a influÊncia dos organismos internacionais na reforma da...

15
1 A INFLUÊNCIA DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA REFORMA DA EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE 1990: SOB A ÓTICA DA REFORMA DO ESTADO Francielle de Camargo Ghellere 1 Ângela Mara de Barros Lara 2 RESUMO: Este artigo tem como finalidade analisar as reformas educacionais sob a ótica da reforma do Estado na década de 1990. Faz parte de uma pesquisa de mestrado, onde se estudou as políticas educacionais propostas pelo Banco Mundial, UNICEF e UNESCO, evidenciando suas articulações e estratégias de construção de uma agenda globalmente estruturada para a educação no século XX. O objetivo central é compreender o papel desempenhado pela educação a partir das estratégias da reforma do Estado. Os resultados mostram que houve a reestruturação produtiva do capitalismo mundial, por meio do qual os Estados foram cooptados a fazerem suas reformas. Nesse período, pode- se notar um forte discurso para a modernização da educação, para adequá-la a um mercado competitivo. Mudaram-se as relações de trabalho e o processo de intensificação das relações sociais, como também se estabeleceu um desenvolvimento desigual, que tanto fragmentou, quanto introduziu novas formas de interdependência mundial. PALAVRAS-CHAVE: Educação; Organismos Internacionais; Políticas Públicas Educacionais. INTRODUÇÃO Compreende-se que a educação ocupa papel estratégico a partir dos objetivos econômicos, políticos e ideológicos do sistema capitalista. Nesse sentido, as reformas da educação brasileira, sobretudo as que ocorreram no contexto da década de 90 do século XX, estão interligadas às estratégias da reorganização do capital. Nesse contexto, a redefinição do Estado sofreu forte influência dos organismos internacionais. As agências internacionais, sobretudo o Banco Mundial BM, a Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO e o Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF oferecem recursos e apoio técnico para os Estados fazerem as suas reformas, desempenhando, forte influência 1 Pedagoga pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Mestre em educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: [email protected]. 2 Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá. Pertence ao Programa de Pós-Graduação em Educação: mestrado e doutorado. E-mail: [email protected].

Upload: vuongdan

Post on 07-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

A INFLUÊNCIA DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA REFORMA DA EDUCAÇÃO

NA DÉCADA DE 1990: SOB A ÓTICA DA REFORMA DO ESTADO

Francielle de Camargo Ghellere1

Ângela Mara de Barros Lara2

RESUMO: Este artigo tem como finalidade analisar as reformas educacionais sob a ótica da reforma

do Estado na década de 1990. Faz parte de uma pesquisa de mestrado, onde se estudou as políticas

educacionais propostas pelo Banco Mundial, UNICEF e UNESCO, evidenciando suas articulações e

estratégias de construção de uma agenda globalmente estruturada para a educação no século XX. O

objetivo central é compreender o papel desempenhado pela educação a partir das estratégias da

reforma do Estado. Os resultados mostram que houve a reestruturação produtiva do capitalismo

mundial, por meio do qual os Estados foram cooptados a fazerem suas reformas. Nesse período, pode-

se notar um forte discurso para a modernização da educação, para adequá-la a um mercado

competitivo. Mudaram-se as relações de trabalho e o processo de intensificação das relações sociais,

como também se estabeleceu um desenvolvimento desigual, que tanto fragmentou, quanto introduziu

novas formas de interdependência mundial.

PALAVRAS-CHAVE: Educação; Organismos Internacionais; Políticas Públicas Educacionais.

INTRODUÇÃO

Compreende-se que a educação ocupa papel estratégico a partir dos objetivos econômicos,

políticos e ideológicos do sistema capitalista. Nesse sentido, as reformas da educação brasileira,

sobretudo as que ocorreram no contexto da década de 90 do século XX, estão interligadas às

estratégias da reorganização do capital.

Nesse contexto, a redefinição do Estado sofreu forte influência dos organismos internacionais.

As agências internacionais, sobretudo o Banco Mundial – BM, a Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura – UNESCO e o Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF oferecem

recursos e apoio técnico para os Estados fazerem as suas reformas, desempenhando, forte influência

1 Pedagoga pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Mestre em educação pela

Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: [email protected]. 2 Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestrado em Educação pela

Universidade Metodista de Piracicaba e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio

de Mesquita Filho. Atualmente é Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá. Pertence ao

Programa de Pós-Graduação em Educação: mestrado e doutorado. E-mail: [email protected].

