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1 O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UNIOESTE: UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO Jurema de Fatima Knopf 1 Maicon Diékson Costa Leite 2 RESUMO: Este artigo discute o curso de Licenciatura em Educação do Campo LedoC implementado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. O curso insere-se nesta instituição mediante a luta organizada dos Movimentos Sociais Populares do Campo MSP’sdoC. A formação de educadores do campo demarca as conquistas adquiridas no campo da luta por educação e políticas educacionais específicas para os trabalhadores do campo. Nesta direção, objetivamos com este estudo: identificar e refletir aspectos específicos do curso de licenciatura em Educação do Campo Turma Paulo Freire e analisar a organização curricular por área do conhecimento prevista no PPP deste curso. Para alcançar estes objetivos realizamos estudos bibliográficos sobre temáticas que perpassam a pesquisa e análise documental do Projeto Político Pedagógico PPP do curso. Entendemos que o curso de LedoC é parte das conquistas dos MSP’sdoC e pretende a formação do educador que compreenda a realidade do campo e da educação, com habilidades e conhecimentos específicos que possibilitem articular, projetar e propor uma escola com uma organização curricular que contemple as diferentes formas de saberes, de vida, cultura e trabalho no campo. PALAVRAS CHAVE: Educação do Campo, Formação de Educador, Currículo. INTRODUÇÃO A materialidade da luta pela terra no Brasil contemporâneo faz-se mediada pelo surgimento de Movimentos Sociais que, principalmente, a partir dos anos de 1990, configuram a Educação do Campo na cena nacional de luta por políticas educacionais. As lutas sociais do campo recolocam a discussão da educação para todos a partir da especificidade do campo e de seus sujeitos, na agenda nacional. É a materialidade do campo a propulsora de práticas educativas que disputam e exigem do Estado políticas educacionais protagonizadas pelos seus sujeitos. Entende-se que as políticas educacionais se constituem mediada pela disputa de interesses das classes fundamentais e suas frações, que configuram o Estado burguês. Se circunscrevem mediadas pela luta dos trabalhadores, que a impelem ao Estado e buscam assegurar a educação como direito real. 1 Mestre em Educação pela Unioeste email: [email protected] 2 Licenciado em Pedagogia para Educadores do Campo pela Unioeste.

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1

O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UNIOESTE:

UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO

Jurema de Fatima Knopf1

Maicon Diékson Costa Leite2

RESUMO: Este artigo discute o curso de Licenciatura em Educação do Campo – LedoC

implementado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. O curso insere-se nesta instituição

mediante a luta organizada dos Movimentos Sociais Populares do Campo – MSP’sdoC. A formação

de educadores do campo demarca as conquistas adquiridas no campo da luta por educação e políticas

educacionais específicas para os trabalhadores do campo. Nesta direção, objetivamos com este estudo:

identificar e refletir aspectos específicos do curso de licenciatura em Educação do Campo – Turma

Paulo Freire e analisar a organização curricular por área do conhecimento prevista no PPP deste curso.

Para alcançar estes objetivos realizamos estudos bibliográficos sobre temáticas que perpassam a

pesquisa e análise documental do Projeto Político Pedagógico – PPP do curso. Entendemos que o

curso de LedoC é parte das conquistas dos MSP’sdoC e pretende a formação do educador que

compreenda a realidade do campo e da educação, com habilidades e conhecimentos específicos que

possibilitem articular, projetar e propor uma escola com uma organização curricular que contemple

as diferentes formas de saberes, de vida, cultura e trabalho no campo.

PALAVRAS CHAVE: Educação do Campo, Formação de Educador, Currículo.

INTRODUÇÃO

A materialidade da luta pela terra no Brasil contemporâneo faz-se mediada pelo

surgimento de Movimentos Sociais que, principalmente, a partir dos anos de 1990,

configuram a Educação do Campo na cena nacional de luta por políticas educacionais.

