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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 1564 O PROJETO INDUSTRIAL/ EDUCACIONAL NAS ESCOLAS DE FÁBRICA: IMAGENS REVISITADAS Maria Beatriz Leal da Silva 1 Maria Celi Chaves Vasconcelos 2 Magé, a estrada de ferro, as fábricas e o início de um projeto industrial/educacional O município de Magé, situado na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, foi uma das primeiras regiões a ser ocupada pelos colonizadores, no Brasil, a partir de 1565. Ao longo dos séculos seguintes tornou-se um importante entreposto comercial, fazendo a confluência das mercadorias que vinham do porto do Rio de Janeiro, passando pela Raiz da Serra e avançando para os caminhos das Minas Gerais. No início do século XIX, Magé principiou a era industrial ao receber a Fábrica de Pólvora, primeira indústria fundada no país após a revogação do Alvará de d. Maria I, que proibia o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil. Esse projeto de industrialização se intensificou na segunda metade no século XIX, com, a construção da primeira ferrovia no país, a Estrada de Ferro Mauá, que ligava o porto de Guia de Pacobaíba (atualmente Mauá, 5º distrito de Magé) a Fragoso, localidade de Inhomirim na encosta da Serra da Estrela 3 , trazendo um grande impulso para a instalação de fábricas de pequeno e grande porte nesta região. No dia 30 de abril de 1854, Irineu Evangelista de Souza, futuro barão e depois visconde de Mauá, inaugurava esse primeiro trecho da ferrovia, que passou a representar o que havia de mais moderno no Brasil, especialmente, com relação ao escoamento de mercadorias, tornando a região ainda mais atrativa para a instalação de indústrias, sobretudo, têxteis. Richard Burton, capitão inglês e membro da Sociedade Real de Geografia, que visitou o país em 1868, descreveu o trajeto de sua viagem pela Estrada de Ferro Mauá, após narrar o 1 Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis, Professora da Rede Estadual de ensino do Rio de Janeiro. E-Mail: <[email protected]>. 2 Doutora em Educação pela PUC-Rio, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Proped/UERJ), Campus Maracanã. E-Mail: <[email protected]>. 3 Por estar localizado na encosta da Serra da Estrela, o lugar passou a ser chamado de Raiz da Serra.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 1564

O PROJETO INDUSTRIAL/ EDUCACIONAL NAS ESCOLAS DE FÁBRICA: IMAGENS REVISITADAS

Maria Beatriz Leal da Silva1

Maria Celi Chaves Vasconcelos2

Magé, a estrada de ferro, as fábricas e o início de um projeto industrial/educacional

O município de Magé, situado na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, foi

uma das primeiras regiões a ser ocupada pelos colonizadores, no Brasil, a partir de 1565. Ao

longo dos séculos seguintes tornou-se um importante entreposto comercial, fazendo a

confluência das mercadorias que vinham do porto do Rio de Janeiro, passando pela Raiz da

Serra e avançando para os caminhos das Minas Gerais.

No início do século XIX, Magé principiou a era industrial ao receber a Fábrica de

Pólvora, primeira indústria fundada no país após a revogação do Alvará de d. Maria I, que

proibia o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil. Esse projeto de

industrialização se intensificou na segunda metade no século XIX, com, a construção da

primeira ferrovia no país, a Estrada de Ferro Mauá, que ligava o porto de Guia de Pacobaíba

(atualmente Mauá, 5º distrito de Magé) a Fragoso, localidade de Inhomirim na encosta da

Serra da Estrela3, trazendo um grande impulso para a instalação de fábricas de pequeno e

grande porte nesta região.

No dia 30 de abril de 1854, Irineu Evangelista de Souza, futuro barão e depois visconde

de Mauá, inaugurava esse primeiro trecho da ferrovia, que passou a representar o que havia

de mais moderno no Brasil, especialmente, com relação ao escoamento de mercadorias,

tornando a região ainda mais atrativa para a instalação de indústrias, sobretudo, têxteis.

Richard Burton, capitão inglês e membro da Sociedade Real de Geografia, que visitou o

país em 1868, descreveu o trajeto de sua viagem pela Estrada de Ferro Mauá, após narrar o

1 Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis, Professora da Rede Estadual de ensino do Rio de Janeiro. E-Mail: <[email protected]>.

2 Doutora em Educação pela PUC-Rio, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Proped/UERJ), Campus Maracanã. E-Mail: <[email protected]>.

3 Por estar localizado na encosta da Serra da Estrela, o lugar passou a ser chamado de Raiz da Serra.

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cenário de embarque no Cais dos Mineiros (atual Praça XV, no Centro do Rio de Janeiro),

assim registrando o restante da viagem:

Passamos a enseada de Magé, que induziu os primeiros descobridores ao engano de chamarem o pequeno mediterrâneo de “rio de Janeiro”; razão pelo qual seus descendentes se chamam erroneamente fluminenses [...] No extremo norte está a Serra da Estrela, assim chamada em lembrança dos belos planaltos do centro de Portugal. [...] Tendo percorrido regularmente 11 milhas, embicamos para uma região salpicada de casebres [...] é o Porto de Mauá. [...] A pequena ponte de madeira, que oscila e range sob os pés, leva aos carros do caminho de ferro [...] A Estrada de Ferro Mauá, é a primeira em que ocorreu a locomotiva no Brasil. A máquina conduz-nos vagarosamente pela rampa de um vale, ou melhor, um barranco [...] após 11 milhas, ou mais precisamente 16,5 km atingimos a Raiz da Serra (ALONSO, 2000, p. 144).

