de
legitimação das decisões públicas.
Uma democracia precisa ser composta por uma variedade, por uma
pluralidade de procedimentos que permitam contatos entre o governo e os seus
cidadãos. Além disso, seus argumentadores vão afirmar: é verdade que a atividade
pública, que o desenvolvimento das politicas públicas envolve muita complexidade,
muito conhecimento técnico e que pode não estar disponível ao cidadão comum.
Ao mesmo tempo, consideram que: todo cidadão que lida com suas
dificuldades, no seu contexto de residência ou de trabalho, na sua comunidade local,
sabe aquilo de que precisa, sabe as demandas que poderiam melhorar a sua
condição de vida e tem condições de acompanhar aquilo que os governos fazem em
relação ao atendimento dessas demandas. O argumento do conhecimento técnico é
importante, mas também não é uma barreira a essa aproximação entre o Estado e a
sociedade.
Portanto, essa concepção tenta acrescentar a esses procedimentos
tradicionais na democracia a ideia de que existem oportunidades para viabilizar um
contato mais próximo entre os cidadãos e os governantes. Assim, ao realizar essas
oportunidades, o cidadão estaria diante de uma forma de democracia que poderia
ser considerada mais intensa no que diz respeito a seu componente participativo.
10
Mas, como é que isso se relaciona com essa discussão sobre o
planejamento?
Até então - observado o debate na teoria democrática, como os teóricos
definem - se entendemos que o planejamento é basicamente o processo de decisão
e de priorização dos rumos de uma sociedade no médio e no longo prazo, talvez
essa definição não faça tanto sentido considerados os padrões recentes de
planejamento governamental no Brasil.
Fiquemos com essa definição, por enquanto. Se o planejamento pode ser
entendido como esse processo por meio do qual uma sociedade estabelece as suas
prioridades de desenvolvimento para o médio e para o longo prazo, como é que isso
se relaciona com essa ideia de participação, ou seja, para incluir os cidadãos e os
atores e os grupos da sociedade civil na discussão sobre as atividades do governo?
Essa aproximação não é nada simples e, de forma geral, observamos
também na literatura dois grandes argumentos sobre esse encontro. O primeiro
argumento - e o mais tradicional – trafega pela seguinte linha, existe uma
incompatibilidade entre essas duas abordagens: desenvolver um processo de
planejamento tecnicamente sólido e responsável - e que de fato contribua pra
transformação de uma sociedade - não é possível se pretendermos, ao mesmo
tempo, ampliar as oportunidades de inclusão de atores sociais e políticos.
Primeiro porque, se planejamento envolve a ideia de transformação, de
mudança de um quadro atual pra um quadro melhor no futuro, ele se confronta com
a ideia de que a democracia - que é basicamente um sistema de moderação - é um
sistema de poder conservador.
Porque se a democracia cria oportunidade para manifestação dos
interesses de grupos variados, a partir dessa manifestação, ela caminha na direção
da acomodação desses interesses e, portanto, qualquer tipo de transformação
radical de uma sociedade que envolva a supressão de alguns interesses
importantes, tende a ser obstaculizada num contexto de democracia.
Assim, transformações rápidas ou radicais raramente são possíveis
dentro de um sistema politico democrático. Então, esse é o primeiro argumento que
se reforça: planejamento com desenvolvimento e participação são coisas
incompatíveis.
11
Além disso, são recorrentes as afirmações de que na hora em que são
incluídos mais atores e chamado um conjunto maior e mais plural de grupos e atores
políticos para discutir o futuro, provoca-se um excesso de demandas.
Porque cada um desses grupos vai apresentar suas perspectivas, suas
queixas e as suas propostas e isso, provavelmente, vai transformar o processo de
construção de prioridades em algo muito mais complexo e muito mais difícil de ser
atingido.
Esses seriam os dois argumentos mais gerais sobre essa tese da
incompatibilidade. Essa tese encontra respaldo em conjuntos de experiências
históricas bastante relevantes, que estão na literatura que se dedicou a explicar a
experiências dos estados desenvolvimentistas do leste asiático, por exemplo.
São sociedades que conseguiram - em um espaço de poucas décadas -
lograr uma transformação importante da sua base econômica e da sua condição
social. Na maioria dos casos são sociedades não democráticas e isso tem servido
na interpretação desses autores como um argumento de que esse tipo de
transformação tende a ser muito mais difícil.
