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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010 Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR ISSN 2178-8200 O GÊNERO PANFLETO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA ALVES, Andresa Guedes kaminski (PG UNIOESTE) 1 COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição (UNIOESTE) 2 RESUMO: O ensino de língua, geralmente, está relacionado com práticas que utiliza-se de textos como pretexto para o ensino de gramática. No entanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNS (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares Estaduais do Paraná DCE (PARANÁ, 2008), documentos oficiais que apresentam os parâmetros e as diretrizes curriculares do ensino de Língua Portuguesa, apontam para a concepção sociointeracionista da língua. Dessa forma, como a língua não é expressão do pensamento nem instrumento de comunicação, e sim elemento social de interação, seu ensino não deve se dar a partir de elementos abstratos, mas através de situações concretas de enunciações. Nesse sentido, vemos nos gêneros dos discursos uma possibilidade de ensino da língua, levando em consideração sua dimensão social para desenvolver, nos alunos, habilidades e capacidades de uso da língua oral ou escrita, permitindo-lhes seu uso adequado da mesma, nas diversas esferas sociais, de acordo com o objetivo almejado. Para tanto, tecemos reflexões sobre a proposta sociointeracionista bakthiniana que propõe como objeto de ensino o gênero discursivo inserido em situações concretas de uso. Abordaremos esta perspectiva para nortear a análise de um texto sob a forma do gênero panfleto, adotando, para isso, levando em conta o método sociológico para estudo da língua, proposto por Bakhtin (2006), o qual considera, no gênero, o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo. Respaldamo-nos, portanto, em aportes teóricos da Linguística da Enunciação, principalmente nos ensinamentos de BAKTHIN (2003, 2006). PALAVRAS-CHAVE: Sociointeracionismo; Ensino de línguas; Gênero Discursivo. 1 Introdução É recorrente os questionamentos acerca dos mais profícuos aportes teórico- metodológicos que devem dar suporte à prática pedagógica dos profissionais da educação que têm como trabalho o ensino da Língua Portuguesa. Assim, questionamos: 1 Aluna regular do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Letras – nível de Mestrado, área de concentração em estudos da linguagem, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. 2 Profa. Dra. em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina e Profa. d o Programa de Pós-graduação stricto sensu em Letras – nível de Mestrado, área de concentração em estudos da linguagem, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010

Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR

ISSN 2178-8200

O GÊNERO PANFLETO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA

PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA

ALVES, Andresa Guedes kaminski (PG – UNIOESTE)1 COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição (UNIOESTE)2

RESUMO: O ensino de língua, geralmente, está relacionado com práticas que utiliza-se

de textos como pretexto para o ensino de gramática. No entanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNS (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares Estaduais

do Paraná – DCE (PARANÁ, 2008), documentos oficiais que apresentam os parâmetros e as diretrizes curriculares do ensino de Língua Portuguesa, apontam para a concepção sociointeracionista da língua. Dessa forma, como a língua não é expressão do

pensamento nem instrumento de comunicação, e sim elemento social de interação, seu ensino não deve se dar a partir de elementos abstratos, mas através de situações

concretas de enunciações. Nesse sentido, vemos nos gêneros dos discursos uma possibilidade de ensino da língua, levando em consideração sua dimensão social para desenvolver, nos alunos, habilidades e capacidades de uso da língua oral ou escrita,

permitindo-lhes seu uso adequado da mesma, nas diversas esferas sociais, de acordo com o objetivo almejado. Para tanto, tecemos reflexões sobre a proposta

sociointeracionista bakthiniana que propõe como objeto de ensino o gênero discursivo inserido em situações concretas de uso. Abordaremos esta perspectiva para nortear a análise de um texto sob a forma do gênero panfleto, adotando, para isso, levando em

conta o método sociológico para estudo da língua, proposto por Bakhtin (2006), o qual considera, no gênero, o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo.

