gÊnero hq – compreendendo o conteÚdo...

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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010 Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR ISSN 2178-8200 GÊNERO HQ COMPREENDENDO O CONTEÚDO IMPLÍCITO MACHADO, Tatiane Henrique Sousa (UNIPAR) RESUMO: Pretende-se com este trabalho refletir a respeito das práticas de trabalho com o gênero textual HQ, a partir da análise de algumas propostas de interpretação textual. Partir-se-á da concepção de gêneros textuais como fenômenos históricos interligados a vida cultural e social, portanto, fruto do trabalho coletivo e agentes de contribuição para a materialização das atividades comunicativas da sociedade (MARCUSCHI, 2002). Eisner (1989 apud Mendonça 2002) acredita que as HQs surgiram na pré-história. Todavia, o surgimento das HQs conforme conhecemos se deu em meados do século XIX na Europa (IANONNE E IANONNE,1994). Entretanto, é a partir do século XX que esse gênero se consolida em veículos, tais como os jornais e revistas, aumentando sua circulação e diversificação e evoluindo para o cenário atual que comporta diferentes temáticas, estilos e locais de circulação (MENDONÇA, 2000). Assim, conforme afirma essa mesma autora a leitura de diferentes gêneros nos permite melhor reconhecê-los; Contudo, sua categorização se configura como um tarefa difícil, devido à diversidade de critérios que podem ser verdadeiramente utilizados (BRONCKCART, 1999). Por conseguinte, em consonância ao preconizado pelos PCNs percebe-se o movimento crescente de deslocamento das HQs antes restritas ao meio midiático para os livros didáticos de Ensino Fundamental e Médio. Em contrapartida, percebe-se também uma dificuldade de compreensão do conteúdo exposto nesses textos, que carregam um dizer autorizado pelo emissor, todavia, não apresentado explicitadamente. Logo, acredita-se que as HQs podem possibilitar ao aluno o desenvolvimento de habilidades e competências, além da reflexão sobre os conteúdos que coexistem num determinado texto. Palavras-chave : gênero textual, tiras, leitura, interpretação. 1 - Introdução Este trabalho tem por premissa discutir o potencial do gênero HQ como mecanismo de percepção dos sentidos velados (implícitos) presentes nos textos. Assim, pretende- se analisar algumas possíveis „leituras‟ que podem ser suscitadas por intermédio desse gênero. Munido desse material, acredita-se que o gênero HQ é carregado de sentidos, todavia, na maioria das vezes de maneira velada. Diante disso, nota- se que é fundamental o docente „guiar‟ os alunos para as possíveis leituras (sempre aliadas contexto e sentido) que podem ser realizadas, vislumbrando assim, um leitor mais atento e mais ativo no processo de interação entre os sujeitos.

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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010

Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR

ISSN 2178-8200

GÊNERO HQ – COMPREENDENDO O CONTEÚDO IMPLÍCITO

MACHADO, Tatiane Henrique Sousa (UNIPAR)

RESUMO: Pretende-se com este trabalho refletir a respeito das práticas de trabalho com o gênero textual HQ, a partir da análise de algumas propostas de interpretação

textual. Partir-se-á da concepção de gêneros textuais como fenômenos históricos interligados a vida cultural e social, portanto, fruto do trabalho coletivo e agentes de

contribuição para a materialização das atividades comunicativas da sociedade (MARCUSCHI, 2002). Eisner (1989 apud Mendonça 2002) acredita que as HQs surgiram na pré-história. Todavia, o surgimento das HQs conforme conhecemos se deu

em meados do século XIX na Europa (IANONNE E IANONNE,1994). Entretanto, é a partir do século XX que esse gênero se consolida em veículos, tais como os jornais e

revistas, aumentando sua circulação e diversificação e evoluindo para o cenário atual que comporta diferentes temáticas, estilos e locais de circulação (MENDONÇA, 2000). Assim, conforme afirma essa mesma autora a leitura de diferentes gêneros nos permite

melhor reconhecê-los; Contudo, sua categorização se configura como um tarefa difícil, devido à diversidade de critérios que podem ser verdadeiramente utilizados