PANORÂMICA SOBRE PARTICIPAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
Uma grande parte, se não quase a totalidade da administração pública
brasileira num nível federal possui alguma forma de contato com a sociedade no
desenvolvimento desses programas. Isso não quer dizer que esse contato seja
transformador da atividade governamental e que todas as demandas sociais
colocadas nesses espaços estão sendo ouvidas e consideradas.
Mas, isso quer dizer que, na histórica mais recente do Brasil, existe algum
mecanismo que cria a oportunidade de contato entre cidadãos e grupos organizados
da sociedade e a condução dessas políticas.
Enfim, não é possível fazer uma pintura exclusivamente otimista desse
quadro sobre a democratização da gestão pública brasileira, mas é inegável que
nesses últimos anos o país vem passando por um processo de criação de uma serie
de aberturas no Estado brasileiro para que ocorram novas frentes de contato, novas
fricções entre atores governamentais e atores sociais.
12
Hoje, daí derivado, é possível afirmar que a participação se tornou um
traço inegável da atividade governamental no Brasil.
Um governante contemporâneo tem que lidar com esse cenário, seja no
Brasil, seja noutras partes do mundo.
Gráfico 1A - Porcentual de estados brasileiros com Conselhos
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Fonte: IBGE, Estadic, 2012.
13
Gráfico 1B - Número de Conselhos por estado brasileiro
As possibilidades de conexão entre o Estado e a sociedade são muito
amplas e é fundamental que as representações dos mais diversos grupos sejam
trazidas para os ambientes de decisão. Seja para cooperação ou cooptação, seja para
apropriação de determinadas gramáticas que o governo não detém, ou ainda, para
incorporar esses inputs advindos da sociedade nas suas atividades imediatamente – a
depender de grupos de pressão, grupos de interesse - ou a futuro.
Se assim é, porque nossas políticas não são fantásticas, perfeitas e
alinhadas, quais as razões pelas quais segmentos da sociedade continuam
descontentes?
Alguma resposta parece gravitar em torno do fato de que, apesar desse
grande processo de disseminação de práticas participativas, ainda observa-se uma
série de inadequações ou desencontros entre a operação desses canais de
observação e os objetivos de construção de um planejamento de médio e longo
prazo compartilhado entre o governo e sociedade.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18 R
IO D
E JA
NEI
RO
PA
RÁ
SÃO
PA
ULO
MA
TO G
RO
SSO
DO
SU
L
MA
TO G
RO
SSO
DIS
TRIT
O F
EDER
AL
MA
RA
NH
ÃO
MIN
AS
GER
AIS
TOC
AN
TIN
S
PIA
UÍ
CEA
RÁ
PA
RA
ÍBA
ALA
GO
AS
PA
RA
NÁ
RIO
GR
AN
DE
DO
SU
L
GO
IÁS
AC
RE
AM
AZO
NA
S
RIO
GR
AN
DE
DO
NO
RTE
BA
HIA
SAN
TA C
ATA
RIN
A
PER
NA
MB
UC
O
ESP
ÍRIT
O S
AN
TO
RO
ND
ÔN
IA
RO
RA
IMA
AM
AP
Á
SER
GIP
E
Fonte: IBGE, Estadic, 2012.
14
DESENCONTROS ENTRE ESTRUTURAS DE PARTICIPAÇÃO E ESTRUTURAS DE PLANEJAMENTO
Um primeiro elemento desse desencontro diz respeito ao contexto em que
essas instâncias de participação entram na gestão pública brasileira que é bastante
diferente daquilo que a gente demanda ou espera delas hoje.
Os gráficos a seguir indicam que houve uma grande expansão desses
mecanismos de participação na década de 1990, no Brasil. Este foi um período de
abertura e de inclusão política comparado com as décadas anteriores. Mas,
também, foi um período de baixa atividade governamental, de um ativismo estatal
declinante, sobretudo na área de planejamento. Esta foi a década em que a
observamos o desmantelamento das estruturas mínimas existentes, e que, por sua
vez, já eram insuficientes ou inadequadas. A década de 1990 tratou de contribuir
para o desmantelamento final dos instrumentos de planejamento então existentes no
Estado brasileiro. Nesse contexto, temos a emergência da participação num cenário
de destruição do planejamento – obviamente, essa participação não nasceu pra
cumprir um papel de democratizar o planejamento.