Os passageiros partiam em um barco a vapor do Rio de Janeiro até a estação de Guia de

Pacobaíba. Lá era realizado o serviço de conexão entre barcos e trens que, segundo o

testemunho do viajante inglês, era bastante eficiente. Logo que o vapor que saía do Rio de

Janeiro e atracava em Pacobaíba, a composição já aguardava os passageiros para continuar a

viagem. Era uma estação de integração, contando com um pequeno porto, como demonstra a

Figura 1, a seguir:

Figura 1– Baldeação em Guia de Pacobaíba: cais em construção e depoisde pronto (Início do século XX) Fonte: Acervo do Museu Imperial de Petrópolis

Em 1884, a Companhia responsável pela Estrada de Ferro iniciou as obras de

prolongamento da ferrovia de Raiz da Serra até Petrópolis, ampliando as possibilidades do

transporte que tinha como núcleo central a região de Magé. Na Figura 2, observa-se o esforço

colossal da locomotiva empurrando os vagões em direção a Petrópolis.

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Figura 2 – Locomotiva subindo a serra (Início do século XX) Fonte: Acervo do Museu Imperial de Petrópolis

Além da ferrovia, outros fatores impulsionaram a industrialização na região. No caso

específico das indústrias têxteis, pode-se citar o decreto da tarifa Alves Branco4, em 1844, que

elevou em até 60% os impostos sobre produtos importados, incluindo tecidos de algodão e a

suspensão de taxas alfandegárias sobre máquinas e matérias-primas, estimulando a criação

de fábricas no país e, particularmente, nessa região servida por porto e ferrovia.

Assim, até o início do século XX, a economia de Magé estava voltada para a indústria

têxtil, com a fundação de cinco fábricas, além da Fábrica de Pólvora já existente, o que

demonstra uma grande concentração da atividade fabril no município, conforme exemplifica

o Quadro 1, a seguir:

4 Com a crise das finanças do Império, na primeira metade do século XIX, em 12 de agosto de 1844, o então ministro da Fazenda, Manuel Alves Branco, visando solucionar o grave déficit, implantou a política tarifária que é conhecida pelo seu nome (Tarifa Alves Branco), aumentando as taxas aduaneiras para 30% sobre produtos importados sem similar nacional, e 60% sobre produtos com similar nacional. Apesar do objetivo da Tarifa Alves Branco ser o de solucionar o orçamento deficitário, a medida acabou por favorecer, indiretamente, o crescimento das atividades econômicas nacionais ao tornar mais caros os produtos importados. Assim, embora não tivesse sido estipulada com fins protecionistas, terminou por incentivar a produção nacional.

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QUADRO 1 FÁBRICAS INSTALADAS EM MAGÉ E SEUS DISTRITOS

FUNDAÇÃO FÁBRICAS DISTRITO

1826 Fábrica de Pólvora Vila Inhomirim – 6º Distrito

1848 Fábrica de Tecidos Santo Aleixo Santo Aleixo – 2º Distrito

1878 Fábrica de Tecidos Pau Grande Pau Grande – 6º Distrito

1890 Fábrica de Tecidos Andorinhas Andorinhas – 2º Distrito

1900 Fábrica de Tecidos Mageense Magé – 1º Distrito

1903 Fábrica de Tecidos Cometa Divisa entre os municípios de Magé

(6º distrito) e Petrópolis

Fonte: Quadro elaborado pelas autoras com base nos registros de Moreira (2005), Figueiredo (2008) e Ribeiro (2011; 2015).

A implantação das fábricas era feita, naquele período, seguindo o padrão em que

possuíam, dentro de seus limites, uma vila operária para a moradia dos empregados. O

caráter não era unicamente assistencialista, mas também uma forma de mantê-los próximos

do local de trabalho para se dedicarem integralmente a ele, sendo constantemente vigiados

dentro e fora dos espaços fabris. Esse modelo importado da Europa, no Brasil adaptou-se às

precárias condições da mão-de-obra disponível, tornando-se um privilégio trabalhar em uma

instituição que oferecia casa, enfermaria, capela, armazém (embora com preços mais altos e

que acabavam por fazer retornar aos donos do capital os salários pagos) e, muitas vezes,

escola para os operários e seus filhos.

O presente trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla, que tem como tema as

escolas criadas dentro das fábricas localizadas nos distritos de Magé, ao longo do século XIX

estendendo-se ao XX, buscando instruir o operariado e seus filhos, tanto como um projeto

educacional, quanto industrial, para a formação de quadros de mão-de-obra.