Respaldamo-nos, portanto, em aportes teóricos da Linguística da Enunciação, principalmente nos ensinamentos de BAKTHIN (2003, 2006).

PALAVRAS-CHAVE: Sociointeracionismo; Ensino de línguas; Gênero Discursivo.

1 – Introdução

É recorrente os questionamentos acerca dos mais profícuos aportes teórico-

metodológicos que devem dar suporte à prática pedagógica dos profissionais da

educação que têm como trabalho o ensino da Língua Portuguesa. Assim, questionamos:

1 Aluna regular do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Letras – nível de Mestrado, área de

concentração em estudos da linguagem, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. 2 Profa. Dra. em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina e Profa. d o Programa de

Pós-graduação stricto sensu em Letras – nível de Mestrado, área de concentração em estudos da

linguagem, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

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qual concepção de língua(gem) e que objeto de ensino devem embasar os trabalhos de

desenvolvimentos das habilidades de linguagem dos alunos, na sala de aula, por parte

dos professores de Língua materna, para que se tenha um resultado profícuo?

Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998) – e as Diretrizes

Curriculares Estaduais – DCE (PARANÁ, 2008) apresentam uma concepção de

linguagem sociointeracionista, apontando para uma necessidade de compreender a

língua como um objeto social de interação entre os indivíduos inseridos num

determinado tempo e espaço e levanta a questão da importância de se trabalhar com os

gêneros discursivos3 no ensino de língua materna.

No entanto, pressupomos que, nem sempre os profissionais inseridos no

contexto de sala de aula têm o conhecimento teórico necessário para trabalhar de forma

proficiente com esta proposta, e por falta disso, alguns educadores, pelo fato de

trabalharem com um determinado gênero como pretexto para ensino da gramática,

acreditam estarem dando conta do objetivo proposto pelos documentos oficiais.

Tendo em vista essa realidade, buscamos refletir sobre a importância da

concepção sociointeracionista da linguagem como norteadora do ensino da Língua

Portuguesa. Para isso, recorremos aos principais conceitos norteadores da proposta,

dentre eles, os de Bakhtin (2003, 2006), na tentativa de esclarecer o percurso que pode

ser trilhado no trabalho com os gêneros discursivos, de acordo com o método

sociológico para estudo da língua proposto por Bakhtin/Volochinov (2006).

O trabalho se justifica tendo em vista que os estudos de Bakhtin são realidade no

solo brasileiro desde a década de 1970, e que os aportes teóricos que subjazem a

proposta nos permitem uma reflexão acerca da relação entre a estrutura da língua e sua

relação com as condições históricas e sociais.

Para dar cabo à proposta, utilizamos como metodologia, a pesquisa bibliográfica.

Como referencial teórico, recorremos aos aportes da Teoria da Enunciação, ancorando-

nos, principalmente, em Bakhtin (2003), Bakhtin/Volochinov (2006) para quem os

gêneros discursivos são a materialização dos discursos.

3 Gostaríamos de lembrar que o termo “gênero do discurso” é ancorado nos pressup ostos

teóricos de Bakhtin, e o termo “gênero textual” refere-se aos aportes teóricos de Bronckart.

Sem desconsiderarmos o termo de Bronckart, usaremos neste trabalho, “gênero do discurso” por estarmos fundamentados pelos ensinamentos de Bakhtin.

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O trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: na primeira parte

apresentamos os aportes teóricos que dão suporte à pesquisa; a seguir, tecemos uma

breve abordagem das características do gênero panfleto; em seguida, faremos uma

análise do gênero proposto, abordando os três elementos constituintes do gênero:

conteúdo temático, estrutura composicional e estilo, de acordo com a ordem

metodológica (método sociológico) para o estudo da Língua proposta por

Bakhtin/Volochinov (2006); por fim, refletimos sobre o ensino da Língua tendo como

objeto o gênero discursivo.