As lutas sociais do campo recolocam a discussão da educação para todos a partir da

especificidade do campo e de seus sujeitos, na agenda nacional. É a materialidade do campo a

propulsora de práticas educativas que disputam e exigem do Estado políticas educacionais

protagonizadas pelos seus sujeitos. Entende-se que as políticas educacionais se

constituem mediada pela disputa de interesses das classes fundamentais e suas frações, que

configuram o Estado burguês. Se circunscrevem mediadas pela luta dos trabalhadores, que a

impelem ao Estado e buscam assegurar a educação como direito real.

1 Mestre em Educação pela Unioeste – email: [email protected]

2 Licenciado em Pedagogia para Educadores do Campo pela Unioeste.

2

Tomamos como referência para este estudo as práticas educativas desenvolvidas no

interior dos Movimentos Sociais Populares do Campo - MSP’sdoC, dentre as quais,

localizamos o curso de Licenciatura em Educação do Campo – LedoC da Universidade

Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Cascavel, que é parte das políticas educacionais do

campo no Paraná. A especificidade deste curso emerge das demandas concretas destes

Movimentos, que pautam a luta pela terra e educação como emergenciais para a seguridade de

direitos humanos fundamentais.

Os cursos de LedoC são efetivados mediante a consolidação do Programa de Apoio a

Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – PRONACAMPO, que foi

aprovado pelo MEC em Consonância com a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade – SECAD, Secretaria de Educação Superior – SESU e Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Este programa surge em resposta às

demandas e reivindicação dos Movimentos Sociais do Campo, em especial o Movimentos dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e Instituições de Ensino Superior – IES.

O programa em destaque objetiva promover a formação inicial dos docentes do campo

por meio de cursos de LedoC, organizados por área do conhecimento, em regime de

alternância. Habilita profissionais para atuação nos anos finais do ensino

fundamental e ensino médio em escolas do campo. Sua implementação iniciou como projeto

piloto no ano de 2007, nas universidades federais de Brasília, Minas Gerais e Bahia (Unb,

UFMG, UFS, UFBA). No ano de 2008 o MEC torna público, em âmbito nacional, a

institucionalização do PRONACAMPO como política de formação para o docente do campo

por meio do Edital nº 02/2008, o qual convoca a todas as universidades do país para

apresentar propostas de cursos de LedoC. No Paraná a Universidade Estadual do Oeste do

Paraná – Unioeste, concorre a este edital e inicia em 2010 a primeira turma de LedoC da

Unioeste, que posteriormente, denominou-se turma Paulo Freire.

O presente texto objetiva identificar e refletir aspectos específicos do curso de

licenciatura em Educação do Campo – Turma Paulo Freire e analisar a organização curricular

por área do conhecimento prevista no PPP deste curso. O que estes elementos citados

apontam de desafios para a universidade? Que características são afirmadas na formação do

educador do campo?

3

Os aspectos históricos da constituição do curso LedoC pode ser aprofundada em

outros estudos e artigos3 produzidos sobre. Nosso intuito, aqui, é explicitar no caminho da

pesquisa as especificidades deste curso na formação do educador do campo, comprometido

com a construção de alternativas curriculares que contraponham a lógica disciplinar adotada

na maioria das escolas do campo na atualidade. Para alcançar os objetivos propostos neste

estudo recorremos a estudos bibliográficos que auxiliam na compreensão sobre a temática, na

qual se insere a formação de educadores do campo.

Tomamos o PPP do curso como documento principal de análise para identificar e

discutir as especificidades do currículo organizado por área do conhecimento. A observação

vivida e o posicionamento político e pedagógico dos autores perpassaram os momentos de

estudo e análise documental neste estudo.

EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO E ESCOLA NA

FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO

A luta por educação do Campo emerge das práticas educativas que vinham

acontecendo no interior dos Movimentos Sociais Populares do Campo, que de forma

organizada reivindicam o seu protagonismo na formulação de políticas educacionais

específicas, que atendam suas formas de organização da vida e de trabalho no campo. É desde

este entendimento que discutimos a formação de educadores e a Educação do Campo no

contexto das políticas educacionais brasileiras.