(BRONCKCART, 1999). Por conseguinte, em consonância ao preconizado pelos PCNs percebe-se o movimento crescente de deslocamento das HQs antes restritas ao meio midiático para os livros didáticos de Ensino Fundamental e Médio. Em contrapartida,

percebe-se também uma dificuldade de compreensão do conteúdo exposto nesses textos, que carregam um dizer autorizado pelo emissor, todavia, não apresentado

explicitadamente. Logo, acredita-se que as HQs podem possibilitar ao aluno o desenvolvimento de habilidades e competências, além da reflexão sobre os conteúdos que coexistem num determinado texto.

Palavras-chave: gênero textual, tiras, leitura, interpretação.

1 - Introdução

Este trabalho tem por premissa discutir o potencial do gênero HQ como

mecanismo de percepção dos sentidos velados (implícitos) presentes nos textos. Assim,

pretende-se analisar algumas possíveis „leituras‟ que podem ser suscitadas por

intermédio desse gênero. Munido desse material, acredita-se que o gênero HQ é

carregado de sentidos, todavia, na maioria das vezes de maneira velada. Diante disso,

nota-se que é fundamental o docente „guiar‟ os alunos para as possíveis leituras (sempre

aliadas contexto e sentido) que podem ser realizadas, vislumbrando assim, um leitor

mais atento e mais ativo no processo de interação entre os sujeitos.

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Desse modo, conforme a inteligente metáfora do texto e o iceberg, acredita-se

que atividades voltadas à compreensão das HQs podem incitar nos alunos no ambiente

escolar a busca pelos conteúdos não revelados na camada superficial do texto, em

consonância a compreensão de Koch (2008, 9, 07) de que o texto não é um simples

aglomerado de palavras destituídas de sentido e conexão, fato esse fundamental para o

uma leitura menos decodificadora e mais racional.

Por conseguinte, a concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são

vistos como atores/construtores sociais, portanto, o texto passa a ser considerado o

próprio lugar da interação, e os interlocutores, sujeitos ativos que dialogicamente se

constroem e são construídos por intermédio dele (KOCH, 2002). Desta forma, no texto

coexistem uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis

quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da

interação.(KOCH, 2002, p. 17)

Com base nesta perspectiva, o este estudo justifica-se devido a grande

dificuldade de interpretação que alguns alunos apresentam e também do fascínio que as

HQs exercem no seu imaginário. Desse modo, será observado um pequeno trecho da

obra “Toda Mafalda” (2003) e algumas tiras do personagem Hagar, demonstrando como

esse „ingênuo‟ gênero textual, frequente na sociedade, pode contribuir aumentando a

capacidade interpretativa dos alunos, bem como lhes permitindo vislumbrar mais que o

conteúdo meramente decodificado, mas o subentendido.

Além disso, por meio da perspectiva sociointeracionista, fundamentada nas

teorias linguísticas, busca-se analisar o gênero HQ (presente socialmente nas relações

dos indivíduos), vislumbrando não somente o alcance aos objetivos descritos e

promulgados nos PCNs (acesso a diversidade de gêneros), como também o

reconhecimento do papel que os gêneros textuais possuem na formação de leitores.

1 - Os gêneros textuais

Os estudos acerca dos gêneros textuais iniciaram a partir de Baktin (2003),

primeiro autor a remeter-se ao termo “gênero”, referindo-se aos diferentes textos

utilizados na sociedade em suas ações cotidianas e relativamente estáveis. Por

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conseguinte, para esse autor, todo texto é produzido e dotado de características que

podem ou não ser facilmente identificadas em relação ao seu assunto, estrutura ou

estilo. Nesse sentido, Dolz e Schneuwly (2006) asseveram que os gêneros materializam

as práticas de linguagem.

Assim, para Bakthin (2003) a relação de gênero e língua pressupõe:

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) (...). O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades

de cada uma dessas esferas [esferas da atividade humana], não só por seu

conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos

recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas

também, e, sobretudo, por sua construção composicional. Estes três

elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-

se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela

especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado

considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização

da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso

que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 279).