Igualmente no mesmo período, em um contexto de ajuste fiscal,
minimalização do papel do Estado e busca por transparência e novos mecanismos
de controle sobre a burocracia, esses espaços de participação acabaram sendo
entendidos e subsumidos muito mais nessa função de acompanhamento cotidiano
da atividade governamental e muito menos de desenvolver um caráter propositivo,
criador ou estimulador de espaços geradores de reflexão coletiva sobre os rumos
das políticas públicas e sobre os rumos do país.
15
Tabela 1 - Disseminação de conselhos nos municípios brasileiros, por área de
atuação.
2001 2002 2004 2005 2006 2008 2009
Saúde 98% - - - - - - - - - - 98%
Assistência Social 93% - - - - - - - - - - - -
Criança e Adolesc. 77% 82% - - 93% 83% - - 91%
Educação 73% - - - - - - 68% - - 71%
Emprego/Trabalho 34% - - - - - - - - - - - -
Turismo 22% - - - - - - - - - - - -
Cultura 13% - - - - 21% 17% - - 25%
Habitação 11% - - 14% 18% - - 31% 43%
Meio Ambiente 29% 34% 37% - - - - 48% 56%
Transporte 5% - - - - - - - - 6% 6%
Política Urbana 6% - - - - 13% - - 18% - -
Orçamento 5% - - - - - - - - - - - -
Segurança Pública - - - - - - - - 8% - - 10%
Defesa Civil - - - - - - - - 26% - - - -
Esporte - - - - - - - - - - - - 11%
Direitos da Mulher - - - - - - - - - - - - 11%
Idoso - - - - - - - - - - - - 36%
Juventude - - - - - - - - - - - - 5%
Direitos Pessoas Deficiência - - - - - - - - - - - - 9%
Fonte: Pesquisa MUNIC, IBGE. Nota: ‘- -‘ indica dados não disponíveis.
16
Ele se manifesta principalmente no nível setorial, algumas áreas de
políticas públicas começaram a inovar e trabalhar instrumentos de planejamento de
médio e longo prazo e ainda estamos caminhando para algo num nível mais
sistêmico mas ai nessa linha de interpretação a gente poderia dizer o seguinte: os
mecanismos de participação consolidados do período anterior já não eram mais
capazes de responder a essa demanda por um construção de uma visão
compartilhada porque estavam ali já integrados, abduzidos pela gestão cotidiana e
pela função do controle da gestão ao invés de se direcionar por uma discussão de
pensar os rumos as prioridades, a pactuação de projetos, de desenvolvimento, seja
no nível local, estadual ou federal.
Essa interpretação encontra suporte empírico em uma avaliação que
recente (PIRES & VAZ, 2012) sobre a percepção que os gestores federais têm sobre
o papel dos mecanismos de participação nos programas que eles coordenam.
O estudo baseia-se no acesso a um conjunto vasto de relatórios de
avaliação de programa, nos quais esses gerentes eram perguntados se o programa
tinha algum mecanismo de participação. Se sim, qual foi o papel que esse
mecanismo participatório cumpriu na gestão do programa?
Analisados esses argumentos, em uma amostra composta por mais de
1.300 respostas, foram encontrados os principais padrões de resposta e
identificados basicamente três.
Uma grande parte dos gestores afirma que o papel que a gestão
participativa cumpre no programa gerido é de fiscalização e controle.
São, assim, instâncias de participação que servem para que os
cidadãos possam acompanhar e demandar informações, além de
cobrar a execução dessas políticas.
Outro conjunto de argumentos chama a atenção para a ideia de
transparência. Os gestores comentaram que esses mecanismos
serviriam, então, como uma forma de demonstrar para a sociedade o
que o governo está fazendo. Assim, o governo ofereceria à sociedade
um canal de exposição de sua política e o desenho maior de um Plano,
com alguma auscultação de agentes participativos.
17
Em um terceiro conjunto de argumentos, os gestores citaram a
participação social nos programas por eles geridos funcionando como
mecanismos de diálogo com os atores sociais e identificação de
possíveis problemas e correções de rumos. Ou seja, fala-se aqui de um
programa que já está em andamento. Durante a implementação de um
projeto, há espaço para debate com a sociedade e incorporação de
alguma sugestão interessante, incorporação e seguimento.
Em nenhum desses três casos, vemos aparecer essa função propositiva,
reflexiva de usar os canais de relação entre Estado e sociedade para definição de
rumos, prioridades e projetos compartilhados.
Considerando que esse desenho bastante precário não possa ser
chamado de planejamento com participação – podemos afirmar que planejamento e
participação não tem se encontrado com a frequência e a ênfase necessárias para a
tomada de decisão em contexto democrático.
