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EDNILSON ALBINO DE CARVALHO A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ EM MATO GROSSO (1864 – 1906) Cuiabá – MT 2005

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EDNILSON ALBINO DE CARVALHO

A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ EM MATO GROSSO (1864 – 1906)

Cuiabá – MT

2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA Programa de Pós-Graduação – Mestrado em História

A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ

EM MATO GROSSO (1864 – 1906)

EDNILSON ALBINO DE CARVALHO

Dissertação apresentada à banca

examinadora do Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade

Federal de Mato Grosso, como

exigência parcial para obtenção do

título de Mestre em História sob

orientação da Professora Doutora Maria

Adenir Peraro.

Cuiabá – MT 2005

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FICHA CATALOGRÁFICA C331f Carvalho, Ednilson Albino de A Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso (1864-1906) / Ednilson Albino de Carvalho. – 2005. 180p. : il.. color. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, 2005. “Orientação: Profª Drª Maria Adenir Peraro”. CDU – 662.3(817.2)(091) Índice para Catálogo Sistemático 1. Pólvora – Fábrica – Mato Grosso – História 2. Mato Grosso – Geopolítica 3. Escravos da Nação – Fábrica de Pólvora – Mato Grosso 4. Fábrica de Pólvora – Trabalhadores – Mato Grosso

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Termo de Aprovação

A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ

EM MATO GROSSO (1864 – 1906)

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de

mestre no Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências Humanas e

Sociais – ICHS, da Universidade Federal de Mato Grosso, pela banca examinadora

composta pelos seguintes professores:

Orientadora: Profª Drª Maria Adenir Peraro (UFMT)

Profª Drª Lúcia Helena Gaeta Aleixo (UNIVAG) - Membro externo

Profº Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges (UFMT)

Profº Dr. Osvaldo Machado Filho (UFMT) - Suplente

Cuiabá - MT

2005

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Dedico este trabalho aos meus pais, Adelino

e Devair; a todos os meus Irmãos/as

e sobrinhos/as. A minha esposa

Lucienne e a minha filha

Ana Heloísa, amores

de minha vida.

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Agradecimentos

Muitas pessoas ao longo desta caminhada se colocaram em nosso caminho

ajudando das mais variadas formas.

Mas é imprescindível agradecer especialmente a UFMT, universidade

pública e gratuita, pelas condições que nos permitiram o ingresso e a permanência neste tão

importante programa de pós-graduação em História.

Importante registrar também o apoio e motivação inicial dispensados pela

professora Nancy Araújo. Obrigado pela confiança. Agradeço também ao Professor

Clementino Nogueira, pela ajuda na localização da documentação, quando, à época, dirigia

o Arquivo Público de Mato Grosso.

Agradeço a todos os colegas de turma, que muito mais que a contribuição e

socialização das idéias nos debates em sala, nos emprestaram a amizade e a atenção.

Agradecimento especial ao amigo Jeferson Lobato, pela relevante

contribuição na formatação deste trabalho e a meu sogro Rosalvo Siqueira pelo apoio e

empréstimo dos equipamentos.

Não poderia deixar de agradecer o apoio da direção e colegas da E.M.R.E.B.

Nossa Senhora da Penha de França. Meus agradecimentos aos moradores do Coxipó do

Ouro e ao cabo Aguiar responsável pelo campo de treinamento do Exército, muito obrigado

a todos/as.

A cada professor/a, pelos ensinamentos de cada disciplina e, em particular, à

coordenação do Programa de Mestrado em História, que bravamente ajuda a mantê-lo em

crescimento a cada ano, muito obrigado.

Aos professores Osvaldo Machado Filho e Lúcia Helena Gaeta Aleixo pelas

valorosas contribuições ao nosso trabalho dadas na Banca de Qualificação, os nossos

sinceros agradecimentos; agradecemos também ao Professor Dr. Otávio Canavarros, pelas

sugestões dedicadas a nossa pesquisa e ao Professor Dr. Fernando Tadeu de Miranda

Borges agradecemos por ter aceitado o convite para compor a banca examinadora.

Quero fraternalmente agradecer ao Deputado Federal Carlos Abicalil, pelo

apoio ao permitir a adequação do horário de trabalho em sua equipe, contribuindo assim

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para a conclusão desta pesquisa. Agradecimentos que estendo a todos os colegas de

trabalho de Cuiabá e Brasília.

Sirvo-me também deste texto para devotar minhas homenagens e gratidão a

minha mãe Devair Graciano de Carvalho e ao meu pai Adelino Albino de Carvalho, que

com sacrifícios criaram (8) oito filhos, ensinado-nos a ser gente, nos dando exemplos com

valores nobres da vida de pessoa simples, lutando e torcendo para ver os filhos

conquistando melhores condições de sobrevivência.

Deus me deu nesses últimos anos muitos presentes maravilhosos, entre eles

a minha esposa Lucienne Alves Correa, a quem quero agradecer pelo apoio, carinho,

compreensão e amizade. E a minha filha Ana Heloísa Correa Carvalho, que mesmo ainda

com seus três meses de idade nos fortalece com seu sorriso meigo de criança feliz.

Agradecemos também à Professora Mestra Tereza Ramalho de Azevedo

Cunha do Departamento de Artes do Instituto de Linguagens, UFMT, que não poupou

esforços na confecção das ilustrações, reconstituindo com grande talento, que lhe é próprio,

as edificações da Fábrica de Pólvora do Coxipó.

Generosidade, dedicação, são palavras imprescindíveis para falar o quanto a

orientação da Professora Doutora Maria Adenir Peraro foi importante para que pudéssemos

desenvolver e concluir esta dissertação.

Depois de muitas adversidades, quase terminando o período que já havia

sido prorrogado, foi através de diálogo franco, aberto, com total apoio da Professora Maria

Adenir que conseguimos avançar mesmo que de forma modesta para a conclusão deste

trabalho.

É com prazer que atribuo a ela o êxito desta pesquisa, também por ter nos

acompanhado desde a graduação e depositou a confiança necessária em nossa pessoa,

depreendendo trabalho que em muito ultrapassa as obrigações de orientação, com boas

doses de profissionalismo regadas com muita generosidade. Professora Doutora Maria

Adenir Peraro, os meus profundos agradecimentos.

Estendo esses agradecimentos a todos os meus familiares que neste

momento comemoram conosco mais esta conquista.

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RESUMO

Este trabalho de pesquisa tem por objetivo analisar a Fábrica de Pólvora do Coxipó que funcionou na Província de Mato Grosso no período de 1864 a 1906, período este que também elegemos como nosso recorte temporal, delimitado assim a nossa pesquisa do início da construção e funcionamento com produção de carvão para o Arsenal de Guerra de Mato Grosso; conserto dos estoques de pólvoras avariadas dos depósitos da Província de Mato Grosso, produção de pólvora, até o encerramento das suas atividades na primeira década do século XX.

A Fábrica de Pólvora do Coxipó foi instalada a dois Km da Vila do Coxipó do Ouro, e situada aproximadamente 25 Km da Cidade de Cuiabá, à margem direita do Mirim.

As fontes selecionadas são essencialmente as correspondências dos diretores da Fábrica de Pólvora para com os Presidentes de Províncias e com o Ministério dos Negócios da Guerra, além dos relatórios dos Presidentes de Província e do Estado de Mato Grosso e relatórios do Ministério dos Negócios da Guerra do Império. Palavras-chave: Geopolítica - Fábrica de Pólvora - Escravos da Nação.

ABSTRACT

The aim of this research is to analyze the Coxipó’s Powder Plant that operated in the Mato Grosso province in the period of 1864 to 1906, when they chose it as their temporal record, thus delimited their beginning research and operation with the powder production to the Cuiabá’s War Armory; the fixing of powder supplies damaged of deposits of the Mato Grosso province, powder production, until the closing of its activities in the first decade of 20th century.

The Coxipó’s Powder Plant was installed 2 km from the Village of Coxipó do Ouro, and it was situated about 25 km approximately of the City of Cuiabá, to the right edge of the river Coxipó Mirim.

The selected sources are essentially the letters of the directors of the Powder Plant with the Presidents of Provinces and the Ministry of Businesses of War, beyond the Presidents reports’s and the State of Mato Grosso, and reports of the Ministry of Businesses of War of the Empire. Keywords: Geopolitics - Powder Plant - Enslaved of the Nation.

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...............................................................................................................11

INTRODUÇÃO....................................................................................................................15

CAPÍTULO I

A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ NA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO E A GEOPOLÍTICA IMPERIAL................................................................................................26 1.1. A Fábrica de Pólvora do Coxipó na Província de Mato Grosso....................................27 1.2. A posse e a criação da Capitania de Mato Grosso........................................................ .30 1.3. Os marcos geopolíticos................................................................................................. .35 1.4. Mato Grosso e a Guerra com o Paraguai.......................................................................41 1.5. As vias de comunicação por terra................................................................................. 43 1.6. Aspectos da economia mato-grossense na segunda metade do século XIX.................47

CAPÍTULO II

A CONSTRUÇÃO DA FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ.....................................62 2.1. Primeiras tentativas de criação......................................................................................63 2.2. Fábricas de Pólvora em outras províncias do Império brasileiro..................................69 2.3. Arsenais de Guerra do Exército e da Marinha: aspectos gerais....................................74 2.4. A Fábrica de Ferro de Ipanema.....................................................................................80 2.5. Os Arsenais da Marinha................................................................................................83 2.6. A Fábrica de Pólvora do Coxipó: instalação, produção e trabalho................................86 2.7. O processo de fabricação da pólvora.............................................................................95 2.8. Índice da Prancha de Ilustrações da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso................................................................................................................................113

CAPÍTULO III

FÁBRICA DE PÓLVORA: Escravos da Nação e trabalhadores livres.............................115 3.1. A Fábrica de Pólvora, trabalhadores e vizinhanças.....................................................116 3.2. No interior da Fábrica, encarregados, diretores e trabalhadores..................................118 3.3. Na Fabrica de Polvoras, Flores ...................................................................................137 3.4. As Ruinas , Memórias de um lugar .............................................................................148

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................156

SIGLAS E ABREVIATURAS...........................................................................................160

GLOSSÁRIO......................................................................................................................161

FONTES IMPRESSAS E DIGITALIZADAS...................................................................162

FONTES MANUSCRITAS................................................................................................164

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................169

ANEXOS.............................................................................................................................174

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Índice de Ilustrações

IL. 1. Gravura contendo imagem do Porto Estrela, Rio de Janeiro, século XIX..................71 IL. 2. Foto com imagem da Fábrica de Pólvora da Estrela, Rio de Janeiro, século XIX .....73 IL. 3. Foto contendo imagem de uma estativa (lançador) de foguetes austríacos, final do século XIX............................................................................................................................78 IL. 4 . Composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década de 1860..................................................................................................................................88 IL. 5. Foto com imagem das Ruínas da Fábrica de Pólvora do Coxipó................................94 IL. 6. Prancha de ilustrações da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Técnica: desenho à Nanquím sobre papel; dimensões do original: 47 x 57. Autora: Tereza Ramalho de Azevedo Cunha, Profª do Departamento de Artes, IL, UFMT. Mestre em comunicação e semiótica, PUC/SP...............................................................................................................................114 IL. 7. Gravura com imagem de escravos de ganho, século XIX ........................................133 IL. 8. Foto com imagem de parede das ruínas da Fabrica de Pólvora do Coxipó ..............150 IL. 9. Foto com imagem do Rio Coxipó ............................................................................152 IL. 10. Foto com imagem da Vila do Coxipó do Ouro.......................................................155

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Índice de Quadros

Quadro 1 - População da Província de Mato Grosso nos anos de 1849, 1855 e 1862..........28 Quadro 2 - Demonstrativo da produção açucareira de Mato Grosso em 1796.....................48 Quadro 3 - Estabelecimentos fabris voltados à produção açucareira de Mato Grosso em 1796.......................................................................................................................................59 Quadro 4 - Fábricas de Pólvora nos períodos Colonial e Imperial de 1720 a 1909..............69 Quadro 5 - Custo médio por arroba de pólvora no Rio de Janeiro, 1868 a 1869..................72 Quadro 6 - Equipamentos e Oficinas da Fábrica Pólvora do Coxipó.................................106 Quadro 7 - Relação dos Encarregados e Diretores da Fábrica de Pólvora do Coxipó........119 Quadro 8 - Relação de operários destinados à Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1864.........121 Quadro 9 - Relação dos empregados da Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1875...................122 Quadro 10 - Relação dos Escravos da Nação, da Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1869.....123 Quadro 11 - Demonstrativo das gratificações aos Escravos da Nação a serviço da Fábrica de Pólvora do Coxipó, 1869. ..............................................................................................126 Quadro 12 - Tabela de salários da mão-de-obra livre empregada em Mato Grosso...........127 Quadro 13 - População Escrava na Província do Amazonas. Distribuição percentual por profissão declarada, 1872....................................................................................................130 Quadro 14 - Relação dos Escravos da Nação alugados a terceiros.....................................140 Quadro 15 - Relação dos Escravos da Nação na Fábrica de Pólvora do Coxipó e configuração das famílias, 1871..........................................................................................142 Quadro 16 - Relação de menores Escravos da Nação e responsáveis, 1869.......................146

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APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa tem por objeto de estudo a Fábrica de Pólvora do Coxipó na

Província de Mato Grosso entre os anos de 1864 a 1906, conformando em recorte temporal

que obedece ao período de início da construção, efetivo funcionamento e encerramento das

atividades.

O presente trabalho de dissertação de mestrado intitulado, A Fábrica de

Pólvora do Coxipó em Mato Grosso (1864 a 1906), que ora apresentamos à Banca

Examinadora, percorreu um longo percurso até chegar a este estado. O interesse por este

objeto de estudo iniciou em 2001, quando das atividades no magistério da Escola

Municipal Rural Nossa Senhora da Penha de França, localizada na Vila do Coxipó do

Ouro1 a, aproximadamente, vinte e cinco quilômetros de Cuiabá. Até então, havia ouvido

falar da Fábrica muito vagamente. Esse interesse tomou forma, no ano de 2002 ao estudar

a disciplina Prática de Pesquisa. Atendendo a exigência da elaboração do projeto de

pesquisa de final de curso de graduação em História pudemos realizar as primeiras

pesquisas sobre a Fábrica de Pólvora do Coxipó, sob a orientação da professora Mestra

Nancy de Almeida Araújo.

Após o término da graduação, continuamos a pesquisa levantando e

localizando documentos, como por exemplo, os quadros que demonstram a formação

familiar entre os Escravos da Nação e a gratificação dos mesmos. Essa pesquisa, propiciou

uma compreensão maior sobre o início do Fábrica de Pólvora do Coxipó.

No segundo semestre de 2002 fizemos a disciplina: História e Presente,

ministrada pelo Professor Pio Penna Filho. Essa disciplina possibilitou a compreensão de

alguns aspectos históricos condicionantes na relação dos Países da região Sul,

particularmente do Prata, quando amadurecemos a idéia de pleitear o ingresso no mestrado

para desenvolver o projeto apresentado ainda na graduação.

Com o ingresso no Programa de Pós-Graduação, na Linha de Pesquisa I:

“Territórios e Fronteiras: Temporalidades e Espacialidades”, passamos a levantar de forma

sistemática, nos arquivos da cidade de Cuiabá, documentos sobre a Fábrica de Pólvora do

Coxipó e informações a respeito de fábricas de pólvora que pudessem ter existido em outras

1 Ver mapa político do Estado de Mato Grosso, em anexo.

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províncias do Império. Passamos, a partir de então, a nos guiar por questões que a esparsa

documentação encontrada até aquele momento deixava entrever:

a) A edificação da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso por parte do

Império veio desempenhar, e ou atender, um papel geopolítico de defesa nesta Província

fronteiriça diante de um eminente conflito na região platina?

b) Quem era os trabalhadores empregados para desenvolver as atividades

implementadas a partir da instalação da Fábrica de Pólvora e como eram estabelecidas as

relações de trabalho? Havia distinção nas atividades de trabalho entre os trabalhadores

livres e os Escravos da Nação, no interior da Fábrica? Como eram definidos e diferenciados

por parte das autoridades os Escravos da Nação dentre os demais escravos?

c) Por fim, quais foram os principais fatores que levaram ao encerramento das

atividades desta Fábrica de Pólvora?

A partir de então, passamos a definir dois eixos para o desenvolvimento da

pesquisa: a Fábrica de Pólvora e a geopolítica Imperial voltada para a fronteira oeste e

platina; os Escravos da Nação no âmbito do regime escravista brasileiro da segunda metade

do século XIX.

Assim, ao eleger a Fábrica de Pólvora do Coxipó, como objeto da nossa

pesquisa, objetivamos investigar o contexto histórico que propiciou a construção e

instalação da Fábrica de Pólvora do Coxipó a partir de 1864 até o momento em que foram

dadas por encerradas suas atividades no ano de 19062.

2 Elegemos o ano de 1906 como referência cronológica por marcar o encerramento definitivo da produção de pólvora e também por trazer, coincidentemente, com esse episódio violento nas disputas pela hegemonia no controle político de Mato Grosso travado por suas oligarquias, que também de certa forma relacionava-se com a Fábrica de Pólvora do Coxipó.

Neste contexto, dois grupos disputavam a hegemonia política em Mato Grosso no alvorecer da República. De um lado liderado pelo coronel Generoso Ponce e do outro o Grupo dos Murtinhos que havia rompido com o coronel Antônio Paes de Barros proprietário da usina Itaicy e que ocupava a Presidência do Estado. A facção dos Murtinhos organizou a coligação Mato-grossense para fazer oposição ao Presidente Totó Paes de Barros. A luta se travou sanguinolenta até o dia 30 de julho; o presidente Totó Barros recebeu ultimatum, o intimando a se render dentro de 24 horas. O presidente Paes de Barros aguardava recursos que lhe enviara o Governo e a República de uma brigada sob o comando dogeneral Emilio Dantas Barreto, com a finalidade de restabelecer a ordem e apoiar o Governo Legal. Na noite de 1º de julho, burlando a vigilância da força inimiga, o coronel. Paes de Barros rompeu o cerco da cidade e se refugia na Fábrica de Pólvora do Coxipó do Ouro, onde aguardava a chegada do general Dantas Barreto para regressar à capital. In: Rubens de Mendonça. Historia de Mato Grosso, p. 93.

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A referida Fábrica foi construída a dois quilômetros da Vila do Coxipó do

Ouro, outrora denominada de Arraial da Forquilha3, ou ainda, terra dos Indígenas Coxiponé

no Distrito do Coxipó do Ouro e situada na margem direita do rio Coxipó. Neste local,

estão localizadas as ruínas da Fábrica de Pólvora do Coxipó, ambiente do nosso estudo4.

Esta região era ocupada pelos Índios Bororo, que particularmente na

depressão cuiabana foram denominados Coxiponé, habitantes das margens do rio Coxipó -

Mirim, onde viviam da coleta, da caça, pequenas plantações e principalmente da pesca.

Este povoado iniciado em 1719 foi ampliando-se até 1722, ocasião em que

acontece a transferência de quase toda a população para as “lavras do sutil”. No entanto

afirma Estevão de Mendonça5 que “a povoação de Forquilha floresceu com o seu agregado

de ranchos de pau a pique até o ano de 1772”. No período de construção e funcionamento

da Fábrica de Pólvora do Coxipó é então retomado esse processo de ocupação atraindo

muitas pessoas seja para o trabalho direto na fábrica ou mesmo nas chácaras e sítios do

entorno6.

Este trabalho apresenta de forma sucinta as coordenadas gerais da Província

de Mato Grosso na segunda metade do século XIX.

Esta breve apresentação permitirá que busquemos no âmbito dessas

coordenadas, questões importantes e ainda não inteiramente solucionadas à época, pelas

autoridades imperiais e provinciais, defensores do regime Imperial, tais como; os marcos

fronteiriços e dissídios com os países de repúblicas vizinhas, particularmente com o

3 A sesmaria “Paragem Forquilha”, fora concedida em 1788 e é a primeira cessão das terras oficialmente para particulares, sendo que boa parte do entorno do pequeno aglomerado de casas, vai se firmar como chácaras de recreio. 4 Contam os moradores mais antigos que uma empresa inglesa trouxe três dragas para Mato Grosso, sendo que uma delas (com dezesseis funis, movida a vapor e mais tarde a óleo), revirava o leito do Rio Coxipó de cima a baixo, até 1930. Ainda hoje a estrutura de ferro fundido, com 20 metros de extensão, pode ser visitada, ancorada a uns dois quilômetros da Vila do Coxipó do Ouro. MOREIRA, Maria Izabel Werner. A dimensão ambiental no currículo escolar através de temas geradores de ensino escola rural-região do Coxipó do Ouro. (Dissertação de Mestrado); Cuiabá: UFMT, 1999. 5 MENDONÇA, Estevão de. In. Revista o archivo - Coleção facsimilar completa 1904 - 1906. Fundação Júlio Campos. Col. Memórias Históricas, Várzea Grande MT. 1993. Vol. 3, p. 96. 6 O processo de ocupação bandeirantista da região do Coxipó do Ouro, foi descrito por BARBOSA DE SÁ, desde o percurso de chegada da primeira bandeira no Rio Cuiabá e a subida pelo Rio Coxipó Mirim, os confrontos com os povos indígenas que habitavam a região até a fixação e a conseqüente formação do Arraial, levantamento da Igreja, como o símbolo da conquista. BARBOSA DE SÁ, José. Relação das povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios até os presentes tempos (1775), Cuiabá: SEC/UFMT. 1975, p. 12-13.

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Paraguai, as tensões advindas do desafio latente em apresentar soluções, seja pela

manutenção, seja pela extinção da mão de obra escrava e a formação do mercado de

trabalho, com base em formas de trabalho assalariado.

Somam-se a isso, ainda, os antigos e latentes desafios, já colocados aos

administradores e proprietários de terras da Província de Mato Grosso e comerciantes,

desde a crise da mineração, a partir do final do século XVIII, no sentido de que soluções

pudessem ser encontradas para os fatores que entravavam o desenvolvimento econômico da

Província, tais como: a carência de recursos públicos, a dependência quase que total de

verbas do governo central, a inexistência de uma via de comunicação permanente e segura

com a Corte, situada no Rio de Janeiro, que permitisse o barateamento dos custos dos

transportes de mercadorias e o “isolamento” com o restante do Império7.

Em se atentando para o primeiro aspecto, o de limites das fronteiras e da

geopolítica imperial na segunda metade do século XIX, tal análise permitirá que

observemos, ainda que em contextos diferenciados, um “prolongamento” da política

colonial metropolitana portuguesa dos séculos XVI ao XVIII no resguardo de seus

domínios contra a invasão dos espanhóis. Trata-se aqui de situar a geopolítica do Império

brasileiro frente às repúblicas vizinhas e como se reorganizou internamente na Corte e nas

Províncias, particularmente na Província de Mato Grosso para, juntamente com a República

da Argentina e do Uruguai, travar nos anos de 1864 a 1870, com a República do Paraguai,

um dos maiores conflitos bélicos já ocorridos na América do Sul.

Trata-se ainda de observar se a construção da Fábrica de Pólvora do Coxipó,

como parte dessa reorganização do Império brasileiro nas Províncias e, particularmente, de

Mato Grosso veio constituir-se em um dos mecanismos eficazes ou não, de solução para

gerar uma independência econômica no tocante à fabricação de armas e de materiais para a

guerra, pelo menos no momento de duração do conflito.

7 Sobre o chamado “isolamento” de Mato Grosso, tese defendida por representantes da elite local para justificar o atraso econômico e cultural em relação às demais regiões brasileiras, foi tenazmente contestada por historiadores, a exemplo de LENHARO, Alcir em: Crise e mudança na Frente Oeste de Colonização. Cuiabá: EdUFMT, 1982.

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INTRODUÇÃO

Para uma melhor compreensão da narrativa que propomos fazer no intuito

de efetuar estudos sobre a Fábrica de Pólvora e o processo de fabricação de pólvora em

Mato Grosso torna-se importante uma breve análise sob a indústria brasileira no período

Imperial. Para tanto, torna-se necessário à compreensão de que a economia brasileira estava

assentada primordialmente no setor agrário-exportador, com lastros cada vez mais

predominantes por parte da lavoura cafeeira, que fazia largo uso do trabalho escravo.

Observamos que a transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808

e as medidas adotadas com o intuito de dinamizar a indústria nacional não foram suficientes

para garantir e fortalecer o nascente setor manufatureiro.

Mesmo após a independência do Brasil, ocorrida em 1822, a situação da

indústria permaneceu inalterada, como decorrência, principalmente, de que novos tratados

acabaram por demonstrar, na prática, a preferência da Corte Luso-brasileira para com os

produtos vindos do exterior e pelo enraizamento de questões estruturais no

desenvolvimento industrial brasileiro.

Entre essas questões estruturais as mais importantes são: a escravidão, o

sistema deficitário e rudimentar dos transportes, o desenvolvimento técnico, o latifúndio, a

inexistência de mercado consumidor e de bancos que propiciassem a movimentação de

empréstimo e de crédito.

