cadernos do museu da pólvora negra - nº5

72
› EDITORIAL … alimentar a memória dos homens, requer tanto gosto, tanto estilo, tanta paixão, como rigor e método. Jacques Le Goff É importante nunca esquecer que não basta aos museus responsabilizarem-se pela guarda, conservação e exibição das suas coleções, sob pena de se tornarem meros depósitos e montras de objetos. A aposta num programa continuado de investigação é fundamental, de forma a conferir-lhes o seu importante papel de construtores e divulgadores do conhecimento na sociedade. Lançados pela primeira vez em 2006, os Cadernos do Museu revelam a investigação que o Museu da Pólvora Negra tem vindo a levar a cabo ao longo dos anos, com o objetivo de reforçar o conceito de que uma coleção é muito mais do que aquilo que se vê e que estes estudos possibilitam prolongar e qualificar o nosso olhar. Foram muitos os olhos que passaram por esta publicação, que orgulhosamente recebeu na sua quarta edição o Prémio APOM de melhor trabalho sobre museologia, menção honrosa, e são muitos mais aqueles que queremos continuar a cativar, agora em formato digital. Boas leituras! Presidente da Câmara Paulo Vistas c m CÂMARAMUNICIPALOEIRAS 5 N05/2013 CADERNOS DO MUSEU DA PÓLVORA NEGRA A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA a igos do Museu Pólvora Negra

Upload: municipio-oeiras

Post on 30-Mar-2016

225 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Os Cardenos do Museu da Pólvora Negra - Nº5 estão disponíveis online, desde hoje, dia 4 de dezembro.

TRANSCRIPT

Page 1: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

1

› editorial

… alimentar a memória dos homens, requer tanto gosto, tanto estilo, tanta paixão, como rigor e método. Jacques Le Goff

É importante nunca esquecer que não basta aos museus responsabilizarem-se pela guarda, conservação e exibição das suas coleções, sob pena de se tornarem meros depósitos e montras de objetos. A aposta num programa continuado de investigação é fundamental, de forma a conferir-lhes o seu importante papel de construtores e divulgadores do conhecimento na sociedade.

Lançados pela primeira vez em 2006, os Cadernos do Museu revelam a investigação que o Museu da Pólvora Negra tem vindo a levar a cabo ao longo dos anos, com o objetivo de reforçar o conceito de que uma coleção é muito mais do que aquilo que se vê e que estes estudos possibilitam prolongar e qualificar o nosso olhar.

Foram muitos os olhos que passaram por esta publicação, que orgulhosamente recebeu na sua quarta edição o Prémio APOM de melhor trabalho sobre museologia, menção honrosa, e são muitos mais aqueles que queremos continuar a cativar, agora em formato digital.Boas leituras!

Presidente da Câmara

Paulo Vistas

cmCÂMARAMUNICIPALOEIRAS Nº5

N05/2013CADERNOS DO MUSEUDA PÓLVORA NEGRAA FÁBRICA DA PÓLVORA DEBARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

a igosdo Museu

Pólvora Negra

Page 2: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

2 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Este quinto número dos Cadernos do Museu resulta das comunicações apresentadas na Conferência A Fábrica da Pólvora de Barcarena e a 1.ª República, que decorreu em Abril de 2011, no Edifício 51 da Fábrica da Pólvora.

Esta iniciativa integrou o programa da Câmara Municipal de Oeiras para as comemorações do centenário da República Portuguesa e esteve a cargo do Grupo de Amigos do Museu da Pólvora Negra.

Desde a sua constituição, a 17 de Junho de 2010, que o Grupo de Amigos do Museu tem colaborado, de forma incansável, na salvaguarda do património da extinta Fábrica da Pólvora de Barcarena, assim como no enriquecimento, valorização e conservação do seu acervo, para além da sua projeção, organizando diversas iniciativas como esta conferência de que agora publicamos os resultados com o intuito de fazer chegar esta investigação até si.

A Equipa do Museu da Pólvora Negra

Page 3: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

33

› ÍNdiCe

04 › Para uma iconologia do poder na Fábrica da Pólvora de Barcarena durante a 1.ª República Mónica da Anunciata Duarte de Almeida

14 › A Fábrica da Pólvora de Barcarena e a 1.ª República: Da agitação política à renovação tecnológica José Luís Gomes

50 › A Fábrica da Pólvora de Barcarena na 1.ª República Jaime Regalado59 › Da Fábrica para a comunidade. O contributo dos operários da Fábrica da Pólvora de Barcarena para o

desenvolvimento do associativismo no concelho de Oeiras, durante a 1.ª República Filomena Ribeiro

Page 4: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

4 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› PARA UMA ICONOLOGIA DO PODER NA FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA DURANTE A 1.ª REPÚBLICA

› Mónica da anunciata duarte de almeida

Licenciada e Mestre em História da Arte, desde 1992 que investiga e desenvolve projetos no âmbito da história do serviço de incêndios, da olisipografia, da museologia e da história da arte. Igualmente, desde o seu primeiro contacto com o Museu da Pólvora Negra, em 2004, tem vindo a realizar investigação histórica acerca da Fábrica, integrando o conjunto já numeroso das pessoas que se deixaram cativar pela singularidade deste lugar de memória.

É Membro fundador do Grupo de Amigos do Museu da Pólvora Negra.

Page 5: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

55

Nesta comunicação, inserida nas atividades da iniciativa do Museu da Pólvora Negra e do seu recém-criado Grupo de Amigos a propósito das comemorações dos 100 anos da República, apresentaremos algumas reflexões em torno da imagem gerada pelo novo poder instituído, o que decorreu do regime político republicano, para o estabelecimento nacional de fabrico da pólvora que então era a Fábrica de Barcarena.

É hoje ainda muito percetível na paisagem material e imaterial de contexto, que a Fábrica da Pólvora de Barcarena se constituiu ao longo dos séculos como fortíssimo centro catalisador da economia e da sociabilização de uma região em especial, fazendo à sua volta confluir gentes, profissões, interesses, consumos, vida e riqueza. O impacto que o conjunto patrimonial de imediato nos oferece é agora mais estético e sensorial, de uma tranquilidade que até poderia fazer esquecer a dura e turbulenta atividade, de elevadíssimo perigo, a que os trabalhadores diariamente se sujeitavam.

A forma icónica de que se reveste o Poder para se definir e transfigurar, usando de uma linguagem codificada por atributos, símbolos e estilo, deixou marcas profundas na identidade da Fábrica de Barcarena, desde logo por se tratar de um estabelecimento fabril estatal cujo objeto de produção, a pólvora, sempre teve vital importância para a afirmação nacional.

A produção de armas e depois da pólvora negra em Barcarena terão constituído razão de engrandecimento não apenas local como do país e da coroa. Refira-se por exemplo a atenção especial que D. Manuel aí destinou às ferrarias, objeto de interesse régio pela manifesta necessidade de prover de semelhantes recursos bélicos as armadas e os exércitos da Expansão. A referência ao Venturoso não é aleatória e ganha particular interesse para o tema da presente reflexão pois se

trata de um monarca que investiu significativo cuidado na construção de uma imagem de poder, como até então se desconhecia, e a pólvora não deixou de o assistir, feita braço forte no exercício dessa autoridade imperial.

Ora, para o registo temporal que agora nos ocupa, terá a instituição de outro regime político, a República, por conseguinte, condicionado a sintaxe de uma nova imagem de poder para a própria Fábrica? Recorrendo a que suportes?

O pretexto para esta breve abordagem justamente partiu de uma observação in situ, ao olharmos o conjunto da fachada principal da Fábrica, a sua fachada de aparato, e verificarmos que ambos os brasões representando as armas nacionais aí apostos (de pedra e de metal) se encontravam truncados da coroa que os rematava, vestígio evidente de que haviam sido concebidos durante o regime monárquico e que, portanto, por estarem dissonantes com a nova representação de autoridade, doravante republicana, que passariam a incorporar, houve que corrigir. Assim, ao mutilar-se as armas nacionais das suas coroas, manteve--se a validade do símbolo, reformulando-lhe a semântica e garantindo a sua legibilidade face ao novo poder instituído com a república.

É pois relevante referir a posição singular que cedo foi reconhecida à Fábrica de Barcarena no quadro da produção e comércio da pólvora em Portugal, considerada como a Fábrica do Estado por excelência, a Fábrica Real ou Nacional, com o privilégio do exclusivo da produção em território nacional, ou pelo menos da maior fatia de tão cobiçado produto. Este estatuto manteve-se praticamente intacto até aos anos a que nos reportamos, não obstante a existência de outras fábricas de pólvora, não obstante o contrabando mais ou menos subterrâneo mas sempre presente.

› Mónica da Anunciata Duarte de Almeida › Para uma iconologia do poder na FPB durante a 1.ª República

Page 6: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

6 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

Daqui decorre outra inevitável asserção, a de que a própria Fábrica de Barcarena seria então, e ainda, o melhor ícone para a representação da atividade da produção da pólvora no país, atividade importante para a manutenção da soberania da nação republicana, como já o havia sido do reino de Portugal. Nesse sentido, a Fábrica, em termos simbólicos, poderá constituir base para uma alegoria do poder, pois para ele concorre.

À simbologia da identidade teremos igualmente que associar a própria denominação do complexo fabril. Efetivamente, com a implantação da República, o estabelecimento passou a designar-se por Fábrica da Pólvora Negra, acentuando a diferença com a Fábrica da Pólvora sem Fumo que tinha sido inaugurada em Chelas havia apenas doze anos.

Este será porventura um dos períodos menos conhecidos da história da Fábrica de Barcarena, a necessitar, por isso, de uma atenção reforçada para melhor lhe revelar a evolução e as vivências históricas.

Sabemos que para os anos em análise da 1.ª República, a Fábrica da Pólvora de Barcarena se manteve sob a dependência do Arsenal do Exército, que desde 1895, já após ter sido revigorado, tornou a intervir na gestão direta do

complexo fabril. Assim, era do Arsenal a tutela orçamental, o que significa que a produção e o trato da pólvora se faziam como atividade estatal, menos sujeita à concorrência do mercado. Deste facto muito dependerá certamente, a avaliar pela falta de conteúdos imagéticos que o contrariem, a divulgação de uma imagem menos combativa do que aquela que vamos encontrar veiculada para a Fábrica durante os trinta a quarenta anos seguintes, logo após a extinção do

Arsenal do Exército, em 1927, havendo que contratualizar encomendas a bom preço, num mercado competitivo e aberto a outros concorrentes, mesmo considerando a elevada procura de pólvora que continuava a existir, particularmente para as possessões ultramarinas.

Será talvez o momento de referir a circunstância de tratamento especial que a Fábrica da Pólvora passou a ter em finais do século XIX, na sequência do regulamento de segurança a que respeitava o artigo 4.º do Decreto de 20 de Setembro de 1892, e que, segundo julgamos, muito contribuiu para a imagem distante, de certo isolamento, sobriedade e maior disciplina que terá caracterizado a Fábrica nos derradeiros decénios da gestão do Arsenal, grosso modo anos coincidentes com os da 1.ª República.

De facto, aquele regulamento de segurança veio trazer re-

› Foto 1 e 2 – armas nacionais truncadas, na fachada principal da Fábrica (2008) Gabinete de Comunicação CMo

Page 7: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

7

› Mónica da Anunciata Duarte de Almeida › Para uma iconologia do poder na FPB durante a 1.ª República

gras muito mais apertadas para o estabelecimento fabril, doravante entendido como um complexo de alto risco a que se deveriam aplicar as correspondentes medidas de alta se-gurança. Vale a pena salientar, por exemplo, as restrições que então mais se fizeram sentir no acesso de pessoas ao estabelecimento, garantidas pela assistência de guarda--portas do destacamento militar, pela própria configuração

arquitetónica do complexo, com denso arvoredo, altos muros de limite e resguardo da propriedade, e ainda pela imposi-ção de uma zona de respeito de 500 metros circundando todo o perímetro da Fábrica. Medidas rigorosas, fortemente disciplinadoras da organização das atividades, da segurança do complexo fabril e dos trabalhadores, da correção, asseio e boa execução das rotinas de trabalho, foram então im-plementadas no sentido de se limitar os acidentes e de se melhorar a produção.

De análogo interesse é o facto de a gestão da unidade fabril se ter mantido de cariz militar, ligada por estes anos ao Arsenal do Exército, sob os tradicionais auspícios da

› Foto 3 – Mina com placa assinalando zona de respeito, tercena (2008)

Gabinete de Comunicação CMo

Arma de Artilharia, aquela que por definição de interesses e áreas de conhecimento, e também por inerência de funções, melhor preparava os seus oficiais para lidar com os assuntos da pólvora. É conhecida a reserva de exposição pública da instituição castrense na resolução dos problemas que considera de foro próprio, interno, especialmente quando, como no caso, a sociedade civil se apresente volátil e ameaçada de convulsões muito diversas e possa interferir com a harmonia, a boa ordem e a produtividade da instituição a gerir. Impunha-se, portanto, que a organização fosse cautelosa, disciplinada e disciplinadora, garantindo-se a fiscalização constante das perigosas rotinas de trabalho, no rigoroso cumprimento das regras de segurança pela presença permanente de um destacamento militar, incumbindo-lhe funções de proteção e apoio.

De referir que entre 1910 e 1926 não se registaram explosões nem vítimas. Aliás, desde 1862 (explosão) ou 1882 (explosão com vítimas) e até 1927 não haverá nenhum registo significativo a documentar..., o que já em si contribuiria para uma certa serenidade na forma como o grande estabelecimento vinha sendo percecionado pelos funcionários e pelo exterior, não desatendendo, apesar disso, as conturbações sociais e políticas de contexto, que podiam, essas também, fazer propagar ao âmago da Fábrica o rastilho aceso, com as adversas consequências explosivas a que certamente dariam azo.

A este respeito não deixa de ser curioso mencionar o episódio protagonizado pela Liga dos Interesses de Barcarena, que, por via do Centro Republicano n.º 2 ou Grupo Revolucionário de Barcarena, dirigira uma entusiasta petição à Fábrica da Pólvora, eivada de propósitos cívicos. Aí se explicava que tinham intenção de concorrer para a resolução do problema «A Nação Armada», e que por isso solicitavam à Fábrica que pudesse por eles interceder junto do Ministério da Guerra para lhes serem facultadas armas, campo de tiro, etc…. A resposta da administração da Fábrica não poderia ser outra senão informar superiormente do perigo em satisfazer tais pretensões… [Cfr. Centro de Documentação e Informação da Câmara Municipal de Oeiras, Pasta A, docs. 150-A-67 (06-01-1911), 152-A-68 (17-01-1911), 151-A-66 (17-01-1911). Apud M.ª Alexandra Baptista FERNANDES, e Ana Catarina M. de Oliveira MIRANDA, Fábrica da Pólvora de Barcarena. Subsídio para um Roteiro de Fontes Arquivísticas

Page 8: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

8 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

e Bibliográficas, s. l. (Oeiras), Câmara Municipal de Oeiras, 1998, pp. 47-48]. Os ânimos exaltados e a natureza dos tempos difíceis e de grande perturbação económica, política e social que então se viviam exigiam, por isso, que a gestão militar do complexo fabril se concentrasse em manter a qualidade e aumentar a quantidade da produção, assim como preservar a serenidade do funcionamento interno, entre todos os trabalhadores, procurando desse modo contrariar a instabilidade proveniente do exterior. É, aliás, oportuno referir que, em quinze anos, houve nas duas principais cidades do país 20 «revoluções» sangrentas; e que segundo as estatísticas da polícia, de 1920 a 1925, só na cidade de Lisboa, rebentaram 325 bombas [Apud L. NUNES, A Ditadura Militar, Lisboa, D. Quixote, 1928, p. 36].

Ainda a propósito, poder-se-á reter o entendimento da Fábrica como um microcosmos, lugar de convergência do mundo operário e do mundo militar, ambos sujeitos a forte disciplina e à utilização de uma linguagem muito hierarquizada de procedimentos e de simbologia de poder (veja-se, por exemplo, a adoção de regulamentos internos e o uso de uniformes, com características específicas para a Fábrica, extensivos a trabalhadores e a militares).

Para o presente enquadramento interessará igualmente salientar a colaboração que a Fábrica foi chamada a realizar no contexto da participação de Portugal na 1.ª Guerra Mundial. Com efeito, haverá a considerar, por certo, a força simbólica que terá logrado esse contributo no âmbito do forte posicionamento propagandístico do novel regime republicano, ainda na demanda de uma legitimação internacional.

Também nas questões sociais e do trabalho, a Fábrica da Pólvora e os seus funcionários parecem ter andado uns passos adiante, em particular se comparados com outras instalações fabris, o que de alguma forma terá condicionado as relações estratégicas do poder e da sua representação nos anos social e politicamente mais agitados do novo regime republicano. De facto, quando os fumos da república de vez se instalaram no país, há já muito que no complexo se vinha preconizando a aplicação de alguns dos seus princípios teóricos no âmbito das reivindicações, pelos operários, de direitos laborais e da conquista de melhores condições de

trabalho, e mesmo de vida, para a realização de operações de alto risco e de tanto ganho para a Instituição…

Assim, desde 1891 que os trabalhadores, tomando consciência de classe, se uniram e lutaram para reclamar o direito, que conseguiram, da concessão de uma folga semanal equivalente a um dia por seis de trabalho. É de resto sintomático que tenha sido a Fábrica da Pólvora de Barcarena o primeiro estabelecimento fabril de significativa importância no concelho de Oeiras a instituir o período de oito horas diárias de trabalho, já durante o Governo Provisório da República.

De modo idêntico, há que relevar o facto de, desde o último quartel do século XIX, à sombra do complexo se virem organizando serviços e valências que tinham os trabalhadores como protagonistas e cujos benefícios lhes eram especialmente favoráveis.Tal foi o caso, por exemplo, da criação, nos anos 70 de Oitocentos, de um corpo privativo de bombeiros, formado e equipado a expensas da Fábrica e incorporando os seus operários, mas com uma atuação extensível à comunidade barcarenense, que da colaboração

› Foto 4 – operários da Fábrica da Pólvora de Barcarena (c.1900) arquivo MPN CMo

Page 9: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

9

› Mónica da Anunciata Duarte de Almeida › Para uma iconologia do poder na FPB durante a 1.ª República

desse corpo privativo houve vastas vezes proveito, de tal forma que o mesmo serviu de esteio à população até que fosse constituída a Associação dos Bombeiros Voluntários, já só em 1901. Esse terá sido também o caso da associação de classe dos operários da Fábrica de Pólvora de Barcarena, criada em 1893, o caso da Associação de Socorros Mútuos Caixa dos Operários da Fábrica da Pólvora de Barcarena, de fundação anterior a 1893, ou o da Cooperativa de Crédito e Consumo do Pessoal da Fábrica da Pólvora de Barcarena, uma organização de préstimo excecional para muitas famílias e funcionários, criada em 1895, que até 1903 se manteve sedeada na própria Fábrica da Pólvora, tendo sido extinta apenas em 1986. Outras coletividades haveria a registar, com fins também culturais e recreativos, como é o exemplo da Sociedade Filarmónica Progresso Barcarenense (de 1880) ou da Associação de Instrução e Beneficência de Barcarena (de 1894).

Em todos estes diferentes grupos e modalidades de agremiação, porém, o denominador comum é sempre a Fábrica da Pólvora, ela é o centro nevrálgico a que se encontram indissociavelmente ligados, seja por os seus elementos lá trabalharem seja por dela dependerem em termos logísticos ou financeiros ou outros. Assim, a atividade que desenvolvem, inevitavelmente, acaba por ser associada à Fábrica, correspondendo a mais uma forma de a divulgar, chegando até a incorporar a emblemática caracterizadora da unidade fabril na sua própria simbólica distintiva.

› Foto 6 – Planta das captações subterrâneas de água (1910) arquivo MPN CMo

Por via do regulamento de segurança de 1892, a que já aludimos, a Fábrica da Pólvora passou a estar sujeita em toda a sua extensão, e mesmo em pontos isolados, à demarcação de uma zona de respeito relativa a 500 metros. A placa de ferro fundido que marca os extremos da propriedade, com o decorrente entendimento da reserva de proximidade, constitui, em nosso entender, peça de especial interesse para a temática que aqui abordamos. Com efeito, trata-se de um elemento visual, de um objeto de sinalética que, de forma amiudada e ao longo da cerca do estabelecimento e das entradas para as galerias subterrâneas das minas de captação de água, visa ostensivamente assinalar a propriedade, dissuadir qualquer aproximação física de estranhos e confirmar ao olhar exterior, recorrendo à formal citação do decreto que a permite, a especialidade da Fábrica, por ser perigosa, por ser propriedade estatal de alto valor nacional, elevando-a, portanto, a um pódio de intangibilidade, de separação e de isolamento, o que, sendo motivado por questões de segurança, não deixou nesses anos de ter um efeito penetrante nos espíritos, marcando incisivamente a paisagem, impondo superioridade e respeito.

Outro tanto se poderá dizer dos mapas e plantas gerais do complexo, instrumentos imagéticos de registo e documentação, concretizados com maior ou menor

› Foto 5 – Placa de zona de respeito (1892) Gabinete de Comunicação CMo

Page 10: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

10 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

grau de precisão e com maior ou menor impacto visual, desde sempre utilizados para evidenciar os progressos do estabelecimento do ponto de vista das sucessivas empreitadas, das edificações, dos terrenos ocupados. Mesmo assim, a particularidade que os caracteriza e que aqui mais nos interessa reter é a sua função enquanto elemento de afirmação de posse, de propriedade, tendo a esse nível uma importância objetiva e formal mas também de grande sentido simbólico.

É relevante, portanto, que durante aproximadamente o período aqui tratado, o estabelecimento fabril, na ampla extensão de terreno em que se encontrava espraiado, tenha sido mapeado pelo menos em três versões gerais diferentes. De referir ser este o número das versões que nos chegaram, não significando que mais não tivessem sido feitas. Três plantas, dizíamos, datadas de 1910, de 1918 e de 1927, relativas a outros momentos de novidade na Fábrica, que havia que registar para ilustrar convenientemente quanto à chancela de pertença, mantendo o espólio atualizado e a progressão tecnológica documentada.

Independentemente das motivações para a sua realização, que poderiam ter sido muito díspares, o certo é que os levantamentos efetuados permitem uma visão de conjunto sobre a Fábrica, tornando-se ainda numa ferramenta muito útil para a organização das atividades fabris pensadas no âmbito dos circuitos, da entrada e saída de pessoas e materiais, da segurança, do próprio tipo de ocupação e das áreas a requalificar ou a ampliar em função dos resultados pretendidos. Poderíamos, portanto, acrescentar a evidente utilidade prática que as plantas e os mapas então teriam enquanto utensílios de planeamento, para além da valiosa ajuda para a compreensão da própria perspetiva evolutiva da Fábrica, que hoje o seu cotejo possibilita.

Assim, exemplificando mais pormenorizadamente, há que destacar uma planta de 1910, à escala de 1/1000, relativa às captações subterrâneas de água, através de galerias, na encosta esquerda do vale da Ribeira de Barcarena, da autoria do contramestre António da Costa e do polvorista n.º 56, Artur da Costa Pereira. Verdadeiramente, esta imagem não corresponde com exatidão às balizas temporais aqui marcadas já que está datada de 8 de Setembro de 1910. No entanto, a grande proximidade temporal que a caracteriza e

as preocupações que reflete bem justificam a sua inclusão neste enquadramento formal.

De facto, a extração de água verificada na região de Vale de Lobos, no âmbito de atividade da Companhia das Águas de Lisboa, veio tornar inevitável o reforço das captações de água para o abastecimento do complexo fabril, que ficara debilitado, e muito particularmente para o abastecimento dos engenhos de galgas da Fábrica de Baixo e da Fábrica de Cima, maquinismos movidos ainda e só a força hidráulica ou a sangue, isto é, por tração de bois. Considerando a circunstância de apenas em 1924 e 1925 terem sido construídas as centrais elétrica Diesel e hidroelétrica para acionar os novos engenhos adquiridos, rapidamente se percebe da importância desta planta já que trata por inerência um ponto absolutamente fulcral, isto é, o da força motriz hidráulica que acionava as máquinas relativas ao coração da Fábrica, onde se procedia ao encasque dos componentes, uma das principais etapas do fabrico da pólvora.