2 - As Marcas do Sociointeracionismo e do Dialogismo nos PCN e DCE

Os documentos oficiais que dão suporte à prática educacional propõem que o

ensino da língua considere a sua dimensão social e, para isso, propõem o gênero como

objeto de ensino. Neste sentido, cabe a escola propiciar situações diferenciadas de uso

da língua que possibilitem o desenvolvimento de habilidades para seu uso competente,

seja de forma oral ou escrita, nos âmbitos pragmático, semântico e gramatical, sempre

em função da interação no convívio social. Vemos no ensino com os gêneros essa

possibilidade.

Além dos PCN, as DCE têm uma concepção de linguagem que vai além de

língua como sistema abstrato de signos, e a considera como “estratificada pelos valores

ideológicos”. De acordo com o documento “é no processo de interação social que a

palavra significa, o ato de fala é de natureza social” (PARANÁ, 2008, p.16)

Assim, não se justifica o ensino de línguas focalizado apenas na gramática

normativa ou em textos-pretextos para o ensino desta, ou ainda em textos sem que se

leve em conta o sujeito e o contexto de produção. Há que se trabalhar com o texto

levando em conta suas condições de produção (quem produziu, pra quem, como, onde,

por quê, quando, para circular em que veículo, em qual suporte etc.), atribuir-lhe um

sentido e compreender a função social da língua, o que não implica desconsiderar a

gramática, até porque ela é essencial para compreensão das regras que normatizam a

língua e organizam o texto.

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A língua é considerada dialógica porque no processo de interação os homens não

falam ou escrevem por falar/escrever, mas porque têm, nas palavras de Bakhtin (2006),

“um querer dizer” que se dirige a um interlocutor concreto, situado na história e na

sociedade. O interlocutor, por sua vez, assume para com o enunciado uma atitude

“responsiva ativa”, “imediata” ou mais tardia. Assim, o sentido do discurso (texto) se

constrói à medida que os interlocutores vão constituindo-o, por meio do diálogo. Todo

texto e, portanto, o querer-dizer/escrever de um locutor/autor que, ao fazer uso da

língua, carrega-a de significado(s). Cabe ao ouvinte/leitor assumir uma posição ativa

nesse diálogo, questionando, argumentando, esforçando-se para compreender o outro,

seu interlocutor. Nesse caso, compreendemos que não existe um único sentido para um

texto, mas existe a possibilidade de mais de uma interpretação

Desta feita há que se levar em conta que no trabalho com o texto deve-se ter um

olhar mais amplo, para o contexto de produção, ultrapassando o nível linguístico.

Vemos na proposta de trabalho com os gêneros discursivos esta possibilidade de

avanço. Por isso, no próximo tópico falaremos um pouco dos gêneros e seus três

componentes: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional

3 - Gêneros do discurso: conceito e elementos constituintes

Conforme Bakhtin, “um dos maiores equívocos no estudo da Língua se dá pelo

fato de desconsiderar o enunciado como “unidade real da comunicação verbal

(BAKHTIN, 2006, p. 293 - grifos do autor), pois

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indisoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada

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enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261-262 – grifos do autor)

Sendo assim, a menor unidade da comunicação verbal é o enunciado, traduzido

por Brait e Melo “como unidade de comunicação, necessariamente contextualizado

(BRAIT; MELO, 2008, p. 63). Dessa forma, para que uma frase, ou até mesmo uma

palavra sejam enunciados, necessitam estar inseridas num contexto. Para nos

comunicarmos, utilizamo-nos, de acordo com as necessidades de interação, de “tipos

relativamente estáveis de enunciados”(BAKTHIN, 2003, p. 262), ou seja, dos gêneros

discursivos.

Os gêneros refletem as intenções e as especificidades do grupo de pessoas que

exercem a mesma atividade (esferas sociais) e têm como função atender às necessidades

oriundas das interações entre os homens em suas múltiplas ações, todas elas envolvendo

impreterivelmente a língua. Por isso, os gêneros têm como característica a plasticidade,

pois se transformam para se adaptarem à situação e, consequentemente, à evolução da

língua.