A educação do Campo, no contexto educacional brasileiro, recoloca para a

sociedade o direito a educação universal, fruto de grandes debates e mobilizações de

educadores e setores da sociedade que se conformou na promulgado na Constituição Federal

de 1988. Desta forma, afirma o direito e protagonismo dos sujeitos do campo na constituição

de uma educação do e no campo, como destaca Caldart (2002, p. 26) “No; o povo tem direito

de ser educado no lugar onde vive. Do: o povo tem o direito a uma educação pensada desde o

seu lugar e com a sua participação, vinculada a sua cultura e as suas necessidades sociais”.

O direito a educação assume sentido político e pedagógico, pois trata-se de uma educação

3 Ver CAMPOS, J.C e VERDÉRIO, A.V. Licenciatura em Educação do Campo na Unioeste: elementos da

trajetória da turma Paulo Freire, Histdbr, 2013.

4

(Idem, p. 27) “dos e não para os sujeitos do campo. Feita, sim, através de políticas públicas,

mas construídas com os propósitos dos sujeitos dos direitos que a exigem”.

Ao afirmar que os sujeitos da educação do campo são os sujeitos do campo, que

incidem também no conteúdo e na forma das políticas educacionais específicas, contrapõe-se

aos programas educacionais materializados por meio da educação rural aos trabalhadores do

campo. A Educação do Campo demarca postura política ao contrapor- se a educação rural,

que pretendia frear a saída dos trabalhadores do campo em detrimento as demandas da

indústria, promovendo práticas pedagógicas a este público com o mesmo parâmetro da escola

urbana.

A concepção de Educação do Campo, desta forma, foi se configurando pelas lutas

sociais dos trabalhadores do campo e contra as condições sociais vigentes:

A Educação do Campo surge em um determinado momento e contexto histórico e não pode

ser compreendida em si mesma, ou apenas desde o mundo da educação ou desde os

parâmetros teóricos da pedagogia. Ela é um movimento real de combate ao atual estado das

coisas, produzidos pelos trabalhadores “pobres do campo”, trabalhadores sem-terra, sem

trabalho, sem escola, dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra o formato de relações

sociais que determina esta sua condição de falta. É este vínculo que dá a marca originária

da Educação do Campo: nasce das lutas sociais [...]. A Educação do Campo expressa

e confronta as contradições dessa sociedade, na particularidade em que modelam hoje a

luta de classes no campo. Seu projeto se constitui pelo modo como os trabalhadores do

campo e suas organizações se movimentam e se formam nesse quadro, buscando retomar e

transformar sua condição de camponeses. (CALDART, 2010, p.147-148).

Essa definição, formulada por Caldart, incorpora a perspectiva de totalidade inerente à

Educação do Campo e destaca os camponeses (e suas condições históricas de não acesso às

políticas educacionais), para que, como sujeitos políticos, considerassem as especificidades da

vida no campo, articulando a elas um novo projeto de sociedade e a respectiva educação

formal.

Deste modo, o campo e sues sujeitos conferem sentido a perspectiva de

educação gestada no interior dos Movimentos Sociais do Campo. A educação é entendida

como processo de formação humana que se estabelece nas relações sociais históricas, deste

modo, “a especificidade da Educação do Campo é do campo, dos seus sujeitos e dos

processos formadores em que estão socialmente envolvidos”. (Caldart, 2008, p. 73).

A materialidade da Educação do Campo visa alcançar a perspectiva de projeto social e

precisa ser compreendida desde as relações concretas nas quais se desenvolveu, pois segundo

5

Vendramini (2004), a Educação do Campo é apenas uma abstração se não considerada no

contexto em que é desenvolvida, nas relações que a suportam e, especialmente, se não for

compreendida no âmbito da luta de classes, luta que se expressa tanto no campo quanto na

cidade.

Nesta dimensão a educação é concebida vinculada ao destino do trabalho na sociedade

respaldada pela tradição pedagógica de perspectiva emancipatória e socialista. “Uma

tradição que nos orienta a pensar a educação colada à vida real, suas contradições, sua

historicidade; a pretender educar os sujeitos para o trabalho não alienado; para intervir nas

circunstancias objetivas que produzem o humano. (Idem, 2008, p. 78).

Deste modo, a lógica da vida no campo e as suas múltiplas dimensões orientam a

forma de conceber a educação e a organização do ensino na escola, na qual as formas de

trabalho e a relação com a vida adentram a esta instituição e questionam a sua organização

curricular atual.