2

nas orientações das políticas públicas. Nessas circunstâncias econômicas, os Estados recorreram aos

organismos internacionais para financiamentos de projetos.

Compreende-se o Estado enquanto síntese das contradições sociais, que são geradas no

interior da sociedade capitalista, o que resulta no embate político-ideológico, a partir das lutas de

classe. O que ocorre são correlações de forças, de um lado o trabalhador, sob o discurso do trabalho

“livre”, do outro lado o dono do capital. Sendo assim, a função do Estado é atuar para amenizar as

contradições de classes, “organizar” o mercado, promover a estabilidade econômica, garantir a coesão

social.

Este artigo busca, portanto, compreender as articulações entre Estado e organismos

internacionais, para compreender o papel desempenhado pela Educação na sociedade capitalista.

Busca-se, um contra ponto no cenário nacional a partir da década de 1970, tendo em foco as mudanças

ocorridas na forma de condução das políticas públicas, para então compreender como a educação

esteve atrelada ao processo de redemocratização do país.

A partir da década de 1990, pode-se notar um forte discurso para a modernização da

educação. Dentro desse contexto, os Estados vão redefinir a função que a educação deve exercer na

sociedade dita “global”, uma educação economicista centrada no indivíduo, voltada para formar o

perfil do novo trabalhador.

A REFORMA DO ESTADO E AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO:

FLEXIBILIDADE NO MODO DE PRODUÇÃO

A Reforma do Estado que ocorreu a partir da década de 1990, surgiu como estratégia para

liberar a economia, pois o sistema de produção capitalista encontrava-se em “crise”3, devido ao

3 A palavra encontra-se em aspas, para relacioná-la ao pensamento de Marx, que considera que para o capital

existir são necessárias as crises dentro do modo de produção, também chamada de crises cíclicas do capital.

Ver mais em MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,

1980.

3

modelo de acumulação e superprodução. Após um período de acumulação de capitais, o auge do

fordismo e do keynesianismo das décadas de 1950 e 1960, o capital passou a dar sinais de crise,

principalmente, na decrescente taxa de lucro, decorrente do excesso de produção.

O modelo de acumulação fordista tinha no Estado de Bem Estar Social (social-democracia

ou keynesianismo) seu ponto central de equilíbrio mercantil. As políticas keynesianas usavam o

Estado para controlar as políticas fiscais (impostos, taxas de juro, entre outros). Com o passar dos

anos, o controle excessivo do Estado, ameaçou os fundos públicos, oferecendo desequilíbrio na

balança comercial (valorização e desvalorização da moeda, importação e exportação).

Outra questão está relacionada ao acúmulo de produção em suas grandes linhas de

montagem do modelo fordista. Nesse modo de produção, havia uma forte divisão do trabalho, uso de

esteira mecânica, desenvolvimento das habilidades manuais, uso de gerência geral e gerência científica

(quem pensava e quem executava), máxima racionalização do trabalho, grande expansão produtiva.

Ou seja, havia uma grande concentração na produção em massa, podemos considerar, contudo, que o

modelo pós-fordista fundamentou-se na ideia de flexibilidade, sendo que o objetivo foi atrair um

mercado cada vez mais competitivo.

Carvalho (2009) considera que “a profunda recessão e o aumento nas pressões competitivas

internacionais levaram as empresas, de um lado, a buscarem espaços amplos de acumulação [...], e de

outro, a reestruturar e reorganizar a produção, criando o padrão de acumulação flexível”

(CARVALHO, 2009, p. 2).

Houve, portanto, uma nova reorganização nas relações de trabalho, ou seja, por um lado,

buscou-se mudar o modo de produção e a forma de redistribuição, produzir em pequena escala

(primeiro vender, depois fabricar), criaram-se novas formas de contratações e de regulamentos

trabalhista, (contrato, banco de horas, terceirização, trabalho em casa, férias coletivas).