Existem diversas esferas de atividade humana (esferas sociais), organizadas com

propósitos específicos de interação: política, familiar, escolar, jornalística, acadêmica,

jurídica, literária, científica, publicitária etc. Cada uma elabora suas formas

convencionais de interação, representadas nos diferentes gêneros do discurso. Cada

gênero reflete as características e as intenções discursivas da esfera que representa. Os

gêneros produzidos na jornalística, por exemplo, apresentam a linguagem objetiva,

direta, própria dessa esfera; os da publicitária, por sua vez, apresentam as marcas da

persuasão, do convencimento; e assim ocorre com os demais gêneros.

São muitas as esferas sociais, assim também como são em número quase infinito

a quantidade de gêneros existentes. O que determina qual o gênero adequado a ser

utilizado é a esfera em que o sujeito se encontra, a posição social que ocupa no grupo

em que está inserido, sua intenção comunicacional, o interlocutor, o conteúdo temático

da mensagem, o suporte e o veículo de circulação do discurso. Essas condições

determinam o gênero mais adequado para cada situação.

Sendo assim, nossa proposta do ensino da Língua Portuguesa, tendo como objeto

de estudo o gênero, provém de uma visão mais apurada dos ensinamentos de

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Bakthin/Voloschinov (2006), os quais propõem uma ordem metodológica para o estudo

da língua, apontando três elementos essenciais que devem ser considerados:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua determinação pela interação verbal (BAKTHIN/VOLOCHINOV, 2006, p. 124)

Essa mesma proposta é retomada, posteriormente, na publicação do livro

Estética da Criação Verbal. Ao abordar diretamente os gêneros do discurso, Bakhtin

destaca os três elementos componentes do gêneros: “conteúdo temático, construção

composicional e estilo” (BAKHTIN, 2003, p.261). Segundo ele, isto se justifica porque

é através desses elementos que são revelados as condições específicas e as finalidades

de cada uma das esferas nas quais são produzidos, refletindo a necessidade do tema, a

escolha dos itens lexicais, e a forma como os enunciados estão dispostos em função do

gênero escolhido, o contexto de produção e seus interlocutures.

Dessa forma, para que um enunciado concreto se torne uma enunciação, ou seja,

se torne compreensível e cumpra sua função social, é mister que se leve em conta a

afirmação: “a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam

completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da

enunciação”. (BAKTHIN, 2006, p. 115-116).

Assim, ao trabalharmos com a análise/leitura de gêneros, o primeiro passo é

identificar seu conteúdo temático que, conforme o autor, está relacionado não só com a

significação linguística do que está escrito/dito, mas também e, principalmente, com a

localização desta significação situada no tempo e na história, levando em conta os

fatores sócio-histórico-culturais, ideológicos e identitários que se manifestam nestes

discursos, ou seja, seu contexto de produção imediato e mais amplo. Portanto,

esclarecemos que o tema não se refere apenas ao assunto de que trata o texto, como é

comumente confudido, mas como este assunto se materializa, como ele produz sentidos,

tendo em vista seu contexto de produção.

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O próximo passo é a análise da estrutura composicional. De acordo com os

ensinamentos de Bakhtin, podemos afirmar que são as formas de construção de um

texto que o faz pertencer a um gênero e não a outro, reconhecidos nos “tipos mais ou

menos instáveis de enunciados” que o constitui.

