monografia lixoii

267
L i x o: Uma Radiografia da Nossa Sociedade Andres Salomon Cohen Sebilia Biólogo – CRB 15.565/02D 1999 1

Upload: eliezer

Post on 04-Jul-2015

441 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

L i x o:Uma Radiografia da Nossa Sociedade

Andres Salomon Cohen SebiliaBiólogo – CRB 15.565/02D

1999

1

Eu devo confessar a vocês que o progresso a princípio foi lento. Agora, quando me recordo daqueles dias de batalha, eu me lembro de que isso também foi doloroso no início. Mas, à medida que os dias passavam, eu vi que tinha de jogar fora muitas outras coisas que eu considerava como minhas, e chegou o tempo em que desistir daquelas coisas se tornou uma questão de Contentamento.

(Mahatma Gandhi)

SumárioAgradecimentos 4

2

Apresentação 5I- Apresentação do Problema 8 - 61

1. Introdução 92. O Consumo de Matérias-Primas, Energia e Manufaturados 123. A Produção de Matérias-Primas e Manufaturados 184. As Mudanças na Economia e na Sociedade ou Maquiagem Verde? 225- A Análise do Ciclo de Vida 306. O Crescimento Populacional 337. Economia, Desenvolvimento e Meio Ambiente 418. O Desperdício em nossa Sociedade 509. Militarismo, Desarmamento e Meio Ambiente 54

II- Os Principais Tipos de Resíduos 62 – 881. Domiciliares ou Urbanos 632- Doméstico Perigoso 673. Hospitalares 704. Industriais 735. Radioativos 82

III- Métodos de Tratamento e Disposição Final 89 - 1101. Aterros Sanitários e Lixões 902. Incineradores 943. Usinas de Compostagem 994. Coleta Seletiva e Reciclagem 104

IV- A Reciclagem das Matérias-Primas 111 – 1531. Papel 1122. Plásticos 1193. Vidros 1254. Metais 1295. Outros Materiais 135

5.1. Pilhas 1355.2. Borracha /Pneus 1395.3. Automóveis 1445.4. Computadores e Máquinas Eletro-eletrônicas 1475.5. Coco 1505.6- Embalagens Longa Vida 152

V- Discussão 154 – 1661. Uma Visão do Desenvolvimento da Sociedade 1552. As Questões Econômicas 1563. A Administração do Lixo e seus Problemas 1604. A Coleta, o Tratamento, e a Disposição Final do Lixo 1625. As Mudanças Necessárias que se Avizinham 1666. O Dia do Julgamento Final 166

VI- Fontes BibliográficasVII- Anexos1- Oportunidades de Negócios

Agradecimentos:

3

A nossa única aquisição na vida, e que trazemos conosco para todo sempre, é o amor pelo que está vivo, neste mundo e na infinidade dos mundos. Para honrar, exprimir este amor poderoso, complexo, não nos limitamos ao método científico, como o exigia a prudência. Mas o que é o amor prudente? Os nossos métodos foram os dos cientistas, mas também dos teólogos, dos poetas, dos feiticeiros, dos magos e das crianças. No fim de contas, conduzimo-nos como bárbaros, preferindo a invasão do que a evasão (Le Matin des Magiciens. Pauwels, L. & Bergier, J.- 1980. Librairie Gallimard, Paris).

Este é também o espírito desta obra. Nela realizamos uma pesquisa do que foi publicado nos últimos anos sobre o assunto. Desde já gostaríamos de nos desculpar com algum autor, caso o tenhamos deixado de consultar ou não o citamos no escopo da nossa própria obra. Ela é dedicada à todas as pessoas que, com seu amor, lutam para que tenhamos um mundo melhor do qual possamos nos orgulhar.

Diversas pessoas participaram, direta ou indiretamente, para tornar possível a realização desta obra. Faço um agradecimento todo especial `a meus pais, Samuel Cohen Benvinista e Miriam Cohen pelo carinho que sempre me dispensaram. Aos Srs. Cláudio de Mello Vieira e Luciano Basto Oliveira pela inestimável pesquisa de parte do material que compõe esta obra. Ao Compromisso Empresarial para a Reciclagem - CEMPRE - e a Fundação Brasileira para Conservação da Natureza - FBCN - pela cessão de importante e imprescindível bibliografia, além da oportunidade de desenvolver projetos na área de coleta seletiva. As Sras Patrícia Amazonas e Márcia de Sousa Drolshagen os nossos mais sinceros agradecimentos pelas discussões e orientações durante nossa agradável convivência. Não podemos deixar, também, de agradecer ao Sr Alberto Weisz e à todo o staff da W 12 Comércio de Papéis Ltda pela oportunidade de conhecer o problema do lixo e da reciclagem. À Maria Claudia de Amorim, os nossos mais profundos e sinceros agradecimentos pelo carinho, inestimável apoio, revisão de parte do manuscrito e paciência, sem as quais não teria sido possível realizarmos esta obra. Por fim, deixamos expressos os nossos agradecimentos à todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuiram para esta obra: autores, jornalistas, editores, amigos(as) etc ... .

Os espíritos se assemelham aos para-quedas: só funcionam quando abertos e, esperamos sinceramente termos alcançado este objetivo. Uma obra aberta, inacabada à espera de críticas e sugestões de modo a torna-la sempre atual.

Apresentação

4

Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum – para si ou para os outros - abandona-lo quando assim ordena o seu coração. Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessário. Então, faça a si mesmo uma pergunta: possui este caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não tem importância alguma.

(Carlos Castañeda)A avareza da Humanidade é insaciável.

(Aristóteles)

Os sistemas biológicos terrestres sempre foram a base dos sistemas econômico e social da humanidade, fornecendo alimentos, as matérias-primas, os minerais e produtos sintéticos derivados do petróleo. Desempenharam, também, um importante e imprescindível papel no comércio, através do transporte, na alimentação e, atualmente desempenham um componente significativo na geração de energia em vários países do mundo, notadamente no Brasil.

Os aumentos constantes e crescentes da população mundial faz com que as pressões sobre estes ecossistemas aumentem ainda mais. Muitos bilhões de seres humanos, ávidos pelo consumismo, levam o ambiente até os limites da sua capacidade de suporte e recuperação. A produtividade de várias áreas de pesca, oceânicas e interiores, está diminuindo a medida que o homem ultrapassa o limite de suporte das espécies. As florestas do mundo inteiro estão desaparecendo a um ritmo nunca antes imaginado devido as necessidades cada vez maiores de novas áreas para a agricultura; para produção de lenha (quase 1/3 da humanidade utiliza a lenha para produção de energia); exploração da madeira para construção civil e de móveis, além de serem a fonte para a produção de papel para jornal e outros usos na sociedade. Assim, os setores da educação, da construção e das comunicações são extremamente dependentes das matérias-primas retiradas das florestas. Sabe-se que são perdidos anualmente 17 milhões de hectares de florestas tropicais, área que corresponde ao território do Japão. Essas florestas cobrem apenas 7% da superfície terrestre, mas servem de habitat a 50 - 80% das espécies do planeta.

O conceito de capacidade de suporte é bastante conhecido entre os profissionais ligados à área do meio ambiente. Porém, os economistas e os políticos desconhecem completamente este conceito; pelo contrário, estas pessoas tem a idéia de um meio ambiente infinito, provendo ad infinitum as matérias-primas e toda sorte de recursos naturais ao homem. A capacidade de suporte de um ecossistema natural é determinado por seu máximo rendimento sustentável, que pode variar em função de inúmeros fatores: ciclos sazonais, suas dimensões e tamanho original dos recursos, seu histórico de exploração, mudanças climáticas e a exploração de outros recursos interdependentes à aquele explorado. Resumindo, a exploração de um cardume de determinada espécie de pescado depende do tamanho da população do cardume; da disponibilidade de alimento às suas necessidades; à área total ocupada pelo cardume; às características biológicas da espécie de pescado (migrações reprodutivas ou alimentares; tipo de reprodução - desova parcial ou total, tamanho mínimo em que os indivíduos começam a se reproduzir, e distribuição dos ovos, larvas e juvenis na coluna d'água) e, principalmente, do cumprimento da legislação, que exerce uma série de salvaguardas sobre os recursos pesqueiros. Se houver sobrepesca (exploração acima dos limites sustentáveis, através do desrespeito da época de reprodução, uso de redes que capturam indivíduos jovens e imaturos, entre outros fatores), o que se observará, e já se observa com importantes recursos pesqueiros como a sardinha, é sua diminuição progressiva, quiçá, até o seu total esgotamento.

Os biólogos e outros profissionais do meio ambiente que compreendem os sistemas biológicos e suas limitações não foram capazes de relaciona-los às necessidades

5

econômicas das modernas sociedades, sendo suas atitudes sempre encarada como romântica e irreal. Por outro lado, os responsáveis pelas decisões econômicas e políticas não conseguiram perceber as relações, inclusive de interdependência, entre os sistemas econômico e biológico. A economia e a ecologia não se comunicam, em parte porque os princípios da segunda e a teoria da primeira tem muito pouco em comum 1. Hoje, a dimensão da nossa intervenção na natureza é cada vez maior, e os efeitos físicos de nossas decisões ultrapassam as fronteiras nacionais. A crescente integração econômica das nações amplia as consequências das decisões nacionais. As noções de fronteiras nacionais se tornaram tão permeáveis que apagaram as tradicionais distinções entre assuntos de significação local, nacional e internacional. A poluição das águas vai tomando rios, lagos e mares que banham mais de um país. Através da atmosfera, a poluição do ar se espalha além de muitos países. A explosão do reator nuclear da usina de Chernobyl demostrou a fragilidade da noção de fronteiras quando o assunto é a poluição. A imposição do interesse comum é muitas vezes prejudicada porque as áreas de jurisdição política não coincidem com as áreas de impacto ambiental. As políticas energéticas de uma jurisdição podem causar precipitação ácida em outra ou, as políticas pesqueiras de um país podem afetar a pesca em outro. Não existe, infelizmente, até agora, uma autoridade supranacional que possa resolver tais questões e só é possível fazer valer o interesse comum por meio da cooperação internacional .

O direito nacional e internacional está cada vez mais defasado devido ao ritmo acelerado e à dimensão crescente dos impactos sobre a base ecológica do desenvolvimento. Por isso, cabe aos governos preencher as grandes lacunas que o direito nacional e internacional apresentam no tocante ao meio ambiente; buscar meios de reconhecer e proteger os direitos das gerações presentes e futuras a um meio ambiente adequado a sua saúde e bem-estar; elaborar, sob os auspícios da ONU, uma Declaração Universal sobre a Proteção ao Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável e uma Convenção para aperfeiçoar os mecanismos para evitar ou solucionar disputas sobre as questões relativas ao meio ambiente e à administração dos recursos.

No passado, quem cuidava das questões ambientais eram os ministérios e instituições do meio ambiente, que às vezes tinham pouco ou nenhum controle sobre a destruição causada por políticas e práticas agrícolas, industriais, de desenvolvimento urbano e florestais. Foi um erro, por parte da sociedade atribuir a responsabilidade de evitar danos ao meio ambiente a ministérios e orgãos setoriais que os causam com suas políticas. Assim, nossas práticas de administração ambiental ficaram muito concentradas em reparar os danos já feitos: recuperação de regiões em processo de desertificação, reflorestamento, recontrução de ambientes urbanos, restauração de habitats naturais e reabilitação de terras selvagens2.

É possivel se chegar a uma nova era de crescimento econômico, fundamentada em políticas que mantenham e ampliem a base de recursos da Terra. O progresso que alguns povos desfrutaram no século passado pode ser vivido por todos nos próximos anos. Os problemas ambientais que enfrentamos hoje, aliado ao aspecto da pobreza - um dos maiores flagelos do mundo - derivam tanto da falta de desenvolvimento quanto de consequências de certas formas de crescimento econômico.

1 BROWN, L.R. O Vigésimo Nono Dia. Rio de Janeiro, Ed. Da Fundação Getúlio Vargas. 1980.2 BRUNDTLAND, G.H.(org.). Nosso Futuro Comum: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Ed. Da Fundação Getúlio Vargas. 1991.

6

Por isso, torna-se necessário uma nova abordagem de exploração dos recursos naturais do planeta, que pode ser considerado como um grande organismo vivo, um superorganismo que tenta sempre se adaptar as perturbações produzidas pelo desenvolvimento humano. Segundo essa nova visão, denominada Hipótese Gaia, se uma espécie tenta modificar profundamente as condições de equilíbrio ideais para a manutenção da vida, Gaia pode reagir e procurar eliminar a parte que a está incomodando, alterando drásticamente as condições ambientais. Isso deve servir de alerta para nós, que nos caracterizamos, como espécie, pela capacidade de ação transformadora sobre o meio ambiente. Nossa história fornece eloquentes exemplos das consequências desastrosas do manejo irresponsável do ambiente, lição de que a crise ecológica não é um fenômeno recente, nem uma conquista da sociedade moderna3. Até quando vamos continuar, biólogos, economistas, políticos, empresários e sociedade em geral, falando idiomas diferentes? Quando vamos despertar para perceber que o nosso planeta agoniza como um paciente na UTI? O tema de interesse comum mais importante a partir de agora é a necessidade de incluir considerações econômicas e ecológicas no processo de tomada de decisões, tanto ao nível local, nacional e internacional; a participação das populações regionais envolvidas; representantes de organizações não-governamentais - ONG's - nacionais e internacionais; representantes da comunidade econômica - Banco Mundial, por exemplo - e representantes dos governos. As preocupações econômicas e ecológicas, não devem e, não se opõem necessariamente. As políticas que conservam a qualidade das terras agricultáveis e protegem as florestas, melhoram as perspectivas a longo prazo de desenvolvimento agrícola. A maior eficiência no uso de matérias-primas e energia pode servir a objetivos ecológicos e econômicos, através da redução de custos operacionais da produção.

A sociedade hoje se defronta com um problema da maior gravidade: a destinação final dos resíduos sólidos, o lixo. Esta, talvez seja a grande oportunidade para que nós - profissionais do meio ambiente - e toda a sociedade se organize para a solução desta tão delicada questão. Ela envolve aspectos tão abrangentes sob o ponto de vista ambiental, social, político e econômico que torna-se um desafio fascinante.

C A P Í T U L O I

3 M’BOW, A.M. Desenvolvimento e Desarmamento: o maior desafio do século. Revista O Correio da Unesco, ano 10, n05. Maio. 1982.

7

Apresentação do Problema

1- Introdução

8

Terra fumegante de fábricas.Terra trepidante de negócios.Terra vibrante de cem novas radiações.Este grande organismo, definitivamente,vive por e para uma nova alma. (Louis Pauwles & Jacques Bergier)

Toda atividade humana produz sobras, resíduos materiais desnecessários, que são genéricamente denominados de Lixo. Sob o ponto de vista econômico, definimos lixo como tudo aquilo que não têm mais valor.

O lixo acompanha o homem em seu progresso. É algo que surge automaticamente, sempre que existir alguma coisa inútil ou imprestável ao seu proprietário e, que ele não só deseja, como precisa desfazer-se dele e abrir espaço à outras utilidades que atendam, de imediato, as suas necessidades de subsistência, conforto, segurança ou, simplesmente, estética. Acontece, porém, que a nossa preocupação com o lixo tem uma existência muito recente.

Porque o lixo é central na cultura industrial, começa-se a pensar em torno da angústia que ele nos provoca: angústia que não é outra coisa senão da nossa própria morte! Nossa maior preocupação com o lixo não decorre do fato de que seja preciso fazer algo com as coisas, inúteis - que morreram! - mas do fato de que é preciso nos livrarmos delas como de cadáveres. Morrer é como ir para o lixo. Assim, é compreensível que queiramos nos livrar do lixo, como queremos nos livrar também da morte.

Acontece que o lixo é uma instituição fundamental na sociedade industrial. Tão fundamental como a fábrica e o lucro. O lixo é irmão tão gêmeo destes, que já pensamos muito mais longe: Lixo gera Lucro ou Lucro gera Lixo?4

A natureza do lixo domiciliar e dos estabelecimentos comerciais e industriais tem mudado drásticamente nas últimas décadas. A quantidade gerada também vem crescendo dia-a-dia, tornando a questão da destinação do lixo um dos mais difíceis problemas ambientais da nossa época nos centros urbanos. Boa parte dos orçamentos municipais vai para o lixo: se somados os gastos com varrição, coleta, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos nas cidades brasileiras, as despesas de uma prefeitura com a limpeza urbana ultrapassam 10% do seu orçamento, e podem atingir até 20% nas mais populosas - uma conta que prefeito algum pode deixar de pagar5.

A crise do lixo deixa bem aparente o lado sombrio do crescimento econômico. A noção de crescimento econômico e tecnológico adotadas até hoje não incluem a noção de qualquer limitação. Acreditamos que todo crescimento é bom, sem reconhecermos que, num meio ambiente finito, tem que existir um equilíbrio dinâmico entre crescimento e consumo de matérias-primas, entre crescimento e preservação ambiental e, entre crescimento, distribuição de riquezas e combate à miséria. As consequências do contínuo e predatório crescimento econômico é o esgotamento dos recursos e intensa degradação ambiental6.

A sociedade de consumo foi planejada segundo três obscenidades básicas: a obsolescência planejada, as embalagens descartáveis e as campanhas de publicidade que induzem ao consumo de produtos de necessidade discutível, que contribuem de maneira decisiva para dilapidar ainda mais o meio ambiente e aumentar os problemas

4 RODRIGUES, J.C. A Cultura do Lixo e suas Angústias. In: Falas em Torno do Lixo. Rio de Janeiro, Co-Edição Nova – ISER – Pólis. 1992.5 MARINI, P. Lixo: uma montanha de problemas. D.M. Março. 1992.6 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.

9

com o lixo urbano: É o desperdício. Lixo e desperdício parecem faces da mesma moeda.

Segundo Darling & Dasmann (1972) as cidades tendem a ocupar o mesmo nicho global dentro da Biosfera e a explorar os mesmos recursos, da mesma maneira. Dessa forma, fomenta-se uma competição cada vez mais intensa, entre os ecossitemas naturais e urbanos, gerando pressões ambientais cada vez mais fortes que vão, por sua vez, comprometer ainda mais a qualidade dos seus cidadãos, principalmente do terceiro mundo7.

Como disse o Sr. José Lutzemberger, a insensatez do desperdício nos leva a supor que o nosso pequeno e frágil planeta tem de um lado um buraco infinito do qual extraímos infinitamente os recursos e, do outro lado um segundo buraco, no qual atiramos inesgotavelmente a poluição e o lixo que produzimos8.

Recentemente, no entanto, o tema passou a receber um novo tratamento. Reduzir, reutilizar e reciclar tornaram-se conceitos, sinais de modernidade que ecoam pelos quatro cantos do mundo. Talvez se fale tanto em lixo na atualidade pela própria impossibilidade de continuar a escondê-lo ou ignora-lo. O orgulhoso criador tornado refém da sua própria obra9.