As relações de trabalho que eram precarizadas tornam-se mais intensivas e exaustivas,

individualizou-se ainda mais o próprio trabalho, aumentou, contudo, a competição (ganho por

produtividade, trabalhador polivalente, autônomo, empreendedor, arrojado, espontâneo, criativo). Por

outro lado, ocorreu o aprofundamento da pobreza, houve desqualificação do trabalhador no processo

produtivo, havendo também uma grande intensificação dos problemas gerados pelo trabalho, e maior

exploração sobre o trabalhador.

4

Silva (2003) aponta que a Reforma do Estado passou por dois momentos, o primeiro foi a

partir da década de 1980 que correspondeu “a retomada da ofensiva do neoliberalismo estendendo-se

até o início da década de 90” (SILVA, 2003, p. 56). O que resultou na mudança das políticas

intervencionistas do Estado, exigindo-se que o Estado não interviesse na economia (ao contrário do

Estado de bem Estar Social), deixando-a mais competitiva, o que resultou entre outros fatores na

hipertrofia das ações do Estado.

O que se previa na Reforma do Estado era conter gastos e remediar a crise (devido ao modo

de produção). Dessa maneira, buscou-se a estabilidade monetária, objetivando-se conter a inflação,

estimular a competição, flexibilizar as relações trabalhistas, compor uma estrutura descentralizada.

Nesse sentido, a “‘Reforma’ do Estado fez emergir um submundo de máfias, violências, corrupção

política e aumento das tensões sociais motivadas pelo crescente desemprego” (SILVA, 2003, p 57).

O segundo momento ocorreu a partir da década de 1990, na qual houve uma reorganização

do capital. O neoliberalismo passa a ser rediscutido, devido aos resultados alarmantes de desempregos,

agravamento da pobreza em escalas astronômica, o que representou uma “mudança parcial de rota

mediante o reconhecimento da gravidade da situação sócio-econômica [...] reforçou-se a retórica da

‘reforma’ como um caminho para a promoção das chamadas políticas sociais” (SILVA, 2003, p 57).

O Estado deixou de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, ou

seja, transferiu as políticas públicas para o terceiro setor (ONGs, voluntariado, terceirização, entre

outros). Passou a atuar como regulador e normatizador. Segundo Barroso (2005, p. 727) descreve que

“a regulação enquanto ato de regular significa o modo como se ajusta a ação (mecânica, biológica ou

social) a determinadas finalidades, traduzidas sob a forma de regras e normas previamente definidas”.

Nesse processo de reestruturação, houve a separação entre: gerenciamento e execução,

sendo que o estado buscou transferir a responsabilidade pela execução e pelo financiamento das

políticas sociais diretamente para o mercado, por meio da privatização de setores da estrutura estatal.

Houve um forte discurso de descentralização, atribuindo responsabilidades às unidades administrativas

e aos cidadãos. Portanto, “explicava-se assim, que o aparelho do Estado não mais executaria as

políticas sociais nas diversas frentes. Passaria a delegar suas execuções às denominadas organizações

públicas nãos estatais” (NEVES, 2010, p. 182). Abriram-se assim processos concorrenciais entre

setores da atividade pública e setores privados, (público não estatal, terceira via), sendo, sobretudo,

estratégias intermediárias.

5

Pretendia-se reformar o serviço público, o que se buscou foram estratégias nas empresas

privadas para prestação de serviços. No entanto, como descrito por Neves (2010, p. 182), “o Estado

continuou financiando os diversos organismos privados”. Busca-se, portanto, uma maneira

empreendedora de administrar o que é público e levar a comunidade a agir em sinônimo de uma

cidadania ativa e solidária.

Inspirado na lógica do mercado houve a inserção de novos sistemas orçamentários para a

aquisição de recursos, como: premiações, IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação básica),

FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação básica), entre outros, sendo que o

interesse foi controlar e fiscalizar o desempenho dos serviços prestados através da adoção de

mecanismos de avaliação. O Estado articulou, portanto, um sistema de monitorização e de avaliação

para saber se os resultados desejados foram, ou não, alcançados.

3 A CENTRALIDADE NA EDUCAÇÃO NA REFORMA DO ESTADO

A educação é um fenômeno social para compreendê-la, faz-se necessário entendermos o

contexto no qual ela se faz. Portanto, a “educação é, pois, uma prática social ampla e inerente ao

processo de constituição da vida social, alterando-se no tempo e no espaço em razão das

transformações sociais” (OLIVEIRA, 2009, p. 237). Nesse sentido, a educação não é um processo em

si, ela se faz de acordo com as transformações reais no espaço de luta e contradições, e está atrelada

em um campo de disputa hegemônico.