De registo é ainda uma segunda planta, à escala de 1/1000, datada de 1918, com os edifícios numerados e legendados, e a de 1927. No seu conjunto, estes levantamentos contemporizam as importantes aquisições e transformações tecnológicas, como as novas centrais elétrica Diesel e hidroelétrica, e a progressiva ocupação da margem direita da ribeira de Barcarena, com a construção de mais oficinas e mesmo de nova casa de engenhos, para funcionamento concordante com as recentes inovações de tecnologia.

De grande valor imagético e forte testemunho da divulgação de uma imagem institucional da Fábrica são as próprias embalagens destinadas ao acondicionamento dos diversos tipos de pólvora, já para venda. De formas e materiais variados, são estampadas e têm em comum a utilização do nome da Fábrica e uma representação visual enquanto símbolo corporativo, ora o escudo nacional, ora as armas com inclusão da esfera armilar, e mesmo a fachada da Fábrica da Pólvora.

Temos também na placa dos estancos, os estabelecimentos autorizados a proceder à venda da pólvora produzida em Barcarena, uma matéria de significativo interesse iconográfico, contribuindo não apenas para publicitar os produtos e o local de comercialização como o bom nome

Page 11: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

11

› Mónica da Anunciata Duarte de Almeida › Para uma iconologia do poder na FPB durante a 1.ª República

› Foto 7 – embalagens para pólvora de caça, FPFa e CPMB (séc. XX) Gabinete de Comunicação CMo

› Foto 8 – embalagens para pólvora de caça, CPMB (2ª metade séc. XX) Gabinete de Comunicação CMo

Page 12: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

12 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Foto 9 – Gravura do Archivo Pittoresco (1863)

da Fábrica (e a sua imagem de marca, correspondente quase sempre às armas nacionais), secundado na tradição e na qualidade do fabrico.

Naturalmente que constituem fontes importantes os jornais e as revistas da época. Por exemplo, é possível ver, ao comparar, como na gravura da fachada principal da Fábrica publicada no Archivo Pittoresco (t. VI, 1863, p. 293), a pedra de armas ainda tinha a coroa e que o brasão de bronze nem sequer havia sido colocado onde agora se encontra. Há que considerar que este artigo em concreto sai a lume no ano seguinte à grande explosão que ocorrera em Barcarena a 17 de Março de 1862, e que assim se assinala em jeito de curiosidade noticiosa. Para os anos a que nos reportamos, o facto de não se terem registado momentos tão dramáticos dificulta a tarefa de encontrar recursos ilustrativos.

Por outro lado, as ocasiões que, na Fábrica, marcassem uma diferença na rotina fabril, mas ainda assim acompanhadas por formalismo de atuação, haveriam de revelar-se igualmente excelentes momentos de redobrada

afirmação da imagem institucional, quer pelo carácter extraordinário e memorativo que poderiam assumir quer pela exemplaridade que procuravam impor, passando uma mensagem de competência, qualidade, boa gestão. São disso exemplos as visitas de dignitários e a comitiva que trazem (por exemplo, o Ministro da Guerra, a direção do Arsenal do Exército, elementos da direção de fábricas de pólvora estrangeiras, potenciais fornecedores de maquinaria e tecnologia, etc.), tal como o são a inauguração das novas centrais Diesel e hidroelétrica, ou a comemoração festiva, patrocinada pela própria Fábrica, do dia de Santa Bárbara (aqui apenas citada enquanto exemplo pois começou a ser concretizada já a partir dos anos 50 do século XX…). A prospeção sistemática em arquivo poderá a este título trazer surpresas já que o registo imagético quase sempre acompanha semelhantes momentos de exceção, sendo expectável encontrar fotografias, registos gráficos, relatos jornalísticos ou de outro tipo que ajudem a ilustrar esta dimensão metafórica.

Identicamente, necessita de ser averiguada a participação da

Page 13: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

13

› Mónica da Anunciata Duarte de Almeida › Para uma iconologia do poder na FPB durante a 1.ª República

Fábrica, durante o período em apreço, em feiras e exposições de produtos industriais ou de outro cariz, como representação de uma força económica de Portugal, investindo na divulgação e no escoamento de materiais para outros públicos.

Eis como, de forma assaz sintética, nos detivemos nalgumas das múltiplas manifestações de carácter iconográfico e simbólico que, segundo julgamos, contribuem para plasmar uma iconologia do poder na Fábrica da Pólvora de Barcarena durante a 1.ª República. De sublinhar, para o efeito, a influência que teve a própria expansão e a dinâmica arquitetónica do complexo em função do crescimento tecnológico e correspondente aquisição de equipamentos, do aumento da produção e dos recursos humanos. Como registo final e genérico da Fábrica da Pólvora Negra durante este período, guardamos a imagem de uma instituição

mais centrada em si própria e nos seus compromissos imediatos, que procura resguardar-se à distância dos acontecimentos perturbadores, mantendo a qualidade de produção que a tradição de séculos em exclusividade de fabrico estatal da pólvora lhe permite assegurar.

Não obstante, sublinhamos que os dados ora apresentados (uma lista de possibilidades…) verdadeiramente apenas poderão concorrer para informar ulterior análise iconológica, mais densa e profunda, que intenta a interpretação do significado inerente aos objetos, entendidos no contexto mental e histórico mais lato da sua produção artística e cultural, caldeados pelo cimento que para todos foi a Fábrica da Pólvora de Barcarena. Esse já será portanto outro momento, diverso da abordagem que aqui nos propusemos fazer…

› Foto 10 – Vista panorâmica da área de entrada da Fábrica (2008) Gabinete de Comunicação CMo

Page 14: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

14 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA:

DA AGITAÇÃO POLÍTICA À RENOVAÇÃO TECNOLÓGICA › José luís Gomes

Licenciado em História e Mestre em “Estudos do Património”, pela Universidade Aberta.

Investigador nas temáticas do Património Industrial, História das Tecnologias e História da Metalurgia em Portugal.

Tem desenvolvido, desde 2005 e em parceria com o Centro de Estudos Arqueológicos do Concelho de Oeiras, um projeto de investigação, localização e reconhecimento do antigo espaço oficinal das Ferrarias d’el Rey (séc.s XV/XVII), na Fábrica de Pólvora de Barcarena, com publicação de artigos e relatórios.

Da colaboração com o Museu da Pólvora Negra, nas áreas da investigação e divulgação da História da Fábrica da Pólvora (séc.s XVI/XX), tem resultado a realização de conferências, orientação de visitas guiadas, publicação de artigos, etc.

É Membro fundador do Grupo de Amigos do Museu da Pólvora Negra.

Page 15: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

15

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

A Fábrica de Pólvora de Barcarena era, no início do século XX, um dos mais importantes estabelecimentos fabris do Exército Português, não só no âmbito da produção militar mas também no plano económico.

Se não deixa de ser verdade que a utilização de pólvora negra para fins militares vinha decaindo significativamente após a descoberta e adoção generalizada de novos explosivos, designadamente das chamadas “pólvoras químicas” ou “pólvoras sem fumo”, a atividade da Fábrica de Barcarena mantinha toda a relevância estratégica e económica na produção e carregamento de uma grande diversidade de munições para armas ligeiras e artilharia, bem como na elaboração de uma extensa variedade de artifícios de fogo, principalmente material de sinalização. Não obstante uma crescente secundarização no plano militar, a produção de pólvora negra com fins comerciais mantinha quantitativos relevantes para abastecimento do mercado nacional.

A receita proveniente da venda de pólvora a clientes civis continuava a ser, como em todo o século anterior, a mais importante receita própria do Arsenal do Exército, na estrutura do qual se integrava a F.P.B., que carecia dessas verbas para financiar a construção de novas infraestruturas ou, em tempos de dificuldades financeiras, atender a despesas correntes.

Não é pois de estranhar que o novo regime republicano implantado através de uma ação revolucionária, violenta, que culminou com o anúncio do fim da monarquia em 5 de Outubro de 1910, manifestasse permanentes receios quanto à possibilidade de um golpe anti-revolucionário poder colocar em causa a manutenção da Fábrica de Barcarena em mãos republicanas.

Movimentações constantes dos meios monárquicos, a que se juntava a reação clerical, colocavam em risco a consolidação do regime republicano, tendo-se instalado na cúpula da nova estrutura dirigente a preocupação constante de garantir para o lado republicano a lealdade das mais importantes forças militares e das fábricas de armas e munições.

Desses receios e desconfianças permanentes que, gradualmente, se estenderam também aos antagonismos e cisões políticas que se começavam a gerar no próprio

› Foto 1 – entrada da Fábrica da Pólvora de Barcarena (1929-30) arquivo MPN CMo

movimento republicano, resultou um clima de ansiedade, alimentado muitas vezes por meros rumores e boatos, que não podia deixar de se transmitir ao efetivo militar e civil a F.P.B.

A AGITAÇÃO E O CONFRONTO IDEOLÓGICO

Na documentação histórica encontramos muitos testemunhos dos difíceis tempos vividos não só no interior da

Page 16: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

16 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

Fábrica, mas também na sua envolvente e, particularmente, na povoação de Barcarena.

Damos aqui conta de um conjunto de episódios, de natureza política, ocorridos em torno da Fábrica de Barcarena, particularmente durante os primeiros anos da República Portuguesa.

Em nota confidencial, datada de 21-10-1911 e enviada à Secretaria do Arsenal do Exército, foi dado conhecimento, pelo Diretor da F.P.B., que o contramestre Cândido António se tinha associado aos operários e serventes da Fábrica assinando uma petição que a Direção havia já remetido à referida Secretaria. A sua conduta foi considerada falta grave de um graduado da Fábrica que, em lugar de os dissuadir, acompanhou aqueles trabalhadores em manifestações coletivas. A recolha destas assinaturas tinha ficado a cargo do polvorista nº 60, Joaquim Vicente, que foi também o seu primeiro signatário.

O Diretor, a pedido da Secretaria da Guerra, elaborou um relatório sobre o inquérito ordenado aos acontecimentos ocorridos em Barcarena e que haviam causado apreensão a nível governativo. Novamente, com a anotação de confidencial, o coronel dava conta da queixa que lhe havia sido entregue, a 16 de Julho de 1912, pelo mestre da Fábrica, Aníbal de Azevedo, contra vários indivíduos, entre eles o servente nº 105 da Fábrica e o presidente da Junta da Paróquia, Virgílio Pinhão que, de acordo com o teor do documento entregue, haviam proferido acusações ofensivas da sua dignidade. A investigação ordenada pelo diretor, que pretendia manter-se fora do confronto político, cingiu-se exclusivamente a matérias que importassem à disciplina e segurança da Fábrica.

No dia seguinte, uma nova queixa dá entrada na Fábrica, desta vez através de um ofício remetido por Virgílio Pinhão, no qual o presidente exigia justiça dando notícia de ter tido a casa cercada durante a noite até às 8 horas da manhã por uma força armada proveniente da Fábrica, sob as ordens do mestre Aníbal e do ex-padre Rodrigues. «Respondi a este officio dizendo que já tinha mandado inquirir para apurar responsabilidades, mas unicamente com respeito ao que interessava á fabrica.», informou o Diretor.

Das averiguações entretanto realizadas apurou-se que na noite de 14 para 15 um grupo de indivíduos, onde se encontravam os já referidos Virgílio Pinhão e o servente da Fábrica, se haviam manifestado ruidosamente depois da meia-noite «fazendo grande bulha e alarido pondo em alarme a povoação de Barcarena e, segundo elles diziam com o fim de manifestar o seu regozijo pela victoria das armas republicanas.». Durante essa manifestação teriam sido proferidas, pelo servente nº 105, as acusações dirigidas ao mestre.

Tendo chegado à Fábrica o conhecimento da desordem, o oficial de serviço fez sair uma força de seis soldados chefiados por um sargento, com a intenção de prevenir um eventual ataque à F. P. B. dado desconhecerem-se as intenções dos desordeiros. Tendo este destacamento militar encontrado a povoação de Barcarena em sossego, recolheu pouco depois ao quartel. Na mesma noite, pouco depois do regresso dos soldados, apresentaram-se ao oficial de serviço o mestre Aníbal, o ex-padre Rodrigues e o amanuense Casimiro que, em nome do regedor, requisitavam uma nova força militar. Novamente o oficial de serviço fez sair um cabo e dois soldados, acompanhados por dois “cabos de polícia” que, sendo operários da fábrica, se achavam de prevenção na segurança da mesma.

Levava esta força instruções expressas para se apresentar ao regedor e só dele receber ordens. Encontrando a povoação na maior calma regressou, por ordem do regedor, por volta das três da manhã. Esclarece também o inquérito que o regedor em exercício era o substituto e que o regedor Virgílio Pinhão, mencionado na denúncia como presidente da Junta da Paróquia, era o regedor efetivo que não tinha ainda retomado formalmente as funções após a licença que o havia impedido temporariamente. Já aqui se evidenciava o surgimento das divergências políticas que viriam a fracionar gravemente todo o movimento republicano.

Concluiu o Diretor informando que, em sua opinião, a única causa deste e de muitos outros conflitos que ultimamente tinham ocorrido em Barcarena se ficava a dever à rivalidade existente entre dois grupos, a um dos quais pertencia o presidente da Junta da Paróquia, Virgílio Pinhão, e ao outro o mestre da Fábrica, Aníbal de Azevedo. No entanto, e dado que todos aquelas questões se passavam a grande

Page 17: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

17

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

distância da Fábrica, entendia que a jurisdição sobre estes assuntos deviam pertencer exclusivamente às autoridades civis. Escusava-se assim o Diretor da Fábrica a envolver-se, e ao seu pessoal, em matérias do foro político, que ultrapassavam as suas atribuições e responsabilidades que entendia incidirem unicamente sobre o funcionamento e segurança da Fábrica de Pólvora de Barcarena.

Não era no entanto fácil ao corpo diretivo da Fábrica manter-se afastado das quezílias políticas e concentrar-se no trabalho. Novas complicações surgiram quando, logo a 22 de Julho de 1912, foi remetido ao Governo Civil de Lisboa um ofício da Administração de Sintra com o seguinte teor: «Foi comunicado extra-officalmente a esta Administração de que por ordem de Annibal de Azevedo haviam sido fabricadas 30 bombas todas similhantes, torneadas por Cezario Francisco d’Assis e João Augusto de Mello operários na fábrica de Pólvora em Barcarena, carregadas na presença do conspirador Peres no gabinete do mestre Annibal de Azevedo.». No dia seguinte ordenava já o Ministro da Guerra ao Director do Arsenal do Exército que mandasse «informar com a maior urgência o que se offerecer acerca do fabrico de bombas mencionado».

Importa aqui acrescentar que as «bombas» referidas consistiam nos artefactos explosivos mais potentes e mais utilizados por elementos civis nas confrontações ocorridas durante a instauração da República, continuando o seu uso a ser recorrente e desregrado em períodos de agitação e enfrentamento político. Estima-se que durante a 1ª República tenham explodido mais de 40.000 destes engenhos que, pela sua vulgarização, foram mesmo designados como «artilharia civil».

A comunicação extra-oficial, leia-se denúncia provavelmente anónima, atrás referida chegou rapidamente a Barcarena com ordem de abertura de novo inquérito. Do relatório elaborado pelo Director e datado de 29-07-1912, constava: «Que tendo interrogado o mestre d’esta fabrica Annibal Luís de Azevedo, acerca do fabrico das trinta bombas, de que era accusado, segundo a nota acima indicada, elle imediatamente me declarou ser verdade e ter mandado fabricar muito mais do que as trinta, a que se refere a mesma nota, não só antes de proclamada a Republica, como também por ocasião da primeira incursão dos conspiradores.

Que essas bombas foram todas fabricadas n’uma officina particular, onde as encomendou e pagou, mostrando-me uma factura d’essa encomenda com a data de 12 de septembro de 1911 e na importância de 17$510 reis.

Que apesar de ter tido boas relações com o conspirador Peres porque o tinha na conta de bom republicano nunca foi bomba alguma carregada na presença d’elle.

Que alguns dirigentes republicanos altamente colocados tiveram perfeito conhecimento da existencia d’estas bombas e do fim para que eram destinadas. Depois de ter ouvido estas declarações e de ser apresentada aquela factura, entendi não dever continuar com mais investigações por me julgar habilitado a formar o meo juízo e tirar as conclusões seguintes:

1º - Que o mestre Annibal d’Azevedo mandou effectivamente fabricar bombas n’uma officina particular sendo portanto completamente falso que tivessem sido torneadas por dois operarios d’esta fabrica.

2º - Que é também falso ter o conspirador Peres assistido ao seu carregamento.

Devo acrescentar que considero o mestre Annibal de exemplar comportamento quer como empregado quer como cidadão e que todos que o conhecem sabem bem que elle tem prestado serviços à República e que é um dedicado republicano digno de toda a confiança.

É também opinião minha que esta denuncia de que agora é victima partiu de um grupo de indivíduos existente na povoação de Barcarena e que varias vezes tem provocado desordens sendo a ultima na noute de 15 do corrente ácerca da qual eu enviei uma circunstanciada informação à Secretaria da Guerra».

Procurava-se, como vemos, estabilizar o ambiente laboral na Fábrica tentando deixar fora dos muros a turbulência política própria do período revolucionário que se atravessava. No entanto, qualquer outra atividade que, de alguma forma, interferisse com as rotinas produtivas e, fundamentalmente, com a disciplina exigida a uma fábrica militar era pronta e severamente punida. Um dos episódios que ilustram esta afirmação, decorreu na sequência de uma deliberação da Secretaria da Guerra através da qual, verificando-se o

Page 18: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

aumento da tuberculose entre os trabalhadores do Arsenal e sendo reduzido por indicação médica o horário dos trabalhadores afetados, se comunicava a redução do salário dos mesmos na proporção dos tempos de repouso exigidos para cura da então mortal doença.

Tal deliberação causou enorme preocupação e indignação entre os operários do Arsenal do Exército, nos quais se integravam os trabalhadores da Fábrica de Pólvora. Estava em causa a sobrevivência dos tuberculosos, e das suas famílias, em tempos de grandes dificuldades económicas e carências alimentares. Da agitação e do consequente descontentamento verificado entre os trabalhadores, resultou a pronta reação da Direção da Fábrica manifestada na informação confidencial remetida em 3 de Janeiro de 1913 à Secretaria do Arsenal: «Communico a essa Secretaria que no dia 31 de Dezembro passado apareceu um pasquim afixado n’uma parede da fabrica convidando o pessoal a reunir-se n’um barracão que pertence á fabrica e que é destinado ás refeições do mesmo pessoal durante a hora do descanço. Essa reunião era destinada a protestar contra uma disposição tomada ultimamente pela Secretaria da Guerra com respeito a vencimento e ao trabalho dos tuberculosos do Arsenal. Reunido o pessoal a hora indicada discursaram sobre o assumpto o servente 131 João Ferreira e o servente 140 Julio Rego os quaes segundo se averiguou foram os promotores d’esta reunião, fazendo o primeiro apreciações muito desagradáveis sobre a determinação da Secretaria da Guerra e convidando o pessoal a cotisar-se para completar o vencimento dos tuberculosos que foi reduzido. Sobre o mesmo assumpto fallaram também o torneiro mecânico Cesário Ferreira e o serralheiro Alberto d’Almeida.

Determinei que ficassem suspensos até nova ordem os quatro indivíduos acima mencionados, parecendo-me que se torna indispensável proceder com todo o rigor para que se não repitam factos d’esta natureza que tanto affectam a disciplina.».

A muito instável situação política proporcionava uma agitação permanente que se manifestava em todo o tipo de rumores e iniciativas clandestinas. O risco de que a Fábrica de Barcarena se tornasse alvo de ocupação por fações políticas mais ativas era permanente, situação que mantinha

os responsáveis militares sob constante pressão. A forte militância da componente civil contribuía fortemente para o permanente alarme que se vivia num estabelecimento tão sensível como a Fábrica de Pólvora. Era neste contexto que a informação produzida na F.P.B e enviada à Secretaria do Arsenal em 24 de Setembro de 1913 se inseria: «Cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exª. para conhecimento de S. Exª. o General que esteve n’esta secretaria o Administrador do Concelho de Oeiras prevenindo de que há possibilidade d’esta Fabrica ser atacada por elementos hostis ao regime.

A força que se encontra n’esta localidade é composta de 17 praças e o sargento comandante, força evidentemente deminuta para defender tão grande área e ainda mesmo que a defesa se limite só aos paioes é ela insignificante em vista da distancia a que se encontram. N’estas circunstancias parecia-me de toda a conveniência que o destacamento fosse reforçado de modo a poder fazer face a qualquer eventualidade.». Do General Diretor do Arsenal vieram ordens para se montar de imediato, com o efetivo existente, o dispositivo de vigilância e proteção adequado à ameaça que se desenhava para um futuro muito próximo.

Sendo uma das principais atribuições da Direção da Fábrica garantir a defesa e proteção do vasto perímetro do estabelecimento, era com preocupação que antecipava a possibilidade de um ataque perpetrado por uma força de composição desconhecida. A 1 de Outubro voltava-se a insistir na necessidade de reforço do efetivo militar atribuído à Fábrica: «A força do destacamento é composta de 15 soldados 2 cabos e 1 sargento. O serviço diário é de 7 homens para guardas dos paioes e 4 para reforço, o que perfaz 11 homens, ficando prontos 6 homens e abatendo o rancheiro 5. É pois tão diminuto o numero de praças que não me fácil dar-se cumprimento ao que a mesma nota determina o que peço a V. Eª. se digne ponderar a S. Exª o General.». Tomados em consideração os argumentos apresentados, o contingente destacado viria a ser aumentado para 21 praças.

As dificuldades da Direção em assegurar o normal funcionamento da Fábrica não resultavam apenas da constante instabilidade política que, inevitavelmente, se refletia nas atividades produtivas quotidianas, mas também das reformas administrativas que a difícil conjuntura

› CM› CADERNOS DO MUSEU DA PÓLVORA NEGRA› N05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1ª REPÚBLICA

Page 19: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

19

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

económica ia determinando. Em 19-12-1913 recebeu o Diretor uma nota confidencial do Arsenal comunicando uma diretiva que dava a conhecer um novo plano organizativo que visava reduzir os quadros de pessoal dos estabelecimentos fabris do Exército.

Esta medida aplicava-se necessariamente também a Barcarena, pelo que se ordenava à F.P.B. que elaborasse novos quadros de pessoal reduzindo o número de especialistas e recorrendo, tanto quanto possível, a trabalhadores eventuais então referidos como «adventícios». Pretendia-se com estes cortes de pessoal reduzir os custos fixos da folha mensal de pagamentos.

O antigo regulamento que fixava o quadro permanente do pessoal fabril, consignava uma lista hierarquizada e multidisciplinar, constituída por 107 elementos: 1 Mestre; 4 Contramestres; 2 Fieis; 20 Polvoristas; 5 Artífices de Fogo; 2 Fogueiros; 2 Ajudantes de Fogueiro; 4 Carpinteiros; 1 Forjador; 2 Pedreiros; 5 Serralheiros Mecânicos; 1 Tanoeiro; 1 Torneiro Mecânico; 7 Carvoeiros e 50 Serventes. A proclamada intenção de reduzir o número de trabalhadores colidia com a necessidade, ditada por uma crescente mecanização da produção, de integrar no efetivo laboral novas especialidades tais como um maquinista, um eletricista e um latoeiro. Também a introdução da função de chefes de grupo, por nomeação de cariz temporário e a selecionar entre os operários mais experientes e respeitados, vinha já a ser praticada.

Considerando a redução pretendida pela Direção do Arsenal do Exército foi elaborada uma proposta da Direção de Barcarena na qual, alertando para a necessidade de fazer novas contratações, se conciliou a integração das novas especialidades com a significativa redução do número de serventes. Para as ocasiões de maior necessidade, em que fosse solicitado um aumento da produção, recorrer-se-ia à contratação temporária de mão-de-obra indiferenciada, na qual se passou a considerar também a possibilidade de integrar trabalho feminino, de mais baixa remuneração.

O quadro de pessoal, diretivo e fabril, passou a ficar assim organizado: 1 Diretor (oficial superior do quadro de artilharia a pé); 1 Subdiretor (major ou capitão do quadro de artilharia a pé); 2 Engenheiros (capitães ou subalternos do quadro de

artilharia a pé); 1 Secretário-tesoureiro (capitão ou subalterno do quadro auxiliar da administração militar); 1 Capitão ou subalterno (do quadro auxiliar de artilharia) 18 Sargentos do quadro do Arsenal do Exército; 1 Mestre; 4 Contramestres; Chefes de grupo (Sem quadro fixo, nomeados conforme as necessidades de serviço); 2 Fieis; 5 Artífices de fogo; 1 Brochante; 3 Carpinteiros; 1 Eletricista; 1 Fogueiro; 1 Latoeiro; 1 Maquinista; 2 Pedreiros; 20 Polvoristas; 4 Serralheiros mecânicos; 1 Tanoeiro; 1 Tanoeiro mecânico; 30 Serventes; 10 Aprendizes; 7 Carroceiros.

