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    O SERVIO SOCIAL NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO

    Terezinha Ferraz1

    RESUMO: Este trabalho resultado das discusses da disciplina de Fundamentos do Servio Social

    2

    tendo como objetivo refletir sobre os desafios do Servio Social na Socioeducao com adolescente

    privados de liberdade. A discusso considera a expanso dos direitos da criana e do adolescente tendo

    como bases consultivas as Legislaes internacionais e nacionais, com especial ateno ao Estatuto da

    Criana e do adolescente e ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. A reflexo sobre o

    Servio Social nesse contexto nos remete s bases conceituais onde se fundamentou e se legitimou

    enquanto profisso inserida na diviso social e tcnica do trabalho e seu papel na perspectiva da defesa

    de direitos. Considerar a existncia de desafios posto pelo cotidiano permite aos profissionais uma

    avaliao de sua prtica, possibilitando o desenvolvimento de propostas de aes concretas no

    enfrentamento das expresses da questo social. Para esse estudo considerou-se como base as

    referncias bibliogrficas do Servio Social, especialmente aquelas sugeridas na referida disciplina.

    PALAVRAS-CHAVE: Servio Social; Sinase; Socioeducao.

    INTRODUO

    A primeira experincia de um ano de trabalho com adolescentes em privao de

    liberdade provisria no Centro de Socioeducao I de Cascavel Cense I , em seguida mais

    oito anos de atuao junto com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de

    internao no Centro de Socioeducao II Cense II tambm de Cascavel, nos trouxeram

    muitas inquietaes, de alguma forma, todas relacionadas a violao de direitos. Dentro

    desses perodo comemoramos algumas possibilidades de mudanas evidenciadas a partir dos

    marcos regulatrios do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Sinase,

    primeiramente enquanto Resoluo do CONANDA, no ano de 2006 e posteriormente

    enquanto Lei, em 2012.

    O Sinase se constitui, hoje, num guia para a implementao das medidas

    socioeducativas de restrio e privao de liberdade, sendo num dos principais instrumentos

    normativos na execuo dessas medidas, envolvendo todos os entes federado. Tambm inclui

    1 Mestranda no Curso de Servio Social com rea de Concentrao em Servio Social, Polticas Sociais e

    Direitos Humanos pela Universidade Estadual do Oeste do Paran Unioeste. Cascavel/Pr. e-mail:

    [email protected] 2 A disciplina de Fundamentos do Servio Social: desenvolvimento scio-histrico e concepes

    contemporneas foi ofertada no curso de Ps-Graduao strictu sensu, nvel de mestrado em Servio Social

    na Unioeste, Campus de Toledo, no ano de 2013.

  • 2

    os planos, polticas e programas especficos de atendimento a adolescente em conflito com a

    lei. No caso do Cense II, o Programa de atendimento destinado queles adolescentes 12 a

    18 anos incompletos que cometeram atos infracionais de natureza grave e que por tal motivo

    foram sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa de Internao3. Este sujeito,

    por estar nessa condio, no despido dos demais direitos preconizados, tanto pelo Estatuto

    de Criana e do Adolescente ECA, quanto pelo Sinase, que estabelece as novas diretrizes de

    atendimento ao adolescente autor de ato infracional.

    Assim sendo, buscou-se compreender o contexto no qual esto envoltas as questes

    pertinentes ao direito do adolescente privado de liberdade no mbito institucional, refletindo

    sobre os desafios que se colocam profisso no contexto socioeducativo, especialmente a

    partir da implantao do Sinase. Tem-se a compreenso de que o cotidiano do exerccio

    profissional permeado por indagaes das quais nem sempre possvel dar respostas,

    considerando que tambm o Servio Social parte do processo de produo capitalista e

    como tal inscrita na diviso social e tcnica do trabalho. Tal considerao se torna

    preemente a partir do momento que interfere no enfrentamento das refraes da questo social

    e impede posicionamentos dos profissionais frente s demandas emergentes relacionadas ao

    adolescente que infracionou.