Preocupadas com um problema que só tende a crescer com o passar do tempo, as cidades buscam todos os tipos de soluções: crian-se sistemas de coleta seletiva; constroen-se novos aterros ou recuperam os antigos e já sub-dimensionados; destroen-se áreas de florestas ou manguezais para criação de lixões; instalan-se usinas ou incineradores; busca-se parcerias com indústrias recicladoras para tentar vencer as montanhas diárias de lixo atacando-as por todos os lados. Inclusive, algumas poucas conseguem traçar políticas globais de limpeza urbana. Compra-se lixo, troca-se lixo, criam-se empregos no lixo na tentativa de dar algum fim a ele. Algumas comunidades mobilizam-se para que os aterros sejam transferidos para longe delas, enquanto outros grupos populacionais vão morar nos lixões em busca de sua subsistência. Discute-se calorosamente a incineração, especialmente dos resíduos hospitalares, defendida por alguns como solução tecnologicamente moderna e eficaz e, condenada por outros como oportunista e de um imediatismo criminoso. Recentemente, por lei municipal, foi proibida em Vitória (ES) a incineração de lixo, enquanto Porto Alegre (RS) se prepara para adquirir um. A cidade de Curitiba (PR) estuda a possibilidade de passar a usar um e Brasília (DF) quer desestimular o uso daquele que tem10.

Como podemos observar, cada cidade tenta, a sua maneira, lidar com um problema que só tende a se agravar. Existem muitas controvérsias e discussões à respeito de como tratar o problema do lixo. A nosso ver, cada administração terá que ter criatividade e, principalmente recursos para investir em programas que lidem com o problema como realmente ele deve ser tratado. As questões do lixo em nossos dias envolve, também, aspectos do intenso crescimento populacional e dos centros urbanos e de novas práticas e políticas de desenvolvimento econômico e erradicação da pobreza. Estas, por sua vez, vão incidir sobre a necessidade de redução do consumo de matérias-primas e energia, na mudança em relação à produção de bens de consumo e

7 DARLING, F.F. & DASMANN, R.F. The Ecosystem view of human society. In: SMITH, R.L. (Coord.) The Ecology of Man. New York, Harper & Row. 1972.8 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.9 EIGENHEER, E.M. As Raízes do Desperdício. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Religião – ISER. 1993.910 MARINI, P. Lixo: uma montanha de problemas. D.M. Março. 1992.

10

10

de mentalidade, no combate ao desperdício e, principalmente do papel da sociedade organizada e dos governos na elaboração e fiscalização de políticas ambientais mais aceitáveis, visando a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

2- O Consumo de Matérias-Primas, Energia & Manufaturados

11

A conservação da Natureza não deve ser vista apenas como um dos objetivos do Desenvolvimento. Ela é parte da nossa obrigação moral para com os demais seres vivos e as futuras gerações.

( Gro Harlem Brundtland )

A nossa economia enormemente produtiva requer que nós façamos do consumo o nosso modo de vida, que nós convertamos a compra e uso de mercadorias em rituais, que nós busquemos a nossa satisfação espiritual ou do nosso ego no consumo. Nós precisamos de coisas consumidas, destruídas, gastas, substituídas e descartadas numa taxa continuamente crescente11. Esta ode ao consumo do Sr. Victor Lebow, consultor de vendas americano, se tornou o pilar central da vida e do pensamento dos cidadãos dos EUA no pós-guerra e que foi exportado para os países da Europa e o Japão durante a recuperação econômica que teve lugar nestas áreas. Porém, antes que as pessoas do mundo pudessem atingir o sonho americano, o planeta se transformaria num imenso depósito de lixo.

A medida que a nossa sociedade progride, a Economia da Permnência vai sendo substituída pela Economia da Transitoriedade. A tecnologia em pleno progresso tende a fazer baixar os custos dos produtos manufaturados muito mais rapidamente do que os custos dos consertos destes mesmos produtos. Um acha-se automatizado (o primeiro) e, o outro, permanece como uma operação de natureza manual; isto significa que, frequentemente fica mais barato substituir um objeto ou produto do que consertá-lo.

Além disso, a tecnologia avançada torna possível melhorar os produtos e objetos à medida que o tempo passa. Já é possível antecipar os progressos ulteriores da tecnologia. As próximas melhorias que advirão, dentro de intervalos cada vez menores, fazem frequentemente muito mais sentido econômico se os produtos tiverem uma duração cada vez mais curta. É a Obsolescência Planejada pelas grandes corporações. Alvin Toffler, em O Choque do Futuro12 referiu-se a nossa sociedade (EUA) como A Era do Desperdício e do Descartável: de fraldas a foguetes espaciais.

O que se observa atualmente é uma enorme desigualdade de consumo no mundo, desde matérias-primas, produtos manufaturados, serviços e, principalmente alimentos. E, é no consumo que as modernas economias fincaram seus pilares. A seguir, um perfil do consumo no mundo:

1- O Consumo de Alimentos:Há hoje no mundo um número maior de pessoas famintas do que jamais houve em

toda a história da humanidade, e este número está aumentando. Em 1980, havia 340 milhões de pessoas em 87 países em desenvolvimento que não ingeriam o número suficiente de calorias e, por isso apresentavam deficiência de crescimento e graves problemas de saúde. Esse total, situava-se ligeiramente abaixo dos números de 1970, em termos proporcionais à população mundial, mas em números absolutos representava um aumento de 14%. Segundo previsões do Banco Mundial, esses números devem continuar crescendo. Um relatório do Banco Mundial de 1988 estimou que mais de 900 milhões de pessoas em todo o mundo vivem atualmente em um estado de pobreza absoluta, caracterizado pela desnutrição, analfabetismo e altas taxas de mortalidade infantil13.

11 DURNING, A. Perguntando o quanto é suficiente. In: Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Ed. Globo. 1991.12 TOFFLER, A. O Choque do Futuro. São Paulo, Ed. Artenova. 1973.13 LEONARD, H.J. Meio Ambiente e Pobreza: Estratégias de Desenvolvimento para uma Agenda Comum. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 1992.

12

A escada do consumo global de alimentos tem três degraus. Segundo estimativas recentes do Banco Mundial, na base os 630 milhões de pessoas mais pobres do mundo que são incapazes de obter para si uma dieta saudável. No segundo degrau, os 3,4 bilhões da classe média mundial obtêm calorias suficientes e bastante proteína vegetal, possuindo a alimentação básica mais saudável da população mundial.

Por outro lado, é neste segundo degrau - na classe média - que se observa os mais elevados índices de desperdício alimentar, principalmente nos países do terceiro mundo. Desperdício este que serviria para alimentar a enorme legião de famintos em todo o mundo. É muito comum observar-se nas grandes cidades a catação de comida nas latas de lixo em frente a restaurantes, supermercados e residências. O mais chocante é quando esta catação se dá nos lixões localizados nas periferias das cidades e, onde é muito grande o número de pessoas que retiram desta atividade o seu sustento e subsistência.

O topo da escada é composto por comedores de carne, cerca de 1,25 bilhão de pessoas, aqueles que obtêm próximo dos 40% de suas calorias da gordura animal. A produção de carne, para uma parcela tão pequena da população mundial, é responsável pelos maiores problemas ambientais observados nas áreas de produção alimentar: alto consumo de grãos para engorda animal, que requerem cada vez mais terras disponíveis para monocultura que, por sua vez trazem a erosão e o desgaste do solo. O uso excessivo de defensivos agrícolas nas monoculturas traz, também, a contaminação do solo e das reservas aquíferas do planeta. Repare que, para produzir 1 Kg de carne, são consumidos 5 Kg de grãos, o equivalente a 9 litros de gasolina de energia e uma enorme quantidade de água, direta ou indiretamente. O processamento industrial e o empacotamento também trazem custos adicionais no modo pelo qual os ricos se alimentam uma vez que, gasta-se ainda mais energia e matérias-primas neste processo.

Para que cada pessoa, nos países em desenvolvimento, tenha uma alimentação como a das pessoas dos países industrializados, por volta do ano 2000, é preciso que haja um aumento do número de calorias e proteínas, como mostra a tabela I. 3.1. Mas, o aumento na produção de alimentos não deve basear-se em políticas de produção ecologicamente inviáveis, nem comprometer as perspectivas de segurança alimentar a longo prazo. Nos últimos 100 anos, houve mais desmatamentos para a criação de novas áreas de cultivo do que em todos os séculos precedentes. Assim, muitas vezes as florestas estão sendo destruídas apenas para obter terras de cultivo de baixa qualidade, incapazes de sustentar os que as trabalham. O cultivo extensivo em encostas íngremes está aumentando a erosão do solo em muitas regiões de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Além disso, o comércio internacional de madeiras tropicais é um dos fatores que mais contribuem para o desflorestamento14.

2- Consumo de Energia:Os limites extremos do desenvolvimento global talvez sejam determinados pela

disponibilidade de recursos energéticos e pela capacidade da biosfera de absorver os subprodutos do uso da energia. Primeiro há problemas de abastecimento: o esgotamento das reservas de petróleo, o alto custo e o impacto ambiental da mineração do carvão e, os riscos da tecnologia nuclear. Segundo, há problemas de emissão, principalmente o acúmulo de dióxido de carbono, que causam o aquecimento global da Terra e as chuvas ácidas. Terceiro, a exploração de fontes renováveis, como lenha e energia hidrelétrica, também pode trazer graves problemas ecológicos.

14BRUNDTLAND, G.H.(org.). Nosso Futuro Comum: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Ed. Da Fundação Getúlio Vargas. 1991.

13

Países Aumento Calorias (%)

Aumento Proteínas (%)

África 5 5,8

América Latina 3,4 4

Ásia 3,5 4,5 (fonte: Nações Unidas, 1986 & FAO, 1985)

Os problemas mais urgentes dizem respeito às necessidades das famílias pobres do terceiro mundo, que dependem basicamente de lenha. Na virada do século, 3 milhões de pessoas poderão estar vivendo em áreas onde a madeira é cortada mais depressa do que pode crescer, ou onde já há escassez de lenha.

Os países industrializados precisam reconhecer que o seu consumo de energia está poluindo a biosfera e diminuindo as já escassas reservas de combustíveis fósseis. Mas, principalmente, é necessário reduzir o consumo per-capita e estimular a busca de novas fontes e tecnologias não-poluentes. Não é viável, nem muito menos desejável, que os países em desenvolvimento simplesmente adotem os mesmos padrões de consumo de energia dos países industrializados.

3- O Consumo de Matérias-Primas:No que diz respeito ao consumo de matérias-primas, prevalece o mesmo padrão dos

alimentos. Cerca de 1 bilhão de pessoas na zona rural subsistem à custa da biomassa coletada no meio ambiente local. A maior parte do que é usado todo dia - cerca de ½ Kg de grãos, 1 Kg de lenha e forragem para seus animais - poderia constituir recursos auto-renováveis. Infelizmente, como essas pessoas são frequentemente expulsas para ecossistemas frágeis e não produtivos - devido à falta de terras e pelo crescimento populacional - as suas necessidades nem sempre são satisfeitas.

Aproximadamente, 1,5 bilhão de pessoas vivem na categoria média de uso de materiais. Fornecer a cada uma delas mercadorias duráveis todo ano consome entre 50 e 150 Kg de aço e de 20 a 50 gigajoules de energia. No topo desde morro está a classe esbanjadora, que consome matérias-primas de modo extravagante. Um habitante típico daquele ¼ industrializado do mundo consome 15 vezes mais papel, 10 vezes mais aço, 12 vezes mais combustível do que um habitante do terceiro mundo.

Uma boa parte das matérias-primas que entram no processo produtivo das indústrias acabam saindo, na outra extremidade, como resíduos. Há, também, um enorme desperdício de energia gasta na produção industrial. Embora o lixo urbano não seja nem a maior nem a mais perigosa das categorias de resíduos, são certamente um excelente indicador do desperdício na nossa sociedade. A produção de artigos que acabam como lixo corresponde a maior parte dos resíduos gerados. Ironicamente, a medida que a intensidade do uso de matérias-primas parece estar caindo na produção industrial, o crescimento contínuo da geração de lixo indica que o seu acúmulo está crescendo no setor de produtos de consumo diário. As sociedades que pretendam melhorar a distribuição de renda, reduzir o desperdício e melhorar sua eficiência ambiental precisam reduzir, primeiramente, a sua produção de lixo.

A industrialização e o crescimento econômico trouxeram não apenas aumentos significativos nas quantidades per-capita de resíduos mas também, mudanças nas suas características. As quantidades de matéria orgânica nos países em desenvolvimento parece estar aumentando (45%) e, representa mais do que o dobro (20%) encontrado nos aterros sanitários da Europa Ocidental. O desperdício de papéis e plásticos também parece estar crescendo, mesmo que, atualmente inúmeros programas de coleta

14

seletiva estejam conseguindo a sua redução, lenta porém gradual. O grande problema diz respeito à substituição do vidro, aço e fibras vegetais pelo plástico e pelo alumínio. A presença de substâncias altamente contaminastes e tóxicas em produtos de uso diário como pilhas, latas de tintas, solventes, pesticidas e produtos de limpeza diversos vem modificando a composição do lixo e trazendo novos problemas aos planejadores encarregados da administração do lixo nas grandes cidades.

A maioria dos países compartilham de uma estratégia comum no que diz respeito ao lixo: a hierarquia da sua administração. Esta hierarquia parte de uma lista de opções administrativas, em ordem de prioridades:

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente endossa e recomenda a adoção desta hierarquia. Infelizmente, a maioria dos governos continua a se concentrar na administração do lixo - e nos seus problemas - e não na sua redução e gerenciamento correto.

A limpeza pública, a coleta, o transporte e o destino final dos resíduos sólidos dizem respeito à saúde pública. A União tem poder para criar leis em relação à defesa e à proteção da saúde da população. Mas os estados também podem atuar para complementar as ações do governo federal. É bom esclarecer que a fixação de normas gerais cabe à União. Aos municípios compete a execução da tarefa sanitária, já que a constituição declara que eles são autônomos para organizar os serviços públicos locais

15

que sejam necessários. A Lei Federal ordena que tanto a coleta quanto o transporte e o destino final do lixo devem ser feitos de uma maneira que não afetem nem tragam inconvenientes à saúde e ao bem-estar da população (esta lei está regulamentada no Código Nacional de Saúde)15.

No Brasil, verificamos os mesmos problemas enfrentados pela maioria dos países em relação as questões do lixo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - de 1989, apenas 50% da população tem acesso à coleta regular de lixo. Os outros 50% são simplesmente abandonados pelo poder público no que diz respeito à coleta e, o lixo é jogado pela população na periferia de suas residências, em terrenos baldios ou atirados nos cursos de água locais.

Os 50% restantes apresentam disposição final, na maioria dos casos, como mostra a relação abaixo. São poucas as exceções à esta regra, casos isolados do Paraná (Curitiba), Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente.

Métodos de Disposição Final Percentual ( % )

1- depósitos municipais / lixões 86,42- manguezais e áreas alagadas 1,83- aterro controlado 9,64- aterro sanitário 1,15- incineração 0,36- reciclagem / compostagem 0,8

(fonte: Amazonas, P. et alli , 1992)

lixões

aterros

manguezais

reciclagem

incineração

0 0.5 1 1.5 2 2.5 3

Figura 1.1- A disposição final do lixo no Brasil (log x+1).

Os resíduos dispostos nos lixões à céu aberto, na periferia das zonas urbanas, são fonte de degradação ambiental com todos os inconvenientes decorrentes de decomposição ao ar livre. O lixo, constituído em grande parte de matéria orgânica biodegradável, entra rapidamente em decomposição. Não havendo recolhimento periódico desse material, o oxigênio disponível é rapidamente consumido pela atividade bacteriana, dando lugar a uma intensa decomposição anaeróbia com desprendimento de gases odoríficos. Forma-se, também, um líquido escuro, ácido e mal cheiroso, o chorume, que se infiltra no solo e contamina as águas (superficiais e subterrâneas). Os resíduos de origem não orgânica, como papéis, plásticos, vidros e metais, entre outros, devido à sua longa biodegradabilidade se acumulam e liberam substâncias tóxicas para o ambiente.

15 Jornal A Gazeta Mercantil. Janeiro. 1995.16

A deficiência dos serviços de coleta oferecidos pela maioria dos municípios, faz com que grande parte do lixo produzido desapareça e o resultado dessa situação é:

■ terrenos baldios com entulhos; mosquitos, moscas, ratos e outros organismos transmissores e causadores de doenças;■ praias poluídas com latas, embalagens plásticas, papéis, matéria orgânica etc.;■ rios e canais com colchões, sofás, pneus, sacos de lixo e todo tipo de utensílios

domésticos que causam entupimento destes locais. Nas épocas das chuvas, provocam inundações das áreas adjacentes, trazendo várias doenças para a população ribeirinha;

■ morros e favelas com montanhas e cascatas de lixo que são responsáveis por graves problemas de deslizamentos de terra sobre residências e barracos, na maioria das vezes, com muitas vítimas, principalmente crianças.

3- A Produção de Matérias-Primas & Manufaturados

O homem que conhece as Leis da Naturezanão a escraviza, nem torna-se seu escravo.Torna-se seu amante.

( Buda )

A produção e utilização das matérias-primas foi quase insignificante até a Revolução Industrial. A partir da industrialização no início do século XX, o consumo cresceu a uma taxa explosiva, principalmente madeiras e minérios. A produção e o consumo per-capita continuou a crescer até as duas últimas décadas. De acordo com uma estimativa recente, somente os EUA consumiram mais minerais entre 1940 e 1976 do que toda a humanidade junta até 1940. Em todo o mundo, desde a metade do

17

século XX, a demanda de cobre, energia, carne, aço e madeira quase dobrou, de cimento quadruplicou, de plásticos quintuplicou e o de alumínio cresceu sete vezes16.

Entretanto, desde meados da década de 70 este consumo declinou e estabilizou-se nas economias dos países da Europa e dos EUA. Novas industrias em franca expansão estão atualmente respondendo por uma parcela crescente da produção econômica, consumindo menos matérias-primas e energia do que as tradicionais indústrias de extração, de beneficiamento e manufaturas: são as indústrias de computadores, de Biotecnologia e de Alta Tecnologia. Deve-se ressaltar que tal fenômeno ainda não se observa nos países do terceiro mundo, onde as suas economias ainda estão no estágio da produção de manufaturados para atender à uma classe média, ávida pelo consumo.

O perigo dos níveis elevados de consumo dos recursos naturais, reside muito mais nos danos ambientais decorrentes da sua extração, do seu beneficiamento e do consumo dos seus produtos finais, do que nos riscos do seu esgotamento. Por exemplo, o crescente aumento dos níveis de gás carbônico na atmosfera (provenientes dos automóveis e da atividade industrial) e, consequente aumento da temperatura global da Terra, o chamado Efeito Estufa, são muito mais perigosos que os riscos de colapso energético decorrentes do esgotamento do petróleo.

A cada ano a exploração de matérias-primas danifica grandes extensões de terras, destroi milhões de árvores, produz bilhões de toneladas de resíduos e poluição num grau superado apenas pela produção, beneficiamenrto e uso da energia. Energia esta, gerada para extrair e beneficiar as mesmas matérias-primas, criando uma espiral de consumo do tipo feedback, onde o aumento de um, provoca automaticamente o aumento do outro.