O quadro final, aprovado e publicado nas «Ordens do Exército», passou a considerar um efetivo global de 6 cargos de Direção e 95 trabalhadores fabris, a que juntavam 5 funcionários de secretaria (1 Arquivista; 1 Encarregado de ponto; 1 Encarregado de escrituração comercial; 2 Amanuenses). Ao total acrescia ainda um médico contratado.

Constata-se pois que era com grande esforço da Direção que se procurava assegurar e compatibilizar a normal laboração e produção da Fábrica com as constantes dificuldades económicas e a permanente preocupação com a segurança e proteção de tão sensível estabelecimento fabril militar. À conturbada atmosfera política do novo regime juntou-se um novo fator de incerteza, traduzido pelo início da Primeira Guerra Mundial.

Para a Direção do Arsenal do Exército assumia uma importância capital a constituição de um adequado dispositivo de defesa da Fábrica de Pólvora de Barcarena capaz de evitar que, no decurso de uma eventual sublevação civil ou militar, o estabelecimento, e particularmente os conteúdos dos seus paióis, pudesse cair nas mãos de forças adversas ao regime republicano instaurado.

O Arsenal ordenou à Direção da Fábrica que elaborasse um plano de proteção da Fábrica em caso de ataque, no qual se passasse a contar com o reforço proporcionado pelas forças a enviar pelo Regimento de Artilharia de Queluz. Esta unidade militar disponibilizaria inclusivamente tropas montadas que seriam integradas no dispositivo preparado pela F.P.B.

O plano, datado de 6 de Setembro de 1915, previa um conjunto de instruções prévias, a fornecer ao comandante

Page 20: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

20 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

do destacamento de reforço: «Estas instruções são dadas na hipótese da Fábrica ser atacada por um grupo de irregulares, até uns 60 homens de ataque de ocasião, pois se a Fábrica for atacada por regulares, ou com muita duração, claro está que não é com tão pequena força que se pode defender tão grande área. A força a cavalo pode ser fornecida pelas baterias a cavalo e o comandante das forças encarregadas da defesa da Fábrica deve ter em atenção que n’esta Fábrica existe um destacamento de 21 praças sob o comando d’um subalterno.

Ao comandante do destacamento serão na ocasião dadas as informações que na Fábrica se conheçam, afim de melhor poder orientar o seu espírito. Na Fábrica prepara-se um mapa que logo que esteja pronto se remeterá, afim que o oficial que vier com a força conheça o terreno onde vai desempenhar os seus serviços.».

Para além destas orientações preparatórias, fixavam-se instruções bem precisas quanto às ações concretas a realizar:

«1 – O Comandante da força enviará a reforçar cada um dos paióis (são dois) 1 cabo e 8 praças. A força do paiol vigiará para dentro da Fábrica Norte.

2 – Uma força de sargento e 12 praças entrará na Fábrica Sul e percorrerá as estradas acudindo onde for necessário.

3 – O Comandante da força com 30 praças formará junto da Secretaria para com elas marchar para onde se desenhar o ataque principal.

4 – A Fábrica Norte será guarnecida com 1 cabo e 3 praças. 5 – Enviará patrulhas de 2 homens a cavalo, uma para a estrada do Cacém, outra na direcção da estação da via-férrea e outra na direcção de Barcarena, e uma patrulha de 1 cabo e 4 homens a percorrerem os terrenos que limitam a Fábrica pelo Poente de modo a verem do interior da Fábrica.».

Embora não se registe notícia de nenhuma ação violenta contra a Fábrica, perpetrada por fações militares dissidentes ou grupos civis, o receio de um assalto armado era, como vemos, uma preocupação constante.

A mobilização de militares do quadro permanente para integração no Corpo Expedicionário Português, que foi em 1917 enviado para a frente de França, introduziu

um novo problema para o Governo republicano que radicava na necessidade de proceder a substituições nas unidades ou nos estabelecimentos militares com recurso a transferências, situação que poderia facilitar a infiltração na estrutura militar de elementos politicamente hostis ao regime. Assim, e em resposta a um pedido de informações nesse sentido, a Direção da Fábrica esclareceu o Arsenal do Exército afirmando «que todos os oficiais que aqui fazem serviço todos pertencem ao quadro da Fábrica e não há nenhum oficial que substitua provisoriamente algum oficial mobilizado.». Tendo então a Direção do Arsenal solicitado a identificação e as funções de todos os oficiais em serviço na Fábrica, foi remetida, em 20-11-1918, a seguinte relação: Jayme Augusto Vieira da Rocha, Coronel de Artilharia a Pé, Diretor efetivo da Fábrica; Florido Munhoz Bastos da Fonseca, Tenente-coronel de Artilharia a Pé, Subdiretor efetivo da Fábrica; Elysio Mário Santos Lobo, Capitão de Artilharia a Pé, Engenheiro de Secção efetivo da Fábrica; Armando José de Serpa Rosa, Tenente de Administração Militar, Secretário e Tesoureiro efetivo da Fábrica; Carlos Augusto de Almeida, Alferes do Quadro Auxiliar de Artilharia, Secretário da Comissão de Receção e Exame efetivo da Fábrica, em diligência no C.E.P. em França.

Agravava-se a agitação política do país, traduzida em sucessivos levantamentos violentos. A 21-11-1918 exigia a Direção do Arsenal que lhe fosse imediatamente enviada relação dos trabalhadores da Fábrica de Barcarena que tivessem faltado no dia 18 anterior, indicando quais as justificações que tivessem apresentado. Informou-se que nesse dia apenas havia faltado, na parte da tarde, o adventício nº 10A, Joaquim da Silva, ausência que havia sido cabalmente justificada.

No dia seguinte, 22-11-1918, o Diretor da Fábrica informava o Arsenal, por nota confidencial, que havia chegado ao seu conhecimento «que em casa do maquinista António Ferreira, nº 129, operário desta Fábrica, foram distribuídos os inclusos manifestos por João de Mello, tanoeiro nº 67 e Henrique Francisco servente nº 143 e que foram largamente espalhados.».

Mantinham-se os receios, por parte da Direção da Fábrica, de que alguns dos operários, influentes na povoação de Barcarena e eventualmente alinhados com movimentos

Page 21: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

21

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

subversivos, transportassem para o interior da fábrica de explosivos conspirações que pudessem envolver um número alargado de trabalhadores e, consequentemente, subjugar o dispositivo de segurança da Fábrica.

Idênticos receios eram partilhados pela Direção do Arsenal do Exército que não se limitavam à filiação política do efetivo operário da Fábrica. Para o Arsenal o temor de potenciais dissensões políticas estendia-se aos militares do corpo diretivo de Barcarena, o que levou a respetiva Direção a confrontar e questionar diretamente o Coronel Vieira da Rocha sobre o posicionamento político de cada elemento com superiores responsabilidades naquele estabelecimento. A 10-02-1919 respondeu o Diretor da seguinte forma: «Cumpre-se prestar as seguintes informações sobre o assunto confidencial a que se refere a nota nº 732 de 4 de Fevereiros de 919 recebida nesta Fábrica em 8 do mesmo mês: O director é republicano; O Sub-Director é republicano; O engenheiro adjunto dizem-no democrático; O Tesoureiro dizem-no nacionalista; O Secretário foi um dos implantadores da república; O mestre é republicano democrático; Um dos contramestres dizem-no unionista; O outro contramestre dizem-no nacionalista.

É este o pessoal que se poude considerar com o Capitão Elysio dos Santos Lobo cumprindo-me dizer que nunca notei nele tendências para não cumprir as ordens do Governo merecendo-lhe especial cuidado a segurança da Fábrica, fim para que o mesmo destacamento aqui se encontra.».

Estas informações não acalmaram os temores da Direção do Arsenal que, contagiada pelo clima de suspeição total, refletia a desconfiança generalizada que resultava de permanentes rumores e denúncias constantes provenientes de todos os quadrantes políticos. Em tal clima, todos desconfiavam de todos. Após acusações de que o destacamento militar instalado em Barcarena para proteção da Fábrica estaria infiltrado por diversos elementos monárquicos, foi posta em causa a sua lealdade política e, por inerência, a confiança nele depositava para tão estratégica missão. Para tal contribuiu decisivamente uma nota da Secretaria de Estado do Interior, recebida no Arsenal a 03-04-1919, na qual se afirmava em tom alarmado: «A Fábrica de Pólvora de Barcarena encontra-se em poder dos monárquicos, sendo urgentíssimo substituir o destacamento, que ali se encontra, por um outro que seja

republicano.». Sobre esta nota acrescentou o Secretário da Guerra o seguinte despacho: «Ao Director da Fábrica que averigue e informe com urgência. 3/4/919.».

Foi o inquérito entregue ao Capitão Elysio dos Santos Lobo e o texto do relatório que elaborou é elucidativo da degradação a que, pelas sucessivas confrontações políticas, havia chegado o ambiente interno, tanto na Fábrica como no destacamento militar que a guardava:

«Em cumprimento do despacho exarado por V. Exa. na nota confidencial nº 732 de 4 de Fevereiros de 919, da Repartição do Gabinete da Secretaria da Guerra, informo que tendo procurado averiguar o mais confidencialmente possível, quem são os monárquicos do destacamento de Infantaria nº 10, tive de ouvir diferentes pessoas, sendo as suas respostas as seguintes: O mestre Aníbal Lúcio de Azevedo diz que todos os soldados, cabos, sargentos e oficial, com exceção do 1º cabo nº 403 da 10ª Companhia José Raimundo e soldado nº 580 da 7ª Companhia Manoel António Guerreiro, são monárquicos e que o alferes comandante do destacamento fazia ainda há pouco e em publico declarações de fé monárquica.

Os 1ºs sargentos Calças e Rosa dizem que ouviram ao 2º sargento Afonso dizer que era monárquico, dizendo mais o 1º sargento Rosa que ouvira dizer ao sargento Afonso que defenderia a Republica por serem as instituições vigentes. O 2º sargento César diz que o sargento Afonso se dizia conservador. O polvorista 62, António Valentim Nogueira diz que todo o destacamento de Infantaria 10 é monárquico com exceção do 1º cabo 403 da 10ª Companhia e soldado 580 da 7ª Companhia que são Republicanos e que o mesmo ouviu dizer a um cabo de nome Afonso que era monárquico.

O contramestre Cândido diz nada saber, o contramestre Mafra diz nada saber, o 2º sargento Santos e Silva diz que ouviu dizer sempre que era afeto à política do Dr. Sidónio Paes.

Passei pois a ouvir reservadamente cada um dos soldados, cabos e sargentos sobre se eram afetos à República ou à Monarquia, respondem-me que o soldado 434 da 6ª Companhia, Celestino Anjos Ferro, diz ser republicano, soldado 531 da 6ª Companhia, Filipe José, diz ser republicano, soldado 427 da 6ª Companhia, Manoel Maria,

Page 22: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

22 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

diz ser republicano, soldado 441 da 6ª Companhia, Adriano Augusto da Costa, diz-se republicano, soldado 438 da 12ª Companhia, Celestiano António Monteiro, diz ser republicano, soldado 516 da 8ª Companhia, corneteiro Manoel Nascimento Bentes, diz não ter política, que é pelo Governo que estiver, soldado 446 da 5ª Companhia, Félix dos Santos, diz ser republicano, soldado 448 da 6ª Companhia, Manoel Joaquim Guerra, que está ao lado do Governo da República, nº 447 da 9ª Companhia, João Manoel Pires, que é pelo Governo que está, republicano, soldado 329 da 10ª, Leonardo Agostinho, que é pelo governo, soldado 434 da 9ª, José Augusto Trigo, republicano, soldado 468 da 8ª, Domingos Alves, diz ser monárquico, tão depressa diz ser monárquico como republicano, terminando por dizer que é pelo partido do Governo, soldado 379 da 10ª, Manoel Ignacio, republicano, 2º cabo 419 da 7ª Companhia, Manoel Maria Balbino, diz que é pelo Governo que está, republicano, soldado 442 da 8ª Companhia, José Francisco Espinheiro, diz que não tem opinião e que vai por onde o Governo o mande, soldado 445 da 8ª, João António, republicano, 1º cabo 476 da 7ª, Antero Armindo Ferreira de Castro, diz que é claro ser republicano, crê que não há ninguém monárquico no destacamento, soldado 407 da 10ª Companhia, Francisco António d’Oliveira, diz ser republicano, soldado 446 da 6ª, Manoel António Ramos, republicano, soldado 417 da 8ª, José Manoel, diz ser republicano, 2º sargento nº 401 da 11ª Companhia, João Alfredo Afonso, diz que defende a República, pronto a dar o seu sangue por ela e por a Pátria, que aos dezasseis anos o meteram n’uma aventura, que foi a primeira incursão couceirista, que procurou o Sr. Oliveira, empregado do caminho de ferro, com intenção de se oferecer para ir com tropas ao Norte bater os revoltosos, o que também foi ouvido pelo indivíduo Benjamim que tem uma mercearia em Tercena; 1º cabo 403 da 11ª companhia José Raimundo Miranda diz ser republicano, 1º cabo 381 da 10ª, João Batista Afonso, diz não ter partido e que defende o partido que está, 2º sargento nº 531 da 5ª companhia Afonso Henriques Pereira, diz que não tem ideal quasi nenhum, apesar de ter ideias republicanas tem por dever defender o regímen, 1º cabo 474, Manoel Santos Pereira, diz ser republicano.

Não me foi possível ouvir o comandante do destacamento por estar em serviço em Lisboa.».

Como vemos imperavam a desconfiança e as denúncias

de que resultavam a confusão e o temor por parte dos elementos do destacamento de se verem envolvidos e instrumentalizados nas aguerridas disputas protagonizadas pelas diferentes fações políticas, cada vez mais radicalizadas.

Todo este clima de agitação foi finalmente afastado da Fábrica com a substituição definitiva, verificada em finais de 1919, do contingente militar destacado para a Fábrica de Barcarena por uma outra força de segurança, desta vez proveniente da Guarda Nacional Republicana que, sendo a unidade militarizada e fortemente politizada criada e recrutada pelo regime republicano, estava assim acima de qualquer suspeita.

O PÓS-GUERRA E A RENOVAÇÃO TECNOLÓGICA

A devastação causada pela 1ª Grande Guerra cessou com o Armistício de 11 de Novembro de 1918. Do conflito resultou uma Alemanha vencida, cuja rendição havia, com sucesso, visado a salvaguarda do seu território e a preservação do seu formidável aparelho industrial, tecnológico e científico. Para os Aliados o acordo de paz possibilitava o fim de uma guerra, que havia atingido níveis de destruição que ninguém tinha sido capaz de antever. A capacidade produtiva das indústrias militares das potências envolvidas elevou esta guerra a patamares tecnológicos nunca vistos, transformando aquele que se julgava um curto confronto iniciado no verão de 1914 numa longa e destrutiva guerra de mais de quatro anos.

O conflito militar havia cessado, vigorando uma paz tensa dado que, na Europa e nos Estados Unidos, muitos se mantinham conscientes de que o gigantesco complexo industrial militar germânico se mantinha intocado. Se a vigilância e as negociações impostas pelas potências vencedoras não conduzissem ao controle da política alemã, esse formidável potencial bélico poderia, a breve trecho, conduzir à reabertura das hostilidades. Verificava-se assim que, mesmo tendo cessado o conflito, o dispositivo militar aliado não podia desmobilizar totalmente.

Foi neste contexto que o Governo Português foi contactado, logo em 26 de Novembro de 1918, pelo Adido Militar Americano em Lisboa, D. L. Brainait que, na condição de representante de potência aliada, remeteu, com a chancela

Page 23: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

23

de “secreto” e “urgente”, um exaustivo inquérito sobre a capacidade de produção bélica de Portugal.

Pretendia-se conhecer o número de fábricas de munições existentes no país, qual a sua localização, quais os tipos de munições produzidas e quais os quantitativos da sua produção corrente e máxima, bem como o número dos trabalhadores empregados. Quanto às importações questionou-se sobre a quantidade de munições adquiridas no estrangeiro, de que tipos, quais os países de origem bem como a forma de pagamento.

No domínio da artilharia, o interesse recaiu sobre o número de peças de campanha que se estava produzindo por semana ou por mês e quantos morteiros de campanha. Igualmente se inquiriu sobre o número de espingardas e metralhadoras que se poderiam produzir semanal ou mensalmente.

Questionou-se também sobre os quantitativos de explosivos produzidos, incluindo pólvora, em termos semanais e mensais.

O inquérito da Legação Americana foi encaminhado pela Secretaria da Guerra para a Direção do Arsenal do Exército, que a 12 de Fevereiro de 1919 o fez chegar às diferentes fábricas militares com ordens para rápida e completa satisfação. Em Barcarena o documento recebeu resposta imediata, no próprio dia, elaborada por Vieira da Rocha.

Recuperando alguns dos dados fornecidos no detalhado documento de resposta, verificamos que, à data, a Fábrica empregava 184 pessoas (no total de oficiais, sargentos, pessoal do quadro e adventícios), situando-se a média anual de produção de pólvoras de comércio (minas e caça) nos últimos seis anos em 124.778 kg, a que se juntavam 14.414 kg de pólvora de guerra. Procedia-se igualmente ao carregamento de diversas munições, nomeadamente cartuchos para armas ligeiras de diferentes modelos bem como cartuchos para artilharia nos calibres situados entre os 70 e 150 mm. Em paralelo, eram também carregados diferentes tipos de cápsulas para espoletas (cápsulas porta-fulminantes, cápsulas de concussão, cápsulas de percussão e cápsulas para escorvar) bem como de escorvas (de fricção e de obturação). Acrescentou-se uma extensa relação dos “artifícios” manufaturados na Fábrica, tanto para uso civil

como para fins militares.

Quanto às principais matérias-primas, informava-se que habitualmente se adquiriam 100 toneladas de salitre de potássio e 15 toneladas de enxofre em “canudos”, geralmente importados a partir de Inglaterra. Também a “Folha de Flandres”, essencial para a embalagem de produtos acabados, era comprada no mercado inglês.

No efetivo mecânico dedicado à produção de “pólvora negra” destacou-se a existência de 7 galgas, das quais seis asseguravam a laboração permanente, excluindo uma que correspondia à que, alternadamente, se encontrava imobilizada para manutenção ou reparação. Estes engenhos recebiam tarefas de 25 quilos, cujos encasques tinham durações variáveis, entre 1 hora e 40 minutos para as pólvoras menos exigentes (dos tipos M.M., G., F.F. e G.G.M.) e de 4 h e 40 m para as pólvoras de maior qualidade (F., Pebble, Diamantina e C.).

A informação relativa à capacidade produtiva da Fábrica no tocante à pólvora negra é complementada por um considerando que viria a ter, a breve prazo, significativas consequências para o futuro daquele estabelecimento.

Afirmou-se que «trabalhando a Fábrica normalmente (8 horas de trabalho diárias) produzirá o que consta do nº 3 [as atrás referidas 139 toneladas anuais de pólvora negra] e pode esta produção ir ao dobro sem grande dificuldade, trabalhando-se além das 8 horas, e aproximar-se do triplo trabalhando-se ininterruptamente e duplicando algumas máquinas.». Talvez não antecipasse o seu autor a impressão que a leitura de tal considerando iria produzir no espírito dinâmico e voluntarioso do General Correia Barreto, então Diretor do Arsenal do Exército e que, nessa qualidade, era o responsável pela recolha de informações junto dos diferentes estabelecimentos militares integrados no Arsenal para posterior resposta ao inquérito da Legação Americana.

A figura do General António Xavier Correia Barreto integra-se no núcleo de republicanos incondicionais que conduziram e organizaram a revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, protagonizando muitas das intervenções de consolidação do novo regime não só no plano militar mas também no plano político e institucional. Nascido em

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

Page 24: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

24 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

Lisboa, em 5 de Fevereiro de 1853, foi um aluno distinto que se notabilizou na área das ciências físico-químicas, vindo a publicar, em 1885, um importante trabalho intitulado Elementos de Chimica Moderna: Contendo as suas Principais Aplicações, que recebido pelo meio académico como um verdadeiro manual na matéria, mereceu sucessivas reedições.

O seu percurso militar, como oficial de artilharia, ficou marcado por uma rápida ascensão que justificou a sua nomeação, em 1909, para diretor da Fábrica de Pólvora de Chelas, posteriormente conhecida como Fábrica de Cartuchame e Pólvoras Químicas. O então Capitão Correia Barreto dirigiu a produção da chamada “pólvora branca” ou “pólvora sem fumo” e, recorrendo à sua formação académica, desenvolveu diversos estudos sobre a substância inventada em 1886 pelo francês Paul Vieille que culminaram com a criação de uma nova variante de “pólvora sem fumo”, inovação cientifica que lhe valeu os mais elevados elogios mesmo a nível internacional.

No plano político, a sua inquestionável convicção republicana

e as suas qualidades intelectuais e organizativas valeram-lhe o convite do Almirante Cândido dos Reis para integrar o comité organizador da revolução de 5 de Outubro. Destituído o regime monárquico integrou o Governo Provisório, liderado por Teófilo Braga, no cargo de Ministro da Guerra e, tendo liderado a profunda reestruturação militar considerada indispensável à consolidação do novo poder republicano, foi o fundador do Instituto Militar dos Pupilos do Exército.

Em Junho de 1912 voltou a ser Ministro da Guerra no governo de Duarte Leite. Promovido a general em 1914, participou nas Constituintes e foi Senador em todas as legislaturas. Foi candidato vencido à Presidência da República nas eleiçoes de 1915 e 1919. Ao longo da sua carreira militar e política foi ainda presidente da Câmara Municipal de Lisboa, diretor do Arsenal do Exército e comandante da Guarda Nacional Republicana. Desempenhava o cargo de Presidente do Senado quando ocorreu o movimento militar de 28 de Maio de 1926, após o qual abandonou a vida política. Veio a falecer em Sintra, a 15 de Agosto de 1939.

Entende-se assim, através destas superficiais notas

› Foto 2 – Centrais diesel (1929-30) arquivo MPN CMo

› Foto 3 – estrutura coberta pre-existente que alojou o novo motor diesel M.K.V. Deutz, substituindo a antiga máquina a vapor Sulze ali instalada (1929-30)

arquivo MPN CMo

Page 25: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

25

biográficas, a postura interventiva, a dimensão e o estatuto político do principal interlocutor da Fábrica de Pólvora de Barcarena neste momento particular da sua história. Atentando na afirmação produzida pela direção da Fábrica de Barcarena, sobre a possibilidade técnica de duplicar ou mesmo triplicar a produção de pólvora negra, entendeu Correia Barreto assumir que seria esse o principal desígnio a atribuir àquela Fábrica. Não radica esta decisão no interesse estritamente militar daquele explosivo, ultrapassado já pela utilização generalizada de pólvoras químicas já produzidas em Portugal na Fábrica de Chelas, mas sim em motivações de ordem económica, dado que o comércio das pólvoras, produzidas em Barcarena para utilização civil, constituía uma das mais importantes senão mesmo a mais vultuosa receita própria do Arsenal do Exército.

Destituída já de importância estratégica no plano militar, a pólvora negra constituía um artigo de grande procura comercial no mercado interno, particularmente nas especificações de “pólvora de minas” ou “pólvora de caça” que, como já vimos, constituíam quase 90% da produção total da Fábrica de Pólvora de Barcarena. Não nos deve iludir

esta esmagadora percentagem de produção de pólvoras para uso civil no sentido de se entender que se encontrava satisfeita a totalidade da procura interna. Verificava-se à época uma permanente produção clandestina de pólvora negra, reforçada por um frequente contrabando deste artigo que, embora combatidos, resultavam, naturalmente, da forte procura e da incapacidade de um completo abastecimento pela fabricação nacional autorizada.

Considerava então Correia Barreto que a maximização da produção em Barcarena poderia traduzir-se num significativo aumento de receitas para o Estado, então em situação económica tão débil. Os investimentos que viriam a ser necessários justificar-se-iam pelas contrapartidas inerentes à reformulação e modernização produtiva daí resultante e, consequentemente, do aumento dos ganhos comerciais promovidos pela plena satisfação do mercado interno. É neste contexto que o Diretor do Arsenal do Exército ordena que, na Fábrica de Pólvora de Barcarena, se proceda à elaboração de um anteprojeto referente à ambicionada reformulação tecnológica do estabelecimento.