    As reflexes aqui propostas pautaram-se em pesquisas bibliogrficas considerando que

    sua principal vantagem, segundo GIL (2002, p. 45), reside no fato de permitir ao

    investigador a cobertura de uma gama de fenmenos muito mais ampla do que aquela que

    poderia pesquisar diretamente. Utilizou-se para fundamentar a discusso sobre a medida

    socioeducativa de internao, as legislaes nacionais e internacionais, de maneira mais

    especfica o Estatuto da Criana e do adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, e o

    Sinase, Lei 12.594 de 18 de janeiro de 2012.

    Referente aos desafios do servio social na socioeducao buscou-se refletir a partir do

    referencial bibliogrfico de autores que fundamentam suas reflexes de forma crtica, dentro

    da perspectiva do materialismo histrico dialtico.

    3 A internao constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princpios de brevidade, excepcionalidade e

    respeito a condio peculiar de pessoa em desenvolvimento (ECA, Lei 8.069/90).

  • 3

    A MEDIDA SOCIOEDUATIVA DE INTERNAO

    O movimento de expanso dos direitos da criana e do adolescente, na lgica de regulao

    do direito individual, de cidadania ou direito humano, a partir das prerrogativas do Estado, ainda

    muito recente. A ampliao desses direitos ocorreu de forma mais incisiva no sculo XX, com os

    acordos internacionais e nacionais que culminaram na implantao de legislaes especficas nos

    aspectos da proteo a esse pblico que passa a ser considerado como sujeito.

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos, adotada em assembleia geral da

    Organizao das Naes Unidas ONU, no ano de 1948 se constitui como um marco

    histrico que vai instituir um sistema de proteo aos direitos humanos de forma global.

    Preconiza que a todos os seres humanos os direitos, sem distino de qualquer espcie,

    independente das escolhas individuais ou coletivas, lhe sejam assegurados.

    Nas ltimas dcadas, as discusses sobre os direitos, na perspectiva do princpio da

    dignidade humana, como um pertencimento a todos, independentemente de cor, credo, etnia,

    orientao sexual, entre outros, tem obtido pequenos, mas significantes avanos. No entanto,

    considera-se o fato de que a lei, por si s, no garantia de efetivao de um direito e, a ideia

    da igualdade perante a lei, conforme j previstos pelas convenes internacionais e na

    legislao brasileira, ainda se constitui como um dos desafios do cotidiano de vida dos

    cidados, engajados na luta por uma sociedade mais equnime.

    No Brasil, a Constituio Federal de 1988, no artigo 227, assegura a priorizao de

    intervenes destinadas criana e ao adolescente e chama para a responsabilidade todas as

    instncias de atendimento aos mesmos famlia, estado e sociedade com enfoque legal e

    com nfase na cidadania e na justia social, respeitando a sua condio peculiar de pessoa em

    desenvolvimento.

    Tambm com a promulgao do Estatuto da Criana e do Adolescente ECA houve

    significativo avano no que se refere as aes destinadas a este pblico, se constituindo num

    marco histrico para o sistema de garantia de direitos. Conforme Rizzini, em perodo que

    antecede a esta Lei crianas e adolescentes passaram sua infncia e adolescncia internadas

    em grandes instituies fechadas denominadas de internato de menores ou orfanatos (...)

    embora crianas, em sua quase totalidade, tivessem famlia. (RIZZINI, 2004, p. 14). Aos

  • 4

    adolescentes autores de ato infracional, se aplicava o Cdigo de Menores4 que seguia uma linha

    de arbitrariedade e represso sendo a punio o nico meio considerado possvel para recuperao

    desses adolescentes. Este Cdigo, segundo Costa, no fazia distino entre menor abandonado e

    delinqente, tanto um quanto o outro estavam em situao irregular, logo as medidas coercitivas,

    se aplicava a ambos. Enquanto situao irregular, assevera esse autor que:

    O Cdigo de menores definia todos aqueles em que fosse constatada manifesta

    incapacidade dos pais para mant-los, no se diferenciando entre infratores, abandonados

    ou rgos. Assim definidos, eram objeto de interveno do estado sem limites e de forma

    discricionria. Portanto, a categorizao que justificava a atuao punitiva/protetiva do

    estado, agora, assim descrita na lei, era a figura da situao irregular (COSTA, 2005, p. 56).

