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26 | CIÊNCIAHOJE | VOL. 48 | 288 ESPETÁCULOS DE SOM E LUZ NOS CÉUS FOTO CORBIS (DC)/ LATINSTOCK

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Page 1: ESPETÁCULOS DE SOM E LUZ NOS CÉUS · componentes da pólvora negra (propelente). É usado como combustível. As formas mais comuns incluem o carbono negro, açúcar ou amido CÁLCIO

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ESPETÁCULOSDE SOM E

LUZ NOS CÉUS

FOTO CORBIS (DC)/ LATINSTOCK

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Q U Í M I C A

s fogos de artifício foram levados pelos árabes para a Eu -ropa, e as festividades pirotécnicas de caráter cívico

ou religioso surgiram na Itália, na cidade de Florença, no fi nal do século 14.

Os espetáculos produzidos atualmente por fogos de artifício atraem e seduzem espectadores de todas as idades e crenças. No entanto, o espectro de cores

nem sempre foi tão amplo assim. Nos primórdios, as cores desses artefatos estavam limitadas ao dourado e

prateado, por ser a mistura dos componentes restrita a apenas pólvora, carvão (carbono vegetal) e limalha de ferro.

A química e aarte da pirotecnia

>>>

Há séculos, os espetáculos produzidos por fogos de artifício atraem e seduzem

espectadores de todas as idades e crenças, em várias partes do mundo. Por

trás de cada um dos sons que enchem o ar e das cores que pintam o céu, há

uma explicação científi ca – e muita pesquisa. Há também um toque de arte

– afi nal, é preciso a união dessas duas visões de mundo para produzir essas

aquarelas sonoras, efêmeras, mas deslumbrantes.

A seguir, uma breve jornada pela história e – principalmente – pela química

desse engenho humano.

SÉRGIO DE PAULA MACHADOANGELO C. PINTOInstituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro

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O universo de cores dos fogos de artifício ganhou não só novos matizes com a descoberta, em 1786, do clorato de potássio, pelo químico francês Claude Louis Berthollet (1748-1822), mas também grande luminosidade e brilho com a disponibilidade dos elementos químicos magnésio (1865) e alumínio (1894).

Inventados pelos chineses antes da era cristã, os fogos de artifício terrestres deram lugar aos fogos aéreos só a partir do século passado. Além da variedade de formas, a multiplicidade de cores torna a queima de fogos de arti-fício um grande espetáculo.

Quem os vê a distância não imagina as reações quími- cas que estão por trás das impressionantes apresenta- ções pirotécnicas que maravilham, por exemplo, todos os anos, em 31 de dezembro, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), os milhões de pessoas que vão assis- tir à festa de Ano Novo.

Mas o que realmente faz com que ocorra essa variedade de cores no céu?

Barulho e luz_Por trás desse espetáculo está a quími-ca, com seus processos de perda de elétrons (oxidação) e de fornecimento de energia para essas partículas subatô-micas (excitação eletrônica).

O primeiro processo é responsável pelo barulho pro- duzido pelo aquecimento das substâncias químicas; o segundo, pela emissão de luz – mais adiante, detalhare- mos cada um desses processos.

IMAGEM

SPL DC/ LATINSTOCK.

Portanto, as imagens e os sons de cada explosão são o resultado de diversas reações químicas.

Oxidações (perda de elétrons) e reduções (ganho de elétrons) de produtos químicos ocorrem nos fogos de arti-fício em sua trajetória em direção ao céu. Oxidantes pro-duzem o gás oxigênio, necessário para queimar a mistura dos agentes redutores e para excitar os átomos dos com- postos emissores de luz (ver ‘Oxidantes e redutores’).

Mudança de orbital_Para que se entenda como os fogos de artifício colorem o céu e o barulho que provo-cam, é preciso se entender o que são os átomos. Os átomos são formados por núcleos – que contêm os prótons e os nêutrons – e por elétrons. Como o nome sugere, os núcleos ocupam uma região muito pequena e condensada – cerca de 99% da massa atômica estão aí concentrados.