Nesse campo tensionado e constituído por múltiplos fatores e atores, compreendemos que a

educação tem servido de instrumento do Estado para a manutenção da ordem política e social vigente.

Mészáros (2005) afirma que “a educação institucionalizada [...] não só fornece os conhecimentos e o

pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gera e

transmite um quadro de valores que legitima os interesses dominantes” (MÉSZÁROS, 2005, p. 35).

6

A partir da década de 90 do século XX, podemos notar um forte discurso para a modernização

da educação4, no entanto, a Reforma da Educação, significou uma adequação do sistema educativo a

um mercado competitivo, a partir da reestruturação do capitalismo mundial, sobretudo a reestruturação

da organização do trabalho. Compreende-se, portanto, que a educação ocupa papel estratégico para a

reorganização da estrutura capitalista, sendo que através das mudanças na forma de produção exigiram

alterações na educação do trabalhador para um mercado globalizado.

A globalização destaca-se por ser um “processo de intensificação das relações sociais em

escala mundial, como também estabelece um desenvolvimento desigual que tanto fragmenta quanto

coordena, introduzindo, portanto, novas formas de interdependência mundial” (SILVEIRA, 1999, p.

441), significou a mundialização da economia, uma inter-relação dos sistemas monetários

internacionais, predomínio do capital financeiro, avanço dos meios tecnológicos, entre outros.

Entre os objetivos da Reforma da Educação, podemos destacar a descentralização das

responsabilidades públicas para a sociedade civil, com o discurso de dar autonomia admistrativa e

pedagógica às escolas, eliminar a burocracia, descentralizar e reorganizar a gestão, ou seja, gerar

mecanismos destinados a garantir maior participação da comunidade local na gestão e financiamento

do ensino. Barroso (2005, p.742), descreve que “assiste-se, por isso, a tentativa de criar mercados (ou

quase-mercados) educativos, transformando a idéia de ‘serviço público’ em ‘serviço para clientes’,

onde o ‘bem comum educativo’ para todos é substituído por ‘bens’ diversos, desigualmente

acessíveis”.

Compreende-se que “as reformas da educação brasileira, a partir de meados da década de

1990, tiveram por base a nova forma de gerenciamento, que definiu o modo de organização,

financiamento e gestão dos sistemas de ensino e das unidades escolares” (CARVALHO, 2009, p. 5).

Houve o fortalecimento, portanto, das instituições escolares para oferecer melhor capacidade

de operacionalização e maior eficácia na utilização de recursos. Segundo Gajardo (2000, p. 3) a

“avaliação dos resultados do aprendizado e a responsabilidade das escolas por elas são também

princípios reconhecidos como importantes para esses propósitos”. Propósitos esses, defendidos para a

melhoria da qualidade do ensino, no entanto, “isso não bastou, contudo, para garantir um

4 Essa afirmação está baseada nas orientações das políticas internacionais para a Educação, bem como as

recomendações descritas nos documentos da UNESCO e UNICEF na década de 1990.

7

desenvolvimento educativo sustentado, de qualidade e equitativo, no conjunto dos países da região”

(GAJARDO, 2000, p. 3).

A educação e o conhecimento passaram a ser discutidos como processos centrais na Reforma

da educação. Segundo Oliveira (2009).

Essa centralidade se deu porque educação e conhecimento passam a ser,

do ponto de vista do capitalismo globalizado, força motriz e eixos da

transformação produtiva e do desenvolvimento econômico. São, portanto,

bens econômicos necessários à transformação da produção, ao aumento

do potencial científico-tecnológico e ao aumento do lucro e do poder de

competição num mercado concorrencial que se quer livre e globalizado

pelos defensores do neoliberalismo. Torna-se clara a conexão estabelecida

entre educação-conhecimento e desenvolvimento-desempenho

econômico. A educação é um problema econômico na visão neoliberal, já

que ela é o elemento central desse novo padrão de desenvolvimento

(OLIVEIRA, 2009, p. 239, grifos nossos).