    Essa Lei incorporava uma viso correcional disciplinar, higienista, jurdica repressiva

    e moralista contribuindo para o estigma da infncia/adolescncia pobre, marginalizada e em

    situaes de abandono ou delito5. O processo de transio dessa doutrina de carter

    correcional e repressivo, para a doutrina da proteo integral, se mostra lento o que exige das

    organizaes da sociedade civil, em especial, aes capazes de possibilitar novos

    posicionamentos e novos rumos na poltica interventiva voltada a essa parcela da populao.

    Diante disso, era necessrio o estabelecimento de parmetros de distino dessas duas

    situaes que, a partir do Estatuto da Criana e do Adolescente, j apresentava novos

    direcionamentos, porm sem resultados expressivos especialmente ao adolescente autor de ato

    infracional, que continuava cumprindo suas sentenas em locais com estruturas fsicas

    inadequadas e sem condies de atendimento humanizado. Assim sendo, o Conselho

    Nacional de Direitos da criana e do adolescente CONANDA, em parceria com outros

    Conselhos, Associaes, Entidades e Instituies que trabalham com essa poltica, realizaram

    fruns de discusses que culminaram na elaborao do Sistema Nacional de Atendimento

    4 Primeiro Cdigo de menores, conhecido como Cdigo Mello Matos foi institudo pelo Decreto n 17.943-A,

    de 12 de outubro 1927, que manteve inalteradas as determinaes dos sujeitos a quem se destinava a nova lei:

    as crianas e adolescentes pobres (RIZZINI, 2011) O segundo Cdigo de Menores foi institudo em 1979,

    mas no mudou o foco de interveno a lgica da represso permanecia inalterada. 5 A prtica de atos infracionais, claro, no privilgio das classes empobrecidas, bem como no so

    todos - e nem somente - os sobreviventes da miserabilidade que atuam na contramo da lei (CAPITO,

    2008, p. 27-28).

  • 5

    Socieducativo Sinase6 que se constitui, hoje, num guia para a implementao das medidas

    socioeducativas de restrio e privao de liberdade.

    A Lei 12.594/12 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo,

    aprovada em 18 de janeiro de 2012, que de acordo com o artigo 1,

    Entende-se por Sinase o conjunto ordenado de princpios, regras e critrios que envolvem a

    execuo de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adeso, os sistemas estaduais,

    distrital e municipais, bem como todos os planos, polticas e programas especficos de

    atendimento a adolescente em conflito com a lei (SINASE, 2012).

    A aprovao dessa lei pode ser considerada um avano, no sentido de que regulamenta

    a execuo das medidas aplicveis aos adolescentes autores de atos infracionais, sendo

    norteado pela doutrina da proteo integral e torna obrigatria a adequao das entidades de

    atendimento s regras estabelecidas. O documento contempla um direcionamento das aes

    destinadas a esse pblico desde a estrutura fsica at a previso de recursos materiais,

    financeiros e humanos para a execuo das medidas socioeducativas, tanto em meio aberto,

    quanto em meio fechado7.

    Conforme ECA e Sinase a medida socioeducativa de internao compreende a

    privao da liberdade do adolescente sendo regida pelos princpios da brevidade,

    excepcionalidade, respeitando sua condio peculiar de desenvolvimento. A medida no

    comporta prazo determinado devendo sua manuteno ser reavaliada, mediante deciso

    fundamentada no mximo a cada seis e em nenhuma hiptese o perodo mximo de

    internao exceder a trs anos (ECA, 1990). Preconiza ainda que a liberao aos 21 anos de

    idade ser compulsria.