A Fábrica era então dirigida interinamente pelo tenente-coronel Francisco Xavier do Amaral que atribuiu ao Capitão Elísio Lobo a responsabilidade de redigir o anteprojeto pretendido, que foi apresentado sob a forma de um extenso e circunstanciado texto. Neste documento, datado de 14-11-1919, explanaram-se as condições consideradas necessárias para se atingir uma produção anual de 400 toneladas de pólvora, sendo 200 toneladas de pólvora de caça e 200 toneladas de pólvora dos tipos M.M. e G. A proposta apresentada organizava-se em torno das seguintes rubricas:

- Instalação de novos equipamentos- Outros utensílios- Construção ou remodelação de edifícios fabris- Outros trabalhos- Organização do trabalho- Contratação de pessoal adicional- Considerações finais- Estimativas de investimento previsto

No tocante à Instalação de novos equipamentos considerava-se:

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

› Foto 4 – interior da Central diesel M.K.V. Deutz: equipamento electrogerador e respetivo quadro elétrico (1929-30)

arquivo MPN CMo

Page 26: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

26 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

- Aquisição de novo aparelho de carbonizar, com 2 retortas;- Aquisição de 2 caldeiras de evaporação para refinação do salitre;

- Aquisição de triturador de grande velocidade;- Manufatura de um triturador para salitre;- Aquisição de uma bomba aspirante-premente para refrigeração do aparelho de carbonizar;

- Aquisição de um motor de 30 H.P. para substituir o existente na 1ª Secção;

- Aquisição de 5 galgas Grusonwerk;- Aquisição de um motor de 50 H.P. para o grupo das 4 galgas;

- Manufatura de 2 peneiros de rotação;- Manufatura de 2 peneiros de translação para peneiragem em seco;

- Aquisição de 2 lustradores franceses;- Aquisição de uma plaina, um engenho radial, uma serra de fita sem fim;

- Aquisição de 2 camiões para carga de 2.000 Kgs.;- Aquisição de agitadores elétricos para refinação de salitre;- Aquisição de um guincho para descargas;- Aquisição de uma báscula para 7.000 Kgs.;- Aquisição de bateria de acumuladores com capacidade para

uma intensidade luminosa de 9.000 velas durante 13 horas, para alimentação da rede de iluminação a construir e para os pequenos motores a instalar nas oficinas de refinação de salitre e pirotecnia.

Outros utensílios:- Aquisição de 3.000 canecos para construção de tarefas- Aquisição de peneiros de mão- Aquisição de celhas para composição binária- Aquisição de caixões para depósitos de pólvoras

Construção ou remodelação de edifícios fabris:- Construção de uma oficina para 4 galgas- Construção de um depósito para arrecadação de carvão destilado

- Construção de duas oficinas na Fonte Caiada- Construção de um forno para fundição- Construção de 2 grandes armazéns para matérias-primas- Construção de edifício para alojar a bateria de acumuladores elétricos

Outros trabalhos:- Mudança da prensa Krupp para uma das oficinas a construir

› Fotos 5 e 6 – edifício da antiga Caldeira a Vapor, reconvertido para a 2ª Central Diesel e respetivo interior com motor Winthertur de 200 H.P. (1929-30)

arquivo MPN CMo

Page 27: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

27

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

- Deslocação da máquina-motora para a central de energia- Instalação de corrente elétrica para iluminação nos trabalhos noturnos e para aparelhos de pequena potência, composta por: quadro com aparelhos de medida e segurança; construção de linha aérea a dois fios nus em zonas abertas, e de forte isolamento junto das oficinas perigosas; rede de iluminação compreendendo 22 lâmpadas de 50 velas, 168 lâmpadas de 32 velas, 139 lâmpadas de 16 velas;

- Instalação da bateria de acumuladores de eletricidade.

Organização do trabalho e contratação de pessoal:- Proposta de organização do pessoal polvorista em quatro classes:

- Polvoristas - Encascadores- Refinadores de salitre- Carbonizadores

- Desdobramento do período de trabalho em dois turnos, para 16 horas de trabalho:

- 1º Turno: 1ª jornada de trabalho entre as 05:00 eas 09:00 horasPausa para descanso entre as 09:00 e as 14:00 horas2ª jornada de trabalho entre as 14:00 e as 18:00 horas- 2º Turno: 1ª jornada de trabalho entre as 09:00 e as 14:00 horas

Pausa para descanso entre as 14:00 e as 18:00 horas2ª jornada de trabalho entre as 18:00 e as 21:00 hora

Contratação de pessoal adicional:1 Maquinista1 Eletricista1 Ajudante eletricista1 Fogueiro1 Chefe de grupo de encascadores24 Encascadores16 Serventes lubrificadores e encarregados de molha1 Chefe de grupo de refinadores2 Refinadores de salitre4 Serventes auxiliares de refinadores2 Chefes de grupo de carbonizadores3 Carbonizadores3 Serventes auxiliares de carbonizadores8 Polvoristas16 Serventes

10 Serventes caixoteiros1 Forjador15 Serventes do sexo feminino15 Serventes menores (rapazes) para fabrico de latas e cartuchos de papel

2 Serventes para guarda-portões2 Carpinteiros2 Serralheiros1 Torneiro1 Tanoeiro1 Correeiro2 ChaufersTotal: 136 novos trabalhadores

Considerações finais:- Embora durante a elaboração do anteprojeto tivesse sido considerada a instalação de turbinas para produção hidroelétrica, referia-se que não se avançava com tal proposta dado o elevado preço de tal equipamento face à escassa produção expectável nos quatro meses (excecionalmente seis) de caudais viáveis da ribeira, com o consequente baixo rendimento elétrico permitido.

- Considerou-se da maior conveniência para a rentabilidade da fábrica a instalação da produção de cordão Pickford, destinado à lavra das pedreiras e da indústria mineira, cuja introdução já havia sido estudada e avaliada em 1916.

- Adianta-se ainda a hipótese de evitar o dispêndio dos 14.000$00 destinados à compra dos dois camiões pretendidos, caso os mesmos pudessem ser supridos a partir dos muitos veículos do C.E.P. que estavam regressando de França.

Estimativas de investimento previsto:- Aquisição de equipamentos e utensílios fabris: 122.500$00

- Construção ou remodelação de edifícios: 36.500$00

- Eletrificação da Fábrica: 35.000$00

- Contratação de pessoal: 75.000$00

Total aproximado: 250.000$00

Page 28: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

28 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

e utensílios necessários para triplicar a produção nas 8 horas de trabalho». Afastava assim o general, liminarmente, a possibilidade de reforço do quadro de pessoal.

Informou ainda que o motor suplementar pretendido poderia ser “Diesel”, com o respectivo alternador, mas que deveria «aproveitar-se, quanto possível a força hidráulica». No tocante às questões de financiamento do projecto, decidiu que «o plano geral da ampliação da fábrica seja feito de modo a permitir a construção e montagem gradual dos mecanismos à medida dos recursos de que sucessivamente se possa dispor».

Ficou assim definitivamente lançado o grande projeto de modernização e ampliação da Fábrica de Pólvora de Barcarena. A tarefa viria a constituir um enorme desafio técnico e organizativo para a Direção da Fábrica que deveria manter todos os equipamentos existentes em laboração, garantindo assim, durante o período de implementação do projeto, a total satisfação das necessidades de produção de pólvora negra tanto do Arsenal como do mercado comercial e, simultaneamente, desenvolver e acompanhar todo o processo de conceção e articulação das diferentes fases de desenvolvimento de um extenso plano de trabalhos que incluiria o estudo e a especificação dos equipamentos a instalar, respetivas consultas de mercado e lançamento de concursos para aquisição, projeto e construção das diversas oficinas que viriam a receber a nova maquinaria, criação ou adequação de uma infraestrutura energética que assegurasse de forma adequada o funcionamento do novo efetivo tecnológico sem que tais intervenções pusessem em causa a normal laboração da Fábrica. Tão exigente e complexa tarefa, cometida ao pequeno grupo de oficiais da Fábrica, foi prontamente aceite pela Direção.

Atendendo às diretivas do General Correia Barreto, particularmente no tocante à implementação faseada do projeto, foi de imediato produzida uma lista de prioridades que foi apresentada ao Arsenal do Exército em 29-11-1919. Neste documento propunham-se como prioritárias as seguintes ações:

1 - Aquisição de um motor/gerador de energia elétrica com uma potência de 150 H.P.

2 - Construção da oficina para a carbonização - Aquisição de 1.000 canecos - Construção da oficina para onde devia ser transferida a

› Foto 7 – torre e depósito de refrigeração da 2.ª Central Diesel, reaproveitando a base da antiga chaminé da Caldeira a Vapor. obra projetada e realizada pelo pessoal da F.P.B. (2011)

J.l.G.

A proposta apresentada recebeu a imediata aprovação do General Correia Barreto que, após análise, transmite esse parecer à Direção da Fábrica de Pólvora de Barcarena em 24-11-1919, através da nota nº 890 da Secretaria do Arsenal do Exército.

Na sua resposta determinou, no entanto, que a ampliação da Fábrica deveria «fazer-se pela montagem dos maquinismos

Page 29: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

29

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

prensa Krupp - Manufatura de um triturador de salitre - Aquisição e instalação da nova geradora de energia, das galgas, dos lustradores, etc.

3 - Mantida a intenção de triplicar a produção, em horário normal e fundamentada essencialmente na aposta da mecanização da produção, foi apresentada uma nova proposta para a compra de equipamentos adicionais:

- Aquisição de 1 peneiro de composição binária - Aquisição de 1 peneiro para carvão - Aquisição de 1 triturador de salitre - Aquisição de 1 triturador de enxofre - Aquisição de 1 misturador mecânico - Aquisição de 12 engenhos de encascar - Aquisição de 3 lustradores franceses - Aquisição de 1 calibrador mecânico - Aquisição de 1 granizador de cilindros - Aquisição de 1 máquina de cravar latas - Aquisição de 6 motores de 15 H.P. para as 12 galgas propostas

4 - Construção das seguintes oficinas (além das propostas inicialmente):

- 1 oficina na 1ª Secção - 3 oficinas na 3ª Secção - 2 oficinas na 3ª Secção (Fonte Caiada) - 1 oficina na 2ª Secção (junto aos atuais granizadores) - 1 oficina na 2ª Secção (para o motor da Fonte Caiada)- Propôs-se igualmente a substituição do motor 30 H.P. previsto inicialmente para a 1ª Secção por dois de 44 H.P. e 6 H.P. respetivamente, substituindo-se assim os dois cabos teledinâmicos existentes.

- Pretende-se alterar o motor de 30 H.P. proposto para as 4 galgas iniciais, por dois de 15 H.P., de forma que cada grupo de 2 galgas seja acionado por um motor autónomo.

- Propôs-se ainda substituir o cabo teledinâmico da Fonte Caiada por um novo motor de 60 H.P.

Nesta contraproposta evidencia-se principalmente a alteração do número de galgas a adquirir, que passa de 5 para 12. Embora não se encontre devidamente enunciada na documentação estudada qual a localização a dar a tão elevado número de novas galgas, não podemos deixar de considerar como quase óbvia a hipótese de as mesmas se destinarem a equipar as novas oficinas a construir na Fonte Caiada (com 4 galgas) bem como a substituir as quatro galgas

hidráulicas existentes nas oficinas de encasque da Fábrica de Baixo e igual número de engenhos idênticos instalados nas oficinas da Fábrica de Cima. Verifica-se igualmente que se alterou o critério de motorização das novas galgas, que passam a ser instaladas em grupos de dois engenhos com um só motor comum de 15 H.P., em lugar de uma

› Foto 8 – depósito de combustível diesel, construído nas oficinas da F.P.B. (2011)

J.l.G.

Page 30: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

30 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

motorização global, de conjunto e de mais elevada potência, suscetível de paralisar um elevado número de engenhos em caso de avaria. Esta opção facilitaria a gestão quotidiana não só pelo maior número de motores a utilizar e consequente redução da potência unitária mas também por uma mais fácil e eficaz condução e gestão dos recursos energéticos, agora preferencialmente hidroelétricos, com a implementação de uma instalação elétrica mais extensa mas simultaneamente mais fiável porque mais diversificada em termos do número de circuitos de utilização.

Verificou-se igualmente o reforço do número e natureza dos equipamentos mecânicos complementares economizadores de mão-de-obra e destinados aos trabalhos de preparação das matérias-primas, agora necessárias em muito maior quantidade, bem como de tratamento e finalização das pólvoras encascadas. Aprovada na sua generalidade a contraproposta apresentada pela Fábrica, os primeiros meses do ano de 1920 são ocupados com os trabalhos de levantamento das instalações existentes, de apresentação de propostas para a elaboração dos projetos para as novas construções, de seleção do tipo e especificações dos novos equipamentos a adquirir, sem descurar as exigências da normal laboração da Fábrica. Ao longo de Outubro daquele ano foram consultadas diversas firmas de Lisboa (Tripette & Renaud, Jayme da Costa, Lda., Orey Antunes & Cia, F. Street & Company, C. Mahony & Amaral, Lda., etc.), representantes dos fabricantes estrangeiros suscetíveis de poderem vir a fornecer os equipamentos pretendidos, nomeadamente os destinados à nova central hidroelétrica. Foram assim solicitadas propostas para o fornecimento de uma turbina de eixo vertical, de fuga livre, para uma queda de água de 22 metros e um caudal de 250 litros por segundo em regime de chuvas.

A água que acionaria as turbinas seria dirigida através de uma conduta estabelecida a partir de uma caldeira-depósito a construir. A turbina deveria ser acompanhada por um dínamo de corrente contínua de 500 volts e 50 H.P.. No caso de se tornar possível e mais rentável optar pela montagem de duas turbinas, estas ficariam instaladas com um desnível de 10 metros entre si. A eventual segunda turbina utilizaria o gerador elétrico de 500 volts, 10 H.P. e 1.150 r.p.m. cuja aquisição havia já sido, entretanto, autorizada pelo A.E. com a finalidade de substituir as transmissões constituídas

pelos cabos teledinâmicos da 1ª Secção. Das diferentes consultas técnicas e estudos efetuados, então orientados para a instalação de duas turbinas e dois dínamos, resultou o envio de propostas das casas F. Street & Company, J. P. da Conceição, Lda., Empresa Nacional de Máquinas, Lda. e Escher Wyss & Cie. que, a pedido do Arsenal do Exército, foram remetidas ao General Correia Barreto. Também ele, como principal decisor de todo o processo, acompanhava a par e passo todas as fases do processo participando com propostas e alvitres no desenvolvimento do empreendimento, sendo de opinião que seria suficiente instalar uma só turbina de 50 H.P., tipo “Francis”, que poderia trabalhar com «despesas variáveis» ligada a um só gerador. Procurando acelerar o processo insistia, em 16-02-1921, com a Direção da Fábrica para que esta enviasse o projeto global de aproveitamento hidroelétrico.

Precisamente um mês depois, a 16 de Março de 1921, a Fábrica remete o anteprojeto de aproveitamento hidroelétrico assinado pelos dois membros da comissão encarregada de proceder aos diferentes estudos e que era formada pelo Diretor, Coronel Francisco Xavier do Amaral e pelo Capitão Elísio Manuel Santos Lobo. Muitos tinham sido os aspetos técnicos a considerar para a elaboração do complexo estudo de aproveitamento dos caudais da Ribeira de Barcarena, cuja finalização se encontrava pendente da definição de um adequado programa de trabalhos que não pusesse em questão a normal laboração da Fábrica, até então maioritariamente movida por força hidráulica.

Este anteprojeto preconizava as seguintes soluções técnicas:- Aprofundar e altear o açude existente e conduzir a água através da bica da Caldeira Norte até ao espigão da parede norte da estufa, de modo a, de acordo com as medições realizadas em diferentes épocas do ano, obter uma queda de água mínima constante de 20 metros e um caudal medido de 250 litros por segundo, suficiente para desenvolver uma força motriz de 50 H.P.

- Opção por duas turbinas de 25 H.P. de modo a possibilitar de forma permanente, e mesmo em períodos de menor caudal, o funcionamento de, pelo menos, um grupo de oficinas acionado por uma turbina de 25 H.P.

- A Comissão foi de parecer que não se deveria abandonar a utilização das rodas hidráulicas tradicionais que, em conjunto com os novos equipamentos, poderiam garantir

Page 31: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

31

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

o «movimento geral» da Fábrica durante cinco meses (Dezembro a Abril). Mesmo após Abril poderia ainda ser possível acionar hidraulicamente, entre rodas e turbinas, uma parte das oficinas. Verifica-se, pelo teor desta proposta que a intenção de compra das 12 galgas Grusonwerk havia deixado de ser uma prioridade.

A poupança nos custos de operação da máquina a vapor existente, nomeadamente no tocante ao combustível,

resultante desta combinação de utilizações justificaria, por si só, o investimento económico necessário que rondava os 71.000$00.

- O «movimento geral» da Fábrica passaria então a ser o seguinte:

- Galgas, oficinas de reparação e granizadores: rodas hidráulicas

- Oficinas de trituração, misturação e operações subsequentes ao encasque: turbinas

Série de obras a executar e seus orçamentos:- Obra do açude (altear e aprofundar) 1.100$00

- Construção de caleira em betão armado (entre a bica da Caldeira e a conduta) 4.500$00

- Construção de conduta com 700 m x 0,55 m x 1,50 m 19.000$00- Construção de quatro aquedutos 1.100$00

- Instalação e compra de uma turbina 43.000$00

- Aquisição de terrenos destinados à passagem da conduta 2.000$00

Total: 70.700$00

O fornecimento da turbina veio a ser atribuído à firma Aníbal Neves, Lda. com sede na Rua da Prata, 242-248, em Lisboa, que se encarregou de intermediar a construção da mesma pela empresa alemã Kuhnert – Turbowerke, de Meissen, na Saxónia. Em 21-06-1921 solicitava a gerência da firma lisboeta, a fim de evitar atrasos na construção da turbina pretendida, o envio urgente de um “cróquis” detalhado do respetivo local de instalação, bem como indicação do sentido de rotação pretendido para a turbina. Desconhecendo a Direção da Fábrica quais as especificações exigidas para o “croquis” solicitado sugeriu-se que viesse o engenheiro da empresa construtora recolher os dados requeridos mas, na impossibilidade de custear a deslocação do técnico alemão, aceitou a Fábrica encarregar-se de tal tarefa.

Em 07 de Julho remete a Fábrica ao A.E. um novo anteprojeto para a instalação da turbina, que seria agora de 100 H.P., em lugar dos iniciais 50 H.P., duplicando

› Foto 9 – edifício construído para a nova Central Hidroeléctrica (2011)

J.l.G.

Page 32: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

32 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

assim a potência inicialmente contemplada. Esta alteração da configuração da central hidroelétrica foi estudada pela firma Aníbal Neves, Lda. que, na carta de 25-08-1921 que acompanhou o novo orçamento apresentado, avançava os seguintes comentários técnicos: «Esta instalação consta de uma turbina dupla acoplada directamente a dois dynamos de egual potencia, formando portanto dois grupos hydro-eléctricos independentes e sendo assim aproveitada com melhor rendimento a energia da queda d’agua, que é muito variável nas diferentes épocas do anno.

Assim, obtêm-se todas as vantagens que dariam dois grupos hydro-eléctricos separados com uma sensivel economia no custo de instalação em virtude de serem apenas necessarios um veio commum, um volante e um regulador para os dois grupos.

Os dois grupos podem portanto trabalhar em commum nas épocas de maior caudal ou ser desligado um dos dynamos nas épocas de menor rendimento. No caso de a existência de agua em quantidade suficiente, pode a potencia normal dos grupos de 107,5 H.P. ser elevada em 10%.»

O orçamento passou então a incluir 1 turbina espiral “Francis” regulável, dupla, tipo 3 (III), com eixo horizontal, acompanhada de 2 tubos de descarga com 3 m de comprimento, 2 válvulas de passagem com volante de manobra, 1 regulador hidráulico automático, 1 volante em aço fundido com 1.000 mm de diâmetro e 1 tubo de distribuição. Os custos fornecidos pela casa Kuhnert para o conjunto destes equipamentos foram de 140.700 marcos alemães, acrescidos de 9.600 marcos para a necessária embalagem marítima.

Aprovado o orçamento e formalizada a encomenda, importava iniciar os trabalhos preparatórios para instalação da nova Central.

Tornava-se agora premente construir a fundação de assentamento das turbinas, de acordo com os planos remetidos em 05-12-1921 pela firma Aníbal Neves, Lda., para que, logo que rececionados, se procedesse à imediata instalação daqueles novos mecanismos. No mesmo tom de urgência ordenou igualmente o Arsenal do Exército que se procedesse à orçamentação da construção do edifício das

turbinas, enquanto se discutia com a empresa fornecedora quais as dimensões adequadas para as construções anexas que haveriam de alojar o «dínamo de luz» e os acumuladores. O orçamento para a infraestrutura necessária à instalação da Central Hidroelétrica foi remetido ao Arsenal em 22-12-1921, incluindo os custos de construção dos maciços de betão para assentamento das turbinas, paredes de alvenaria do edifício e respetivos revestimentos e pintura, pavimento ladrilhado, cobertura com telha “Marselha” sobre estrutura em ferro, portas e janelas e alvenarias e revestimentos para

› Foto 10 – equipamento de geração hidráulico, de turbina dupla, fornecido pela Kuhnert-Turbowerke (1929-30)

arquivo MPN CMo

Page 33: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

33

construtivas a considerar. Desta empenhada, mas por vezes atribulada, conjugação de esforços resultou o envio do projeto global da Central, que vinha já a ser elaborado pela Aníbal Neves, Lda. e datado de 28-12-1921, em cuja «memória descritiva» se realçam as excelentes condições de circulação interna, iluminação e ventilação do espaço fabril, do equilíbrio estético resultante do aproveitamento e integração do declive do terreno. A posterior manutenção e eventual reparação dos novos equipamentos seriam facilitadas pela instalação de uma ponte rolante na sala das

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

o poço e canal de descarga da água, perfazendo um valor final de 28.034$00.

Da pressão exercida sobre todo este processo pelo Arsenal do Exército ia resultando alguma confusão, que levava a que na Fábrica, para cumprimento das ordens recebidas, se avançasse com a planificação e orçamentação do projeto sem que estivessem reunidas todas as informações técnicas indispensáveis, não obstante os frequentes contactos com a firma fornecedora para esclarecimento das especificações

› Foto 11 – Pormenor do troço final da conduta forçada de água, no interior da Central Hidroelétrica (2011)

J.l.G.

Page 34: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

34 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

máquinas, para possibilitar a fácil elevação e retirada dos respetivos elementos mecânicos.

Este projeto, que contemplava soluções adequadas para a generalidade dos problemas surgidos no tocante à instalação e operação de todos os componentes da Central, foi aprovado pela Direção da Fábrica. Em 11 de Janeiro de 1922 seguia um orçamento revisto, agora retificado de acordo com as exigências do novo projeto, cujo montante se elevava substancialmente para 42.473$00. Nos meses seguintes foi grande a atividade no desenvolvimento dos preparativos destinados à instalação dos equipamentos a receber da Alemanha. Os trabalhos de construção civil avançavam, com especial supervisão do técnico da Aníbal Neves, Lda. no tocante aos maciços de assentamento das turbinas, enquanto se encomendavam e aprovisionavam os restantes componentes de fabricação ou fornecimento nacional. Em 21-04-1922 dava o Arsenal ordem para que a Fábrica levantasse em Lisboa 1 caixa com um dínamo, 3 caixas com 3 motores e 1 caixa com 2 acoplamentos para as turbinas. Em 9 de Maio dava-se ordem para a construção dos veios e volantes, enquanto se contratava o fornecimento das tubagens para a conduta forçada de alimentação à Central.

Entretanto, o progresso dos trabalhos de construção civil na Central, que se encontrava em fase de conclusão, vinha impondo uma revisão dos respetivos custos. Em finais de Maio, estava ultrapassado o orçamento inicial, tendo já sido pago um adicional 15.310$00.