Os problemas de suprimentos de recursos minerais não-combustíveis aparentemente são, a princípio, menores. Segundo vários estudos anteriores a 1980, que supunham uma demanda exponencialmente crescentes, o problema só surgiria no decorrer do próximo século. Como houve um declínio do consumo, tudo leva a crer que os minerais só se esgotarão num prazo ainda mais longo. A história do desenvolvimento tecnológico também sugere que a indústria pode se ajustar à escassez se houver maior eficiência no uso, na reciclagem e na substiutição17. Onde quer que ocorra a exploração dos recursos - principalmente através da mineração - gera danos sobre o meio ambiente uma vez que esta é considerada uma das atividades da economia mais danosa, apesar de ser uma das mais precariamente documentadas. Os principais danos são:

Principais Danos Ambientais1- aumento da erosão e/ou desertificação 2- diminuição dos recursos naturais 3- mudanças climáticas 4- diminuição da Biodiversidade

Segundo o Worldwatch Institute, o Relatório Global 2.000, elaborado pelo Conselho dos EUA sobre a Qualidade do Meio Ambiente, em 1980 fez estimativas assombrosas:

Área minerada no mundo 571 milhões de hectares

16 DURNING, A. Perguntando o quanto é suficiente. In: Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo.17 BRUNDTLAND, G.H.(org.). Nosso Futuro Comum: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Ed. da Fundação Getúlio Vargas. 1991.

18

Minas abandonadas nos EUA 09 milhões de hectaresResíduos da mineração nos EUA 1,25 bilhões de toneladasResíduos sólidos urbanos nos EUA 600 milhões de toneladas

Evidentemente que as quantidades de resíduos decorrentes das atividades de mineração não são o principal problema a ser enfrentado. Neste caso, a própria atividade mineradora é que representa o ponto crucial da questão. Grandes extensões de terra são deslocadas de uma área para outra, a cobertura vegetal sofre impactos violentíssimos, com reflexos em toda a biodiversidade local, e os mananciais da região sofrem intensa contaminação, levando estes efeitos até o homem.

As matérias-primas são, então, transportadas até as indústrias de beneficiamento e de produção de bens de consumo. A indústria é fundamental nas economias das sociedades modernas e fator indispensável ao crescimento. É essencial nos países do terceiro mundo, a fim de ampliar a base de seu desenvolvimento e atender as suas crescentes necessidades. E, embora se diga que os países industrializados já estão entrando numa era pós-industrial, a Terceira Onda segundo Alvin Toffler, que é a era da informática, essa transição precisa contar com um fluxo contínuo de riqueza proveniente da indústria. Muitas das necessidades humanas essenciais só podem ser atendidas por meio de bens e serviços que a indústria pode fornecer. Muitos desses bens e serviços consomem muitas matérias-primas e energia e são altamente poluidoras. Por isso, seus impactos sobre o meio ambiente são os maiores já registrados em toda a história da humanidade.

O período de maior crescimento da produção industrial se deu entre 1950 e 1973, quando se registrou um crescimento anual de 7% na atividade de manufaturas e 5% nas atividades de mineração. Posteriormente, entre 1973 e 1985, estes índices declinaram e ficaram em torno de 3% ao ano nas indústrias de produção de bens manufaturados e praticamente a zero nas atividades mineradoras. O uso de combustíveis fósseis cresceu quase trinta vezes e a produção industrial aumentou mais de 50 vezes. Hoje, o aumento anual da produção industrial é talvez o mesmo da produção da Europa em fins dos anos 30.

Estes números tem reflexo na importância relativa das indústrias como geradora de empregos. O que se observa, é que as indústrias perderam à muito tempo o "status" de atividade geradora de empregos, que foi, está e continuará sendo substituída pelo setor de serviços, que sofreu intenso crescimento nos últimos 15 anos.

A grande expansão industrial que se seguiu ao término da II Grande Guerra não levou em consideração a preservação ambiental e a exploração dos recursos naturais, trazendo poluição à níveis nunca antes visto. Este fenômeno aconteceu principalmente nos países da Europa Ocidental, EUA e Japão. Porém, os seus reflexos aconteceram na ex-União Soviética, nos países da Europa Oriental em muitos países do terceiro mundo que começavam a esboçar um início de industrialização.

No final dos anos 60, uma consciência e uma preocupação maiores por parte da opinião pública levaram os governos e as indústrias, do primeiro e do terceiro mundos, a tomarem certas atitudes e providências. Elaboraram-se programas e políticas para a proteção do meio ambiente, conservação dos recursos e ecossistemas naturais. Mais tarde, recorreu-se a uma série de instrumentos econômicos - tributação, multas por poluição e subsídios para equipamentos de controle de poluição - que surtiram algum efeito apenas nos países onde o nível de educação e pressão das instituições criou um certo embaraço e boicote a muitos produtos.

A indústria, sob pressão dos governos e da opinião pública, reagiu criando novas tecnologias e novos processos industriais com vistas a reduzir os níveis de poluição e

19

redução dos impactos ao meio ambiente. Divulgaram-se diretrizes e códigos de conduta relativos à segurança dos produtos e ao funcionamento das fábricas, às práticas comerciais, à transferência de tecnologia e à cooperação internacional. A poluição é uma forma de desperdício e um sintoma de ineficiência da produção industrial. Quando as indústrias percebem os custos da poluição, as vezes são motivadas a investir em melhores produtos e processos para aumentar sua eficiência, reduzindo-a e a seus rejeitos, sobretudo quando há incentivos econômicos para isso.

No entanto, o quadro nos países mais pobres, é um pouco diferente: aumentaram os despejos de produtos químicos no solo, em rios, lagos e águas costeiras, causando impactos sobre a biodiversidade e sobre o homem. Limpar o que já foi poluído é uma solução cara. Assim, todos os países precisam prever e evitar os problemas de poluição, estimular as tecnologias que deixem poucos rejeitos e prever o impacto de novos produtos, tecnologias e rejeitos. Só nos países da comunidade européia os efeitos causados pela poluição sobre o meio ambiente necessitariam de milhares de dólares para algum tipo de ação reparadora. As estimativas falam em US$ 10 bilhões para a Alemanha, mais de US$ 1,5 bilhão para a Holanda, pelo menos US$ 600 milhões para a Dinamarca e para os EUA, as projeções giram entre US$ 20 e US$ 100 bilhões.

De acordo com um levantamento feito em 1984 pela Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE - das avaliações realizadas em vários países industrializados, os gastos com medidas de proteção ao meio ambiente nos últimos 20 anos tiveram um efeito positivo a curto prazo sobre o crescimento econômico e o emprego, porquanto aumentavam a demanda e, consequentemente fizeram aumentar a produção de economias que não operavam com plena capacidade. E, o que é mais importante, trouxeram benefícios que, de um modo geral, superaram os custos. Nos últimos anos, os países industrializados conseguiram crescer econômicamente usando menos matérias-primas e energia por unidade de produção através do uso de novas tecnologias. Entretanto, as tecnologias dos países industrializados nem sempre são adequadas ou fáceis de adaptar às condições sócio-econômicas e ambientais dos países em desenvolvimento.

O controle da poluição tornou-se, e com toda razão, um próspero ramo da indústria em muitos países industrializados. Empresas muito poluidoras muitas vezes levaram a progressos no desenvolvimento de equipamentos anti-poluição, desintoxicação, tratamento de rejeitos, instrumentos de mensuração e sistemas de monitoramento. Essas indústrias não apenas se tornaram mais eficientes e competitivas, como também muitas delas descobriram novas possibilidades para investimentos, vendas e exportações. O mercado de equipamentos, produtos e serviços anti-poluição está em franca expansão, tanto nos países industrializados quanto nos países recém industrializados e em vias de industrialização.

Não está se fazendo tudo o que é necessário para adaptar às necessidades dos países em desenvolvimento as recentes inovações nos campos da tecnologia de materiais, conservação de energia, informação tecnológica e biotecnologia como forma de aliviar os problemas ambientais que se apresentam como decorrência do desenvolvimento econômico18.

18 BRUNDTLAND, G.H.(org.). Nosso Futuro Comum: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Ed. Da Fundação Getúlio Vargas. 1991.

20

4- As Mudanças na Economia e na Sociedade ou Maquiagem Verde ?

Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. A terra não é do homem. O homem pertence a terra.

(Ignacy Sachs)

A redução das fontes de lixo, iniciada pela progressiva substituição de matérias-primas virgens por matéria-prima secundária, é das poucas opções que elimina a necessidade de novos investimentos na extração, remoção e processamento industrial além de reduzir o consumo de energia e de poluição. É, no entanto, descartada como irrealista.

A redução das quantidades de lixo produzidas não é uma tarefa fácil, porque as pessoas querem e necessitam das coisas que compram, usam e descartam; um símbolo da manutenção do status quo criado pelo stablishment. Os milhares de shoppings centers no mundo todo, são a essência do estilo de vida mais pernicioso do mundo. O descarte diário de sacos de lixo tornou-se uma rotina, da qual aparentemente ninguém escapa, nem as comunidades mais carentes da periferia das grandes metrópoles.

21

Até recentemente, as pessoas escolhiam seus produtos de consumo pelo seu potencial de durabillidade e qualidade. Isso era uma prática comum tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento. Inclusive, era um forte apelo para a estratégia de marketing dos fabricantes. Porém, após a Segunda Guerra Mundial os EUA criaram e exportaram um novo estilo de vida: o consumismo. O desenvolvimento de diversos materiais sintéticos derivados do petróleo, principalmente, propiciou o barateamento da produção, além de aumenta-la em detrimento da qualidade do produto final. Até poucas décadas atrás, a maior parte dos bens de consumo era feita com os materiais tradicionais e, sem mistura. Hoje encontramos uma desconcertante mistura de materiais, sintéticos e naturais; novos e velhos, recicláveis ou não19.

Como interromper ou reverter esta tendência? Seriam necessárias iniciativas simultâneas de fabricantes, consumidores e dos governos. Os governos deveriam tentar persuadir os fabricantes da necessidade de mudar, mesmo a médio prazo, determinadas embalagens ou produtos. Numa segunda etapa, os consumidores seriam alertados a não consumir certos produtos devido a sua nocividade em relação ao meio ambiente. Os governos poderiam, ainda, sobretaxar estes produtos impedindo porém, que as taxas fossem repassadas para as mercadorias. Além disso, os fabricantes deveriam escrever no produto ou embalagens a sua composição, se são tóxicos e em que grau, se são ou não recicláveis e, como o consumidor deveria proceder para dispor o produto ou embalagem ao término do seu uso. Numa economia esbanjadora as embalagens tornam-se um fim em si mesmo, os descartáveis proliferam e o componente durabilidade desaparece. Nos EUA, 4% dos gastos de um consumidor em mercadorias, são direcionados para as embalagens; US$ 225/per-capita/ano que vão parar no lixo! 20

A criação de incentivos fiscais para produtos ecologicamente corretos ajudaria a estimular a indústria e o comércio a desenvolver novas estratégias de venda e eliminação das embalagens desnecessárias.

Como continuar a vender sem reduzir custos com pessoal e manter a competitividade? Como os planejadores das industrias podem ajudar na redução do lixo gerado nas grandes cidades? As respostas são bastante simples:

■ Primeiro, desenvolver serviços, produtos ou bens de consumo com maior durabilidade média e que possam ser reutilizados diversas vezes. Além disso, os componentes destes bens poderiam ser recicláveis ou substituíveis por novos quando houvesse algum defeito técnico;

■ Segundo, redução de embalagens desnecessárias. Diversos produtos poderiam reduzir em 20% o seu custo se houvesse a eliminação de 50% nas embalagens (remédios, por exemplo). Dados do Worldwatch Institute de 1991 apontam que 33% do lixo da Alemanha, 32% do lixo dos EUA e 21% do lixo da Holanda é constituído por embalagens.

O colapso dos governos socialistas na Europa Oriental está provocando uma onda de entusiasmo na demanda do consumidor, insatisfeito com a economia controlada pelo estado. Com o fim da guerra fria e da polarização capitalismo versus comunismo, uma nova ideologia está substituindo as idéias de direita e esquerda. De um lado, estão

19 BROWN, L.R. (org.). Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Ed. Globo. 1991.20 LEONARD, H.J. Meio Ambiente e Pobreza: Estratégias de Desenvolvimento para uma Agenda Comum. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 1992.20

22

os que consideram fundamental o crescimento econômico, a qualquer preço, e vislumbram-no como a única esperança para os pobres atingirem o padrão de vida da classe média burguesa dos EUA e Europa.

Do outro lado, os profetas do desenvolvimento auto-sustentado que advertem sobre os limites do crescimento como a chave para a melhoria da qualidade de vida da população. Desconfiam das novas tecnologias, vendo nelas as sementes dos futuros problemas ambientais. Consideram, também, a economia incapaz de oferecer a prosperidade a alguns sem tirar dos outros. Lamentam, igualmente a perda do sentido humanista e o saque da Terra e ridicularizam os defensores do economicismo como tecno-oportunistas e profetizam um desastre mundial se não alterarmos substancialmente nosso sistema econômico, notadamente a questão do consumismo desenfreado e do desperdício.

A medida que a sociedade toma consciência do grau de desperdício que pratica, dos problemas causados ao meio ambiente com esse hábito e da divulgação na mídia do incentivo ao uso de produtos verdes, nos levam a ter esperanças de reduzir as quantidades per-capita de lixo gerados no planeta. Todos estaríamos em melhores condições se cada um considerasse os efeitos dos seus atos sobre os demais. Mas ninguém está disposto a crer que os outros agirão desse modo, e assim todos continuam a buscar seus próprios interesses21.

O Conselho de Prioridades Econômicas (CEP) uma organização não-governamental de pesquisa de interesse pública não-lucrativa publicou um guia para ação ambiental de 42 pontos, de modo a servir de modelo para consumidores e empreendedores de produtos e negócios ambientalmente saudáveis. A seguir, vamos apresentar alguns pontos deste guia22:

Reduza a Quantidade de Lixo e Colabore com a Reciclagem:

20- Colabore com a Reciclagem: Separe jornais, garrafas, plásticos e latas. A reciclagem economiza energia e usa materiais que de outra forma seriam inutilizados como lixo. Uma lata de refrigerante feita com alumínio reciclado usa menos 50% da energia necessária para fazer uma com matéria-prima, causa 90% menos poluição do ar e 95% menos poluição da água.

21- Procure Produtos com o Símbolo da Reciclagem: Restrinja-se ao vidro, metal ou papel, que são materiais mais próprios para a reciclagem. Em 1988, somente 3% do lixo plástico produzido nos EUA foi coletado para a reciclagem.

22- Evite Produtos com Embalagens feitas de Material Misto: As combinações de diferentes plásticos são quase impossíveis de reciclar hoje, ainda assim, a maioria dos alimentos congelados e para microomdas são embalados em material que mistura três ou quatro tipos de plásticos. Isto deve mudar nos próximos anos, pois empresas como a Wellman Inc. e a Du Pont estão pesquisando métodos que permitam separar os diferentes tipos de plásticos para que eles possam ser reutilizados.

23- Use Produtos de Papel Reciclado: Se você não usa material reciclado, não está reciclando nada. Sem um mercado que demande materiais reciclados, a reciclagem não dará certo ou se tornará outra indústria subsidiada. Em casa e no trabalho, use produtos de papelaria, papel higiênico e papel para impressão feitos com pelo menos 50% de fibras recicladas.21 BRUNDTLAND, G.H.(org.). Nosso Futuro Comum: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Ed. Da Fundação Getúlio Vargas. 1991.22 Jornal A Gazeta Mercantil. Junho. 1993.22

23

24- Reutilize os Recipientes e Produtos Tanto Quanto Possível: Pergunte a amigos e vizinhos se eles precisam das coisas que você pretende descartar, doe a organizações para revenda ou distribua entre os necessitados. Procure comprar de segunda mão roupas, móveis e tudo o que se possa limpar com segurança em feiras, bazares.

25- Compre em Grandes Quantidades: Isto reduz o excesso de embalagens e economiza dinheiro a longo prazo.

26- Fraldas: Use as de pano que você mesmo lava ou use um serviço de fraldas. Os tecidos felpudos são os melhores materiais para fraldas. As fraldas reutilizáveis são muito mais baratas do que as descartáveis e podem ser usadas durante todo o tempo em que o seu filho precisar delas.

27- Evite Produtos Dercartáveis: Compre canetas que usem cartuchos ou sejam recarregáveis. Use giletes com lâminas substituíveis em vez das totalmente descartáveis.

28- Evite Produtos com Embalagens Excessivas e Desnecessárias: Entre dois produtos equivalentes, escolha o que use a embalagem mais simples e feita com um único tipo de material.

29- Leve a Sua Própria Sacola Quando for Fazer Poucas Compras: Se você comprar pequenos artigos, coloque-os em sua bolsa ou pasta em vez de pegar uma sacola de plástico da loja.

Preserve o Meio Ambiente

35- Não Compre Produtos Fabricados à Custa de Espécies em Perigo de Extinção ou Exploradas em Excesso: Evite peles, marfim, pele de répteis, casco de tartarugas e madeiras raras.

36- Faça ou Colabore com um Jardim Comunitário: Nas áreas urbanas, os jardins unem as comunidades e trazem um pouco de natureza/verde para as cidades.

37- Plante Árvores: As árvores transformam dióxido de carbono em oxigênio. Uma árvore adulta pode substituir cerca de 22 Kg de dióxido de carbono por ano. As árvores podem evitar a erosão e a desertificação. Plantadas de forma estratégica à volta de uma casa, elas podem reduzir as necessidades de refrigeração em 10 a 15%.

38- Apóie as Organizações que Trabalham pelas Causas que o Preocupam: Torne-se membro ou dedique um pouco do seu tempo ao trabalho voluntário. Informe-se na sua cidade sobre como entrar em contato com as organizações do seu interesse.

39- Escreva Cartas: Diga a seu vereador, deputado ou senador como se sente quanto às questões ambientais ou à legislação específica. Entre em contato com os orgãos ambientais da sua cidade e exija a legislação ambiental.

40- Insista com a Escola de Seu Filho para que Providencie Educação Ambiental: Ainda temos a chance de restaurar uma harmonia saudável com a natureza se a preocupação com o meio ambiente em que vivemos se tornar uma segunda natureza.

41- Insista em Seu Emprego ou Companhia para que Todos Assumam uma Atitude Mais Alerta aos Problemas Ambientais: É possível economizar energia em seu trabalho? O papel usado é reciclado? Os materiais que vão para o lixo são separados e encaminhados para a reciclagem?

42- Assine o Abaixo-Assinado do Dia da Terra 1990: Compre e use produtos menos perigosos para o meio ambiente e fabricados por empresas que promovem a responsabilidade ambiental. Escreva para: Earth Day 1990, P.O. Box AA, Stanford, CA 94.309, EUA23.

23 BERLE, G. O Empreendedor do Verde: A Oportunidade de Negócios em que Você pode Salvar a Terra e ainda Ganhar Dinheiro. São Paulo, Makron Books do Brasil. 1992.