Desta forma, o setor secundário encontrava os mais variados entraves para

se desenvolver, conseqüentemente, desempenhava um papel completamente irrelevante na

economia do país. No entanto, havia também algumas iniciativas sendo adotadas, mas que

não alteravam de forma significativa esse quadro. São observados, entretanto três surtos de

desenvolvimentos ocorridos no período imperial.

Um primeiro surto que surge no setor secundário, ocorreu em meados do

século, quando culminou uma combinação de fatores favoráveis. Mesmo com as

conseqüentes dificuldades.

Dos fatores que favoreceram esse primeiro surto de desenvolvimento,

destacamos dois: o primeiro deles foi a reforma tarifária de 1844, que pôs fim ao

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liberalismo que perdurava até então. Embora o objetivo da nova tarifa fosse eminentemente

de cunho fiscal ela acabou tendo um efeito protecionista, vindo a facilitar o

estabelecimento de algumas manufaturas. O segundo fator favorável para o surgimento do

surto industrial da metade do século XIX, foi a decretação do fim do tráfico negreiro, em

1850.

Lembramos que já no inicio do século XIX, mais precisamente nos anos de

1806 e 1807, a Inglaterra havia extinguido o tráfico de escravos para as colônias e abolido a

escravidão em 1833. É neste período que os britânicos intensificam o combate ao comércio

negreiro fora de suas possessões. O Brasil era, nesta época, o maior importador de escravos

africanos e, neste caso, a atenção britânica concentrou-se sobre este situado nos trópicos.

O Brasil passa a sofrer pressões ainda em 1810, quando o Lorde Strangford,

representante da Inglaterra junto ao governo de D. João, então príncipe regente, se dispôs a

colaborar no combate ao trafico escravista, restringindo a atuação dos negreiros

portugueses nas colônias de Portugal.

Já em 1825, com a Inglaterra reconhecendo a independência do Brasil foi

assinado um tratado em que o Brasil se comprometia em extinguir o trafico de escravos em

três anos, além de ter ratificado os tratados de 1815 e 18178.

Entretanto, apenas em 1831, o governo brasileiro cumpria a sua parte no

acordo, proibindo a importação de escravos negros. Mesmo assim, não cessou o comércio

que tornou ilegal e com isso aumentava também a repressão inglesa contra as atividades

dos traficantes.

Com isso foram surgindo sucessivas questões diplomáticas e crescendo a

tensão entre Brasil e Inglaterra. Em 1845, o parlamento britânico aprova uma Lei Bill

Aberdeen, que levou o nome do Ministro Inglês, Geoge Aberdeen. Esta lei autorizava aos

tribunais ingleses tomar conhecimento e julgar qualquer navio que fizesse tráfico de

8 Em 1815, durante a realização do congresso de Viena, a Inglaterra consegue a aprovação de uma proposta que abolia o comércio de escravos em todo o hemisfério norte, o que retirava do Brasil o grande manancial de escravos representado pelas colônias portuguesas no norte da África. O combate aos navios negreiros aumenta, agora amparado em norma legal. Em 1817 D. João concede à Grã-Bretanha o direito de visita, com ele os navios da marinha inglesa passa a vistoriar em alto-mar, qualquer navio suspeito de transportar escravos, num prazo de 15 anos a partir da completa extinção do tráfico negreiro. Sendo que Portugal se comprometera a extingui-lo o mais breve possível.

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escravos africanos em contravenção à Lei de 1831. Após muitas pressões internas e

externas, em 1850 foi sancionada a lei “Euzébio de Queiroz”.

Segundo SUELY QUEIROZ9, com a proibição do tráfico negreiro, é

intensificado o comércio interno no Brasil e o norte torna-se o grande centro abastecedor de

escravos. O tráfico interno provincial cria rapidamente uma vasta rede de interesses e,

embora pouco se conheça sobre a sua organização, as raras descrições a respeito sugerem a

continuidade de muitas das brutais características do comércio negreiro com a África.

Paradoxalmente, se a transferência de braços de escravos, trazia grandes

prejuízos ao norte do país, não resolvia os problemas das províncias do café. Com um

número de mulheres menores que o de homens, a reprodução não supria as necessidades e

com as práticas cruéis ensejadas pela escravidão, muitos morriam de fome e outras

adversidades do tempo. Desta forma, a saída para a busca de novos braços era o estímulo à

imigração estrangeira.

Há um entendimento de que o fim do tráfico teve o mérito de liberar os

capitais, antes empregados no comércio de escravos, permitindo que esses se dirigissem

para as atividades urbanas, inclusive, para investimentos produtivos10.

SOARES observa que além da ampliação de mercados propiciada pelo boom

cafeeiro e pelo súbito crescimento populacional de meados do século, algumas iniciativas

estatais constituíram em fatores de estímulo ao crescimento industrial, em particular das

manufaturas11. Entre esses fatores o autor destaca três, por sua relevância, quais sejam:

- O processo de reformulação da política alfandegária realizada, em 1844,

pelo Ministro da Fazenda, Manoel Alves Branco, que estipulou a cobrança de uma tarifa de

30 % ad valorem para a maioria dos produtos industriais importados;

9 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra no Brasil. São Paulo, editora Ática, 1989, p. 44. 10 De acordo com CAIO PRADO JUNIOR, após a decretação do tráfico negreiro, em 1850, já começa a ser observada de forma nítida a expansão das forças produtivas brasileiras. Acrescentam ainda, que no decênio posterior, podem ser observados os índices deste crescimento: fundam-se no curso dele 62 empresas industriais, 14 bancos, 3 caixas econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8 de mineração, 3 de transporte urbano, 2 de gás, e finalmente 8 estradas de ferro. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976, p. 192. 11 SOARES, Luiz Carlos. A Escravidão Industrial no Rio de Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: (Artigo), ICHF/UFF. Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas Caxambu, MG, 2003. ABPHE; www.abphe.org.br/congresso2003/textos.

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- A extensão a todos os estabelecimentos de grande porte da isenção do

pagamento de direitos alfandegários sobre as matérias-primas importadas, medida também

adotada por Alves Branco em 1847;

- E a concessão pelo Estado Imperial de subvenções a alguns

estabelecimentos de grande porte12.

Desta forma podemos verificar a dimensão do crescimento industrial de

meados do século XIX, através dos seguintes dados:

Em 1852, foram classificados como “fábricas” pela Câmara

Municipal da Corte, 419 estabelecimentos, enquanto que no

ano de 1861 o Almanak Laemmert apresentava uma relação de

1.146 “fábricas”13.

Na segunda metade do século XIX, como já mencionamos, outras atividades

industriais, artesanais e manufatureiras, mesmo que de forma complementar, podem ser

destacadas: a metalurgia com a fundição de ferro, a fabricação de tecidos, a construção

naval, a produção de charque, a produção de fumo, a fabricação de corda, a produção de

anil, a produção de sal e a fabricação de azeite utilizado na iluminação pública.

Ainda havia as oficinas domésticas que fabricavam tecidos em teares que

chegaram a ter certa importância no Maranhão e no Pará14.

Pequenas metalúrgicas surgiam, mesmo em áreas de mineração, propiciando

a fabricação de ferramentas, machados, pás, facas, panelas, ferraduras e outras demandas

que iam aparecendo, possibilitando, inclusive, a ampliação da força de trabalho.

Entre esses estabelecimentos e atividades, apenas um pequeno número

poderia realmente ser considerado como estabelecimentos manufatureiros de grande porte,

constituindo-se a grande maioria em oficinas artesanais.

12SOARES, Luiz Carlos, op. cit., p. 4. 13 SOARES, Luiz Carlos, op. cit., p. 5. 14 Antes da determinação de D. Maria I para o fechamento dessas manufaturas no Brasil, elas chegaram até a exportar uma pequena produção para Portugal. Lembramos que outrora a Coroa portuguesa, colocava-se contra o desenvolvimento da produção manufatureira no Brasil, visto que isto poderia ocasionar uma diminuição no fluxo comercial em mãos dos mercadores metropolitanos.

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A construção de estradas de ferro pode ser considerada como parte das

transformações importantes a partir de 1870, pois veio permitir:

Reduzir o custo do transporte e liberar escravos empregados

nas tropas de mula para a lavoura de café. Paralelamente, a

mecanização do beneficiamento do café também liberou

escravos para os trabalhos na plantação15.

Deste modo, a indústria nasce como um desdobramento da economia

exportadora capitalista e ainda como parte da acumulação comandada pelo capital

mercantil nacional16.

Alguns historiadores têm dado atenção ao trabalho de cativos nos ramos

industriais, destacando que em produções mais gerais, os escravos eram empregados em

ramos industriais “desenvolviam tarefas que exigiam certa especialização”.

Dentre eles destacamos aqui Luiz Carlos Soares17, em sua obra escravidão

industrial no Rio de Janeiro do século XIX, em que ainda que pouco apresente análises para

o emprego da escravidão industrial em outras regiões do país, traz à tona importantes

aspectos para a discussão e compreensão do trabalho escravo como integrante da história

dos trabalhadores brasileiros. Aponta, ainda, que os escravos trabalharam em várias

atividades da indústria, incluindo a mais importante, a Fábrica de Pólvora do Império18.

Não obstante esta constatação, ao longo dos tempos, o trabalho do cativo foi,

por parte das elites dominantes, relacionado com o braçal, ou seja, apenas para os serviços

não – especializados reproduzindo alguns dos estereótipos utilizados por aqueles que,

15 GREMAUD, Amaury Patrik, SAES, Flávio Azevedo Marques e TONETO JÚNIOR, Rudinei. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997, p. 31. 16 GREMAUD, Amaury Patrik, SAES, Flávio Azevedo Marques e TONETO JÚNIOR, Rudinei, op. cit., p. 31. 17 Luiz Carlos Soares (ICHF/UFF) em seu artigo “A Escravidão Industrial no Rio de Janeiro do século XIX” . 18Para SOARES, antes dos anos 1840, predominavam no panorama industrial do Rio de Janeiro as pequenas indústrias, ou mais precisamente as oficinas artesanais, algumas manufaturas de maior porte conseguiram se estabelecer, empregando algumas dezenas de trabalhadores livres e escravos, como era o caso da Fábrica de Pólvora da Lagoa, estabelecimento estatal que, já nos anos 1810, empregava por volta de 100 escravos (transferido em 1833 para o Município de Estrela), e de algumas manufaturas chapeleiras que empregavam, mais modestamente, entre 30 e 40 operários nos anos 1830. Mesmo que maiores estabelecimentos industriais vão surgir somente na segunda metade do XIX. SOARES, op. cit., p. 2.

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dentro dos princípios liberais, defendiam a colonização e o emprego maciço do trabalho

livre na indústria, considerado de melhor qualidade. Se o trabalho livre era associado às

pessoas brancas, por outro lado o trabalho “braçal” era do cativo.

Soares considera que o emprego de escravos em oficinas manuais era

artesanal, pois “cada trabalhador era responsável pela realização de todas as etapas

necessárias à confecção de um determinado produto. Já as manufaturas, pela sua maior

dimensão, requeriam uma certa divisão do trabalho”, implicava realizar tarefas

especializadas: os trabalhadores escravos desenvolviam as mesmas tarefas que os

trabalhadores livres, demonstrando habilidade, perícia e destreza, qualidade estas

indispensáveis ao processo manual de trabalho vigente19.

Uma obra que nos permite discutir a relação entre o trabalho escravo e o

trabalho livre é Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil - séc. XVIII,

de PETER EISENBERG, que traz valiosas considerações acerca da chamada transição

destacando que há uma continuidade entre o regime de trabalho do escravo e o regime de

trabalho de um homem livre - o proletário20.

Neste sentido, no Brasil como em diversas outras sociedades agrícolas que

usaram o trabalho escravo, quando se fala em transição para o trabalho livre, salienta o

autor, que não se deve pensar numa conversão dramática, através da qual o escravo, isto é,

um trabalhador que se supõe às vezes ser mero meio de produção, desaparece subitamente,

para surgir em seu lugar um trabalhador que é dono de si, dono de sua própria capacidade

ou força de trabalho21.

O enraizamento da escravidão no Brasil por mais de 300 anos, favoreceu

para que esta instituição não só predominasse em setores importantes da economia, como,

para atender as exigências das especificidades históricas, diferenciou-se em várias

modalidades, como por exemplo, o negro de ganho, o negro de aluguel, o escravo

19 SOARES, op. cit., p. 2. 20 EISENBERG, Peter L. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil - séc. XVIII. Campinas: Editora da UNICAMP, 1989, p. 187. 21 EISENBERG, Peter L. op. cit., p. 188.

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assalariado, o escravo pago por produto, e até, no vocabulário da época, o escravo

“capitalista”, que ganhava um tipo de juros sobre o dinheiro que emprestava22.

EISENBERG distingue para tanto, as semelhanças e diferenças entre

trabalho escravo e trabalho proletário, para evidenciar sua coexistência destacando a

presença de elementos comuns às duas relações. Primeiro, a necessidade que ambos têm de

trabalhar e produzir excedente; segundo, é a existência inicial da coerção; terceiro, no

Brasil os dois eram adquiridos no mercado; em quarto lugar a necessidade de supervisão;

em quinto, a ilusão a que são submetidos quanto ao trabalho necessário à sobrevivência e o

excedente que é aproveitado pelo patrão.

Em relação às diferenças entre o trabalho escravo e o trabalho proletário o

autor faz as seguintes observações: em primeiro lugar as diferenças jurídicas - na lei

política e administrativa da colônia e dos s, o escravo é encarado como simples objeto -

uma coisa que faz parte do patrimônio de outra pessoa, enquanto o trabalhador livre é

plenamente caracterizado como pessoa perante a lei. Paradoxalmente a sociedade

escravocrata para se defender de escravos criminosos se vê às vezes obrigada a reconhecê-

lo como pessoa também que responde pessoal e diretamente pelos delitos que comete.

Em segundo lugar, desde as campanhas abolicionistas, as diferenças mais

comentadas entre escravo e livre no Brasil têm sido aquelas que supostamente demonstram

como e quando a escravidão era perniciosa para a vida econômica, social e até política do

país. Irracionalidade e ineficiência do trabalho escravo, quando confrontado com o trabalho

livre.

Desta forma, com a coexistência de similaridades nas formas de trabalho

escravo e trabalho livre, observando que ao tratar como transição, pode até prejudicar a

pesquisa, uma vez que a palavra transição por sugerir um processo mais ou menos linear ou

progressivo, quando é possível imaginar que no Brasil oscilava-se entre uma e outra relação

de trabalho conforme determinantes23.

22 EISENBERG, Peter L. op. cit., p. 188 -189.

23 A respeito da questão da “transição” do trabalho escravo para o trabalho “livre assalariado” é também amplamente discutido por LARA, Silvia Hunold. Escravidão, cidadania e historia do trabalho no Brasil In: Projeto História: Revista do Programa de estudos pós-graduados em história e do departamento de história da Pontifícia Universidade de São Paulo: n. o 1981, São Paulo: educ. 1981.

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Partindo destes pressupostos o autor afirma que o escravo constitui uma

antecipação do moderno proletário ou o proletário possível24.

Destacamos a seguir as principais obras utilizadas em nosso trabalho de

pesquisa.

Em nossa pesquisa foi de suma importância a obra Soldados e negociantes

na Guerra do Paraguai, de autoria de Divalte Garcia Figueira, que norteou este trabalho,

pois constituiu-se em um dos raros estudos sobre os empreendimentos militares na segunda

metade do século XIX, com destaque para as fábricas de pólvora vinculadas ao governo

imperial. Este trabalho, além de trazer aspectos do abastecimento das tropas brasileiras na

Guerra com o Paraguai, relacionando-os ao quadro geral da economia do Brasil, com

destaque na produção deficiente de produtos industrializados.

Terra, trabalho e poder, de Vera Lúcia Ferlini, ainda que tenha privilegiado

a fábrica colonial onde era efetuada a produção açucareira, foi-nos importante para

pensarmos a organização da produção no interior da Fábrica de Pólvora do Coxipó.

A obra Na Senzala, uma flor de Robert Slennes, contribuiu sobremaneira

para entendermos a questão da formação das famílias escravas no âmbito da Fábrica de

Pólvora do Coxipó, além de nos inspirar com um dos subtítulos do capítulo terceiro.

Para a discussão dos contextos produzidos pela geopolítica fronteiriça no

Brasil, o livro: Navegantes, Bandeirantes e Diplomatas – um ensaio sobre a formação das

fronteiras do Brasil, de Synesio Sampaio Góes Filho, nos serviu de suporte para trabalhar a

temática da fronteira cujo conceito será por nós utilizado ao longo do primeiro capítulo25.

O poder metropolitano em Cuiabá e seus objetivos geopolíticos no extremo

oeste (1727 a 1752) de autoria obra de Otávio Canavarros, permitiu-nos analisar os

mecanismos utilizados na implementação das ações da Coroa Portuguesa em Cuiabá e

Mato Grosso no século XVIII.

Lúcia Helena Gaeta Aleixo em Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho

livre (1850 - 1888). Ao refletir sobre as condições em que ocorria a utilização da mão-de-

24 EISENBERG, Peter L. op. cit., p. 205. 25 Fronteiras, limites, raias, lindes, divisas, são considerados pelo autor como sinônimos e em trabalhos técnicos, fronteira é faixa de terra - zona pioneira em vários casos - e os outros vocábulos linha divisória. GOES FILHO, Sinesyo Sampaio. Navegantes, bandeirantes, diplomatas: um ensaio sobre a formação das fronteiras do Brasil. São Paulo: Martins Fontes. 1999, p.7.

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obra escrava em Mato Grosso e discutindo as relações de produção, percebeu que, “nesse

período o trabalhador escravo também participava do processo produtivo”.

Luiza Rios Ricci Volpato em Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão

em Cuiabá em (1850 – 1888) traça um quadro da situação de Cuiabá no período da guerra

com o Paraguai, além de discutir como foco principal o cotidiano dos escravos em Cuiabá

na segunda metade do século XIX.

A tese de doutorado de Matilde Arake Crudo, Infância, trabalho e

educação. Os Aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso (Cuiabá, 1842 – 1899),

possibilitou-nos conhecer a organização interna de uma instituição temporalmente ligada à

Fábrica de Pólvora do Coxipó, que estabeleceu estreita relação entre sua estrutura

burocrática, os trabalhadores e a própria produção.

Em Bastardos do Império: família e sociedade em Mato Grosso no século

XIX, Maria Adenir Peraro, possibilitou que refletíssemos a respeito das várias

performances de famílias, como aquelas constituídas pelos homens e mulheres escravos em

Cuiabá do século XIX.

Para analisarmos a questão do desenvolvimento econômico regional no final

do século XIX, examinamos a obra de Fernando Tadeu de Miranda Borges: Do

Extrativismo à Pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso.

Esta obra, permitiu-nos recuperar um conjunto de informações e fontes sobre a economia

de Mato Grosso.

As fontes que utilizamos neste trabalho são principalmente as

correspondências, em forma manuscrita, dos diretores da Fábrica de Pólvora do Coxipó

com os presidentes de Províncias e com o Ministério dos Negócios da Guerra, além de

relatórios dos Presidentes de Província e do Estado.

A consulta aos relatórios dos diretores levou-nos a localizar o termo de

inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó, datado de 1877. Outro documento de suma

importância é o texto escrito por um militar datado de 1910, localizado em um jornal da

cidade de Cuiabá da época, pois permitiu-nos a “reconstituição do cenário da referida

Fábrica”.

Localizamos uma boa parte dessas fontes manuscritas em latas sob a guarda

do Arquivo Público do Estado de Mato Grosso. No entanto a ausência de um catálogo de

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documentos históricos dificultou a localização dos documentos, muitos dos quais,

encontram-se danificados ou mesmo, sem uma seqüência cronológica.

Por sua vez, encontramos maior facilidade na localização dos relatórios dos

presidentes de província, pois, estão microfilmados no NDIHR - UFMT, onde se encontram

à disposição. Nestes relatórios é possível verificar relatos importantes elaborados pelos

presidentes da Província de Mato Grosso sobre a Fábrica de Pólvora do Coxipó, quanto ao

processo de construção, aos orçamentos, as informações a respeito das autoridades que

estiveram na direção da fábrica, dos trabalhadores livres e dos escravos, homens e mulheres

e crianças no interior da Fábrica.

Dispomos também de consultas a algumas páginas na internet, que nos

auxiliou sobremaneira no desenvolvimento da pesquisa. Entre estas páginas destacamos a

da Universidade de Chicago: wwwcrl.uchicago.Edu/info/brazil, em que localizamos os

relatórios dos presidentes de províncias, relatórios dos Ministérios, especialmente do

Ministério dos Negócios da Guerra e imagens da Fábrica de Pólvora da Corte.

Como fonte iconográfica este trabalho apresenta uma Prancha composta de

um conjunto de ilustrações elaboradas a partir da documentação levantada. Esta prancha

descreve o funcionamento e as experiências da Fábrica de Pólvora, levando-se em conta os

aspectos circunscritos a ela: topológicos, formais e ambientais.

Apresentaremos a seguir os três Capítulos que integram a presente

dissertação.

O primeiro Capítulo, denominado A Fábrica de Pólvora do Coxipó na

Província de Mato Grosso e a geopolítica imperial, analisa as coordenadas da política

metropolitana portuguesa de expansão das fronteiras na América durante o século XVIII,

quando ocorreu a criação da Capitania de Mato Grosso no ano de 1748. Tal análise permite

que observemos o prolongamento dessa política ao longo da segunda metade deste século e

durante o século seguinte, quando o Império brasileiro, juntamente com a República

Argentina e do Uruguai, travaram um conflito bélico com a República do Paraguai,

conhecido como Guerra com Paraguai.

No segundo Capítulo, intitulado A construção da Fábrica de Pólvora do

Coxipó, tratamos do abastecimento de pólvora e sua utilização no âmbito do Império

brasileiro. O processo de montagem da Fábrica de Pólvora e o seu funcionamento; a relação

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e/ou conexão da Fábrica de pólvora da Província de Mato Grosso com a Fábrica da Corte.

Aqui ainda analisamos as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores livres e escravos no

interior da Fábrica.

No terceiro, A Fábrica de Pólvora do Coxipó: diretores, trabalhadores

livres, e Escravos da Nação, destacamos o perfil dos encarregados e diretores; as

características demográficas dos trabalhadores. Apresentamos as características por sexo,

condição social e econômica assim como outros aspectos demográficos e alguns

apontamentos sobre os Escravos da Nação e sua estrutura familiar e social. Levantamos

também uma discussão sobre a importância da preservação das ruínas da Fábrica de

Pólvora do Coxipó.

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CAPÍTULO I A FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPÓ NA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO E A GEOPOLÍTICA IMPERIAL

Esses longes lugares nesses últimos distantes

onde o cerrado se encarrapicha o homem

sanguessuando sanguessuga

o sumo da terra

Silva Freire

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1.1. A Fábrica de Pólvora do Coxipó na Província de Mato Grosso

Para analisarmos os cenários construídos em Mato Grosso e, por

conseguinte em Cuiabá no período da instalação e funcionamento da Fábrica de Pólvora do

Coxipó, no início da segunda metade do século XIX, faz-se necessário observar aspectos

peculiares da demografia, da economia e da fronteira que, somados, nos permitem ter um

molde da feição desta parte do extremo oeste brasileiro.

A Província de Mato Grosso, neste período, não dispunha de concentrações

populacionais significativas quando comparadas a determinadas províncias como São

Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Com exceção desta última, as

demais podiam usufruir dos benefícios de localização em áreas litorâneas. Entre esse as

facilidades de comercialização e recepção de imigrantes europeus, muito caros para os

governantes, que à época estavam preocupados com a escassez de mão de obra, diante da

Lei Eusébio de Queiroz de 1850, que proibia o tráfico de mão de obra africana para o

Brasil.

Durante as décadas de 1840 e 1850 até meados da década de 1860, a

população da Província de Mato Grosso e da capital como um todo apresentou relativo

crescimento provocado, ao que consta, por fatores favoráveis, relacionados à livre

navegação pelo rio Paraguai. Tratava-se de benefícios advindos de um tratado, o Tratado de

Amizade, Navegação e Comércio, efetuado entre o Império brasileiro e a República do

Paraguai, que possibilitava o livre trânsito das embarcações brasileiras em águas do rio

Paraguai, bem como a presença de navios estrangeiros no circuito fluvial Paraná, Paraguai

e Cuiabá. Esta movimentação portuária se fez sentir, em vários aspectos, a exemplo do que

já citamos relativo ao aumento da população na Província de Mato Grosso e em sua capital.

Possivelmente, decorrente da entrada de imigrantes que passaram a usufruir das viagens

com maior facilidade, conforme podemos observar em dados oferecidos por ALEIXO:

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Quadro 01

População da Província de Mato Grosso e de Cuiabá nos anos de 1849, 1855 e 1862:

Ano Mato Grosso Cuiabá

1849 21.947 47.813

1855 32.128 53.000

1862 37.538 64.000

Fonte: ALEIXO, Lúcia Helena GAETA. Mato Grosso: trabalho escravo e trabalho livre (1850-1888). Brasília: Ministério da Fazenda. Departamento de Administração. Divisão de Documentação, 1984, p. 53.