Talvez tenhamos aqui uma aproximação tímida entre planejamento,
participação e gestão, mas planejamento e participação, como parte de processo
integrado, ainda não temos.
Por mais que seja expressiva essa expansão e a pluralidade na forma de
participação, ela tem se dado de forma desarticulada, dispersa e com poucos
encaixes e formas de integração no ciclo de planejamento, gestão e controle das
políticas.
Temos, com isso, uma fragmentação, uma pulverização desses espaços,
que são de vários tipos, estão incluídos em varias áreas, mas não dialogam muito
entre si.
Há situações em que uma Conferência decide uma coisa e o Conselho da
mesma política decide em outra direção; ou ainda, o Conselho não sabe que a
Conferência debateu outro assunto que poderia ser aproveitado por essa instância.
O gráfico a seguir aponta como de dão algumas dessas formas de
interação: conferência, conselho, reuniões com os grupos, consulta, audiência
pública, ouvidoria. Observa-se, ao analisar o conjunto de programas do governo
federal - e todas as formas de participação que eles utilizam - que existe uma
espécie de especialização setorial.
18
GRÁFICO 2 - Percentual de interfaces socioestatais por tipo e por ano
19
Algumas políticas de algumas áreas gostam mais de alguns
mecanismos participativos do que de outros. Não há um tipo de mecanismo de
participação que perpasse todas as diferentes áreas. Conselhos e conferências
são muito comuns na área de política social e por sua vez, muito ausentes nas
discussões sobre infraestrutura e desenvolvimento econômico. Audiências públicas
são muito comuns na área de infraestrutura, mas por sua vez são pouco utilizadas
na área de política social.
Tem-se, com isso, certa difusão que acaba contribuindo para uma
discussão fragmentada das políticas. Não existe nenhum mecanismo participativo,
nesse quadro, que promova discussão mais intersetorial ou transversal dessas
políticas.
Como exemplo, quando os cidadãos são convocados para discutir a
política de saúde indígena dentro da grande política nacional de saúde. Se, por um
lado essa especificação tem o ganho de aumentar o conhecimento de que existem
temas que precisam de atenção, como a saúde indígena, por outro lado perde-se a
perspectiva do papel que isso tem na política de saúde como um todo, na política
social como um todo e na atividade governamental como um todo.
Trata-se de um quadro heterogêneo e complexo pensar essa relação
participação x planejamento. Pode-se comemorar o fato de que, nessas últimas
décadas, tenhamos observado uma disseminação muito expressiva desses canais
de interação entre Estado e sociedade, e de que essa disseminação não é só
quantitativa, mas é também qualitativa e plural. A maioria desses espaços de
participação está vinculada a algum processo de produção de políticas públicas,
eles não são espaços de participação soltos, pelo menos do ponto de vista formal,
eles têm uma relação com as políticas públicas do governo.
20
PARA ALÉM DOS DESENCONTROS ENTRE PLANEJAMENTO E PARTICIPAÇÃO
Os desencontros entre participação e planejamento são tensões que
vieram para ficar e fazem parte do dia-a-dia das sociedades contemporâneas. Não
há que se procurar por soluções fáceis e algumas experiências recentes da
democracia brasileira são auspiciosas.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES e as
Agendas Transversais são algumas experiências recentes ou caminhos que
potencialmente poderiam nos ajudar a trabalhar na perspectiva de um possível
reencontro entre participação e planejamento.
Uma experiência importante observada nessa ultima década em nível
nacional, no Brasil, que se organizou em outros traços e legou alguns possíveis
aprendizados, é a experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social, conhecido, popularmente como Conselhão. Ele foi criado em 2003, logo no
primeiro ano do primeiro governo Lula, e tem uma característica que é radicalmente
distinta dos conselhos que a gente discutiu ate agora: ele não se insere no
panorama das políticas públicas como um conselho setorial, um conselho
especializado em algum tipo ou área de política. 3
O CDES é um conselho que busca - como o próprio nome indica - abrir
um espaço para discussão sobre desenvolvimento econômico e social.
Diferentemente de outros conselhos, tem uma composição na qual estão os
principais representantes dos setores empresarias e do mundo do trabalho, dos
sindicatos, assim como também outras organizações da sociedade civil.