24

Uma prova que as posturas ambientalmente corretas começam a ganhar corpo em todo mundo, foi a inauguração em junho de 1993 da nova loja da Wal-Mart, em Kansas, EUA. A nova loja, chamada de eco-loja, é mais clara e espaçosa, construída com vigas de madeira em vez de aço e oferece clarabóias que permitem que o interior seja iluminado com luz natural e apresenta um sistema de ar condicionado que não usa clorofluorcarbono- CFC's. A reciclagem é o tema da loja, com letreiros colocados através de todo o estacionamento transmitindo mensagens sobre como reciclar, tais como reduza, recuse, recicle. A loja recicla todo o seu lixo junto com o dos clientes, que podem utilizar um centro local para reciclagem de papel, alumínio, vidro e outros materiais. Após pagar as compras, os usuários são encorajados a se desfazer das embalagens numa estação de reciclagem dentro da loja, próximo da saída. Bancos de materiais reciclados, inclusive plástico e alumínio foram espalhados pela loja. Consultores ambientais dizem que a eco-loja da Wal-Mart marca o primeiro movimento consciente de um grande varejista para executar iniciativas ambientais da comunidade local dentro dos seus muros. Esquecendo a motivação - que é meramente maquiagem verde - as companhias estão se movendo em direções ambientalmente responsáveis e estão sendo premiadas pêlos consumidores que desejam que isto ocorra, diz Robert P. Corman, Presidente da Partnership for Social Enterprise, um grupo de acessoria à corporações sem fins lucrativos24.

Seguindo a mesma linha da Wal-Mart, o complexo Lar Center/Center Norte - shopping-center da cidade de São Paulo - comercializou em dezembro de 1994, 40 toneladas de papel e papelão. Segundo a Sra. Glória Baungart, responsável pelas áreas de propaganda, marketing e eventos do Lar Center/Center Norte, o material consiste basicamente em caixas de embalagens que são prensadas e enfardadas. Depois é feita uma pesquisa em várias fábricas de papel para vender o material. O dinheiro arrecadado é colocado em uma caderneta de poupança que garante parte da manutenção de uma creche na Vila Guilherme25. A Sra Baungart afirma que a idéia surgiu no início da implantação do shopping porque observou-se um acúmulo muito grande desse tipo de embalagens. Nos meses de movimento normal no shopping, chegam a ser recolhidas de 20 a 25 toneladas de papel e papelão e, que será iniciada uma pesquisa para começar a coleta seletiva de lixo para os usuários do complexo - 6,5 milhões de pessoas por mês circulam pelos 48 restaurantes e 600 lojas26.

No estado de Washington, o Instituto Americano do Ferro e do Aço acaba de lançar uma campanha para promover o uso do aço para construção civil. Segundo o Sr. Rick Haws, pesquisador do instituto passamos muito tempo sem alertar a opinião pública para a reciclabilidade do aço, e agora vamos suprir esta deficiência 27. A campanha já começa a surtir efeitos e o aço já está sendo compreendido como não prejudicial ao meio ambiente e uma alternativa barata para o uso da madeira. O aço é 70% reciclável e, assim não destruímos as florestas e por outro lado, há toneladas de carcaças de automóveis feitos de aço pelas ruas e nos depósitos de lixo, afirma John Picard, construtor civil de 34 anos que acaba de construir sua casa usando aço e outros materiais e técnicas alternativas28.

24 Jornal A Gazeta Mercantil. Junho. 1993.25 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.26 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.26 Jornal Jornal do Brasil. Janeiro. 1992.27 Jornal Jornal do Brasil. Janeiro. 1992.2728 Jornal A Gazeta Mercantil. Setembro. 1995.2829 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.

25

Em novembro de 1993 deverá estar à disposicão o primeiro equipamento de pequeno porte, fabricado no país, para recolhimento e reciclagem de gases CFC's. Desenvolvido pela Atenas Indústria e Exportação Ltda, fabricante de componentes e ferramentas para refrigeração, em conjunto com a Empresa Brasileira de Compressores - Embraco - é destinado para recolhimento dos gases CFC's de refrigeradores e ar condicionados de uso doméstico. Além da perspectiva da reciclagem destes gases, a Du-Pont está criando novos gases alternativos aos CFC's29. Os novos produtos são o SUVA MP 39 e MP 66 e o SUVA HP 80 e HP 81, que segundo a Du-Pont tem um impacto 98% menor na camada de ozônio do que seus similares. Estes produtos podem ser uma alternativa barata para substituição de todo CFC uma vez que, até 1995, segundo a Convenção de Montreal, será proibido o seu uso no mundo.

A construtora Carioca João Fortes Engenharia Ltda. está lançando, no Rio de Janeiro, um novo empreendimento residencial, o Ocean Drive Resort, orçado em US$ 35 milhões. Nele, os blocos de apartamentos foram projetados de forma que as áreas comuns recebam o máximo de iluminação natural, evitando assim o uso de luz artificial nos halls dos elevadores durante a maior parte do dia. O empreendimento contará ainda com uma estação de tratamento de águas e esgotos e sistema de coleta seletiva de lixo, que será comercializado e sua renda revertida para o condomínio. O Ocean Drive começa a ser construído em agosto de 1993 e deve ficar pronto em 199630.

O desenvolvimento e aplicação de materiais de construção de baixo custo e reduzido consumo de energia torna-se uma exigência atual básica. Os materiais de construção convencionais requerem elevados investimentos de capitais, consomem grandes quantidades de energia e matérias-primas não renováveis. Em contraposição, o uso de materiais de origem vegetal - como a madeira, o bambú e as fibras vegetais - proporciona considerável economia de energia e recursos.

Foi pensando nestes aspectos - e nos baixos salários e na falta de moradias adequadas de uma parcela significativa da nossa população - que alguns cientistas, engenheiros e arquitetos vem desenvolvendo materiais e técnicas de construção para barateamento das unidades de moradia. O emprego do bambú - como substituto do aço em estruturas de concreto armado - é uma das alternativas.

O bambú, como a madeira, é vulnerável à deterioração causada pelo ataque de fungos e insetos. Por isso, o tratamento preventivo do bambú consiste na aplicação de produtos químicos que conservam a qualidade do material e impedem que ele seja atacado por seres vivos que se alimentam de madeira. O bambú apresenta uma resistência à tração tão grande ou superior à do aço, a um custo econômico e ambiental muito inferior31.

O Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT - de São Paulo desenvolveu um novo tipo de argamassa - material normalmente usado para unir tijolos ou para revestir paredes - que tem como principais componentes o lixo industrial de siderúrgicas e fibras de coco. Os pesquisadores do instituto fizeram um bloco com o material, que testado em laboratório e em campo, mostrou ter mais resistência, segurança, durabilidade e impermeabilidade do que o concreto comum possibilitando, também, uma redução de 20% no custo da construção. Os pesquisadores já construíram uma casa modelo no bairro de Vila Nova Cachoerinha, em São Paulo.

29

30

31 GHAVANI, K. Bambú: um material renovável na construção civil. In: Desenvolvimento em Harmonia com o Meio Ambiente. Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.

26

A fórmula da nova argamassa emprega escória de alto forno moída- gipsita, cal hidratada, areia e, a tudo isso junta-se 2% de fibras de coco. A quantidade de fibra de coco parece pequena, mas é bastante significativa. Cerca de 2% de fibra vegetal em argamassa é muita coisa. Sem ela, a estrutura quebra, pois é a fibra de coco que dá uma resistência três vezes maior, afirma o coordenador da pesquisa o Sr. Wanderley John. Segundo o Sr John, o Brasil usa por ano cerca de 2 milhões de toneladas de fibras de coco na indústria de estofados para automóveis. Mas, 98% dessa matéria-prima que chega aos depósitos das fábricas é eliminada por se tratar de fibras curtas. E, justamente estas fibras curtas que foram testadas pêlos pesquisadores, que misturadas aos resíduos de produção de ferro gusa - que também iriam para o lixo - que se levou adiante a construção da casa modelo32.

A indústria do vestuário foi a primeira a investir em produtos mais ambientalmente corretos. Agora, a Hering Têxtil S. A. está lançando uma camiseta produzida com matérias-primas 100% naturais: malha de algodão tingida com corantes feitos à base de frutas, legumes, raízes entre outros. A tecnologia foi obtida junto ao Consórcio Ecotex, que reúne um pool de empresas voltadas para o desenvolvimento e domínio de tecnologia de artigos têxteis 100% naturais. Não se trata apenas de um produto mas de um conceito, afirma o diretor de marketing e comércio exterior, Sr. Ulrich Kuhn. Segundo ele, o produto não tem um interesse comercial imediato, tendo em vista o seu custo (entre US$ 7 e US$ 8) mas entendemos que a busca do equilíbrio ecológico não é apenas um modismo e sim uma tendência mundial33.

Seguindo os mesmos passos da tendência mundial, a Filobel têxtil, do grupo Safra S.A., está lançando o Eco-ton, uma linha de tecidos naturais de fio de algodão que obedece à requisitos técnicos em sua produção para reduzir os impactos sobre o meio ambiente e a saúde do consumidor. Os produtos são feitos de 100% algodão e com corantes atóxicos e biodegradáveis, que exige apenas 1/5 da quantidade de água normalmente usada o que significa, também redução de lançamento de efluentes. O algodão para a confecção da malha é colhido manualmente, evitando o uso de produtos químicos34.

As ermpresas de veículos e de combustíveis, também, estão entrando no mercado verde. Começaram a circular na cidade de Berlim, na Alemanha, os primeiros taxis verdes, cujo combustível é chamado de biodiesel, que resultou da aliança entre agricultores, fabricantes de automóveis, empresas de taxis e indústria química. Os taxis verdes consomem um combustível feito a partir de óleo de colza, que tem o mesmo rendimento dos veículos que usam óleo diesel normal, mas contaminam menos o meio ambiente e podem ajudar a reduzir o consumo de petróleo. Por não conterem enxofre, reduz até 50%, quando comparado ao diesel feito a partir do petróleo, os gases poluentes e em cerca de 65% o dióxido de carbono, segundo um estudo realizado pela Administração Federal de Ecologia, da Alemanha.

O consórcio automobilístico Daimler Benz, o grupo químico Henkel, várias cooperativas agrícolas e a Confederação Alemã de Transporte de Passageiros, Taxis e Automóveis de Aluguel deram apoio integral a iniciativa de introduzir o biodiesel. A Daimler Benz já oferece automóveis mercedes-benz do modelo E-200D, preparados para consumir biodiesel. A Opel, a Volkswagem e a Audi estarão em breve oferecendo veículos adaptados para consumirem o biodiesel, que poderão também utilizar o diesel normal em caso de dificuldade de se encontrar um posto de gasolina - já existem 300 e está prevista uma rede de mais de 700 postos - que contenha o combustível verde. Este

32 Jornal O Globo. Julho. 1993.33 Jornal A Gazeta Marcantil. Junho. 1993.34 Jornal A Gazeta Mercantil. Junho. 1993.

27

combustível pode também ser utilizado por outros tipos de veículos, como ônibus e tratores35.

Um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, indica que os biocombustíveis obtidos a partir do cultivo de colza e milho, podem ajudar a reduzir a dependência do petróleo, e fornece uma fonte de energia renovável, diminue as emissões de gases que produzem o efeito estufa e mantém a produção das áreas agrícolas. A Agência Internacional de Energia - AIE - argumenta, entretanto, que os preços do petróleo precisam se aproximar dos US$ 50 o barril para que os biocombustíveis se tornem uma alternativa competitiva. Mesmo com isenções de taxas vigentes, os biocombustíveis são mais caros do que aqueles que eles substituem. Se puderem ser comercializados, provavelmente será com base no fato de serem produtos verdes, que não afetam o meio ambiente, diz um relatório da AIE.

Produzir álcool etílico a partir da beterraba, que rende a maior quantidade de combustível automotivo por hectare, provavelmente maximizaria a quantidade de petróleo que poderia ser deslocada, informa a AIE. Mas, este é também o mais caro dos biocombustíveis a partir de produtos cultivados. O único biocombustível líquido que dá um produto similar é o álcool etílico proveniente da madeira, que também é um dos que apresentam custo mais baixo, mas a tecnologia para este processo ainda não foi provada. Os avanços, no que se refere ao cultivo e a tecnologia de processamento, podem reduzir os custos dos biocombustíveis e defende a realização de mais pesquisas nessas áreas, complementa o relatório da AIE.

A curto prazo, a produção de eletricidade a partir da madeira pode trazer um resultado político mais satisfatório do que os outros biocombustíveis extraídos de outras plantações, apesar da pouca contribuição para a redução da dependência do petróleo. O custo de apoiar o uso da agricultura para produzir madeira para geração de eletricidade seria provavelmente menor do que os apoios vigentes para a agricultura e muito menor do que o custo da produção de biocombustíveis líquidos a partir do cultivo de produtos alimentares, informa a AIE36.

35 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.36 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.

28

5- Análise do Ciclo de VidaA história da humanidade seria a preparação febril do seu suicídio. Reforçaria a suposição de que, incapazes de gerir sua própria agressividade e ganância, as civilizações tecnológicas exterminariam-se logo que se tornassem capazes.

(Márcio Silveira Lengruber)

O conceito e a condução da análise do ciclo de vida de um produto ou processamento industrial que o originou é relativamente recente e emergiram devido a uma maior responsabilidade ambiental por parte dos governos, dos fabricantes e consumidores.

O que é a análise do Ciclo de Vida? A análise do ciclo de vida pode ser definida como um processo objetivo no sentido

de avaliar a carga sobre o meio ambiente de um produto, processo ou atividade, pela identificação e quantificação de energia e matérias-primas usadas e, dos resíduos gerados (em todas as etapas do ciclo, da produção ao descarte final pelo consumidor) e deixados no meio ambiente. Consiste, ainda, em avaliar e implementar as medidas de proteção ambiental cabíveis e necessárias (Real Sociedade Britânica de Toxicologia e Química, Código de Práticas, 1991).

O primeiro estágio deste processo é um inventário ou levantamento de dados e, o segundo é a interpretação destes mesmos dados, da produção até a destinação final dos produtos e serviços ao seu término.

Um número muito grande de termos foram criados para designar e descrever este processo. O primeiro deles, Análise do Ciclo de Vida, foi instituído nas décadas de 60 e 70 e envolvia, basicamente, o aspecto do consumo de energia. Porém, mais recentemente, dois outros termos foram criados para designar esta nova concepção ecológico-econômica: Inventário do Ciclo de Vida e Rotulação do Ciclo de Vida. Outros termos, tais como Análise do Fluxo de Matérias-primas e Eco-balanceamento também têm sido encontrados na literatura mais recente.

A análise do ciclo de vida é uma extensão óbvia e vital dos processos de desenvolvimento autosustentado e de rotulação ecológica de bens e serviços que estão

29

sendo desenvolvidos e implementados em muitos países de todo mundo. Para garantir o rótulo de ecológico de um produto, torna-se necessário uma auditoria para avaliação das etapas de produção envolvidas, o consumo de matérias-primas e de energia, o consumo de energia na sua utilização e, a quantidade e o(s) tipo(s) de resíduo(s) gerado(s).

Estes estudos, no passado, ignoravam os impactos secundários, como a quantidade de matérias-primas e energia utilizadas para construir a empresa e os problemas ambientais de longo prazo (aumento da temperatura global - efeito estufa, o aumento da destruição da camada de ozônio, aumento da erosão e desertificação do solo e, o aumento das chuvas ácidas).

Entretanto, decidir onde começa e termina a coleta de dados e a avaliação para estes estudos tem sido o ponto mais sensível e determinou a contenção da expansão deste tipo de avaliação, principalmente no que diz respeito a padronização de metodologias. Este processo é um exercício muito detalhado e, pelo menos, em teoria, muito simples. A aplicação de metodologias próprias, com um mínimo de padronização, produz uma coleção de dados precisos e complexos. De posse desta coleção de dados, estará ultrapassado o primeiro estágio do processo da análise do ciclo de vida. Agora, entra em cena o segundo estágio: a avaliação destes dados e o estabelecimento de metodologias e padrões de análise dos mesmos. Este é o aspecto mais difícil de se julgar e interpretar.

Usando como exemplo, a produção de papel, vamos perceber algumas sutilezas na avaliação dos dados. Quantos quilogramas de polpa de celulose foram usados, quanto foi o consumo de energia, quantos litros de água foram gastos, quanto de poluentes foi lançado nos corpos d’água e no ar e, por último, quanto de papel foi gerado no final do processo. Porém, o processo não termina aí.

Resta saber qual a quantidade deste papel que foi para os aterros e lixões e qual o seu percentual de retorno para reciclagem. Outro aspecto importante diz respeito ao tempo de biodegradabilidade deste papel nos aterros e os possíveis impactos sobre o meio ambiente.

E, é aqui que surgem os grandes problemas e conflitos envolvendo a análise do ciclo de vida dos produtos e serviços. As decisões sem bases científicas seguras podem criar distorções graves. Por exemplo, o que é pior: o lançamento de toneladas de poluentes com um pequeno grau de toxidade (e, aí surge a questão: o que é um pequeno grau de toxidês?) ou alguns quilogramas de dioxinas ou de PCB’s (bifenilas policloradas) - substâncias altamente poluentes e tóxicas?

Estas questões são altamente subjetivas e individuais. Além disso, sem um critério mínimo de padronização da medição e avaliação dos graus de poluição e toxidade, não será possível se avaliar cientificamente esta questão. Outros aspectos são, também, relevantes:

■ Como comparar alto consumo de energia com alto consumo de água? Qual deles impõe maior impacto ambiental? Qual deles produz maiores impactos de longo prazo?

■ Como comparar e avaliar o uso de recursos naturais renováveis com os não renováveis? Como podemos avaliar o uso da bauxita - na produção de alumínio - e a exploração de determinados recursos pesqueiros?

■ Como podemos avaliar os impactos dos aterramentos sanitários e da queima de incineradores?

■ Um dos critérios que poderia ser utilizado neste - e em outros casos - é o da necessidade deste ou daquele produto. Mais uma vez entramos num campo muito

30

nebuloso. O que é considerado como necessidade em nossos dias? Definir claramente necessidades de maneira global é, provavelmente, uma questão muito difícil sem levar em consideração a divisão de classes sociais e econômicas, as diferenças e os aspectos regionais e nacionais.

Alguns estudos pilotos tem tentado estabelecer critérios mais definidos para avaliação de impactos imediatos após a produção e descarte dos mais variados bens. Outros, tentam definir os impactos de longo prazo. Porém, na prática uma questão muito importante vem a tona: as empresas, devido a intensa competição por mercados, ajudados ainda pela globalização da economia, estão constantemente lançando novas metodologias de produção, novos produtos e novos serviços.

Então, como avalia-los? Seria necessário que antes que estes produtos ou serviços fossem lançados no mercado, se determinasse a análise dos seus prováveis impactos. Mas, como avaliar estes impactos se estes produtos ainda não estão no mercado?

Vários estudos preliminares chegaram a conclusões diferentes e contraditórias sobre diversos produtos, similares ou não. As comparações são normalmente muito difíceis de serem levadas a cabo. Imagine a comparação entre dois produtos alimentícios que consumam embalagens industrializadas. Como comparar os aspectos da produção das embalagens sem levar em consideração aspectos importantes como o transporte dos centros de produção até o mercado consumidor?