Mais atraentes devido às facilidades oriundas da criação de companhias de

navegação a exemplo da companhia de navegação do Alto Paraguai no ano de 1858,

importante para a integração da Província de Mato Grosso com o Império e com as

repúblicas vizinhas. As cidades como Montevidéu, Corumbá e Cuiabá contaram a partir de

então com linhas regulares mais rápidas, não demorando mais que trinta dias, a ligação

entre elas.

Estas linhas criavam condições para que as embarcações conduzissem com

maior facilidade, nacionais e estrangeiros, bem como mercadorias entre os portos do Prata,

Rio de Janeiro e Corumbá. Em Corumbá, cidade portuária, localizada às margens do Rio

Paraguai, tais reflexos se fizeram sentir principalmente com a instalação da alfândega no

ano de 1861 em cujo porto, pela profundidade de suas águas, passavam embarcações

maiores, a vapor e a vela, nacionais e estrangeiras.

A abertura da navegação do Rio Paraguai pode-se ainda dizer, veio estimular

a produção de algumas atividades econômicas, que até então cumpria apenas a função de

abastecimento das áreas urbanas e mineradoras, ou seja, o mercado interno, como a

produção do açúcar, a criação de gado, a poaia, o couro.

Há que se ressaltar, no entanto, que a exportação desses gêneros, no curto

período que sucedeu entre a abertura da navegação e o início da guerra com o Paraguai, em

1864, ainda que não tenha garantido que ocorresse a dinamização da economia mato-

grossense. Os produtos exportados, eram basicamente extrativistas e agrícolas e garantiam

rendas para os cofres públicos da Província. Possibilidades animadoras aos proprietários de

terras e comerciantes locais ligados ao comércio de importação e exportação.

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Acenava ainda para estes, com as possibilidades de implementação de uma

efetiva política colonizadora que viesse solucionar a falta de braços na lavoura mato-

grossense, visto que os reflexos da Lei de 1850 sobre as atividades econômicas faziam-se

sentir.

A premência em atrair imigração européia para Mato Grosso insere-se, pois,

em um contexto em que as regiões menos prósperas do encontravam maiores dificuldades

em inserir-se no tráfico interprovincial o que tornava praticamente inviável a aquisição de

escravos. Somam-se ainda as contingências materiais existentes que carreavam a maioria

dos homens livres para as atividades extrativistas e pastoris, propícias ao nomadismo e

menos rígidas em relação à fiscalização imposta aos escravos.

Contudo, o início da Guerra com o Paraguai, em novembro de 1864, veio

recolocar para o Império a emergência de dar solução a um conjunto de problemas que

afetavam determinadas províncias e que diziam respeito, diante do contexto, à questão da

defesa das fronteiras, relegando para segundo plano as demais questões, como a

implementação de uma política colonizadora.

A Província de Mato Grosso, acometida em suas áreas limítrofes pela

invasão das forças paraguaias, redimensionou sua posição geopolítica, valendo-se de

variadas estratégias para a defesa do território.

Antes, de adentrarmos na discussão das medidas tomadas pelas autoridades

para o enfrentamento do conflito bélico em terras mato-grossenses, torna-se importante

fazer um breve percurso a respeito das políticas adotadas pela metrópole portuguesa e

brasileiro, ao longo dos séculos XVIII e meados do XIX, nas áreas onde o referido conflito

ocorreu e, de forma mais ampla, situar a expansão das fronteiras na América durante o

século XVIII, quando da criação da Capitania de Mato Grosso.

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1.2. A posse e a criação da Capitania de Mato Grosso

Foram as descobertas de ouro em Mato Grosso e Goiás, no transcorrer do

século XVIII, que aceleraram a transferência de boa parte da população do litoral em

direção ao interior da colônia, impulsionada desde as descobertas na Capitania de Minas

Gerais no final do século anterior.

A partir das descobertas auríferas na planície ou depressão (Baixada)

Cuiabana e no vale do Guaporé, entre os anos de 1718 e 1734, respectivamente, foram

lançadas as bases para a tomada de posse e ocupação da futura região mato-grossense. A

preocupação efetiva com a fronteira oeste consubstanciou-se na criação das Capitanias de

Mato Grosso e de Goiás em 1748 em uma área, podemos dizer nevrálgica, dos domínios

coloniais ibéricos da América.

Otávio Canavarros, ao analisar o modelo construído pela coroa portuguesa,

sobre as estratégias geopolíticas na região oeste luso-brasileira, comenta que a elevação do

povoado de Cuiabá à categoria de Vila Real, a criação de várias Provedorias e a

transformação da área em Capitania Geral no ano de 1748 são marcos políticos26.

O arraial Senhor Bom Jesus de Cuiabá - fundado em 1719 em decorrência

da descoberta das lavras do Sutil - e a capital passaram a constituir-se nos principais

núcleos de povoamento da capitania. O vale do Guaporé abrigou a antiga capital de Mato

Grosso - Vila Bela da Santíssima Trindade, criada em 1752, às margens do Rio Guaporé

que a partir de então, passou a assumir papel político de interesse crucial para a Metrópole.

A mineração converteu-se na principal atividade econômica no decorrer do século, ainda

que, ao longo da segunda metade do século XVIII, a atividade mineradora já apresentasse

sinais de declínio, como é característico das áreas em que se tem a exploração do ouro de

aluvião27.

Com a fundação de Vila Bela da Santíssima Trindade, os portugueses

acentuam a superação dos aspectos econômicos pelos geopolíticos e o conceito de

26 CANAVARROS, Otávio. O poder metropolitano em Cuiabá e seus objetivos geopolíticos no extremo oeste (1727 a 1752). EdUFMT, Cuiabá, 2004, p. 11. 27 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do Extrativismo à Pecuária: algumas considerações sobre a história econômica de Mato Grosso. 1870 a 1930. São Paulo: Ed. Scortecci, 2001, P.37.

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“antemural” da colônia como um território de “zona protetora” foi se formando para as

minas de ouro e ao mesmo tempo facilitando a expansão territorial portuguesa.

É neste contexto, portanto, que se insere a criação da Capitania de Mato

Grosso pela Coroa portuguesa que buscava a caracterização da posse da região, tornando

mais efetiva a argumentação utilizada pela diplomacia portuguesa do “uti possidetis”28. Sua

implantação estava vinculada aos trabalhos de demarcação do Tratado de Madri”, aos quais

deveria fornecer o apoio necessário29.

Por ocasião das negociações do Tratado de Madri, os portugueses “estavam

em melhor posição no terreno, graças à ocupação territorial realizada em terras extra-

Tordesilhas, na Amazônia e no Centro-Oeste; mas não no Sul, onde a força estava do lado

dos espanhóis”30. Retomemos aqui a política metropolitana portuguesa da ratificação nos

acordos de limites na trilha da sua ocupação nas áreas fronteiriças.

Desde o começo da colonização os portugueses haviam se apossado das

melhores portas de entrada da planície. Pelo sul, existiam as trilhas dos bandeirantes e, no

século XVIII, a rota das monções, que conduzia ao rio Cuiabá e, depois de um percurso

terrestre, ao Guaporé, isto é, ao sul da bacia amazônica; pelo norte, ocupada a foz do

Amazonas (Belém - foi fundada em 1616)31, estava, então, assegurado o acesso. No Centro

- Oeste houve maior resistência à ocupação portuguesa diante da proximidade com os

espanhóis.

Na região sul, apesar da menor dimensão territorial em questão, despertava o

maior interesse dos dirigentes coloniais daquela época, a Colônia do Santíssimo

Sacramento:

A única possessão espanhola do lado atlântico da América do

Sul, teoricamente subordinada ao Vice-Reinado do Peru, mas

na prática gozando de boa dose de autonomia. Em torno do

Prata foi que se deram os conflitos coloniais mais importantes;

28 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 37. 29 VOLPATO, Luiza Ríos Ricci. A conquista da terra no universo da pobreza. São Paulo: HUCITEC, 1987, p. 38-39. 30 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 171. 31 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 172.

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e, depois, no Império, as únicas guerras que envolveram o

Brasil, as do Uruguai, 1820-1821, 1826-1827 e 1864, da

Argentina, 1850-1852, e a do Paraguai, 1865-187032.

Iniciativas se deram da parte de Portugal para fazer do Rio da Prata a divisa

meridional do Brasil. Uma foi a falsificação geográfica tão convincente, que se difundiu

por outros países europeus. Desde os mapas de Pedro Reinel e Lobo Homem, ambos de

1519, toda a região da foz do Prata foi deslocada para leste, de tal maneira que ficasse

integralmente na parte lusa da divisão de Tordesilhas. Outra foi a política de ocupação do

atual sul do Brasil. Antes da fundação de Colônia, foi muito relevante o estabelecimento do

núcleo irradiador de Laguna (1676); depois a fundação, em 1737, da colônia militar de

Jesus, Maria e José (Rio Grande), no único local possível - o canal de deságüe da lagoa dos

patos - da costa sem portos de 700 km. Mas o fato mais notável foi a grande imigração

organizada pela Coroa, na década de 1740, que previa o transporte de 4.000 casais

açorianos para Santa Catarina e Rio Grande33.

Por ocasião da união ibérica (1580 a 1640) foi criada a Capitania do Cabo

Norte (o atual Estado do Amapá ampliado) para os portugueses em 1637, eram os

portugueses que estavam em Belém, pois assim a defesa contra os holandeses, franceses e

ingleses na área, só poderia ser feita por eles. Felipe IV da Espanha criava explicitamente

direitos lusoS ao setentrião amazônico.

Para a assinatura do Tratado de Madri em 13 de janeiro de 1750, os

portugueses buscavam negociar “um tratado equilibrado, que, a custa de ceder no Prata, se

necessário, conservasse a Amazônia e o Centro-oeste e criasse, no Sul, uma fronteira

estratégica que vedasse qualquer tentativa espanhola nessa região, onde a balança de poder

pendia para Buenos Aires. Alexandre de Gusmão34, ao defender o Tratado mais tarde, em

1751, afirmava que sua finalidade era de: Dar fundo grande e competente... arredondar e

32 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 176. 33 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 177. 34 Alexandre de Gusmão nasceu em Santos, entre 1730 e 1750 foi o secretário particular de D. João V, e nessa condição teve grande influência nas decisões de Portugal sobre o Brasil. Foi o primeiro a defender o princípio do uti possidetis e das fronteiras naturais, que norteou o Tratado de Madri.

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assegurar o País35. Já para a Espanha o objetivo primeiro era parar de vez a expansão

portuguesa, que comia gradativamente pedaços do seu na América do Sul; depois, reservar

a exclusividade do estuário pratense, evitando o contrabando da prata dos Andes, que

passava por Colônia.

Neste particular, Alexandre de Gusmão ao redigir as principais propostas

para o Tratado de Madri, insere a seguinte, que talvez seja a que mais se destacou:

As colunas estruturais do acordo seriam os princípios do uti

possidetis e das fronteiras naturais, assim referidos

respectivamente no preâmbulo: cada parte há de ficar com o

que atualmente possui e os limites dos dois domínios... são a

origem e o curso dos rios, e os montes mais notáveis36.

A Espanha concordou em ceder os estabelecimentos que possuía na margem

direita do Guaporé onde hoje estão as ruínas do Forte Príncipe da Beira e que antes era a

missão jesuítica de Santa Rosa. Em compensação ficou com o ângulo formado pelos rios

Amazonas e Japurá onde havia um forte português, ancestral de Tabatinga.

A deterioração entre as coroas portuguesa e espanhola, provocada na

Espanha, pela ascensão, em 1760, de Carlos III, um opositor ao acordo, e em Portugal, pela

consolidação do poder de outro, o Marquês de Pombal, foi seguramente causa importante

da rápida morte (aparente) do acordo. Pombal era contra o tratado de Madri porque não

concordava com a cessão da Colônia do Sacramento, numa atitude nacionalista e apreciada

então à época.

Em 1761, os dois Estados assinaram o Tratado de El Pardo, pelo qual, como

reza o próprio texto do acordo, o Tratado de Madri e os atos dele decorrentes ficavam

cancelados, cassados e anulados como se nunca houvessem existido, nem houvessem sido

executados37. O Tratado de El Pardo apenas criava uma pausa durante a qual se esperaria

o momento propício para um novo ajuste de limites, voltando às incertezas do Tratado de

35 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 185. 36 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 185 - 186. 37 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p.193.

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Tordesilhas. O que acontece no decorrer de 1777, ano em que D. Maria I sobe ao trono e

inicia a política de reação ao pombalismo.

Segundo GOES FILHO, a doutrina brasileira desenvolvida no Império se

apegava não ao texto do tratado de Santo Idelfonso, que era provisório, como diz seu título,

e fora anulado pela guerra de 1801, mas sim ao princípio fundamental, que era o mesmo do

Tratado de Madri, o uti possidetis. Por sua vez, o Tratado de Santo Ildefonso assinado em

1777, só serviria como orientação supletiva, nas áreas onde não houvesse ocupação de

nenhuma das partes envolvidas, continuava a doutrina, formulada em sua versão mais

completa pelo visconde do Rio Branco, em memorando apresentado ao Governo argentino,

em 1857, no fundo era a posse, base do Tratado de Madri, que continuava a definir o

território; de certa forma, era a obra de Alexandre de Gusmão que vivia para sempre:

Fora o Acre, o triângulo formado pelos rios Japurá, Solimões

e a linha Tabatinga-foz do Apaporis, e pequenos acertos de

fronteiras - capítulos posteriores à formação do território do

Brasil - foi o Tratado de Madri que legalizou a posse do Rio

Grande do Sul, do Mato Grosso e da Amazônia, regiões

situadas a ocidente da linha de Tordesilhas... ...Além da

permuta da Colônia de Sacramento pela região dos Sete Povos

da Missão38.

Durou, portanto, muito pouco para um tratado de limites e, apesar dessa

curta vigência formal é na História do Brasil o texto fundamental para a fixação dos

contornos do nosso território. Deste modo a implantação da Capitania encontrou, neste

Tratado, as condições que necessitava para não só conter as tentativas de avanço espanhol,

mas tentar ocupar as áreas ainda não ocupadas pelos vizinhos, tornando-se de fato o

antemural do Brasil39.

38 GOES FILHO, Synesio Sampaio, op. cit., p. 164. 39 VOLPATO, Luiza Ríos Ricci, op. cit. , p. 39.

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1.3. Os marcos geopolíticos

Para compreender as preocupações da Coroa portuguesa com a posse,

ocupação e defesa da fronteira oeste, é imperativo que observemos os marcos geopolíticos,

que implicam em distinguir como essas determinações Metropolitanas foram sendo

configuradas em cada tempo e espaço. Neste caso, observamos especificamente aos

aspectos referentes à territorialização engendrada com características distintas em cada

região.

Se por um lado, como afirma Carlos Alberto Rosa, a Capitania de Mato

Grosso foi territorializada sobre o termo da Vila do Cuiabá, a noroeste do termo do Cuiabá

“projetou-se um novo termo para vila a ser fundada no distrito do Mato Grosso. Isso

introduziu dupla espacialização, políticas de colonização diferenciadas para o Cuiabá e para

Mato Grosso”. Desse modo, a capitania foi composta por dois termos, ou repartições40: o

Cuiabá e o Mato Grosso. Para ROSA:

A política de colonização adotada para a repartição do Mato

Grosso atrelou essa parte da capitania aos interesses da

Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão. Isso

impôs à repartição uma vida econômica “estatizada”

(despótica, dizia-se à época). Desdobramentos disso foram a

excepcionalidade de despesas com demarcações da fronteira

nos anos 1780-90, o fluxo de ouro de Goiás para a repartição

do Mato Grosso, o florescimento de “monopólio” de

atividades produtivas na repartição nos governos de Luiz e

João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres41.

Como estratégia para a garantia da posse, foram viabilizadas medidas que

visavam criar estabelecimentos de ocupação com caráter inicialmente militar e,

40 Ver anexo 1, Mapa Repartição do Mato Grosso In: ROSA, Carlos Alberto. O urbano colonial na terra da conquista p. 62- 63. In. A terra da conquista: história de Mato Grosso colonial; (org) Carlos Alberto Rosa. Nauk Maria de Jesus. - Cuiabá: Adriana. 2003, p. 62. 41 ROSA, Carlos Alberto, op. cit., p. 42.

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posteriormente, de povoamento. Ao longo da segunda metade do século XVIII, foram

construídos várias fortificações e núcleos de povoamento nas regiões mais sensíveis da

capitania.

A região do vale do Guaporé passou a ser guarnecida, a partir de 1760, por

um corpo de tropa de 200 dragões, alojados na Fortaleza Nossa Senhora da Conceição,

posteriormente denominada Forte de Bragança. Anos depois, o destacamento militar do

Forte Príncipe da Beira, construído em 1776, à margem direita do rio Guaporé, iria se

responsabilizar pela defesa ao norte da capitania42.

Ainda dentro da estratégia luso-brasileira de ocupação desta região, o Forte

Príncipe da Beira deveria servir também como “instrumento aglutinador das populações

branca, negra e indígena”. Por outro lado, devido a sua disposição e localização geográfica

servir de ponto de apoio e viabilizar o abastecimento da região, através da Companhia de

Navegação do Grão-Pará e Maranhão, cujos comboios percorreriam os rios Amazonas,

Madeira e Guaporé.

Por sua vez, o extremo sul da Capitania interessava a Coroa portuguesa tanto

pelas suas riquezas naturais tendo os pantanais banhados pelo rio Paraguai, como por

razões estratégicas. Primeiro pelo receio de que os espanhóis atingissem o vale do Guaporé

pela bacia do Paraguai e segundo por ser essa uma região intensamente habitada por

populações indígenas, resistentes à presença do homem branco.

Por ordem do então governador capitão-general Luis de Albuquerque de

Melo e Cáceres43, foi construído ao sul da capitania, o Forte de Coimbra e fundados os

povoados de Albuquerque (Corumbá) e Vila Maria (Cáceres), entre 1775 e 1778, como

forma de ocupação e povoamento do extremo sul:

Essas povoações, fundadas à margem direita do rio Paraguai,

permitiram fortificar as frentes de penetração portuguesa. O

Forte de Coimbra deveria cumprir não só a missão de velar

42 PERARO, Maria Adenir, op. cit., p. 27. 43 Capitão-general, Luis de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres governou a capitania de Mato Grosso de 13 de dezembro de 1772 a 20 de novembro de 1789. Administrou a capitania de Mato Grosso por 11 anos e 11 meses, período em que foram edificadas grandes fortificações e fundados povoados como Albuquerque em 1775 ( atual cidade de Corumbá) e Vila Maria de São Luis de Cáceres em 1778 ( atual cidade de Cáceres). Era nobre de alta estirpe, com títulos como o de Quinto Senhor de Insua e de Espinchel.

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pela fronteira, mas também de resistência aos ataques

indígenas na década de 1790. No ano de 1797, ainda com a

preocupação de fortalecer a fronteira sul como medida para

prevenir possíveis invasões castelhanas, foi fundado o presídio

militar de Miranda, região habitada pelos índios Terena, às

margens do rio Apa 44.

Essas construções “militares” permitem que observemos as estratégias

geopolíticas impregnadas cada uma de suas peculiaridades: cercas, muros, baluartes feitos

de troncos, de pau-a-pique ou taipa e torres de pedra. Dessas construções, os fortes se

destacam como os mais importantes e esses se caracterizavam com muitas guaritas e

armamento pesado e pequenas baterias.

Tais empreendimentos construídos para dar materialidade a esta ocupação

geopolítica luso-brasileira eram efetivamente um aparato militar, podendo inclusive ser

observados em sua arquitetura, projetados dentro de uma visão positivista dominante na

época.

Vejamos algumas das características do Forte Príncipe da Beira: após a

expulsão dos espanhóis da margem direita do rio Guaporé foi construído entre 1753 e 1754

a Guarda de Santa Rosa. Esta virou fortim em 1761, mas com a cheia de 1771 foi quase

totalmente destruída. Em 1776 foram iniciadas as obras da nova fortaleza cuja inauguração

em 1783, ocorreu com boa parte das obras em andamento:

Cada um dos quatro baluartes era armado com 14 (quatorze)

canhoneiras - num total de 56 peças de artilharia que

viajaram, aproximadamente, durante três anos para chegar ao

seu destino. Hoje, só existem três: uma nas muralhas e duas na

entrada do quartel vizinho45.

44 PERARO, Maria Adenir, op cit., p. 27-28. 45 COUTINHO. Alexandre. Forte Príncipe da Beira - Rondônia (Brasil) Fortaleza na Selva: aqui começa e acaba o Brasil. www.janelanaweb.com, visita em 30 de julho de 2005.

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No interior da praça forte, um total de 14 edifícios de alvenaria, argamassa e

“pedra canga” abrigavam os quartéis da guarnição e a capela. No centro do terrapleno,

existe um poço que fornecia água aos seus ocupantes. Para Suelme Evangelista, o Forte

tinha a aparência de um castelo medieval ou de uma catedral de pedra, se observado por

fora, com muralha, torres (guaritas) e portas enormes. Sua muralha de pedra canga de 480

metros de perímetro; quatro baluartes tipo Vauban com 14 canhoneiras cada circundado por

um famoso fosso com 2 metros de fundo e 32 metros de largura variável. Sua construção

teve como parâmetro o Forte de São José de Macapá, construído em 1764, embora o

Príncipe da Beira fosse superior em tamanho - o maior em área construída na América

portuguesa46.

Nas dependências internas do Forte eram armazenados produtos da

Companhia Geral de Comércio do Grão - Pará e Maranhão suas guarnições apoiavam as

monções do norte com gêneros alimentícios, soldados, índios e escravos no percurso; seus

cirurgiões e boticários davam assistência à saúde de viajantes. Cumpriu papel de feitoria,

inclusive arrecadando taxas e tributos.

Nas fronteiras litorâneas, tais construções serviam de defesa contra os

ataques dos índios, posteriormente, dos novos invasores estrangeiros; tiveram pouca

utilidade e já no decorrer do século XVIII foram sendo abandonadas, ruíram ou foram

derrubadas devido ao crescimento urbano das regiões litorâneas, onde estavam instaladas.

Podemos ainda elencar que na ocupação desta região a política populacional

adotada era articulada com a política colonial portuguesa de “garantia de fronteira” e tinha

como base a fundação de aldeias e incorporação de índios fugidos das missões jesuítas

espanholas.

Ao incorporar as populações nativas, tanto as que já estavam nas áreas de

ocupação luso-brasileira, os que fugiam das aldeias controladas pelos espanhóis, atendia-se

aos interesses do Estado português à medida que se resguardava e permitia-se assegurar a

posse das fronteiras e preencher os chamados vazios demográficos territoriais47.

46 FERNANDES, Suelme Evangelista. Forte Príncipe da Beira: militares e paisanos. p. 158 -159. In: (org.) ROSA, Carlos Alberto e JESUS, Nauk Maria de. A terra da conquista: história de Mato Grosso Colonial. Cuiabá: Adriana. 2003. 47 A esse respeito ver obra de SILVA, Jovam Vilela. Mistura de cores: política de povoamento e população na Capitania de Mato Grosso - século XVIII. Cuiabá: EdUFMT, 1995.

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A ocupação e defesa dessa região ao longo dos séculos XVIII e XIX,

principalmente a partir da década de 1850, ocorreu com vistas a dar continuidade à política

de resguardo das fronteiras e para tanto povoações e várias obras militares foram sendo

construídas, dentre elas: fortes, estradas, arsenais de guerra e fábricas de ferro e de pólvora.

O que em outras palavras, consistia:

A construção e manutenção de tais obras pelos militares mato-

grossenses significavam para o governo imperial e provincial

a afirmação do poder da autoridade do estado monárquico

perante as repúblicas vizinhas48.

Wilma Peres Costa, ao observar que mesmo que a área de tensão platina

tenha se conformado, durante o período colonial, a belicosidade crônica do Império no

Prata não pode ser entendida apenas como uma “herança” ou um “resíduo” colonial na vida

do Brasil independente.

Para a autora, a referência explicativa reside no processo peculiar da

emergência do Brasil como nação soberana, que desembocou na conservação da unidade

territorial, na implantação da monarquia e na preservação da escravidão, fenômenos

intimamente ligados e relacionados entre si49. Desde a Independência, o Brasil iria

enfrentar a dificuldade de convívio continental de uma monarquia escravista entre

republicas de trabalho livre e essa dificuldade seria vivida de forma intensa na região de

fronteira viva e aberta onde os sistemas confinavam. E neste caso, a ação do governo

imperial no Prata, foi facilitada de certa maneira pelas lutas internas em que estavam

constantemente envolvidos os países da área, os quais em muitos momentos identificavam-

se com a corrente política liberal, aberta ao comercio exterior e a liberdade de comércio

de navegação dos rios 50.