O Conselhão é um órgão colegiado onde a participação se dá por meio da
representação desses setores, mas é um grande órgão colegiado. São pouco mais
de noventa cidadãos representando lideranças. Há uma presença mais intensiva de
empresários; mas, esse é um ator minoritário ou ausente naqueles outros conselhos
que aqui se discutiu, tem lideranças da sociedade civil e representantes da alta
burocracia.
3 Ver CARDOSO JR. DOS SANTOS & ALENCAR. A experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sob o governo Lula. Série Diálogos para o Desenvolvimento, volume 2. Ipea, 2010.
21
Outra característica também distintiva - diferentemente dos conselhos que
estão localizados juntos às burocracias setoriais – o CDES é um conselho que tem
uma inserção mais panorâmica na estrutura de poder e da burocracia federal, ele
tem um mandato de assessoramento à Presidência da República na formulação de
políticas públicas e diretrizes pro desenvolvimento econômico social.
Outra característica que poderia ser apropriada e disseminada para essa
situação das conferências e do grande volume de decisões e diretrizes da
conferência, é a metodologia de sinalização das deliberações como sendo fruto de
acordo, ou seja, todos os participantes apoiavam uma determinada deliberação,
exprimia um certo consenso e em outros casos isso não ocorria, não havia esse
consenso.
Nesses casos, o Conselho oferecia o resultado das suas discussões com
caráter meramente de recomendação e apontava os setores que concordavam/
discordam dessa medida a título de sugestão. O procedimento cria a possibilidade
de que qualquer conselheiro possa levar um item à pauta ainda que nenhum dos
outros concordem com ele. Enfim, o método é interessante porque gera um produto
de um fórum participativo que já chega para o ator governamental, para o ator que
toma decisão, com algum mecanismo de peso, ponderação e de avaliação dessas
decisões.
Como fruto desse debate prévio e mais denso, o ator governamental já
consegue ler o debate público que ocorreu e identificar prioridades e hierarquias
entre os temas construídos. Além disso, também, outro instrumento que usado por
esse conselho era o desenvolvimento de Cartas de Concertação, documento que
desenvolviam a argumentação, que davam suporte à construção de convergências
entre essas propostas.
Ou seja, tem-se um processo transversal, não é setorial, que busca trazer
para o debate os atores que em geral tem posições conflitantes quando o assunto é
a promoção do desenvolvimento econômico e social. Com isso, trabalha-se numa
dinâmica em que as opiniões e perspectivas distintas sejam construídas e
exprimidas pelo governo de uma forma clara, racional e mais densa.
22
Nessa metodologia, um exemplo daquilo que o CDES foi capaz de
produzir é a Agenda Nacional de Desenvolvimento. Foi um processo não linear,
bastante complexo que foi capaz de entregar para a sociedade brasileira algo como
essa Agenda Nacional do Desenvolvimento, em um processo que durou quase dois
anos, envolveu uma discussão sobre o diagnóstico dos principais problemas da
economia, do desenvolvimento social, a identificação dos problemas centrais que
precisavam ser equacionados no horizonte de médio e longo prazo e
desenvolvimento de alternativas para superação desses problemas.
Também foram desenvolvidos instrumentos para acompanhamento dessa
Agenda e todo esse processo teve um papel importante, em 2008, quando o
governo federal tendo a necessidade enfrentar a crise financeira internacional,
desenvolveu medidas anticíclicas para lidar com essa crise.
As medidas adotadas tinham forte ancoramento nas decisões e
discussões prévias do CDES. Com isso, notam-se traços nessa experiência que
aproximam-na mais daquilo que é criar um espaço onde atores sociais e
governamentais possam interagir e formar uma visão compartilhada sobre os rumos
que as políticas públicas devem seguir no médio e longo prazo.
Algo que toda a parafernália alternativa já vista não está sendo capaz de
produzir.
No entanto, nos últimos anos, esse mesmo projeto, apesar de suas
características virtuosas, também vem sofrendo uma perda de importância
sistemática, a Presidência hoje não entende o CDES como cumprindo esse tipo de
função, tal como ocorreu na passagem do primeiro para o segundo mandato do
presidente Lula.
De todos aqueles mecanismos hoje disponíveis: audiência, ouvidoria,
conselho, as conferências são aqueles instrumentos que mais se aproximariam, que
tem o melhor potencial para se prestar a uma discussão sobre o planejamento,
sobre a construção de uma visão de diretrizes para orientar a ação governamental.
Mesmo com dificuldades, o que se observa nessa ultima década é que
um conjunto de conferências tem tido bastante efetividade na definição e no
direcionamento do planejamento governamental em algumas áreas.