■ Se o transporte for feito por via ferroviária ou hidroviário os impactos são de uma forma. Por outro lado, se o transporte for rodoviário, será outro;

■ Também, devemos considerar que em caso de o transporte ser do mesmo tipo, um aspecto que poderá entrar em cena é o tipo de veículo a ser utilizado neste transporte. Por exemplo, são usados normalmente veículos longos, de 12 toneladas de carga. Estes veículos economizam no transporte, já que carregam mais mercadorias por unidade de espaço e consumo. Porém, ao entrarem nas cidades contribuem enormemente para engarrafar o já caótico trânsito das grandes metrópoles, acarretando um aumento - indireto do consumo de combustíveis fósseis. Além disso, trazem um aumento considerável do stress sobre a população. E agora, como avaliar e mensurar o strees e agrega-lo ao cálculo do ciclo de vida?

■ No caso do transporte não ser um critério possível de ser utilizado, as embalagens devem ser analisadas em relação aos seus respectivos percentuais de reciclabilidade, de reciclados em sua composição, sua taxa de recuperação e se apresentam produtos tóxicos (tintas, por exemplo) em sua composição. A taxa de reciclabilidade de uma matéria-prima também pode ajudar a criar distorções. Os metais podem , em teoria, ser reciclados indefinidamente sem que haja perda do seu padrão de qualidade. Já os plásticos e o papel têm limitações neste aspecto. Por exemplo, o papel após 4 ou 5 processos de reciclagem tem uma redução nos tamanhos das suas fibras, inviabilizando a sua continuidade, a não ser que sejam introduzidas no processo um certo percentual de fibras virgens.

Em muitas situações torna-se impossível concluir acerca da qualidade entre dois produtos semelhantes ou entre os processos de produção de bens e serviços. O fornecimento por parte das empresas de inventários e dados detalhados sobre os processamentos e utilização de matérias-primas e energia ajudaria na criação de um banco de dados muito importante e, a partir daí, poderia se pensar em análises mais precisas e realistas. A criação de comissões especiais, compostas por ambientalistas, representantes da sociedade civil, das administrações e dos governos, das indústrias e

31

do comércio e, da comunidade científica poderia contribuir decisivamente para se estabelecer parâmetros e metas a serem cumpridas, de modo a privilegiar, ao mesmo tempo, aspectos ecológicos e econômicos. A participação dos consumidores neste processo de tomada de decisões é, também, de suma importância. Na realidade, são os consumidores que poderão fornecer valiosas informações sobre a qualidade e eficiência no uso dos produtos e serviços.

As análises sobre o ciclo de vida de bens e serviços tenderão a tornar-se uma importante ferramenta na implantação da ISO 14.000. Além disso, e, por causa disso, a implantação da ISO 14.000 (certificação da qualidade ambiental de um produto ou serviço) poderá se tornar o divisor de águas na competição por novos mercados no fenômeno de globalização econômica que ora está em curso no mundo. Esperamos, então, que as análises do ciclo de vida seja uma importante ferramenta na preservação dos recursos naturais e na melhoria da qualidade ambiental da Terra. É, o que nós esperamos, tanto para nós mesmos quanto para as futuras gerações.

6- O Crescimento PopulacionalO casamento do capitalismo com a ecologia acabará sempre em divórcio.O amor ao lucro seduz mais que o amor ao planeta.

(Fernando Gabeira)

População é um conjunto de indivíduos de uma mesma espécie, que vivem numa mesma área, ao mesmo tempo e, que possuam a capacidade de gerar descendência fértil37. Em seu meio ambiente natural, as populações oscilam de geração em geração. Mas, considerando-se um período de tempo maior, sua tendência é manter o tamanho constante.

O tamanho de uma população natural depende do balanço entre natalidade, mortalidade (predação, parasitismo e competição com outros seres vivos) imigração e emigração. Assim, uma população poderá:

■ aumentar de tamanho em função da redução da mortalidade, aumento da natalidade ou imigração de outros indivíduos;

■ diminuir de tamanho, quando a mortalidade superar a natalidade ou ocorrerem a emigração de indivíduos;

■ manter-se-á estável quando houver uma situação de equilíbrio entre natalidade e imigração versus mortalidade e emigração.

Nunca em toda a sua história, a humanidade se multiplicou a uma velocidade tão acelerada, consumiu tantos recursos naturais e degradou tanto o meio ambiente. A explosão demográfica representa uma séria ameaça aos ecossistemas terrestres, podendo trazer consequências terríveis e irreversíveis para todos os seres vivos que se entrelaçam nesta teia gigantesca chamada Planeta Terra. Poucos são os governantes e analistas demográficos a compreender que uma população mundial que cresce num ritmo de 3% ao ano, índice aparentemente despretensioso, na verdade se multiplicará por 19 em um século.

Ao longo da presente e da próxima década, a humanidade estará se proliferando ao ritmo acelerado de 97 milhões de pessoas por ano (250.000/dia ou 3/segundo). A cada ano, 81 milhões de pessoas abandonarão o campo e passarão a viver nas regiões metropolitanas das megas e grandes cidades. As aglomerações urbanas que mais 37 SARIEGO, J.C. Educação Ambiental: As Ameaças ao Planeta Azul. Rio de Janeiro, Editora Scipione.

32

incham são aquelas dos países em desenvolvimento, onde não há nenhum tipo de planejamento e infra-estrutura sanitária básica e onde os recursos financeiros são cada vez mais escassos, acarretando poluição, fome e miséria; aumento da violência, criminalidade urbana e, destruição ambiental.

Quando a população mundial ultrapassou a marca dos 4 bilhões de habitantes, atingiu um nível além do qual seu aumento assume um outro caráter inquietante. Agora, mais do que nunca, este crescimento começa a reduzir a capacidade produtiva e regenerativa dos sistemas biológicos. Assim, a preocupação com o crescimento populacional desperta a atenção para com o progresso e a igualdade do ser humano.

Os 12 mil anos que transcorreram desde o nascimento da agricultura e o advento da revolução industrial foram marcados por um crescimento populacional que se acelerou gradualmente. Ademais, a revolução industrial tornou ainda mais acelerado este processo uma vez que, passou a oferecer novas ofertas de trabalho, melhoria da renda, geração de tecnologia e novas oportunidades econômicas se abriram para empresários e trabalhadores. A melhoria da qualidade dos serviços de saúde e dos meios de produção agrícola foram consequências da era pós-revolução industrial. Evidentemente, que estes foram fatores decisivos para elevar ainda mais as taxas anuais de crescimento: reduziram-se as taxas de mortalidade com o advento de condições médico-sanitárias mais eficientes. Assim, enquanto a população mundial aumentou de 2 a 5% ao século durante os primeiros 1.500 anos da nossa era, hoje, em muitos países, encontra-se em níveis alarmantes de 3 a 4% ao ano, se aproximando da capacidade limite do nosso planeta. O espaço de tempo que agora a população aumenta de 1 bilhão tornou-se extremamente curto, conforme mostra a tabela I.5.1.

População Mundial

(Em Bilhões)

Anos Transcorridos

Ano que Atingiu

Um (1) 2.000.000 1830Dois (2) 100 1930Três (3) 30 1960Quatro (4) 15 1975Cinco (5) 11 1986Seis (6) 9 1995

(fonte: Nações Unidas - ONU, 1986)

Nos países industrializados, o índice global do crescimento populacional é inferior a 1% ou já estão chegando a zero. A população dos países industrializados pode aumentar dos atuais 1,2 bilhões para cerca de 1,4 bilhões em 2025. A maior parte do aumento da população global deverá ocorrer nos países em desenvolvimento, que passarão dos atuais 3,7 bilhões em 1985 para prováveis 6,8 bilhões em 2025. Segundo dados das Nações Unidas, ao terminar a II Grande Guerra, 400 milhões de pessoas viviam nas cidades dos países do primeiro mundo e 200 milhões nas cidades dos países do terceiro mundo. Em 1970, eram 600 milhões tanto no primeiro quanto no terceiro mundo e, já na década de 90, inverteu-se a relação: 1,2 bilhão de pessoas nos países mais pobres e 700 milhões nos países ricos. Inclusive, este brusco aumento populacional não foi acompanhado pelo crescimento da oferta de empregos, de infra-estrutura urbana e serviços públicos básicos. Segundo estimativas da ONU, no ano 2000, 18 das 20 cidades com mais de 10 milhões de habitantes e 2 das maiores cidades do Mundo estarão na América Latina- provavelmente, a Cidade do México e a

33

cidade de São Paulo. São cidades que terão de conviver com a miséria, a escassez de recursos financeiros e a destruição ambiental gerada pela pobreza38.

Entre os anos de 1985 e 2000, a força de trabalho nos países em desenvolvimento aumentará em cerca de 900 milhões de pessoas, com o que terão de ser criadas novas formas de sustento para 60 milhões de pessoas por ano. O acentuado declínio nas taxas de natalidade nos países industrializados deveu-se em grande parte ao desenvolvimento econômico e social. Os níveis cada vez mais altos de renda e urbanização e, o novo papel desempenhado pelas mulheres na moderna sociedade ocidental, tiveram grande influência neste processo. A tabela I.5.2 mostra o rápido aumento populacional, em algumas cidades do terceiro mundo, da década de 50 e sua projeção para o ano 2000.

Outro problema enfrentado pelas nações que apresentam elevados índices de crescimento populacional, que são aquelas sociedades pré-industriais do terceiro mundo, é que grande parte da sua população são compostas de jovens. Dados da ONU mostram que nestas nações 50% dos indivíduos ainda não completou 19 anos e, em muitos países pobres os números são ainda mais assustadores. No Paquistão, por exemplo 46% tem idade inferior ou igual a 15 anos. No Peru e na Nigéria esta cifra está entre 40 e 45% da população. A médio e longo prazo, os governos destes países se defrontarão com um problema muito sério: onde e como conseguir trabalho, moradia e alimento para toda esta população?

Cidade 1950(em Milhões)

Cifra Mais Recente

(em Milhões)

Ano 2000(em Milhões)

Cidade México 3,05 16,0 ( 1982 ) 26,3São Paulo 2,7 12,6 ( 1980 ) 24Bombaim 3,0 8,2 ( 1981 ) 16Cairo 2,5 8,5 ( 1979 ) 13,2Bogotá 0,61 3,9 ( 1985 ) 9,6Nairobi 0,14 0,83( 1970 ) 5,3Manilha 1,78 5,5 ( 1980 ) 11,1Nova Délhi 1,4 5,8 ( 1981 ) 13,3

(fonte: Nações Unidas - ONU, 1991)

Embora o problema demográfico seja multi-disciplinar, o que mais chama a atenção dos planejadores governamentais é o aspecto da alimentação. Evidentemente que isto é devido, ainda hoje, ao impacto causado pela obra Um ensaio sobre o princípio da população de Thomas R. Malthus, puplicado em 1797. Segundo Malthus, as populações tendem a crescer de forma exponencial enquanto os recursos alimentares crescem de forma aritmética, exercendo forte pressão sobre os recursos alimentares. Analisando a questão sob o ponto de vista econômico, social e ambiental, diversos estudiosos da demografia ressaltaram os problemas que uma sociedade com altas taxas de crescimento poderá enfrentar:

■ aumento da pressão sobre os recursos naturais e matérias-primas, que gera defasagem na produção e aumento nos preços dos manufaturados e alimentos. Isto vai acarretar aumento da inflação e do desemprego;

■ o desemprego traz recessão econômica, fazendo baixar as taxas de crescimento da economia e o nível de vida da população. Devido a isso, os governos têm reduzido

38 Jornal A Gazeta Mercantil. Junho. 1993.34

a sua arrecadação de impostos. A redução da arrecadação faz os governos aumentarem as alíquotas dos seus impostos para equilibrar sua receita;

■ Diante deste quadro, os governos reduzem os investimentos em educação, saneamento básico e saúde, comprometendo ainda mais o nível de vida da população. O aumento dos impostos gera mais desemprego, mais recessão e mais inflação, numa espiral crescente assustadora;

■ Esta situação vai fazer com que haja aumento da violência, da criminalidade, da prostituição, do número de pessoas que vão morar nas ruas, crianças abandonadas, analfabetismo, desnutrição, aumento das doenças. À longo prazo, os riscos de convulsão social são enormes pondo, em cheque inclusive, a democracia, caso este seja o regime vigente.

Projeções da ONU revelam que a população mundial aumentará dos atuais 4 bilhões para um número entre 10 e 16 bilhões antes de estacionar. Do ponto de vista meramente demográfico, essas projeções são bastante razoáveis. Todavia, consideradas no contexto das tensões econômicas, sociais e ecológicas, elas são descabidas. Os sinais de tensão nos principais ecossistemas e em muitas nações do planeta, indicam que estes estão à beira do colapso. Esperar que estes ecossistemas naturais suportem a triplicação ou quadriplicação é um desafio à lógica da ecologia e da sociologia39.

1830 1927 1987 1996 2050 2150

0

5

10

15

20

25

Figura 4.1- Crescimento Populacional no Mundo, em Milhões de pessoas40.

Uma outra preocupação emergente dos planejadores urbanos que o crescimento demográfico está suscitando, é a explosão populacional nos grandes centros urbanos. Cerca de 90% do aumento, no mundo em desenvolvimento, ocorrerá nas áreas urbanas, cuja população deverá passar dos atuais 1,15 bilhões para 3,85 bilhões em 2025. O que se observa é que as cidades incham a medida que a população urbana cresce, devido não só ao aumento da natalidade mas também ao êxodo da população rural que vai em busca de novas oportunidades nos centros urbanos.

39 BROWN, L.R. Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo. 1991.40 MARTINE, G. O Crescimento Populacional do Brasil. Revista Ciência Hoje, vol.9, n051:29-35. 1989.

35

1950 1990 2025

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Figura 4.2- Número de Cidades com mais de 8 Milhões de Pessoas no Mundo41.

É assustador verificar como, em pouco tempo, aumentou o número de cidades com mais de 8 milhões de pessoas em todo o mundo. O resultado é a proliferação de assentamentos e invasões de propriedades de maneira ilegal, com instalações primitivas e índices alarmantes de doenças conjugadas a um ambiente insalubre. Este inchamento gerado por tensões no campo, seria resolvido com um eficiente programa de reforma agrária e assistência técnica ao produtor, de modo a melhorar a produtividade no campo dos países do terceiro mundo. Muitos países utilizam extensas áreas para monoculturas voltadas para exportação ou, estas servem para pastagens. Estas áreas, dominadas por grupos empresariais poderosos não trazem nenhum benefício direto as populações locais. Pelo contrário, é muito comum a violência contra líderes comunitários e sindicais, representantes da igreja engajados no trabalho com estas comunidades e de organizações não governamentais. Deve-se ressaltar que o número de analfabetos e sem terras aumentou muito nas últimas décadas, principalmente nas regiões mais pobres do mundo. A tabela I.5.3 mostra a número de famílias sem terras, em milhões, nas várias áreas do mundo e o percentual sobre o número total de famílias na agricultura.

Região do Mundo

Total Famílias (em milhões)

Quase sem Terras (milhões) ( % )

Sem Terras (milhões) ( % )

Ásia 162 94 58 31 13África 46 29 63 3 7América Latina 24 13 54 4 17Total 232 136 59 31 13

(fonte: Organização de Alimentação e Agricultura - FAO, 1984)

41 MARTINE, G. O Crescimento Populacional do Brasil. Revista Ciência Hoje, vol.9, n051:29-35. 1989.36

AFRICA ASIA AM.LATINA MUNDO

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

Desnutrição Analfabetismo

Figura 4.3- Número de Pessoas - em Milhões - Desnutridas, e Analfabetas, projetadas para o ano de 199042.

Assim, se o ritmo de crescimento da população diminuir, quem mais irá lucrar serão as grandes cidades, que se tornarão mais fáceis de administrar. A questão básica é controlar este processo de modo a evitar uma séria deterioração da qualidade de vida. Por isso, é preciso estimular a criação de centros urbanos menores, a fim de reduzir as pressões sobre as grandes cidades. Caso isso não aconteça, os países em desenvolvimento precisarão aumentar em 65% a sua capacidade de proporcionar infra-estrutura, serviços e moradias apenas para manter as condições atuais, já bastante precárias.

Ao longo da maior parte da sua história, o Brasil apresentou taxas de mortalidade e de natalidade elevadas mas, mesmo assim, coube à imigração grande parte da responsabilidade pelo crescimento da nossa população. O censo demográfico de 1980 mostrou uma clara tendência à queda das taxas de natalidade em todas as regiões e camadas sociais do Brasil. Esta tendência se observou tanto no campo quanto nas cidades de pequeno à grande porte.

O Brasil, assim como muitos países do terceiro mundo, comprimiu em algumas décadas as transformações que levaram de um a dois séculos para se concretizar na Europa e nos EUA. Porém, nos países em desenvolvimento esta transição não está associada à extensão dos benefícios sócio-econômicos à sua população; pelo contrário, aprofundaram-se ainda mais as desigualdades entre pobres e ricos, aumentou-se o consumo de matérias-primas para confeccionar bens para exportação e venda para as elites, aprofundando-se o desperdício de alimentos, matérias-primas e, recursos econômicos e materiais foram mal aplicados e administrados em prol de uma parcela muito pequena da população.

42 MARTINE, G. Luz no Túnel. Revista Globo Ecologia. Número Especial, Junho. 1992.37

1820/1860 1900/1920 1940/1960 1980/1990 2020

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

Figura 4.4- Taxas de Crescimento Populacional no Brasil de 1840 até 202043.

A década de 80 foi palco de uma mudança fundamental na história demográfica do Brasil, com significativas implicações no meio ambiente urbano. Pela primeira vez, as duas maiores metrópoles - São Paulo e Rio de Janeiro - diminuiram sua participação no conjunto da população brasileira. Em São Paulo, essa taxa recuou de 10,6% em 1980 para 10,4% em 1991. No Rio de Janeiro, o declínio foi mais acentuado, passando de 7,4% para 6,6%, respectivamente.

Ao que tudo indica, o Brasil ingressou nos anos 80 num novo ciclo: o da desmetropolização, liderada basicamente pela região sudeste, mas confirmada por uma redução no ritmo de crescimento das demais regiões metropolitanas. De 1980 a 1990, as nove maiores metrópoles brasileiras cresceram apenas 1,88%, metade do incremento demográfico observado na década anterior. Porém, essas grandes cidades continuam a ter um peso importante na distribuição populacional do país. Três de cada dez pessoas no Brasil residem hoje numa cidade metropolitana, com todas as implicações sociais e ambientais que essa concentração acarreta.

Mais grave ainda é que, ao mesmo tempo que exibem uma perda de fôlego da taxa global de crescimento, essas cidades passaram a viver mais intensamente o fenômeno da periferização. Na média, o entorno mais pobre - e onde se observa os maiores índices de pobreza e impactos ambientais - cresceu 2,96% ao ano, contra 1,26% no caso dos municípios centrais44.

Segundo o Sr. Francisco Zepeda, coordenador de Saneamento Básico da Organização Pan-americana de Saúde a América Latina tem hoje cerca de 450 milhões de habitantes, sendo que 325 milhões são os grandes produtores de lixo urbano que necessitam de serviços de limpeza e disposição. As 250 mil toneladas/dia produzidas são dispostas de maneira incorreta. Cuba e Chile são os países que tem destinado mais adequadamente os seus resíduos. Se a população crescer a um ritmo de 3% ao ano e a produção de lixo crescer 1% por habitante, esta quantidade pode duplicar dentro de 15 a 20 anos45.