Para exemplificar o tamanho reduzido do núcleo, bas- ta fazer o seguinte exercício de imaginação. Se o tamanho dele for aumentado até atingir o de uma cabeça de alfine-te ou mesmo de um palito de fósforo – obviamente, isso dependerá se o elemento químico em questão for o de hidrogênio ou um com muitas partículas no núcleo –, o átomo terá, então, o tamanho aproximado do anel do es- tádio de futebol Maracanã.

De uma maneira geral, as cores nos fogos de artifício podem ser generalizadas como:

COR E ELEMENTO

VERMELHO – Sais de estrôncio e de lítio LARANJA – Sais de cálcioAMARELO – Sais de sódio

FOTO SPL DC/ LATINSTOCK

O químico Claude Louis Berthollet descobriu o cloreto de potássio, com o qual os fogos de artifício ganharam novos matizes

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OXIDANTES E REDUTORESOs oxidantes mais usados na pirotecnia são os nitratos, cloratos e percloratos, que apresentam as seguintes reações de decomposição: 2 KNO3 ® 2 K2O + N2 + 2,5 O2 (decomposição do nitrato de potássio)2 KClO3 ® 2 KCl + 3 O2 (decomposição do clorato)2 KClO4 ® 2 KCl + 2 O2 (decomposição do perclorato)

Os agentes redutores, enxofre e carbono, se combinam com o oxigênio dos oxidantes para produzir a energia da explosão:

O2 (g) + S(s) ® SO2(g)

O2(g) + C(s) ® CO2(g)

Figura 1. Ensaio de chama para compostos de diferentes elementos

DOURADO – Mistura de ferro e carbonoVERDE – Compostos de bárioAZUL – Compostos de cobre

VIOLETA – Mistura de compostos de estrôncio e cobre ou sais de potássio

PRATEADO – Alumínio, titânio ou magnésio

Já os elétrons estão dispostos em regiões chamadas orbitais. Os orbitais ocupam regiões de diferentes ener- gias, e o processo do aparecimento da cor está relaciona- do às transições dos elétrons de um orbital para outro. Isso ocorre quando os elétrons absorvem energia e pas- sam para níveis de maior energia.

Para dissipar a energia absorvida e voltarem ao nível de origem, os elétrons emitem luz. Cada elemento quí - mico emite luz com cores distintas e bem características – as cores emitidas por um elemento funcionam como um tipo de carteira de identidade dele.

Depende do elemento_Essas variedades de cores podem ser vistas em laboratório. Para isso, basta usar, como fonte de aquecimento, um bico de Bunsen, em cuja chama se colocam – com o auxílio, por exemplo, da ponta de uma espátula – gotas de uma solução de determinado sal (figura 1). O leitor talvez já tenha notado na cozinha que, quando cai uma pequena quantidade de sal na cha- ma do fogão, a luz emitida é de um amarelo forte.

As diferentes cores que vemos nos fogos de artifício dependerão das características químicas dos elementos que são usados para preparar esses artefatos. A figura 2 destaca os elementos que apresentam papel importante

na construção dos fogos de artifício e pirotecnia, bem como o uso de cada um deles nesses artefatos.

Por sua vez, o barulho produzido é gerado pela onda de choque criada pelo deslocamento do ar, devido às reações de oxidação. >>>

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FERRO (Fe)Produz faíscas. O calor do metal determina a cor das faíscas

POTÁSSIO (K)Ajuda a oxidar a mistura de fogos de artifício. O nitrato, o cloreto e o perclorato de potássio são oxidantes importantes

OXIGÊNIO (O)Nos fogos de artifício, os oxidantes (que produzem oxigênio para queima ocorrer) são em geral nitratos, cloratos ou percloratos. Às vezes, a mesma substância produz tanto oxigênio quanto cor

MAGNÉSIO (Mg)É usado para gerar faíscas muito brancas ou melhorar o brilho total de fogos de artifício

SÓDIO (Na)Dá a cor amarelo ouro; muitas vezes, seu brilho é tão intenso que mascara cores menos intensas