Nesse contexto espaço-temporal, o estudo tem por objetivo revisitar as escolas

existentes dentro das fábricas localizadas em Magé, tomando como testemunhos dessa

prática industrial/ educacional, imagens fotográficas, cuja análise pode trazer elementos para

a recomposição da memória do processo de criação, consolidação e fechamento das escolas e

das próprias fábricas. Trata-se, portanto, de uma pesquisa histórico-documental, que tem

como principais fontes os acervos iconográficos que preservaram imagens do cotidiano das

escolas, de seus professores, alunos e funcionários.

A pesquisa iconográfica remete ao uso de imagens como importante contribuição, tanto

para descrever como para ilustrar a trajetória da educação nos projetos de industrialização

nacional. De acordo com Ciavatta (2004, p. 51), “a fotografia constrói o tempo” e o uso desse

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tipo de imagens é um meio que auxilia, como nenhum outro, a reconstrução das histórias

vividas e a preservação da memória.

Mauad (2008) também reconhece a fotografia como importante fonte para a pesquisa

histórica, porque tem a capacidade de evidenciar não apenas aquilo que mostra, mas o que

era do interesse eternizar pelas imagens. Para a autora, “a fotografia deve ser concebida como

uma mensagem que se organiza a partir de dois segmentos: expressão e conteúdo” (MAUAD,

2008, p.40). A expressão se refere às técnicas e estéticas usadas pelos fotógrafos, bem como

as escolhas de enquadramento que ele faz. O conteúdo “é determinado pelo conjunto de

pessoas, objetos, lugares e vivências que compõem a fotografia” (Idem), portanto, possuem

“um caráter conotativo que remete às formas de ser e agir do contexto no qual estão inseridas

como mensagens” (Ibidem, p.42).

Dessa forma, como afirma Borges (2011, p.82), a fotografia “informa sobre os cenários,

as personagens e os acontecimentos de uma determinada cultura material”. No presente

trabalho, as imagens fotográficas são lidas na perspectiva apresentada pela autora, e com

base no que ressalta Paiva:

O distanciamento no tempo entre o observador, o objeto de observação e o autor do objeto também imprime diferentes entendimentos, uma vez que, como já sublinhei, as leituras são sempre realizadas no presente, em direção ao passado. Isto é, ler uma imagem sempre pressupõe partir de valores, problemas, inquietações e padrões do presente, que, muitas vezes, não existiram ou eram muito diferentes no tempo da produção do objeto, e entre seu, ou seus produtores (2015, p.31).

Cabe destacar que todas as imagens fotográficas utilizadas pertencem aos acervos das

próprias fábricas, sob a guarda de arquivos institucionais, particulares ou em publicações de

autores que já estudaram essas instituições fabris sobre diferentes aspectos.

Retratos de uma Instituição em suas Três Faces: Militar, Fabril, e Educacional

A Fábrica Real de Pólvora foi a primeira indústria do Brasil e a primeira de pólvora da

América do Sul. Devido à relevância desse produto para a defesa do Brasil, o príncipe regente

d. João executou o Decreto de sua fundação no dia 13 de maio de 1808. De acordo com

Moreira (2005), ficou a cargo dos militares a produção e a venda dos explosivos.

Sua instalação foi feita nas proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de

Janeiro. Durante o primeiro Reinado, a Fábrica de Pólvora foi transferida para a Fazenda

Cordoaria, localizada no atual bairro de Vila Inhomirim ou Raiz da Serra, 6º distrito de

Magé, numa região servida de boa estrada, com numerosos riachos e abundância de madeira

indicada para a fabricação de pólvora negra.

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No início do segundo Reinado, no ano de 1841, encontra-se o primeiro registro da

oferta de uma escola de primeiras letras dentro da Fábrica de Pólvora da Estrela5, assim

denominada neste período.

As perspectivas de crescimento eram tão boas que motivaram políticas de ampliação do espaço físico da Fábrica com a compra de terrenos vizinhos, como afirmava o Ministro da Guerra, José Clemente Pereira, em 1841. Neste mesmo ano estabeleceram uma escola de primeiras letras para filhos dos empregados e operários livres da Fábrica. Pouco a pouco esse benefício foi estendido para a comunidade da Estrela (MOREIRA, 2005, p. 69).

Os militares, que sempre estiveram à frente da Fábrica, viam na educação um

significativo meio de civilizar a sociedade. Além dessa missão, cabia à escola nesse período,

construir as normas e os valores sociais da nação por meio do exército, o grande educador.

Alves, mencionando o Regulamento da Fábrica de Pólvora da Estrela, no ano de 1856,

destaca que:

Haverá um capelão aos enfermos que precisarem os socorros espirituais. Deverá, além disso, celebrar o santo sacrifício da missa aos domingos e dos santos de guarda, presidir a todos os mais atos religiosos e dar na escola do estabelecimento a instrução primária aos filhos dos empregados e trabalhadores, correndo a despesa de livros, papel, tinta, etc. por conta da receita da fábrica (ALVES, 2002, p. 238).