Em 21-06-1922 encontravam-se na Alfândega de Lisboa (Entreposto de Santos), para serem levantadas pela Fábrica de Barcarena, 8 caixas contendo um quadro elétrico de distribuição e outras 2 grades e 8 caixas contendo uma turbina dupla “Francis”, remetidas pela Kuhnert-Turbowerke, a casa construtora. Estavam assim reunidos os equipamentos principais da Central Hidroelétrica: a turbina dupla tipo “Francis” (no valor de 16.461$00); 2 acoplamentos elásticos (2.179$11); 2 dínamos G.L., com reóstato, de 37,5 kw (24.468$14); 2 dínamos de 5,3 kw (3.223$69); 1 quadro de distribuição (15.210$83); 1 bateria de acumuladores (6.048$98).

A casa Aníbal Neves, Lda. remeteu em 02-10-1922 o orçamento dos componentes da conduta de descarga para

a Central. Propunha que a conduta, em ferro fundido e com 200 mm de diâmetro interior para uma pressão interna de cerca de 3 atmosferas, fosse formada por 1 tubo cónico de 1 m de comprimento, 7 traineis de cerca de 8 m de comprimento cada, 1 cotovelo, 1 tubo de ligação com cerca de 5 m de comprimento, juntas de dilatação, ancoragens, empanques e parafusos. O valor, que se situava nos 35.000$00, foi prontamente rejeitado pela Direção da Fábrica que se propôs construir a conduta em betão armado por um custo que estimou próximo dos 20.000$00. Quatro dias depois formalizava junto do Arsenal essa mesma proposta, com um custo final de 26.365$00.

No início de Dezembro faziam-se os preparativos para instalação das turbinas, cuja orientação dos trabalhos foi confiada, por questões de economia, aos engenheiros militares da Fábrica. Evitavam-se assim os custos inerentes aos honorários e à deslocação dos engenheiros especializados da firma Aníbal Neves, Lda., de forma a não agravar mais os orçamentos da obra que, como temos visto, não cessavam de aumentar.

Em simultâneo com a instalação das turbinas, decorriam os trabalhos de conclusão do edifício. Em Janeiro de 1923 encomendava-se a obra de carpintaria, enquanto se acelerava a empreitada de construção da conduta de betão que haveria de conduzir a água às turbinas. Avançava também a colocação de azulejos e mosaicos. Em meados de Fevereiro estavam já dados como prontos 33 metros de conduta forçada, faltando executar outros 19 metros.

De referir que muitos dos trabalhos, incluindo mesmo os de especialidade, realizados ao longo destes anos em que decorreu a remodelação tecnológica da Fábrica de Pólvora de Barcarena foram realizados, em regime de empreitada, pelos próprios trabalhadores da Fábrica. Trabalho não especializado, pago à jorna, era realizado por equipas de operários fora das horas normais de trabalho ou, no caso de tarefas especializadas de serralharia, canalização, carpintaria, pintura, etc., através de orçamentos apresentados pelos operários especializados do quadro da Fábrica. Tratava-se de oportunidades, sempre muito bem recebidas, de complementar o salário auferido. Por seu lado a Direção acarinhava e, em igualdade de circunstâncias, dava preferência às propostas apresentadas pelo seu pessoal já

Page 35: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

35

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

que nelas reconhecia não só uma garantia de qualidade mas também uma forma de obter custos mais reduzidos, uma vez que podiam ser utilizados os equipamentos oficinais e o ferramental da própria Fábrica.

A 7 de Março comunicava-se ao Arsenal que se encontrava concluída a conduta forçada, pretendendo-se, a curto prazo, proceder ao início das experiências de funcionamento das turbinas. Quatro dias depois dava-se conhecimento ao Diretor do Arsenal que as referidas experiências haviam decorrido com sucesso, tendo funcionado bem não só as turbinas como também os dínamos, pelo que se esperava poder ainda naquela semana colocar a Fábrica a laborar já com energia hidroelétrica. O General Correia Barreto opôs-se de imediato a esta pretensão, argumentando que a Central não poderia funcionar sem perigo enquanto não estivessem concluídos todos os trabalhos necessários para a casa das máquinas.

Entretanto, decorria a construção das oficinas para as novas galgas Grusonwerk. O local escolhido pelo Diretor do Arsenal para a sua instalação situava-se a montante da Central Hidroelétrica, a poucas dezenas de metros, na encosta da mesma margem direita. As quatro galgas ficariam agrupadas duas a duas, em edifícios concebidos e construídos para o efeito. Dada a topografia do terreno tornou-se necessário proceder ao terrapleno de um sector da encosta, criando um socalco artificial. A implantação escolhida para as novas oficinas impôs ainda o desvio da estrada de acesso à Central Hidroelétrica, na extensão de 20 metros, e a construção de um forte muro de suporte de terras para conter e estabilizar os solos da encosta.

Outro argumento fundamental para a definição deste critério de implantação das novas instalações (Central Hidroelétrica e Oficinas das Galgas) residia no facto de a sua proximidade evitar a necessidade de construção de uma extensa rede elétrica que conduzisse aos motores das galgas a indispensável força motriz. Tal opção reduzia os custos de instalação e, mais importante ainda, os futuros custos de manutenção. Um último e determinante fator influenciou a escolha daquela área: a curta distância ao local onde se pretendia instalar a futura Central Diesel.

Esta nova unidade produtora de eletricidade teria, como atrás já referimos, a missão de assegurar o fornecimento

de energia quando, por escassez de caudais, não fosse possível recorrer à produção hidroelétrica. Sendo as oficinas das galgas o objetivo prioritário e consequentemente as principais consumidoras da eletrogeração da Fábrica, formou-se assim este triângulo em que dois dos vértices eram constituídos pela unidade principal hidroelétrica e pela unidade complementar termoelétrica, sendo o terceiro vértice constituído pelas oficinas utilizadoras. Só a potência excedentária, quer a originada hidraulicamente ou a obtida na Central Diesel, seria encaminhada para outras utilizações complementares.

Um primeiro contratempo com a Central Hidroelétrica é comunicado ao Arsenal em 30 de Abril de 1923. Ao ser ligada uma das máquinas existentes à corrente elétrica fornecida pela Central, que aparentemente funcionava nas melhores condições, aquela não trabalhava pelo que se presumia a existência de uma «fuga de corrente» cuja localização ainda não tinha sido possível descobrir.

Após sucessivas pesquisas e inspeções que se revelaram infrutíferas, decidiu o Diretor da Fábrica chamar ao local um engenheiro especializado que foi de opinião que, com grande probabilidade, a fonte do problema residiria na muita humidade que observara nos dínamos. Como solução resolveu o Diretor mandar aquecer o ambiente da Central com o objetivo de então proceder a nova experiência e verificar se o problema subsistia. A esta proposta respondeu, com algum azedume, o General Correia Barreto que já em visita anterior se havia apercebido do problema quando viu os dínamos colocados «n’uma casa com as paredes encharcadas», entendendo que de pouco serviria aquecer o edifício já que tal solução não evitaria a entrada de novas humidades. O expediente do Diretor da Fábrica terá certamente dado os seus frutos porque, a 09-05-1923, comunicava este ao Arsenal que se encontrava «pronta a funcionar a central hydro-eléctrica».

A entrada em funcionamento da Central Hidroelétrica motivou também a apresentação de um curto relatório elaborado pelo Subdiretor, Coronel Francisco Xavier do Amaral, datado de 10 de Maio de 1923 e remetido ao Diretor da Fábrica, com o título de «Relatório sobre o aproveitamento da agua da ribeira de Barcarena», que transcrevemos:

«Tendo terminado os trabalhos para um melhor e mais racional

Page 36: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

36 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

aproveitamento da agua da ribeira de Barcarena, venho apresentar a V. Exa. um resumido relatório dos trabalhos que foram executados.

O início desses trabalhos proveio de uma exposição por mim feita quando diretor interino da fabrica a S. Exa. o General Diretor do Arsenal, sobre o aproveitamento da água da

ribeira, tendo o mesmo Exmo. Sr. depois disso ordenado a elaboração da proposta para a execução dos trabalhos.

O projeto-estimativa por mim elaborado e assinado também pelo engenheiro capitão Lobo foi enviado ao Arsenal e S. Exa. o General ordenou a imediata execução dos trabalhos.

Esses trabalhos iniciados pela construção do canal de alimentação das turbinas, acham-se terminados, tendo

› Foto 12 – oficinas construídas para instalação das galgas Gruson, e respetivos motores elétricos (1929-30) arquivo MPN CMo

Page 37: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

37

as experiências realizadas dado os melhores resultados, porquanto apesar de estarmos numa quadra bastante adiantada do ano ainda a agua da ribeira nos fornece energia para o movimento das maquinas que necessitamos movimentar durante as 8 horas de trabalho normal.

O trabalho agora realizado permita-me V. Exa. que o diga é um trabalho grandioso que merece a atenção de todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento do Paiz visto que ele poderá vir a ser incentivo para novos aproveitamentos de quedas d’agua e que tantas são as que existem no nosso Paiz.

Desejo frisar a V. Exa. que o trabalho realizado não é tudo e ele será completado agora com uma boa orientação geral dos trabalhos a executar nas oficinas de modo a conseguir-se um maior rendimento da energia que nos pode ser fornecida pela água da ribeira.

Como tive ocasião de dizer a V. Exa. tive é certo cooperadores competentes e dedicados que muito auxiliaram a execução dos trabalhos e contribuíram poderosamente para a sua realização e jamais poderão ser esquecidos os nomes de Luís Mafra e Firmino da Silva, mas não é menos certo que uma responsabilidade tremenda eu tomei sobre mim propondo a realização dos trabalhos e da qual eu não me livraria se fracassasse o que tinha projectado.

Barcarena 10 de Maio de 1923 O sub-director Francisco Xavier do Amaral Coronel d’artilharia».

A este relatório deu o Diretor da Fábrica o seguinte despacho: «Arquive-se, sendo certo que a ideia do aproveitamento hidro-electrico é já antiga, do que não me resta dúvida alguma, é que é ao Sr. General Correia Barreto e Coronel Francisco X. do Amaral que se deve a instalação de tão importante melhoramento. J. Vieira da Rocha, Coronel d’artilharia».

Este relatório surge acompanhado com um documento anexo que contém o seguinte programa de trabalhos para a futura laboração da Fábrica:

«Fábrica de Barcarena 1923 a 1924 Orientação dos trabalhos da fabrica para o maximo rendimento da energia fornecida pela água da ribeira.

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

Mez de Julho – Central termo-electrica – Beneficiação do material – Limpeza de oficinas

Mez de Agosto – Central termo-electrica – Laboração de massas encascadas

Mez de Setembro – Licença graciosa Mez de Outubro – Central termo-electrica – Laboração de massas encascadas

Mez de Novembro (a) – Central hydro-electrica – Encasque - Laboração de massas encascadas – Caixotaria e embalagens – Composição binaria e ternaria

Mez de Dezembro – Central hydro-electrica – Idem Mez de Janeiro – Idem Mez de Fevereiro – Idem Mez de Março – Central hydro-electrica – Laboração de massas encascadas

Mez de Abril – Idem Mez de Maio – Idem Mez de Junho – Idem

Com a orientação indicada se conseguirá obter durante a época das chuvas um stock de massas encascadas, caixotes e embalagens e na época de estiagem trabalhará a central hydro-electrica para a Fonte Caiada para o que deve haver agua até fim de Junho.

Barcarena 10 de Maio de 1923 Francisco Xavier do Amaral Coronel d’artilharia

(a) – Nos mezes de Novembro a Fevereiro serão aproveitadas horas extraordinarias caso seja necessário.»

A produção de Barcarena passava assim a depender essencialmente da energia elétrica produzida na nova Central Hidroeléctrica, que abasteceria, em período de maior pluviosidade, e consequentemente de maior produtividade elétrica, prioritariamente as novas galgas “Gruson”. Na referida «época de estiagem», em que os caudais ainda conseguiriam alimentar uma das duas turbinas, funcionariam os equipamentos existentes nas oficinas da Fonte Caiada. A programação proposta por Xavier do Amaral visava evitar assim, tanto quanto possível, o recurso à utilização da Central Termoeléctrica, mais onerosa nos custos de operação, nomeadamente no tocante ao consumo de combustível.

A conclusão, com sucesso, da Central Hidroeléctrica

Page 38: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

38 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

constituiu um motivo de orgulho, e também de alívio, para a Direção da Fábrica. A ansiedade gerada pela complexidade da tarefa desempenhada em acumulação com as normais rotinas de direção da produção, uma vez que a fábrica nunca paralisou a sua normal produção, está bem patente no relatório de Xavier do Amaral. O protagonismo deste oficial foi reconhecido pelo Diretor da Fábrica, Coronel Vieira da Rocha, que em nota de 28 de Maio de 1923, dirigida ao Arsenal do Exército, afirmou o seguinte: «Estando terminada a Central hidro-electrica cujo projecto estimativa se deve ao sub-director d’esta Fabrica Coronel Francisco Xavier do Amaral e tendo o mesmo oficial acompanhado as obras desde o seu inicio, mostrando muita competencia profissional e tecnica, conseguindo assim que a Fabrica economise durante mais de 6 meses uns 400$00 diarios pelo que me parece merecedor que Sua Exa. o General o mande louvar em ordem do Arsenal». Ultrapassadas todas as vicissitudes resultantes do processo de instalação da nova Central Hidroeléctrica, havia chegado o momento de a Direção abraçar uma outra fase do projeto de modernização da Fábrica: substituir a máquina a vapor existente pela nova Central Diesel.

A «máquina a vapor» instalada na Fábrica da Pólvora de Barcarena era, à época, o equipamento responsável pela produção de energia termoeléctrica utilizada nos diferentes equipamentos movidos eletricamente. Consumia «óleo pesado» para acionar o dínamo de geração elétrica que, por sua vez, alimentava vários motores elétricos, entre os quais o que movimentava o sistema de cabos teledinâmicos. Era, em 1923, considerado um sistema tecnologicamente ultrapassado, nomeadamente no que respeitava aos custos com combustíveis. Numa apreciação comparativa fundamentada em pareceres técnicos externos, datada de 8 de Junho de 1923 e na qual se procurava justificar a substituição da «máquina a vapor da Fábrica por uma do sistema Diesel», afirmava o Diretor que a produção de energia com a potência de 90 H.P. implicava um consumo de 900 kg de «óleo pesado» enquanto que recorrendo-se ao sistema Diesel seriam necessários, para uma produção equivalente, apenas 171 kg de combustível. Tal diferencial nos consumos traduzia-se numa poupança diária de 629 kg que, ao custo $38 por quilo, se cifrava em 239$02.

A esta proposta deu General Correia Barreto imediato

acordo e seguimento solicitando informação quanto à potência necessária para o funcionamento da Fábrica, na intenção de solicitar propostas de fornecimento aos fabricantes, através dos diversos representantes nacionais. Respondeu a Direção da Fábrica que essa mesma potência, para laboração da Fábrica após o encasque, correspondia a 50 H.P.. Dos termos em que foi formulada a pergunta e das consequentes premissas em que foi fornecida a informação pedida decorrerá um sério mal entendido que viria a ter, como veremos mais adiante, nefastas consequências para todo o percurso da instalação e posterior utilização do motor Diesel.

A 2 de Novembro, decorrido o processo de consultas ao mercado, informou o Arsenal do Exército que estava já encomendado para a Fábrica de Barcarena um motor Diesel de 50 H.P. a fornecer pela firma Empresa Técnica Industrial, Lda., com transporte por conta da Fábrica e montagem a cargo do fornecedor. Deveria proceder-se à imediata desmontagem do antigo motor Sulzer a vapor. O novo motor foi recebido a 8 de Novembro, com o local de montagem já desimpedido da antiga máquina. Tornava-se urgente a instalação do novo motor, uma vez que a escassa pluviosidade verificada naquele início de Novembro ameaçava paralisar totalmente a Fábrica. Apressou-se assim a construção do maciço de fundação destinado à nova máquina, de acordo com as especificações contidas na planta fornecida pela casa fornecedora. Resolveu-se convocar o engenheiro da Empresa Técnica Industrial, Lda., uma vez que a operação não era isenta de dificuldades. Pretendia-se reduzir custos mantendo o dínamo que havia estado em serviço com o antigo motor Sulzer, decisão que implicava o melhor acerto na substituição da velha máquina por outra de características morfológicas bem diferentes. Também aqui se resolveu poupar, decidindo o General Correia Barreto que, para evitar pagamentos adicionais derivados de uma colaboração que não estava prevista em contrato, os trabalhos de construção do maciço de assentamento do novo motor fossem dirigidos pelos técnicos da Fábrica.

Outro problema, que poderia ter consequências futuras para o regular funcionamento do complexo industrial de Barcarena, estava a avolumar-se e a preocupar a Direção da Fábrica. Confirmava-se que seria arriscado fazer depender a laboração das oficinas de encasque, com os

Page 39: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

39

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

novos engenhos elétricos de galgas, exclusivamente da energia hidroeléctrica gerada na nova Central. A ausência de chuvas abundantes, a ocorrer logo no primeiro ano de funcionamento da Central Hidroeléctrica, alertava para esse facto e justificava as crescentes preocupações da Direção. Numa nota de serviço datada de 24 de Novembro e endereçada ao Chefe da Secretaria Geral do Arsenal do Exército o Diretor não se escusava, ainda a tempo para reverter a situação, de fazer o seguinte apelo: «Rogo a V.Exa. se digne solicitar a Sua Exa. o General a sua atenção

› Foto 13 – Galgas Gruson, inteiramente produzidas em ferro fundido, em laboração (anos 50) arquivo MPN CMo

sobre os graves inconvenientes que podem resultar para esta Fábrica de não ser de 100 cavalos a potencia do Diesel agora a montar, visto que a Fabrica quando não houver agua pode precisar desta energia dando-se ainda o caso de que o dínamo da central é para 100 cavalos. Ainda se está a tempo de substituir o Diezel de 50 cavalos visto a montagem não ter ainda começado e creio que o preço não faz grande diferença.». Na Secretaria gera-se alguma confusão que, revista a correspondência trocada, leva a que se questione: «Que essa Fabrica informe o motivo porque tendo em nota 778 de 16/8/923 informado que eram necessários 50 H.P. agora pede, na nota de referencia, 100 H.P.». Logo no dia seguinte, a 27 de Novembro de 1923, esclarece o Coronel Vieira da Rocha: «Em referência á nota nº 1097 de 26 de Novembro, informo que a nota nº 778 de 16-8-923 não é mais de que a resposta á pergunta formulada no nº 11º da ordem diária da secretaria geral de 15 de Agosto de 1923.

A nota em que pedi um Diesel é a nº 472 de 8 de Junho e pede um Diesel de 90 cavalos e isto já tinha em vista prevenir varias eventualidades que se possam dar entre as quaes avulta a de a Fabrica necessitar por qualquer motivo ter que trabalhar com a maioria das maquinas quando não houver agua. Agora fiz referencia a um Diesel de 100 cavalos mas é claro que este número não é absoluto, que unicamente direi que há enorme vantagem em que o Diesel possa trabalhar com a maioria das maquinas.». Dois dias responde o General Correia Barreto, afirmando «Mantenho a compra do motor de 50 cavalos porque não creio que durante os meses de Inverno falte agua para realisar o encasque em 11 pares de galgas das quais 4 fazem mais serviço que 10 das antigas.». Na hierarquia militar não era fácil alterar uma ordem dada, ainda que a fundamentação apresentada pela Direcção da Fábrica revelasse evidente bom senso. Paralelamente verificamos que os novos equipamentos, que vinham sendo instalados na margem direita da Ribeira, não haviam ainda substituído em definitivo os antigos engenhos da margem esquerda, nomeadamente os engenhos hidráulicos de galgas, que, afortunadamente na presente situação, continuavam a coexistir e a laborar em simultâneo com as novas aquisições.

Em meados de Janeiro de 1924, enquanto se procedia à desmontagem do motor a vapor e se executavam os trabalhos de adaptação do bloco de apoio do antigo motor ao novo Diesel e de construção da fundação para a chumaceira

Page 40: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

40 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

do novo veio motor, verificou-se um inesperado incidente com fortes repercussões na laboração da Fábrica. Um formidável temporal havia-se abatido sobre a região cujas consequências nefastas foram ampliadas pela orografia do vale de Barcarena. As intensas chuvas engrossaram exponencialmente os caudais da ribeira, provocando a destruição do açude e levada que conduzia a água para as oficinas de granização. Simultaneamente, fortes enxurradas, ocorridas na encosta sobranceira à Central Hidroeléctrica, haviam provocado a inundação do edifício e dos terrenos que lhe ficavam adjacentes. Grandes quantidades de água e detritos haviam descido a ribanceira, tendo-se acumulado nos patamares onde se tinha edificado a nova Central. Antecipando esta possibilidade, tinha-se construído uma canalização por alturas da central termoeléctrica que encaminhava as águas pluviais para um desaguadouro localizado junto das novas oficinas das galgas mas, rapidamente, este sistema ficou obstruído. Felizmente, e não obstante o poder destrutivo da enorme cheia verificada na ribeira, não ocorreram, por esta via, danos graves na Central. Notificado o Arsenal da extensão dos estragos verificados, mandou o General Correia Barreto proceder à imediata execução das obras de reparação necessárias.

A paralisação forçada de vários equipamentos hidráulicos da Fábrica induzia, em finais de Janeiro, uma maior urgência na instalação do motor Diesel, para o qual se encontrava já concluído o indispensável massame de assentamento. Insistia-se por isso com a Empresa Técnica Industrial, Lda. para que iniciasse quanto antes a montagem do novo motor na intenção de, com a energia fornecida por este, repor rapidamente em funcionamento os granizadores cuja reparação do sistema hidráulico danificado não era possível de realizar durante o Inverno.

A montagem do motor Diesel iniciou-se a 20 de Fevereiro quando, em simultâneo, se desenvolviam esforços para, após os necessários trabalhos de limpeza, repor em funcionamento a Central Hidroeléctrica que tinha ficado totalmente inoperacional. Um dos dínamos foi recuperado em condições satisfatórias de produção entrando de imediato em serviço, enquanto que o segundo apresentava danos de tal monta que se tornou incontornável restaurar todos os bobinamentos na oficina especializada da Fábrica de Braço de Prata.

A 15 de Março as dificuldades sucediam-se, tanto na reposição em serviço da Central Hidroeléctrica como na urgente montagem da Central Diesel. Nesta, não só a falta das tubagens requisitadas como os atrasos na devolução do tambor do dínamo da antiga máquina a vapor que devia ser adaptado ao novo motor impediam o avanço dos trabalhos, enquanto que na Central Hidroeléctrica uma descarga entre o indutor e o induzido do dínamo, ocorrida a 1 de Abril, inutilizou este gerador de corrente elétrica. À beira do desânimo, e prevendo o rápido fim das chuvas, o Coronel Vieira da Rocha alertou o Diretor do Arsenal do Exército: «Informo V. Exa. de que a Fábrica se tem esforçado para conseguir que no fim do ano não houvesse deficit mas com estas contrariedades, acrescendo a muitas outras como a demora na montagem da Diesel a ruína prematura do dínamo que está em conserto etc., faz com que seja quasi impossível conseguir laborar as 140 toneladas pedidas.». Apenas a 20 de Abril é dada, pelo Arsenal, ordem à Fábrica de Braço de Prata para que se procedesse à reparação do dínamo avariado, enquanto que a 30 de Abril se procedeu às experiências de funcionamento do novo motor Diesel,

› Foto 14 – Pormenor do sistema de transmissão das galgasGruson (2011)J.l.G.

Page 41: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

41

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

sobre o andamento da produção de pólvora. Apesar de todas as contrariedades, apenas faltava encascar 5 toneladas das 145 que haviam sido pedidas. Estava já pronto o encasque das pólvoras M.M., P.G., P.F. e Diamantina nº 3, esperando-se acabar até Junho as pólvoras G. e P.S.F. caso os caudais da ribeira, que escasseavam de dia para dia, o permitissem.

No entanto o incidente entre o General Correia Barreto e a Direção da Fábrica não se terá de imediato atenuado, tendo a Direção recebido com dificuldade a acusação de negligência relativa às dificuldades em pôr o novo motor em normal funcionamento. A 17 de Maio de 1924 assume o Coronel Vieira da Rocha a defesa da sua equipa, escrevendo: «Cumpre-nos informar V. Exa. para conhecimento de Sua Exa. o General que esta Fábrica fez acompanhar a montagem da maquina pelo serralheiro mais hábil e mais competente que possue e também pelo maquinista sendo o primeiro quem coadjuvou o montador Alemão na montagem e tão hábil ele é que apezar do montador só dizer uma ou outra palavra em portuguez (na Fábrica não há quem fale Alemão) conseguiu que a maquina no dia seguinte trabalhasse algumas horas.