    Considera-se que implantao e implementao das medidas socioeducativas voltadas aos

    adolescentes autores de atos infracionais a partir do ECA em 1990 e Sinase 2012, criaram condies

    possveis para que esse adolescente possa ser considerado como sujeito, dentro da perspectiva do

    direito humano, logo, digno ao exerccio da sua cidadania. Considera-se tambm, como fator

    6 Em 13 de julho de 2006, o SINASE foi aprovado em Assembleia do CONANDA. Um ano depois, o SINASE

    foi apresentado como projeto de lei (PL 1.627/2007) ao Plenrio da Cmara dos Deputados. Em 09 de

    novembro de 2007, por Ato da Presidncia da Cmara foi criada uma Comisso Especial para analisar o

    projeto de lei, tendo como relatora a deputada Rita Camata (PMDB/ES). Em 18 de janeiro de 2012, o

    SINASE foi aprovado pela Lei n 12.594. 7 As medidas socioeducativas em meio aberto esto descrita no ECA nos artigos 116 a 118. A medida restritiva

    e privativa de liberdade esto descrita nos artigos 120 a 125 do ECA.

  • 6

    positivo, a lgica de uma ao socioeducativa que se sustenta nos princpios dos direitos humanos,

    desvinculados das abordagens meramente punitivas, conforme estipuladas em legislaes, como o

    Cdigo de Menores, que regulou o sistema em perodo anterior a implantao do ECA e, que

    negava ao adolescente a condio de sujeito de direitos.

    A inquietude que perpassa o cotidiano de atuao profissional dentro das unidades

    socioeducativa a percepo de que a ideologia das aes, nessas instncias, ainda esto

    pautadas no que segundo Foucault, seria a lgica da punio. Embora se apresente um

    discurso inovador no que tange os aspectos terico-metodolgicos, as referidas prticas ainda

    trazem resqucios das legislaes que antecedem ao ECA e Sinase. Com isso evidencia-se que

    a formulao de uma Lei nem sempre parmetro para sua aplicabilidade.

    H, certamente, muitos desafios a serem vencidos, o que demanda no apenas da

    equipe socioeducativa, mas tambm dos gestores da poltica da criana e do adolescente da

    famlia e da sociedade como um todo, afim de que se estabelea mudanas no atendimento a

    esse pblico. Nesse sentido, verifica-se a importncia na atuao dos profissionais de Servio

    Social nos centros de socioeducao no sentido de contribuir para defesa do direito e da

    cidadania do adolescente em privao de liberdade.

    OS DESAFIOS DO SERVIO SOCIAL NA SOCIEDUCAO

    O exerccio de refletir sobre a atuao do assistente social na socioeducao implica

    num retorno s bases conceituais do Servio Social sobre as quais se fundamentou e se

    legitimou enquanto profisso e tambm sobre o processo de redimensionando e de

    reconhecimento enquanto classe trabalhadora inserida na diviso social e tcnica do trabalho.

    A partir das consideraes de Jos Paulo Netto (1992, p. 14) o servio social enquanto

    prtica institucionalizada e legitimada gesta-se num momento muito especfico do processo da

    sociedade burguesa constituda. Aquele do trnsito idade do monoplio, isto , as conexes

    genticas do Servio Social profissional permeiam as peculiaridades da chamada questo

    social8 no mbito da sociedade burguesa consolidada e madura que fundada a partir da

    organizao dos monoplios.

    8 A questo social no seno as expresses do processo de formao e desenvolvimento da classe operria e

    de seu ingresso no cenrio poltico da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe par parte do

  • 7

    O capitalismo9 monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de

    contradies que confere ordem burguesa os seus traos basilares de explorao,

    alienao e transitoriedade histrica. (...) A idade do monoplio altera significativamente a

    dinmica inteira da sociedade burguesa: ao mesmo tempo em que potencia as contradies

    fundamentais do capitalismo j explicitadas no estgio concorrencial e as combina com

    novas contradies e antagonismos (NETTO, 1992, p.15).