A partir da criação da primeira iniciativa educacional dentro da Fábrica de Pólvora, no

decorrer de sua história, por diversas vezes, a escola instalada foi fechada e depois reaberta,

não havendo nenhuma linha de continuidade entre os projetos educacionais.

Na década de 1930, os altos índices de analfabetismo da população brasileira

inflamaram os discursos políticos do presidente Getúlio Vargas. Por considerar a

alfabetização do povo como elemento básico para a solução dos problemas políticos e sociais,

foi instituída a Cruzada Nacional de Educação, campanha que incentivou a abertura de mais

de 10.000 escolas primárias. Com isso, a escola da Fábrica de Pólvora da Estrela que estava

fechada, foi novamente ativada em 1937, recebendo o nome de Escola Duque de Caxias,

ilustrada na Figura 3, a seguir.

5 Desde sua fundação em 1808, por diversas vezes a Fábrica de Pólvora sofreu pequenas alterações em seu nome. Em 1939, passou a se chamar Fábrica da Estrela, nome utilizado até os dias de hoje.

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Figura 3– Professores e alunos da Escola Duque de Caxias (1956) Fonte: Acervo da Fábrica da Estrela

Observa-se pela fotografia da Escola Duque de Caxias que o prédio possui

características arquitetônicas das construções do século XIX e os alunos, meninos e meninas,

fazem posses para a fotografia diante da Escola, uniformizados e organizados em filas, uma

atrás da outra, por tamanho. Apesar da informalidade pretendida na posição captada pelo

fotógrafo, ela sugere, pela imobilidade como o numeroso grupo está disposto aguardando a

demorada preparação da câmera, que os estudantes eram trazidos sob rigorosa disciplina,

tratando-se de crianças e jovens, provavelmente, filhos e parentes dos funcionários,

conduzidas pelas sete professoras que aparecem à direita da imagem. Vale notar que, apesar

de estar inserida em uma instituição militar, todas as professoras presentes são mulheres.

Como verifica Müller (2008, p.39), as fotografias de festas e comemorações nas escolas

durante as primeiras décadas do século XX, “demonstram a heterogeneidade das pessoas

presentes”, heterogeneidade essa evidenciada na Escola Duque de Caxias entre alunos e

professoras. O mastro da bandeira também revela os rituais que deveriam reger o cotidiano

da Escola, dentro de uma instituição militar.

Poucos são os registros documentais da Escola Duque de Caxias, ainda assim é possível

contar com o acervo fotográfico da própria Fábrica da Estrela, como a Figura 4, a seguir.

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Figura 4 – Escola Duque de Caxias – Turmas do Jardim da Infância e da 4ª série (1956) Fonte: Acervo da Fábrica da Estrela

A primeira imagem, embora contenha as características do período, com a professora a

frente, o quadro negro e a mesa destacados, também sugere certa modernidade, à medida

que os alunos do jardim da infância aparecem trabalhando em grupos, com mesas e cadeiras

não convencionais, sugerindo a realização de uma “oficina”, ou trabalhos manuais. Já na

segunda imagem da 4ª série, fica evidente a estrutura tradicional da sala de aula, com seus

bancos duplos de madeira, alinhados em fila, e os estudantes realizando suas tarefas

individualmente, sob a supervisão da professora ao fundo. Apesar de se tratar de uma escola

primária, definição do nível de ensino na época, os alunos poderiam ser de qualquer série,

pois sua postura e comportamento indicam a realização de atividades copiadas do quadro

negro.

Como nesta Escola só era oferecido o ensino primário, a Fábrica começou a se

interessar pela continuidade dos estudos desses alunos. O ensino ginasial, por sua vez, era

raro na região e somente oferecido na rede privada, impossibilitando as famílias mais

desfavorecidas economicamente, como era o caso dos operários da Fábrica, de matricularem

seus filhos nesses cursos. Foi assim, que em 1967, surgiu o Ginásio Industrial da Fábrica da

Estrela (Gife).

O Gife tinha por finalidade não apenas atender a meninos da região que continuariam

seus estudos gratuitamente, como também proporcionar iniciação técnica que permitisse aos

estudantes a instrução necessária para o trabalho fabril. Os motivos que levaram os militares

a fundarem um Ginásio Industrial dentro da Fábrica da Estrela, durante o período da

Ditadura Militar, faziam parte de um projeto pedagógico bem definido: uma escola de

aprendizes para civis, utilizando o modelo similar ao dos colégios militares, para a

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qualificação dos futuros operários da Fábrica e, consequentemente, o aumento de sua

produtividade.

Abaixo, observam-se na Figura 5, alunos e funcionários do Gife, no ano de 1969, tendo

como características marcantes os uniformes e a postura dos meninos inseridos em um

espaço de formação militar. Fica visível também que não havia mais a possibilidade de

atender a meninas, ou seja, a escola que dava continuidade à Duque de Caxias só admitia

meninos. Contudo, embora apareçam na fotografia somente duas mulheres, a coordenadora

pedagógica e a secretária do Ginásio6, havia professoras atuando no Gife, ainda que em

número menor do que os professores homens e militares.