23
Alguns exemplos de conferências que tiveram resultado direto na
definição de políticas públicas nacionais estão na área de saúde, na área de
assistência. Foram as próprias conferências que consagraram um processo de
debate anterior que veio a resultar na criação dos sistemas únicos de saúde (SUS) e
assistência social (SUAS). O mesmo também na área de segurança alimentar e
nutricional e em outros casos, áreas menos estruturadas na política pública
brasileira.
As conferências têm sido também fundamentais para a definição dos
planos nacionais, como no caso da área de direitos e políticas públicas para
mulheres e juventude.
Apesar das fragilidades, alguns processos conferenciais tem se prestado
a esse exercício de chamar os diversos atores da sociedade, de dialogar sobre os
problemas daquela área, e formular diretrizes conjuntas para a ação governamental.
O ponto a expandir é que esses sucessos são isolados, setoriais, e não
transbordam para uma lógica mais ampla de planejamento. Nos últimos anos temos
notado, tanto por iniciativa do governo federal como também de governos estaduais,
a tentativa de se instaurar processos participativos para a elaboração do Plano
Plurianual, PPA.
O PPA, diferentemente daquelas políticas setoriais compartimentadas, só
recentemente foi submetido a um processo de formulação participativa, é uma área
em que a introdução desses mecanismos ainda é incipiente se compararmos, por
exemplo, com a área de saúde, assistência social.
Os governos têm procurado criar alguma dinâmica participativa nesses
ambientes de planejamento. O IPEA está conduzindo uma pesquisa, em parceria
com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que procura entender o que
está acontecendo nos governos estaduais em termos desse processo de elaboração
dos PPA’s.
O estudo é uma pesquisa em profundidade, realizada em 10 estados
brasileiros em 4 das 5 regiões brasileiras – a exceção é a região Norte - mas todas
as outras regiões estão bem representadas na pesquisa. Importante chamar atenção
para esse aspecto, para considerar casos que exprimam bastante da diversidade
regional e política do Brasil.
24
Na amostra, composta por esses 10 estados, há governos de posição,
governos dos principais partidos de oposição dados de governos ou de partidos que
fazem parte da base aliada da coalização federal, em regiões que têm culturas ou
tradições políticas bastante diversas.
No entanto, apesar dessa diversidade, um ponto que chama bastante
atenção é que, em todos esses estados, se afirma que estão sendo conduzidos
processos participativos para o planejamento, e isso é algo não trivial.
Não estamos aqui falando da efetividade, mas assim, em todos esses
casos se afirmam que o processo participativo está presente. Isso sugere que, de
alguma forma, essa ideia de que a participação precisa imbricar-se ao planejamento
está se tornando algo difundida.
Essa reflexão tem um lado positivo, que é o de pensarmos que finalmente
uma amplidão de agentes sociais vai fazer parte do processo; o lado negativo é que
se pode interpretar que o discurso se banalizou porque todos dizem que fazem e,
nesse caso, talvez tenha alguma coisa estranha acontecendo durante a construção
dos planos e as pesquisas a respeito precisam aprofundar-se.
Outra característica também é que em todos esses casos, a participação
acaba sendo desenvolvida em regimes menos intensos quando comparados com
aquelas experiências anteriores dos conselhos e das conferências.
Em todas elas, o processo participativo tem um caráter consultivo,
funcionam como uma forma de estabelecer um diálogo, de expor o método de
trabalho para a sociedade. O que está bem aquém de um processo de planejamento
com o compromisso de realizar essa incorporação da participação de fato, já que
existe uma variação muito grande em relação aos processos participativos em cada
um desses 10 estados.
Essa variação pode ser expressa principalmente em três categorias
listadas abaixo: alto, médio e baixo como uma forma de comparar os casos entre si.
E isso se organizaria basicamente da seguinte forma: estados que têm um processo
participativo mais intenso, são aqueles que procuraram durante o processo de
construção da PPA, realizar encontros com a população, assembleias, audiências,
reuniões, num padrão regionalizado e territorial, considerando os estados como
25
unidades territoriais amplas. Esses estados Bahia, Rio Grande do Sul e Ceará, são
aqueles que procuraram ter processos participativos que procurassem levar a
discussão a todas as regiões, microrregiões, ou distritos.