Com relação à escola do campo,

Em nossa concepção de escola, a organização do trabalho pedagógico não está então,

centrada na transmissão de conteúdo, mas não os nega nem relativiza sua importância e

sim ao contrário quer dar mais sentido a eles pela busca permanente de um vínculo com

a realidade, com as questões da vida das pessoas. Nossos objetivos formativos não podem

ser atingidos apenas pelo ensino transmissivo de conteúdos mais críticos. É possível

formar ideias em sujeitos submissos e passivos. Em muitos lugares isso é feito. Nós

queremos (precisamos enquanto classe trabalhadora e na direção de seres humanos

mais plenos) formar sujeitos não submissos, organizadamente ativos e orientados por uma

visão de mundo. E isso não tem como garantir apenas através de conteúdos teóricos por

mais avançados e críticos que eles sejam nem mesmo apenas pelas atividades de estudo e

muito menos pelo estudo passivo de conteúdos fragmentados e descolados das questões da

realidade. Não podemos nos dar o luxo de deixar o tempo da escola de fora dos desafios

formativos mais amplo que temos. Mas nossa urgência histórica, nesse caso é porque

pertencemos a uma classe portadora de futuro, podem potencializar um processo educativo

muito mais denso de aprendizado e na direção de uma humanidade mais plena.

(CALDART, 2008, p.81).

Desta maneira, a escola do campo visa organizar o ensino de maneira a atenuar a

dicotomia entre trabalho e escola, campo e cidade. Nesse aspecto de repensar a forma de

ensinar e os conteúdos, é necessária uma ação conjunta entre a comunidade escolar e alunos,

principalmente porque é baseado no conjunto entre o que a entidade de ensino propõe e os

anseios dos educandos que se apoia para estruturar-se.

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É neste contexto, na materialidade do campo e nas lutas sociais dos

trabalhadores do campo, que adquire significado a luta por políticas educacionais. É da

concepção de educação e escola gestada neste processo, que emerge da demanda da formação

de educadores que saibam dialogar e intervir, de forma mais específica, na realidade

educacional do campo na atualidade.

A demanda pela formação de educadores para as escolas do campo no Paraná surge

colada à reivindicação por políticas educacionais específicas para o campo, como explicita a

discussão coletiva sistematizada na Carta de Porto Barreiro (2000), formulada durante a

II Conferência Estadual por uma educação do Campo, que posteriormente ganham força nas

discussões e encaminhamentos da Articulação Estadual Por uma Educação do Campo4.

Este documento demarca a ausência de políticas sociais, em particular as educacionais do

campo e afirma a demanda por políticas educacionais específicas do campo que

contraponham-se a lógica capitalista de agricultura para o campo.

CONTEXTUALIZANDO O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO

CAMPO TURMA PAULO FREIRE: ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO

CURRICULAR DO CURSO

O curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Estadual do Oeste

do Paraná foi implementado 20105. Iniciaram o curso 60 educandos dos estados de Tocantins,

Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.

O curso, pensado para atender as especificidades dos povos do campo, é estruturado

em regime de alternância (tempo escola e tempo comunidade) e é projetado num total de nove

etapas6, distribuídas no período de quatro anos. Durante o Tempo Universidade (TU) os

educandos ficam alojados na universidade e frequentam as aulas previstas para a etapa. O

Tempo Comunidade (TC) corresponde até 30% da carga horária das disciplinas do curso e é o

4 A Articulação Paranaense foi constituída durante a II Conferência Nacional e assumiu o compromisso de dar

continuidade as discussões, debates e articulações iniciadas neste evento. 5 Autorizado pelo Decreto n. 6357 de 26 de fevereiro de 2010.

6 Originalmente, conforme o PPP (2009), eram 8 etapas, integralizando o curso em 4 anos, mas devido a um

problema de não repasse de verba para garantir as condições materiais dos educandos na universidade, o

curso foi reorganizado em mais uma etapa, inclusive por falta de tempo para concluir as atividades. A

conclusão do curso estava prevista para o final de 2013 e foi adiada para a metade de 2014.