    Nesse sistema, a contradio existente na relao entre capital e trabalho se torna mais

    eminente, exigindo interveno estatal na organizao da vida econmica e agindo sobre as

    sequelas oriundas da explorao da fora de trabalho da classe trabalhadora, por parte da

    classe detentora dos meios de produo. O papel do Estado nesse contexto no nvel das

    suas finalidades econmicas, o comit executivo da burguesia [...] opera para propiciar o

    conjunto de condies necessrias acumulao e valorizao do capital monopolista

    (ibdem p. 22). Age em resposta, tanto as demandas da classe trabalhadora, dada sua

    capacidade de mobilizao e organizao, como atua na defesa dos interesses econmicos da

    burguesia atravs das polticas sociais que objetivam a interveno estratgica e sistemtica

    nas situaes oriundas do modo de produo que engendra as sequelas da chamada questo

    social. Tais polticas operam como suporte econmico e sociopoltico oferecendo respaldo

    efetivo imagem do Estado como social, mediador de interesses conflitantes (ibdem p. 28).

    O Servio Social enquanto profisso emerge nesse contexto, num modo de

    produo e de reproduo das relaes sociais, com interesses contraditrios, dada a correlao de

    fora entre as duas classe burguesia e proletariado. Alem de outros fatores, Netto sinaliza que:

    A emergncia profissional do Servio Social , em termos histrico-universais, uma varivel da

    idade do monoplio; enquanto profisso, o servio social indivorcivel da ordem monoplica

    ela cria e funda a profissionalidade do Servio Social (NETTO, 1992, p. 70).

    Embora Netto considere que a profisso seja erigida por esse projeto burgus,

    possibilitado a partir de uma ordem social com bases mercadolgicas, da a condio de

    assalariamento dos profissionais, tambm veraz sua inferncia de que essa lgica se torna

    empresariado e do Estado. a manifestao , no cotidiano da vida social, da contradio entre o proletariado

    e a burguesia(...) (IAMAMOTO E CARVALHO, 1983: 77. In NETTO, 1992, p. 13) 9 O capitalismo, no ltimo quartel do sculo XIX, experimenta profundas modificaes no seu ordenamento e

    na sua dinmica econmicos, com incidncias necessrias na estrutura social e nas instncias polticas das

    sociedades nacionais que envolvia. Trata-se do perodo histrico em que o capitalismo concorrencial sucede

    o capitalismo dos monoplios (IAMAMOTO E CARVALHO, 1983: 77. In NETTO, 1992, p. 15).

  • 8

    mais dinmica pelo projeto conservador que a engendra possibilitando reformas que incidem

    e interferem no mbito das polticas sociais e econmicas em dado perodo da Histria. Nesse

    processo, a igreja catlica, aliada s instituies estatais, se constitui em fora propulsora ao

    modo de produo em vigncia que faz alterar as relaes entre Estado e Sociedade civil.

    A partir da dcada de 70, o pensamento neoliberal ganha espao e provoca mudanas

    nas relaes entre as instituies estatais. Ao mesmo tempo h uma efervescncia de

    movimentos sociais em vrios pases, chegando tambm ao Brasil e que, aos poucos, vo se

    constituindo numa resistncia ideologia posta vislumbrando mudanas nos rumos da poltica

    desenvolvimentista e nas estruturas que regiam o sistema.

    O Servio Social nessa conjuntura, tambm est passando por um processo interno de

    reviso de suas bases, de negao do servio social tradicional e busca pelo rompimento com

    o conservadorismo, fazendo emergir o Movimento de Reconceituao que Netto vai chamar

    de inteno de ruptura10

    . Esse movimento, originado por uma vertente mais crtica da

    profisso, avana para as dcadas seguintes consolidando uma nova perspectiva de atuao.

    Por meio dessa vertente o Servio Social brasileiro

    significado social, define a sua relao com as demais disciplinas da rea das cincias

    sociais e humanas, e, sobretudo, constri e defende objetivos legitimados por um projeto de

    sociedade na defesa da liberdade, da democracia, dos direitos sociais (GUERRA, 2004, p.