Intensidade Alta Média Baixa
Estados BA, RS e CE ES, RJ, SP e MG MS, RN e PR
Características
dos processos
participativos
- Regionalizado /
territorial
(audiências e
oficinas);
- Consultas via
internet
- Envolvimento dos
Conselhos
Setoriais
- Audiências
Públicas
(Poder
Legislativo)
- Consulta via
internet – SP
- Consulta a
“especialistas”
- RJ
- Processos
de consulta
ad hoc (pouco
formalizados
e divulgados)
envolvendo
conjunto
reduzidos de
atores.
Além disso, instituíram também procedimentos de consulta via internet,
procedimentos em que o cidadão poderia expressar demandas ou comentar sobre
produtos desse processo e também em todos esses estados a gente vê o
envolvimento, eles buscam trazer para o processo de expansão do PPA, os
conselhos setoriais existentes.
Nesse caso, são chamados os representantes dos conselhos de saúde,
de assistência social, do trabalho, de igualdade racial para que atuem como
intermediários ou representantes da sociedade civil nesse processo.
Os casos que identificados como mais bem sucedidos - no sentido de ter
um processo de maior intensidade e participação - todos eles contemplam com
alguma variação esses três elementos, a regionalização, a utilização de mecanismos
de interação mediados pela internet e o envolvimento de outros espaços de
participação já existentes.
26
No meio do caminho temos estados como Espírito Santo, Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais onde o poder executivo se restringe a estabelecer
consultas pela internet como único mecanismo de contato com a sociedade ou um
caso em que o executivo compõe um grupo de notáveis especialistas no tema e os
chama para discutir e debater e considera essa prática como sendo uma forma de
“participação social”.
Além disso, e provavelmente em função da incipiência disso, esses casos
são complementares por audiências públicas convocadas pelo poder legislativo. Aí o
próprio poder legislativo ao receber propostas de projetos de lei do PPA enviados
pelo executivo, chama audiências públicas para fazer uma discussão mais
participativa desse processo.
Por fim, os casos onde há uma intensidade de participação muito baixa,
Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraná são processo
de elaboração do PPA que não tem nenhum procedimento oficial ou
institucionalizado. São estados que, ao longo do processo de elaboração do Plano,
consultaram alguns atores sociais específicos, mas têm até dificuldade de saber
quem são. São processos pouco formalizados e pouco divulgados, mas que
envolvem algum contato entre a burocracia e os atores sociais.
Mas, nesse panorama, é possível afirmar: sim, existem alguns avanços no
sentido de tentar fazer com que os cidadãos e sociedade civil participem na
elaboração de um instrumento de planejamento tão importante como o PPA. Mas,
igualmente, ainda há um caminho bastante largo a ser trilhado.
A EXPERIÊNCIA MAIS RECENTE DAS AGENDAS TRANSVERSAIS DO PPA
Os documentos organizam-se na forma de um balanço das políticas do
governo federal com recortes para Juventude, Mulheres, Igualdade Racial, População
LGBT, População de Rua, Criança e Adolescente, Idosos, Deficientes e Povos
Indígenas, a partir dos Planos Plurianuais implementados no País desde 2004.
As Agendas Transversais anunciam, também, os resultados do primeiro
ano do PPA do governo Dilma, em vigor desde 2012.
27
Como inovação institucional, desde a apresentação dos relatórios é a
elaboração das Agendas Transversais, frutos da mudança metodológica do PPA,
que passou a anunciar Objetivos e Metas para um período de quatro anos,
alicerçados em 11 macrodesafios para o desenvolvimento nacional. A metodologia
permitiu revelar políticas para grupos sociais específicos, mesmo em programas não
voltados exclusivamente a esses públicos.
Os relatórios das Agendas Transversais são um importante subsídio para
ampliar o diálogo social em torno dos instrumentos de planejamento do Estado
brasileiro, pois reúnem informações vindas de entidades, organizações e
movimentos sociais. As Agendas Transversais também funcionam como textos-
base, para subsidiar uma nova geração de conferências nacionais, promovendo
maior interação com o ciclo do Planejamento Governamental.
Os documentos servem de referência para a construção de um diálogo
federativo a partir dos PPAs federal, estaduais e municipais sob o recorte destas
Agendas Transversais. Além das equipes do Ministério do Planejamento e da
Secretaria Geral da Presidência, a elaboração dos relatórios envolveu os Ministérios
da Educação, Saúde, Justiça, Desenvolvimento Agrário, Esportes, Cultura e Meio
Ambiente e as Secretarias de Direitos Humanos (SDH), Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR), Política para as Mulheres (SPM) e Nacional da
Juventude (SNJ).
