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Vitimao em mulheres

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Ttulo em Cabealho: VITIMAO EM MULHERES

Estudo sobre o Ajustamento Emocional, Suporte Social e Trauma em Mulheres Vtimas Ctia Susana Dias Fernandes (N. 9801480) Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

Cadeira: Seminrio de Investigao em Psicologia Criminal e do Comportamento Desviante Orientador: Mestre Jos Brites Coordenador: Dr. Paulo Sargento Departamento de Psicologia da ULHT

Lisboa, Setembro 2003

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Resumo O objectivo desta investigao consistiu em relacionar diferentes tipos de vitimao com os respectivos ajustamento emocional, frequncia e intensidade do trauma, suporte social e possvel existncia de patologias, numa amostra constituda por 60 mulheres vtimas. Foi desenvolvido um questionrio para avaliao da histria de vitimao, bem como medidas para avaliar o ajustamento emocional (Symptom Assessment-45

Questionnaire SA-45; Sitanerios, Rayes & Morrison, 1996), o suporte social (Multidimensional Scale of Perceived Social Support MSPSS; Zimet, Dahlem, Zimet & Farley, 1988), o trauma (Davidson Trauma Scale DTS; J. Davidson, 1996) e a frequncia e intensidade dos sintomas (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition DSM-IV; American Psychiatric Association, 1996). Os

resultados indicaram que as vtimas de violncia domstica apresentam um menor ajustamento emocional e suporte social, uma maior frequncia e intensidade do trauma e uma maior tendncia para desenvolver patologias, relativamente s vtimas de acidentes e de crimes contra o patrimnio, no apresentando estes dois grupos diferenas relevantes entre si.

Palavras-chave: Violncia, Vitimao, Ajustamento Emocional, Frequncia e Intensidade do Trauma, Suporte Social e Patologias

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Ajustamento Emocional, Suporte Social e Trauma em Mulheres Vtimas

Violncia contra a mulher foi uma expresso utilizada pelo movimento social feminista h pouco mais de 20 anos (Grossi, 1998), que, segundo Pais, (1994) se define como qualquer acto, omisso ou conduta que conduza a sofrimentos fsicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, por meio de enganos, ameaas, coaco ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objectivo intimid-la, puni-la ou humilh-la, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade fsica, mental e moral, ou abalar a sua segurana pessoal, o seu amor prprio ou a sua personalidade. Segundo a maioria dos estudos existentes, no seio familiar que ocorre a maioria dos crimes de violncia domstica, principalmente contra a mulher. O que deveria ser um problema pessoal, depressa atinge um carcter social devido crescente importncia dada ao papel da mulher na sociedade (Pais, 1996). Para Loureno, Lisboa e Pais (1997), a violncia contra as mulheres uma realidade existente em vrias partes do planeta, em pases desenvolvidos ou no, no meio urbano e rural e nas mais variadas classes, grupos sociais ou faixas etrias, em qualquer etapa da vida da mulher e ocorre em espaos pblicos ou privados (alis, para a maior parte das mulheres que sofrem ou sofreram algum tipo de violncia, a casa o local mais perigoso).

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No mbito do espao de ocorrncia da violncia contra a mulher, para Osrio (2002) esta deve ser definida segundo duas variveis: quem agride e onde agride; se a violncia sofrida por uma mulher ocorrer no espao domstico, tal implica que o agressor seja algum familiar seu, pessoa que frequente a sua casa ou cuja casa ela frequente, ou pessoa que viva com ela; se a violncia ocorrer noutro espao que no o domstico, entre pessoas conhecidas ou no, remete para violncia extra domstica contra a mulher. A abordagem ambiental do abuso (Heise, 1998) sustenta que a interaco e combinao de diversos factores pessoais, situacionais e scio-culturais, factores esses como a existncia de violncia na famlia de origem, nveis scio-econmicos baixos, consumo habitual e excessivo de lcool e drogas, dfices comportamentais e presena de psicopatologia, que poder ser predisponente para o aumento da aco violenta do homem contra a mulher. Para Soares (1999) podem ser definidos quatro tipos diferentes de abuso, sendo abuso econmico, sob a forma de dominao atravs de recursos financeiros, situaes de roubo, burla e/ou expropriao de quantias que pertenam s mulheres; abuso emocional, tambm entendido como violncia psicolgica ou violncia verbal, onde exercida uma presso emocional sobre a mulher, atravs de diversos comportamentos como ameaar, culpar, insultar, humilhar, isolar dos amigos e familiares, controlar, e/ou chantagear. A autora define ainda o abuso fsico sob a forma de ameaa de agresso ou consumao da mesma (e.g., empurrar,