Portanto, os gêneros textuais não se referem a simples composição de

características textuais semelhantes (a um mero agrupamento), mas sim a junção de

conteúdo, estilo e construção aliados a um dado enunciado numa esfera da

comunicação.

Desse modo, pode-se compreender os gêneros textuais como uma infinidade de

textos que circulam na sociedade (em determinadas esferas) tais como: carta, e-mail,

receita, carta ao leitor, charge, entrevista, HQ e muitos outros. Portanto, constituem-se

como diferentes formas textuais (verbais e orais) históricas e socialmente situadas

(BRONCKART, 1999).

Assim, os gêneros textuais podem conferir à escola a possibilidade de trabalho

com textos ligados a realidade do aluno, portanto, no seu foco de interesse,

possibilitando assim, uma postura coerente dado o elo escola e sociedade, bem como, o

acesso a leitura de mundo, essencial para a construção do cidadão tão difundida nos

discursos institucionais.

Ao encontro dessa perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN

(BRASIL 2000) assinalam, dentre os objetivos do ensino de Língua Portuguesa:

possibilitar que os alunos sejam capazes de fazer uso das diferentes linguagens verbal,

matemática, gráfica, plástica e corporal, alargando sua capacidade de comunicação e

expressão, observando as intenções e situações de comunicação (contexto). Portanto,

percebe-se que os PCN consideram necessário que a escola viabilize o acesso do aluno

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ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinando-os a produzi-los, bem como

interpretá-los. Todavia, conforme aponta Mendonça as “HQs na escola são

negligenciadas, apesar de relevantes” (2002, p. 202), acredita-se que tal premissa possui

gênese na ideia de leitura de quadrinhos como fácil e passatempo ingênuo.

Segundo Bakhtin (1993) as HQs se constituem como um gênero discursivo

secundário, que em diversas situações englobam gêneros primários dadas as

circunstâncias de comunicação.

Para Eguti (2001) o principal objetivo dos quadrinhos é a narração de fatos, fato

esse, que lhe confere a conversação natural de personagens, que interagem face a face

por palavras e expressões faciais e corporais, portanto, nas HQs convivem a dicotomia

verbal/não-verbal na qual é fundamental a alusão a esses dois contextos para o efetivo

entendimento. Todavia, Fávero (s/d apud Eguti) afirma que a prévia preparação das

HQs não as conferem o caráter de livre formulação da conversação, já que não observa-

se recursos próprios da língua falada, tais como repetições, redundâncias, dentre outras.

2 - Histórias em quadrinhos – HQ: uma difícil definição

Inicialmente é fundamental abordar a dificuldade de se definir HQ, já que muitas

vezes o encontramos com o nome de charge, tira, quadrinhos. Segundo Mendonça

(2002) até mesmo os profissionais da área possuem essa dificuldade, fato que tem

causado inúmeras definições „nebulosas‟. Para Cirne (2000. p.23-24) apud Mendonça

(2002) “Quadrinhos são uma narrativa gráfico-visual, impulsionada por sucessivos

cortes, cortes estes que agenciam imagens rabiscadas, desenhadas e/pintadas.”

As HQs, chamadas de “arte sequencial” iniciaram-se nas pinturas rupestres e

sofreram modificações ao longo da história, transformando-se por meio de inserções de

porções textuais aos desenhos (EISNER, 1989 apud Mendonça 2002). Todavia, para

Ianonne e Ianonne (1994) o surgimento das HQs conforme conhecemos se deu em

meados do século XIX na Europa. Já a sua consolidação foi percebida a partir do século

XX. (MENDONÇA, 2002)

Quanto a inserção no campo universitário Eisner (1989) afirma que após a

Segunda Guerra Mundial essa arte causou grande polêmica, não sendo admitida nas

discussões acadêmicas. Todavia, a partir da década de 70 , órgãos de educação passaram

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a inclui-las nos seus currículos . (RAMA e VERGUEIRO, 2004). No Brasil, somente

em 1997 passaram a ser recomendadas pelo MEC. (PCN, 2000).