Durante a primeira metade do século XIX, afloraram a partir do quadro

apresentado, conflitos nesta região com a participação direta e indireta do Brasil, dos quais

48 PERARO, Maria Adenir, op. cit., p 50. 49 COSTA, Wilma Peres. A espada de Dâmocles: O Exército, a Guerra do Paraguai e a crise do . São Paulo: Ed. HUCITEC / UNICAMP, 1996, p. 84. 50 DORATIOTO, Francisco. A Guerra do Paraguai. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1991, p. 25.

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destacamos a Guerra da Cisplatina, ocorrida entre 1825 e 1828, que culminou com a

independência do Uruguai.

Logo no inicio da segunda metade do século XIX, mais especificamente em

1851 o brasileiro voltou a intervir no Uruguai, no conflito contra Uribe. A partir desta

ingerência o Império manteve uma posição de neutralidade em relação aos problemas

internos do Uruguai. No entanto, após 12 anos, o governo brasileiro passou a romper a

política de não-intervenção no Uruguai sendo esta intervenção apontada como o estopim

para a eclosão da guerra com o Paraguai, iniciada no final de 1864 até de março de 1870.

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1.4. Mato Grosso e a Guerra com o Paraguai

Aspecto muito importante diz respeito à Guerra da Tríplice Aliança com o

Paraguai. Os avanços das tropas paraguaias, já no início com a ocupação do sul da

Província sem grandes dificuldades, traziam consigo o pavor e a conseqüente

intranqüilidade para os moradores de Cuiabá que temiam pela invasão.

A fragilidade com que a cidade de Cuiabá era guarnecida foi acentuada

principalmente com os boatos advindos sobre os soldados paraguaios, com a pecha da

“selvageria”, para a realização de seus intentos. Com a guerra, acompanhada da

conseqüente interdição da navegação no Prata, a economia de Cuiabá e Mato Grosso ficou

ainda mais fragilizada.

Além de dificultar as comunicações da Capital com a Corte no Rio de

Janeiro, a interdição impôs a Cuiabá um profundo desabastecimento, que ao mesmo tempo

elevava os preços de forma alarmante e conseqüentemente, impondo a fome a uma boa

parcela da população cuiabana. Luiza Volpato ilustra bem essa situação: Em 1866, a venda

de produtos para o abastecimento em Cuiabá atingiu níveis efetivamente extorsivos,

penalizando ainda mais uma população extenuada pelos problemas decorrentes da

guerra51.

Para Domingos Sávio, a alta dos preços dos produtos agrícolas estava

relacionada à escassez dos produtos frente à demanda, já que tal reclamação vai estar

presente em vários relatórios:

Em 1860 desenvolveu-se na província um período de altas

fortíssimas dos preços. O governo provincial recebe ajuda do

governo imperial para comprar alimentos e distribui-los a

preço de custo e por miúdo a classes menos abastadas52.

51 VOLPATO, Luiza Rios Ricci, op. cit., p. 68. 52 GARCIA, Domingos Sávio da Cunha, op. cit., p. 33.

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Essa escassez de alimentos não se dava somente na Província de Mato

Grosso. Ao contrário, era um fenômeno que se desenvolvia em quase todas as s do ,

variando de intensidade de uma para outra.

Para reforçar sua argumentação SÁVIO recorre ao contraponto apresentado

por Sebastião Ferreira Soares que, ao contrapor os argumentos de que a escassez era

conseqüência do fim do tráfico de negros africanos, credita tal escassez, no entanto “ao

desvio de braços da produção de alimentos para a cafeicultura”. Portanto, não seria uma

alta de preços que atingia todas as províncias, de forma generalizada, mas que “variava de

intensidade”, no “Município da Corte, Minas Gerais e Mato Grosso”. No caso de Mato

Grosso a alta seria conseqüência do declínio da produção.

Pelos vários problemas derivados seja do bloqueio, ou mesmo da própria

guerra com destaque para: o bloqueio à utilização fluvial do rio Paraguai, como canal de

exportação do açúcar, couro e poaia para a Corte e mercado platino, resultando em

comprometimento do setor agro-pastoril. Em decorrência desses fatores, a retração da

produção e a escassez passaram a ser constantes na região.

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1.5. As vias de comunicação por terra

A problemática da distância e a precariedade dos transportes ao longo do

século XVIII e XIX, permaneceram na pauta das discussões sobre o limitador da economia

mato-grossense.

Na época da mineração, o transporte em Mato Grosso foi realizado pelas

monções como já mencionado. A rota monçoeira durou até praticamente a metade do

século XVIII e era responsável pela ligação de Mato Grosso com a Corte e o litoral,

propiciando também o início do povoamento e desenvolvimento de diversas localidades em

Mato Grosso.

Com a retomada desses velhos caminhos acabavam por majorar os custos do

transporte pelos riscos de perda de mercadorias e dos animais que faziam parte desse

“comércio da terra” recaindo sobre os negociantes, que pagavam os fretes, onerando a

população como um todo.

Eram repassados aos preços das mercadorias os prejuízos sofridos pelos

negociantes ao final da transação, que abarcava desde a compra e custos da tropa e despesas

com os camaradas, até os riscos de fogo e inundações em viagens, que acabavam por afetar

os animais, causando emagrecimento e perda dos burros. Nesse aspecto, as viagens

terrestres acabavam por influenciar na considerável alta dos preços dos produtos

importados.

Rubens de Mendonça, afirma que além das adversidades os lucros dos

negociantes não estavam totalmente de tudo garantidos, pois:

Sujeito este lucro depois de ano e meio de maçada e risco,

porque os riscos de fogo e inundação em viagem são sempre

por conta do dono, sujeito ainda aos prejuízos que causam

muitas vezes as vendas a prazo a pessoas, que gostam muito de

comprar e pouco de pagar, bichos estes que existem por toda a

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parte do mundo, - aí temos um resultado bem mesquinho ao

negociante de Cuiabá53.

A abertura do primeiro caminho terrestre em Mato Grosso deu-se durante a

década de 1730, fazendo a ligação de Cuiabá a Goiás, a fim de satisfazer uma necessidade

sentida de expansão da mineração.

Alcir Lenharo, diz que apesar de nascer em uma época de proibições de

abertura de estradas, o caminho de terra de Cuiabá vinha satisfazer a necessidade de que a

expansão da mineração acarretou54.

Além da importância da abertura de caminhos terrestres para Mato Grosso,

os rios também tiveram significados na intensificação do povoamento, na criação de

cidades e no estabelecimento de relações comerciais, apesar das dificuldades envolvidas na

sua utilização:

Durante o período provincial, os caminhos terrestres que

existiam em Mato Grosso, apresentavam-se em estado bastante

precário, perecendo ter prejudicado inclusive a intensificação

da produção econômica55.

No entanto, a precariedade em que se encontravam os caminhos terrestres de

Mato Grosso, durante o período provincial, foi acentuada diante das dificuldades

econômicas enfrentadas pelo governo, que sobrevivia recebendo recursos enviados pelo

Tesouro Nacional.

Com a eclosão da Guerra com o Paraguai, a Província de Mato Grosso,

enfrentou grandes dificuldades para sustentar-se comercialmente. Mas o próprio

abastecimento das tropas brasileiras em combate no fronte de guerra, tiveram a questão do

transporte como o principal obstáculo. As mercadorias eram levadas em carroças ou em

tropas de mulas, que chegavam a ter seiscentos animais.

53 MENDONÇA, Rubens. Nos bastidores da história mato-grossense; Cuiabá, UFMT, 1983, p. 88. 54 LENHARO, Alcir. Crise e Mudança na Frente Oeste de Colonização; UFMT. 1981, p 17. 55 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 109.

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Essas viagens eram naturalmente feitas por terra, numa distância de cerca de

quatrocentas léguas (aproximadamente 2,4 mil quilômetros), e em muitos casos os

caminhos não eram bem conhecidos. Atravessavam-se sertões inóspitos, onde nem sempre

havia recursos para alimentação dos animais e das pessoas ocupadas em guiá-los e tratá-los.

Nestas condições o governo recorria aos condutores particulares, apesar de

tudo, ainda havia alguns que aceitavam esse tipo de empreitada. O órgão encarregado de

contratar os condutores de mercadorias era o Arsenal de Guerra da Corte, atividade também

desempenhada pelos presidentes de províncias e até mesmo pelos comandantes militares.

O procedimento adotado pelo referido Arsenal era a promoção de licitação,

que escolhia, entre os poucos interessados, aquele que apresentasse as melhores condições.

E em muitos casos havia problemas na entrega das mercadorias pelas adversidades já

mencionadas.

Por conta dessas dificuldades mencionadas no transporte em Mato Grosso e

com o término da guerra, foi sugerido na Província um estudo que verificasse a viabilidade

da implantação de uma estrada de ferro, que pudesse atender as necessidades da Província.

Os serviços oferecidos pela navegação em Mato Grosso, durante o período

provincial, não dispunham de um atendimento satisfatório, utilizando-se de vapores

pequenos devido à pouca profundidade dos rios, na época das secas, com viagens

consideradas demoradas.

A navegação fluvial em Mato Grosso durou todo o período provincial e

começo do período republicano56. Em 1872, a reabertura da navegação do Rio Paraguai e o

aproveitamento da bacia do Prata para o escoamento da produção mato-grossense, trouxe

um impulso de crescimento às cidades de Cuiabá e Corumbá. Sem duvida, isto coincidiu

com o surto da atividade extrativista da borracha, erva-mate, com a recuperação da pecuária

e com a retomada da produção do açúcar57.

56 A partir de 1914, com a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, começou em Mato Grosso um novo período de intercâmbio comercial. Sua construção decidida em 1904. 57 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. Cit., p. 131.

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Nos primeiros anos da Republica58 a navegação da bacia Paraguai - Prata foi

praticamente à única via de comunicação capaz de escoar a produção mato-grossense a um

valor passível de reduzir o custo de fretes para a exportação.

58 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit. p. 132.

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1.6. Aspectos da economia mato-grossense na segunda metade do século XIX

As condições locais, que se traduzem na ausência de qualquer

tradição de produção industrial, já que a base de sustentação

esteve sempre dada pelas atividades extrativas ou

agropecuárias, não devem ser esquecidas ou relegadas a

segundo plano. O fato de ser Mato Grosso uma região que se

encontra geograficamente distante do litoral, onde se centrou

desde o período colonial a principal força econômica, assume

este aspecto grande importância e peso59.

A economia mato-grossense durante o século XIX, intrinsecamente voltada

para as atividades extrativa e pecuária, atendendo o mercado interno e parte voltada a

atender o mercado externo, tendo pouca relevância, neste caso, o setor industrial. Para que

possamos visualizar melhor essas especificidades, passaremos a elencar em linhas gerais as

atividades produtivas, voltadas ao extrativismo e a pecuária. Dentre as atividades

extrativistas passaremos a destacar a erva mate, a poaia e a borracha. Além dessas

atividades extrativistas apresentaremos aspectos da pecuária e das iniciativas fabris.

A atividade açucareira

Desde os primeiros momentos da ocupação de Mato Grosso já é possível

encontrar indícios da produção agrícola ligada à cana de açúcar. Entretanto o seu

desenvolvimento será melhor observado quando do declínio da mineração na segunda

metade do século XVIII.

59 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Memória histórica da Indústria de Mato Grosso. Cuiabá, FIENT / IEL / UFMT, 1987. p. 37.

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A produção açucareira ao se desenvolver tinha por função abastecer o

mercado interno. O quadro abaixo mostra as localizações geográficas das regiões

produtoras de cana-de-açúcar, aguardente e farinha.

Quadro 02

Demonstrativo da produção açucareira de Mato Grosso em 1796.

Distrito Engenhos Monjolos de

farinha

Cana de

aguardente

Alqueire de

farinha

Escravos

Vila Maria 02 - 150 600 59

São Pedro

D’elrei

02 02 175 280 42

Cocaes 03 - 240 500 66

Rio Acima 05 - 240 1.100 95

Rio Abaixo 02 - 180 - 70

Serra Acima 20 06 4.030 16.400 728

Total 34 08 5.015 18.880 1.060

Fonte: MESQUITA, José de. op. cit.. p. 31.

Por sua vez, a lavoura da cana-de-açúcar passa a sustentar a economia mato-

grossense ao absorver a mão-de-obra escravizada, proveniente da atividade mineradora.

Desta forma, a terra passa a adquirir certa importância também como capital,

de tal sorte que, em 1827 pagava-se em Cuiabá 42 oitavas de ouro por uma sesmaria de

terras cultiváveis. De acordo com CASTRO e ALEIXO, alguns fatores dificultavam o

desenvolvimento da lavoura da cana-de-açúcar destacando-se entre eles os seguintes:

Em primeiro lugar vêm destacar a precariedade dos meios de

transporte e comunicação. A localização dos engenhos nas

proximidades dos rios favoreceu de modo considerável o

escoamento da produção açucareira. Na região de serra

acima, zona da chapada, onde desenvolveu uma próspera

lavoura de cana-de-açúcar, as tropas de burros e carros de

bois utilizavam caminhos e picadas abertas e mal conservadas

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para este fim. A preocupação do governo da província em

1875 para solucionar a questão deste acesso, não se

concretizou60.

A abertura da navegação do Rio Paraguai, em 1856, incentivou a produção

açucareira para a exportação, por um breve período até o início da Guerra com o Paraguai

quando em função do recesso da navegação houve uma retração na produção que somente

após 1872, após a reabertura dessa navegação, se processa a modernização e proliferação

dos engenhos no Rio Abaixo.

Outro fator a ser considerado é a questão da mão-de-obra. O trabalho

escravo que sustentava a produção açucareira tendia a diminuir pela abolição do tráfico

negreiro e pela grande demanda da área cafeeira nas regiões produtoras. Este fato

dificultava o aumento da produção açucareira. No entanto, o movimento abolicionista

trouxe consigo a incorporação do trabalhador livre nacional aos engenhos de cana-de-

açúcar.

O surgimento das usinas em Mato Grosso no final do século XIX deu-se no

mesmo momento em que, em todo o Brasil, os engenhos passavam por um processo de

modernização. Nas maiores áreas produtoras (Nordeste, Rio de Janeiro e São Paulo) esta

modernização deu-se acompanhada pela gradativa substituição do mercado externo pelo

interno, perdendo o Brasil terreno na disputa pelos mercados internacionais.

A expansão do surto imigratório (1880 – 1890) foi um dos

fatores que possibilitaram a transformação dos engenhos em

usinas, deslocando o centro de interesse dos produtores para o

mercado consumidor interno. Expandiu-se a produção durante

os primeiros anos da Republica em função destes dois fatores

conjugados – modernização técnica e aumento do mercado

interno61.

60 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 66-67. 61 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 70.

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A Pecuária

Os primeiros rebanhos bovinos chegaram em Mato Grosso no final da

década de 1730. Esses rebanhos não tiveram maiores problemas e se adaptaram

rapidamente às pastagens naturais de Mato Grosso. Entretanto, mesmo com a existência de

grandes áreas próprias para as pastagens, afirma BORGES62, a pecuária só foi assegurada e

pode consolidar-se com a fundação do Forte de Coimbra, em virtude dos freqüentes

ataques dos índios Paiaguás. Sua consolidação, portanto, apenas ocorreu por volta da

década de 1780, a partir daí, com a implantação das fazendas de gado no pantanal mato-

grossense.

As dificuldades na exploração da criação de gado em Mato Grosso, e

principalmente sua expansão não ficaram restritas às adversidade locais, pois para as

autoridades coloniais também não eram interessante que houvesse o desenvolvimento desta

atividade. Isto porque, da mesma forma que a cana de açúcar, este tipo de atividade

oferecia o “perigo” de absorver a mão de obra e recursos que deveriam estar alocados nas

regiões mineradoras. Além do mais, colocaria em risco o comércio das minas em outras

regiões, que garantiria a drenagem do ouro obtido.

O gado bovino e o muar foram introduzidos na Capitania mato-grossense

por comerciantes paulistas, que obtinham os rebanhos no Vale de São Francisco e no sul da

colônia, transportados pelo caminho terrestre via Capitania de Goiás63:

Os grandes latifundiários mato-grossenses não compunham de

atividades monoculturais; conjugavam muitas vezes, o cultivo

do açúcar, como a criação de gado e da agricultura de

subsistência. Além disso, seus proprietários exerciam funções

de comerciantes e ocupantes de cargos públicos e militares64.

62 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. Cit., p. 75. 63VOLPATO, Luiza Rios Ricci. A Formação do Anti-Mural da Colônia - Dissertação de mestrado; FFC / HLUSP/ UFMT, l982, p.5. 64 VOLPATO, Luiza Rios Ricci, op. cit., p. 10.

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Ressaltamos, que o crescimento da pecuária foi diferentemente responsável

pelo abastecimento interno da Capitania de Mato Grosso, ainda no transcurso do século

XVIII, propiciado pelas condições naturais, como largas extensões de faixas de terras e

pastos em abundância. No entanto, esse crescimento, a partir de 1850, teve que enfrentar

algumas dificuldades que comprometeram a utilização sistemática dos rebanhos de Mato

Grosso. Entre eles, destacamos os seguintes: a epizootia65 ou (peste das cadeiras),

responsável pela dizimação dos rebanhos de eqüinos; a Guerra com o Paraguai, que atraiu

os vaqueiros existentes para o Exército; a deficiência dos transportes e a má conservação

das estradas que ligavam Mato Grosso aos mercados de Minas Gerais e Goiás:

O problema causado na pecuária mato-grossense, pela

epizootia, só foi amenizado com a descoberta do PROTOSAN,

no final do século XIX. Essa invenção, entretanto, não resolveu

de imediato o problema da peste, pelo fato de a utilização do

PROTOSAN não encontrar-se ao alcance do nível técnico dos

trabalhadores, da época66.

Com o saneamento da peste da epizootia, a reabertura da navegação do Rio

Paraguai e a liberação da força de trabalho advinda, com o término, da Guerra, fatos

ocorridos já no final do século XIX, foi que a pecuária assumiu papel representativo no

contexto econômico de Mato Grosso.

Mas esta configuração toma força ainda na segunda metade do século XIX,

quando a criação de gado passa a ser relevante não se restringindo apenas ao atendimento

do mercado regional, passando a atender inclusive parte do mercado internacional. Mato

Grosso firma-se, então, como uma das regiões produtoras do país, atraindo, investimentos

para o setor. Várias charqueadas iriam proliferar em algumas regiões de Mato Grosso.

65 Peste esta que atacou amplamente os animais, principalmente eqüinos, muito utilizados na Fábrica de Pólvora do Coxipó. 66 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 77.

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Essas "fazendas" produziam charque, caldo, extrato de carne, couro e sebo

que eram exportados para a Europa e algumas regiões platinas. Esse é o momento em que

ocorre a expansão do capital dos grandes centros capitalistas para o restante do mundo.

Em Mato Grosso esse capital chega para promover a instalação dessas

empresas. A primeira charqueada instalou-se na região de Cáceres (Descalvado) e seu

proprietário era o argentino Rafael Dei Sar. Mais tarde o saladeiro de Descalvado foi

vendido a uma companhia belga, que o transformou em indústria de extrato de carne.

Posteriormente, essa propriedade foi adquirida pela Brazil Land & Casttle Packing.

Empresa ligada ao sindicato Facquhr (Alemanha).

A produção da pecuária teve seu maior impulso com a construção da

ferrovia Noroeste do Brasil (SP/MT), no período da Primeira República. Na região sul de

Mato Grosso, várias cidades se formaram a partir da ferrovia, dentre elas: Três Lagoas,

Águas Claras e Ribas do Rio Pardo; outras tiveram sua população aumentada, como Campo

Grande, Aquidauana e Miranda67.

O gado, a partir desse momento, passou a ser transportado em pé, do sul de

Mato Grosso para a cidade de Baurú, Estado de São Paulo. Em Mato Grosso, as terras

foram valorizadas, gerando especulação imobiliária.

Erva Mate

Mato Grosso teve sua economia fundada nas possibilidades oferecidas pela

existência de recursos naturais, neste sentido a erva mate68 assumiu, durante longo período,

uma posição de destaque.

67BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 79. 68 Erva mate é uma planta nativa das Américas e do Brasil e, conseqüentemente, familiar aos povos indígenas, que a denominavam “caa”. Analisada em laboratório na Europa verificaram as seguintes propriedades: descansava os músculos, atenuava a fome, possuía função diurética, era rica em alcalóide e era ainda afrodisíaca.

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Oriunda do Paraguai, onde a indústria ervateira, em fins do século XVIII,

era explorada empregando mão-de-obra mestiça com origem nos índios que viviam nos

aldeamentos jesuítas, fora adotada em Mato Grosso utilizando-se dos mesmos processos de

extração guarani. Exploração implantada por Thomaz Laranjeira, logo após a consolidação

das demarcações de fronteiras do Brasil com o Paraguai.

Thomas Laranjeira integrava esta comissão demarcatória objetivando

atendê-la com fornecimentos de gêneros alimentícios e outros suprimentos. Logo este se

familiarizou com a exploração da erva mate nas terras guaranis. Neste sentido, CORREA

FILHO anotou este relato de Thomas Laranjeira, que diz:

No anno de 77 encetei aqui no Paraguay o trabalho de herva

matte, pensando sempre em passar-me para o meu Paiz, logo

que se me consedessem hervaes69.

A partir do final do século XIX, quando se iniciam as atividades da

Companhia Mate Laranjeira S. A., a erva mate passa a se constituir numa das grandes

fontes de renda do Estado70.

A expansão deste produto em Mato Grosso deve-se ao

monopólio de sua exploração, às dificuldades de comunicação

fluvial com o rio da Prata, às ligações de Tomás Laranjeira

com o mercado argentino, além de dispor de grandes ervais

nativos no Estado71.

Sem dúvidas a exploração da erva mate em Mato Grosso, que se estendeu

das últimas décadas do século XIX até meados do século XX, propiciou uma importante

arrecadação tributária aos cofres públicos, contribuindo, sobretudo na ocupação de

69 CORRÊA FILHO, Virgílio. À sombra dos Hervaes Mattogrossenses; Monographias Cuiabanas. Volume IV, São Paulo Editora Ltda. São Paulo, 1925, p. 15. 70 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 103. 71 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 103.

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importantes áreas do sul mato-grossense, fixando desta forma a população em zona de

fronteira, especialmente as de limites litigiosas do Brasil com o Paraguai.

Poaia

Entre as ervas que figuraram na exploração extrativista, mesmo com menor

impacto sobre a economia mato-grossense, está a Poaia, Ipeca ou Ipecacuanha72. Nativa das

regiões úmidas das florestas tropicais da América, com ocorrência no Brasil, Colômbia,

Venezuela, Peru, Equador, Bolívia, Guianas e América Central.

No Brasil a ocorrência da ipeca pode ser verificada nos Estados de Mato

Grosso, Pará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Bahia, sendo que

a maior ocorrência foi em Mato Grosso. Neste caso, com maior incidência entre a região de

Cáceres e Chapada do Parecis, ou seja, nas bacias dos rios Paraguai e Guaporé.

A exploração da poaia conhecida durante o século XVIII, teve sua extração

de forma sistemática e em larga escala somente no século XIX73, quando intensificou a sua

exportação para a Europa, onde ingressava como matéria-prima para a indústria

farmacêutica, com as seguintes características e propriedades:

É um arbusto reto com cerca de 45 cm de altura. As raízes, de

onde são extraídos vários alcalóides, como a emetina são

extremamente aneladas, cujos anéis apresentam-se em alto

relevo e chegam a ter 20 a 40 cm de comprimento. Apresenta-

se ramificadas horizontalmente, o que reduz e facilita o

trabalho do poaieiro na sua extração. As folhas são

geralmente ovadas e verdes escuras74.

72Nome científico: Cephaeles Ipecacuanha. (Psychotria ipecacuanha (Brot.) stokes) 73 SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. O processo histórico de Mato Grosso; UFMT, Cuiabá, 1990, p. 54. 74 MIRANDA, Graci Ourives. A poaia: um estudo em Barra do Bugres; (monografia de especialização) Departamento de História - UFMT, Cuiabá, 1983, p. 12.

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Para a exploração da poaia eram feitos arrendamentos através de empresas

de capital estrangeiro ou nacional. Por se tratar de um trabalho de extração de raiz, os

trabalhadores contratados por essas empresas embrenhavam-se nas matas e ali

permaneciam por cerca de seis (6) meses, sempre em temporadas de chuvas, pois a

umidade do solo facilitava o arranque das raízes.

Como a poaia prolifera em terrenos de mata serrada, seus

trabalhadores tinham a feitoria da empresa como sede central,

local onde poderiam se abastecer de mantimentos e

ferramentas, porém suas residências eram pequenas

choupanas armadas no meio da mata, onde o sol raramente

penetrava. Esses trabalhadores utilizavam equipamentos

especiais75.

Toda produção era recolhida pelos trabalhadores que a levavam para os

barracões da companhia, instalados normalmente no interior das matas, onde também

construíam as feitorias e ranchos de palha que, ao mesmo tempo, serviam como depósito de

mantimentos e também para a moradia dos trabalhadores poaeiros.