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atirar objectos, esbofetear, espancar, estrangular, pontapear e usar ou ameaar com armas) e abuso sexual (e.g., violao, forar, com ou sem violncia, o sexo, forar a assistir a pornografia, a praticar sexo com outrm, etc.). Estes quatro tipos de abuso, segundo certos autores, esto presentes numa situao de violncia de gnero, ou pelo menos mais de um deles em simultneo e constituem formas tpicas de violncia, quer domstica, quer extra domstica. Segundo Loureno, Lisboa e Pais (1997), em todos os estudos sobre vitimao, os dados recolhidos referem-se sempre violncia declarada e no violncia real. Em 1997, um estudo publicado pela Comisso para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM), permitiu quantificar uma realidade dificilmente captada pelas estatsticas e que muitas vezes se escapa por entre as redes da lei, como referem os autores. Segundo dados mundiais, o risco de uma mulher ser agredida em sua prpria casa, pelo pai dos seus filhos, ex-marido ou actual companheiro, nove vezes maior do que o de sofrer alguma violncia na rua. Em Portugal, no ltimo ano, a Associao Portuguesa de Apoio Vtima (APAV) prestou apoio a mais de 10 mil casos. Relativamente ao ano de 2002 a maioria dos apelantes era do sexo feminino (87.8%), tendo sido a maioria das mulheres vtima de violncia domstica (84.5%). Efectuado o perfil da vtima constatou-se que a maioria era casada (51.6%) e com idades compreendidas entre os 26 e os 45 anos (33.4%). A violncia fsica surgiu como problemtica presente em cerca de 29,3%

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das chamadas e a violncia psicolgica caracterizou 28,1% dos atendimentos efectuados. Quanto actividade profissional/ocupao das vtimas, na sua maioria, eram desempregadas ou trabalhadoras no qualificadas. Em cerca de 30.6%, o consumo excessivo de frmacos estava presente, seguindo-se o consumo de lcool (25.5%). Uma elevada percentagem das apelantes era alvo de violncia continuada (67.8%). Constatou-se que, na maioria dos casos, o agressor era conhecido da vtima (81.9%), existindo uma relao marital entre vtima e agressor em 54.8% dos casos; talvez por isso, em 55.2% dos casos, a vtima desistiu da queixa. Quanto ao local de ocorrncia da vitimao, a mesma ter sido na residncia comum da vtima e do agressor (69.7%). Relativamente vtima de violncia domstica, esta, geralmente, apresenta baixa auto-estima e mantm uma relao com o agressor, seja por dependncia material ou emocional. O agressor, por sua vez, desresponsabiliza-se pelos seus actos violentos e conduz a vtima a sentir-se responsvel pelo abuso, acabando esta por sentir culpabilizao e vergonha (Ballone, 2003). Se, por um lado, a mulher pode ser acusada de ser masoquista ou de provocar o comportamento violento por permanecer numa relao abusiva, por outro, pode ser apontada como incapaz de desempenhar o seu papel ao libertar-se dessa mesma relao (Alexander, 1993). Assim, o comportamento violento tende a assumir um carcter de frequncia e continuidade, aumentando, a cada dia que passa, a sua intensidade (Matos, 2001).

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Segundo Kriwet (2000) o abuso sistemtico conduz, por parte da vtima, a sintomas como a dissociao e negao, para alm de outros sintomas, o que chega a provocar falhas de memria referentes ao abuso, criando-lhe grandes dificuldades em lidar com a situao, tornando-se num dos motivos de impedimento do abandono do relacionamento abusivo. Riggs e Kilpatrick (1990), defendem que o relacionamento ntimo existente entre vtima e agressor torna-se num factor negativo na medida em que a vtima, devido proximidade com o agressor, evita pedir ou aceitar ajuda. Existem ainda mulheres que se recusam a assumir uma separao ou o divrcio, devido a crenas religiosas que possuem (Matos, 2001). No que diz respeito gravidade do abuso, o abuso emocional muitas vezes to ou mais prejudicial que o abuso fsico. Trata-se de uma agresso que no deixa marcas corporais visveis mas emocionalmente causa cicatrizes indelveis para toda a vida (Ballone, 2003; Miller, 1995). de salientar que graves consequncias emocionais podem emergir a partir de episdios de violncia de pouca gravidade, tais como assaltos, acidentes rodovirios ou atropelamentos, podendo no existir uma relao directa entre o dano fsico ou material e a forma como o acontecimento foi vivido do ponto de vista emocional (Peters, 1988). Ao ser-se vtima de um crime, tal facto pode vir a representar um trauma; dependendo da vida das vtimas, estas so afectadas de