A tabela I.5.4 relaciona as quantidades (Kg) de lixo produzidas por habitante/dia.

43 MARTINE, G. O Crescimento Populacional do Brasil. Revista Ciência Hoje, vol.9, n051:29-35. 1989.

44 MARTINE, G. O Crescimento Populacional do Brasil. Revista Globo Ciência, Número Especial. 1992.45 Jornal A Gazeta Mercantil. Junho. 1993.

38

Países Quantidade (Kg/Habit./dia)

Brasil, Argentina e México 1,8EUA 3,7

Europa 3,9 (fonte: Jornal Gazeta Mercantil, junho de 1993)

Maricá Itaboraí N. Iguassú D. Caxias Rio de Janeiro0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

Figura 4.5- Crescimento Populacional em algumas cidades do Rio de Janeiro.

Para a Organização Pan-americana de Saúde a infra-estrutura necessária para coletar e dispor adequadamente 250 mil toneladas de lixo nos países da América Latina, exigiria investimentos da ordem de US$ 8 bilhões46.

Dados da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro - Comlurb - revelam que houve um aumento de 32,9% no volume de lixo produzido em nossa cidade, nos últimos treze anos, enquanto a população residente aumentou somente 8%. O aumento refere-se ao lixo produzido na capital pela população flutuante que vive nas cidades da região metropolitana e circula na capital durante o horário de trabalho, analisa o Sr. Paulo Carvalho Filho, ex-presidente da Comlurb.

Este lixo está revelando um alto índice de desperdício de matérias-primas e alimentos, além do contínuo empobrecimento da cidade devido à migração cada vez mais intensa para áreas sem infra-estrutura básica. Dados do IBGE mostram que as populações das cidades-satélites do Rio de Janeiro vem crescendo à taxas superiores as da capital. A tabela I.5.5 e o gráfico 5.5 ilustram este fato.

Cidades Taxas de Crescimento ( % )

Rio de Janeiro 0,88Maricá 3,28Itaboraí 3,16

46 Jornal A Gazeta Mercantil. Junho. 1993.

39

Nova Iguassú 1,48Duque de Caxias 1,31

(fonte: Jornal A Gazeta Mercantil, junho de 1993)

Para o Sr. Jorge Henrique dos Santos, coordenador do censo do IBGE e responsável pela pesquisa é claro, porém, que a crescente migração da capital fluminense para os municípios vizinhos é decorrente da queda do poder aquisitivo da população. Este problema será tão mais grave quanto mais se aprofundar a crise econômica no Brasil.

7-Economia, Desenvolvimento &Meio Ambiente

Os povos dos países pobres são obrigados a fazer uma troca explicita: aceitar a degradação ambiental, a longo prazo, e a humilhação para atender as suas necessidades imediatas de alimentos e habitação.

( Indira Gandhi )

Ao longo da sua história, a humanidade sempre foi além das suas próprias fronteiras em busca de matérias-primas essenciais, seja através do comércio ou das guerras, para satisfazer as suas necessidades. Hoje, devido à expansão do comércio internacional e da globalização da economia, este fenômeno atingiu um estágio que ameaça seriamente todos os ecossistemas do planeta. A busca de um desenvolvimento mais harmonioso com o meio ambiente está exigindo mudanças drásticas na economia das nações, seja daquelas que já atingiram a plena capacidade industrial como daquelas que estão em vias de consegui-la.

Assim, um novo pensamento se apresenta ao mundo com pretensões de universalidade: o ecológico, questionando o desenvolvimento e os modelos de sociedade. Esse desafio é apresentado como necessidade de se repensar o desenvolvimento na sua dimensão social. Recoloca a crítica dos sistemas existentes, forçando o capital a se confrontar com o meio ambiente, que pretendeu e ainda pretende subordinar em sua realização. O pensamento ecológico está dizendo ao

40

capital que antes dele vem a relação com a natureza, diante do qual o capital é apenas uma criança brincando de Criador, sem ter idade e sabedoria para isso47.

Os problemas ambientais com que nos defrontamos não são novos, mas só recentemente sua complexidade começou a ser entendida. Antes, nossas maiores preocupações voltavam-se para os efeitos do desenvolvimento sobre o meio ambiente. Hoje, temos de nos preocupar também como a deterioração ambiental pode impedir ou reverter o desenvolvimento econômico.

Para que os intercâmbios econômicos internacionais beneficiem a todas as partes envolvidas, é preciso que antes sejam atendidas duas condições: a manutenção dos ecossistemas dos quais dependem a economia global deve ser garantida e os parceiros econômicos têm de estar convencidos de que o intercâmbio se processa numa base justa. Relações desiguais e baseadas em qualquer tipo de dominação não constituem uma base sólida e duradoura para a interdependência. No caso de muitos países em desenvolvimento não estão sendo atendidas nenhuma dessas condições.

Os vínculos econômicos e ecológicos entre as nações aumentaram depressa, o que torna maior o impacto das crescentes desigualdades verificadas no desenvolvimento e no poder econômico das nações. A assimetria das relações econômicas internacionais agrava o desequilíbrio, pois as nações em desenvolvimento geralmente sofrem influência das condições econômicas internacionais, mas não tem influência sobre elas.

O ímpeto menos acelerado de expansão econômica e a estagnação do comércio mundial na década de 80 desafiou a capacidade de todas as nações reagirem e ajustarem-se. Porém, os países em desenvolvimento, principalmente os da África e da América Latina, entre 1980 e 1984 perderam cerca de US$ 55 bilhões em suas exportações devido à queda dos preços dos produtos primários. De fato, mais da metade desses países teve seu PIB per-capita reduzido neste período em quase 10%.

As relações econômicas internacionais representam um problema particular para os países pobres que tentam administrar seu meio ambiente, porque a exportação de recursos naturais continua sendo fator de peso em suas economias, sobretudo no caso dos menos desenvolvidos. A instabilidade e as tendências de preços adversos enfrentadas pela maioria dessas nações impossibilitaram-lhes administrar suas bases de recursos naturais com vistas a uma produção constante. O ônus cada vez maior do serviço das suas dívidas externas e a diminuição de novos fluxos de capital intensificaram as forças que levam a deterioração do meio ambiente e ao esgotamento dos recursos, em prejuízo do desenvolvimento a longo prazo.

A perspectiva de crescimento, a médio prazo, das economias dos países industrializados é de 3 a 4%, o mínimo considerado necessário pelas instituições financeiras internacionais para que esses países participem da expansão da economia mundial. Tais índices de crescimento podem ser sustentáveis do ponto de vista ambiental se estas nações continuarem a orientar seu crescimento para atividades que consumam menos energia e matérias-primas, e a usa-las de maneira cada vez mais eficiente. Porém, à medida que estas nações usam menos matérias-primas e energia, se tornam mercados cada vez menores para os produtos primários e os minerais que são a fonte de exportação, e de renda, dos países em desenvolvimento.

Qual a solução? Se os países em desenvolvimento concentrarem seus esforços em eliminar a

pobreza e satisfazer às necessidades humanas mais básicas, haverá um aumento da demanda interna de produtos agrícolas e de manufaturados, e também de alguns serviços. O desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social podem e devem 47 ACSELRAD, H. Meio Ambiente e Democracia. Rio de Janeiro, IBASE. 1992.

41

apoiar-se mutuamente. Os recursos aplicados em educação, alimentação e saúde podem aumentar a produtividade dos indivíduos e, consequentemente, o aquecimento da economia. Portanto, na lógica do desenvolvimento econômico mundial está implícito um estímulo, e uma necessidade, ao crescimento econômico das economias dos países do terceiro mundo. Não só será possível estes países cumprirem com os encargos de suas dívidas como também poderão começar a importar bens dos países industrializados, tornando ainda mais aquecida a economia mundial.

Muitos países em desenvolvimento precisam, para crescer, de influxos externos de capital. Dados os atuais índices de crescimento populacional, seria necessário um crescimento global da renda nacional de cerca de 5% ao ano nas economias da Ásia, 5,5% na América Latina e de 6% na África. Se estes fluxos não forem suficientes, não há qualquer perspectiva de melhoria do padrão de vida. Em consequência, os pobres serão forçados a continuar a danificar o seu meio ambiente para poderem sobreviver. Assim, fica muito difícil, e as vezes até impossível, o desenvolvimento a longo prazo. Os recursos financeiros para os países em desenvolvimento diminuíram em termos reais. Globalmente, há agora, de fato uma evasão. Nos anos da década de 90, o aumento esperado de capital internacional para os países em desenvolvimento será apenas metade daquele necessário para recuperar o crescimento em níveis que permitam reduzir a pobreza. Porém, somente o aumento da remessa de capital externo não basta; é necessário esforços internos: a correta aplicação desases recursos em melhoria das condições das populações menos privilegiadas é o ponto crucial da questão. É preciso ressaltar que a própria redução da pobreza é requisito para um desenvolvimento ecologicamente viável. A pobreza reduz a capacidade das pessoas para usar os recursos de modo sustentável, levando-as a exercer maior pressão sobre o meio ambiente. Os indivíduos mais pobres do mundo concentram-se, atualmente, em dois tipos de áreas: áreas rurais remotas e ecologicamente frágeis e, a periferia das áreas urbanas - cada vez maiores. A tabela I.6.1 mostra a quantidade dos mais pobres nas suas respectivas regiões do mundo.

Região Mundo Total de Pobres ( em milhões )

Sul da Ásia 390China 84Leste da Ásia 33África Subsaariana 156Oriente Próximo e Norte da África 39América Latina 78Total 780

(fonte: Banco Mundial, 1988)

Nos anos 80, as taxas de crescimento econômico declinaram acentuadamente ou mesmo foram negativas em grande parte do terceiro mundo, sobretudo na África e na América Latina. Entre 1981 e 1985, o crescimento populacional foi maior que o crescimento econômico na maioria dos países em desenvolvimento. A deterioração das relações de troca, as obrigações cada vez maiores dos serviços da dívida externa e o protecionismo crescente nas economias de mercado desenvolvidas causaram sérios problemas de pagamentos ao exterior. O custo mais alto dos empréstimos externos, numa época em que as exportações estavam em baixa, também contribuiu para a crise da dívida em muitos países em desenvolvimento. Após esta crise, tornaram-se especialmente onerosos os programas de austeridade traçados pelo Fundo Monetário Internacional - FMI - como requisito para aumentar os créditos destinados a atender às necessidades a curto prazo do balanço de pagamentos. E, isso foi uma mudança radical

42

em relação aos anos 60 e 70, onde o rápido crescimento econômico era visto como uma ameaça ecológica. Agora, essa ameaça reside na recessão, na austeridade e na brutal queda do padrão de vida que agravaram mais as pressões sobre o meio ambiente.

Em face dos montantes envolvidos, o impacto da dívida foi mais visível em alguns países da América Latina. Em 1985, a dívida mundial total era de US$ 950 bilhões dos quais, cerca de 30% eram devidas por quatro países: Argentina, Brasil, México e Venezuela. Nos anos 60 e 70, o crescimento econômico da América Latina, cerca de 5% ao ano, foi facilitado por empréstimos dos países industrializados, em grande parte por serem países ricos em recursos naturais. Devido a recessão mundial dos anos 80, os mercados de exportação se retraíram e políticas monetárias restritivas fizeram as taxas de juros globais atingirem níveis nunca vistos. Além disso, a evasão de capital agravou o problema. Em consequência, as importações latino-americanas caíram em 40%, em termos reais, em três anos. A retração daí decorrente trouxe vários problemas:

■ redução em 8% do PIB dos oito principais países;■ diminuição dos salários e aumento do desemprego;■ aumento da pobreza e da degradação das condições urbanas e ambientais.

As transferências líquidas de sete dos principais países da América Latina somaram quase US$ 39 bilhões em 1984, e, nesse mesmo período, 35% das receitas de exportação foram destinadas ao pagamento dos juros da dívida. Essa drenagem maciça de recursos representa de 5 a 6% do PIB da região, cerca de 1/3 da poupança interna e quase 40% das receitas de exportação. Ela adveio de políticas de ajustamento que impõem cortes drásticos e desiguais nos salários, nos serviços sociais, no investimento, no consumo e no emprego, tanto no setor público quanto no setor privado, agravando ainda mais os problemas de desigualdade social e pobreza generalizada. A tentativa de expandir as exportações e encontrar substitutos de produtos importados aumentaram-se, acentuadamente, as pressões sobre o meio ambiente e os recursos. Além disso, intensificaram-se também a deterioração e a exploração excessiva do meio ambiente. Grande parte do rápido crescimento das exportações desses países verificou-se na área de matérias-primas, alimentos e manufaturados baseados em recursos.

Assim, os recursos naturais da América Latina não estão sendo usados para o desenvolvimento ou a melhoria das condições de vida, e sim para atender às exigências financeiras dos países industrializados, os credores. Pretender que países relativamente pobres ao mesmo tempo baixem seus padrões de vida, aceitem o aumento da pobreza e exportem quantidades cada vez maiores de recursos escassos a fim de manter a capacidade creditícia, reflete prioridades que poucos governos eleitos democraticamente conseguiriam tolerar por muito tempo. A situação atual não é compatível com o desenvolvimento sustentável. O crescimento precisa ser retomado nos países da América Latina porque é neles que estão mais diretamente interligados o crescimento econômico, o alívio da pobreza e das condições ambientais adversas.

No Brasil, a situação é das mais graves. Com uma distribuição de renda espantosamente desigual - ilhas de opulência num mar de miséria - e com uma classe média cada vez mais espremida nosso pais não foi até agora capaz de mudar seu modelo de desenvolvimento que destroi o meio ambiente e degrada as condições de vida do seu povo48. O nosso desenvolvimento constituiu-se basicamente num duplo 48 ACSELRAD, H; VIEIRA, R.; & GUARANY, R. Ecologia, Direito do Cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.

43

processo de produção de desigualdades em nível social: através do autoritarismo político e do descaso ou destruição sistemática dos recursos naturais disponíveis em abundância no país. Começamos por destruir os povos indígenas que aqui viviam em paz com a natureza. Depois, operamos o desenvolvimento através da força de trabalho escrava, destruindo gente para mover a economia e acumular riqueza para uns poucos. Com a industrialização, continuamos no mesmo caminho, acentuando as desigualdades, concentrando renda, pagando baixos salários, ignorando as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, explorando de forma extensiva e predatória os recursos49. Na crise sócio-ambiental brasileira, a degradação ecológica e a desigualdade social são ramos diferentes de uma mesma raiz: o modelo pelo qual o capitalismo se desenvolveu no país, expulsando camponeses de suas terras, expandindo as fronteiras da grande exploração agropecuária, incentivando a especulação fundiária e o desmatamento, esgotando os solos e contaminando as águas, inviabilizando a pesca artesanal e o extrativismo florestal, adotando um padrão de desenvolvimento danoso para o meio ambiente, hipertrofiando as estruturas urbanas, concentrando riqueza e marginalizando populações50.

O endividamento dos países em desenvolvimento continua sendo uma questão grave. Os mercados de produtos primários e de energia são muito instáveis, o protecionismo dos mercados e as guerras comerciais representam uma séria ameaça. Cada vez mais bancos credores e orgãos oficiais estão percebendo que muitos países devedores não terão condições de manter os serviços de suas dívidas, a menos que o ônus seja diminuído. Entre as medidas discutidas contam-se empréstimos adicionais, perdão de parte da dívida, reescalonamento a prazos mais longos e adoção de termos mais brandos. Mas, está faltando o essencial: a urgência.

Nos anos 90, a expansão da classe média no mundo é o fenômeno mais importante a ser destacado. De Brasília a Budapeste, passando por Bombaim, uma classe média vibrante e energética está surgindo rapidamente, na medida em que um número maior de países relaxa os controles do Estado e adere à economia de mercado. É verdade, muitos dos grupos recém-enriquecidos do mundo vão desenvolver-se em vias muito diferentes das percorridas nos EUA e na Europa Ocidental. Eles divergem amplamente em geografia, história política e costumes sociais. Mas, assim como as aspirações de uma vasta classe média mudaram a Europa Ocidental do século XIX, o anseio de seus congêneres do século XXI por estabilidade, prosperidade e liberdade vai transformar o mundo. Toda vez que uma nova classe média surgiu, a reforma política seguiu seu rastro51, diz o Sr. Raymond F. Wylie, professor de relações internacionais da Universidade de Lehigh.

As pressões por mudanças sociais tendem a se acumular. Além disso, as pessoas da classe média em geral querem menos restrições sobre a sua vida particular. E, em última instância, elas vão pressionar pela adoção de soluções para muitos dos problemas que assolam o mundo industrializado ocidental: poluição, assistência médica, criminalidade e drogas. O florescimento dessas classes médias emergentes depende da prosperidade continuada. Ligada ao restante do mundo através das telecomunicações avançadas -TV a cabo e por satélite - a nova classe média pode receber instantaneamente um retrato preciso das riquezas ocidentais - e querer o mesmo para si.

49 ACSELRAD, H; VIEIRA, R.; & GUARANY, R. Ecologia, Direito do Cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.50 MARTINE, G. O Crescimento Populacional do Brasil. Revista Globo Ciência, Número Especial. 1992.51 Jornal A Gazeta Mercantil. Janeiro. 1995.

44

A Ásia é a região mais cotada nessa corrida internacional para a prosperidade. Se o crescimento da economia asiática se mantiver de 5 a 8%, a Sra. Linda Y.C. Lim, da Universidade de Michigan, nos EUA, prevê que a classe média asiática, sem contar o Japão, poderá atingir 700 milhões até o ano 2010, controlando um estonteante potêncial de gastos de US$ 9 trilhões - 50% mais que a atual economia norte-americana. A redução das barreiras comerciais e o colapso da inflação também tornam a América Latina terreno fértil para a classe média, e a ascensão dos mercados do Leste Europeu e da Rússia ajuda a sustentar ambições semelhantes. Mesmo na África do Sul pós-apartheid, um pequeno círculo de profissionais liberais negros está rápida expansão52. Uma estimativa razoável é de que ¼ da população do mundo - cerca de 1,2 bilhão de pessoas - goze do padrão de vida da classe média.

As idéias econômicas do movimento ecológico, que já é um movimento emocionalmente e politicamente bem plantado, têm sido muito discutidas, mas existe uma posição teórica muito pequena. A ausência de uma concepção econômica própria do movimento ecológico tem permitido que se façam propostas de maquiagem-verde em contrapartida de uma política econômica realmente verde.

O movimento ecológico fez grandes denúncias da destruição ambiental e muitas vezes se apresentou como uma alternativa parlamentar. Os deputados eleitos iam para o parlamento com a missão de denunciar o processo de destruição ambiental, de evitar que o crescimento econômico representasse danos para o meio ambiente53.

Mas poucas pessoas se perguntaram seriamente o que aconteceria se os verdes fossem governo? Se num determinado momento, eles fossem os orientadores de uma política econômica, quais as propostas econômicas inovadoras e norteadoras de desenvolvimento do movimento ecológico. E, as respostas a estas questões vem sendo procurada por vários teóricos do mundo inteiro.