Figura 5 – Alunos e funcionários do Gife (1969) Fonte: Acervo particular de Antônio Eugênio Taulois

Mesmo sendo muito procurado, o Ginásio foi extinto em 1973, por vários motivos,

dentre eles, porque passou a representar um pesado encargo financeiro para a Fábrica, no

período em que o país foi atingido por uma grave crise, com o início do esgotamento do

“milagre econômico” vivido até então e, nesse contexto desfavorável, as indústrias foram

afetadas.

Embora a Fábrica tenha permanecido em funcionamento até os dias atuais, seu projeto

educacional encerrou-se com o Gife, uma das últimas escolas de Fábrica que sobreviveu às

profundas mudanças no município de Magé e, particularmente, no modo de produção das

Fábricas e no mundo do trabalho, não havendo mais lugar para indústrias competitivas

6 Informação obtida em entrevista com os antigos dirigentes do Gife.

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manterem um aparato tão amplo de ações sociais diretas para a retenção de seus

trabalhadores.

As Fábricas Têxteis de Magé e seu projeto industrial/educacional: entre tecelagens e aprendizagens

O município de Magé pode ser considerado, a partir do século XIX, como um dos

maiores centros industriais têxteis do Rio de Janeiro. Além das possibilidades que o lugar

oferecia, cercado de uma grande área verde, com água em abundância que gerava energia e

transportes que facilitavam o acesso à capital, foram aspectos decisivos para a instalação de

indústrias têxteis no local, a matéria-prima e mão de obra baratas, que o município oferecia.

Como os modelos europeus de que eram copiadas, as fábricas que funcionavam em

Magé ofereciam uma infraestrutura dentro dos limites de suas instalações, que permitia aos

operários permanecerem perto do local de trabalho, com moradia, armazém e o que mais era

necessário, incluindo-se uma escola para os operários e seus filhos.

A Fábrica de Santo Aleixo, primeira indústria têxtil não somente de Magé, como do

Estado do Rio de Janeiro, era um exemplo desse tipo de projeto industrial. De acordo com

Figueiredo (2008), a Fábrica foi construída em 1847, começando a funcionar, em 1848, e, em

pouco tempo, se tornou um dos estabelecimentos de maior porte do Sudeste. Desde o início

do seu funcionamento, a Fábrica já investia em escolas para os operários e seus filhos. Sobre

a oferta de escolarização para os operários, Mello destaca que:

Conforme afirmou Stein, uma diversidade de grupos estrangeiros compunha a mão de obra da fábrica Nacional de Santo Aleixo em seus primeiros anos de funcionamento. Contudo a predominância de um contingente considerável de trabalhadores alemães foi a provável razão que levou “os diretores da Santo Aleixo a patrocinarem escolas noturnas, nas quais se ensinava o alemão e o português [...]”, enfatizando ainda que os proprietários fabris tomaram para si ‘a tarefa de proporcionar educação primária aos empregados analfabetos [...] porque era vantajoso para a fábrica ter empregados que soubessem ler e escrever’. Além disso, a preocupação com a fixação e controle da mão de obra, já naquele momento, levou os industriais a considerarem válido o investimento para ‘inculcar moralidade e transmitir uma educação completa’ (MELLO, 2012, p. 151).

Em 1942, a Fábrica de Santo Aleixo passou a se chamar Companhia de Fiação e

Tecelagem Bezerra de Mello e foi durante a gestão de Bezerra de Mello, no ano de 1943, que a

direção da Fábrica doou um terreno para a construção do Grupo Escolar Joaquim Leitão,

retratado na Figura 6.

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Figura 6 – Grupo Escolar Joaquim Leitão (Década de 1970) Fonte: SANTOS (1973)

As duas edificações que aparecem na Figura 6 compõem as instalações do Grupo

Escolar Joaquim Leitão. Como se pode verificar, tratavam-se, para a época, de instalações

bastante amplas, as quais iriam atender não somente aos operários da Fábrica, mas as

crianças e jovens da comunidade. Por suas dimensões ampliadas chegou a ser intitulado “o

gigante da educação”. Ainda em funcionamento, o atual Colégio Estadual Joaquim Leitão

permanece nos mesmos prédios que aparecem na Figura 6, cujo terreno foi doado pela

Companhia de Fiação e Tecelagem Bezerra de Mello.

Existia ainda em Santo Aleixo, desde 1943, a Escola Sindical 1º de Maio, fundada e

mantida pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Distrito

de Santo Aleixo. A escola, retratada na Figura 7, funcionava na sede do sindicato que,

estrategicamente, estava localizado entre as duas fábricas do distrito.