Nestes barracões a poaia era ensacada e pesada. Depois da realização desses

serviços os trabalhadores recebiam o pagamento correspondente à sua produção,

descontados os gastos com alimentos, vestimenta, equipamentos e medicamentos vendidos

pelos próprios barracões da empresa.

Esses trabalhadores eram contratados nas cidades, por empresas, para

fazerem a extração das raízes e os salários pagos a eles correspondiam à quantidade de

poaia extraída.

Assim que o trabalhador era contratado verbalmente, ele recebia como

instrumentos de trabalho o sapicuá76 e o saraquá77. O poaeiro recebia também uma certa

75 SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Revivendo Mato Grosso; Cuiabá: CEDUC, 1997, p. 66. 76Recipiente de couro ou lona para transportar as raízes e ferramentas de trabalho. 77 Instrumento usado para retirar as raízes do solo.

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quantidade de alimentos. Esses materiais eram descontados em valor monetário no acerto

do pagamento, gerando uma dependência do trabalhador para com a empresa.

Para a comercialização do produto, entre Barra do Bugres e Cáceres, os mais

afortunados utilizavam lanchas, e os pobres, batelões e canoas. Quanto ao fabrico das

embarcações não havia muitas dificuldades porque a mata apresentava abundância de

árvores de seis metros de comprimento a 1,25 m de largura78.

A extração da poaia se dava no mesmo período em que a economia

extrativista mato-grossense era diversificada com a extração de outros produtos, como a

erva mate, a borracha, etc., como a retirada da poaia dependia da terra úmida, por ser

aproveitada apenas a raiz, tal extração era realizada no período de chuvas, que durava

aproximadamente seis meses. Em período de seca os trabalhadores da poaia eram obrigados

a migrar para a extração desses outros produtos ou buscar seu sustento nas cidades

próximas.

O método de extração da poaia arrancando a planta por completo, as

queimadas e os constantes desmatamentos da região para a expansão da agricultura e para a

criação de gado, podem ser considerados fatores causadores da diminuição e até mesmo, da

quase extinção da poaia nativa.

Borracha

O extrativismo relacionado à seringa em Mato Grosso teve seu momento

inicial no período de 1865 a 1870, na região de Água Fria, no rio Pulador e na região de

Diamantino. O sistema utilizado para a coagulação do látex era a fumigação, mas já em

1872 ocorreu a introdução do processo conhecido como “alúmen”, a esse respeito, escreveu

BORGES:

78 MIRANDA, Graci Ourives. A poaia: um estudo em Barra do Bugres; (monografia de especialização) Departamento de História - UFMT, Cuiabá, 1983, p. 29.

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A primeira amostra de borracha extraída em Mato Grosso foi

encontrada no Rio Preto, afluente do Arinos, pelo negociante,

José Sabo Alves de Oliveira, tendo o destino de Paris em 15 de

dezembro de 1872. a responsabilidade da introdução na

coagulação do látex, do processo de alume, foi do francês

Martim Guilherme, nesse mesmo período, residente na

Província e que passou a comprar o produto extraído, sem

concorrente79.

No ano de 1874 apareceu, pela primeira vez, referências a grandes volumes

de exportação da borracha, extraída nos seringais do Rio Novo e cabeceiras do Rio Cedro.

Foi nesse período que o governo provincial passou a se interessar pela sua exploração. Em

declarações oficiais manifestava-se a intenção de estimulá-la, criando-se condições para

que pudesse ser realizada de maneira mais efetiva80.

A exploração da borracha consolidou-se em Mato Grosso nas imediações

dos Rios Paraguai, Juruena, Arinos, Paranatiga e Alto Tapajós. Seu escoamento se deu

pelas bacias do Prata e Amazonas. A produção de borracha oriunda do Baixo Guaporé, do

Madeira e da região do Baixo Tapajós saía pela Bacia do Prata, bem como a borracha

extraída das margens do Rio Paraguai, nas cabeceiras do Tapajós e do Alto Guaporé,

portanto, a produção mato-grossense era exportada pela Bacia do Amazonas:

A borracha extraída em Mato Grosso foi enviada para o

Amazonas e daí exportada para o exterior, principalmente

para Londres e Hamburgo, onde a parte, exportada pelo

Prata, teve um percurso mais demorado e um custo menor, que

variava de 300$ a 800$ por tonelada, em comparação com a

exportada pelo Rio Amazonas, que atingia uma despesa de

1.500$000 por tonelada81.

79 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 65. 80 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 87. 81 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda, op. cit., p. 67.

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Os impostos eram cobrados em estações fiscais, tanto de Mato Grosso

quanto do Amazonas e Pará, dificultando a comercialização e favorecendo de certa forma o

contrabando para a Bolívia, onde a cobrança de taxas era mínima. Essa taxação realizada

em postos fora de Mato Grosso, por sua vez, possibilitou a não consideração de sua origem

e atribuída à exportação ao Pará e Amazonas, acarretando uma diminuição nas exportações

mato-grossenses.

Para enfrentar a questão do transporte que mais uma vez figura como o

maior problema enfrentado para o escoamento da produção de Mato Grosso, o governo

provincial buscou celebrar um contrato com empresas particulares para construir uma

estrada de rodagem entre os rios: Alegre e Iguapeí, e a navegação dos rios Madeira,

Guaporé, Alegre, Aguapeí, Jauru e Paraguai82. Desta maneira solucionaria o problema da

retirada da produção, ligando com isso as bacias Amazônica e Platina.

Na primeira década do século XX, ocorreu a conjugação de dois fatores de

extrema relevância para a economia seringueira. O primeiro fator diz respeito à queda da

cotação da borracha nos grandes centros consumidores da Europa e dos Estados Unidos;

esta queda de preços foi propiciada em conseqüência da depressão econômica que ocorreu

nestes centros importadores. O segundo fator foi a concorrência com a produção asiática,

realizada de forma sistemática, que diretamente afetou a economia mato-grossense. Logo,

os preços alcançados pela borracha no mercado interno e no exterior não atendiam as

expectativas de lucros desejados pelos investidores, já que estes despendiam um volume

muito alto de recursos.

Os estabelecimentos fabris

As atividades fabris durante o período colonial em Mato Grosso tinham

como base econômica principal a fabricação do açúcar, entretanto, outras atividades

existiam, mesmo que de forma complementar, as artesanais e manufatureiras.

82 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 67.

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Pequenas metalúrgicas surgiam, mesmo em áreas de mineração, propiciando

a fabricação de ferramentas, machados, pás, facas, panelas, ferraduras e outras demandas

que iam aparecendo, possibilitando a ampliação da força de trabalho.

Em 1751, de acordo com CORREA FILHO, já funcionavam em Vila Bela,

treze (13) engenhos de aguardente, três (3) de açúcar e rapadura, já no Distrito de Cuiabá

vinte e quatro (24) engenhos de aguardente, vinte e dois (22) de açúcar e rapadura83.

Já no final do século XVIII, de acordo com as informações descritas por

José de Mesquita84, mesmo a produção dos engenhos não sendo ainda significativa para a

exportação, representou uma produtividade suficiente para abastecer o ainda tímido

mercado interno. Observemos o quadro abaixo:

Quadro 03

Estabelecimentos fabris voltados à produção açucareira de Mato Grosso em 1796.

Distritos Fábricas grandes Fábricas pequenas Escravos

Vila Maria - 02 09

S. Pedro D’ElRei 01 11 49

Cocaes 03 08 68

Porto Geral para cima 03 08 68

Porto Geral para baixo 04 07 96

Serra Acima - 02 10

Total 11 38 300

Fonte: MESQUITA, José de, op. cit. p., 31.

Este quadro demonstra, sobretudo, os engenhos de açúcar, rapadura e

melado, em 1796, distribuídos segundo a classificação de “pequeno” ou “grande”85.

83 CORRÊA FILHO, Virgílio, História de Mato Grosso, Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, vol. 4, 1994, p. 694. 84 MESQUITA, José de. Grandeza e Decadência da Serra Acima. Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso. Tomo 25 / 28, 1930, p. 31. 85 Ao tratar da ocupação das terras destinadas ao abastecimento com gêneros alimentícios á Cuiabá, VOLPATO, faz esta observação: eram também considerados sítios as propriedades que ocupavam de vinte (20) escravos acima. VOLPATO, Luiza Ríos Ricci, op. cit., p. 36.

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Os estabelecimentos industriais proliferaram, produzindo charque, caldo de

extrato de carne, exportando para os mercados europeus e platinos. Em 1884, Manoel de

Almeida Gama Lobo D’Eça, o Barão de Batovy, que governou a Província de maio de

1883 a outubro de 1884, relatava à Assembléia Legislativa: o importante estabelecimento

de propriedade de cidadãos argentinos Jayme Cibels e Buchareo, situado no município de

São Luiz de Cáceres, destinado ao fabrico de extrato de carne e caldo concentrado exporta

em grande quantidade para os mercados estrangeiros:

A expansão do capital dos grandes centros capitalistas para o

restante do mundo acarretou modificações fundamentais para

as economias das diferentes regiões do mundo86.

A instalação dessas empresas estrangeiras, em Mato Grosso, data do final do

século XIX, e a maioria desses estabelecimentos se concentravam nas mãos dos

investidores de capital externo. É nesse período que ocorreram grandes mudanças na

economia no plano internacional, com investimentos estrangeiros realizados em Mato

Grosso.

Com a decadência do surto minerador a agricultura açucareira e a pecuária é

que responderam pela movimentação da economia mercantil mato-grossense:

A economia mercantil permitiu aos comerciantes das lavras

uma relativa acumulação de capital-dinheiro, mesmo as

expensas do monopólio exercido por Portugal. Desta forma

este capital se transformou em meios de produção e de

escravos que lançados no mercado produziam o excedente que

aos poucos foi empregado na aquisição e no cultivo de

terras87.

Esses comerciantes agiam como intermediários, colocavam no mercado os

manufaturados importados a preços compensadores, que se transformavam em alto lucro

86 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 41. 87 CASTRO, Inês e ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta, op. cit., p. 63.

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pelo seu pagamento em ouro. A eles eram, portanto, assegurada uma rápida acumulação de

capital-dinheiro. Este capital aplicado em terras e no cultivo favorecia aos comerciantes

prestígio social e a ampliação de sua atividade econômica, trazendo novas perspectivas de

negócios além do comércio e, também, a produção de gêneros tropicais capazes de

abastecer o mercado consumidor.

É, portanto, do próprio comércio regional que surge o capital para a

aplicação na compra e exploração das terras agrícolas.

Imbricada à questão do desenvolvimento econômico de Mato Grosso, em

todos os períodos de sua história de forma geral, está permanentemente a problemática dos

transportes e é justamente este tema que passamos a discutir a diante.

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CAPÍTULO II A CONSTRUÇÃO DA FÁBRICA DE PÓLVORA DO COXIPO

Organizado de combustão o carvoeiro

se move no rigor da porosidade

que destila a madeira.

Silva Freire

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2.1. Primeiras tentativas de criação

A decisão do Ministério dos Negócios da Guerra do governo imperial de

mandar construir88 na Província de Mato Grosso uma Fábrica de Pólvora, no ano de 1859,

estava relacionada à defesa e à geopolítica desta Província de fronteira. Em outras palavras,

tratava-se de um movimento dado por parte do governo imperial, no sentido de

instrumentalizar esta região de uma fábrica que produzisse um imprescindível suporte

material, a pólvora, a ser utilizado quando assim se fizesse necessário para a defesa da

fronteira.

A construção e o funcionamento da Fábrica de Pólvora do Coxipó estavam

vinculados ao esforço político continuado do luso-brasileiro, de garantia de ocupação e

defesa do extremo oeste, advindo do alargamento das fronteiras do Império. Imbricada

com essa geopolítica de ocupação implementada pelo luso-brasileiro, em especial das

regiões fronteiriças, estava o governo local na Província, que lidava no cotidiano com as

tensões advindas dos conflitos regionais, como observa Maria Adenir Peraro:

No início da segunda metade do século XIX, o Governo

provincial preocupava-se ainda no sentido de resguardar as

fronteiras de Mato Grosso. Essas preocupações, reveladas por

meio dos ofícios trocados entre a Presidência e os

comandantes militares brasileiros, diziam respeito aos limites

com os países vizinhos: Paraguai e Bolívia89.

Se durante os três séculos anteriores e a primeira metade do XIX, as disputas

pelos limites territoriais ocorreram diretamente com a coroa espanhola, na segunda metade

do século XIX, foram as repúblicas platinas que faziam frente ao Império brasileiro. Nessa

88 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, Diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 89 PERARO, Maria Adenir, op. cit., p. 49.

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perspectiva e que as reconfigurações da geografia desta região produzida pela invasão e

pelos sucessivos tratados produziam relações diplomáticas, mas também tensões

permanentes.

Com base nas informações de CORREA FILHO, salientamos que fora

propalado, tempos antes, uma tentativa de instalação de uma nesta região90. Tal iniciativa

não tratava de uma ação isolada e sim articulada com as várias medidas políticas de

ocupação, povoamento e defesa da Capitania de Mato Grosso.

Em 1818, D. João VI91 havia ordenado por Carta Régia, ao capitão general,

nomeado governador da Capitania de Mato Grosso, Francisco de Paula Magessi Tavares de

Carvalho92, que em seguida à posse, fundasse uma fábrica de pólvora:

Convindo ao meu Rel Serviço e aos interesses de Minha Real

Fazenda que na sobre dita Capitania de Mato Grosso para

onde vos achais a partir se fabrique a pólvora que ali for não

só necessária para os diferentes usos da tropa, como também a

que mais se possa consumir pelos particulares nas diversas

aplicações quer na caça, quer dos fogos artificiais, e outros a

que destinar93.

A determinação dada por D. João VI, para a implantação da fábrica de pólvora,

era clara, ou seja, que se fabricasse pólvora para o uso de particulares, para a caça de

animais e para os “fogos artificiais”, no entanto, em primeiro plano, a produção fazia-se

90 CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, vol. 4, 1994, p. 498. 91 1818, fora o ano em que o Príncipe Regente D. João foi coroado rei, com o título de D. João VI. 92 Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho, Barão de Vila Bela – capitão general, nomeado para compor a 3ª Junta Governativa de Mato Grosso, por Carta Régia de 07 de Julho de 1817 tomou posse em 06 de janeiro de 1819 com data de saída em 20 de agosto de 1821. Este período foi marcado pelas disputas entre as elites dominantes de Vila Bela e Cuiabá, situação herdada do penúltimo capitão-general, João Carlos Augusto D’ Oeynhausen e Gravenberg, que fixou residência em Cuiabá. A elite cuiabana, sentindo-se incomodada com o aumento das taxas, planejou sua deposição. As lideranças políticas cuiabanas elegeram então, por conta própria, uma Junta Governativa, presidida pelo Bispo Luís de Castro Pereira. A elite de Vila Bela formou, por sua vez, outra Junta Governativa, como presidente o Vigário José Antônio de Assunção Batista. Jornal Diário de Cuiabá, Edição nº 9916 08 de abril 2001. 93 Carta Régia de Dom João VI ao capitão general de Mato Grosso, Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho. Documento Nº 43 pp- 68v-69. Rio de Janeiro. 15 de maio de 1818, APMT.

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necessária “para os diferentes usos da tropa”. Ao que consta, esta determinação pode

revelar-nos uma preocupação latente do Império para com a defesa da Capitania de Mato

Grosso, e neste sentido, melhor equipar as forças militares existentes na região.

Perseguindo os objetivos que se tinha como necessários para atender a

implantação da fábrica, alegava D. João VI que, até aquela data, as demais Capitanias, no

caso, a de Mato Grosso, continuavam sendo abastecidas pela pólvora manipulada na

Fábrica da Corte do Rio de Janeiro, localizada na Lagoa Rodrigo de Freitas94. E neste

aspecto, alertava para os riscos a que ficavam sujeitas as províncias, pois, não pode este

fornecimento continuar sem um grande risco que tanto mais se aumenta à produção da

distância em que se acha.

As palavras, grande risco e distância, certamente diziam respeito à

dependência a que ficavam sujeitas às províncias do fornecimento e a existência da

distância geográfica, como a de Mato Grosso, cujas viagens entre Cuiabá e o Rio de

Janeiro, como já mencionado anteriormente, levavam aproximadamente 30 dias. E assim,

diante de tais fatores, ou “entre outras” razões, fez por bem que se determinasse a

instalação da Fábrica de Pólvora, e desta forma ordenava ao capitão Magessi que:

Hei por bem, não só pelos sobreditos motivos como pelo mais

ao mesmo respeito me propusestes, ordeno-vos que logo que

chegar à referida Capitania de Mato Grosso, procurai ali

estabelecer a gardes à referida Capitania de Mato Grosso,

procurais ali estabelecer a fazer levantar uma fábrica de

pólvora95.

Para tanto, ordenava que se garantisse os recursos financeiros e as matérias-

primas para o início da efetiva produção de pólvora. A princípio, foram asseguradas 150

arrobas de enxofre pela Junta da Fazenda do Arsenal do Exército Imperial até que as

experiências que obtiverdes correspondam a um tão feliz resultado, que possa ser elevada

94 D. João VI, referia-se à Fabrica de Pólvora Estrela, criada no ano de 1808. 95Carta Régia de Dom João VI ao capitão general de Mato Grosso, Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho. Documento N º43, pp.68-69. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1818.

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a estado de grandeza e perfeição possível96. E prosseguindo, determinava que “as suas

conseqüentes despesas” ficavam autorizadas pela mesma Carta Régia. Mas teria o

governador Magessi de cumprir o compromisso de enviar ao mesmo imperador, as

informações dos primeiros traços que lançardes sobre este estabelecimento as que mais

convierem para o seu prosseguimento e conclusão, disponibilizando a força de trabalho

necessária para a construção e instalação da referida fábrica:

Informar como tudo mais que for a ela concernente. Para que

sendo me tudo presente eu possa resolver o que for servido e

aprovar o que julgar digno de minha real sanção. O que me

pareceu participar-vos para que assim o tenhais entendido e

façais executar97.

Virgilio Corrêa Filho98, ao tratar da situação precária das instituições

militares em Mato Grosso no período de governo do então presidente da Província José

Antonio Pimenta Bueno99, destaca que este nomeou para comandante das Armas o

brigadeiro Jerônimo J. Nunes que, entre outras atribuições, deveria empenhar-se em fundar

uma fábrica de pólvora. CORREA FILHO salienta ainda que uma Fábrica de Pólvora

começou a ser construída, mas não a fazê-la trabalhar, motivo pelo qual foi desmontada

pouco tempo depois pelo Presidente Saturnino, que encontrou–a em abandono100.

Desta forma, no início da segunda metade do século XIX, foi dado

prosseguimento ao projeto anterior e, desta vez, por ordem do Ministério dos Negócios da

Guerra do Governo Imperial Brasileiro que, através da Lei número 1.042 de 14 de setembro

de 1859, ordenou a construção da Fábrica de Pólvora do Coxipó, em Cuiabá, na capital de

96 Idem, Carta Régia de D.João VI. Documento Nº 43 pp- 68-69. Rio de Janeiro 15 de maio de 1818. 97 Idem, Carta Régia de D.João VI Documento Nº 43 pp - 68v-69. Rio de Janeiro. 15 de maio de 1818. 98 CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Volume 4. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, 1994, p. 498. 99 José Antonio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente) era advogado. Foi presidente da Província de Mato Grosso de 23 de agosto de 1836 a 21 de maio de 1837, Nomeado por carta imperial de 05 de novembro de 1835. In: SILVA, Paulo Pitaluga Costa. Governantes de Mato Grosso. Cuiabá: Edição do APMT. 1993, p. 37. 100 CORRÊA FILHO, Virgílio, op. cit. p. 519.

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Mato Grosso101. Neste sentido, o próprio governo imperial contratou no Rio de Janeiro

especialistas para instalar a Fábrica de Pólvora em Mato Grosso, contratando, neste mesmo

ano de 1859, o engenheiro Rodlpho Wachweldt. Wachweldt que havia sido, antes, diretor

do Laboratório Pirotécnico do Campinho, Rio de Janeiro102.

Tendo sido incumbido pelo governo de montá-la o engenheiro

Rodolpho Waenhelot, contratado por 3 anos, e pelo mesmo

dispensado dessa comissão, antes de completar o tempo do seu

contrato, deixando apenas alguns insignificantes edifícios103.

Ainda que no ano de 1861 com a decadência da Fábrica de Ferro Ipanema104

, tenha sido enviado para Mato Grosso um plantel de escravos e tropas com destino

específico à Fábrica recém criada, efetivamente foi apenas no fragilizado ano de 1864, ano

do início da Guerra com o Paraguai, que também foi iniciada a construção das edificações

para montar a referida Fábrica de Pólvora. A confecção da planta obedeceu às mesmas

normas e modelo da Fábrica de Pólvora Estrela, situada no Rio de Janeiro.

As indicações apontadas na documentação em análise, leva-nos a afirmar

que a referida Fábrica de Pólvora do Coxipó fora projetada para produzir pólvora de guerra,

tendo em vista a possibilidade do desencadeamento do conflito bélico com o Paraguai e as

conseqüências daí advindas como as dificuldades no transporte desse material bélico para a

Província de Mato Grosso, tanto pela distância e acondicionamento, como pelo iminente

fechamento da navegação na Bacia do Prata, conforme revelação feita anos depois por um

de seus diretores Celestino Alves Bastos:

101 Adiantamos, porém que a inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó, somente ocorreu no ano de 1877, por fatores relacionados à falta de verbas ou por questões de prioridade da vida política nacional. 102 FIGUEIRA, Divalte Garcia. op. cit. p. 97. O Laboratório Pirotécnico do Campinho era uma dependência do Arsenal de Guerra da Corte e produzia munições e artifícios de guerra. Existia em caráter experimental desde 1852, mas sua criação oficial data de 1860. A partir de 1872, separou-se do Arsenal de Guerra da Corte. 103 Relatório do coronel Raphael Mello Rego, presidente da Província de Mato Grosso apresentado a Assembléia Legislativa da Província de Mato Grosso, em 11 de fevereiro de 1888, p. 12,13. NDIHR / UFMT. 104 A Fábrica de Ferro de Ipanema foi instalada em 1810, por ordem do Príncipe D. João; nos anos de 1850 entrou em decadência, sendo então, desativada.

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O governo idealizando e procurando instalar este

estabelecimento, obedecia a um sensato e providente plano de

defesa da nossa mais longínqua, extensa e talvez mais perigosa

fronteira, o arsenal de guerra, o da marinha, o laboratório e

esta fábrica erão as bases desse plano105.

Concomitante à construção, a Fábrica de Pólvora do Coxipó, passou a

produzir carvão para o Arsenal de Guerra de Mato Grosso106. Dentre outros

empreendimentos, forneceu parte da mão de obra ali empregada para construções de

estradas, pontes e outros serviços nos acampamentos militares, durante a Guerra com o

Paraguai nos anos de 1864 a 1870.

Torna-se importante alertar de antemão que entre a decisão do Ministério dos

Negócios de Guerra que ordenou a construção, em 1859, a inauguração e a instalação da

Fábrica de Pólvora no ano de 1877, transcorreram 18 anos, marcados por graves momentos

para a Província de Mato Grosso e para o Império Brasileiro como um todo, afetados pela

Guerra com o Paraguai e pelas conseqüências dela advindas.

Assim, feita uma sucinta apresentação da criação da Fábrica de Pólvora do

Coxipó, procuramos a partir de então, destacar a relação desta Fábrica com as demais

existentes no país e com os Arsenais de Guerra - o da Corte e o de Cuiabá, criados ao longo

do século XIX.

105 Relatório do diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó, capitão Celestino Alves Bastos. Cuiabá, 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 106 O Arsenal de Guerra de Mato Grosso foi criado no ano de 1832 por meio do Decreto lei de 21 de fevereiro de 1832 e extinto em 1916 ; tinha por objetivo facilitar o abastecimento das tropas militares sediadas na situada em região de fronteira distantes dos centros urbanos do país. A esse respeito ver: CRUDO, Matilde Araki. Infância, trabalho e educação. Os Aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso. (Cuiabá, 1842-1899). Tese de doutorado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. USP. 2005.

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2.2. Fábricas de Pólvora em outras províncias do Império brasileiro

Quando do Decreto Lei de construção da Fábrica de Pólvora em Mato

Grosso pelo Ministério dos Negócios da Guerra, em 1859, várias outras fábricas já tinham

sido construídas e outras foram sendo criadas em diversas províncias, vindo algumas até o

século XX. Desta forma, podemos visualizar no quadro a seguir, as principais fábricas de

pólvora que foram construídas no Brasil já no século XVIII, ao longo do século XIX e no

início do XX.