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momento em que os educandos retornam às suas comunidades de origem. Neste tempo os

educandos, além de cumprir com a carga horária das disciplinas, precisam se inserir nos

trabalhos individuais e coletivos de seus assentamentos.

A organização do Projeto Político Pedagógico deste curso referencia-se nas

experiências piloto dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo que estavam em

andamento nas universidades federais, em particular no curso de Licenciatura em Educação

do Campo da Universidade Nacional de Brasília-UnB, em parceria com o Instituto Técnico de

Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária – ITERRA.

Este curso é materializado por meio da luta organizada dos trabalhadores do Campo,

que tencionam o Estado e exigem políticas agrícolas e educacionais que atenuam as

desigualdades sociais e projetem alternativas que contraponham-se a lógica educacional

capitalista no campo.

Portanto, uma das especificidades dos cursos de formação de professores, que é

retomado no PPP (2009) da turma Paulo Freire, é o comprometimento com a construção de

um projeto de campo e de educação que considere as suas formas de vida e de trabalho. Nesta

perspectiva, os objetivos esperados com a formação do educador do campo são:

a. Formar educadores para atuação específica junto às populações que trabalham e vivem no

e do campo, no âmbito das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica, e da

diversidade de ações pedagógicas necessárias para concretizá-la como direito humano e

como ferramenta de desenvolvimento social.

b. Desenvolver estratégias de formação para a docência multidisciplinar em uma

organização curricular por áreas do conhecimento nas escolas do campo.

c. Contribuir na construção de alternativas de organização do trabalho escolar e

pedagógico que permitam a expansão da educação básica no e do campo, com a rapidez e

a qualidade exigida pela dinâmica social em que seus sujeitos se inserem e pela histórica

desigualdade que sofrem.

d. Estimular nas IES e demais parceiros da implementação desta Licenciatura ações

articuladas de ensino, de pesquisa e de extensão voltadas para demandas da Educação do

Campo (PPP, 2009).

8

Destaca-se no seu PPP (2009) o comprometimento com uma proposta educativa que

considere as especificidades do campo e que coloca para a universidade o desafio de efetivar a

formação docente pautada numa organização curricular por área do conhecimento. A estrutura

curricular adotada articula as disciplinas de ensino em quatro áreas de conhecimento:

Linguagens (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa, Artes, Literatura); Ciências

Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Agrárias.

A proposta do curso é formar o docente para a atuar em uma das áreas de

conhecimento: Ciências da Natureza e Matemática ou Ciências Agrárias, com

habilitação para atuar nos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e Ensino Médio,

em Escolas do Campo ou Escolas Itinerantes. A escolha por uma das áreas ocorre ao longo do

curso, depois de concluída a formação básica, comum para todos.

Nesta organização curricular o conhecimento está organizado em Núcleos de Estudos

Básicos (NEB); Núcleo de Estudos Específicos (NEE); Núcleos de Atividades Integradoras

(NAI) e Atividades Acadêmico-científico-culturais (AACC). O currículo7 prevê disciplinas,

seminários, estudo independente, estudos temáticos, oficinas de capacitação pedagógica,

oficinas de produção de materiais didáticos, trabalhos de campo e projetos. (PPP, 2009).

O curso pretende uma formação ampla, que articule aspectos gerais da relação escola e

comunidade no que diz respeito a necessária luta por sua permanência no campo e a dimensão

organizativa comunitária, bem como a formação docente específica na educação básica.

A proposição apresentada foi de criação de uma Licenciatura que se constitua desde a

especificidade da Educação do Campo (que inclui uma estreita relação entre educação e

processo de desenvolvimento comunitário) e que faça a formação dos educadores que

atuam ou pretendem atuar nas escolas do campo. Trata-se de desenvolver uma formação

que articule as diferentes etapas (e modalidades) da educação básica, preparando

educadores para uma atuação profissional que vá além da docência e dê conta da gestão

dos processos educativos que acontecem na escola. De forma articulada com esta atuação

mais ampla, esta Licenciatura pretende habilitar os professore para a docência

multidisciplinar em um currículo por áreas do conhecimento. (CALDART, 2010, p.131).