O espaço onde se procurou uma resposta mais intensamente são os chamados Encontros de Cúpula Alternativos, paralelos aos encontros do Grupo dos Sete, para discutir os rumos da economia mundial dentro da perspectiva do movimento ecológico54.

Ainda não se chegou a um sistema acabado, mas esses encontros levaram a uma visão do que pode ser uma economia ou um desenvolvimento alternativo. E esse desenvolvimento seria diferente daquele que acontece no modelo de produção capitalista e do socialismo real. Ele teria que apresentar alguns princípios fundamentais:

■ Desenvolvimento Alternativo versus Necessidades Humanas:O desenvolvimento alternativo deve levar em conta as necessidades humanas e não

a produção do lucro como ponto principal. Ao propor esta idéia, começaram a se defrontar com muitas dificuldades, pois o lucro sempre foi a mola mestra do sistema capitalista. A expressão necessidades humanas precisa ser melhor definida. Elas representam as necessidades materiais e não-materiais. As necessidades materiais nós conhecemos: habitação/moradia, alimentação, educação, lazer, transporte, salários dignos etc.. Em relação às necessidades materiais muita coisa mudou de, digamos, de 50 anos para cá. A televisão, por exemplo, não era uma necessidade (assim como, o telefone). Hoje, a televisão poderia representar uma importante fonte de lazer, educação e cultura para uma nação.

52 Jornal A Gazeta Mercantil. Janeiro. 1995.53 CEMPRE Informa, N024. Agosto. 1995.54 GABEIRA, F. Princípios da Economia Alternativa. Documento Interno do Partido Verde, Seccional do Rio de Janeiro. 1994.

45

As necessidades materiais são históricas, dependem da época em que os indivíduos vivem e se desenvolvem. Essa perspectiva ecológica fala das necessidades não materiais, que a economia convencional não aborda. Mas, o que seriam as necessidades não-materiais? É muito difícil definir. Porém, as discussões evoluíram até o ponto de introduzir algumas idéias:

1. a possibilidade das pessoas conviverem, trocarem idéias em paz e harmonia, independente de raça, credo, cultura, posição social e escolaridade;

2. criatividade e iniciativa para tentar resolver os seus problemas de desenvolvimento e meio ambiente;

Este é um princípio que ainda não chega a determinar claramente o tipo de desenvolvimento, mas já vemos alguns pontos de partida nele. Por exemplo, na Noruega quando se pensou em explorar o petróleo do Mar do Norte, a idéia, se fosse desenvolvida pura e simplesmente dentro da perspectiva do lucro, seria uma. Mas se partisse de uma outra perspectiva, a das necessidades humanas (consequentemente, as necessidades do país) e da preservação do meio ambiente, o ritmo seria outro. Então, foi possível a partir do regime da social-democracia, impor um ritmo onde não era precisamente o ritmo que seria imposto pelo capitalismo. Nesse momento, houve uma afirmação de um desenvolvimento alternativo. Esse princípio, de atender as necessidades humanas, é vago e incompleto. Porém, temos que avançar mais nessa discussão;

■ Desenvolvimento Alternativo Endógeno:O desenvolvimento alternativo tem que ser endógeno. Esse processo de

desenvolvimento material tem que partir das necessidades internas da sociedade. É a sociedade internamente quem decide os seus caminhos. Isso quer dizer que não existe um modelo universal de desenvolvimento e, cada sociedade tem o direito de procurar o seu modelo de desenvolvimento. Este fenômeno não acontece no Brasil, onde a mentalidade é fruto da sua colonização, cujo modelo é o capitalismo aplicado nos EUA e na Europa. E, nós sempre nos vemos como se fossemos um cidadão dos EUA e da Europa amanhã - Complexo de Vodka Orloff - sem imaginar um modelo ou circunstância própria. Um momento histórico próprio e, que hoje na história da humanidade é difícil de reproduzir em países do Terceiro Mundo, mesmo porque existem limites. Não teríamos como construir o colonialismo, o imperialismo e as próprias possibilidades planetárias em termos de recursos não-renováveis. Eles não suportariam o tipo de consumo dos EUA e Europa, reproduzidos em escala mundial em todo o terceiro mundo. Então, teríamos que repensar o desenvolvimento não só porque nós temos as nossas características como também porque não é possível se desenvolver com um consumo que o planeta não suportaria (aquecimento mais rápido do planeta, mais lixo e mais poluição).

O conceito de modernidade no Brasil foi postulado tendo como modelo os EUA e a Europa e, até certo ponto, não levando em conta uma série de fatores. Por exemplo, o ex-presidente Collor achava que os carros brasileiros eram carroças, sob o ponto de vista da velocidade, sem levar em conta uma característica importantíssima: a segurança, pois os carros brasileiros quando vão para fora passam por várias alterações para ficarem mais seguros. Isto, porém, não acarreta a elevação dos seus custos finais de comercialização.

Outra concepção errada da modernidade é que ela é vista também como uma ilha, e não tem que ser ampliada em termos de economia. No Brasil ninguém considera

46

moderno o aumento dos salários. Os trabalhadores tem que ter salários dignos e, no entanto, é a característica mais importante dos países chamados modernos. Os operários por não terem acesso a um salário digno não conseguem obter uma série de produtos de consumo que precisam ter. Mas, no Brasil, isso é escamoteado.

A idéia de moderno no Brasil sempre vem com o conceito da destruição do tradicional. Por exemplo, quando nós construímos a nossa indústria automobilística, a prespectiva foi construir estradas rodoviárias e abandonamos as ferrovias e as hidrovias por que o moderno era ir de carro e se desenvolver nessa direção. Hoje, nós vemos que as ferrovias em muitos países europeus e no Japão são transportes extremamente modernos, cuja tecnologia é muito mais avançada que a automobilística. Os trens bala (com flutuadores eletromagnéticos) são mais rápidos e seguros. No sul do Brasil, os plantadores de alho e cebola, na medida em que o Mercosul for sendo implantado, serão prejudicados, pois eles não têm a mesma produtividade e os subsídios de argentinos e uruguaios; é a tendência do pensamento liberal. E, como liberal quer dizer que eles se danem, pois a preocupação básica é como consumidor vai conseguir cebola e alho mais barato? O que é parcialmente certo. Mas, o que fazer com os setores da economia que não podem competir num primeiro momento? Vamos permitir que eles sejam destruídos e que estas pessoas venham para as cidades para se somarem aos 32 milhões de miseráveis que já existem? Não, existe a possibilidade do governo dar uma ajuda até eles se estruturarem, se modernizarem e passarem a ser competitivos também. Não podemos ver o país como consumidor apenas. Ele é também produtor e por isso temos que olhar o conjunto.

■ Auto-Sustentação:É o princípio do desenvolvimento do país (ou região) buscar os recursos em sí

próprio, não dependendo de fora para estimula-lo.No Brasil ainda se fala que o nosso desenvolvimento será muito estimulado pelo

comércio exterior, pela venda fora do Brasil. Mas já existe uma corrente que fala em estimular o mercado interno. Vamos criar uma situação que a gente produza e consuma, que o dínamo do crescimento econômico esteja no Brasil.

Quando a gente diz basear-se nos seus próprios recursos, não fica longe da própria Teoria Maoísta, que num determinado momento propôs para a China também basear-se nas suas próprias forças para desenvolver-se. Isso significaria um fechamento para o exterior? Não, mas significaria um novo diálogo em torno da transferência de tecnologia, que é fundamental para a economia ecológica, pois nem sempre nós importamos a tecnologia que precisamos mais e, somos levados a importar uma tecnologia que beneficie a quem a produz. Por exemplo, para nós era muito mais interessante, e importante, que nós importássemos uma tecnologia que nos assegurasse uma telefonia rural eficiente. Mas, nós importamos a telefonia celular que já estava pronta para um mercado consumidor elitista.

■ Consciência Ecológica:Essa consciência não significa pura e simplesmente uma consciência política, mas

uma consciência em que reside o próprio desenvolvimento e passa a ter uma importância no cálculo econômico. Por exemplo, nós nunca calculamos os danos ambientais na economia quando se faz um projeto, seja como governo (federal, estadual ou municipal), seja como empresa privada. Você prevê o que vai gastar, o que vai ganhar e seus cálculos econômicos param mais ou menos por aí. Lucros e investimentos - benefícios vistos - e não há uma avaliação no conjunto. Por exemplo, na Amazônia, na exploração de bauxita, um lago foi destruído e isso não foi

47

computado no cálculo econômico do projeto. Agora, o que é isso? Um buraco negro na economia? Tem uma existência? Na verdade, quando nós vamos ver, tem uma existência. Ninguém calculou os prejuízos que as empresas localizadas na Baía de Guanabara teriam que computar para a sua destruição. Elas não tiveram custo algum. Elas calcularam quanto iam gastar em matérias-primas, força de trabalho, fizeram seus produtos, recolheram seus lucros e hoje a humanidade no conjunto tem que colocar US$ 800 milhões para começar a reparar os estragos na Baía de Guanabara. Esse custo no planejamento anterior era um buraco negro. Então, onde entra este custo?

Essa é uma crítica que a visão de que a economia alternativa tem da economia convencional burguesa. Ela não calcula o desgaste do meio ambiente como perda a ser reparada, pois ela tem a perspectiva do produtor individual capitalista que pensa que o que for lucro, é lucro e, o que for prejuízo, a gente socializa. E, as vezes pode ser até pior. Na Baía de Guanabara o prejuízo foi social e para certos produtores foi lucro. Para certos pescadores, que dependiam da pesca, foi a ruína. Então, nenhum processo econômico pode sobreviver ou avançar se não for ecologicamente orientado.

■ Reformas Estruturais:Não adianta nada também orientar um processo econômico - ou outros princípios -

se você não faz mudanças estruturais na sociedade. No caso da sociedade brasileira, uma das coisas que mais salta aos olhos é a estrutura agrária completamente ultrapassada. Milhares de pessoas precisando de terras para plantar e algumas poucas retendo-a e mantendo-a improdutiva. Uma reforma agrária ecológica iria permitir um outro processo de produção, onde as famílias produziriam melhor, explorariam melhor a terra, que aumentasse a produção de alimentos e, iria permitir que, com habilidade, que essas comunidades se unissem e que tivessem uma prespectiva maior em relação à proteção das águas, das matas ciliares e uma série de medidas que poderiam garantir esse processo adiante.

■ Discussão:Sintetizando, estas perspectivas foram baseadas em cinco princípios e foi mais ou

menos o que aconteceu em termos de discussão nos Fóruns Econômicos Alternativos. Essa é uma visão de uma política econômica ecológica mais radical.

Existem outras visões reformistas, num sentido que elas não querem mudanças estruturais na sociedade. Elas querem que o capitalismo se desenvolva de uma maneira mais harmoniosa e menos prejudicial ao meio ambiente. Dentro dessa linha, existem várias indicações de como mudar as empresas para terem um comportamento mais ecológico. Já existem várias empresas se reformando e ensinando a outras grandes empresas a ganhar dinheiro com o meio ambiente. Seja ganhar dinheiro no sentido de racionalizar a produção, pois se examinarmos uma grande empresa, como elas gastam papel e utilizam energia, notamos que elas têm muita gordura, que elas podem trabalhar com uma perspectiva ecológica. Uma maneira de conviver com os problemas ambientais, de altera-los e continuar produzindo e enriquecendo. Seria um tipo de maquiagem verde, uma pseudo-reforma verde, que tem seus adeptos e que está se desenvolvendo. Por exemplo, o Conselho dos Empresários do Desenvolvimento Sustentável tem uma expressão internacional muito forte. A tese deles é que só o capitalismo pode salvar o meio ambiente e que através da visão liberal é que o meio ambiente será salvo, é uma perspectiva de defender o capitalismo.

48

8- O Desperdício em Nossa SociedadeO desperdício está associado ao domínio e a posse.Sem possuir, não poderíamos desperdiçar.

( Liliana L. Wahba )

Os alarmantes índices de desperdício no Brasil - em todos os seus tipos e formas - representa uma grave questão na já dramática situação sócio-econômica em que vivemos. Podemos dizer até, que é imoral.

Desde tempos imemoriais que o homem vive a contradição da fartura para poucos - incluindo aí o desperdício - e a miséria para muitos. Todas as religiões ou seitas da humanidade, de uma certa forma abordam o problema. Encontramos na tradição judaica um conceito que fundamenta a busca por uma melhor qualidade (seja do benefício ou da eficiência de algo). Tal conceito é a obrigação do Ishuv Olam - preocupar-nos com o assentamento do mundo. A idéia de assentamento do mundo como uma responsabilidade dos indivíduos baseia-se nas situações onde um não perde nada e o outro se beneficia. Poderíamos, portanto, equiparar a idéia de qualidade de produção à realização de quantas possíveis intervenções sejam capazes de beneficiar um setor, aspecto ou elemento sem prejudicar o outro.

A qualidade de produção é, por assim dizer, um voto de riqueza. É uma obrigação de todo indivíduo fazer com que a riqueza de uma parte, ou de um segmento se expanda para outras partes e segmentos de seu universo de abrangência. Qualquer indústria, ou outro meio de produção qualquer, estará desperdiçando em relação ao mundo exterior se, novamente, não possuir nenhum nível de comprometimento com a sua eficácia. Quanto mais fragmentado for um processo de produção, maiores serão seus níveis de desperdício. A integração permite que o esforço organizacional cumpra o seu papel de mais cedo ou mais tarde reduzir ou eliminar o desperdício.

A produção, a criação e a intervenção do ser humano na natureza são imperativos que moldaram a nossa civilização. Todas estas atividades propõem a construção de novas ordens através da transformação da natureza. Estão, na eventualidade do malogro do seu esforço, possibilitando também a sua destruição. Não é por acaso que o conceito de desperdício em hebraico bíblico seja definido como tashchit - destruição.

49

O desperdício é a falência da proposta civilizatória de que nos incumbimos. É, na verdade, um dos poucos referenciais seguros na aferição, ou eventual correção de curso de nossa proposta. O desperdício é o termômetro de nosso grau de construtividade55 ou de nossa destrutividade.

No que tange à questão do desperdício, a Bíblia nos surpreende e nos provoca. Surpreende porque sua perspectiva lança um olhar para muito além do desperdício material. Provoca porque coloca desafios e questionamentos a serem respondidos não apenas com belas proclamações e manifestações, mas com gestos concretos. A Bíblia nos convoca à coerência.

De fato, a Bíblia mostra que o desperdício é consequência da falta de planejamento, da usura e principalmente da acumulação em excesso. Mas, sobretudo, ela nos propõe uma luta contra o desperdício que não seja desligado de uma consciência histórica, de um respeito pela nação, pela cultura e pela cidadania. Finalmente, a Bíblia revela a insuspeitável fertilidade do resto, daquele material humano cujo valor desprezamos e às vezes até condenamos. Esse resto abandonado e esquecido - os marginalizados e excluídos da sociedade - são sem dúvida o nosso maior desperdício. Mas, para o Deus bíblico, são a aliança do povo e luz das nações (Is 42, 6); são a ovelha perdida (Lc 15, 4-7) que mesmo abandonando as outras noventa e nove ovelhas - bem comportadas - o pastor vai procurar, porque não quer perder, não quer desperdiçar56.

Como se manifesta o fenômeno do desperdício dentro do contexto econômico? E, em um contexto não-econômico? Qual a sua abrangência e incidência dentro do aspecto político? Qual a sua relação com o desenvolvimento cultural de uma nação?

As respostas à todas estas questões nos levarão a repensar as nossas relações com o mundo material que nos cerca e que a sociedade tanto valoriza.

Uma área óbvia de incidência do problema é representada pelas patologias políticas, com frequência associadas à incompetência na gestão pública. A aplicação de dinheiro público, pelos diferentes níveis governamentais, é não raro regulada por éticas de quadrilha. A compra de uma ampla série de bens, executada pelos poderes públicos - de obras de engenharia pesada a alimentos para a merenda escolar - é ditada mais por motivações enquadradas em todos os Códigos Penais do mundo, do que pela busca de um ajuste entre investimento e produção de bens públicos. É possível dizer, nesses casos e de forma cínica, que a evidência do desperdício - quando se vê, por exemplo, estradas abandonadas ou alimentos estragados em armazéns do Estado - é mera ilusão, já que o dinheiro empenhado na produção e circulação desses bens foi criteriosa e privadamente apropriado57.

Em 1993, o Governo do Brasil deverá desperdiçar pelo menos US$ 33 bilhões de um total de US$ 55 bilhões destinados pelo Orçamento da União aos chamados Programas Prioritários. Apenas 40% dos recursos liberados pelo governo chegam ao seu destino, é o que afirma o ex-ministro da fazenda Sr. Paulo Haddad. Vários estudos denunciam que a falta de planejamento e a corrupção são as principais causas desse desperdício58. Se o Brasil investisse por ano o equivalente a US$ 300 milhões no combate ao desperdício, o país poderia alcançar o ano 2000 com um PIB de US$ 900 bilhões, bem superior ao projetado para o próximo ano. Somos os campeões mundiais do desperdício, foi o que afirmou o Sr José Eduardo Andrade Vieira, ex-ministro da

55 BONDER, N. Melhor nada fazer do que transformar algo em nada. In: As Raízes do Desperdício. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Religião – ISER. 1993.56 CAVALCANTI, T. A Bíblia e o Desperdício. . In: As Raízes do Desperdício. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Religião – ISER. 1993.57 LESSA, R. Notas sobre o Desperdício e sua Ubiqüidade: uma perspectiva da ciência política. In: As Raízes do Desperdício. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Religião – ISER. 1993.58 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1993.

50

Indústria e Comércio à época59. A longa recessão e aguda inflação, recuo em várias áreas da economia, crescimento das atividades informais e um gigantesco contingente de pobres e miseráveis - cerca de 32 milhões de pessoas ou a população da Argentina - este é o atual quadro da realidade brasileira. E todos estes graves problemas poderiam ser minorados, talvez até resolvidos, se todos nós nos conscientizássemos da importância do combate ao desperdício.

Em maio de 1992, o Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas - Sebrae - fez uma pesquisa com 864 empresas que revelou:

■ 43% do lixo coletado tinham potêncial mínimo de poluição, 41% apresentavam baixo potêncial e somente 16% foram classificados entre médio e alto potêncial poluidor;

■ apesar de somente 30% dos entrevistados saberem do grande potêncial de reaproveitamento do lixo/resíduos gerados em suas empresas, apenas 20% realizavam esta operação;

■ cerca de 30% de todo o material usado na construção civil acaba virando lixo/entulho. No resto do mundo, este percentual fica em torno de 10%60.

O que se desperdiça em alimentos no Brasil, cerca de US$ 4 bilhões ao ano, é justamente o que daria para matar a fome de toda a população de deserdados. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Análises sócio-econômicas - IBASE - para combater a fome e a miséria seriam necessários estes mesmos US$ 4 bilhões anuais, que seriam aplicados na geração de 9 milhões de empregos, a US$ 100 cada. Assim, somente evitando o desperdício, combatemos o problema em duas frentes: vamos dispor dos alimentos e ao mesmo tempo, haverá a geração de renda61.