Quadro 04

Fábricas de Pólvora nos períodos Colonial e Imperial. 1720 a 1909

Fábricas de Pólvora Anos

1 Fábrica de Pólvora da Bahia – Bahia 1720

2 Fábrica de Pólvora de Vila Rica – Minas Gerais 1816

3 Fábrica de Pólvora da Estrela – Rio de Janeiro 1826

4 Fábrica de Pólvora do Coxipó – Mato Grosso 1859

5 Fábrica de Pólvora Cabo – Pernambuco 1861

6 Fábrica de Pólvora Sem Fumaça - São Paulo 1909

Fonte: Busca na internet em vários sítes: www.ipahb.com.br.

De todas as fábricas de pólvora107 construídas no Império brasileiro, a

Fábrica da Estrela foi seguramente a mais importante. Instalada inicialmente na Lagoa

Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, pelo Príncipe D. João, por Decreto de 13 de maio de

1808, foi transferida para as terras das Fazendas Cordoaria, Mandioca e do Velasco,

107 A instalação da Fábrica de Pólvora Sem Fumaça, teve seu início durante o governo Campos Sales, em 1905, foram adquiridas as fazendas Sertão, Estrela do Norte e Limeira, posteriormente Cidade Vieira do Piquete - SP. Dias depois, tiveram início as obras de construção da fábrica de pólvora. Em 15 de março de 1909, foi inaugurada, pelo Presidente da República, Dr. Afonso Pena. A partir de 1909, foi denominada Fábrica de Pólvora Sem Fumaça; em 1936, Fábrica de Pólvora e Explosivos de Piquete; em 1939, Fábrica de Piquete; em 1942, Fábrica Presidente Vargas e em 1977, a fábrica tornou-se empresa mista: IMBEL. Piquete - Cidade paisagem por José Palmyro Masiero. In. www.mauxhomepage.com/piquete/piquete.

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adquiridas em 1826 pela Corte, em 1832 esta fábrica foi transferida para os arredores da

Serra da Estrela.

O imperador D. Pedro I queria que essa Fábrica fosse transferida para um

local com melhores condições, próxima a rios navegáveis e com abundância de água e

madeira, mas mesmo assim, os ministros mostravam-se satisfeitos com a referida fábrica,

pois ela produzia a pólvora de que o país precisava e chegava a vender o excedente para o

mercado interno. No começo da década de 1860, sua produção anual era de 4,5 mil arrobas,

(67,5 mil quilos)108.

Devido à incipiente indústria manufatureira no Brasil, a maioria dos

armamentos, munições, fardamentos, remédios e muitos outros gêneros utilizados para o

abastecimento das tropas nas regiões do conflito, foram importados do exterior, em especial

da Inglaterra ou atendidos pelos estabelecimentos do Estado, mantidos pelo Exército e pela

Marinha109, instalados e, ou reestruturados, para este fim, quais sejam, os Arsenais.

Ao iniciar a Guerra com o Paraguai, a produção de pólvora naturalmente

teve que aumentar e muito. No entanto, apesar dos investimentos feitos, restavam

problemas que impediam a Fábrica da Estrela de atingir seu melhor desempenho, como as

dificuldades na aquisição de peças e aparelhos em falta no exterior. Quanto à premente

necessidade de mão-de-obra para garantir a produção desejada, fez com que, a partir de

janeiro de 1866, o Governo mandasse transferir para a Fábrica de Pólvora da Estrela

todos os Escravos da Nação 110 que ainda restavam no Arsenal111.

Esta Fábrica abasteceu o exército imperial e seus aliados durante a Guerra

com o Paraguai, escoando sua produção pelo porto de Estrela no Rio de Janeiro.

108 FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas / FAPESP. 2001, p. 9. 109 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. p. 89. 110 Os Escravos da Nação eram africanos que, após a proibição do tráfico em 1850, haviam sido apreendidos pela entrada ilegal e encontravam-se sob a guarda do governo imperial. 111 Por aviso de 13 de junho de 1865, fora estabelecido aulas “de letras primárias aos escravos menores” no Arsenal de Guerra da Corte, criando vínculo entre uma gratificação e a possibilidade da aquisição da alforria.

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Ilustração 1. Gravura contendo imagem do Porto Estrela, Rio de Janeiro, século XIX.

Fonte: DIENER, Pablo e COSTA, Maria de Fátima. Rugendas e o Brasil. Ed. Capivara. São Paulo:

2003, p. 108.

A Fábrica de Pólvora da Estrela, além do abastecimento da Guerra, também

enviou alguns profissionais capacitados para fábricas de pólvora de outras províncias. Para

desenvolvimento de atividades relacionadas à produção de pólvora, por outro lado,

constituiu-se em um espaço de treinamento de homens, que para lá eram enviados, com

vista à instalação de outras fábricas de pólvoras nas Províncias mais distantes. A exemplo

da Fábrica de Pólvora do Coxipó, em Mato Grosso, como iremos fundamentar com

documentos mais adiante.

Segundo FIGUEIRA, nos anos de 1868 e 1869112 o custo da pólvora

produzida nesta Fábrica havia subido, em função da elevação nos custos de produção, em

particular, pela alta nos custos do salitre e pelo aumento da mão-de-obra, ou seja, o custo

médio da arroba da pólvora neste período era:

112 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 96.

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Quadro 05

Custo médio por arroba de pólvora no Rio de Janeiro de 1868 a 1869

1º semestre de 1868 11$998

2º semestre de 1868 12$176

3º semestre de 1869 14$365

Fonte: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. p. 96.

Com o fim da guerra, não havendo mais consumo para tanta pólvora foi

preciso reduzir a produção nos anos seguintes, a fábrica iria reduzir mais ainda sua

produção passando de duzentas arrobas mensais para apenas cinqüenta arrobas.

Depois de períodos de muitas crises e tentativas de reativação sem sucesso,

essa fábrica entrou em profunda decadência com o advento da pólvora química113. Vejamos

a seguir, uma imagem de um dos principais prédios da Fábrica de Pólvora da Estrela, Rio

de Janeiro e que passou, certamente por restauração:

113 No ano de 1977, a Fábrica de Pólvora da Estrela, vivia um outro período de crescimento, quando então passou ao Comando da Indústria de Material Bélico do Brasil.

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Ilustração 2. Foto de um dos prédios da fábrica de pólvora da estrela século XIX.

Fonte: www.ipahb.com.br, consulta em 13 de maio de 2004.

Além da Fábrica de Pólvora da Estrela, atuaram diretamente no abastecimento

relacionados à Guerra o Arsenal de Guerra da Corte, o Laboratório Pirotécnico do

Campinho, a Fábrica de Armas da Conceição, a Fábrica de Ferro de São João de Ipanema,

instituições estas, ligadas ao Exército e à Marinha e sobre as quais iremos traçar breves

pinceladas com o intuito apenas de esboçar o panorama em que se encontrava inserida a

Fábrica de Pólvora do Coxipó.

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2.3. Arsenais de Guerra do Exército e da Marinha: aspectos gerais

Segundo Divalte Garcia Figueira114, as mais importantes unidades de

produção mantidas pelo Exército eram os Arsenais, e estes eram regidos por uma Lei de

1832115. Além do Arsenal da Corte, considerado o mais importante de todos, o Exército

mantinha outros Arsenais nas províncias do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Pará e

Mato Grosso116.

O Arsenal da Corte, tem a origem de suas atividades ainda no século XVIII.

Em 1762, Gomes Freire de Andrade, Conde de Borbadela, ordenou a construção, no Rio de

Janeiro, de um prédio que servisse de depósito do “trem de artilharia”, ou seja, do material

bélico usado na defesa da cidade117. É a partir daí que surge a Casa do Trem, ao lado da

qual, pouco depois, foi erguido o prédio para abrigar o Arsenal de Guerra.

Tinha o Arsenal da Corte a função de fornecer para o Exército armamento,

todas as munições de guerra, fardamento e equipamentos ali fabricados ou vindos do

exterior. Era, deste modo, fábrica e depósito.

Articulados ao Arsenal funcionavam, desde o início da década de 1850, os

Conselhos administrativos de compras, cuja função inicial era a de compra das matérias-

primas para os fardamentos do Exército, mas de fato procediam às compras de quaisquer

objetos para consumo dos arsenais. Esses conselhos, teriam tido problemas em seu

funcionamento e eram freqüentes as reclamações quanto às perdas, desvios e outros

problemas.

114 FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas / FAPESP. 2001. 115 O Decreto de 21 de fevereiro de 1823 trazia três regulamentos: o primeiro para a administração geral do Arsenal de Guerra da Corte do Rio de Janeiro; o segundo para a administração geral da Fábrica de Pólvora Estrela e o terceiro para a administração geral dos Arsenais de Guerra provinciais, e armazéns de depósito de artigos bélicos. O terceiro regulamento, em seu artigo primeiro declarava: Além do Arsenal de Guerra da Corte, haverá mais Arsenais de Guerra nas s do Pará, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1873. 3.ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906. In: CRUDO, Matilde Araki, op. cit., p.25. 116 O Arsenal de Guerra de Mato Grosso foi extinto pelo artigo 59 do orçamento relativo a 1915, sendo a notícia informada pelo anuário Commercial almanach matto-grossense de Cuiabá, 1916. A esse respeito ver CRUDO, op. cit., p.25. 117 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 90.

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O Arsenal da Corte era um estabelecimento industrial considerado de grande

porte para o período. Com as novas e maiores necessidades que foram criadas pela Guerra

com o Paraguai, tornou-se indispensável sua ampliação. Vejamos:

Compunha-se de várias oficinas e empregava, no começo de

1861, 505 operários, inclusive escravos. Em 1865, quase dez

anos depois da autorização, as reformas no Arsenal ainda não

haviam sido feitas118.

O início do conflito como relata FIGUEIRA, provocou um aumento repentino

nas encomendas, e foi necessário aumentar a capacidade de produção do Arsenal. Isso

levou, em 1866, a encomenda de mais máquinas e equipamentos e a reforma de suas

instalações. Velhos edifícios foram demolidos para dar lugar a novas construções. Os

relatórios do Ministério da Guerra de 1867 e de 1868 descrevem detalhadamente as obras

realizadas. Este último lembra que, embora ainda faltasse chegar algumas poucas máquinas

das que haviam sido encomendadas à Europa em 1866, o Arsenal estava capacitado a

fabricar peças de artilharia de qualquer calibre.

De acordo com o perfil do Gabinete que assumia o Ministro dos Negócios da

Guerra, variava a política em relação aos empreendimentos militares, em especial os das

províncias. Relata FIGUEIRA que ainda em 1868, o ministro revelava uma preocupação

com as despesas que os arsenais provinciais representavam. Sugere a supressão dos

arsenais da Bahia e de Pernambuco e propõe que se mantenham limitadas as instalações

dos Arsenais do Pará, Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. No entanto, este último vinha

tendo suas instalações ampliadas e já contava com varias oficinas em funcionamento119.

No ano seguinte 1869, o Ministro da Guerra, Barão de Muritiba, informava

que o Arsenal vinha tirando um grande proveito da oficina de fundição, instalada no

princípio de 1868, sobretudo depois que ela começou a fundir diariamente. Com isso,

tornou-se desnecessário contratar a fundição de projéteis de artilharia em oficinas

particulares, onde sempre se recorria anteriormente. Esta oficina, antes do início da guerra

118 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 91. 119 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 91.

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com o Paraguai, nunca havia merecido a devida atenção. Mas após a chegada das últimas

máquinas que o governo encomendara à Europa, em 1866, ela já era a primeira oficina do

Arsenal, e com mais alguns investimentos rivalizaria com a do Arsenal da Marinha.

Para o ministro, fazer a fundição no próprio Arsenal apresentava duas

vantagens: mais rapidez, já que era possível aumentar a carga horária de trabalho, e maior

perfeição dos artefatos, em virtude da maior habilidade no uso da tecnologia militar que só

podia ser encontrada nos trabalhadores dos Arsenais do Estado. Como exemplo dessa

capacidade do Arsenal, o Ministro informava que os últimos canhões de bronze remetidos

para o teatro da guerra haviam sido fundidos nesse estabelecimento.

Apesar de todos esses investimentos, entretanto, o Arsenal ainda se ressentia

de alguns problemas, como a falta de espaços, apontados como causa de muitas

dificuldades, inclusive para a boa fiscalização dos contratos. Devido à forma como os

objetos adquiridos entravam no Arsenal, eles não podiam ser logo verificados, durante a

conferência por vezes muitos dias. Por causa disso, é possível darem-se abusos, que a

melhor fiscalização muitas vezes não pode evitar, como escreveu o ministro em seu

relatório de 1870:

Soa irônica a constatação, feita nesta última data, de que o

Arsenal, que sempre precisara de mais espaço para produzir

para a guerra, necessitasse, agora, de um espaço ainda maior

para guardar o material que começava a voltar da guerra!120.

Um regulamento desatualizado em relação às novas necessidades, é

apresentado como o segundo problema. O que estava em vigor datava de 1832,

ligeiramente modificado por decretos posteriores. Esta circunstância se podia atribuir ao

desânimo nos serviços do Estado e também à falta de concorrência de indivíduos

habilitados para tais empregos. O ministro considerava por isso necessário uniformizarem-

se as tabelas de vencimentos, além de fazer desaparecer a desproporção entre os

vencimentos das diferentes classes de operários 121.

120 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 92. 121 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 92.

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Uma das dependências do Arsenal de Guerra da Corte consistia no

Laboratório Pirotécnico do Campinho que tinha por função produzir munições e artifícios

de guerra. Existia em caráter experimental desde 1852, mas sua criação oficial datava de

1860122. Quanto aos materiais bélicos, utilizados para os experimentos de pólvora123, de

acordo com Homero Fonseca de Castro Adler124, foram, em sua maioria, desenvolvidos no

Brasil a partir de modelos importados como os foguetes austríacos, alemães ou os de Halle,

cuja tecnologia “de ponta” foi dominada no “Campinho”, dependências do Arsenal de

Guerra da Corte no Rio de Janeiro, sem que o governo tivesse que pagar os elevados preços

solicitados pelo inventor.

A imagem fotográfica a seguir se refere à estativa125 de foguetes austríacos,

fabricada no Brasil na segunda metade do século XIX, exemplar único no País e

extremamente raro em outras partes do mundo:

122 Interessante observar que em Cuiabá, segundo Brandão: um laboratório Pirotécnico foi construído em 1852 em frente à igreja São Gonçalo (Segundo Distrito), no local onde hoje se encontra o quartel da polícia militar. Ali eram preparados e montados os cartuchos de munição com pólvora proveniente da Fábrica do Coxipó. In: BRANDÃO, Jesus da Silva. Cuiabá: desenvolvimento urbano e sócio-econômico, 1825-1845. Cuiabá: Ed. Livro mato-grossense, 1991, p. 54. 123 O morteiro para ensaio das pólvoras é um morteiro de bronze de calibre M 0,191, unido a uma plataforma do mesmo metal por uma parte Prismática (linguetta) sendo o tubo fundido de uma peça só. Relatório do Diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó Carlos Theodoro Jose Hugney, ao brigadeiro Hermes Ernesto da Fonseca, Presidente da Província de Mato Grosso, em 6 de julho de 1875. APMT. 124 ADLER, Homero Fonseca de Castro. O Exército e a pesquisa aeroespacial 150 anos de aventuras.www.defesanet.com.br. 125 Estativa era como se chamava a plataforma para lançamento de foguetes que era feito com ferro fundido.

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Ilustração 3. Foto de uma estativa (lançador) de foguetes austríacos, final do século XIX.

Fonte: In: Museu do Arsenal General Câmara - RS www.defesanet.com.br.

O então general Luis Alves de Lima e Silva, Caxias, no começo da década

de 1860, insistia em seus relatórios na conveniência de que o laboratório pirotécnico do

campinho passasse a ser uma dependência da Fábrica de Pólvora, pois era desta que recebia

sua principal matéria-prima, mas isso não aconteceu.

Com o início da Guerra com o Paraguai, produzia cartuchame e cápsulas

fulminantes, inclusive para a Marinha. Suas instalações foram ampliadas com a compra de

novas máquinas:

Em 1868, as obras de ampliação continuaram, e o laboratório

havia recebido, entre outras melhorias, um ramal ferroviário e

uma estação telegráfica. Nele trabalhavam diariamente de

quatrocentos a quinhentos empregados, fazendo munição para

armamento portátil e outros artifícios de guerra. Fabricava

inclusive o cartuchame para as novas armas da marca Spencer

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e Roberts, recentemente compradas nos Estados Unidos. E o

ministro manifestava esperança de que viesse a fabricar os

artifícios de guerra que ainda tinham de ser comprados no

exterior126.

Como conseqüência do fim da guerra, esse laboratório teve reduzido seu

pessoal técnico e, em 1872, houve uma reforma em sua estrutura física, separando-o do

Arsenal de Guerra da Corte.

Uma outra dependência do Arsenal de Guerra da Corte era a Fábrica de

Armas da Conceição, que, apesar do nome, nada fabricava, pois não estava aparelhada para

isso; apenas se dedicava aos trabalhos de conserto e reparação do material portátil. As

autoridades manifestavam a intenção de aperfeiçoar as instalações desta fábrica para que o

estabelecimento pudesse produzir certas peças de armamentos mais sujeitos a extravios,

cuja falta muitas vezes inutilizava uma arma em bom estado, tais como baionetas ou pistões

de ouvidos.

Segundo FIGUEIRA, esses investimentos chegaram efetivamente a ser

feitos, pois o relatório de 1869 já dizia que a Fábrica estava preparada para efetuar o

conserto de toda e qualquer espécie de armamento portátil, em uso no Exército. Mostra

ainda que o concerto de uma arma custava, em média, de seis a sete mil réis. E no

prosseguimento afirma o autor:

Em 1869, consertavam-se duas mil armas por mês, além de

outros trabalhos, destacando-se a produção de armas brancas.

No ano seguinte, a produção aumentou: consertando-se 16 mil

armas, a um custo médio de sete réis. E também foram

preparadas armas, incluindo 3,5 mil lanças para o Exército.

Mesmo com o final da guerra, continuaram a ocorrer

melhorias em obras e equipamentos127.

126 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 93. 127 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 94.

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2.4. A Fábrica de Ferro de Ipanema

A Fábrica de Ferro de Ipanema, também vinha do início do século XIX,

tempo em que, o ainda Príncipe, D. João ordenou sua instalação, em 1810. Apenas por um

curto período esteve desvinculada do Ministério da Guerra. Sua existência foi marcada pela

má administração e pelo prejuízo. Nos anos de 1850, entrou em decadência e no final dessa

década acabou sendo desativada. O relatório ministerial explica a decadência de Ipanema

nos seguintes termos:

Os principais consumidores da fábrica eram os fazendeiros da

província de São Paulo, e de parte da de Minas, que a ela

concorriam para o fabrico de peças do maquinismo de ferro de

seus engenhos, (mas) desde que estes foram montados, e

também desde que os fazendeiros reconheceram que lhes era

de maior interesse a cultura do café, abandonando a cana,

deixara de fazer novas encomendas, e, por conseguinte faltou

à fábrica este não pequeno recurso, e daí também proveio o

decrescimento na sua receita128.

Com as mudanças nos planos do governo imperial, em 1863, quando

começou a admitir a possibilidade de reativar a Fábrica de Ipanema, foi enviada para aquele

local uma comissão de estudo, cujo relatório era otimista quanto à viabilidade daquela

fábrica, por causa da existência de quase tudo o que era necessário. Não era por outra

razão que o ministro da Guerra desse ano, general Polidoro Fonseca Quintanilha Jordão, em

seu relatório, mostrava-se indignado com o estado de abandono e deterioração em que se

achavam as instalações e os equipamentos daquela oficina. Restavam poucos dos 162

escravos que a Fábrica tivera em 1859129.

O Ministro José Egidio, Visconde de Camamú, em 1865, fazia duras críticas

ao projeto de construção da Fábrica de Ferro e de Pólvora na Província de Mato Grosso,

128 Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1858, p. 9. 129 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 97.

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pois, apesar dos gastos já realizados, até aquele momento, nada ainda se fizera130. Decidiu

então, restaurar a Fábrica de Ipanema, nomeando para os trabalhos o coronel Joaquim de

Souza Mursa.

Os desafios iniciais de acordo com FIGUEIRA, foram os de promover a

demarcação do terreno pertencente à Fábrica, o qual em parte havia sido ocupado por

proprietários vizinhos. E para resolver o problema da mão-de-obra, mandaram-se ordens

para a Europa para engajar operários que pudessem servir de mestres em Ipanema.

A questão do combustível, que teria de ser carvão vegetal, configurava-se

outro problema. Para tanto, as autoridades sugeriam o plantio de árvores apropriadas, a

conservação das matas existentes, a compra de madeira dos vizinhos a construção de fornos

de fazer carvão na convicção de que as despesas necessárias para deixar a fábrica em

condições de funcionamento seriam recompensadas pelos benefícios que ela traria ao

governo e à indústria nacional.

Mas esse era um objetivo difícil de alcançar, pois, conforme lemos no

relatório de 1871:

A Fábrica de Ipanema continuava sendo um peso para os

cofres públicos. Apesar de tudo o que já fora gasto, ainda lhe

faltavam, para funcionar, três elementos fundamentais: lenha,

mão-de-obra e equipamentos. As matas eram necessárias para

garantir o fornecimento de carvão vegetal; aquelas que

pertenciam à fabrica eram de pequena extensão. Era preciso,

portanto, comprar mais terras, com o agravante de que os

preços das terras estavam se elevando. Esse problema seria

resolvido no ano seguinte131.

Em 1870 houve uma proposta assinada por autoridades e dentre elas, o

engenheiro André Rebouças, pretendendo arrendar a fábrica por cinqüenta anos. No

entanto, o governo não se interessou pela proposta, preferindo conservar a fábrica sob

130 Relatório do Ministério dos Negócios da Guerra, 1865. In: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 98. 131 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. p. 98.

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administração do Ministério da Guerra, animado pela perspectiva da estrada de ferro que,

em breve, ligaria Ipanema a Santos e à Corte.

Os salários oferecidos eram baixos e não atraiam trabalhadores. O problema

da mão-de-obra era extremamente grave. O ministro lamentava, em 1872, que nem os

escravos libertos, oriundos de outros estabelecimentos do Estado, queriam ir para Ipanema.

Operários contratados, por sua vez, deixavam a fábrica tão logo terminavam seus

contratos, e às vezes antes mesmo de os terminar. E assim sendo:

A solução, mais uma vez, seria recorrer aos trabalhadores

europeus. Com esse objetivo, o próprio diretor, Joaquim de

Souza Mursa, pouco depois, viajaria para Europa, tendo

visitado Bélgica, Suécia, Saxônia, Prossia e Áustria. Pretendia

comprar novas máquinas e também engajar operários. De

fato, ao retornar, trouxe 13 operários, que vieram

acompanhados de suas famílias132.

Quando o conflito começou, o Brasil contava com 45 navios de guerra; ao

terminar, esse numero havia subido para 94, podendo-se avaliar a grande quantidade de

navios que a Marinha teve de comprar, dentro e fora do país, ou de produzir em seus

arsenais.

132 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 99.

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2.5. Os Arsenais da Marinha

Assim como o Exército, a Marinha também possuía seus arsenais. O mais

importante deles era do Rio de Janeiro, que havia sido fundado em 1763, ano em que o Rio

de Janeiro se tornara Capital do Brasil.

O Arsenal da Marinha da Corte era ainda maior que o Arsenal de Guerra,

sendo o principal estaleiro existente no Brasil. O que é compreensível se considerarmos que

a força naval havia sido sempre mais importante que as forças de terra, em virtude da

natureza dos conflitos militares que o país tivera de enfrentar. Lembramo-nos das guerras

de Independência e da Guerra Cisplatina. Assim, além do Rio de Janeiro, a Marinha

possuía arsenais nas províncias de Pernambuco, Bahia, Pará e Mato Grosso. Mas estes,

que nunca tiveram grande capacidade, estavam em decadência, e, como iremos ver, assim

iriam continuar ao longo do período que estamos estudando133.

Os parcos investimentos, numa época em que se operavam importantes

inovações na construção naval (a construção de navios de ferro, por exemplo),

condenavam-nos a uma irremediável desatualização tecnológica.

Em virtude da escassez de recursos, o Ministério da Marinha havia decidido,

desde 1864, concentrar os investimentos no Arsenal da Corte. E mesmo assim tropeçava

em muitos problemas. Um deles, que também afetava o Arsenal de Guerra, era o da

localização. Desde o início da década de 1860, nos relatórios ministeriais, encontramos

com freqüência reclamações quanto à má localização do Arsenal, porquanto ficava exposto

a ataques, e quanto à insuficiência de terrenos, já que era preciso construir novos edifícios.

Ainda que os ministros da Marinha, algumas vezes, colocassem em dúvida a

conveniência de manter os arsenais, segundo FIGUEIRA, em relatórios por eles emitidos

como o relatório de 1864, onde manifesta a opinião de que se devia mantê-los, como

fábricas de governo, porque a iniciativa privada não estava em condições de oferecer os

recursos necessários, mas reafirmavam a intenção de reduzir os arsenais das províncias,

concentrando os recursos no Arsenal do Rio134.