Após abordarmos o conteúdo temático e a estrutura composicional do gênero,

devemos considerar o estilo próprio do sujeito, ou seja, as marcas individuais que o

produziu, pois essas marcas “subjetivas” fazem parte do discurso, e às vezes aparecem

de forma mais evidente, outras vezes de forma mais velada, como também pode não

aparecer, dependendo do gênero que se produz. Isso pode se dar porque, por ser de

caráter social, a língua reflete e refrata as relações que a constitui. Explicando melhor,

todo enunciado é individual porque provém de um sujeito que o profere, embora este

sujeito se constitua numa relação dialógica por meio da interação social. Conforme

aponta Bakthin: “o enunciado – oral e escrito, primário e secundário, em qualquer esfera

de comunicação verbal – [...] pode refletir a individualidade de quem fala (ou

escreve)”(BAKTHIN, 2003, p. 202).

Os elementos constituintes do gênero - conteúdo temático, estrutura

composicional e estilo - estão indissoluvelmente ligados, e muitas vezes, torna-se

difícil analisar um sem mencionarmos o outro. Dito isto, passemos à análise de um

texto.

4 - Análise do Gênero Discursivo Panfleto

No início do trabalho defendemos o ensino de línguas tendo como objeto os

gêneros do discurso. Dessa forma, para melhor compreensão de como se pode trabalhar

com os gêneros, faremos uma breve análise da estrutura do enunciado, organizado na

forma de um panfleto, que foi utilizado em uma situação concreta de comunicação. No

entanto, queremos deixar bem claro que a análise é apenas uma pequena parte de um

processo bem mais complexo de trabalho com os gêneros discursivos4.

4Para melhor compreensão de uma metodologia na íntegra, sugerimos uma consulta ao material produzido por

professores do ensino fundamental – anos inicias – que frequantam um grupo de estudos, ligado à Linha de Pesquisa Linguagem: práticas linguísticas, culturais e de ensino, do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras –

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Conforme a ordem metodológica sugerida por Bakthin, faremos a análise de um

panfleto produzido para atender a uma necessidade da Secretaria Estadual de Saúde de

São Paulo no combate a dengue. Portanto, um enunciado concreto pertencente à esfera

social da saúde, atrelado aos recursos da esfera publicitária.

Por que identificamos o texto em análise como um panfleto? Além do suporte

próprio para esse gênero (uma folha avulsa, preenchida, geralmente, de um lado apenas)

e de seu veículo de circulação (é entregue diretamente às pessoas ou é deixado em

lugares acessíveis, a fim de que possa circular livremente), organiza seu enunciado de

forma que é possível identificá-lo através das seguintes características: é direto e

objetivo; tem poucas informações; o texto é composto por poucas e pequenas frases ou

unidades discursivas; traz as marcas dos patrocinadores através de logotipos; é colorido

(na maioria das vezes); utiliza-se da linguagem verbal e não verbal; o tamanho e o tipo

de papel através do qual é veiculado correspondem ao modelo convencionalmente

instituído pela sociedade.

Vejamos o texto selecionado para este estudo:

Nível de Mestrado, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Trata-se dos Cadernos Pedagógicos

01, 02 e 03, intitulados: “Sequência Didática: uma proposta para o ensino da Língua Portuguesa nas séries iniciais”

(AMOP, 2007a; AMOP, 2007b; COSTA-HÜBES e BAUMGARTNER, 2009), organizado pela Profa. Dra. Terezinha da Conceição Costa Hübes e pela Profa. Dra. Carmen Teresinha Baumgärtner, coordenadoras do grupo de

estudos que deu origem ao material. Este material é composto por sequências didáticas com diversos gêneros dos

discursos, e apresenta uma metodologia de trabalho direcionado aos anos iniciais do ensino fundamental.

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O panfleto circulou por ocasião do aumento no índice de óbitos por dengue no

Estado de São Paulo. No início de 2010, o município encontrava-se entre os oito

Estados que apresentavam números recordes de óbitos nos últimos três anos em

decorrência da dengue. Segundo o site de combate a dengue:

Em 2010, São Paulo registrou 2.310 casos graves de dengue, o que inclui as mortes por febre hemorrágica e de DCC (dengue com complicação). Com as 120 mortes já confirmadas, o índice de letalidade da doença chega a 5,19% dos casos graves, taxa cinco vezes maior que o considerado aceitável pela OMS (Organização Mundial da Saúde)

5.