Em relação ao tipo textual, as HQs são narrativas na maioria das vezes,

entretanto, podemos encontrar HQs com sequências argumentativas, injuntivas e

expositivas, além de diferentes formações discursivas, tais como a jornalística ou as

menos freqüentes literárias. (FIX apud Marcuschi, 2000).

Ramos (2007) referenda num estudo algumas características das diferentes

formas de produções de histórias em quadrinho tais como:

(01) vários gêneros utilizam a linguagem dos quadrinhos; é o caso da charge, do cartum, dos diferentes gêneros autônomos das histórias em quadrinhos (entendidas aqui como um gênero integrante de um rótulo maior homônimo) e das tiras (entre eles, as tiras cômicas); (02) predomina a seqüência textual narrativa, que tem nos diálogos um de seus elementos constituintes; (03) há personagens fixos ou não; alguns dos trabalhos se baseiam em personalidades reais, como os políticos; (04) a narrativa pode ocorrer em um ou mais quadrinhos e varia conforme o formato do gênero, padronizado pela indústria cultural; (05) em muitos casos, o rótulo, o formato e o veículo de publicação constituem elementos que acrescentam informações genéricas ao leitor, de modo a orientar a percepção do gênero em questão; (06) a tendência é de uso de imagens desenhadas, mas ocorrem casos de utilização de fotografias para compor as histórias;

Assim, essa autora constatou que “existem elementos comuns aos diferentes

gêneros estudados, entre os quais se destacam dois: predominância da sequência

narrativa, representada em um ou mais quadros, e uso da linguagem gráfica das histórias

em quadrinhos (como os balões)”(RAMOS, 2009, s.p). Portanto, percebe-se que esses

elementos antecipam informações genéricas ao leitor e o ajudam no processo de

identificação e leitura dos diferentes gêneros que compartilham tais características.

Ainda segundo Ramos (2009) os quadrinhos ou história em quadrinhos seriam

um grande rótulo, que agregaria diferentes gêneros comuns, no qual convivem os

quadrinhos, os cartuns, charges, tiras cômicas, tiras cômicas seriadas. logo, pode-se

observar que a constituição do gênero na atividade não se constitui como uma atividade

estanque, mas sim mutável que vai se transformando conforme a situação discursiva.

4 - Leituras dos HQ e a atribuição de sentidos

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O conceito de leitura normalmente está atrelado a noção de decifração da escrita,

no entanto, essa atividade pressupõe um processo de formação global do indivíduo

(MARTINS, 1994), no qual o aluno conscientiza-se de sua autonomia, gerando desse

modo, comprometimento, uma vez que a efetiva leitura não se constitui como uma

atividade linear, mas sim lotada de rupturas à passividade e enfrentamentos, diante do

que é posto (MARTINS,1994)

Além disso, é sabido que a importância da leitura, reside no fato de ela favorecer

a remoção de barreiras educacionais, portanto, confere oportunidades mais justas de

educação por intermédio da promoção do desenvolvimento da linguagem e do exercício

intelectual (BAMBERGER,1986, p.11).

Nesse mesmo contexto, Mendonça (2002) compreende que algumas HQs

demandam diferentes estratégias de leitura, bem como um alto grau de conhecimento

prévio e outras são mais simples e podem ser consideradas didáticas e fundamentais

para o processo de persuasão em campanhas educativas.

Todavia, é fundamental lembrar que toda atividade interativa (leitura) de

produção de sentidos pauta-se nos elementos linguísticos presentes na superfície textual,

bem como na sua organização. Portanto, essa atividade requer um extenso conjunto de

saberes (enciclopédicos, contextuais e situacionais) para a partir desse, reconstruir-se

como um evento comunicativo. Ou seja, o sentido é construído na interação texto e

sujeitos. (KOCH, 2002)

Desse modo, o processo de interpretação textual ocorrerá por intermédio da

produção de sentidos e representações coerentes, ativados pelos conhecimentos prévios,

a partir dos quais se cria conclusões que o próprio texto aponta. (KOCH,2002). Sendo

assim, o produtor do texto não apresenta todos os dados, deixa, portanto, informações

implícitas para que o leitor interprete por meio de deduções e relações.