7 A carga horária do curso é de 3275 h, composta da seguinte forma: NEB - 780 h; NEE - 1410; NAI - 885 h,

sendo 210 h de pesquisa, 210 h de práticas pedagógicas, 405 h de estágios e 60 h de seminários integradores;

AACC - 200 h. São 8 h diárias de trabalho nos componentes curriculares durante cada tempo/espaço curso. E

ofertadas 60 vagas por turma (PPP, 2009).

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Está articulado ao curso, desta forma, a importância de o docente saber gestar projetos

educativos alternativos, formais e não formais, e desenvolver práticas educativas

interdisciplinares, articuladas a um projeto de desenvolvimento sustentável de campo,

reiterando a relação entre trabalho e educação como articuladores da organização do ensino

nas escolas do campo.

O regime de alternância adotado no curso de LedoC propicia desenvolver a pesquisa

desde o início do curso. Ainda que de forma incipiente o diagnóstico da comunidade permite

o primeiro contato do educando com informações sistematizadas da realidade em que está

inserido.

Para isso, a articulação de dois regimes de trabalho: o momento de realização das aulas, e o

momento de convívio na comunidade. O trabalho de campo envolve desde a prática

profissional em ambiente escolar até as investigações diversas sustentadas por referenciais

teóricos, mediadas pelo desafio da análise crítica da sociedade. A pesquisa será o meio

utilizado para o resgate dos saberes produzidos pela comunidade, do conhecimento

científico e tecnológico presentes na práxis do Movimento, das práticas educativas

presentes em suas comunidades, dos elementos de sua cultura, da identidade dos sujeitos do

campo e seu projeto sócio-político (PPP, 2009).

A pesquisa, portanto, é considerada uma atividade, processo, que inicia no

primeiro ano do curso e articula-se a disciplina de estágio supervisionado I, que consiste na

observação e diagnóstico da comunidade e propicia maior interação entre o TC e o TU.

No decorrer do curso são organizadas as linhas de pesquisa, as quais correspondem as

intenções de pesquisa dos educandos. As linhas de pesquisa aproximam temáticas de

estudos e possibilitam que a compreensão de determinado objeto de estudo individual, seja

apropriada de forma mais coletiva pelos educandos dos grupos de cada linha. A pesquisa

conclui-se com a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, que tem como

produto final a produção de um trabalho monográfico, acompanhado e orientado por um

docente do curso.

O currículo, na perspectiva assumida neste curso, questiona a atual estrutura de

organização do conhecimento nas escolas e por isso aproxima-se de uma compreensão crítica

de currículo, como a assumida por Moreira e Tadeu (2011), para o qual o currículo é

considerado um artefato social e cultural.

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Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de

sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro

de transmissão desinteressada do conhecimento social (MOREIRA e TADEU 2011, p.14).

Esta compreensão implica considerar que o currículo e seus arranjos de organização

do conhecimento, estão imbricadas às formas de organização da sociedade e da educação e

contribui para afirmar determinadas relações de poder nestes contextos. Portanto, o currículo

está implicado de relações de poder, transmite visões sociais particulares e interessadas e

por isso produz identidades individuais e sociais particulares, que geralmente contribuem

para manter as relações hegemônicas de poder.

Para Moreira e Tadeu (2011) a disciplina constitui-se o núcleo central do currículo na

atualidade e foi circunscrita num contexto que demandava maior controle social. Nesta

mesma direção os autores pontuam a interdisciplinaridade, alegando que mesmo aliando-se a

discursos inovadores, em última instância ela pressupõe a existência da disciplina, o que

mantém inalterado o núcleo duro do currículo.

Na discussão sobre o tema, Jantsch Bianchetti (1995) considera que a

disciplinaridade e a interdisciplinaridade são filhas de seu tempo e que portanto, ambas são

construções humanas, que respondem as necessidades de cada período histórico. Os

fenômenos sociais, para serem explicados, necessitam do auxílio de diferentes ciências e desta

forma a interdisciplinaridade pode ser entendida como uma demanda da atualidade.