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modos diversos e a sua recuperao varia segundo as caractersticas de cada uma, a natureza do incidente e a forma como a vtima vivenciou o ocorrido, bem como o seu maior ou menor ajustamento emocional e utilizao de recursos e redes de suporte social (Lurigio & Resick, 1990). Segundo Queiroz (2000) so diversas as consequncias psicolgicas da violncia, nomeadamente a existncia de sintomas como baixa auto-estima, apatia, depresso, ansiedade, isolamento, distrbios sexuais, distrbios do sono, pnico, incapacidade para o trabalho, rejeio familiar e social, humilhao, constrangimento no curso de procedimentos policiais e legais, terror, agitao, impotncia, desespero, sensao de abandono, desvalorizao pessoal, insegurana, desconfiana, entre outros. Soares (1999) acrescenta ainda consequncias fsicas inerentes vitimao, tais como leses leves ou graves, cicatrizes, mutilaes, doenas crnicas, entre outras. Para Shalev (1992) algumas destas respostas emocionais, caractersticas da Perturbao de Stress Ps Traumtico (PTSD), podem ser consideradas normais; no entanto, tendo em conta factores como o suporte social, a frequncia e intensidade do trauma, inevitabilidade e intencionalidade dos factos, podem transformar-se ou no em reaces patolgicas. Com base em estudos anteriores, feitos por especialistas norteamericanos, cada vtima fsica de um acidente grave pode gerar entre quatro e vinte vtimas psicolgicas, devido aos possveis traumas

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sofridos por amigos e familiares envolvidos e prximos da vtima propriamente dita. Dessas pessoas que esto prximas vtima, provavelmente 40% no se recuperaro, desenvolvendo PTSD. O risco de sofrer sequelas mais graves influenciado principalmente pela dimenso e gravidade do desastre, pela experincia de traumas passados e por condies psicolgicas depresso e ansiedade so factores que agravam o quadro clnico. Algumas observaes efectuadas por tericos e clnicos tm constatado que s um tero das pessoas expostas a situaes traumticas, como acidentes rodovirios, tem probabilidades de apresentar PTSD (Shalev, 1992). Ferenczi (1985) refere-se ao trauma como a reactuao quase sempre masoquista de eventos abusivos e desagradveis, em que a vtima d o benefcio da dvida ao agressor, como forma de justificar o sucedido e como forma de dar um sentido positivo e continuidade realidade vivida, sendo o trauma manifestado por meios no verbais. Segundo Schweidson (1995) as pessoas que passam por episdios traumticos repetidos, no revelam uma vivncia pessoal contnua, mas sim com cortes perante a realidade, do mesmo modo que sofrem da emergncia de conjuntos dissociados de memrias que parecem ter registado todas as circunstncias do trauma de forma descontnua. As revivncias do trauma no permitem s vtimas encontrar a estabilidade emocional de que necessitam. O episdio traumtico pode ser, entre outros, a exposio a situaes vivenciadas como traumticas (Charney, Deutch, Krystal,

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Southwick & Davis, 1993): assalto violento, violao, rapto, burla e acidentes rodovirios graves, so as situaes mais relatadas. Segundo os dados da APAV, apesar de a maioria dos apelantes se tratar de mulheres vtimas de violncia domstica, cada vez mais h registo de vtimas de crimes de furto, roubo, dano e burla crimes tipificados na lei como sendo contra o patrimnio. Para Gangley (1996), alm do trauma e do medo de novas agresses, a vtima tem de lidar com as complexidades do relacionamento ntimo com o agressor, como j foi referido. Muitas vezes o agressor encontra apoio social para as suas crenas. Ao contrrio das vtimas de violncia por estranhos, as vtimas de violncia domstica enfrentam barreiras sociais e financeiras para se afastarem/separarem dos agressores, bem como para a eventual utilizao de estratgias de proteco ao lidar com situaes como esta. No exerccio da funo patriarcal, os homens detm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorizao ou, pelo menos, tolerncia da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. O desenvolvimento de uma PTSD no est dependente apenas do ambiente e do estmulo; ela est tambm condicionada pelo suporte social (Barlow, 1988; Foy, 1992; Calhoun e Resick, 1993), que conduz a uma melhor ou pior capacidade de coping para lidar com os estmulos stressantes. Um factor importante no desencadear da perturbao pode ser a avaliao que o indivduo faz da situao. Face ao mesmo estmulo, um indivduo pode sentir-se impotente, sentir que nada pode fazer para