5 - HQs e o ensino

Sabe-se que as HQs possibilitam diversificados trabalho, tais como:

levantamento de expectativas, conhecimentos sobre personagem, exploração textual,

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bem como a análise mais específica do gênero (Mendonça, 2002). Além disso, o

potencial das Sequências Didáticas (SD) também buscam retratar o texto como

instrumento de ensino, objetivando criar contextos de produção eficientes, além de

propiciar atividades múltiplas (DOLZ;NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).

Portanto, a análise realizada neste trabalho partirá do pressuposto que as etapas

de reconhecimento, levantamento das características, comparação com outros gêneros e

discussão já tenham sido realizadas, focalizando, portanto, à discussão sobre processos

interpretativos eficazes neste gênero textual.

Assim, pretende-se neste trabalho apresentar algumas questões interpretativas

que podem ser utilizadas nas práticas docentes, buscando demonstrar a capacidade

interpretativa que esse gênero possui em contraposição a visão preconceituosa de HQ

como mera diversão. Portanto, não se trata de uma „receita‟ ou um modelo a ser

seguido, mas sim a discussão de alguns aspectos passíveis de serem trabalhados, tais

como a intencionalidade, situacionalidade, bem como, os sentidos atribuídos no

encontro dos conteúdos verbal e não-verbal, dentre muitos outros. Ressalta-se, porém

que cabe ao professor analisar os conhecimentos (prévios) necessários para „guiar‟ a

construção desse conhecimento (diálogo texto e leitor).

Além disso, o professor também deverá levar em consideração que a HQ como

um gênero textual existe em detrimento a necessidade social, portanto, conforme

compreende Costa-Hübes (2005, s.p) “a escolha de um gênero existe para a

concretização daquilo que temos para dizer dependerá, então, daquilo que queremos

dizer, de como pensamos em dizê-lo e para quem queremos dizer”. Assim sendo, numa

atividade de interpretação e leitura como as propostas neste trabalho é fundamental

observar tais informações como fatores imprescindíveis a uma leitura coerente.

O corpus escolhido para essa proposta consiste em algumas tiras ou HQs

selecionadas na obra “Toda Mafalda”, de autoria do argentino Joaquim Salvador

Lavado (Quino). Essa obra apresenta um teor contestador dos costumes da sociedade

latina (America Latina, anos 1960 e 1970), período de intensas transformações sociais e

econômicas (MEDEIROS, 2007). Portanto, ao ler um texto é fundamental observar seus

elementos contextuais tais como: momento histórico de escrita, autor e local de

veiculação, para a partir disso, realizar as conexões necessárias. à interpretação

coerente. Desse modo, de um lado a personagem neste cenário representa o

questionamento aos valores da sociedade naquele momento, mas por outro suas

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inquietações também se mostram bastante atuais. Portanto, a compreensão dessas HQs

somente se fundamentará a partir da interação latente produtor e interpretador, por meio

das pistas e sinalizações dadas pelo texto, indícios esses que muitas vezes não estão

explícitos (KOCH, 2002)

6 - Análise do corpus selecionado

Na HQ (figura 1) permite-nos por intermédio de atividade de leitura crítica,

estimular a busca pelos sentidos explícitos e implícitos no texto. Ao questionar o pai,

utilizando metaforicamente o termo animal raro, Mafalda permite que a leitura

transponha o mero objeto lido, sendo necessário portanto, a leitura contextual e

situacional da obra . Portanto, poderiam ser discutidas em sala questões tais como: o

motivo da menção de „animal raro‟, o que ela significa no interior desse texto? Além

disso, quando Mafalda responde: “Mas ser idiota” e sai andando, num movimento de

reticências, cabe a quem recuperar o significado desta fala e dessa atitude? O que essa

atitude significa e o que ela provoca no leitor.