    38). [...] alcana o reconhecimento e a validao acadmica como rea de produo de

    conhecimento, determina seu estatuto profissional e o seu

    Faz-se necessrio lembrar que esse projeto profissional est na contramo do projeto

    societrio burgus e, embora o servio social no desempenhe funes produtivas, a partir das

    consideraes de Netto, est inserido nos processos de produo e de reproduo do capital e

    nas relaes sociais por ele engendradas. Mas tambm atua em favor da efetivao dos

    direitos de seus usurios e na minimizao das expresses da questo social oriundas desse

    modo de produo.

    Sobre essa lgica da acumulao, Iamamoto considera que o assistente social parte

    do trabalhador coletivo e os processos de cooperao por meio dos quais realiza o seu

    10

    O autor faz referencia que, apesar do Movimento de Reconceituao tenha sido significativo para a profisso

    essa ruptura no significa que o conservadorismo tenha sido superado no interior da profisso.

  • 9

    trabalho, organizados por seus empregadores, nos quais se realiza o consumo e a gesto da

    fora de trabalho (IAMAMOTO, 2007, p. 256).

    nesta perspectiva que o Servio Social, sob as novas exigncias do mercado de

    trabalho vai se redimensionando e se inserindo em vrias reas, sendo a socioeducao um

    dos campos de atuao mais desafiadores aos assistentes sociais11

    , considerando a prpria

    natureza do trabalho intramuros onde a defesa intransigente dos direitos humanos, conforme

    previsto no Cdigo de tica da profisso, se torna uma luta rdua. Considera-se assim,

    conforme Iamamoto que:

    Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente desenvolver sua

    capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de

    preservar e efetivar direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano. Enfim, um

    profissional propositivo e no s executivo (IAMAMOTO, 2001, p, 20).

    Da decorrem as inquietudes no cotidiano profissional, dada as relaes de poder e o

    jogo de disputas e de interesses contraditrios que se colocam interveno. A constncia de

    desafios na execuo da poltica social, voltada criana e do adolescente, na perspectiva dos

    direitos humanos, exige desse profissional uma atuao a partir da observncia das

    Legislaes, em especial, do Servio Social brasileiro12

    , afim de romper com o legado de uma

    prtica que coloca o profissional como mero executor das polticas sociais.

    Durante o perodo de oito anos aproximadamente atuando com adolescentes em

    cumprimento de medida socioeducativa de Internao, destacamos alguns dos principais

    desafios postos ao profissional de Servio Social nos Centros de Socioeducao.

    a) Compreenso do adolescente em privao de liberdade enquanto sujeito de

    direitos: Neste aspecto, o desafio consiste em ultrapassar o rano do Cdigo de

    Menores e compreender que esse adolescente est privado da liberdade, no dos

    direitos fundamentais previstos no ECA e no Sinase.

    b) Condies de estruturas fsicas inadequadas e insalubres para os adolescentes

    e para os profissionais: As Unidades construdas a partir de 2006, j

    11

    No Artigo 12 do Sinase. Diz que: A composio da equipe tcnica do programa de atendimento dever ser

    interdisciplinar, compreendendo, no mnimo, profissionais das reas de sade, educao e assistncia social,

    de acordo com as normas de referncia. 12

    Destacamos em especial, o Cdigo de tica de 1993 e a Lei de Regulamentao da Profisso Lei 8.662/93.

  • 10

    contemplam, pelo menos em parte, os requisitos estabelecidos pelo Sinase.

    Contudo, ainda presente situaes que ferem os direitos do adolescente em

    privao de liberdade frente ao que preconiza as legislaes em vigncia. Em

    vrias Unidades Socioeducativas13

    a condio estrutural se mantm com as

    mesmas dificuldades vividas no Cdigo de Menores.

    c) Nmero reduzido de profissionais na composio das equipes: A exemplo do

    Cense II de Cascavel, no perodo entre 2007 a 2010 eram 05 assistentes sociais

    atuando, destas 4 foram transferida para outras Unidades e, apenas no incio de

    janeiro de 2014, foram convocadas 3 novas profissionais. A realidade de outros

    Cense no Paran ainda permanece com defasagens no quadro funcional. Tal fato

    compromete os aspectos relacionados a especificidade da profisso que tende a

    tornar o assistente social cada vez mais um tcnico generalista.