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evitar a situao; enquanto que outro indivduo pode reagir ao estmulo/situao (Sousa, 1985) de modo positivo. Este primeiro indivduo tem muito mais probabilidades de vir a desenvolver uma PTSD, que o segundo (Calhoun & Resink, 1993; Goleman, 1995/1997). A violncia parece ocorrer mais em mulheres que tenham pouco suporte social (e.g., escolaridade, trabalho, acesso a servios de sade e outros) e/ou individual (apoio familiar ou de amigos). Alguns estudos revelam que as mulheres que sofrem algum tipo de violncia declaram um apoio social precrio, incluindo desemprego, numa proporo seis vezes maior do que as mulheres no agredidas (Diniz, 2002). Porm, segundo Duckworth (1975), o isolamento e o silncio caractersticos da maioria das vtimas condiciona o prprio recurso, por parte destas, ao suporte social existente, condicionando o estudo sistemtico do trauma. Numa tentativa de explicao e recorrendo a alguns modelos tericos, o modelo cognitivo parece ser o mais adequado para compreender e explicar os enviesamentos da ateno e da memria, assim como a razo porque nem todos os indivduos reagem da mesma forma perante o mesmo estmulo ou porque o suporte familiar e social importante no desencadear, ou no, da PTSD (Foa & Rothbaum, 1998). Pretende-se com este trabalho no s reforar os resultados obtidos em investigaes anteriores, bem como avaliar o ajustamento emocional das vtimas, a frequncia e intensidade do trauma e o seu suporte social, detectando possveis patologias, tendo em conta as causas

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e consequncias da vitimao e, principalmente, segundo a tipologia de violncia sofrida. Assim, foi desenvolvida a seguinte hiptese: espera-se que as vtimas de violncia domstica ou conjugal apresentem um maior desajustamento emocional, uma maior frequncia e intensidade do trauma, um menor suporte social e uma maior predisposio para desenvolver patologias, relativamente s vtimas de acidentes e de crimes contra o patrimnio.

Mtodo Participantes Participaram neste estudo 60 mulheres vtimas: 20 vtimas de acidentes, 20 vtimas de crimes contra o patrimnio e 20 vtimas de violncia domstica, cujas idades variaram entre os 19 e os 63 anos, com uma mdia de idades total de 35.6 (DP =10.8). As mulheres vtimas, na sua maioria, no se encontram envolvidas em nenhum relacionamento (n =24; 40%) ou so casadas (n =19; 31.7%), no vivem ss (n =52; 86.7%), tm filhos (n=38; 63.3%) e possuem filiao religiosa catlica (n =32; 54.2%). Quanto ao relacionamento actual, no foram encontradas diferenas estatisticamente significativas entre o tipo de vitimao, (6)=9.318; p >.05.

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No foram igualmente encontradas diferenas estatisticamente significativas em relao estabilidade dos relacionamentos, F (2.57)=.354; p >.05. No foram ainda encontradas diferenas estatisticamente significativas entre o tipo de vitimao para as variveis: vive s, (2)=3.750; p >.05; se coabita com cnjuge/companheiro, (2)=.536; p >.05; com filhos, (2)=.950; p >.05; com enteados, (2)=2.034; p >.05; com pais, (2)=1.600; p >.05; com sogros, (2)=2.034; p >.05 ou outros familiares, (2)=4.444; p >.05. Existiram sim diferenas estatisticamente significativas na varivel: coabita com outros no familiares, (2)=8.571; p .05. Em relao existncia de filiao religiosa nas mulheres vtimas, no foram encontradas diferenas estatisticamente significativas, (2)=1.641; p >.05. No que diz respeito frequncia religiosa, no foram ainda encontradas diferenas estatisticamente significativas, F (2.57)=.887; p >.05.