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Figura 7 – Escola Sindical 1º de Maio (1945)

Fonte: RIBEIRO (2011)

Além do numeroso grupo de crianças e jovens em posição totalmente imóvel para a

câmera fotográfica, nota-se o rigor dos uniformes, desde sapatos e meias iguais, até os

distintivos bordados nas blusas e laços na cabeça das meninas, assim como o chapéu, em

estilo quepe militar, dos meninos. Atrás das alunas, em meio a poucas mulheres, aparecem

diversos homens trajados de ternos, que tanto podem ser professores como funcionários e

dirigentes do sindicato onde a escola funcionava. Quanto ao prédio da Escola que aparece na

fotografia, supõe-se que o mastro no qual se encontram asteadas as bandeiras identificadas

como a dos Estados Unidos da América e a da Grã-Bretanha, faça alusão aos países aliados e

vencedores no ano que marca o fim da Segunda Guerra mundial. Além disso, os enfeites de

bandeirinhas do Brasil contornando toda a edificação da Escola, somados à vestimenta e à

postura dos alunos e alunas, também sugerem uma data festiva, que tanto corrobora a ideia

de estar chegando ao fim da Segunda Guerra, como trata da comemoração anual do dia do

trabalho, 1º de maio, nome da Escola que também comemorava em 1945, seu segundo ano

de fundação.

As Fábricas de Santo Aleixo tiveram, como as demais fábricas da região, um período de

grande produção na primeira metade do século XX, iniciando seu declínio a partir das

décadas de 1960/1970.

No 2º distrito de Magé, no bairro de Andorinhas, foi fundada em 1890, outra

importante indústria têxtil, a Fábrica de Tecidos Andorinhas, comprada em 1935 pelo grupo

Fábricas Unidas de Tecidos, Rendas e Bordados S.A. Assim como a Fábrica de Santo Aleixo, a

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Fábrica de Tecidos Andorinhas também oferecia aos seus funcionários infraestrutura para

moradia, incluindo escola e creche.

Desde o início do século XX, encontram-se registros da escola da Fábrica de Tecidos

Andorinhas, como um publicado no jornal O Malho, no ano de 1906. Na reportagem, os

diretores da Fábrica eram parabenizados por reconhecerem a necessidade de dar instrução

primária aos filhos dos operários. Muitos anos depois, a Fábrica continuava com essa prática,

como se observa na Figura 8, a seguir, retratando uma turma de alunos do curso de

alfabetização para adultos, na década de 1940.

Figura 8 – Alunos do curso de alfabetização de adultos - Andorinhas (Década de 1940)

Fonte: Acervo da Fundação Getúlio Vargas – CPDOC

Nessa imagem é possível perceber que a Fábrica de Tecidos Andorinhas também

ofertava escolarização aos operários adultos, com a frequência de homens e mulheres.

Depreende-se, ainda, que a turma identificada na própria fotografia como sendo do “Curso de

Alfabetização de Adultos”, encontra-se diante da porta de uma igreja, em trajes de festa, com

o padre à frente, o que pode indicar que se tratava de uma cerimônia de formatura. Na parte

inferior da fotografia se lê: “Curso de Alfabetização de Adultos em ‘Andorinhas’ (...) Rio. Com

sr guia de leitura, o aluno Joaquim Paulo do Rosário com 77 anos”. Provavelmente, a

referência é ao aluno que se vê ao lado do padre, com um buquê de flores na mão,

ressaltando-se a idade daquele que seria o “guia de leitura” da turma.

Na localidade de Pau Grande (6º distrito de Magé), em 1878, um grupo inglês fundou a

Companhia de Fiação e Tecidos Pau Grande, que, partir de 1891, teve sua razão social

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alterada para Companhia América Fabril (CAF). A Companhia América Fabril foi também

pioneira no projeto “fábrica com vila operária”. Como as demais fábricas existentes na virada

do século XIX para o XX, a Companhia América Fabril, além da moradia, oferecia aos seus

operários uma escola primária que recebeu o nome de Escola Sant’Anna, padroeira da Igreja

local construída pelos donos da Fábrica. Sobre a escola oferecida pela América Fabril, Aguiar

destaca que:

A frequência à escola era obrigatória para os operários a fim de galgarem melhores cargos, pois o empregado analfabeto não teria direito à promoção. O aluno que fosse expulso da escola poderia ser também demitido do trabalho, à juízo da gerência da fábrica [...] Estes aspectos levantados sobre as escolas da CAF indicam que a nível do discurso da empresa uma certa escolaridade aliada a inserção da criança ao trabalho era necessária para a formação de mão-de-obra (AGUIAR, 1994, p. 5-6).

O primeiro registro encontrado sobre a escola primária da Fábrica de Pau Grande

corresponde ao ano de 1911. As autoras Elisabeth von der Weid e Ana Marta Rodrigues

Bastos, no livro O Fio da Meada, mencionam o relatório da CAF, de 31 de agosto de 1911:

Para dar prosseguimento à política assistencialista da empresa, foram construídas as primeiras escolas primárias visando dotar os empregados e seus familiares dos “ensinamentos indispensáveis às exigências comuns da vida”, embora a proposta não abarcasse o ensino técnico ou profissionalizante [...] A formação profissional se dava, entretanto, no dia a dia (WEID e BASTOS, 1986, p. 179; 183).