Segundo o site, o aumento da doença é ocasionado por vários fatores, entre eles:

problemas no atendimento aos pacientes que se apresentam aos serviços de saúde; o

diagnóstico tardio e um tratamento inadequado, além da automedicação ao invés da

procura por assistência médica tão logo quanto possível. Como a dengue é uma doença

de evolução rápida, a procura pelo atendimento médico, a tempo, pode significar a vida

do paciente. Uma das saídas imediatas para diminuir o problema é educar a população e

capacitar os profissionais de saúde.

Diante do exposto, o governo Estadual de São Paulo, em parceria com a

Empresa metropolitana de Transportes Urbanos - EMTU/SP - uma sociedade anônima

de economia mista e de capital fechado controlada pelo Governo do Estado de São

Paulo; com a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transportes do

Estado de São Paulo – ARTESP; com o Departamento de Vigilância à Saúde de São

Paulo – COVISA, entre outras, fez circular um panfleto que tinha como tema a dengue.

O objetivo era conscientizar a população sobre os cuidados ao contrair a doença para

evitar mais complicações e possíveis óbitos por dengue.

4.1 - Contextualizando o panfleto: conteúdo temático

5 ( disponível em:

http://www.combateadengue.com.br/?p=857. Acessado em 05 de setembro de 2010)

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É sabido que a dengue é uma doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti,

de caráter infecciosa, causada por quatro diferentes sorotipos de um mesmo vírus. O

tratamento da doença é a hidratação do paciente. Os sintomas da doença são: febre

acima de 38°, dores fortes no corpo e nos olhos, dor de cabeça e desânimo. A doença

pode evoluir muito rápido, todavia, uma das soluções imediatas para sanar o problema é

a educação da população. Sendo assim a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo

mandou confeccionar um panfleto informativo, destinado a circular nos órgãos

públicos, em especial nas diversas unidades da Secretaria de Saúde do Estado,

abordando os principais sintomas e os cuidados a serem tomados para evitar possíveis

complicações da doença, ou a morte de pacientes, em decorrência da automedicação e

ou falta de atendimento em tempo hábil.

A escolha do gênero panfleto, neste caso, se justifica porque permite, através de

suas características mais ou menos estáveis, ser reproduzido num grande números de

exemplares para cumprir a função social de informar, se não todo, pelo menos uma

grande parte do público alvo que corresponde à população do Estado de São Paulo,

cerca de 41.384.039 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE. E por conta de sua forma e tamanho, facilita o manuseio pela

população e sua circulação nas diversas unidades que compõem a esfera da saúde. Além

disso, outro fato que determina a escolha deste gênero é a relação entre os interlocutores

que não dá pra acontecer boca a boca, em virtude de o público alvo ser composto por

um grande número de pessoas, por isso, também, a parceria com os meios de transportes

públicos nos quais o panfleto irá circular para fazer chegar a informação ao público

alvo.

4.2 - Estrutura composicional

Os autores do texto – profissionais da empresa contratada para confeccionar o

panfleto (provavelmente da esfera publicitária) – se basearam nas características

convencionalizadas socialmente por este gênero, já que a organização de seu enunciado

se apresenta mais menos da mesma forma em outros textos. Escreveram tendo em vista

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o interlocutor (cidadãos da cidade de São Paulo), os propósitos comunicativos (informar

ao público sobre os sintomas da dengue); a situação imediata (momento marcado pelo

aumento dos casos da doença); a situação mais ampla (geralmente a doença se alastra

em determinada época do ano). Além disso, o gênero permite intercalar a linguagem

verbal e a não verbal, o que o torna mais atrativo e acessível a diferentes interlocutores.