Figura 1 - LAVADO, Joaquim Salvador [Quino]. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 03

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Já na segunda HQ (figura 2), observa-se a possibilidade de inferência de

questões relativas aos valores respeitados na sociedade. Tal leitura pode ser observada

tanto historicamente (momento de produção desta tira), quanto na atualidade. Esse

movimento de comparação e de análise crítica permitirá ao aluno a busca pelo sentido

adequado, bem como poderá incutir o questionamento sobre essa questão temática (bens

e cultura).

Figura 2 - LAVADO, Joaquim Salvador [Quino]. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 40

Na figura 3 podem ser explorados atividades orais de discussão com os alunos,

na qual o professor lança a pergunta. “Quem está doente e por quê?”, por intermédio das

respostas dos alunos podem-se discutir diferentes assuntos. Esse tipo de atividade

permite o exercício da argumentação e evoca diferentes questionamentos. Lembrem-se

que focaliza-se neste tipo de trabalho estimular a participação e propiciar uma leitura

crítica ou engajada, e não a mera decodificação.

A respeito desse trecho, podemos ressaltar que durante uma atividade proposta,

sem acompanhamento podem aparecer respostas totalmente discrepantes. É

fundamental explicar ao aluno a importância de observar as pistas textuais presentes no

texto. O que está em cima da cama? Esse objeto metonimicamente nos remete a que?.

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Figura 3 : LAVADO, Joaquim Salvador [Quino]. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 43

O segundo corpus escolhido se trata das histórias em quadrinhos do personagem

HAGAR, guerreiro viking rude e glutão, que vive brigando com sua esposa Helga. Cabe

ressaltar que tanto Mafalda quanto Hagar possuem tiras (histórias de 3 a 4 quadros)

como também histórias mais extensas. Esses personagens são caracteristicamente

marcados, sendo assim, os conhecimentos (enciclopédico e partilhado) serão essenciais

para a compreensão do conteúdo implícito.

Na figura 4 inicialmente pode-se trabalhar com os elemento irônico presente do

texto. Os alunos podem ser questionados se a pergunta de Hagar é coerente naquele

contexto. Além disso, pode-se também questionar a intenção do autor com esse texto

(verbal e não-verbal). O que a onomatopéia do último quadro denota?

Figura 4: Fonte: http://www.merendafria.com/category/hagar-o-horrivel/, Acesso em 19/08/2010

Na última figura (fig.5) o elemento a ser explorado é a coerência e a ironia. A

resposta do HAGAR no segundo quadro é coerente? Essa coerência se dá internamente

no texto e em relação ao que se sabe do personagem (suas características), tal fato é

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possível? Qual a intencionalidade do autor ao utilizar esse recurso. Também pode ser

discutido que tipo de recurso frequentemente se utiliza para provocar a ironia. Esse

recurso é utilizado no cotidiano, ou somente nas HQs? Perceba que as perguntas vão

além do texto e procuram „provocar‟ a busca por respostas além daquelas explícitas

(dadas).

Figura 5: Fonte: http://www.merendafria.com/category/hagar-o-horrivel/, Acesso em 19/08/2010

7 - Conclusão

A partir do presente trabalho, podemos observar o potencial das HQs para as

atividades de interpretação textual no nível implícito. O foco foi demonstrar que esse

gênero além de vir ao encontro dos desejos dos alunos, também está frequentemente

sendo utilizado por diversos meios de comunicação (jornal, revistas dentre outros). Fato

esse que corrobora a sua inserção no meio escolar, por possibilitar o acesso a diferentes

textos que circulam na sociedade (PCNs).

Sendo assim, percebe-se que aqueles que o consideram apenas recurso de

humor, ou passatempo estão equivocados. Portanto, cabe ao professor procurar

diferentes corpus para organizar atividades que permitam explorar não somente o

aspecto característico do gênero, como também a relação de sentido que se estabelece

nesta junção (verbal e não-verbal), capacitando consequentemente o aluno para

diferentes leituras.

Referências bibliográficas

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