Não sei se na Fábrica de Chelas há ou não pessoal mais habilitado do que n’esta para tratar de taes motores o que sei é que esta maquina precisa para se por em movimento que 4 homens se lhe dependurem no volante o que mostra não ser do typo mais aprofeiçuado o que provavelmente não se dá em Chelas.

O pessoal que dirigia a máquina como viu que começava a trabalhar d’uma maneira irregular parou-a pois não a conhecendo bem não quis tomar sobre si a responsabilidade de promover qualquer desastre.

Não houve portanto deficiência da parte da Direcção da Fabrica mas sim da parte de quem montou o motor que não instruiu convenientemente o pessoal.

Havendo na Fabrica de Chelas quem saiba trabalhar com o motor fácil é a esse Arsenal mandar pessoa competente para instruir o deste pois como Sua Exa. o General bem aprecia esta Fabrica não pode estar sem motor.».

Dava assim Vieira da Rocha forma ao desagrado com que a Direção havia recebido a acusação de negligência na instalação de um motor que, afinal, e não obstante as advertências feitas, não atendia às necessidades

finalmente montado. Constatou-se que produziu 41 cavalos de força útil, medidos pelo amperímetro, tendo, noutra experiência atingido 45 cavalos «com visível esforço da maquina».

A disparidade entre a potência obtida e os 50 H.P. esperados da nova máquina impeliu o General Correia Barreto a questionar a gerência da E.T.I, Lda. sobre a valia do motor fornecido. Realizados novos ensaios em Barcarena, verificou o engenheiro enviado por aquela firma que a potência real do motor, medida no veio do mesmo, era de 60 cavalos, ou seja acima das especificações técnicas daquela máquina. Confirmando também as medidas anteriormente realizadas pelos técnicos da Fábrica, onde se haviam obtido 41 e 45 H.P. em energia elétrica medida à saída do dínamo, atribuiu esse diferencial a perdas registadas na correia de transmissão e no próprio dínamo que, sendo de 110 cavalos, havia trabalhado a menos de meia carga. Confirmava-se assim a inadequação do novo motor adquirido às necessidades de produção pretendidas, tanto mais que o facto de se ter aproveitado o sistema de geração elétrico anteriormente utilizado com a substituída máquina a vapor teria agravado as perdas na relação entre a energia produzida no motor Diesel e a energia elétrica obtida através do dínamo. Dirimidos, de forma bastante consensual, os argumentos das duas partes verificou-se que nada mais se poderia esperar da nova máquina. Esclarecida esta questão, e tornando-se necessário fazer entrar o motor Diesel em produção normal, solicitou o Diretor da Fábrica que fosse dada instrução ao maquinista que iria operar a máquina dado não terem sido deixadas pelo fornecedor quaisquer indicações sobre o modo como funcionava. Este pedido parece ter enfurecido o General Correia Barreto, que respondeu a 12 de Maio: «Quanto a não haver quem trabalhe com o motor é isso devido a negligencia da Fabrica que não fez acompanhar a montagem e sequente trabalho por pessoal da mesma fabrica, como fez Chelas que tem a trabalhar um motor de 400 cavalos com pessoal da Fabrica.».

A formação do maquinista ficou ultrapassada com a requisição, por sugestão da Direção da Fábrica, de um operário habilitado do Arsenal da Marinha, experiente no funcionamento de motores Diesel.

Nem tudo corria mal, tendo a Fábrica adiantado boas notícias

Page 42: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

42 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

identificadas pelos técnicos de Barcarena. As especificações do motor, e muito concretamente a definição da potência, através das quais se efetivou a consulta ao mercado com a posterior escolha e compra, haviam sido fixadas pela Direção do Arsenal, resultando a sua aquisição de todo um processo a que a Direção da Fábrica tinha sido alheia. A dependência administrativa e financeira da Fábrica relativamente ao Arsenal do Exército, através da qual se subalternizava a Fábrica e lhe retirava capacidade de intervenção em todo o processo de decisão, propiciava este tipo de mal entendidos que, por vezes, se traduziam em claros erros de avaliação de difícil correção posterior. Sem vontade de assumir a responsabilidade pela situação, retorquiu o General Correia Barreto: «Comunique-se ao fornecedor e diga-se a Barcarena que é lamentável que só agora diga que o motor funciona irregularmente e que são precisos 4 homens para o por em funcionamento quando na nota nº 896 de 1-5-924 se perguntava como funcionava o motor. Em 19-5-924.».

Mais uma vez o Diretor de Barcarena entendeu que devia defender o trabalho entretanto realizado na sua Fábrica, escrevendo a 20-05-1924:

«Não me era possível comunicar a essa Secretaria se o motor trabalhava ou não irregularmente. No dia em que foi experimentado trabalhou bem sob a direcção do montador umas duas horas e assim o comuniquei antes de ter recebido o telegrama de 1-5-924. No primeiro dia de trabalho na maquina depois da experiência é que a maquina se mostrou irregular no seu funcionamento o que comuniquei a essa Secretaria só alguns dias depois porque não tinha elementos para avaliar tanto podendo a irregularidade ser d’ele como de impricia do pessoal e por isso o que fiz foi ver se conseguia que o montador viesse imediatamente á Fabrica ver a maquina que não consegui apesar das diligencias feitas para o que foi primeiro o serralheiro e depois o engenheiro á empresa técnica.

Peço licença para observar que não disse que o motor funcionava irregularmente pois ele não tem nesta Fabrica por assim dizer tempo algum de serviço para se poder avaliar o seu funcionamento, o que disse é que ele naquela ocasião funcionou irregularmente e por isso foi parado para evitar algum desastre. Hoje apresentou-se o montador e ele constatou que fora devido á válvula de admissão do óleo que deixou de funcionar, que deu causa á irregularidade do funcionamento do motor.

Enquanto aos homens que são percisos para o pôr em movimento como isso é da própria natureza do motor julguei não ser necessário comunica-lo a essa Secretaria e se n’isso falei foi unicamente para o pôr em confronto com o de Chelas que naturalmente é mais perfeito e tanto mais que heide ver se posso por de parte tão obsoleto meio de o por em marcha.

Em vista do exposto e sobre melhor opinião creio que foi correta a maneira como procedeu a Direcção da Fabrica n’esta emergência.».

Entretanto procurava-se na Fábrica completar a produção das quantidades de pólvora requisitadas. Após o encasque, que havia sido possível concluir com recurso tanto aos engenhos eléctricos como hidráulicos, tornava-se necessário proceder ao acabamento dos diferentes tipos de pólvora produzidos, agora já sem a possibilidade de utilizar os caudais da ribeira. Todos os outros equipamentos complementares só tinham como fonte de energia o novo motor Diesel. Em finais de Maio informa a Fábrica: «Nas condições actuaes da Fabrica e depois de feito o encasque os 41 cavalos úteis que dá o motor são um quasi nada escassos, podendo comtudo a Fábrica governar-se com eles visto nem todas as maquinas trabalharem ao mesmo tempo.». Acrescentou o Director pouco depois: «Comunico a V. Exa. que o motor Diesel tem continuado a trabalhar com regularidade e que se assim continuar espero satisfazer o pedido de pólvoras com excepção da Diamantina nº 1 e nº 2 que só será possível fazer pouco mais de metade.».

De Lisboa continuavam a chegar pedidos de entrega de pólvora pronta a enviar para o mercado, devidamente acabada e embalada, que dadas as novas avarias verificadas no motor Diesel ainda não havia sido possível satisfazer. Em Agosto, e na intenção de abreviar a entrega, questiona o Arsenal: «Para informar se o motor Diesel não é suficiente para acionar também a oficina de latoaria.». Começava agora a direcção do Arsenal a dar-se conta da relevância dos alertas produzidos, em tempo útil, relativamente à fraca potência do motor. A esta questão respondeu a Fábrica: «Informa-se que o motor Diesel não é suficiente para acionar as maquinas das oficinas que estão trabalhando, sendo necessário para a latoaria empregar-se o Lyster.». A produção de embalagens

Page 43: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

43

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

continuava assim a depender exclusivamente do primitivo e pouco potente Lyster, um pequeno motor de combustão, a dois tempos, suficiente apenas para accionar os mecanismos daquela oficina.

Com as chuvas de Novembro e ainda com a memória das cheias ocorridas no Inverno anterior iniciou-se uma nova campanha de trabalho. Para proteger a Central Hidroeléctrica das enxurradas provenientes da encosta, promoveu-se a construção de um muro de alvenaria um pouco acima destas instalações para desvio das águas e assim prevenir nova inundação do edifício. No entanto, a Central não se encontrava em plenas condições de funcionamento, dado encontrar-se ainda em reparação um dos dínamos acoplados às turbinas. Privada a Fábrica de metade da energia necessária à sua laboração, foi solicitada a compra de um dínamo sobressalente como única forma de ultrapassar as dificuldades resultantes das demoradas reparações.

Como vimos, o novo motor diesel M.K.V. comprado pelo Arsenal do Exército, cujo custo final importou em 79.914$28, acabou por nunca ser, como pretendia a Direção da Fábrica da Pólvora de Barcarena, uma verdadeira alternativa à Central Hidroeléctrica. A inadequação do motor às funções que haviam determinado a sua aquisição e instalação revelou-se pela incapacidade de produzir a potência elétrica necessária para a normal laboração dos equipamentos.

Por outro lado a reduzida fiabilidade da máquina, traduzida em sucessivas e dispendiosas avarias, impediu que, mesmo com as limitações atrás referidas, se tornasse um recurso produtivo válido para o reforço do desempenho fabril do estabelecimento. Nos anos seguintes várias foram as ocasiões em que, para além da normal manutenção corrente do motor diesel, se tornou necessário substituir bombas de óleo, chumaceiras, pulverizadores ou “aparelhos de largar”, sendo a única forma de abreviar os tempos de paragem a manutenção em oficina de um extenso e dispendioso conjunto de peças sobressalentes.

Foi nesta situação que se chegou a finais de 1926, quando mais uma vultuosa aquisição de novos sobressalentes impôs que a Direção da Fábrica voltasse a equacionar a possibilidade de substituir o motor existente por uma nova

máquina Diesel, mas desta vez para os sempre pretendidos 100 H.P., como o Diretor não deixou de recordar. O que não se poderia manter era a situação então verificada de, imobilizada a Central Hidroeléctrica no período de estio por falta de água na ribeira, paralisar por falta de energia parte significativa do aparelho produtivo da Fábrica, agora maioritariamente eletrificado. Perante o incontornável problema, ao qual não se resignava, propôs o Diretor: «Estas avarias do referido motor que são frequentes alem da sua fraca potência que não dá para trabalhar com toda a Fabrica leva-me a chamar a atenção de V. Exª para que se pense na solução a dar a este caso, parecendo-se que dois meios se me oferece alvitrar para remediar este estado de coisas ou um entendimento com a Companhia de Electricidade para que trouxessem a corrente a esta localidade o que me parecia talvez fácil visto já se encontrar numa povoação a 3 quilometros pouco mais ou menos, ou a aquisição d’um motor de maior potencia.». Procurava-se assim, junto da Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade, encontrar uma fonte de alimentação eléctrica exterior, constante e permanente, que libertasse a Fábrica dos constrangimentos inerentes à autoprodução, solução que a até aí ainda curta extensão das redes eléctricas de utilização pública havia imposto.

Em princípio de Março de 1927 o motor diesel M.K.V. recebeu o veredicto final: irreparável. Havia sido solicitada a colaboração do Arsenal da Marinha, particularmente da sua “Secção de Soldadura Autogénea”, na detecção de uma nova avaria que os técnicos da Fábrica não haviam conseguido diagnosticar e reparar. Após aturados trabalhos diagnosticou-se uma fenda interna localizada na volumosa culatra de encerramento do cilindro de compressão que, mesmo recorrendo a meios especiais, se tornava impossível de reparar por soldadura. Confrontado com a situação o Director avança, junto do Arsenal do Exército e não obstante deverem continuar os contactos com as C.R.G.E., com a proposta de aquisição de um novo motor Diesel, vertical, mas desta vez já com uma potência de 150 a 200 H.P..

As insistências e os argumentos do Diretor de Barcarena prevaleceram, sendo autorizada pelo Arsenal do Exército a compra do novo motor para a Central Diesel. Como, felizmente, as lições do passado não haviam sido esquecidas, solicitou-se à Fábrica que avançasse com as

Page 44: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

44 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

especificações pretendidas «afim de evitar futuros equívocos e para esclarecimento dos interessados no concurso a realizar» «para que o novo motor ofereça garantia, não só na qualidade como em força para bom desempenho do serviço a que é destinado.».

Entretanto, os trabalhos de modernização continuavam, não se restringindo apenas à resolução das questões ligadas com a motorização da fábrica. Decorria em simultâneo uma nova fase da renovação da Fábrica, nomeadamente a construção dos novos carbonizadores. O Arsenal do Exército havia autorizado, logo em Dezembro de 1919, a compra de um aparelho completo Grusonwerk.

Os equipamentos complementares da Oficina de Carbonização, retorta e tubos, haviam sido encomendados em 24-10-1925 à Fábrica de Braço de Prata, estabelecimento tecnicamente habilitado para a sua manufatura, que procedeu à respetiva conceção e projeto. Os primeiros componentes do 1º Grupo de Carbonizadores, constituídos por 5 tubos de ferro, foram entregues em 15 de Julho de 1926 enquanto que os equipamentos para o 2º Grupo chegaram à Fábrica em 2 de Agosto de 1926.

As novas «oficinas de carbonização», capazes de ampliar a produção de carvão ao nível exigido pelo pretendido reforço da produção de pólvora negra, representaram mais um importante investimento financeiro. Aos 17.825$00 correspondentes aos custos de importação do aparelho completo de carbonização Grusonwerk, somaram-se 1.035$00 referentes à retorta para carbonização e 266$20 relativos à fundição de 4 tubos de carbonização. Traduziram-se assim em 19.126$20 os custos dos equipamentos principais das novas oficinas, a que se adicionaram as despesas de instalação e montagem.

Na grande azáfama que constitui todo o processo de renovação da Fábrica de Barcarena a atenção dos técnicos dirigentes não podia incidir apenas sobre os trabalhos de instalação dos grandes equipamentos. Outros mecanismos, de menor dimensão mas igualmente fundamentais para o funcionamento da «nova» fábrica, constavam do extenso plano de trabalhos da Direção.

Entre estes destaca-se o novo triturador de salitre, que

deveria ser construído nas oficinas da Fábrica. Este aparelho viria a ser construído em madeira de nogueira, com um funil de madeira de casquinha, sendo o conjunto montado sobre um suporte também de madeira de casquinha. Para o extenso rol de madeiras necessárias bem como para uma longa lista de ferragens e restantes materiais foi orçamentado o valor de 5.048$00, ao qual foram adicionados 4.642$00 como custos de mão-de-obra e ferramentas.

No Verão de 1927 decorriam várias obras. Na Casa do Salitre procedia-se a diversas reparações, com especial ênfase para os utensílios de refinação, nomeadamente a recuperação de uma das caldeiras de refinação de salitre. No Pátio do Enxugo procedia-se a vários trabalhos de construção civil com carácter de urgência. Nas instalações do destacamento militar desenvolviam-se igualmente trabalhos de recuperação do edifício. Vários outros edifícios fabris foram também beneficiados com obras de construção civil, visando principalmente restaurar ou substituir integralmente as respetivas coberturas. Reparações gerais ocorreram igualmente nas casas de habitação do pessoal dirigente da Fábrica, na Casa do Relógio (então utilizada como Biblioteca) e no Gabinete dos Engenheiros.

Entretanto havia-se iniciado em Abril o processo de aquisição do segundo motor destinado à Central Termoeléctrica, que decorreu em moldes totalmente diferentes da anterior encomenda do motor M.K.V. Após autorização do Arsenal do Exército para a compra do novo motor, há tanto tempo pretendido pela Direção da Fábrica, a indicação das especificações técnicas do mesmo foi deixada ao critério do Conselho Técnico da Fábrica de Pólvora de Barcarena que, melhor que ninguém, estava em condições de adequar a encomenda ao tipo de utilização pretendida.

A constituição deste Conselho Técnico surgiu como consequência da renovação tecnológica da Fábrica operada, como temos vindo a acompanhar, a partir de 1919. A introdução de novas tecnologias impôs uma clara alteração da organização diretiva e laboral da Fábrica. Aos quadros dirigentes passou-se a exigir uma mais abrangente formação técnica face à complexidade da gestão e manutenção de novos equipamentos, dependentes de novas fontes de energia. Simultaneamente, a então pretendida autonomia produtiva baseada na produção elétrica, obtida quer

Page 45: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

45

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

hidraulicamente quer por via térmica, exigia uma formação técnica eclética mas especializada, que cortava com as tradicionais formas de aprendizagem e transmissão de conhecimentos praticadas até então na Fábrica.

O Conselho Técnico reuniu pela primeira vez em 11 de Janeiro de 1925, e era então constituído pelo Diretor da Fábrica, o Coronel Jaime Arthur Vieira da Rocha, o Subdiretor, Coronel Francisco Xavier do Amaral e pelos Capitães Elísio Mário dos Santos Lobo e Edmundo da Costa Padesca. O Conselho

era convocado pelo Diretor quando se entendia que havia matéria pertinente para apreciação e deliberava de forma colegial respeitando de forma rigorosa, como não podia deixar de ser, a tradicional disciplina e hierarquia militares. No âmbito de deliberação do Conselho tinham cabimento as questões ligadas ao funcionamento interno da Fábrica e a análise e comentário de matérias propostas pelo Arsenal do Exército. Neste enquadramento destacam-se matérias como a revisão do quadro de pessoal de Barcarena proposto

› Foto 15 – oficinas de carbonização, após ampliação (1929-30) arquivo MPN CMo

Page 46: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

46 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

pelo novo Regulamento do Arsenal do Exército, no qual se pretendia reduzir o efetivo de diversas especialidades. Outro assunto, demoradamente analisado pelo Conselho, foi o relativo ao concurso e respetivo caderno de encargos para o fornecimento do novo motor diesel. Propostas de alteração das técnicas de fabrico ou dos processos de transporte das pólvoras produzidas foram igualmente discutidas pelo Conselho.

Por indicação da Direção da Fábrica deliberou-se assim que o novo motor a adquirir «seria de óleos pesados tipo Diesel, vertical, 2 cilindros, 200 cavalos de potencia pouco mais ou menos embora a dinamo existente seja de 116 cavalos, 86 kilowates, não julgo necessario sujeitar a potencia do motor á d’aquela porquanto pode de futuro ser necessario dispôr de maior energia pela introdução de novos maquinismos para desenvolvimento da Fabrica».

Foi desta vez elaborado um cuidado e detalhado Caderno de Encargos para o concurso de fornecimento, procurando desta forma obviar a todos os percalços, atrasos e mal-entendidos verificados no processo anterior. Assim nas «Condições do Concurso para o fornecimento d’um motor a óleos pesados para a Fábrica de Barcarena» fixou-se que o motor pretendido «será a óleos pesados – Systema Diesel – typo vertical eléctrico, 4 tempos, com compressor, de 3 a 4 cylindros e potencia effectiva de 200 H.P. podendo suportar uma sobrecarga temporaria minima de 15%.». Entre várias outras exigências técnicas, referia-se que «O tambor proposto para o motor accionará por correia a dínamo de 116 HP 500 V e 1100 rotações/minuto existente na Fábrica de Barcarena, devendo porém ser dimensionado para transmitir os 200 HP do motor.». Especificava-se também que «no fornecimento a propôr deverão ser comprehendidas as tubagens de ar, óleos e agua quente e fria dentro da casa da maquina que é a actual Central da Fábrica de Barcarena, assim como as tubagens de condução da agua do tanque ou torre de refrigeração ao motor e sua recuperação.». Esta torre de refrigeração viria a ser construída instalando um reservatório de água em betão armado sobre parte da antiga chaminé de vapor, anexa à antiga Casa das Caldeiras cujo edifício viria também a ser reutilizado para a nova central termoeléctrica.

Exigia-se, desta vez, que as respostas dos proponentes

vendedores fixassem com clareza as especificações técnicas (potência, rendimento, consumos, etc.) dos motores que pretendiam fornecer, os encargos de montagem e transporte, a formação dos futuros operadores, bem como as condições de pagamento dos equipamentos a concurso.

Concluído o prazo de apresentação das propostas verificou-se terem sido entregues na sede do Arsenal do Exército 16 propostas remetidas por 14 representantes de fabricantes, com a curiosidade de os Estabelecimentos Herold, Lda. terem apresentado três diferentes propostas a concurso. De todas estas firmas concorrentes deu o Conselho Técnico da Fábrica de Barcarena parecer, em 14-07-1927, de que deveriam ser excluídas 10 por não preencherem na totalidade as especificações requeridas. De entre as quatro empresas admitidas a concurso (Alfredo Cast & Companhia; Duran, Garcia & Companhia; Harker & Summer & Companhia; Herold & Companhia) deliberou o Conselho Técnico dar preferência ao motor Winthertur apresentado pela firma Duran, Garcia & Companhia, «atendendo á boa qualidade do material, ao bom nome da marca e da firma proponente, que apresenta boas e justificadas referencias no Paiz e importantes no estrangeiro, e ao estudo mais completo que apareceu entre todas as propostas, mostrando um particular interesse em bem servir o comprador e desejo de fazer uma instalação condigna, que mereça absoluta confiança e dê todas as garantias de bom e duravel funcionamento». Sobre a máquina em apreciação referia-se em concreto que «o tipo de motor oferecido é tecnicamente perfeito e, praticamente, d’uma fácil condução e verificação para efeitos de vistorias, limpeza de válvulas e conservação».

Decidida a compra do motor aceleram-se os trabalhos preliminares para instalação do mesmo. A 19 de Agosto propunha o Capitão Conceição Rocha, engenheiro de secção, o início urgente das obras de instalação do novo motor diesel de 200 H.P. Este ficaria instalado na antiga Casa das Caldeiras a Vapor, que viria a receber importantes obras de adaptação para esta nova utilização. Verificados os orçamentos apresentados pela Duran & Garcia que foram considerados excessivos, decidiu-se que se executariam todos os trabalhos preparatórios por administração directa desde que a Fábrica possuísse os recursos laborais especializados necessários.

Page 47: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

47

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

A montagem da máquina necessitava da construção prévia do respetivo maciço que, sob projeto e orientação dos técnicos da empresa fornecedora, foi executado por pessoal da Fábrica. Também a torre de refrigeração bem como o depósito de combustível diesel, foram construídos com recurso a trabalhadores e oficinas de Barcarena. Para a complexa tarefa de interligação da nova central com as diferentes centrais elétricas já existentes decidiu-se contratar pessoal externo.

Embora a Direção da Fábrica se tenha rodeado de todos os cuidados, tanto a nível técnico como administrativo, a instalação do novo motor Winthertur não ficou isenta de problemas e contratempos. Em 4 de Janeiro de 1928 instava o Diretor junto da Secretaria - Geral do Arsenal do Exército para que fosse rapidamente entregue o motor encomendado, uma vez que era imperioso ter o mesmo pronto a funcionar no final daquele mês. Sabia-se já, pelas notícias entretanto recebidas, que o navio a vapor a bordo do qual o motor havia sido embarcado se encontrava encalhado numa praia espanhola, sem garantias de que viesse a ser possível salvar a carga. Tentava-se assim que a firma fornecedora providenciasse rápidas soluções para tão perturbador percalço, quer através da eventual recuperação do motor naufragado ou, em alternativa, pelo imediato envio de um motor de substituição. Tornava-se imperativo que o motor chegasse até 30 de Junho, uma vez que as verbas destinadas ao seu pagamento final estavam, em consequência do crescente estrangulamento financeiro do Estado português, na eminência de serem retidas pelo Ministério das Finanças.

Entretanto, enquanto não se resolvia o problema da entrega do novo motor, detetaram-se problemas de introdução de águas pluviais no interior do edifício destinado a alojá-lo. Para contrariar o afloramento das águas infiltradas, prejudiciais e potencialmente perigosas, iniciaram-se obras de drenagem dos terrenos envolventes mediante a instalação de caixas de drenagem e manilhas de barro ordinário.

Face às crescentes dificuldades financeiras do Estado procurou o Arsenal do Exército apressar as últimas fases de modernização da Fábrica de Barcarena, convencida a sua Direção de que se tornaria cada vez mais difícil garantir o financiamento das últimas empreitadas. O Arsenal solicitou o envio urgente do orçamento referente à iluminação exterior

da Fábrica, bem como informação referente aos contactos com as Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade para a pretendida ligação à rede pública de eletricidade.