No panfleto em foco, constatamos como característica comum ao gênero: o

enunciado é direto; tem poucas informações; as frases ou unidades discursivas são

pequenas; traz as marcas dos patrocinadores através de logotipos; é colorido; utiliza-se

da linguagem verbal e não verbal; o tamanho e tipo de papel através do qual é veiculado

corresponde ao modelo convencional.

4.3 - Estilo

Mesmo mantendo as características gerais de um panfleto, os autores exploram

estilo próprio como: o texto é iniciado com uma frase exclamativa que tem um tom

argumentativo: “PODE SER DENGUE!”. Exploraram bastante as cores, predominando

o preto, o vermelho e o amarelo; utilizaram o recurso dos sinais de adição, na cor preta,

para dá um efeito somatório dos sintomas, os quais se apresentam em forma de

desenhos sinonímicos sobre fundo de cores distintas em tons de amarelo, verde, roxo e

vermelho, e representado abaixo de cada desenho a forma verbal do sintoma sob forma

de letras garrafais preta. Na sequência da representação dos sintomas, os autores

utilizam o sinal de subtração em cor vermelha e, logo à frente, o desenho de uma pessoa

assoando o nariz sobre fundo vermelho, escrito abaixo, „RESFRIADO”, em letras

garrafais vermelhas. Logo depois, em cor preta, o sinal de igualdade seguido da frase

(unidade discursiva injuntiva): procure um médico ou posto de saúde. E como é

característico do gênero, os logotipos das empresas responsáveis pela confecção e

publicação do panfleto que fazem parceria com a Secretaria Estadual da Saúde de São

Paulo, entre eles: a CONVISA, EMTU/SP, ARTESP, Governo estadual, entre outros.

O enunciado é composto com utilização de cores, figuras, sinais de adição,

subtração e igualdade para facilitar a compreensão do interlocutor. E a utilização das

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cores (predominando a cor vermelha, preta e amarela), além de chamar a atenção do

interlocutor por tornar o texto mais atrativo visualmente, sugere outra interpretação:

vermelho pode estar relacionado com o perigo da doença; preto pode referir-se ao luto,

à morte, pois uma vez não tratada devidamente, a dengue pode levar a pessoa à óbito; e,

finalmente, amarelo que é sinal de alerta à população.

A estratégia de utilizar os sinais matemáticos, provalvemente, se justifica pela

intenção de enfatizar, que a dengue apresenta todos os sintomas mencionados, menos

(“-”) o resfriado. Talvez estes recursos possam sinalizar para um público menos

esclarecido, mas que possuem contato com as operações básicas do dia a dia comum a

“todos” os cidadãos. Isso facilita a constituição do sentido pretendido pelos autores. Ou

seja, o sentido não é único, mas é direcionado pelos locutores do texto.

5 - Considerações Finais

Neste trabalho buscamos apontar alguns conceitos básicos que devem ser

dominados para o trabalho com os gêneros, bem como realizamos a análise de um

enunciado materializado no gênero discursivo panfleto, de acordo com a ordem

metodológica de estudo da língua, conforme com a proposta de Bakhtin (2006),

atentando para os três elementos constituintes do Gênero: conteúdo temático, estrutura

composicional e estilo composicional.

Com isto pudemos perceber que o aprendizado da língua não se dá apenas com o

ensino de gramáticas e suas partes, mas é através dos enunciados concretos, ou seja,

todas as formas verbais e não verbais de interação, nas quais se materializam intenções

reais de comunicação de determinados grupos, ou conforme Bakhtin, “esferas sociais”,

que o ensino de língua se justifica, levando em conta os interlocutores e o papel social

que representam, a intenção comunicacional, o veículo, o suporte de circulação e o

contexto social de produção. Assim os alunos podem compreender o porquê de estudar

língua portuguesa e atentar para importância de dominar as formas como se

materializam os discursos na língua: os gêneros dos discursos e sua funcionalidade na

sociedade.

II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010

Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR

ISSN 2178-8200

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