133 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 100. 134 Relatório do Ministério da Marinha, 1864, p. 8. In: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 100.

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Máquinas e equipamentos vieram do exterior para aparelhar o

Arsenal, o que permitia frases como essa fossem pronunciadas

à época: poucas máquinas mais, e uma posição mais

estratégica fariam desde estabelecimento um digno rival dos

melhores da Europa, aos quais excede já na segurança e

perfeição de alguns produtos135.

Era preciso recorrer neste período às indústrias particulares nacionais, pois, as

necessidades criadas pela guerra eram grandes e urgentes, e por isso, apenas o Arsenal da

Marinha não conseguiria sozinho dar conta de todas as tarefas. Por exemplo, a construção

das embarcações Amazonas, Araguary e Marcilio Dias, segundo Ouro Preto, foi realizada

em oficinas particulares, sob a direção e inspeção das oficinas do Arsenal.

O Arsenal de Pernambuco estava em “situação de penúria”, como os da Pará e

Mato Grosso. No caso de Mato Grosso, fora quase que totalmente arruinado pela enchente

de 1865136 e ainda nada havia sido feito para recuperá-lo.

Um último arsenal foi construído no próprio palco da guerra. No curso das

operações militares, muitos navios eram atingidos e precisavam receber reparos. Seria

muito complicado, obviamente, trazê-los até o Arsenal do Rio de Janeiro. Para atender a

essa necessidade, o governo brasileiro determinou a construção de um importante arsenal

na ilha de Cerrito.

Localizada nas imediações da confluência do Rio Paraná e

Paraguai. Mais tarde, acrescentou-se-lhe um laboratório

pirotécnico, para a fabricação de munição. Nesse arsenal,

além de pessoal para os reparos dos navios, havia oficinas de

construção, de fundição, de máquinas etc. foi nele, por

exemplo, que se construiu a locomotiva que operou na ferrovia

do Chaco137.

135 Relatório do Ministério da Marinha, Affonso Celso de Assis Figueiredo. 1868 p. 29. In: FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 104. 136FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 105. 137 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit., p. 105.

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Vale a pena verificar os motivos da existência dessa ferrovia. Quando a

esquadra, a duras penas, conseguira ultrapassar a fortaleza De Curupaiti, ela ficou

estacionada entre essa fortaleza e a de Humaitá. Mas o Exército não conseguiu tomar

Curupaiti, de modo que os navios brasileiros ficaram bloqueados e isolados da base. Para

abastecê-los, o Ministério da Marinha, Antonio Celso, determinou que, por dentro do

Chaco, fosse construída uma via, longe dos canhões de Curupaiti, que fizesse a ligação

entre os navios e a base. Sobre essa ferrovia, assim se expressa Ouro Preto:

A superfície plana do Chaco prestava-se a receber uma linha

férria, cuja maior dificuldade consistiria na consolidação do

terreno, por meio de estivamentos, o que se alcançaria em

maior ou menor prazo, na proporção do material acumulado e

dos operários reunidos. Do pensamento passou-se

imediatamente à execução e em pouco tempo começou a

funcionar o tramway e a serem abastecidos os navios

regularmente138.

Por essa ferrovia, eram levados o armamento, a munição, os víveres e tudo o

mais de que precisavam os navios bloqueados e graças a esse recurso, os militares

conseguiram dar início ao bombardeio sobre a fortaleza de Humaitá. No início, essa

ferrovia era operada por meio de tração de animais, posteriormente substituída por uma

locomotiva a vapor construída no Arsenal de Cerrito, aproveitando-se para isso de

maquinismos retirados de navios avariados139.

138 OURO PRETO, Visconde de (Affonso Celso de Assis Figueiredo). A Marinha de outrora: subsídios para a história. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. P. 105-6. 139 Essa ferrovia passou a ser denominada de Affonso Celso, em homenagem ao seu idealizador e no início era operada por meio de tração de animais, sendo posteriormente substituída por uma locomotiva a vapor construída no Arsenal de Cerrito, aproveitando-se para isso de maquinismos retirados de outros navios.

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2.6. A Fábrica de Pólvora do Coxipó: instalação, produção e trabalho

A Fábrica de Pólvora do Coxipó, foi inaugurada no ano de 1877 e mediante

documento do Termo de Inauguração da Fábrica do Coxipó datado de 1877, podemos

observar a importância dada ao empreendimento por parte dos governos imperial e

provincial, em razão da presença das autoridades provinciais e, em destaque, a presença do

Presidente da Província Hermes Ernesto da Fonseca140: como achando-se presentes o

Exmo Senhor General Presidente e Comandante das Armas, Hermes Ernesto da Fonseca,

o engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado de montar a dita fábrica, o Drº

Amarilio Olinda de Vasconcelos, engenheiro das obras públicas, e o Estado Maior de sua

exª, foi inaugurada a referida fábrica141.

Segue na íntegra o documento transcrito sobre o Termo de Inauguração da

Fábrica do Coxipó datado de 1877:

Aos doze do mês de novembro do ano de mil oitocentos setenta

e sete no lugar denominado Coxipó do Ouro, na Província de

Mato Grosso, onde se acha estabelecida a Fábrica de Pólvora:

achando-se presentes o Exmo Senhor General Presidente e

Comandante das Armas, Hermes Ernesto da Fonseca, o

engenheiro Carlos Theodoro José Hugueney, encarregado de

montar a dita Fábrica, o Drº Amarilio Plinda de Vasconcelos,

engenheiro das obras públicas e o Estado Maior de sua Exa,

foi inaugurada a referida Fábrica, tendo lugar nesta ocasião a

experiência das pólvoras no provete austríaco a crimalhera,

que deo o resultado de cento e oito gráos a pólvora de fuzil e

cento e vinte a de artifícios; e para constar lavrado o presente

termo por mim, Benedito José da Costa, encarregado da

extração do salitre, servindo de escriturário da Fábrica, que o

140 O general Hermes Ernesto da Fonseca foi presidente da Província de Mato Grosso de 05 de setembro de 1875 a 02 de março de 1878 e foi nomeado por Carta Imperial de 01 de maio de 1875. In: SILVA, Paulo Pitaluda Costa e. op. cit., p.47. 141 Trecho do Termo de inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó. Lata - 1877, APMT.

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escrevi e assinei com todos os supracitados funcionários, -

Fábrica de Pólvora do Coxipó, na Província de Mato Grosso,

12 de novembro de 1877. – Benedito José da Costa,

escriturário interino -, assinados – Hermes Ernesto da

Fonseca – Carlos Theodoro José Hugueney – Amarílio Olinda

de Vasconcelos – 1º tenente José Pedro de Souza Queirós –

Alferes José da Costa Lara – Alferes Américo D’ Albuquerque

Porto Carreiro142.

Como podemos observar no presente documento de inauguração da Fábrica

de Pólvora do Coxipó, o evento contou com a presença das mais altas autoridades militares

e políticas da Província de Mato Grosso.

A presença dessas autoridades, com base na documentação em análise,

entendemos que a estrutura administrativa da Fábrica de Pólvora obedecia a uma

organização hierárquica com relação as instancias superiores de governo, com variações

distintas em cada período.

Nos primeiros anos de sua criação, a Fábrica de Pólvora do Coxipó

subordinava-se ao Ministério dos Negócios da Guerra que autorizava o arbitramento de

verbas e nomeação de seus diretores. Mantinha, também, uma relação até certo ponto

administrativa com a Presidência da Província de Mato Grosso. E posteriormente, na

década de 1870 passou para a dependência do Arsenal de Guerra de Mato Grosso.

Três períodos distintos marcam a composição de pessoal na Fábrica de

Pólvora do Coxipó: do início da instalação em 1861 até a conquista da “liberdade” pelos

Escravos da Nação em 1872; de 1872 até 1889, período da inauguração até a proclamação

da República; e de 1889 até o encerramento da Fábrica em 1906. Na ilustração com a

composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década de

1860, podemos observar algumas alterações em relação a sua hierarquia interna e a

configuração imprimida por sua mão-de-obra.

A ilustração apresentada a seguir compreende os anos iniciais da sua

instalação, tendo como referência o ano de 1866.

142 Termo de inauguração da Fábrica de Pólvora do Coxipó, Lata - 1877, APMT.

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Ilustração 4. Composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década de 1860:

Fonte: Composição de Pessoal da Fábrica de Pólvora do Coxipó em Mato Grosso na década de 1860, elaborado com base nos relatórios e ofícios encaminhados pela diretoria da Fábrica de Pólvora do Coxipó à presidência e vice-presidência da Província de Mato Grosso no transcorrer de 1866. Lata 1866 - D, APMT.

Fábrica de Pólvora do Coxipó

Encarregado

Feitor

Trabalhadores livres Escravos da

Nação

Escrevente

Ministério dos Negócios da Guerra

Província de Mato Grosso

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As categorias de trabalhadores da Fábrica de Pólvora do Coxipó eram as

seguintes: o diretor era um oficial militar, um feitor, um oleiro, um escrevente, um operário

militar, três oficiais carpinteiros, três oficiais pedreiros e os Escravos da Nação. Foram

transferidos da Fábrica de Ferro de Ipanema de São Paulo, os Escravos da Nação para a

Fábrica de Pólvora do Coxipó, conforme trecho do documento que segue:

Seus equipamentos e pessoal, incluindo a quase totalidade dos

escravos, foram levados para a Província de Mato Grosso,

onde se pretendia construir uma fábrica de ferro e também

uma de pólvora. Para sua construção, o governo contratou, em

1859, o engenheiro Rodlpho Wachweldt, que havia sido, antes,

diretor do Laboratório Pirotécnico do Campinho143.

As atribuições do encarregado de instalar a Fábrica de Pólvora do Coxipó e

ou diretor, geralmente oficial militar, eram diversificadas, tais como: o gerenciamento do

empreendimento nas questões de pessoal desde solicitação para contratação e de dispensa e

até o controle orçamentário para aquisição de ferramentas, peças, vestuários e alimentação.

Ao feitor, o próprio nome já traz subjacente uma idéia de poder; era o

mando direto sobre os trabalhadores livres e sobre os escravos no exercício do controle do

horário de início das atividades do trabalho, por meio de chamada, e podemos supor

,aplicando os castigos aos que fugiam do controle.

Para o escrevente, cabia a devida escrituração dos pontos de entrada e saída

dos trabalhadores livres e escravos, a organização da folha de pagamento, elaboração de

ofícios, relatórios e outras correspondências necessárias ao funcionamento da Fábrica.

Os mestres de oficina e “campo”, eram os encarregados diretos dos trabalhadores, eram os homens de confiança do diretor.

A partir de 1872, com a Lei do Ventre Livre144 e a conseqüente emancipação

dos Escravos da Nação, a direção da Fábrica de Pólvora do Coxipó passou a empregar os

143 FIGUEIRA, Divalte Garcia, op. cit. , p. 97. 144 BRASIL, RIO DE JANEIRO. Lei nº 2040, 28 de setembro de 1871. declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nasceram desde a data desta Lei, libertos os Escravos da Nação e outros, e sobre a liberação anual de escravos. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1871. tomo XXXI. Parte 1. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1871. Actos do Poder Legislativo de 1871, Parte 1, p. 147-152, APMT.

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seguintes trabalhadores: soldados da Guarda Nacional, dispensados para tal, os libertos

(Escravos da Nação), e para completar o restante da mão de obra, buscou empregar os

trabalhadores da vizinhança145. Antes mesmo desta referida data, as autoridades provinciais

empenhavam-se em remanejar homens da Guarda Nacional para o desenvolvimento de

atividades na fábrica de pólvora, vejamos:

Fora chamado para o serviço da Guarda Nacional o

escrevente Affonço Chryssostomo Moreira em 4 de janeiro de

1864 pelo Presidente. Pedi dispensa-lo pela urgência na

fabrica146.

Os trabalhadores livres eram contratados na Corte, por valores pelos quais se

dispunham a vir para Mato Grosso. No entanto, vez por outra, ao término do contrato não

podiam deslocar-se sem que “quitassem dívidas”. Recebiam moradia, alimentação e em

casos de doença poderiam receber tratamento médico, sem, no entanto, receber salário:

Comunica o fim dos contratos dos operários: Eusébio, Tito,

mas que vão trabalhar mais um mês para quitar dívida com a

fazenda nacional e recomenda engajar em um arsenal por bom

comportamento, o Tito147.

A condição de cativo impunha obrigações aos Escravos da Nação. As

mulheres cuidavam de pequenas lavouras, prestavam serviços no cotidiano da fábrica e

eram alugadas a terceiros. Os homens, jovens e adultos, eram a principal mão-de-obra nas

fases de construção das edificações, na produção de carvão, nos serviços do Arsenal de

145 Vale ressaltar que a área onde está localizada a Fábrica de Pólvora, ainda é controlada pelo Exército até os dias atuais, sendo utilizada como campo de instrução para suas tropas, inclusive, com utilização de armamento pesado. 146 Oficio encaminhado pelo capitão Mathias Pereira Forte, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao general Barão de Melgaço, Vice-Presidente da Província de Mato Grosso em 09 de janeiro de 1866. Lata 1866 - A, APMT. 147 Oficio do capitão Mathias Pereira Forte, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao coronel Albano de Souza Osório, Vice - Presidente da Província de Mato Grosso, enviado em 28 de agosto de 1866. Lata 1866 – A, APMT.

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Guerra e eram também por solicitação empregados na limpeza pública da Câmara de

Cuiabá.

Neste primeiro momento, os trabalhadores livres e escravos,

desempenharam diferenciadas atividades, estando sempre ocupados na limpeza e

conservação dos edifícios, máquinas e benfeitorias do estabelecimento e outros serviços

demandados ao longo do tempo, como podemos observar a seguir:

Reconstrução da olaria, reparos constantes do seu trem de

rodagem e tudo o mais que se tornava preciso para manter o

que existia melhorando-lhe as condições ou fazer o que faltava

para pleno desempenho do importante mister a que se destina

essa instituição148.

Uma minuciosa descrição que se segue, feita por um soldado do Exército, que

guarnecia o local, poucos anos após a interrupção da produção e do funcionamento da

Fábrica de Pólvora do Coxipó,149 permite que vislumbremos como era a estrutura física, as

características das construções, das casas em que moravam os agentes administrativos, os

edifícios próprios e destinados à fabricação de pólvora:

A Fábrica de Pólvora do Coxipó é assim formada: da

esquerda para a direita – a casa antes habitada pelo

ajudante, isolada, ocupando a frente uma espaçosa

varanda; logo a diante fica a moradia do diretor, e em

seguimento o compartimento da oficina de ferreiro, separado

por um muro, depósito de máquinas, etc.

Rumo ainda à direita um muro ajardinado ao lado da

secretaria, outro depósito de máquinas que não chegarão a ser

montadas, uma extensa casa que servia de quartel ao

148 Relatório do capitão Carlos de Oliveira Soares diretor da Fabrica Pólvora do Coxipó ao coronel Ernesto Augusto da Cunha Mattos, presidente da Província de Mato Grosso, em dezembro de 1889. Lata 1889 – B, APMT. 149 Lembramos que o encerramento das atividades da Fábrica de Pólvora em estudo ocorreu no ano de 1906.

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destacamento, e formando ângulo uma espécie de praça a

retaguarda.

Espalhados sem muito método deparam-se uma rua com dez

casas, encontrando-se também um depósito de zinco que serve

de abrigo a não poucos tijolos que estavam sendo empregados

na construção de um edifício, do qual além dos alicerces, estão

levantadas 12 poderosas colunas.

Agora vejamos as oficinas que formam uma fila de casas

acompanhando o rio, a montante, todas distanciadas umas de

outras, por quanto à natureza do serviço assim determinava

como medida de providência e de cautela.

Em primeiro lugar num galpão de zinco existe um aparelho de

galgas, que não chegou a ser assentado; próximo assenta-se a

oficina de galgas, e a cem metros a de refinação e

carbonização, que ocupa um dos melhores edifícios da fábrica

e onde existe grande quantidade de salitre e enxofre alias bem

acondicionados em caixas apropriadas e imensas.

Ainda a distância de cem metros – grande galpão coberto de

telha; e mais além as oficinas de mistão binário e ternário,

separadas com os respectivos aparelhos de transmissão

desmontados e recolhidos para evitar estragos pela ação do

tempo; próximo – um barracão de zinco, sobre fortes alicerces

sobre pedra e cal onde deram início a uma possante bomba

hidráulica.

Em segmento, passando-se um profundo córrego, servindo-se

por ponte de madeira está a oficina de granisio, e a seguir a de

embarricamento e por fim o paiol defendido por um formoso

para-raio.

Todas as casas são construídas de adobes sobre alicerces de

pedra e cal, amparados por fortes colunas de alvenaria de

tijolos, e o último diretor do estabelecimento antes de retirar-

se mandou proceder a uma caiação e pintura nas principais

peças.

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Nos terrenos da fábrica correm seis córregos; todos cavados

pelos antigos tiradores de ouro. Cerca de cinco a seis

quilômetros assenta-se a olaria150.

Uma leitura mais atenta permite que observemos para a disposição das casas e

edifícios, muitas delas construídas de adobes com alicerces de pedra e cal amparadas por

colunas de tijolos. Observamos ainda que no interior da Fábrica viviam militares,

trabalhadores livres e escravos, exercendo as mais variadas funções e alocados segundo a

condição social a que pertenciam. Tratava-se, em outras palavras, de um impressionante

conjunto arquitetônico construído em região de fronteira com o objetivo de produzir

pólvora necessária à manutenção das forças militares nos momentos de conflitos bélicos e

para o abastecimento da população civil. Este conjunto arquitetônico151 era composto de

edificações interligadas, as oficinas aparelhadas de máquinas, fornos, animais, de

trabalhadores livres e escravos.

150 Jornal O Comercio. Cuiabá, 23. 06. 1910, ano I, nº 17. APMT. 151 A expressão “impressionante conjunto arquitetônico”, é retirada do capítulo II, Trabalho e Engenho de FERLINI , Vera Lúcia Amaral em seu livro Terra, trabalho e poder: o mundo dos engenhos no Nordeste 1Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988, onde a autora analisa a produção, as edificações e as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores dos engenhos do Nordeste açucareiro.

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Ilustração 5. Foto com imagem de uma oficina, em ruínas, da Fábrica de Pólvora do Coxipó.

Fonte: Acervo do autor, foto: Juliano Lobato, 2005.

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2.7. O processo de fabricação da pólvora

A fabricação de pólvora152 desenvolvida na Fábrica de Pólvora do Coxipó

processava-se com base no modelo tradicional153 ou seja, com a utilização das matérias-

primas naturais, como o enxofre, o carvão vegetal e o salitre, e não com a produção da

pólvora química.

Dificuldades à época decorrentes do acesso a estas matérias-primas

contribuíram, decisivamente, para dificultar o andamento da produção de pólvora

propriamente dita. Isto significa dizer que muitas eram as dificuldades para encontrar a

madeira apropriada nas proximidades da Fábrica para a produção do carvão vegetal, e após

a sua localização, exaustivas eram as experimentações realizadas para se chegar a uma

madeira que resultasse em um bom carvão.

Já a extração do salitre, inicialmente prevista pelas autoridades para

acontecer na própria Província de Mato Grosso, teve de ser substituída por outras

alternativas.

Quanto ao enxofre, por sua vez, era a matéria-prima em falta em Mato

Grosso e por isso mesmo quando da fundação da Fábrica de Pólvora, já havia a previsão

que fosse adquirida em sua totalidade pela Corte no Rio de Janeiro, a exemplo da referência

seguinte:

Chegaram da Corte 34 barricas de enxofre assim como os

acessórios das galgas de trituração, que foram feitas no

Arsenal de Guerra da Corte154.

152 A pólvora é composta por corpos explosivos formados por substâncias que isoladamente não explodem, mas que, reunidas fisicamente de maneira a operar-se um contacto íntimo entre os componentes, explodem. In. www.fabricadapolvora.com. consulta realizada em 20 de maio de 2004. 153 Pelo modelo tradicional de fabricação de pólvora, eram utilizadas as três principais matérias-primas, com as seguintes proporções aproximadas: salitre - 66%, carvão vegetal - 24% e enxofre - 10%. 154Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado de montar a Fábrica de Pólvora do Coxipó ao general José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província de Mato Grosso em 14 de julho de 1874. Lata 1874 - D, APMT.

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Este enxofre, no entanto não era produzido no Brasil e como a maioria dos

produtos industrializados eram importados da Europa, o mesmo ocorria com o enxofre:

Importava-se enxofre da Sicília, uma vez que o nosso sairia

muito caro devido aos custos de transporte e exploração155.

O carvão vegetal e a madeira cassão

Para a produção do carvão vegetal na Fábrica de Pólvora do Coxipó, houve

inicialmente uma certa dificuldade em localizar na região a madeira apropriada, que

propiciasse a produção de pólvora de qualidade. Para tanto, uma série de pesquisas foram

realizadas experimentando uma variedade de madeiras para conseguir uma espécie que

adequasse às exigências mínimas como a cassão branco:

A madeira empregada é a denominada: cassão branco; foi

escolhida, depois de experimento pelo falecido Carlos

Theodoro José Hugney por não ter encontrado as madeiras

empregadas na Fábrica de Pólvora da Estrela156.

Cassão branco - assim era conhecida, a madeira selecionada e que se

transformava em um carvão de bonito aspecto depois da escolha. No entanto, tinha,

segundo o diretor Celestino, o inconveniente de ocasionar a perda de 50 % ou mais pela

escolha por cada cilindro, pela abundância de resíduos que produz e suja o carvão:

155 SANTOS, Nadja Paraense, PINTO, C. Ângelo e ALENCASTRO, Ricardo Ricca de. Willhelm Michler, uma aventura cientifica nos trópicos; Rio de Janeiro, UFRJ. www.scielo.br, 1999. 156 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.

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Poder-se-á objetar que seja feito expurgo da madeira

ainda nova; mas isto não se tem dado por que tem

queimada lenha cortada á 5 anos ou mais157.

Encontrada a madeira158 que atendia a tais exigências, era então iniciado o

processo da retirada das matas, com o transporte até a Fábrica onde era submetida ao

seguinte tratamento:

a) A madeira era rachada em pequenos pedaços de mais ou menos 0,25

centímetros de comprimento, com a grossura de 0,01 a 0,15 centímetros;

b) Os pequenos pedaços da madeira eram acondicionados no cilindro até enchê-lo;

c) Depois o cilindro era encaminhado ao forno para a carbonização.

Este forno já com o cilindro cheio de madeira recebia os cuidados dos

trabalhadores para uma boa carbonização, que utilizava um procedimento manual para a

dosagem da ação do fogo:

Esta é datada pela parte posterior de uma manivela sobre a

qual de 15 em 15 minutos se ateia afim de fazer o cilindro dar

um quarto de volta159.

Existiam na Fábrica de Pólvora do Coxipó dois cilindros, mas o forno só

comportava um de cada vez; enquanto, o primeiro cilindro estava no forno o outro ficava

sendo abastecido com a madeira - “lenha”.

157 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 158 A madeira era retirada de matas localizadas a cerca de duas léguas e meia de distante da Fábrica de Pólvora do Coxipó, às margens do Rio dos Peixes, afluente do Rio Coxipó. 159 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.

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O processo de carbonização da madeira tinha duração de aproximadamente

três (3) horas, mais ou menos e reconhece-se que está em ponto a carbonização pela

fumaça que escapa do cilindro.

Portanto a definição da carbonização adequada ao carvão vegetal para

produção de pólvora dependia exclusivamente da experiência dos operários diretamente

responsáveis pelo processo.

Este forno que era utilizado na carbonização da madeira, e

conseqüentemente na transformação em carvão vegetal, possuía uma chaminé de tijolos

com altura variando entre 12 e 15 metros. Dispunha também de um galpão com capacidade

para armazenar 432 m³ de madeira.

As Oficinas no interior da Fábrica

Para realizar a manutenção dos equipamentos que eram utilizados na

extração da madeira, a Fábrica dispunha da oficina de ferreiro, como descrito a seguir:

Oficina de ferreiros tem algumas ferramentas; é de muita

utilidade essa oficina, por causa dos consertos que de continuo

se fazem nos machados, foices e enxadas que se estragam no

fabrico do carvão160.

160 Relatório do tenente honorário do Exercito Antonio Leite da Costa, Diretor interino Fábrica de Pólvora do Coxipó, apresentado ao coronel Francisco José Cardoso Júnior, Presidente e Comandante das Armas de Mato Grosso, em 22 de dezembro de 1871. Lata 1871 - C, APMT.

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O salitre

O salitre que fora utilizado na Fábrica de Pólvora do Coxipó era oriundo

principalmente, como já mencionado, do Rio de Janeiro ou extraído de pólvora “avariada”

que não apresentava condições para ser reaproveitada, oriunda dos estoques do Arsenal de

Guerra em Cuiabá e do Arsenal da Marinha localizado em Ladário.