A desqualificação passou a significar exclusão no novo sistema produtivo, exigiu-se, portanto,

um trabalhador qualificado, flexível, polivalente. A centralidade na Educação ocorreu, principalmente,

na Educação básica, como defendidas nas orientações dos organismos internacionais5.

Em relação a influência dos organismos internacionais, Rosemberg (2000), destaca que

devemos ficar atentos para “não cairmos em falácias habituais de se considerar que as orientações

políticas dos organismos internacionais, são impostas aos governos nacionais sem sua anuência”

(ROSEMBERG, 2000, p. 65). As orientações são negociadas, não sendo, portanto, homogêneas e

totalmente harmônicas.

5 Nas orientações e financiamentos de projetos voltados para diversos setores da sociedade, sobretudo, na

educação. Dentre as organizações podemos destacar os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs), entre eles o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que financiaram os projetos.

8

Outra questão que destacamos, refere-se às reuniões de cúpula que foram organizadas por

essas agências. Silveira (1999) demonstra que pouco tem se questionado sobre as conferências e

reuniões, como descrito a seguir:

Ao longo da década de 90, alguns analistas têm questionado a presença

marcante dos organismos internacionais, sobretudo organismos de

financiamento como o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), quanto ao processo de elaboração de políticas

públicas nos países latino-americanos. No entanto, pouco se tem refletido

sobre o papel das reuniões de cúpula ou sobre as conferências

internacionais (SILVEIRA, 1999, p. 441).

A título de exemplo podemos citar a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990 -

Jomtien, Tailândia), onde houve forte participação da UNESCO, UNICEF e BM. Em 1993 houve a

Conferência em Nova Délhi onde participaram os países com as maiores populações do mundo e no

ano de 2000 foi realizado em Dacar, Senegal, o Fórum de Educação para todos.

O acesso a Educação, apresenta-se nos documentos que foram elaborados a partir dessas

conferências, não como direito comum a todas as pessoas, mas como forma de amenizar a pobreza,

uma vez que além de contribuir para a economia, a educação deveria qualificar as pessoas.

Segundo o relatório Delors (1996), as pessoas desqualificadas aumentam a pobreza, pois a

medida que se qualifica as pessoas, elas encontram empregos, ou seja, há uma idealização através da

educação. Como descrito na seguinte citação da UNESCO (1996, p. 9), “ante os múltiplos desafios do

futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da

paz, da liberdade e da justiça social”.

Buscou-se, portanto, uma Educação economicista e individual, qualificaram-se as pessoas para

a economia e, sobretudo, para o crescimento do país. Compreende-se, portanto, que em meio a crise

gerada pelo capital, encontramos os diferentes setores da sociedade se articulando para amenizar os

conflitos gerados pelo modelo neoliberal, uma vez que os “menos favorecidos” representam uma

ameaça a estrutura social vigente.

Segundo o Relatório do Banco Mundial sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001, no

“início de um novo século, a pobreza continua sendo um problema global de enormes proporções.”

(BANCO MUNDIAL, 2001, p. 19). Portanto, a reforma e o processo de reorganização continuam em

9

pauta. Neste sentido, podemos definir que a Reforma do Estado envolveu, sobretudo, maior grau de

autonomia das agências internacionais na orientação e condução das políticas nacionais.

O BANCO MUNDIAL: PRIORIDADES E ESTRATÉGIAS PARA A EDUCAÇÃO

O Banco Mundial engloba: o Banco Internacional para a Reconstrução o Desenvolvimento

(BIRD), a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira Internacional

(CFI), a Agência Multilateral de Garantias de Investimento (AMGI) e o Centro Internacional para

Conciliação de Divergências nos Investimentos (CICDI). Essas instituições envolvem diferentes

mandatos e organizações.

O Banco Mundial foi fundado após a Segunda Guerra Mundial, inicialmente sua missão foi de

financiar a reconstrução dos países atingidos que estavam economicamente e geograficamente

abalados. Com o aumento da tensão entre os países envolvidos na guerra, definiram fundar uma

organização permanente de caráter supra nacional que regulasse o sistema financeiro internacional. O

interesse maior em fundar o Banco Mundial, surge dos Estados Unidos, para que pudesse reorganizar

sua economia interna, criando um mercado que pudesse consumir os produtos americanos. Nos

tempos atuais, o Banco Mundial busca investir em iniciativas contra a pobreza em países em

desenvolvimento através de empréstimos concedidos.