Sendo assim, a interdisciplinaridade, contraditoriamente, tanto pode afirmar os

elementos constitutivos da educação numa perspectiva do mercado, por meio das demandas

da formação de um profissional criativo e com capacidade de resolver problemas no seu posto

de trabalho, quanto pode articular-se a uma perspectiva crítica de educação e contribuir para

desvelar as contradições sociais do capital.

A interdisciplinaridade articular-se a perspectiva crítica de educação, segundo

Bianchetti (1995) ela deve articular-se a perspectiva histórica dialética e deste modo deve se

constituir elemento mediador entre as diferentes disciplinas. Não poderá, jamais, ser um

elemento de redução a um denominador comum, mas sim, um elemento teórico-metodológico

da diferença e da criatividade. A interdisciplinaridade, nesta lógica, é assumida como

princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão de

seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e criatividade.

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Na organização curricular do curso de LedoC a interdisciplinaridade é assumida como

princípio metodológico à medida em que o estudo das disciplinas pressupõe a integração dos

seus conhecimentos por e entre as áreas de estudo. O desafio posto pelo curso é de que os

educandos, no final de sua formação, além do domínio específico dos conhecimentos da área

a qual foi habilitado, também adquira a “compreensão da lógica do trabalho interdisciplinar e

transdisciplinar no modo de produção da ciência e no modo de organizar o estudo/o ensino

por área do conhecimento”. Desta forma, a metodologia adotada na formação possibilita “que

os estudantes-educadores possam vivenciar na prática de sua formação a lógica do método

para o qual estão sendo preparados. (PPP, 2009).

Compreendemos o currículo por áreas como possibilidade de integração do

conhecimento, de forma não restrita aos limites disciplinares e suas partes isoladas, mas

organizada de modo que comtemple a perspectiva de totalidade, deste a realidade

específica e geral do aluno e do espaço em que se insere – o campo.

Segundo Santos (2008 apud RODRIGUES, 2010), a ideia de áreas do conhecimento

não é eliminar as disciplinas, pelo contrário, é através de cada uma delas que podemos

compreender o todo. Dialogando com o autor, entendemos que o conhecimento unificado em

termos do conceito de totalidade não é estanque porque a realidade está em constante

movimento, de modo que a realidade se transforma e os conceitos não são estáticos,

correspondem a seu tempo. Assim sendo, o conhecimento não é subjetivo, mas uma definição

concreta do real.

Outro autor que nos instiga compreender a organização do conhecimento por áreas é

Freitas (2003), que trabalha na perspectiva de aproximar ao máximo o ser humano da natureza

onde vive e às demais relações que permeiam a realidade, fazendo com que o saber não seja

estático, de forma que o sujeito consiga identificar-se em seu meio e aprenda reconhecer as

transformações que ocorrem a sua volta, podendo intervir na sua realidade. Para isso, é

necessário que tenha apropriação dos conhecimentos científicos, acesso a arte, a filosofia e a

história, enfim, a todas as formas de produção e criação humana.

As discussões sobre o ensino e o currículo por área do conhecimento no referido

curso, foram asseguradas mediante seminários e estudos específicos. Esta iniciativa pressupõe

uma estrutura político-pedagógica que possibilite a organização do ensino de maneira mais

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articulada. Contudo, no decorrer do curso, observamos a dificuldade da equipe docente da

universidade em assumir a interdisciplinaridade no planejamento para a organização do

ensino por área do conhecimento.

Concluímos, portanto, que as especificidades do curso de LedoC – turma Paulo Freire

(regime de alternância e a área do conhecimento) configura uma estrutura curricular que

dinamiza o processo de ensino e aprendizagem, tanto no tempo universidade, quanto no

tempo comunidade, permitindo maior potencialização da relação teoria – prática na

formação do educador do campo.

O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO E A LUTA

POR POLÍTICAS CURRICULARES ESPECÍFICAS DO CAMPO

No processo de desenvolvimento do curso de LedoC, identificou-se aspectos que

contradizem a sua estrutura curricular – área do conhecimento - projetada para a

formação do professor.

Além da formação adquirida durante o curso não condizer com a perspectiva da área

do conhecimento, como prevista no PPP (2009), a realidade das escolas do campo não

contempla a habilitação consentida pelo curso. A maioria das instituições de ensino

organizam o currículo por disciplinas.