Na Fábrica de Pau Grande, de acordo com o estudo feito por Weid e Bastos (1986), a

criança praticamente nascia na Fábrica e era levada pela mãe operária para o trabalho fabril.

Isso se dava mais ou menos na mesma época em que começava a frequentar a escola, o que

era obrigatório a partir dos cinco anos de idade. Tal assertiva pode ser constatada na Figura

9, na qual aparece uma imagem, publicada em um folheto em 1922, do operariado da Fábrica

de Pau Grande, pertencentes à seção de fiação, que era, em sua maioria, composta por

mulheres e crianças.

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Figura 9 – Estrado com crianças – Companhia América Fabril (1922)

Fonte: CIAVATTA (2004)

Chama atenção na fotografia a presença de crianças muito pequenas ao lado de

algumas maiores, dispostas sobre um estrado para que todas pudessem aparecer, ladeadas

por homens adultos. As meninas estão vestidas de forma aparentemente semelhante, usando

um vestido claro bem abaixo do joelho, já os meninos usam chapéus, o que destoa na cabeça

de alguns bem jovens. A fotografia demonstra, entre outras leituras, que o trabalho estava

vinculado à educação oferecida nas escolas da Fábrica e, talvez, essa última atividade fosse

secundarizada em relação à prioridade da primeira, o trabalho, pois as crianças não estão

posando como alunos e sim como operários da Fábrica.

A Companhia América Fabril atravessou a primeira metade do século XX, chegando aos

anos de 1960, quando seu suporte tecnológico passou a ser considerado ultrapassado.

Somada à crise em nível nacional, começava nessa década, um processo degenerativo de uma

das maiores companhias têxteis do Brasil, que a levou à falência e ao seu fechamento nos

anos que se seguiram.

Mesmo com a falência da Companhia, a Escola Sant’Anna continuou funcionando até

1981. Nesse mesmo ano, seu prédio foi adquirido para abrigar uma escola particular. Na

Figura 10 são retratados alunos da Escola Sant’Anna, na década de 1970.

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Figura 10 – Alunos do primário da Escola Sant’Anna (Década de 1970) Fonte: Acervo particular da professora Ana Evangelista de Souza Nishio

Os alunos apresentados nas imagens da Figura 10 estão desfilando, possivelmente, nas

comemorações de 7 de setembro, acompanhados das professoras que supervisionam a

“marcha”. Na primeira imagem os meninos e meninas trajam um conjunto de shorts e blusa

brancos, alguns com letras bordadas que formam a palavra Brasil, e carregam faixas com

dizeres aludindo às atividades da Escola Sant’Anna. Na imagem seguinte, o grupo de crianças

uniformizado e formado para o desfile, tenta acertar o passo da marcha. Ao fundo vêem-se

casas geminadas que faziam parte da vila operária.

Outra importante indústria têxtil que surgiu no 1º Distrito de Magé, no ano de 1894, foi

a Companhia de Fiação de Tecidos Mageense. Diferente das demais fábricas de tecidos da

região, a Mageense teve curta duração, falindo em 1933. Em 1956, o Grupo Itatiaia adquiriu a

Companhia Mageense, passando a se chamar Fábrica Itatiaia de Tecidos.

Similar às demais indústrias do município, a Companhia Mageense também ofereceu

escola de primeiras letras aos operários e seus filhos. Na Figura 11, observa-se o sobrado

comprado pela Companhia de Fiação de Tecidos Mageense, em 1905, para abrigá-la. O

fechamento da escola, provavelmente, ocorreu no final da década de 1920 e início de 1930,

juntamente com o fechamento da Companhia.

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Figura 11 – Escola da Companhia de Fiação de Tecidos Mageense (Início do século XX)

Fonte: Acervo particular de Antônio Seixas

O sobrado com boas dimensões e arquitetura imponente era um lugar importante no

cotidiano da Companhia Mageense, porque podia abrigar muitas crianças e jovens,

mantendo-os na escola enquanto os pais trabalhavam, ou enquanto eles mesmos não

estavam trabalhando na Fábrica.

Por fim, outro grande empreendimento têxtil na divisa dos municípios de Magé e

Petrópolis foi a Companhia de Tecidos Cometa. Sua localização foi motivo de disputa,

inclusive fiscais, entre os municípios de Magé e Petrópolis, daí a dificuldade em se definir seu

pertencimento.

A Companhia Cometa também oferecia infraestrutura aos seus funcionários, desde vila

operária até a escola. A Fábrica faliu cerca de 100 anos após a sua fundação, em 1903, mas o

legado que deixou para os moradores desse bairro, encravado no meio da denominada Serra

da Estrela, é significativo, incluindo o próprio lugar, que não existiria se não fosse a

Companhia Cometa.

Observa-se na Figura 12, a seguir, uma fotografia tirada em 25 de fevereiro de 1911, na

qual se constata que boa parte dos funcionários da Companhia Cometa era composta de

mulheres e crianças.