O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial (2001) propunha a seguinte estratégia

“promover o crescimento com uso intensivo de mão-de-obra mediante abertura econômica e

investimento em infraestrutura e proporcionar serviços básicos de saúde e educação para os pobres”

(BANCO MUNDIAL, 2001, p. 10, grifos nossos).

O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial propõe as seguintes metas: Reduzir pela

metade a proporção de pessoas que vivem em pobreza extrema (menos de 1 dólar por dia); Assegurar

educação primária universal; Eliminar a desigualdade por sexo na educação primária e secundária;

Reduzir em dois terços a mortalidade infantil; Reduzir em três quartos a mortalidade materna, entre

outros.

Compreende-se que as políticas voltadas à assegurar uma educação universal, estão voltadas a

priorização da educação básica, sendo esta uma das estratégias utilizada para uma educação, dita de

10

qualidade. Dentro dessa lógica, a educação deve assegurar a redução da pobreza, como destaca o

Banco Mundial.

A educação é uma ferramenta importante para o desenvolvimento

econômico e social. É um elemento crucial da estratégia do Banco

Mundial para ajudar os países a reduzir a pobreza e melhorar os padrões

de vida através de um crescimento sustentável e investimento em capital

humano (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 21).

As políticas orientadas pelo Banco Mundial na década de 1990 estão fortemente voltadas à

redução do papel do Estado no financiamento da educação, sendo que a meta foi diminuir os gastos no

ensino. O documento “Prioridades e Estratégias para a Educação” foi produzido pelo Banco Mundial

em 1995. Este documento estabelece como prioridade para a educação o aumento do acesso ao ensino,

à equidade, a qualidade, sendo que o eixo central deste documento aponta para a educação como

forma de alcançar o crescimento econômico e como forma de redução da pobreza. Assim, “é óbvio

que se as crianças pobres receberem instrução, terão muito mais chances de deixar de ser pobres”

(BANCO MUNDIAL, 1995, p.85).

O Banco Mundial organiza prioridades e estratégias para a educação, que são fortemente

efetivadas via recomendações aos países. As prioridades devem atender a crescente demanda da

economia, ou seja, deve-se formar trabalhadores adaptáveis ao mundo globalizado, capazes de adquirir

sem dificuldades novos conhecimentos e contribuir para a constante expansão do saber. Nesse sentido,

compreende-se que as estratégias para reduzir a pobreza se concentram na promoção do uso produtivo

do trabalho, que é o principal ativo dos pobres, e na prestação de serviços sociais básicos aos

necessitados (BANCO MUNDIAL, 1995).

Podemos encontrar com ênfase no discurso do Banco Mundial, o conceito de gestão educativa,

gestão participativa e gestão democrática, ou seja, incentivos para aproximar a comunidade das

instituições de ensino, participando, inclusive, da direção das escolas, medida esta que induz nas

famílias um sentimento de responsabilidade pela educação.

A abordagem focalizada na educação básica é definida, prioritariamente, para as meninas, as

minorias étnicas e desfavorecidas e os pobres. Neste sentido, as estratégias definidas são os

mecanismos de resultados quantitativos, relacionados aos custos a partir dos financiamentos para a

aplicação dos projetos.

11

A educação de fato não é tida como prioridade, nem para diminuir a pobreza, mas sim para

adaptar a massa de trabalhadores as necessidades e perfis que as empresas necessitam. Neste sentido,

Borges (2003) destaca.

O Banco reconhece a importância da área educacional para sua agenda de

reformas, na medida em que a reforma educacional em particular,

desenvolve, com bases mais sólidas, as habilidades necessárias para

fiscalizar os governos e promover a inclusão social [...], pois a ideologia de

igualdade de oportunidades, que constitui o cerne da teoria do capital

humano e analogamente, da “sociologia da educação” do Banco Mundial,

contribui para legitimar o Estado liberal como uma instituição neutra,

empenhada em garantir o cumprimento de regras “justas” (BORGES, 2003,

p. 133).

Pode-se analisar que a educação assume função essencial para a consolidação da agenda do

Banco mundial nos pais em desenvolvimento, e por isso, podemos observar que a partir da década de

1990 ela passou a assumir a centralidade das propostas e documentos deste organismo, sobretudo, para

a redução da pobreza, na perspectiva da ideologia de igualdade.