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Tambm no foram encontradas diferenas estatisticamente significativas em relao idade das vtimas, por tipo de vitimao, F (2.57)=.040; p >.05. No foram tambm encontradas diferenas estatisticamente significativas nas habilitaes literrias, F (2.57)=2.859; p >.05, ver tabela 1. ------------------------------------------------------------------------------------Inserir tabela 1 aproximadamente aqui ------------------------------------------------------------------------------------Medidas Foi utilizado um questionrio de contedo diversificado. Numa primeira parte pretendia-se obter a caracterizao scio-demogrfica das mulheres vtimas, seguindo-se algumas questes de resposta fechada e semi-aberta, de modo a determinar a histria da vitimao, nomeadamente em contexto de Violncia Domstica, Crimes contra o Patrimnio e/ou Acidentes. Pretendia-se aqui avaliar, segundo a tipologia da vitimao, a especificao e descrio da mesma, a frequncia e ocorrncia dos actos e o local. Os graus de violncia fsica, verbal e ameaa de vida, bem como a avaliao da sensao de controlo e falta de ajuda perante os acontecimentos foram avaliados numa escala de resposta tipo Likert, de 8 pontos. A estas questes foram acrescidas ainda outras acerca das caractersticas do agressor e sua proximidade com a vtima. A escala avaliativa do Ajustamento Emocional utilizada foi a Symptom Assessment-45 Questionnaire (SA-45; Sitanerios, Rayes &

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Morrison, 1996), constituda por 45 itens, originrios da verso original SCL-90, com um formato de resposta tipo Likert, de 5 pontos, variando entre 0=Nunca e 4=Extremamente, relacionando nove dimenses: ansiedade, depresso, hostilidade, sensibilidade interpessoal, sintomas obsessivo-compulsivos, ideaco paranide, ansiedade fbica, psicoticismo e somatizao. As caractersticas psicomtricas desta escala foram obtidas a partir de uma amostra composta por adultos, de onde derivaram valores de consistncia interna, de Cronbach, que variaram entre 0.71 para a dimenso de psicoticismo e 0.92 para a dimenso de depresso. A estabilidade temporal do SA-45 foi avaliada pelo mtodo teste-reteste, com um intervalo de aplicao de duas semanas, tendo sido obtidos valores de r =0.80, com excepo da dimenso de somatizao (r =0.69) e a dimenso de ansiedade (r =0.42). Os valores da validade de constructo variaram de 0.38, entre a dimenso de ansiedade fbica e a dimenso de hostilidade, a 0.75, entre a dimenso de sensibilidade interpessoal e a dimenso de depresso. No que diz respeito validade convergente procedeu-se correlao entre esta escala e as SCL-90 e BSI; na primeira, o valor obtido foi r =0.94 para todas as dimenses, exceptuando a dimenso do psicoticismo (r =0.88), enquanto que com a BSI a correlao foi de r =0.90 para todas as dimenses, com excepo da dimenso de psicoticismo (r =0.79).

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A escala utilizada para avaliar o Suporte Social foi a Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS; Zimet, Dahlem, Zimet & Farley, 1988), agrupada em 12 itens avaliativos da percepo do indivduo face ao seu suporte social, com uma escala de resposta tipo Likert, de 7 pontos, variando entre 1=Discordo completamente e 7=Concordo completamente, avaliando trs dimenses: famlia, amigos e outros significativos. Foram obtidos valores de consistncia interna ( de Cronbach) de 0.88 para a pontuao total da MSPSS, de 0.91 para a dimenso de outros significativos, de 0.87 para a dimenso da famlia e de 0.85 para a dimenso de amigos. A estabilidade temporal desta escala foi avaliada pelo mtodo teste-reteste com valores de 0.72 para a dimenso de pessoas significativas, de 0.85 para a dimenso da famlia, de 0.75 para a dimenso de amigos e de 0.85 para a pontuao total da MSPSS. A escala avaliativa do Trauma utilizada foi a Davidson Trauma Scale (DTS; J. Davidson, 1996), constituda por 17 itens que avaliam a frequncia e intensidade de sintomas de Stress Ps-Traumtico (PTSD), correspondentes a diversas afirmaes acerca de experincias traumatizantes, nas quais o sujeito faz avaliaes atravs de respostas que variam entre 0 e 4; na avaliao da frequncia os items oscilam entre 0=Nunca e 4=Todos os dias, enquanto que na avaliao da intensidade as respostas variam entre 0=Nada perturbador e 4=Extremamente perturbador.