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Figura 12 – Operários da Companhia Cometa (1911)

Fonte: Acervo particular de Célio Roberto

Também arrumados sobre um estrado, aguardando o momento de captura da imagem

pela câmera, aparecem crianças e muitas jovens meninas. De acordo com Pereira (2014), o

crescimento industrial aliado aos interesses dos empresários e ao baixo nível de vida de

grande parte da população, impulsionou a mão de obra feminina e infantil para o trabalho

têxtil, desde meados do século XIX. O trabalho infantil era considerado de “grande valia” por

“contribuir” com um “futuro mais promissor” para as crianças (PEREIRA, 2014, p. 56).

A partir da década de 1920, quando foi criado o Primeiro Código de Menores do Brasil7,

o emprego de crianças com menos de 12 anos nas fábricas foi proibido, assim como se

estipulou que, para os abaixo de 18 anos, a carga horária não poderia exceder a seis horas de

trabalho. Embora essa medida tenha sido lenta em sua implantação, bem como ficasse

restrita aos centros e instituições mais visadas, somente nas últimas décadas do século XX,

pode-se afirmar que a sociedade passou a cobrar severamente a observação desta medida

pelos estabelecimentos fabris.

A escola mantida pela Fábrica localizada no meio da Serra recebeu, inicialmente, o

nome de Escola Cometa e, assim como as outras escolas de fábrica em Magé, oferecia

somente o curso primário. Na década de 1960, a Escola Cometa passou a fazer parte da rede

estadual, com o nome de Grupo Escolar Pedro Amado, em homenagem a um dos diretores da

7 A primeira codificação no Brasil voltada exclusivamente para tratar dos interesses das crianças e adolescente foi o Código de Menores, sancionado em 1927, chamado de “Código Mello Mattos”, em homenagem ao autor do projeto. De acordo com esse ordenamento jurídico, o Estado deveria assumir a responsabilidade legal pela tutela das crianças órfãs, abandonadas e desamparadas, que ficariam institucionalizadas e receberiam orientação e oportunidade para trabalhar. O Código Mello Mattos tornou-se um marco referencial, cumprindo o papel histórico de proteção à criança e ao adolescente, considerando o cenário político, econômico e social da época.

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Companhia Cometa. Recentemente, a prefeitura de Petrópolis municipalizou a escola,

tornando-a Escola Municipal Pedro Amado, que pode ser visualizada em seu estado atual na

Figura 13, a seguir.

Figura 13 – Escola Municipalizada Pedro Amado – Meio da Serra (s/d)

Fonte: Wikimapia.org

É importante mencionar que, como aconteceu com as escolas criadas na Fábrica da

Estrela, existiram também diferentes projetos educacionais dentro das cinco indústrias

têxteis citadas, cada um procurando atender aos interesses de sua época.

Aguiar (1994) sinaliza que as escolas das fábricas foram um importante meio de

controle dos patrões sobre os operários, sendo sua implantação parte de um processo

histórico.

[...] pode-se dizer que a manutenção de escolas por parte de determinadas empresas, objetivando a produção e reprodução de sua força de trabalho, é histórica. Já no século XIX, na Europa, Escolas de Fábrica voltadas para a educação operária são criadas. No Brasil, desde o estabelecimento das primeiras indústrias, as Escolas de Fábrica também se fazem presentes (AGUIAR, 1994, p. 1).

As autoras Weid e Bastos, também fazem a mesma constatação, acrescentando que o

modelo das escolas também tinha um caráter assistencialista e “representava uma iniciativa

própria das empresas, objetivando formar e prestar assistência a seus trabalhadores” (WEID

e BASTOS, 1986 apud AGUIAR, 1994, p. 5).

Com o passar do tempo, as escolas, assim como as fábricas, foram extintas e o Estado

passou a assumir a responsabilidade da oferta de educação, trazendo a tona outras imagens

do que seria um projeto industrial/educacional.

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Considerações Finais

Diferenciando-se, sobremaneira, do local de condições atraentes listadas para a

fundação de indústrias no século XIX, o município de Magé, hoje, de acordo com

informações do site do IBGE, tem uma incidência de pobreza na ordem de 64,02% da

população, o que se reflete em elevados índices de crianças e adolescentes fora da escola e

com baixa escolaridade.

Se por um lado as escolas das fábricas de Magé estavam inseridas em um contexto de

“benefícios” que, na verdade, visavam reter o operário no local de trabalho, bem como

controlar as suas atividades para além da fábrica, por outro lado, na atualidade, embora a

cidade esteja constituída, ainda, marcadamente, por uma população de “operários”, os

mesmos já não possuem mais nenhum dos “benefícios” que visavam controlá-los e mantê-los

nas fábricas.

Essa dicotomia se faz presente também na análise do projeto industrial/educacional

das escolas das fábricas, demonstrando que nem mesmo o objetivo do patrão que pretendia

que o operário aprendesse a ler e escrever, hoje faz parte do cenário de grande parte dos

trabalhadores mageenses.

essa perspectiva, vale à pena revisitar as imagens daquele tempo e lugar para pensar

como o projeto de formação de alunos e operários, levado a cabo por tanto tempo, está

relacionado às condições de vida da população que o município de Magé apresenta, hoje.

Referências

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