LÍTIO (Li)É usado para gerar o vermelho. O carbonato de lítio, em particular, é um corante comum

ANTIMÔNIO (Sb)Usado para criar efeitos de brilho

FÓSFORO (P)Queima espontaneamente no ar e gera efeitos de brilho no escuro. Pode ser um componente do combustível

ENXOFRE (S) É um componente da pólvora negra (propelente). Como o oxigênio, é combustível para as explosões

ESTRÔNCIO (Sr)Seus sais dão a cor vermelha. Compostos de estrôncio são importantes para a estabilização de misturas nos fogos de artifícios

ZINCO (Zn)Metal branco azulado, é usado para criar efeitos de fumaça nos fogos de artifício e em outros artigos de pirotecnia

TITÂNIO (Ti)Como pó ou em fl ocos, produz faíscas

ALUMÍNIO (Al)Produz chamas de cor prata e branca, bem como faíscas. É um componente comum de foguetes

BÁRIO (Ba)Cria o verde e pode ajudar a estabilizar outros elementos voláteis

CARBONO (C) Um dos principais componentes da pólvora negra (propelente). É usado como combustível. As formas mais comuns incluem o carbono negro, açúcar ou amido

CÁLCIO (Ca) Aprofunda as cores de fogos de artifício. Seus sais produzem a cor laranja

CLORO (Cl)Importante agente oxidante. Vários sais de metais que produzem cores contêm cloro

COBRE (Cu)Seus compostos produzem o azul

Figura 2. Elementos químicos, seus usos nos fogos de artifício.

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Calor quase solar_Agora, é possível compreender-mos o que ocorre no céu quando os fogos de artifício es- touram. A pólvora funciona como propelente, tendo a função de dar início à combustão, provocando a liberação de gases e a rápida ascensão dos fogos ou foguetes, que, ao atingirem certa altura, explodem violentamente, com muito ruído e uma infinidade de cores.

Os fogos de artifício podem ser comparados a tubos de ensaio cheios de elementos químicos que se combinam quando aquecidos para produzirem diferentes cores. Para se ter ideia, uma chama pirotécnica pode atingir 3,6 milºC – cerca da metade da temperatura da superfície do Sol –, enquanto a temperatura de um fogão doméstico alcança, no máximo, 800ºC.

Dessa forma, toda a beleza do espetáculo da queima de fogos de artifício não passa de um processo que se com-preende por meio do conhecimento da estrutura eletrô- nica dos átomos.

Mais ecológicos_Entretanto, há o lado ruim dos fo-gos de artifício. Eles poluem o meio ambiente. Por isso, estudos vêm sendo feitos pelos químicos para diminuir a agressão ambiental que eles causam.

Exemplo dessa adaptação aos novos tempos são os sais inorgânicos, que vêm sendo substituídos por substâncias orgânicas cujas moléculas formam ‘anéis’ em que estão ligados vários átomos de nitrogênio (polinitrogenados); por isso, no processo de explosão, liberam gás nitrogênio, causando, assim, grande deslocamento de ar, mas sem lançar produtos poluentes – vale lembra que o nitrogê- nio é um dos elementos que formam o ar.

Para finalizar, um alerta: é importante lembrar que somente pessoas qualificadas e habilitadas podem pro- duzir essas maravilhas, que nos encantam em diversos festejos cívicos e religiosos.

Sugestão para leitura RUSSEL, M. S. The chemistry of fireworks. (London: Royal Society of Chemistry, 2000.)

VEJA MAIS NA INTERNET

>> FIEDLER, H. ‘Fogos de artifício – química maravilhosa no céu’ (com versões em inglês e espanhol): http://bit.ly/oH1jvK

>> PIMENTEL, R. ‘Uma festa do barulho’. Ciência Hoje das Crianças, CHC on-line: http://bit.ly/tWCovi

Os fogos de artifício existem há séculos, mas a multiplicidade de cores e formas observada nos espetáculos atuais produzidos com esses artefatos foi desenvolvida com base nos conhecimentos científicos acumulados pelos químicos

IMAGEM

FRANK JR