UNESCO: RELATÓRIO JACQUE DELORS

Na década de 1990, assim como as demais agências internacionais, sobretudo, a UNESCO,

estava preocupada com a construção de perspectivas futuras, e a busca de estratégias para estabelecer

um tipo de educação capaz de moldar crianças e jovens que se tornariam adultos de uma nova era,

defendia-se que o aumento da economia, estava diretamente ligada a melhoria da educação.

Sob a direção de Jacques Delors, reuniu-se a Comissão Internacional sobre a Educação para o

século XXI, onde começou a ser elaborado em 1993 e aprovado em 1996, por um grupo de

consultores e especialistas, o documento conhecido como “Educação um tesouro a descobrir –

Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”.

No referido documento, encontramos as seguintes palavras-chave: coesão, consenso, conflito,

exclusão, diversidade, crise social, violência, desigualdade, pobreza, desemprego/subemprego,

marginalidade, criminalidade, paz, entre outros. O Relatório aborda principalmente a questão da

organização da educação, busca-se uma “educação à prova da crise das relações sociais [...] a

12

educação pode ser um fator de coesão, se procurar ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos

grupos humanos, evitando tornar-se um fator de exclusão social” (UNESCO, 1996, p. 54).

A formação dos sujeitos assume a centralidade do documento, o relatório expressa a

necessidade de formar pessoas capazes de interferir em sua vida e na história coletiva. “Um dos

principais papéis reservados á educação consiste e, antes de mais nada, em dotar a humanidade da

capacidade de dominar o seu próprio desenvolvimento (UNESCO, 1996, p. 82).

O destaque dado a formação das pessoas, se define como, “a capacidade de comunicar, de

trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos” (UNESCO, 1996, p. 81). O documento

aponta, ainda, que esta tendência torna-se mais forte com o desenvolvimento do setor de serviços.

Neste cenário apontado pela UNESCO, foram estabelecidos princípios que deveriam nortear a

educação e as mudanças dos próprios sujeitos. Esses princípios ficaram conhecidos como os quatro

pilares da educação. O documento demonstra que “para poder dar resposta ao conjunto das suas

missões, a educação deve organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais” (UNESCO,

1996, p. 77), esse processo deve acontecer ao longo da vida dos sujeitos.

O primeiro princípio é o aprender a conhecer. “Este tipo de aprendizagem visa não tanto a

aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o próprio domínio do conhecimento”

(UNESCO, 1996, p. 77). Deve-se assim, formar o sujeito motivado, que possa buscar o conhecimento,

onde “todos possamos descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial criativo – revelar o tesouro

escondido em cada um de nós” (UNESCO, 1996, p. 77).

O segundo princípio nos traz uma concepção de “educação estreitamente profissional: como

ensinar o aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao

trabalho futuro” (UNESCO, 1996, p. 93).

O terceiro princípio nos traz a ideia de aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar

com os outros em todas as atividades humanas. No documento, encontra-se a seguinte afirmação:

“sem dúvida, esta aprendizagem representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O

mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no

progresso da humanidade” (UNESCO, 1996, p. 96).

O documento destaca por fim o aprender a ser, sendo este, via essencial que integra os três

princípios. Considera-se que a Educação deve ter como finalidade o desenvolvimento total do

13

indivíduo, sendo que “o século XXI necessita desta diversidade de talentos e de personalidades, mais

ainda de pessoas excepcionais, igualmente essenciais em qualquer civilização” (UNESCO, 1996, p.

100).

Apesar do discurso do documento basear-se em apontamentos para a educação como reflexão,

trazendo os indivíduos como agentes da transformação, não há na realidade intenção de mudar as

condições de miséria que a maioria da população esta disposta, pelo contrário, aponta como fator de

mudança apenas a individualidade do sujeito, ou seja, cada indivíduo é responsável por sua condição

social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente trabalho foi analisar as configurações das políticas educacionais que

foram formuladas a partir da década de 1990, sendo que essas reformulações foram configuradas pela

redefinição do papel do Estado, e devido ao fenômeno da mundialização do capital financeiro

incorporados aos princípios neoliberais.