Entre Fevereiro e Março foram reunidos os orçamentos referentes a diversos trabalhos, considerados fundamentais à laboração do estabelecimento: reconstrução dos caminhos internos da Fábrica que se encontravam muito degradados; substituição dos tubos e retortas da antiga oficina de carbonização; reparação do motor diesel M.K.V. Deutz de 50 H.P. que, não obstante a muito dispendiosa recuperação, continuava a ser indispensável à laboração das diversas oficinas.

Continuavam as reuniões com a Câmara Municipal de Oeiras (que se fazia acompanhar de uma Comissão de Moradores das localidades próximas a Barcarena) sobre o prolongamento da rede de média tensão das C.R.G.E., uma vez que o trajeto de tal obra permitiria também instalar o fornecimento público de energia elétrica às povoações de Tercena e Barcarena. Pretendia-se obter a comparticipação tanto da Câmara como dos particulares interessados, de forma a viabilizar o orçamento que se sabia ser certamente elevado. As conversações chegaram a bom termo e, a 10 de Março de 1928, foi o Arsenal informado das condições acordadas: as C.R.G.E. fixaram em 50.000$00 o custo dos trabalhos necessários ao estabelecimento da linha aérea de média tensão e respetivos postos de transformação, aceitando a C.M.O. comparticipar com o montante de 15.000$00 a que se adicionariam 5.000$00 a recolher junto dos moradores de Barcarena e proximidades que requisitassem a respetiva ligação elétrica.

Caberia à Fábrica de Barcarena a parte maior do investimento, correspondente a 60%, no valor de 30.000$00. Considerava a Direção da Fábrica que esta solução constituía um melhoramento estratégico para a laboração da Fábrica, uma vez que lhe permitia dispor de uma «reserva de energia industrial». Simultaneamente, o fornecimento permanente de energia das C.R.G.E. permitia desde logo uma importante economia na pretendida instalação elétrica interna daquele estabelecimento, já que dispensava a instalação de um transformador próprio bem como da bateria de acumuladores e do pessoal necessário ao seu funcionamento.

Page 48: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

48 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

A verba de 30.000$00 destinada para a ligação da Fábrica à rede das C.R.G.E foi prontamente aprovada pelo Arsenal que, não obstante a aceitação deste valor, encarregou a Direção da Fábrica de tentar obter mais 5.000$00 de comparticipação entre a C.M.O. e os moradores de forma a reduzir os custos do Estado para 25.000$00. Sob os bons ofícios do Diretor de Barcarena o pedido desta verba suplementar de 5.000$00 teve um acolhimento positivo junto dos restantes interessados, Câmara e moradores.

Um «relatório sumário» produzido pelo Capitão Conceição Rocha e datado de 19 de Maio de 1928 dava conta à restante Direção da Fábrica do andamento das obras então em curso: adaptação do edifício das antigas caldeiras a vapor para a nova Central Térmica; construção da Garagem para automóveis; recuperação das Cavalariças; construção do novo Paiol Norte; reparação de estradas. Todas estas obras se encontravam em fase de conclusão, faltando apenas terminar os últimos acabamentos, pretendendo-se então dar início urgente à instalação do Posto de Transformação de energia elétrica uma vez que o pagamento às C.R.G.E. para estabelecimento da linha aérea de média tensão se havia já verificado e, paralelamente, se tinha adjudicado entretanto à Casa Siemens a instalação da luz elétrica na Fábrica. Pretendia-se igualmente dar início à montagem do novo motor diesel Winthertur verificada a sua chegada recente à Fábrica.

Entretanto a situação política do país passava por grandes convulsões e transformações. Vários pronunciamentos militares ocorreram por todo o país, contestando os seus comandantes a incapacidade do regime parlamentar de nomear governos competentes para administrar corretamente Portugal. Fundamentando o golpe militar iniciado a 28 de Maio de 1926, os oficiais superiores que o lideravam acusavam o regime vigente de favorecer a indisciplina, a incompetência, a tirania e a devassidão que se manifestavam em escândalos consecutivos. Da reação castrense resultou a demissão do primeiro-ministro, do presidente da República e a dissolução do Parlamento. Para afirmação do corte decisivo com o passado recente, foi formado o governo de ditadura militar do Almirante Mendes Cabeçadas, pouco depois substituído pelo General Gomes da Costa que deu lugar, por sua vez, ao General Carmona.

A caótica situação financeira do País trouxe, desde logo,

um conjunto de novas e imprevisíveis dificuldades ao prosseguimento das obras de recuperação e modernização da Fábrica de Barcarena, que se iniciaram pela diretiva do Banco de Portugal, prontamente retransmitida para Barcarena pelo Arsenal do Exército, de colocar à guarda daquela instituição financeira todas as verbas orçamentadas mas não despendidas a partir de 1 de Julho de 1928. Tais ordens obrigaram a acelerar, nas últimas semanas de Junho, todos os trabalhos ainda em curso procurando evitar assim, tanto quanto possível, uma eventual paralisação por falta das verbas anteriormente contabilizadas. Acelerou-se pois a orçamentação e adjudicação de todas as tarefas em falta, privilegiando-se a contratação com diferentes empreiteiros externos para intervenção simultânea nas diversas frentes de trabalho.

De tais procedimentos resultou o pagamento total de todas as despesas de trabalhos concluídos ou encomendados e o pedido de cativação de mais 124.000$00 necessários para as obras a iniciar e para despesas de laboração da Fábrica até final daquele ano. Deste montante apenas foram autorizados 17.500 $00, uma vez que não seriam já autorizadas quaisquer novas obras a partir de 1 de Julho. Todos os saldos, ainda que cativos, tiveram que ser devolvidos ao Banco de Portugal.

CONCLUSÃO

O período temporal que abordámos no presente texto, balizado por dois importantes marcos da História portuguesa do séc. XX que foram a implantação do regime republicano em Outubro de 1910 e o movimento de 28 de Maio de 1926 que conduziria mais tarde à instauração do Estado Novo, constituiu, para a Fábrica de Pólvora de Barcarena e para todos os que ali desempenharam atividade diretiva ou laboral, uma época de profunda renovação tecnológica e reformulação organizativa do fabrico da pólvora negra.

O enorme esforço exigido às sucessivas equipas diretivas da Fábrica colocou à prova a capacidade técnica do pessoal dirigente, mas também a sua dedicação e o seu empenho no cumprimento da missão que lhes havia sido atribuída: modernizar tecnologicamente a F. P. B. e atualizar os processos e rotinas de fabricação.

Tal tarefa impôs um salto tecnológico que, com a

Page 49: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

49

› José Luís Gomes › A FPB durante a 1.ª Rep.: da agitação política à renovação tecnológica

predominante eletrificação dos equipamentos produtivos, encerrou duas etapas tecnológicas relevantes mas bem distintas, tanto na respetiva cronologia de implementação como na extensão e duração do seu aproveitamento: a tradicional utilização de diferentes engenhos hidráulicos na produção de pólvora, entre os sécs. XVI e XX, bem como o fim do recurso a máquinas a vapor, que havia sido iniciado na segunda metade do séc. XIX com os dois pequenos “locomóveis” nºs 1 e 2 instalados nas Fábricas de Cima e de Baixo, até à máquina a vapor «Sulze» desmontada em 1924.

A energia hidráulica, que sempre tinha sido o verdadeiro «motor» da Fábrica de Barcarena, manteve a sua importância, agora presente na Central Hidroeléctrica, como principal fonte interna de produção de energia.

Na F.P.B. esta grande renovação tecnológica constitui a última fase de produção de pólvora negra, que se manteve, no essencial, inalterável até ao fim da sua fabricação de Barcarena, ditado pelas consequências do fatal acidente de 1972. A Fábrica que hoje podemos visitar e os equipamentos que permanecem no seu local de instalação, correspondem na sua grande maioria ao importante projeto delineado em 1919 e implementado ao logo de uma década.

No entanto, e como sempre, o mérito desta fulgurante etapa da história da Fábrica de Pólvora de Barcarena pertenceu, e pertence ainda, aos Homens que aqui referimos e recordámos. Não importa apenas relembrar os seus nomes, importa também recuperar o seu contributo através das vivências e das intervenções de todos quantos, dirigindo e produzindo, tanto ali trabalharam para, tão dignamente vencer as contrariedades e dificuldades que caracterizaram o seu tempo.

No reinado de D. Manuel I, mandou este Rei a construção

FONTES DOCUMENTAIS

Arquivo Histórico Militar: Fundo nº 42 - Fábrica da Pólvora de Barcarena

Série 2 / Caixa nº 761 Série 6 / Caixa nº 764 Série 12 / Caixa nº 777 Série 15 / Caixa nº 796 Série 22 / Caixa nº 824

Page 50: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

50 › CM› CADERNOS DO MUSEU DA PÓLVORA NEGRA› N04/2009

› À CONVERSA COM..., RESUMO DE COMUNICAÇÕES APRESENTADAS EM 2008

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA NA 1.ª REPÚBLICA

› Jaime regalado

Licenciado em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Pós-graduado em História Militar pelo Instituto Lusíada de Pós-graduações da Universidade Lusíada.

Doutorando em História, Defesa e Relações Internacionais pela Academia Militar-ISCTE, na área de tecnologia e armamento séc. XIX e XX.

Desenvolve atividade de investigação na área de História Militar, na vertente de Armamento e Tecnologia, com algumas obras e artigos publicados neste tema.

Desde de 2003 que colabora com o Museu da Pólvora Negra de Barcarena, na investigação e caracterização de alguns exemplares do acervo deste museu, relacionados com o armamento.

É Membro fundador do Grupo de Amigos do Museu da Pólvora Negra.

Page 51: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

51

› Jaime Regalado › A Fábrica da Pólvora de Barcarena na 1.ª República

› Foto1 – o mais antigo pacote de munições conhecido, fabricado na Fábrica da Pólvora de Barcarena em 1892, contendo 10 cartuchos para a arma Snider, carregados com 4,5 g de pólvora F.N. (2011)

Col. Particular

de duas fábricas de pólvora: uma nas Portas da Cruz, em Lisboa, e outra, junto às Ferrarias d’El Rey aproveitando a força hidráulica da Ribeira de Barcarena, ficando esta fábrica conhecida como Fábrica da Pólvora de Barcarena.

Pela importância estratégica do fabrico da pólvora a sua atividade e produção foi sempre controlada pela Coroa

ou pelo Estado. Contudo, este controlo exerceu-se de diferentes formas desde a exploração por particulares por concessão régia, à tutela direta pelo Rei ou pelo Estado.

Após a aclamação de D. João IV, foi criada a Tenência e, mais tarde, a partir de 1764, o Arsenal (Real) do Exército, que asseguraram a administração dos diversos estabelecimentos

Page 52: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

52 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

fabris militares, o fabrico, a aquisição, o armazenamento e distribuição de artefactos militares, desde a pólvora (e mais tarde também munições), ao armamento, víveres, uniformes e demais apetrechos de guerra.

Pelas reformas do Arsenal do Exército, em 1895, a Fábrica da Pólvora de Barcarena passou novamente a ser administrada diretamente por esta instituição. Neste período de transição do século XIX para o século XX, em que as pólvoras ditas químicas ou pólvoras sem fumo, constituíam as principais pólvoras de aplicação militar, o Decreto Real de 1902 que regulamentava o funcionamento dos diferentes estabelecimentos fabris que constituíam o Arsenal do Exército, determinava, referindo-se à Fábrica da Pólvora de Barcarena: “...especialmente destinada ao fabrico das pólvoras negras, tanto das que são aplicadas aos serviços militares como das de venda (caça, pirotecnia e pedreiras) á manufactura dos artifícios pirotécnicos e ao carregamento dos cartuchos de caça em que forem empregadas as pólvoras negras”.

Com a extinção do Arsenal do Exército, em 1927, a Fábrica de Pólvora de Barcarena passou a designar-se por Fábrica de Pólvoras Físicas e Artifícios [Decreto de 19 de Agosto de 1927], sem que se tivesse operado qualquer alteração significativa nos processos de fabrico ou na produção, mas que a distinguia, nominal e funcionalmente, da Fábrica de Pólvoras Químicas de Chelas.

A partir de 1927, a Fábrica de Pólvoras Físicas e Artifícios abriu as portas à industrialização e à livre concorrência comercial e, nesta fase, esta fábrica conheceu um dos seus períodos de maior desenvolvimento, com a aquisição de nova maquinaria, modernização do seu laboratório e, curiosamente, com o estreitamento na cooperação com as escolas práticas do Exército.

No pós 2ª Guerra Mundial, beneficiou ainda de diversos apoios ao desenvolvimento da Industria Militar, nomeadamente do Plano Marshall mas, na verdade, este desenvolvimento enquadrava-se sobretudo num movimento mais vasto de incentivo ao desenvolvimento industrial nacional, no âmbito de uma política económica nacionalista e autárcica do Estado Novo

Apesar dos processos de modernização, manteve-se na

produção de pólvoras físicas para caça e para fins militares, com a produção de rastilhos, carregamento de granadas (de mão e artilharia) e engenhos pirotécnicos.

A partir de 1947 (com o encerramento/transferência da fábrica de Chelas), a fábrica de Barcarena foi objeto de nova remodelação e passou a designar-se Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos, alargando a sua produção às pólvoras químicas para fins militares “...destina-se ao fabrico de pólvoras físicas e químicas, de explosivos e artifícios especializados necessários à constituição de munições de todos os calibres e ao exercício da actividade militar. A este estabelecimento compete o carregamento das munições de artilharia ou de quaisquer outras cujo fabrico ou acabamento não estejam especialmente afectos a outro estabelecimento.” Nesta fábrica, já no contexto das Campanhas de África 1961-1974, fez-se o carregamento de granadas de morteiro, granadas de artilharia e bombas para a aviação.

Apesar dos processos de modernização, manteve-se na produção de pólvoras físicas para caça e para fins militares, com a produção de rastilhos, carregamento de granadas (de mão e artilharia) e engenhos pirotécnicos.

A partir de 1947 (com o encerramento/transferência da fábrica de Chelas), a fábrica de Barcarena foi objeto de nova remodelação e passou a designar-se Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos, alargando a sua produção às pólvoras químicas para fins militares “...destina-se ao fabrico de pólvoras físicas e químicas, de explosivos e artifícios especializados necessários à constituição de munições de todos os calibres e ao exercício da actividade militar. A este estabelecimento compete o carregamento das munições de artilharia ou de quaisquer outras cujo fabrico ou acabamento não estejam especialmente afectos a outro estabelecimento.” Nesta fábrica, já no contexto das Campanhas de África 1961-1974, fez-se o carregamento de granadas de morteiro, granadas de artilharia e bombas para a aviação.

A PRIMEIRA REPÚBLICA E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

O homicídio do Arquiduque da Áustria, Franz Ferdinand, em 1914 desencadeou um conflito e, por força de alianças, a 1ª Guerra Mundial.

Portugal, então uma jovem e truculenta República, enviou de imediato, em Setembro de 1914, um contingente de tropas metropolitanas para o Sul de Angola e outro para o Norte de Moçambique, onde as fronteiras com territórios alemães ficavam então mais ameaçadas, pois as tensões eram já muito anteriores a 1914. A pressão alemã (e britânica) fazia sentir-se já desde os finais do século XIX. Curiosamente, este conflito, apesar de elevar a pressão alemã sobre as fronteiras do Cunene e do Rovuma, pôs fim à aliança secreta entre a Alemanha e a Inglaterra, para a espoliação destes territórios africanos à soberania Portuguesa.

Neste contexto, revelava-se inevitável a intervenção de tropas portuguesas na 1ª Guerra Mundial, no teatro de operações africano.

Page 53: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

53

› Foto 2 – Conjunto de latas de pólvora de caça, produzida na Fábrica da Pólvora de Barcarena, já no período posterior a 1947 Gabinete de Comunicação CMo (2011)

› Foto 3 – Placa de estanqueiro (revendedor) de pólvora e explosivos, que nos dá conta da produção desta fábrica enquanto Fábrica Militar de Pólvora e explosivos, já no período posterior a 1947 (2011)

Gabinete de Comunicação CMo

Porém, com a vitória do Partido Democrático de Afonso Costa, impôs-se a corrente intervencionista no teatro Europeu, constituindo-se a Divisão de Instrução que mais tarde daria origem ao C.E.P. – Corpo Expedicionário Português.

A intervenção de tropas portuguesas no Teatro de Operações Europeu, para além do CAPI – Corpo de Artilharia Pesada Independente, não era desejada pelos aliados, sobretudo pela Inglaterra. Como a presença de Portugal numa futura Conferência de Paz, estava assegurada pela participação no Teatro Africano, facilmente se percebe que a intervenção do C.E.P na Europa tem motivações políticas endógenas, de legitimação e afirmação do recente regime republicano, perante as potências aliadas.

Assim, a participação do C.E.P. na Flandres, serviu essencialmente a máquina de propaganda republicana, como se observa pelo número de publicações panegíricas da intervenção portuguesa na Europa e pelo elevado número de visitas de Chefes de Estado e outras individualidades políticas, às tropas na frente europeia, em contraste com a ausência, quase relegando ao esquecimento, a dura participação neste conflito no Sul de Angola e Norte de Moçambique.

Também o armamento ligeiro, individual ou coletivo, empregue pelas tropas portuguesas nestes dois teatros de

› Jaime Regalado › A Fábrica da Pólvora de Barcarena na 1.ª República

Page 54: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

54 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

operações, Africano e Europeu, é diferenciado.

TEATROS DE OPERAÇÕES AFRICANOS

O armamento utilizado pelas tropas portuguesas consistia essencialmente na Espingarda 6,5 mm m/904 Mauser-Vergueiro que utilizava munições com pólvora sem fumo e também as espingardas 8 mm m/1886 Kropastchek que a

› Foto 4 –

partir de 1888 usavam pólvora sem fumo Barreto, produzida na Fábrica de Pólvoras Químicas de Chelas.

A metralhadora 6,5 mm m/906 Maxim utilizava as mesmas munições que a Mauser-Vergueiro, portanto empregando também pólvora sem fumo.

Aos Oficiais, para a sua defesa imediata, estava distribuída a Pistola, 7,65 mm m/908 Parabellum que utilizava as

Primeira página do jornal Notícias da Beira, periódico assumidamente do Partido democrático, anunciando entusiasticamente a declaração de guerra à alemanha, a 12 de março de 1916

Hemeroteca Nacional

Page 55: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

55

› Foto 5 – Primeira página do nº 1 da revista Portugal na Guerra, revista quinzenal ilustrada, criada especificamente para propaganda da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial

› Foto 6 – Contingente de tropas expedicionárias no Norte de Moçambique. os soldados estão armados com a espingarda 6,5 mm m/904 Mauser-Vergueiro.

in Martins, F. História do exército Português

munições também produzidas na Fábrica de Chelas. Por fim, alguns oficiais, mas principalmente sargentos e alguns praças que pelas suas funções usassem apenas um revólver, estava distribuído o Revólver 9,1 mm Abadie m/1878 e m/1886 que, estes sim, empregavam munições carregadas com pólvora negra.

TEATRO DE OPERAÇÕES EUROPEU O armamento ligeiro utilizados pelo C.E.P. e respetivas munições, por conveniência logística e tática, era idêntico ao britânico.

A Espingarda Lee-Enfield Nº1 Mk3, a metralhadora ligeira Lewis, a metralhadora pesada Vickers-Maxim, todas estas

› Jaime Regalado › A Fábrica da Pólvora de Barcarena na 1.ª República

Page 56: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

armas em calibre .303 british, assim como granadas de mão e outros engenhos pirotécnicos, foram fornecidas por Inglaterra.

Apenas os oficiais levaram a sua Pistola 7,65 mm m/908 Parabellum e os oficiais mobilizados à reserva a recém adquirida Pistola 7,65 mm m/915 Savage. Em ambos casos empregando munições com pólvora sem fumo.

Assim, durante a 1ª República em geral e durante a 1ª Guerra Mundial em particular, para além das pólvoras de caça , a Fábrica de Pólvora de Barcarena fez o carregamento de munições de pólvora negra (na prática munições para os revólveres Abadie m/1878 e m/1886), verificação e reacondicionamento de munições, munições para instrução (de salva ou com projétil de madeira), fabricou artefactos pirotécnicos para sinalização e explosivos para a engenharia militar.

CONCLUSÕES

Cruzando no tempo o armamento ligeiro empregue pelas tropas portuguesas nos diversos teatros de operações da 1ª Guerra Mundial com a produção da Fábrica de Pólvora de Barcarena, verifica-se que a participação desta Fábrica no esforço de guerra, no contexto deste conflito, foi diminuta.

Principalmente pela utilização generalizada de munições utilizando pólvoras sem fumo, mas também pelo fornecimento de armamento e munições ao C.E.P. pelo Reino Unido por razões logísticas e táticas.

Os artefactos pirotécnicos produzidos na Fábrica de Pólvora de Barcarena, tais como os foguetes sinalizadores, rastilhos e explosivos para engenharia militar, foram empregues apenas nos teatros de operações em África.

Apesar da modernização dos processos de fabrico e da introdução de máquina a vapor em 1918, esta fábrica manteve-se focada na produção de pólvoras ditas físicas, para aplicações civis ou militares.

Não há registo de que, neste período, tenha sido feito carregamento de granadas de artilharia, naval ou de

› Foto 7 – revólver 9.1 mm m/1886 Sistema abadie, que utilizava munições carregadas com pólvora negra.

Col. Particular

campanha, pelo facto de ser usado TNT para o carregamento destas granadas, explosivo que esta fábrica não estava habilitada a produzir.

› CM› CADERNOS DO MUSEU DA PÓLVORA NEGRA› N05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1ª REPÚBLICA

Page 57: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

57

› Jaime Regalado › A Fábrica da Pólvora de Barcarena na 1.ª República

› Foto 8 e 9 – Principal armamento ligeiro utilizado pelo CeP, fornecido por inglaterra. respetivamente a espingarda lee-enfield .303 british Nº1 Mkiii, a Metralhadora-ligeira lewis .303 british e a Metralhadora-pesada Vickers .303 british. este armamento que, findo o conflito, regressou com o CeP, veio depois a integrar o armamento ligeiro regulamentar português

Col. Particular

› Foto 10 – Principal armamento ligeiro utilizado pelo CeP, fornecido por inglaterra. respetivamente a espingarda lee-enfield .303 british Nº1 Mkiii, a Metralhadora-ligeira lewis. 303 british e a Metralhadora-pesada Vickers .303 british

› Foto 9

Page 58: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

58 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Foto 11 – Caixa de munições para o revólver abadie. estas munições, fabricadas no século XiX, foram verificadas e recondicionadas como se pode verificar pelo carimbo “república” posto sobre as armas reais Portuguesas como o carimbo com a data 1914. Utilizavam pólvora FF (2011)

Col. Particular

› Foto 12 – Pacote com 10 cartuchos com bala simulada (projéctil em madeira) para a espingarda 8 mm m/1886 Kropastchek, carregados com 3 g de pólvora FF. (2011)

Col. Particular

BIBLIOGRAFIA

GOMES, J.; Cardoso, J.; As “Ferrarias d’El-Rey” em Barcarena: subsídios para a sua história, Estudos Arqueológicos de Oeiras, 13, Oeiras, 2005.

PALMEIRIM, A.; Monteiro, J.; Almeida, J.; Pimentel, J.; Cordeiro, J.; Relatório sobre a fabricação, e administração da pólvora por conta do Estado e seu comércio, Imprensa Nacional, Lisboa, 1855.

QUINTELA, A. C. et al.; A Fábrica da Pólvora de Barcarena e os seus sistemas hidráulicos; Oeiras, 1998.

TAVARES, J. Indústria Militar Portuguesa no Tempo da Guerra 1961-1974, Caleidoscópio, Lisboa, 2005.

TELO, A. J. Economia e Império no Portugal contemporâneo, Edições Cosmos, Lisboa 1994.

Page 59: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

5959 › CM› CADERNOS DO MUSEU DA PÓLVORA NEGRA› N04/2009

› À CONVERSA COM..., RESUMO DE COMUNICAÇÕES APRESENTADAS EM 2008

› DA FÁBRICA PARA A COMUNIDADE. O CONTRIBUTO DOS OPERÁRIOS DA FPB PARA O DESENVOLVIMENTO DO ASSOCIATIVISMO NO CONCELHO DE OEIRAS, DURANTE A 1.ª REPÚBLICA

› Filomena ribeiro

Licenciada em História, Variante de História de Arte, pela Universidade Nova de Lisboa.