Ainda que tenha sido descoberta uma mina de salitre, chamada “nitreira” ou

salineira, na região de sangradouro, nas proximidades da então São Luiz de Cáceres, o

processo de extração ordenado pelo Ministério dos Negócios da Guerra, acabou não sendo

realizado por falta de verbas para efetuar o pagamento aos trabalhadores:

Benedito José da Costa fora em novembro de 1874

encarregado pelo Ministério dos Negócios da Guerra para a

extração do salitre – nas nitreiras do Sangrador no caminho

para São Luiz de Cáceres – como não fora arbitrado valores,

Dito foi empregado na escrituração161.

Pouco tempo depois fora localizado nos estoques da Fábrica, 18.000 quilos

de salitre sendo que destes, 3.713 quilos eram suprimentos reaproveitados provenientes de

pólvora oriunda do Arsenal de Guerra em Cuiabá e do Arsenal da Marinha, em Ladário. O

restante, no caso, a maior parte, era importado da Corte Imperial. Mesmo assim, esse

estoque não era considerado suficiente, diante de eventual interrupção das comunicações

por uma guerra ou outra eventualidade com os centros produtores:

Em pouco tempo toda ela se transformará em munições de

guerra e a fabrica ficará impossibilitada de suprir as tropas de

seu elemento principal de municiamento162.

161 Oficio do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao Dr. João José Pedroso, presidente da Província de Mato Grosso, em 08 de janeiro de 1879. Lata 1879 – C, APMT. 162 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do

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MENDES FERRAZ163 leva-nos, a lembrar que o governo português

orientava os seus representantes na colônia para que como parte do reino mineral, também

o salitre deveria ser estudado e que os chamados “ viajantes naturalistas” deveriam

relacionar os locais de onde se poderia extrair o material, além de indicar os detalhes do

processo. Segundo Ferraz, a produção do salitre “natural”, seria processada da forma

seguinte:

Acondicionar em tonéis, camadas da terra de que se pretendia

extrair o salitre, alternadas com outras de cinza, e, algumas

vezes, com camadas de palha adicionadas para facilitar a

passagem da água. Uma cova na parte superior deste arranjo,

onde se adicionava potassa164, para em seguida, colocar água.

Passado algum tempo, deixava-se escorrer (através de

torneiras ou de orifícios até então tampados) a água,

carregada de salitre, que era levada a evaporar em caldeiras.

Durante o processo de evaporação, retirava-se, com uma

escumadeira, a massa de sal comum que seria formado, até se

ter apenas o líquido. Continuava-se até evaporação total,

quando se tinha, finalmente o salitre165 bruto ou impuro”, que

seria refinado posteriormente166.

Pelo exposto podemos observar que o salitre era obtido, mediante as etapas que seguem:

a) Colocar em recipientes camadas de terra (que continha o salitre), alternadas

com camadas de cinza ou palha para facilitar a passagem da água;

b) Em seguida, em um buraco desse recipiente era colocado o carbonato de

potássio e depois se colocava a água;

Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 163 FERRAZ, Márcia Helena Mendes. A produção do salitre no Brasil colonial; (artigo), Pós-Doutorado em História da Ciência, PUC- São Paulo, 2000. 164A quantidade de cloreto de sódio presente na amostra deve indicar a qualidade do salitre. 165 Nitrato de potássio. 166 FERRAZ, Márcia Helena Mendes, op. cit., p.3.

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c) Após passar um determinado tempo, deixava-se escorrer a água impregnada

de salitre que era levado para evaporação em caldeira, era durante esse processo que se

retirava com uma escumadeira a massa de sal comum que se formava até ficar apenas o

liquido;

d) Por fim, após a evaporação total teria o salitre pronto para ser refinado.

No Brasil, a produção de salitre teria sido abandonada, segundo FERRAZ,

por falta de conhecimento técnico na extração e das condições de transporte do material,

pois o salitre era transportado em sacos ou bruacas (sacos de couro) em lombos de animais

até as fábricas de pólvora.

Pelas condições do tempo e do transporte eram viagens que duravam vários

dias sob sol e chuva. O problema maior era o de que a água passava pelos recipientes

durante as travessias dos rios. Tais condições acarretavam perdas, o que acabava

influenciando no valor final do produto, ou, em outras palavras, por determinar o preço do

salitre, pois os produtores, claro, queriam compensar o que haviam perdido para as

águas167.

A Província de Mato Grosso, mesmo com as descobertas das salitreiras de

sangradouro nas redondezas de São Luiz de Cáceres, não implementou sua extração, seja

por falta de conhecimentos técnicos como enunciado por FERRAZ, ou mesmo por não

disponibilizar recursos para este objetivo, como já referido pelos diretores da Fábrica.

Em sua totalidade o salitre consumido na Fábrica de Pólvora do Coxipó ou

era extraído de pólvora “avariada” (com problemas) ou vinha do Rio de Janeiro, como

mostra o relatório a seguir:

O salitre aqui em depósito é de duas procedências: do Rio de

Janeiro e extraído por Carlos Theodoro José Hugney de

pólvoras avariadas e não suscetível de conserto168.

167FERRAZ, Márcia Helena Mendes, op. cit. p. 14. 168 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.

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Para a preparação do salitre nesta Fábrica de Pólvora do Coxipó, dispunha-

se dos equipamentos necessários, como: forno, caldeira, cristalizador, pás, espremedeira,

baldes de cobre e cinco ímãs grandes.

No entanto, destacava o diretor da Fábrica, Celestino Alves Bastos, que o

salitre refinado na Fábrica era “ensaiado” por um processo ainda muito rudimentar, por que

não existia um dos instrumentos apropriados para atender a esta demanda, que era a secção

da dissolução salitrosa sobre a de nitrato de prata se faz, por assim, dizer, a olho169.

A Oficina de mistura binária e trituração

Vejamos o processo a que o salitre era submetido na oficina de “mistura

binária e trituração” na Fábrica de Pólvora do Coxipó.

Segundo descrição do referido diretor da Fábrica Celestino Alves Bastos, no

interior do edifício onde funcionava a oficina de mistura e trituração, existiam dois

cilindros: um onde se fazia a trituração do salitre de forma isolada das demais matérias-

primas. O outro, onde se processava a mistura e completava a trituração do binário

emxopecassão que fora previamente triturado na primeira vez. Este processo tinha duração

de aproximadamente 3 horas.

Os cilindros eram movimentados através de uma correia, que estava ligada a

um eixo e, este por sua vez, recebia movimentação de uma roda170 horizontal engrenada em

uma lanterna. Esta roda era acionada por força animal que era atrelado a uma alavanca

horizontal.

O aparelho receptor responsável pelo envio da força motriz ao interior da

oficina encontrava-se instalado pelo lado de fora da oficina. Com isso os animais eram

obrigados a trabalhar ao relento, acarretando prejuízos não só a eles, mas também aos

169 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 170 Uma dessas engrenagens de duas toneladas e meia, ainda pode ser observada no pátio do campo de treinamento do Exército, hoje sob a responsabilidade da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, na área que outrora pertenceu a Fábrica de Pólvora do Coxipó.

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operários responsáveis em conduzi-los ou “guiarem”, estando ambos, sempre em

permanente “estado de fadiga”.

A Oficina ternária e de alisamento

Por sua vez, a oficina de mistura ternária e alisamento era equipada com os

mesmos aparelhos que a de mistura binária e trituração, distinguindo-se apenas pela forma

das operações que eram diversas.

O alisador reclamava ainda o diretor Celestino, não tem dado bom resultado

até agora, pois em diferentes ocasiões os resultados ficavam aquém do esperado, conforme

podemos observar na narrativa que segue:

O aparelho destinado ao alisamento e desengrosamento da

pólvora não satisfazia de modo algum seu objeto e longe de

polir os grãos e espelir o pó, produzia o esmagamento d’estes

por de mais lento que fosse o momento que se o imprimisse.

Fiz desarmá-lo, mandei arredondar as quinas vivas das

atravessas, forrar de longa massa, abrir outras continha-las de

tela metálica e acredito haver conseguido algum

melhoramento desta machina para os misteres a que se

destina171.

O alisamento da pólvora da Fábrica é feito em um sistema de agitamento em

sacos de bauta ou algodão grosso por muitas horas consecutivas. Custa bem, porém, além

de trabalhoso dá às pólvoras finais a forma espurica172.

171 Relatório do capitão Carlos de Oliveira Soares, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao coronel Ernesto Augusto da Cunha Mattos, presidente da Província de Mato Grosso, em 27 de dezembro de 1889. Lata 1889 - B, APMT. 172 Trata-se de um processo mais lento e onde a pólvora produzida não apresenta uniformidade.

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Na oficina de granulação e desempocisamento173, as operações são

realizadas pela mesma maneira, ou seja, “agitamento em sacos de bauta ou algodão”, sendo

considerada a forma comum. Mediante análise da documentação, podemos observar que

esta oficina fora inicialmente planejada para ser instalada com equipamentos mais

complexos, como podemos observar pela explicação que segue:

Suprimindo-se os cilindros quebradores da oficina de

granulação e a estufa da dissecação, adaptando-se outros

aparelhos mais simples e que preencham os mesmos fins:

assim aos menos aconselha a diretoria da Fábrica da Estrela

em seu parecer sobre o meu relatório174.

O edifício era construído de madeira, sobre pilares de alvenaria de tijolos e

como todas as oficinas da Fábrica, coberta de zinco:

Mandei também cortar em lua própria, madeira de qualidade,

(aroeiras, peróvas e vatambús) para madeiramento e tabuado

das oficinas... ...Mais de 80 paos se acham cortados175

A oficina de separação, secagem e alisamento

Para a secagem era utilizado exclusivamente o processo natural, ao ar livre;

pois não havia na Fábrica, lembra o diretor Celestino, estufa de ar quente e muito menos

aparelhos para o emprego do vapor.

173 Processo pelo qual é retirado o pó ficando a pólvora em forma granulada. 174Ofício do capitão Francisco Nunes da Cunha, encarregado da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao general Alexandre Manuel Albino de Carvalho, presidente da Província de Mato Grosso, em 29 de julho de 1864. Lata 1864 – A, APMT. 175Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, encarregado da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao general José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província de Mato Grosso, em 14 de janeiro de 1874. Lata 1879 – C, APMT.

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Já a apuração da separação era feita por meio de peneiras acionadas a mão,

por falta de um aparelho mecânico.

Observamos reclamação por parte do referido diretor, sobre a falta de um

aparelho mecânico, e ainda no caso de produção de pólvora fina, havia necessidade de

peneiras adequadas a esse procedimento:

Não embassilha por falta desse caso no comercio e nem a

madeira apropriada á esse objetivo, ou melhor, por não

possuir a fabrica oficial torneiro; encaixota-se176.

A produção de pólvora177 na Fábrica do Coxipó do Ouro dependia de certa

maneira, não só de grande parte da matéria-prima, neste caso, o salitre e o enxofre vindos

da Corte, como também da maioria absoluta dos equipamentos que eram encomendados no

Rio de Janeiro para o funcionamento das oficinas:

Já foi recebido grande parte do material que ficou de vir da

Corte com destino a esta fábrica, necessários para o fabrico

do carvão de pólvora, refinação do salitre, granulação da

pólvora; recebi também os objetos e instrumentos constando

de minha relação de 8 de fevereiro de 1873, objetos destinados

a montar um pequeno laboratório químico e que não se acham

na praça de Cuiabá. Sinto muito dever observar que a balança

que foi entregue, não é balança para químico mas sim para

farmacêutico178.

176 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da República, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 177 A que a produção poderia em tempo ordinário ir de 100 a 120 arrobas mensais, e dobrar em tempos extraordinários sendo “75 á 150 KG diários”. Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney ao general Hermes Ernesto da Fonseca, presidente da Província de Mato Grosso, em 25 de julho de 1876. Lata 1876 – A, APMT. 178Relatório do engenheiro Carlos Teodoro José Hugney, encarregado de montar a Fábrica de Pólvora do Coxipó enviado ao general José de Miranda da Silva Reis, presidente da Província de Mato Grosso em 14 de janeiro de 1874. Lata 1873 – A, APMT.

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Podemos observar que esta solicitação feita pelo diretor da Fábrica Carlos

Teodoro José Hugney, havia sido reiterada no início de 1873 e apenas chegava à Fábrica de

Pólvora do Coxipó, no início de 1874, portanto, um ano depois. Além do pequeno

laboratório químico, foram instalados na Fábrica de Pólvora do Coxipó até 1876 os

seguintes equipamentos e oficinas vinculadas diretamente à produção de pólvora:

Quadro 06

Unidades Equipamentos e Oficinas

01 Olaria com telhados

01 Oficina para galgas de trituração

01 Oficina para mistura ternária dos componentes da pólvora

01 Oficina para granulação

01 Oficina para desecação

01 Oficina de separação e embarricamento

01 Paiol com parede exterior

01 Chaminé de 12 metros para oficinas de carbonização e refinaria

01 Oficina para refinação do salitre

01 Oficina para o fabrico do carvão para pólvora

01 Armazém para depósito de salitre e enxofre

01 Oficina pequena para trituração do salitre, pulverização e mistura binária do

carvão e enxofre

01 Telheiro para depósito de lenha para carvão de pólvora

Fonte: Relatório do engenheiro Carlos Theodoro José Hugney, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao general Hermes Ernesto da Fonseca, presidente da Província de Mato Grosso, em 25 de julho de 1876. Lata 1876 – A, APMT.

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As Oficinas e seu funcionamento

Mediante o quadro acima torna-se possível visualizar as oficinas, mais

diretamente envolvidas com a produção de pólvora: oficina de galgas, oficina de refinação

de salitre e carbonização, oficina de mistura binária e trituração, oficina de mistura ternária

e alisamento, oficina de granulação e secagem, e a oficina de separação e embarrilamento.

A oficina de galgas é a que fica mais próxima da administração179 da

Fábrica: tem a forma hexagonal ocupando um pilar de tijolos da vértice e é coberta de

zinco:

Abriga um par de galgas de granito (chapa) de bronze, com

2.160 kilos de peso cada uma. Em movimento por intermédio

de duas almanjarras que transmitem os esforços de tração de

dois animais á um eixo vertical que, por sua vez, as transmitem

á outro eixo horizontal em cujos extremos estão as galgas180.

Estas galgas eram assentadas sobre um prato de bronze horizontal –

trabalhando cada uma delas, vinte quilos de mistura, por quatro horas consecutivas, dando

uma média de três voltas por minuto: o aparelho é armado em quatro raspadeiras para

revolver a mistura e subir sobre as galgas.

A oficina de refinação do salitre estava instada no mesmo prédio que a

oficina de galgas. Estando, portanto, duas operações que conforme o capitão diretor havia

“toda conveniência em serem separadas”, conforme exposto na documentação em análise;

É a melhor que possui a fábrica; é bem construída e muito

espaçosa. Assenta sobre sólidos pilares de tijolos e com

179 Ver desenho da organização da produção na Fábrica de Pólvora do Coxipó. 180 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da RepÚblica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.

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exatamente madeiramento; promete longa duração. Está em

parte ladeada181.

Após a inauguração da Fábrica recomendações eram feitas, aos responsáveis

diretos da Fábrica de Pólvora do Coxipó, sobre as quantidades de pólvora a serem

produzidas e para que os produtos fossem encaminhados à Comissão de Melhoramentos do

Exército, Comissão esta responsável por atestar a qualidade e classificação da pólvora

produzida:

Empreendi fabricar uma pequena porção de cada marca para

não só enviar á ilustre Comissão de Melhoramentos á qual

faço me comunique os resultados que obtiver nas experiências

que com elas fiz, como também industriar todo o pessoal no

serviço e bem conhecer eu do que podia produzir a fábrica,

como funcionarão os aparelhos, as necessidades a suprir,

etc.182.

Na remessa, acima referida, a pólvora foi enviada em caixotes de cedro com

capacidade para armazenar quinze quilos de pólvora cada um, o Diretor Celestino teve a

preocupação de informar, em relatório, à Comissão de Melhoramentos, que as diferentes

marcas de pólvora saiam da Fábrica sem terem passado por nenhuma das provas

regulamentares por não haver os ditos instrumentos para esse fim.

Mas reconhecia, no entanto, ser argumentos “infutável” por mencionar as

necessidades da Fábrica, já que havia informado-os anteriormente.

181 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT. 182 Relatório do capitão Celestino Alves Bastos, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Deodoro da Fonseca, presidente da Republica, ao general Francisco Carlos da Luz, comandante do Quartel-mestre e ao general José Clasindo de Queiroz, presidente da Comissão de Melhoramentos do Exército, em 17 de setembro de 1890. Lata 1890 – E, APMT.

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A Produção

Com as condições consideradas adequadas para a produção de pólvora a

partir da instalação, a Fábrica manteve uma produção com certa folga numa média mensal

de 100 a 120 arrobas, e de acordo com as necessidades dobrando essa quantidade indo de

200 a 250 arrobas por mês183.

Contudo, essa produção média mensal, não avançaria muito com tempo,

principalmente por não ser mais uma prioridade do governo, que conseqüentemente, passou

a não disponibilizar orçamento adequado à sua manutenção e modernização, bem como de

pessoal:

Em 1878 por ordem do Ministério da Guerra foi reduzido o

pessoal que trabalhava na fábrica; deixam por isso de ter

regular andamento os trabalhos que ainda eram necessários

para a conclusão das oficinas e outros edifícios que se acham

em construção mais com dificuldades financeiras para

terminá-los184.

No relatório do primeiro semestre de 1879 o diretor da Fábrica de Pólvora

requereu junto ao Ministro da Guerra que solicitasse ao Ministro da Marinha o envio de

pólvora “avariada” de Ladário, situado ao sul da Província de Mato Grosso, em decorrência

da dificuldade na extração do salitre requerendo também verbas e a liberação da venda de

pólvora do tipo FF e FFF aos caçadores da vizinhança.

Uma solicitação do Arsenal da Marinha de Ladário, de 16 de agosto de

1879, para o Diretor da Fábrica de Pólvora Carlos Theodoro José Hugney, datado de agosto

de 1879, revela-nos que a encomenda de 150 quilos de pólvora fina para tiros diários da

183 Relatório do engenheiro Carlos Theodoro Jose Hugney, diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó encaminhado ao general Hermes Ernesto da Fonseca, Presidente da Província de Mato Grosso em 25 de julho de 1876. Lata 1876 - A, APMT. 184 Relatório do tenente coronel Jose Francisco Coelho, Diretor da Fábrica de Pólvora do Coxipó ao coronel Francisco Rafael de Melo Rego, presidente da Província de Mato Grosso, em 31 de agosto de 1888. Lata 1888 – C, APMT.

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Frotilha provincial, deixa de ser atendido porque o paiol da Fábrica de Pólvora do Coxipó

dispunha de apenas cento e vinte (120) quilos e de 5 marcas diferentes: CCC, CC, C,F e

A185 – de experiências com carvão que não deram resultados satisfatórios, não sendo

adequadas para atender tal solicitação.

Com isso podemos aventar para a possibilidade de que a produção de

pólvora na Fábrica do Coxipó estava intimamente ligada às necessidades e ao interesse do

governo que poderia aumentar ou reduzir os recursos destinados a fábrica ou mesmo

disponibilizar mão de obra e até mesmo, matérias-primas e com isso alcançar uma

produção em maior ou menor escala.

No final de 1889, o Diretor da Fábrica, ao avaliar as condições em que se

encontravam as instalações destinadas à produção de pólvora, dizia que apesar da

imperfeição dos outros aparelhos que não permitiam certo grau de regularidade nos

processos sucessórios porque passa a misturar componente da pólvora, de acordo com as

prescrições técnicas dos nossos regulamentos, salienta que fabricou de 40 a 50 quilos de

pólvora e que produzia bom resultado as experiências a que fora submetido. E continuava

em seu relatório afirmando que:

A Fábrica do Coxipó já pode agora exibir o produto de suas

oficinas a quem por sentença duvide da possibilidade de

empregar-se pólvora de Mato Grosso na expedição de

projeteis de artilharia ou fusíl186.

Quando do término de sua construção e inauguração, especialmente no

período que vai de 1881 até junho de 1882, a Fábrica de Pólvora do Coxipó foi utilizada

para consertar e fazer a readaptação dos estoques de pólvora avariada187 da Província de

Mato Grosso, tanto o do Arsenal de Guerra de Cuiabá, como o estoque do Arsenal da

185 Eram essas as marcas de pólvora produzidas pela Fábrica de Pólvora do Coxipó, ou seja, pólvora grossa, apropriada para armamento bélico de guerra daquele período. 186 Relatório do Carlos de Oliveira Soares, Diretor da Fabrica de Pólvora do Coxipó ao Presidente da Província de Mato Grosso Ernesto Augusto da Cunha Mattos. 27 de dezembro de 1889, Lata - B, APMT. 187 Palavra utilizada para nomear a pólvora sem condições de uso, principalmente por umidade que corrobora para alterar sua composição química.

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Marinha em Ladário, ao sul da Província. A partir de 1882, dá-se a efetiva produção de

Pólvora até o encerramento de suas atividades no ano de 1906.

Rubens de Mendonça, parafraseando Lobo Viana afirmava que em fins de

1893, a Fábrica de Pólvora do Coxipó produziu 5.000 quilogramas de marcas CC e

CCC188.

No final de século XIX, especificamente no ano de 1887, em que a Fábrica

estava com as referidas oficinas instaladas, foram utilizados para o trabalho de fabricação

de pólvora apenas os seguintes trabalhadores:

Dois mestres contratados pelo Governo Geral, um abegão e

seis operários, número esses de momento para empreender-se

qualquer trabalho de fabricação de pólvora189.

A força de trabalho empregada no funcionamento das oficinas da Fábrica de

Pólvora do Coxipó oscilava em cada período, à medida que a produção era estimulada ou

não pelos governos central e local.

Entendemos ser importante ressaltar, que o contexto econômico e social em

que vivia o país, interferia diretamente na composição da mão-de-obra empregada na

Fábrica de Pólvora.

Como fonte iconográfica apresentaremos a seguir a prancha com um

conjunto de ilustrações com base em documentos que descrevem experiências e

funcionamento da Fábrica de Pólvora do Coxipó, levando em conta os aspectos

circunscritos a esta: topológicos, formais e ambientais. Sobre este último, presentificam-se

alguns componentes da biodiversidade, referentes à flora e à fauna do cerrado mato-

grossense.

Tendo a aparência iconográfica de um mapa – todavia não devendo ser

considerado como tal – a referida prancha e do mesmo modo a prancha I-B, exibem

elementos, ora pressupostos, ora com base nos citados documentos. Nesse horizonte,

188 MENDONÇA, Rubens de. Roteiro Histórico e Sentimental da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá. Cuiabá: Edições Igrejinha, 1975, p. 78. 189Relatório de José Joaquim Ramos Ferreira, vice-presidente da Província de Mato Grosso apresentado a Assembléia Legislativa da Província de Mato Grosso, em 01 de novembro de 1887, p. 130. NDIHR / UFMT.

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formulam-se as tentativas de mapeamento, a busca de coerências possíveis, segundo as

referências históricas de construções rurais e / ou urbanas, de costumes, de mão-de-obra,

bem como da participação da força animal, na segunda metade do século XIX, notadamente

nas cercanias da depressão cuiabana (baixada).

Considerando ainda os elementos de ordem iconográfica, concebidos nas

referidas pranchas é de se mencionar que estes foram subsidiados, através das seguintes

circunstâncias: a experiência de trabalho junto a uma instituição de ensino no Distrito do

Coxipó do Ouro pelo pesquisador do presente empreendimento, tem propiciado crescente

familiaridade com a citada região, ademais as percepções de visualidade e de especialidade

– quer no espaço natural ou demarcadas pelas ruínas – ampliam-se no diálogo com os

dados que constróem a memória desse investimento oitocentista190.

190 Prancha elaborada pela Professora Tereza Ramalho de Azevedo Cunha, do Departamento de Artes, IL, UFMT. Mestrado em comunicação e semiótica pela PUC/SP.

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2.8. Índice da Prancha de Ilustrações da Fábrica de Pólvora do Coxipó

1. Casa do escrivão / ajudante com ampla varanda

2. Casa do diretor

3. Oficina de ferreiro (OF F)

4. Muro

5. Depósito de Máquinas – I (DEP. MAQ. I)

6. Muro ajardinado

7. Secretaria

8. Depósito de máquinas – II (DEP. MAQ. II)

9. Quartel do destacamento (construção que faz ângulo à esquerda com a praça)

10. Praça

11. Depósito para armazenamento de tijolos (construção em tijolos, coberta de zinco)

12. Casas dos moradores da Fábrica

13. 12.1-Idem

14. Galpão coberto de zinco (dentro deste encontrava-se um aparelho de galga)

15. Oficina de Galga – (OF. GAL)

16. Levada

17. Oficina de refinação e carbonização (OF. RC) cerca de 100 m de distancia da Of. Gal, dotada de chaminé medindo cerca de 14 m.

18. Galpão (coberto de telhas)

19. Oficina de mistura binária (OF. MIS. B)

20.

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