    d) Falta de capacitao permanente: Nos ltimos anos, embora esteja previsto no

    Sinase, no houve capacitaes envolvendo toda a equipe. Considera-se que o

    repensar cotidianamente as intervenes junto ao pblico adolescente e suas

    famlias imprescindvel dada a complexidade de relaes que se estabelecem no

    contexto socioeducativo. A atuao ou no de outros membros da equipe interfere

    incisivamente nas aes do assistente social.

    e) Ultrapassar campo do imediato para o mediato: A partir dos fatores descritos,

    aliada a complexidade do trabalho intramuros, as intervenes cotidianas do

    profissional de Servio Social acabam sendo realizadas no campo da

    imediaticidade. As condies dadas no possibilitam o planejamento de aes

    tornando o Assistente Social, como diria NETTO (1992), apenas um executor

    terminal das polticas sociais, neste caso, da criana e do adolescente.

    Considera-se diante disso, que a aprovao das referidas Leis, apesar dos avanos

    obtidos em relao a poltica de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, ainda se

    percebe a eminncia de um longo caminho a ser percorrido, considerando os desafios

    13

    Tal afirmao decorrente das visitas realizadas nas unidades socioeducativas no Estado do Paran.

    Considera-se que houve melhorias nas condies estruturais, mas que ainda no contemplam todas as

    Unidades socioeducativas.

  • 11

    decorrentes do modo de produo capitalista, com vistas ao consumo, e de um grupo

    societrio cujos valores encontram-se alicerado nas ideologias neoliberais. Assim, a

    socioeducao perpassada por essas contradies sendo desafiadora a prtica profissional na

    luta pela efetivao de direitos, a partir da apreenso da dinmica do adolescente autor de ato

    infracional na composio de sua vida social.

    CONSIDERAES FINAIS

    A atuao do Servio Social junto a adolescentes autores de ato infracional no recente e

    segue os parmetros da dinmica social, contextualizada a partir da realidade que se apresenta em

    movimento e que constri ideologias. Estas, determinam as aes dos sujeitos em cada perodo da

    histria, possibilitando a reconstruo de valores que incidem diretamente no cotidiano das

    relaes sociais.

    Assim, a aes voltadas a criana e ao adolescente seguem esse mesmo decurso. Se

    num dado momento da histria a interveno gira em torno perspectiva da situao irregular

    Cdigo de Menores , noutro momento, designa novos marcos regulatrios que mudam para

    doutrina a proteo integral ECA. Essa perspectiva preconiza, a partir das legislaes

    nacionais e internacionais criana e do adolescente a possibilidade de exerccio de sua

    cidadania, logo, sujeitos de direitos mesmo para adolescentes autores de atos infracionais e na

    condio de privao de liberdade.

    No entanto, observa-se que, embora as legislaes em vigncia tenham avanado

    tornando legais as aes referentes ao adolescente que cumpre medida socioeducativa de

    internao, os discursos e as aes dos atores desse sistema ainda se pautam na lgica da

    punio que tem por base o antigo Cdigo de Menores. Logo, o estabelecimento de uma lei

    determinada lei, no garante a esse pblico a materializao de seus direitos. Nesse sentido, a

    atuao dos profissionais de Servio Social, dada as relaes de poder e de interesses

    contraditrios que se colocam sua interveno, est assolada por uma gama de desafios na

    execuo da poltica voltada ao adolescente autor de ato infracional.

    Diante disso, compreende-se que, a partir do projeto tico-poltico da profisso, o

    assistente social ocupa um papel fundamental na medida em que contribui para mudana de

    valores que supe a erradicao de processos contrrios perspectiva da liberdade, da justia

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    social e do direito. Para tanto, se faz necessrio que esse profissional possa dispor de competncia

    tcnica, tica e poltica, para tornar possvel respostas demandas oriundas das expresses da

    questo social, tendo por base o Cdigo de tica e a Lei de Regulamentao da Profisso.

    REFERNCIAS

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