Investigadora nas áreas do património cultural e história da cidade de Lisboa.

Colabora desde o ano de 2007 com o Museu da Pólvora Negra de Barcarena, na área de investigação. Em 2010, na sequência das iniciativas do Museu, integradas nas comemorações do Centenário da República, é responsável por uma série de visitas, subordinadas ao tema – A Fábrica e a República.

Tem desenvolvido vários projetos na área de divulgação cultural.

Artigos diversos, em revistas de especialidade, nas áreas de transportes terrestres, museologia e património cultural.

Leciona presentemente na Universidade Sénior de Alcântara.

É Membro fundador do Grupo de Amigos do Museu da Pólvora Negra.

Page 60: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

60 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Filomena Ribeiro › Da Fábrica para a comunidade. O contributo dos operários da FPB para o desenvolvimento do associativismo no concelho de Oeiras, durante a 1.ª República

A Fábrica da Pólvora de Barcarena foi desde sempre uma estrutura básica para o desenvolvimento de uma população de características marcadamente rurais que, durante gerações aí encontraram, não só os meios de subsistência que a terra já não assegurava, mas também as condições para ter alguma instrução, numa altura em que o analfabetismo ainda rondava os 82,4%.

Neste contexto, será pertinente lembrar António Sérgio, que no seu artigo Pela pedagogia do trabalho, citava Herculano, defendendo uma instrução orientada para o «… melhoramento dos agricultores, dos artífices, dos fabricantes […] Necessário é ao pobre ser activo e industrioso, e não será decerto com o antigo sistema de instrução que o povo português progredirá na industria.» (1)

› Foto 1 – Grupo de operários em interior de oficina de enchimento de cartuchos (1929-30) arquivo MPN CMo

(1) António Sérgio,”Pela Pedagogia do trabalho”, in A Águia, nº. 27, Março, 1914.

Page 61: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

61

A Direção da Fábrica da Pólvora de Barcarena, parece orientar-se por estes princípios, quando em 1890 toma a responsabilidade da escola (2), que estava a ser dirigida desde 1875 por Inácio Casimiro Alves de Azevedo.

Casimiro Alves de Azevedo, um dos grandes impulsionadores do associativismo local e seguidor de Costa Gooldophim, defendia que os operários deveriam ter a sua própria associação.

«O Operário precisa de ter uma associação sua, onde todos os sócios sejam seus companheiros, onde elle passe uma parte da noite, lendo ou estudando em livros ao alcance da sua intelligência e do seu saber. Estas sociedades podem ser chamadas de instrucção temporal ou de temperança». (3)

À instrução para todos, um dos grandes objetivos do ideário republicano, muito cedo emerge a fruição da cultura, como parte de uma educação que se pretendia humanista, e a que os Centros Escolares Republicanos irão dar grande incremento. As associações, caixas de socorros mútuos e cooperativas, mantinham normalmente uma Aula Nocturna para os seus sócios.

Mas foram as chamadas sociedades de instrução e recreio ou de instrução e beneficência, formadas na sua maioria a partir de bandas filarmónicas, os grandes pólos agregadores de populações desenraizadas, que após os primeiros sinais de industrialização tinham abandonado os campos para encontrar na fábrica melhores condições de vida.

No caso de Barcarena não encontramos uma população desenraizada.

Os trabalhadores da Fábrica da Pólvora, muitos deles naturais de Barcarena muitos outros aí residentes, mantinham uma forte ligação à terra, que durante muitos anos, foi a sua única fonte de rendimento e subsistência. Com a Fábrica surge a esperança de melhores dias, mas também a consciência que seria necessária uma união de esforços para ultrapassar um empobrecimento endógeno, que no quadro de desestabilização política e económica que o país atravessava, não se revelava fácil.

A partir da Fábrica, os trabalhadores criam três associações

› Foto 2 – a Banda da Sociedade Filarmónica de Barcarena foi fundada em 25 de Março de 1880, a partir do Grupo

Musical Solidó Fotografia de 1908 Col. Particular

na perspetiva de colmatar as suas necessidades mais elementares: - a Associação de Socorros Mútuos – Caixa dos Operários da Fábrica da Pólvora, com estatutos aprovados em 23 de Agosto de 1894, a Cooperativa de Crédito e Consumo do Pessoal da Fábrica da Pólvora de Barcarena, criada em 1895 e a Associação dos Bombeiros Voluntários “Progresso Barcarenense”. As origens desta última remontam a Março de 1880, altura em que núcleo primitivo dos bombeiros da Fábrica da Pólvora toma a iniciativa de criar a Sociedade Filarmónica de Barcarena.

Será no ano de 1901, na sequência de um incêndio, ocorrido na sede da Sociedade Filarmónica, que então funcionava numa arrecadação da Igreja de Barcarena, que músicos e população em geral sentem a urgência de criar um corpo de bombeiros, que protegesse pessoas e bens, em caso de sinistro. Em Agosto de 1901, da fusão da Sociedade Filarmónica e da Associação de Instrução e Beneficência de Barcarena, nasce a Associação de Bombeiros Voluntários Progresso Barcarenense, que se mantém até aos dias de hoje.

(2) Inventário dos edifícios da Fábrica da Pólvora, (121 – B-6), 30 de Junho de 1901.

(3) Costa Goodolphim, A Associação, História e Desenvolvimento das Associações Portuguezas, Lisboa, 1876.

Page 62: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

62 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Foto 3 – a banda “academia Sabino de Sousa”, da associação de instrução e Beneficência Joaquim Sabino de Sousa, data de Maio de 1894. a sua designação mudará posteriormente para associação de instrução e Beneficência de Barcarena

Desde os últimos anos do século XIX, as sociedades filarmónicas foram o grande pólo de dinamização sócio cultural das populações. À Sociedade Filarmónica estava associada a banda, cujos mestres davam formação a novos músicos, uma aula nocturna, uma biblioteca e um grupo de teatro.

Embora a biblioteca da Associação de Bombeiros Voluntários Progresso Barcarenense, só tenha sido formalmente inaugurada em Agosto de 1931, sabemos da existência anterior de uma outra, que se foi formando com dádivas de alguns sócios. A formação do grupo dramático terá sido posterior à criação da Sociedade Filarmónica. Durante algum tempo, funcionou nas instalações da própria Fábrica, que mantinha um espaço reservado para o efeito. No ano de 1909, o Inventário dos Edifícios da Fábrica da Pólvora de Barcarena refere a existência de um teatro na Casa da Estufa. Esta, constava de «um armazém e duas casas mais pequenas […] O armazém está convertido em theatro onde os empregados e operários dão algumas récitas.» De notar que nesse ano decorriam obras na sede da Associação, pelo que podemos deduzir que a Fábrica tivesse cedido estas instalações para permitir ao grupo cénico continuar com a sua atividade. As obras estariam concluídas em Maio de 1910.

Mas será a música, atividade lúdica por excelência, que terá mais visibilidade na longa vida da Associação dos Bombeiros Voluntários “Progresso Barcarenense”. Vamos encontrá-la nas festividades de carácter religioso ou profano – procissões, bailes de carnaval ou de fim de ano, quermesses de beneficência – ou até em inaugurações de monumentos, como foi o caso da inauguração do Chafariz de Barcarena, ainda no século XIX.

«Como tínhamos noticiado, teve logar na quinta-feira em Barcarena a inauguração do novo chafariz mandado construir pela câmara municipal. O largo onde está a fonte acha-se vistosamente decorado com bandeiras e festões de buxo e flores.

Do lado do poente elevava-se uma elegante tribuna onde tomaram parte os vereadores, a junta da parochia, a commissão que promoveu os festejos, o administrador do concelho, o sr Heitz, os representantes da imprensa e o engenheiro Veríssimo Correia. › Foto 4 – inauguração Chafariz de Barcarena

› Filomena Ribeiro › Da Fábrica para a comunidade. O contributo dos operários da FPB para o desenvolvimento do associativismo no concelho de Oeiras, durante a 1.ª República

Page 63: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

63

Cerca de uma hora da tarde o sr. presidente da câmara acompanhado de todas as pessoas acima citadas, dirigiu-se junto do chafariz e correu as cortinas que o encobriam. A água jorrou com força, a philarmonica de Barcarena tocou o himno nacional e subiram ao ar grande numero de foguetes.» (4)

O Echo, no seu nº. 34, de 13 de Dezembro de 1900, fala-nos da participação assídua da Banda de Barcarena, em São Domingos de Rana:

«No dia 8 foi a banda da Sociedade «Progresso Barcarenense» tocar à festa que se realisou na Conceição da Aboboda, freguezia de S. Domingos de Rana. Há já alguns annos que é esta sociedade contratada para fazer a dita festa, encarregando-se do coro e do arrayal.»

Os músicos e maestros da Sociedade dos Bombeiros Voluntários “Progresso Barcarenense”, irão ser reconhecidos não só a nível local, mas também nacional.

Em 10 de Abril de 1910, O Progresso d’Oeiras, dá-nos a seguinte notícia: - «Na viagem de representação do centenário da independência da República da Argentina que vae fazer o cruzador D.Carlos, segue como regente da respectiva charanga, o nosso amigo o Sr. Aureliano José Torres, digno mestre da Banda da Associação dos Bombeiros Voluntários Progresso Barcarenense. Desejamos-lhe uma feliz viagem» (5)

Será pertinente lembrar nomes como António José Gonçalves, mestre da Fábrica da Pólvora e um dos sócios fundadores da Sociedade Filarmónica, que se irá destacar pelas suas qualidades de músico e Alípio Seco, autor do Fado de Barcarena, que durante muitos anos dirigiu a Banda dos Bombeiros Voluntários. (6)

Também o teatro contribuiu para o desenvolvimento cultural da pequena localidade.

O já citado Progresso d’Oeiras, faz uma descrição detalhada do que seria a afluência em dias de espectáculo: «No teatrinho da Associação de Bombeiros Voluntários Progresso Barcarenense realizou-se no sábado, 19, uma récita promovida pela direcção e levada a feito pelo novel Grupo Dramático Familiar Progresso Barcarense, composto de sócios da mesma Associação, sobre a regência do sr.

Cypriano António dos Santos, um dedicado amador, que muito tem contribuído para a organização do Grupo […] A sala encheu-se completamente, podendo ter excedido o limite da sua lotação, não fora a direcção por medida de prudência, ter evitado a entrada de muitas outras pessoas […] Antes de se iniciar o espectáculo, executou a banda da associação uma linda phantasia de clarinete, sobre motivos da opera o «Rigolleto», sendo solista o seu hábil regente, sr. Aureliano José Soares […] Em seguida começou o espectáculo, subindo à scena as seguintes peças: «O Escravo», drama em um acto; «Não é mel», comédia em 2 actos e várias cançonetas, monólogos, etc.»

A influência de Barcarena, a nível do associativismo, estender-se-á muito para além dos limites do concelho.

A convivência entre as várias coletividades, que se deslocam a Barcarena, mostra um dinamismo associativo festivo, mas também solidário.

A aquisição de um carro, com o respetivo material (7), traz a Barcarena uma série de associações, que vêm animar as quermesses para angariação de fundos.

Mais uma vez recorremos ao Progresso d’Oeiras, que nos seus números de 10 e 31 de Julho de 1910, respectivamente, nos faz a descrição dos acontecimentos:

«[…] Com egual agrado, executou no domingo um variado e bem escolhido reportório a banda da Academia Recreio Artístico da Porcalhota, a qual cumprindo a sua promessa veio abrilhantar a Kermesse da Associação dos Bombeiros Voluntários d’esta localidade […] percorrendo todas as agremiações a fazer os seus cumprimentos, findos os quaes tomou lugar no coreto[…]»

«Teve esta povoação no domingo passado a agradabilíssima visita da excelente tuna do Club Recreativo 6 de Setembro de 1903, de Lisboa. Chegada à estação do caminho de ferro às 3 da tarde, era ali esperada pela banda da Associação dos Bombeiros «Progresso Barcarenense» a quem a distinta Tuna destinava a sua visita a fim de abrilhantar a sua Kermesse […] Em seguida, formadas as duas corporações, puseram-se a caminho de Barcarena, marchando na frente a Tuna, que tocou bonitos passes dobles. Logo que chegaram ali foram feitos pela Tuna os seus cumprimentos a todas as associações, dirigindo-se em seguida para o coreto, onde tocaram com a maior correcção um variado reportório […]»

(4) Gazeta d’Oeiras, n.º 3,14 de Maio de 1893.

(5) Progresso d’Oeiras, nº. 8, 10 de Abril de 1910.

(6) Filomena Rodrigues Ribeiro, “A Associação dos Bombeiros Voluntários de Barcarena e a dinamização cultural”, in Cadernos do Museu da Pólvora Negra, nº. 3 Ed. CMO/MPN, Oeiras 2008.

(7) Progresso d’Oeiras nº. 17, 12 de Junho de 1910.

Page 64: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

64 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Filomena Ribeiro › Da Fábrica para a comunidade. O contributo dos operários da FPB para o desenvolvimento do associativismo no concelho de Oeiras, durante a 1.ª República

Podemos desde já constatar que nos últimos meses da Monarquia, Barcarena possuía apetência para uma fruição cultural, que a 1ª. República, com avanços e recuos, se esforçou por cimentar.

Os aniversários da Associação de Bombeiros e da Cooperativa continuavam a ser os festejos que, depois do Carnaval, causavam maior impacto.

Lê-se no semanário republicano O Oeirense, do ano de 1923:

«O Carnaval nesta localidade foi muito animado, realizando-se na «Associação Progresso Barcarense», alem doutros divertimentos, bailes de mascaras no domingo e terça feira de Entrudo e na segunda feira récita pelo grupo dramático da referida associação»

Mas, outros motivos para a Festa animavam agora as populações.

Em Setembro do mesmo ano de 1923, realizam-se grandes festejos em Barcarena, em homenagem aos militares residentes, que tinham regressado da Grande Guerra.

O Programa, divulgado no mesmo jornal, mostra-nos mais uma vez o espírito de solidariedade e até de intercâmbio cultural, diríamos hoje, entre as diversas associações:

«DIA 22 – às 18 horas – Abertura do arraial, sendo abrilhantado pela excelente banda 1º. de Maio de Agualva.

DIA 23 – às 8 horas – Alvorada pela banda da Associação de Bombeiros que percorreu as ruas da localidade. Às 16 horas – Continuação do arraial e Kermesse, tendo sido abrilhantado pelas distintas bandas: Academia Filarmónica Verdi e Sociedade Euterpe de Bemfica.

DIA 24 – às 14 horas – Jogos desportivos com valiosos prémios seguindo a Kermesse e arraial abrilhantado pela banda dos Bombeiros de Barcarena18 horas – Concerto pela distinta banda da Academia recreativa de Linda-a-Velha […]»

Os trabalhadores da Fábrica da Pólvora não contribuíram apenas coletivamente para o desenvolvimento do associativismo em Barcarena. Também individualmente

colaboraram com outras associações do concelho.

Jaime de Sousa Peres foi um dos casos. O Jornal 0 Echo, de 8 de Julho de 1900, diz-nos a propósito do seu falecimento: «[…] Pertenceu à Sociedade Progresso Barcarenense, fazendo parte do grupo musical e do grupo dramático […] Fez parte dos corpos gerentes da Cooperativa de Pessoal da Fábrica da Pólvora […] e ultimamente era Presidente do Conselho Fiscal da Associação de Socorros Mútuos Dr. Elisiário José Malheiros, de Bellas […]».

A este e outros dirigentes associativos, que acumularam muitas vezes os seus cargos com funções de carácter político, não só ao nível de Barcarena, na Junta de Freguesia, mas também na própria Câmara Municipal, se deve muito do sucesso do associativismo em Oeiras.

Sempre a partir da Fábrica da Pólvora, nunca perderam o sentido de serviço público, guiados por um só objetivo – servir a comunidade em que se inseriam.

Como a própria República, o associativismo em Barcarena teve que lutar com contingências políticas adversas.

As relações entre os dirigentes da Fábrica da Pólvora e os dirigentes associativos nem sempre foram pacíficas. Cometeram-se arbitrariedades com operários em geral e sindicalistas em particular. Tempos houve que a própria leitura do jornal O Oeirense, assumidamente republicano, era motivo de sanções. Por outro lado, muitos dos Diretores e Pessoal Superior da Fábrica irão apoiar e até impulsionar o associativismo local, merecendo da parte dos republicanos palavras de amizade e respeito, bem documentadas na imprensa do período em análise.

Embora a imprensa local e regional incida mais sobre os grandes problemas que afetavam um país que sofria grandes dificuldades económicas e sociais, agravadas pelas consequências da 1ª. Guerra Mundial, encontramos ainda muitos elementos que nos permitem deduzir da intensa atividade do associativismo em Barcarena.

Para além da 1ª. República, a população uniu-se em torno das suas associações, ultrapassando as dificuldades da ditadura e consequentes perseguições às associações de

Page 65: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

65

carácter cultural e recreativo e manteve, até à atualidade, uma atividade sem interrupções, conforme podemos constatar pela pequena mostra dos programas, em anexo.

O associativismo em Barcarena acompanhou o movimento crescente que se desenvolvia no país desde finais do século XIX. Os ideais da Revolução Francesa (Liberdade – Igualdade – Fraternidade), irão permanecer nas lutas operárias que acompanharam a Revolução Industrial. As associações reforçavam os laços de coesão e solidariedade no grupo ou na classe, permitindo-lhes não só lutar por melhores condições de trabalho (8), mas também pela aquisição de bens de consumo em condições mais vantajosas.

A par destas reivindicações as classes mais desfavorecidas iriam igualmente tomando consciência que o acesso à saúde, à educação e até ao lazer faziam parte dos seus direitos fundamentais.

Alterando mentalidades, novos ideólogos divulgavam por toda a Europa novas doutrinas até aí desconhecidas, como por exemplo as de Charles Fourier (França, 1772-1837), que defendia um projeto coletivista onde coexistiam pobres e ricos em associação livre e com um fim comum tendo em vista uma existência ideal.

Também em Portugal novas ideias iam tomando forma. Anarcas, socialistas e republicanos promoviam a Instrução e a Cultura para todos. Surge uma rede de Escolas Móveis dinamizada pelos Centros Escolares Republicanos. Na sua ausência, serão as Associações, com especial incidência as Sociedades Filarmónicas que irão contribuir para o desenvolvimento sociocultural das populações. Tratando-se embora de uma cultura a que se convencionou chamar de popular certo é que ela criou apetências para uma emancipação libertadora do indivíduo, alargando-lhe os horizontes para a verdadeira fruição do lazer de índole cultural.

Os caminhos, mais ou menos humanistas, nem sempre foram coincidentes, nem sequer paralelos. O contributo da 1ª. República e o seu grande esforço para fortalecer estas associações, começam a merecer a atenção de alguns investigadores de grande mérito.

Barcarena é um caso exemplar de associativismo, que merece ser estudado e divulgado.

Embora muito do espólio das suas associações se tenha perdido, há que lutar pela preservação do que ficou, sem esquecermos naturalmente um outro legado importante – uma memória coletiva ainda bem presente e que fará parte, certamente, do património imaterial deste concelho.

(8) Filomena Rodrigues Ribeiro, “Postal Comemorativo e Eco de Barcarena” in Monofolha nº28. Escolha do Trimestre, Oeiras, Câmara Municipal de Oeiras, 2011

Page 66: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

66 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

› Filomena Ribeiro › Da Fábrica para a comunidade. O contributo dos operários da FPB para o desenvolvimento do associativismo no concelho de Oeiras, durante a 1.ª República

Nos aniversários da Cooperativa do Pessoal Fábrica da Pólvora de Barcarena a Associação dos Bombeiros estava sempre presente.

Page 67: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

67

Nos Programas da Associação de Bombeiros Progresso Barcarenense, encontramos coletividades de todo o País.

Em 1937 participaram entre outros, o Grupo Dramático Alunos de Apolo.

Page 68: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

68 › CM› CADERNOS DO MUSEU DA PÓLVORA NEGRA› N05/2013

› A FÁBRICA DAPÓLVORA DEBARCARENA E A1.ª REPÚBLICA

› Filomena Ribeiro › Da Fábrica para a comunidade. O contributo dos operários da FPB para o desenvolvimento do associativismo no concelho de Oeiras, durante a 1.ª República

Neste Programa:- Coro e Banda da Sociedade Filarmónica “União Samorense” - Banda da Sociedade Recreativa de Pero Pinheiro.- Sporting Clube de Portugal.

Page 69: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

69

Neste Programa:- Coro e Banda da Sociedade Filarmónica “União Samorense” - Banda da Sociedade Recreativa de Pero Pinheiro.- Sporting Clube de Portugal.

No ano de 1987, destacamos:- “Reprise de Espectáculo Carnavalesco” a favor da Cooperativa de São Pedro.- Concerto pela Banda de Mira Sintra

Page 70: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

70 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

BIBLIOGRAFIA

GOODOLPHIM, Costa, A Associação, História e Desenvolvimento das Associações Portuguesas, Lisboa, TypographiaUniversal, 1876. CABRAL, Manuel Villaverde, O Operarido nas vésperas da República, 1909-1910, Editorial Presença, GIS, 1977MIRANDA, Jorge; RIBEIRO, Sandra; PEREIRA, Susana, O Associativismo, Catálogo de Exposição, IV Encontro de HistóriaLocal, CMO, 1998SÁ, Victor de, ”Do Associativismo ao Sindicalismo em Portugal”, in Separata de O Instituto, Vol. CXXXVIII, Coimbra,1977 QUINTELA, Encontros de História Local do Concelho de Oeiras, III-IV, Actas, DASC/DCT/Sector de Acção Cultural, CMO, 2000

Periódicos

A Águia, Revista mensal de literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social. Dir. Teixeira de Pascoaes e António Carneiro, nº.27, Março de 1914.

A Gazeta d’Oeiras, Folha Semanal, proprietários e redactores, José Proença e Carlos de Matos P. Fernandes.A Gazeta de Oeiras, Semanário republicano e defensor dos interesses do concelho, dir. Aprígio de Serra e Moura.O Echo, Orgão do Concelho de Oeiras, Quinzenário instructivo, agrícola e noticioso, ed. Joaquim dos Santos Vieira.O Ensino Livre, prop. Joaquim José Anaya e Carlos Borges, nº. 8, 26 de Novembro, 1871.O Oeirense, Semanário Republicano, dir. João Alves.O Povo d’Oeiras, Jornal Democrático, dir. Virgílio Pinhão.O Povo d’Oeiras, Semanário Republicano, Órgão dos Republicanos do Concelho de Oeiras, dir. César Frazão.Progresso d’Oeiras, Semanário Monárquico, dir. Almeida Campos. Seara Nova, Dir. Augusto Casimiro, nº. 1395, Janeiro, 1962.Seara Nova, Dir. Augusto Casimiro, nº. 1399, Maio, 1962.

Fontes impressas

Arquivo Associação dos Bombeiros “Progresso Barcarenense”.Arquivo Museu da Pólvora Negra.

Fontes manuscritas

Arquivo Museu da Pólvora Negra

Créditos Fotográficos

Museu da Pólvora Negra, Junta de Freguesia de Barcarena.Programas de espetáculos, cedidos pela A.B.V.BÀ Associação dos Bombeiros Voluntários “Progresso Barcarenense” e ao Museu da Pólvora Negra, os meus agradecimentospor terem posto à disposição os seus arquivos.

Page 71: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

71

› CaderNoS do MUSeU da PÓlVora NeGra

› FiCHa tÉCNiCa

TítuloCadernos do Museu da Pólvora Negra

EdiçãoCâmara Municipal de Oeiras/Museu da Pólvora Negra

DirecçãoPaulo Vistas

Coordenação – RevisãoDivisão de Património Histórico e Museológico – Fábrica da Pólvora CMOJoana Lino DiasLisete CarrondoTeresa TomásGabinete de Comunicação CMO

Fotografia CapaArquivo Museu da Pólvora Negra CMO

Textos Mónica Duarte de AlmeidaJosé Luís GomesJaime RegaladoFilomena Ribeiro

Design GráficoBLUG

PaginaçãoGabinete de Comunicação CMOVera Elvas

ISBN978-989-608-170-6

Data2013

Page 72: Cadernos do Museu da Pólvora Negra - Nº5

72 › CM› Cadernos do MUseU da pólvora negra› n05/2013

› A FÁBRICA DA PÓLVORA DE BARCARENA E A 1.ª REPÚBLICA

a igosdo Museu

Pólvora Negra