Todavia, uma importante conquista de políticas educacionais específicas articuladas a

outra lógica de educação e organização do conhecimento se efetivou por meio da

estruturação da proposta curricular das Escolas Itinerantes8 do Estado do Paraná.

A proposta educacional destas escolas obrigou a Secretaria de Estado de Educação a

aprovar o Projeto Político Pedagógico da Escola Base- Colégio do Campo Iraci Salete Strozak

e reconhecer por meio da instrução nº 027/2010 SUED/SEED a atuação do professor por

áreas do conhecimento nesta instituição e nas Escolas Itinerantes a ele jurisdicionadas.

O documento supracitado organiza as áreas do conhecimento da seguinte forma: para

os anos finais do Ensino Fundamental área de Linguagens (Língua Espanhola, L.E.M

8 A Escola Itinerante é uma escola pública e estadual que atende as crianças e jovens dos acampamentos do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Estado do Paraná. Foi aprovada por meio do parecer

Parecer nº 1012/20033, de 8 de dezembro, emitido pelo Conselho Estadual de Educação (CEE/PR).

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Espanhol, Artes e Educação Física); Ciências Humanas (História, Geografia e Ensino

Religioso) e Ciências da Natureza (Matemática e Ciências).

Para o Ensino Médio as áreas são organizadas da seguinte forma: Linguagens (Língua

Espanhola, L.E.M Espanhol, Artes e Educação Física); Ciências Humanas (História,

Geografia, Filosofia e Sociologia) e Ciências da Natureza (Matemática, Física, Química

e Biologia).

A instrução citada orienta que as aulas, nestas escolas, sejam ministradas por área do

conhecimento. Sabemos que a alocação do professor por PSS precariza o trabalho

docente, entendemos que foi uma importante conquista que aponta para a possibilidade de

pleitear outras mudanças na estrutura curricular nas escolas do campo.

Outro agravante é que a área de Ciências Agrárias não está contemplada como

possibilidade de atuação do professor nos anos finais e ensino médio, no qual são habilitados

durante o curso. Diante deste aspecto, identificamos um problema estrutural, político e

pedagógico no PPP deste curso, pois toma como objeto de formação a escola dos Anos Finais

do Ensino Fundamental e Médio/Profissionalizante, mas na prática o educando habilitado em

Ciências Agrárias poderá atuar apenas nos cursos técnicos profissionalizantes.

Diante destes aspectos e aos debates suscitados pelos educandos na fase final do curso,

apontamos para a necessidade de as escolas do campo pautarem a existência de disciplinas

que atendam a especificidade da organização da vida no campo. A organização curricular

das escolas do campo precisa aglutinar os avanços já conquistados na luta da

Educação do Campo e transformar suas experiências pedagógicas em políticas de

organização curricular reconhecidas pelo Estado.

CONCLUSÃO

O curso de Licenciatura em Educação do Campo – LedoC é um marco importante, que

contribui para repensar a escolas do campo e sua estrutura curricular, pois as especificidades

que orientam a formação do educador por área do conhecimento auxiliam no processo de

reflexão e análise da organização do trabalho pedagógico e da gestão nas escolas.

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Identificamos que o PPP (2009) deste curso, prevê uma formação integrada,

alternando TU e TC e pressupõe a interdisciplinaridade como metodologia para a

articulação do conhecimento por áreas. Objetiva a formação do educador com

capacidade para gestar processo educativos escolares nas escolas do campo, a docência em

uma das áreas de conhecimento e capacidade de gestar processos educativos nas comunidades

camponesas.

Mesmo diante dos limites identificados, que estão circunscritos na própria estrutura

da universidade, não está habituada a fazer a formação do educador articulando as

disciplinas e o planejamento dos docentes. O curso suscitou debates importantes, que apontam

para a necessidade de as escolas do campo pautarem a existência de disciplinas que

atendam a especificidade da organização da vida no campo.

BIBLIOGRAFIA

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Parecer CES 672/98, tratando de Cursos Sequenciais no Ensino Superior. Disponível em:

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