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Foram obtidos valores de consistncia interna ( de Cronbach) de 0.99 para a pontuao total da DTS, de 0.97 para os itens de frequncia e de 0.98 para os itens de intensidade. A estabilidade temporal desta escala foi avaliada pelo mtodo teste-reteste, com intervalo de aplicao de duas semanas e resultou no valor de 0.86 para a pontuao total da DTS. No que diz respeito validade convergente confirmou-se uma forte correlao entre esta escala e as CAPS e DTS; na primeira, o valor obtido foi r =0.78, enquanto que com a DTS a correlao foi de r =0.64. A avaliao da Frequncia e Intensidade dos Sintomas foi realizada atravs de itens desenvolvidos a partir do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders , Fourth Edition (DSM-IV; American Psychiatric Association, 1996). Procedimento Estabeleceu-se um contacto prvio com alguns centros de acolhimento de mulheres vtimas, annimos, a fim de obter autorizao para a realizao da investigao. Foram tambm estabelecidos contactos a ttulo particular com mulheres com historiais de vitimao. Aps autorizao, foi explicado aos sujeitos qual o objectivo do estudo, bem como as questes ticas relativas ao consentimento informado, participao voluntria, direito ao anonimato e confidencialidade.

Resultados

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Os dados relativos a esta investigao foram introduzidos numa base de dados do SPSS 11 (Statistical Procedures for Social Sciences) para o Windows 2000. Quanto caracterizao da violncia domstica verificou-se que os tipos de vitimao mais frequentes so os maus-tratos por parte do cnjuge/companheiro (n =17; 85%); agresso fsica (n =14; 70%) e injrias verbais (n =12; 60%). Verificou-se ainda que os episdios de violncia so repetidos (n =18; 90%) e com frequncias maioritariamente semanais (n =6; 30%) e dirias (n =5; 25%). Quanto ao local da violncia domstica, demonstrou-se que a maioria dos episdios ocorre em residncia comum (n =11; 55%) ou na residncia do agressor (n =7; 35%). Por sua vez, os locais de ocorrncia de crimes contra o patrimnio so maioritariamente a residncia da vtima (n =8; 40%), local de trabalho ou via pblica (n =5; 25%). Relativamente ao tipo de relao com o agressor, no mbito da violncia domstica, a maioria trata-se de cnjuges/companheiros (n =15; 75%), enquanto que no contexto de crimes contra o patrimnio, as relaes maioritariamente mantidas, entre vtimas e agressores, so inexistentes (n =6; 30%) ou de amizade (n =5; 25%). Em relao ao tipo de crimes contra o patrimnio constantes da nossa amostra, estes so, na sua maioria, burla (n =12; 60%) e furto (n =9; 45%).

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Quanto ao tipo de acidentes, verificou-se que a maioria consiste em choque entre veculos (n =15; 75%). No que diz respeito durao do episdio (em meses), aos graus de violncia fsica, verbal e de ameaa de vida, sensao de controlo e de impotncia, comparando os trs grupos de vitimao, o grupo de violncia domstica apresenta os valores mdios mais elevados quanto durao do episdio (M =84; DP =129.5) e ao grau de conhecimento com o agressor (M =7.4; DP =1.3), contra o valor mais reduzido, relativo ao grau de ameaa de vida (M =4.1; DP =2.2). Por sua vez, o grupo respeitante aos acidentes apresenta os valores mdios mais elevados relativamente ao grau de violncia fsica (M =6.6; DP =1.5); ao grau de violncia verbal (M =7; DP =1.4) e sensao de impotncia (M =6.7; DP =2.3). Quanto sensao de controlo, este grupo possui o valor mdio mais reduzido (M =1.8; DP =1.6). Por ltimo, o grupo referente aos crimes contra o patrimnio apresenta os valores mdios mais elevados referentes ao grau de ameaa de vida (M =5.8; DP =3.1) e sensao de controlo (M =2.3; DP =2). Em contrapartida, o mesmo grupo manifesta valores mdios mais baixos no que diz respeito durao do episdio (em meses) (M =17.3; DP =25.7), ao grau de violncia fsica (M =2.5; DP =2), grau de violncia verbal (M =1.9; DP =2), sensao de impotncia (M =6.4; DP =2.3) e ao nvel de conhecimento com o agressor (M =4.1; DP =2.6), ver tabela 2, 3 e 4. ------------------------------------------------------------------------------------Inserir tabela 2, 3 e 4 aproximadamente aqui

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------------------------------------------------------------------------------------Com o objectivo de estudar as diferenas entre o tipo de vitimao e as variveis em estudo, foi efectuada uma anlise de varincia univariada (ANOVA). Esta comparao demonstrou a existncia de diferenas estatisticamente significativas entre as vtimas de violncia domstica, acidentes e crimes contra o patrimnio, aos nveis da intruso e evitao, do ajustamento emocional/psicopatologia e suporte social, bem como da frequncia e intensidade dos sintomas, para um p