CONSIDERAÇÕES FINAIS PARA UMA AGENDA DE PESQUISA A FUTURO
Os avanços e as conquistas recentes colocam-se todos ao mesmo tempo
e impõem ao Estado novíssimos e diversos desafios de processamento e de
incorporação dessas mudanças em torno dos temas planejamento com participação
social em contexto democrático. Como são e quão densas são essas experiências?
Quais estão em andamento no país, hoje? O estudo sobre experiências estaduais
deve prosseguir e as experiências municipais começam a ser estudadas. É preciso
identificar se essa variação no processo participativo, se um processo participativo
mais ou menos intenso, se isso ajuda explicar a diferença de conteúdo dos próprios
Planos Plurianuais.
28
Existe alguma relação entre um plano que é construído de forma
participativa e um plano que é construído de uma forma menos participativa, ou
não? Ou o conteúdo e o processo são dimensões independentes? Ainda não
sabemos o resultado, mas percorrer esse caminho, transpor essa topografia é
inescapável para consolidação de uma democracia ampla e inclusiva.
REFERÊNCIAS
AVRITZER, Leonardo. Conferências Nacionais: Ampliando e Redefinindo os Padrões de Participação Social no Brasil. Texto para discussão 1739, Ipea, Rio de Janeiro, 2012. AVRITZER, Leonardo & SOUZA, Clóvis Henrique Leite de Souza. Conferências nacionais : atores, dinâmicas participativas e efetividades. Organizadores. Brasília: Ipea, 2013. CARDOSO JR., José Celso. Planejamento Governamental e Gestão Pública no Brasil: Elementos Para Ressignificar o Debate e Capacitar o Estado. Texto para Discussão 1584. Brasília: Ipea, 2011. CARDOSO JR., José Celso (organizador) A Reinvenção do Planejamento Governamental no Brasil. Brasília: Ipea, 2010. Disponível em http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_dialogosdesenvol04.pdf CARDOSO JR., José Celso & GARCIA, Ronaldo Coutinho (organizadores) Planejamento Estratégico Governamental em Contexto Democrático: Lições da América Latina. Brasília: ENAP, 2014.135 p. (Caderno EIAPP). CARDOSO JR., José Celso; DOS SANTOS, José Carlos; ALENCAR, Joana (org.) Diálogos para o Desenvolvimento: a experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social sob o governo Lula. Brasília: Ipea: CDES, 2010. CARNEIRO, Ricardo. Planejamento e Gestão governamental na Esfera Estadual: uma análise comparativa dos processos, conteúdos e sistemas de acompanhamento dos PPAs. PPAs 2012-2015. Relatório de Pesquisa Consolidado. Brasília: Ipea, MPOG, 2013. PIRES, Roberto. Efetividade das Instituições Participativas no Brasil: Estratégias de Avaliação. Brasília: Ipea, 2012.
29
PIRES, Roberto; VAZ, Alexander. Participação social como método de governo?
Um mapeamento das interfaces socioestatais no governo federal. Texto para
discussão 1707, Ipea, Brasília, 2012.
PIRES, R.; VAZ, A. C. N. Participação faz diferença? Uma avaliação das características e efeitos da institucionalização da participação nos municípios brasileiros. In: AVRITZER, L. (Org.). A dinâmica da participação local no Brasil. 1. edição. São Paulo: Cortez, 2010. SIGPLAN – Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento. Módulo de avaliação dos PPAs de 2002 a 2010. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Disponível em: <http://www.sigplan.gov.br> Acessado em: 09/10/2010. SOUZA, Clóvis Henrique Leite de. A que vieram as conferências nacionais? uma análise dos objetivos dos processos realizados entre 2003 e 2010. Rio de Janeiro: Ipea, 2012. (Texto para Discussão, n. 1.718). Disponível em: <http:// www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1718.pdf>. TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves; SOUZA, Clóvis Henrique Leite de; LIMA, Paula Pompeu Fiuza. Arquitetura da participação no Brasil: uma leitura das representações políticas em espaços participativos nacionais. Rio de Janeiro: Ipea, 2012. (Texto para Discussão, n. 1.735). Disponível em: <http://www.ipea.gov. br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1735.pdf>.
30
___________________________________________________________________
AUTORIA
José Carlos dos Santos – Presidência da República, GP/PR.
Endereço eletrônico: [email protected]
Daniel Pitangueira de Avelino – Secretaria Geral da Presidência, SG/PR.
Endereço eletrônico: [email protected]