Não há como discutirmos a educação sem nos dirigirmos ao Banco Mundial e a UNESCO, e

entre outras organizações internacionais que estão fortemente atreladas ao processo, para tanto, faz-se

necessário compreendermos as conferências, os boletins e informes, pois as recomendações sugeridas

por estas instituições sãos as recomendações para a formulações das políticas, os países são

influenciados direta ou indiretamente. Tais orientações sugerem ações, prescrevem orientações,

disponibilizam apoio técnico e financeiro.

Compreende-se que a Educação no século XXI, está voltada para formar o sujeito para

responder as novas exigências do mercado, em uma economia cada vez mais acentuada. Busca-se para

isso, a criação do consenso, onde os documentos analisados repetem as mesmas questões, partem

afirmando que para as melhorias são dadas as soluções, ou seja, basta a comunidade conhecê-las e

colocá-las em prática. Pretende-se com esse discurso eliminar os possíveis conflitos, amenizar as

divergências, construir estratégias, mapear uma sociedade extremamente desigual e contraditória.

A centralidade na Educação se faz como ponto estratégico, sobretudo na educação básica,

oferecendo o mínimo de conhecimento possível a maior parte da população. Em suas falácias, isso irá

contribuir para reduzir a pobreza e, assim, diminuir as desigualdades.

14

Busca-se, criar consenso, formar o sujeito autossustentável que possui uma consciência

democrática, que valoriza a diversidade. Sujeito conforme a nova ordem do capital. A educação virou

uma panacéia, a que vai resolver e contribuir para as mudanças, e assim, curar todos os males,

inclusive da miserabilidade em que vive a população. Atribuiu-se à educação um potencial ilusório, de

que ela poderia e poderá reduzir, por si só, a pobreza. A educação que esta posta tem contribuído para

a exclusão, porém, com o discurso de acabar com a pobreza.

REFERÊNCIAS

BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial: O trabalhador e o processo de

integração mundial. World Bank, 1995.

______. Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001: Luta Contra A Pobreza.

Panorama geral. Washington, 2001.

BARROSO, João. O estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educ. soc., campinas,

vol. 26, n. 92, p. 725-751, especial – out.2005. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso

em: 16 de março de 2011.

BORGES, A. Governança e Política Educacional: a agenda recente do banco mundial. Revista

Brasileira de Ciências Sociais - v. 18, n. 52, 2003.

CARVALHO, Elma Júlia G. de. Reestruturação produtiva, Reforma Administrativa do Estado e

Gestão da Educação. Revista Educação & Sociedade: revista de Ciências da Educação, São Paulo,

Cortez, Campinas Cedes, n° 109, vol.10 – set/dez, 2009, p. 1139-1166.

GAJARDO, Marcela. Reformas educativas na América Latina: balanço de uma década. PREAL-

Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe. Julho de 2000. Disponível

em < www.preal.cl >. Acesso em 31 de março de 2012.

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). Direita para o social e esquerda para o capital: intelectuais da

nova pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.

OLIVEIRA, João Ferreira de. A função social da educação e da escola pública: tensões, desafios e

perspectivas. In: FERREIRA, Eliza Bartolozzi; OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.). Crises da escola e

políticas educativas. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

ROSEMBERG, Fúlvia. Uma Introdução ao estudo das organizações multilateriais no campo

educacional. In: KRAWCZYK, N.; CAMPOS, M.M.; HADDAD, S. (Orgs.) O cenário educacional

latino-americano no limiar do século XXI: reformas em debate. Campinas, SP: Autores Associados,

2000. p. 63-93.

15

SILVEIRA, Elisabete; CRISTINA, Curvello. O espaço das Conferências Internacionais de

Educação (CIEs) da OIE/Unesco e o processo de políticas públicas educativa. Revista brasileira de

estudos pedagógicos. Brasília, v. 80, n. 196, p. 440-450, set./dez. 1999.

SILVA, Ilse Gomes. A “reforma” do estado brasileiro dos anos 90: processos e contradições. In: ____.

Democracia e participação na “reforma” do Estado. São Paulo: Cortez, 2003. p. 66-95.

UNESCO. DELORS, Jaques. Educação um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da

comissão internacional sobre educação para o século XXI. Portugal: Asa, 1996.