E é justamente na agricultura que vamos encontrar os maiores índices de desperdício, que acontece desde o plantio, colheita, transporte e comercialização. Os dados são aterradores: 25% a 30% dos grãos e 40% das frutas, legumes e verduras vão parar todos os anos no lixo62.

Dados recentes mostram que o desperdício também acontece no dia a dia da população, principalmente nas classes média e alta. Por exemplo, num restaurante/churrascaria há, em média, um desperdício de carne da ordem de 100 Kg num dia de Domingo. Esta carne, que a maior parte da população não tem acesso devido aos baixos salários, serviria para alimentar até 30 pessoas63.

A tabela I.7.1 relaciona as perdas na alimentares no Brasil, desde a produção até a sua comercialização final.

A busca desesperada por alimentos, não importa se estragados, movimenta mais de 20 mil pessoas por mês na Central de Abastecimento - Ceasa - de Recife. Mais de 96 toneladas de horti-frutigranjeiros, sem qualidade para serem vendidas, são recolhidas todo mês por catadores, em sua maioria mulheres e crianças. Os produtos em melhor estado são vendidos ou trocados por outros alimentos na vizinhança. Os piores, eles comem64, é o que contam as jornalistas Letícia Lins e Yvana Fechine.

59 Jornal Jornal do Brasil. Junho. 1993.60 Jornal A Tribuna da Imprensa. Setembro. 1992.61 Jornal Jornal do Brasil. Julho. 1993.62 Jornal Jornal do Brasil. Junho. 1993.63 Jornal Jornal do Brasil. Julho. 1993.64 Jornal O Globo. Novembro. 1994.

51

Produtos Perda Anual ( em milhões US$ )

grãos 985arroz 254trigo 41hortaliças 529frutas 509pecuária 200leite 500pesca 610queimadas 150Total 3.778

(fonte: Ministério da Agricultura, 1993)

Visando reduzir o desperdício de alimentos, está em estudo a criação do primeiro Banco de Alimentos. O sistema existe em 180 países do mundo e visa aproveitar a comida que é desperdiçada em supermercados, sendo enviada para entidades que ajudam entidades carentes. A idéia foi trazida ao país pelo sociólogo Herbert de Souza, idealizador da Ação da Cidadania, Contra a Fome e a Miséria e pelo empresário Oded Grajew, presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças.

O Banco de Alimentos vai funcionar recolhendo produtos que sobram nas prateleiras dos supermercados devido a problemas na embalagem ou por estarem com o prazo de validade vencidos. Esses alimentos serão enviados para laboratórios de análise que vão testar se eles ainda tem condições de consumo. Em caso positivo, estes alimentos serão distribuídos para os comitês que fazem parte da campanha contra a fome65.

O homem como não precisa lidar diretamente com a natureza - aí incluídos as áreas adjacentes às urbanas onde se dá o plantio de alimentos - para suprir as suas necessidades, acaba afastando-se dela, desconhecendo a maneira mais elementar de comportar-se no mundo em que vive. A tecnologia avançada vai aprimorando a possibilidade de manipulação distanciada e o ato de dominar transcende aquele do conviver. O consumo não necessariamente vem acompanhado do desperdício, mas abre as portas para ele. O desperdício começa e se instala quando se consome mais que o necessário e, a necessidade, nos dias atuais, não é mais só determinada pela estrutura biológica mas sim segue ideais e expectativas que irão dimensiona-la e direciona-la.

A sociedade atual perdeu a dimensão correta de suas necessidades e apresenta patologias crescentes, um desbalanceamento que se desenvolve sob a tensão de atritos internos e de objetivos díspares e conflitantes. Aterrorizado pelo temor de ser descartado pela Natureza, o homem ignora o seu ciclo e quer a todo custo domina-la. Finge que a despreza quando, no fundo a teme. E desafia os seus medos através de uma manipulação indiferenciada66, irresponsável e até certo ponto, criminosa.

65 EIGENHEER, E.M. (org.). Coleta Seletiva de Lixo: Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro, Centro de Informações sobre Resíduos Sólidos – Universidade Federal Fluminense (UFF)/ISER/GTM. 1993.66 WAHBA, L.L. A Sombra do Desperdício. In: As Raízes do Desperdício. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Religião – ISER. 1993.

52

9- Militarismo, Desarmamento & Meio Ambiente

Toda ação que compromete as condições ambientais de existência e trabalho das populações atenta contra direitos ambientais de indivíduos e coletividades.

( Henri Acselrad )

A humanidade acha-se diante do maior desafio do século. O nível e a velocidade da corrida armamentista certamente aumentam o perigo de uma guerra em escala global. A ocorrência de uma guerra nuclear ameaçaria a própria existência da humanidade. Nesta e nas próximas décadas os povos do mundo se verão em face de novos reptos tecnológicos, econômicos, sociais e ambientais, que ganharão em complexidade se a corrida armamentista continuar no mesmo ritmo. No contexto de um programa para deter e inverter essa corrida, é imperativo encontrar soluções também para os problemas que entravam o progresso tecnológico, econômico e social dos países em desenvolvimento do Terceiro Mundo. São precisos mais recursos financeiros, humanos e materiais para resolver os problemas referentes à matérias-primas, energia, produção de alimentos e proteção ambiental. Este é o desafio da década de 90 e das próximas, que necessitam de medidas urgentes, concretas e eficazes para o desarmamento em benefício da humanidade67.

Os fenômenos compreendidos pelos termos desarmamento e desenvolvimento são percebidos por todos em termos gerais, mas convém sermos um pouco mais específicos. Desarmamento é o processo de redução do tamanho das forças armadas e dos gastos com elas; a destruição ou desmonte de armas em serviço ou armazenadas; a eliminação paulatina da capacidade de produzir novas armas e, a baixa do pessoal militar e sua integração na vida civil68.

O processo interveniente deve caracterizar-se por reduções equilibradas que garantam a segurança de todas as nações e também permitir a verificação do cumprimento das reduções combinadas. Há no processo um lugar preciso para acordos de limitação que realmente impeçam o aumento quantitativo e o aperfeiçoamento qualitativo dos arsenais, pois tais acordos são de valor inestimável para incutir confiança, além de servirem como degraus para a redução total e completa,

67 M’BOW, A.M. Desenvolvimento e Desarmamento: o maior desafio do século. Revista O Correio da Unesco, ano 10, n05. Maio. 1982.68 M’BOW, A.M. Desenvolvimento e Desarmamento: o maior desafio do século. Revista O Correio da Unesco, ano 10, n05. Maio. 1982.

53

principalmente dos arsenais nucleares (mesmo que isto se apresente como uma utopia no presente e no futuro mais próximo).

Desenvolvimento, no sentido mais amplo, refere-se à mudanças econômicas e sociais na sociedade, que resultarão na melhoria para todos. Significa, proporcionar a cada um de nós as condições materiais necessárias a uma vida mais produtiva e digna69.O crescimento econômico, ou seja a expansão da produção, é requisito do desenvolvimento. Mas, o desenvolvimento não pode ficar limitado ao crescimento econômico. Desenvolvimento significa também que cada um deve ter a oportunidade de participar plenamente do processo econômico e social e se beneficiar dele. Porém, para que o esforço geral de desenvolvimento seja moral e politicamente defensável, ele deve empenhar-se na criação de um modelo de crescimento econômico que reduza significativamente num período razoável as atuais disparidades entre as nações no que se refere às condições de vida. O esforço de desenvolvimento deve também ser compatível com as disponibilidades de recursos de longo prazo e com as limitações ambientais, na medida em que a determinação de tais limites seja possível.

O militarismo sempre esteve associado a segurânça nacional. Porém, diante da mais clara percepção da piora do relacionamento do homem com a natureza e da crescente evidência da necessidade de ajuste, os governos inevitavelmente terão de redefinir o conceito tradicional de segurânça nacional. Os cuidados com a segurança da nação é sem dúvida tão antigo quanto a própria nação estado, embora somente depois da II Grande Guerra tenha adquirido um caráter predominantemente militar. Todavia, a preocupação com as ameaças militares por parte dos outros países tornou-se tão saliente nas deliberações sobre segurança nacional que outras ameaças têm sido ignoradas. O empobrecimento dos sistemas biológicos, a progressiva exaustão dos recursos de combustíveis fósseis e as tensões econômicas decorrentes da escassez de recursos representam ameaças que derivam menos das relações entre países do que da relação do homem com a natureza.

Há mais de três décadas, o ex-presidente dos EUA, Dwigth D. Eisenhower, advertiu que o problema na defesa é o quão longe pode-se caminhar sem destruir internamente o que você está tentando defender do que vem de fora 70. Entendida como um aviso contra a criação de complexo militar-industrial todo-poderoso, a afirmação é igualmente aplicada a um problema que o mundo está só ameaçando combater os efeitos do militarismo sobre o meio ambiente. O grande escritor de ficção-científica Isaac Asimov, quando perguntado sobre a questão de segurança nacional, das armas atômicas e, da possibilidade de uma guerra nuclear, respondeu que não se pode travar nem mesmo uma guerra convencional, pois se trata de um fenômeno que consumiria muita energia e, não a dispomos em quantidades suficientes para nos darmos ao luxo dessa extravagância. Precisamos de toda a energia que pudermos somente para nos mantermos-nos vivos, não sobrando nada para as guerras71.

As políticas militares empregadas pelas grandes potências mundiais levou as suas economias a investimentos de fazer inveja aos utópicos programas sociais da maioria dos países, mesmo os mais desenvolvidos. Os gastos militares já respondem por 6% da

69 M’BOW, A.M. Desenvolvimento e Desarmamento: o maior desafio do século. Revista O Correio da Unesco, ano 10, n05. Maio. 1982.

70 M’BOW, A.M. Desenvolvimento e Desarmamento: o maior desafio do século. Revista O Correio da Unesco, ano 10, n05. Maio. 1982.71 M’BOW, A.M. Desenvolvimento e Desarmamento: o maior desafio do século. Revista O Correio da Unesco, ano 10, n05. Maio. 1982.

54

produção econômica mundial, ou seja mais de US$ 110 por cada grupo de homem, mulher e criança no mundo. Os custos com armas e programas de desenvolvimento de novas armas excedem os orçamentos de saúde e educação juntos na maioria dos países do mundo, principalmente nos países envolvidos em disputas territoriais, étnicas ou religiosas. Se somarmos as forças regulares e para-militares, existem no mundo inteiro muito mais pessoas com uniformes militares do que professores (estes números são ainda muito mais impressionantes se comparados aos médicos).

O número de cientistas e engenheiros dedicados à pesquisa e desenvolvimento com fins militares é muito maior do que as comissões voltadas para resolver os principais problemas de saúde de tecnologias pacíficas. Na década de 70, este número situava-se em torno de 2.300 cientistas e engenheiros (cerca de 20% do total) e, se somarmos outros profissionais envolvidos, direta ou indiretamente (como técnicos de nível superior), este número chagaria a 400 mil pessoas. Na década de 80, este número teve um leve aumento nos primeiros anos e, posteriormente, estabilizou-se depois dos acordos internacionais de desarmamento.

O presidente do Comitê de Serviços Militares do Senado dos EUA, senador Sam Nunn fez uma ligação explícita entre o militarismo e o meio ambiente, propondo que os recursos tecnológicos do Departamento de Defesa fossem destinados à solução de problemas ecológicos. Longe de serem as salvadoras da biosfera, contudo, as forças armadas mundiais, sozinhas, são provavelmente o maior poluidor da Terra. As guerras modernas impõe uma devastação ambiental em grande escala, como demostraram os conflitos do Vietnã, Afeganistão e Golfo Pérsico. Em alguns casos, a alteração ambiental foi conscientemente empregada como arma de guerra: no Vietnã, os EUA usaram o Agente Laranja, desfolhante usado nas matas e florestas para desalojar os comunas ou vietcongs, que faziam guerrilhas e impunham pesadas baixas ao exército. Na Guerra do Golfo, os iraquianos atearam fogo aos poços de petróleo do Kwaite, criando uma poderosa e gigantesca cortina de fumaça para dificultar os ataques aéreos da aviação aliada.

Mas mesmo em tempos de paz as forças armadas contribuem para a sangria de recursos e degradação ambiental. A produção, os testes e a armazenagem de armas convencionais, químicas, biológicas e nucleares geram grandes quantidades de substâncias tóxicas e radioativas que contaminam o meio ambiente. Assim, depois dos recentes acordos de desarmamento, em 1991 e 1992 - os dejetos militares estão literalmente vindo à tona, mostrando os anos de negligência para com o meio ambiente nos complexos industrial -militar dos países desenvolvidos. O aumento da consciência ambiental tem sensibilizado cidadãos comuns para temas antes restritos apenas às Organizações Não-Governamentais - ONG’s - engajadas ao Movimento Pacifista, estão forçando os governos a encarar a realidade do problema e a prestar contas aos contribuintes. Mas, protegidos pelo manto da Segurança Nacional, as forças armadas e os fornecedores militares têm ignorado ou se eximido dos regulamentos e legislações ambientais sem falar, na retenção de dados e estatísticas verdadeiras e confiáveis sobre as agressões perpetradas ao meio ambiente. Apesar disso, os dados disponíveis nos permite traçar um quadro estarrecedor destes problemas, trazendo perspectivas sombrias para o futuro da humanidade se continuarmos a nos omitir frente a esta tão delicada e urgente questão.

As forças armadas modernas requerem vastas extensões de terra e de espaço aéreo, para treinamento, testes e armazenagem de armas e equipamentos militares, munições e contingente humano. A tabela I.8.1 mostra o fenomenal crescimento nas necessidades de espaço das forças armadas.

55

As estimativas globais do uso militar direto da terra fora de tempos de guerra foi estimado em 1981 em 1% do território total das 13 nações mais ricas do mundo dentre elas, o Brasil. Mas, acredita-se estar na faixa de 0,5 a 1% em todo o mundo - aproximadamente, 750 mil a 1,5 milhão de Km2. Ou seja, uma área correspondente ao tamanho da Indonésia e da Turquia, respectivamente. Num mundo dramaticamente escasso de terras produtivas, qualquer uso não produtivo e, ao mesmo tempo, destrutivo, parece uma inversão de prioridades e um crime contra a humanidade. E, as necessidades dos militares por novas áreas está aumentando, diminuindo as já escassas terras para a agricultura, manutenção de áreas virgens e selvagens, lazer e moradias. É irônico e absurdo que, em nome da defesa da integridade nacional contra ameaças externas, áreas cada vez maiores e de boa qualidade sejam destinadas as forças armadas, impedindo, de fato, o desenvolvimento da sociedade e o bem comum da população.

O treinamento de guerra deixa um enorme rastro de morte e destruição em seu caminho. As manobras da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na ex-Alemanha Ocidental, causaram US$ 100 milhões de prejuízos na agricultura, nas florestas e propriedades particulares no ano de 1989.

Eventos Área Necessária(Km2/10.000 soldados)

Tempos Antigos 1Guerras Napoleônicas - fim século XVIII, início XIX

20

I Guerra Mundial - 1914-1918 248II Guerra Mundial - 1939-1945 3.000Guerra do Yom Kippur - 1973 4.000Manobras da Otan na Alemanha Ocidental - 1978 55.000

(fonte: Environmental Conserveition, 1989)

Segundo o Sr. Michael Renner, pesquisador do Worldwatch Institute, com a sua violência coreografada, as forças armadas destroem grandes extensões de terras que se supõe elas devam proteger. Terras usadas para treinamento de guerra estão sujeitas a sofrer severa degradação. As manobras militares destroem a vegetação natural, perturbam o habitat da vida selvagem, erodem e compactam o solo, sedimentam os rios e causam inundações. Áreas de bombardeio transformam a terra num deserto lunar, deformado com enormes crateras. Áreas de tiro para tanques e artilharia contaminam o solo e as águas subterrâneas com chumbo - substância mutagênica ou cancerígena - e outros resíduos tóxicos. Alguns mísseis anti-tanques, por exemplo, contém bastões de urânio72 que contaminam com radioatividade o solo, as águas, as plantas e, podem chegar até as populações.

As forças aéreas tem um acesso muito mais amplo ao espaço aéreo do que tem à terra. Os vôos rasantes e supersônicos são o aspecto da aviação mais perigoso e prejudicial à saúde. Eles impõem uma carga psicológica crescente e pouco documentada sobre a saúde humana. Um avião em vôo rasante - mais ou menos, 750m acima do solo - produz ruídos de até 140 decibéis, quando os limites ideais à audição humana está em torno de 40 decibéis. Além do ruído, o susto provocado por um vôo rasante (o estrondo se estende por uma área de até 5.000 Km2) o corpo humano libera adrenalina, causando a elevação da pressão sanguínea e dos batimentos cardíacos, perturbações no estômago e intestino. O que a força aérea dos EUA chama de o som da liberdade é assustador para aqueles forçados a tolerá-lo, principalmente as crianças.72 BROWN, L.R. (org.). Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo. 1991.

56

Em tempos de paz, as forças armadas consomem uma quantidade de combustíveis e energia que poderiam suprir as necessidades de povos que enfrentam uma escassez sem precedentes na história da humanidade.

A tabela I.8.2 relaciona o consumo de combustíveis de alguns equipamentos militares usados em treinamento ou patrulha.

Um avião de combate F16 decolando para uma simples e rotineira missão de treinamento consome até 3.400 litros de combustível antes de retornar a sua base. Em menos de 1 hora, ele consumirá quase duas vezes mais gasolina que um motorista americano (maiores consumidores do planeta) durante 1 ano ou, quase 10 vezes mais que um motorista esbanjador do terceiro mundo no mesmo período.

E, o gasto de combustível de um tanque M1 - Abrams é tão voraz, que é melhor medi-lo em litros por quilômetros do que quilômetros por litro.

Aproximadamente ¼ do total de combustíveis gasto pela aviação americana, cerca de 42 milhões de toneladas por ano, é usado para propósitos militares. O Pentágono (Ministério da Defesa dos EUA) é o maior consumidor doméstico e isolado e, muito provavelmente, o maior de todo o mundo. Analisando de um outro ângulo, ele consome, em 12 meses, energia suficiente para mover todo o sistema de transporte de massa dos EUA por cerca de 14 anos.

Equipamento Distância ou Tempo de Operação

Consumo(litros)

Tanque M1- Abrams 1,0 Km 47Jato F15- máximo impulso 1,0 minuto 908Tanque M1- Abrams- Veloc. máx. 1,0 hora 1.113Caça Bombardeiro - F4 Phantom 1,0 hora 6.359Navio de Guerra - Couraçado 1,0 hora 10.810Bombardeiro B-52 1,0 hora 13.671Porta-aviões 1,0 hora 21.300Grupo de Aviões- Porta-aviões 1 dia 1.589.700Divisão Tanques - 38 1 dia 2.271.000

(fonte: Brown, L., 1991 e 1992)

Com estatísticas mais completas sobre o uso de energia nas atividades militares, seria possível esboçar o perfil da poluição do ar causada pelas forças armadas. Como os equipamentos militares são obviamente projetados para um desempenho superior de combate, não para eficiência energética, parece razoável admitir que a participação militar na poluição ultrapasse a sua participação na energia consumida. Qualquer avaliação precisaria olhar também para a poluição criada pela produção de armamentos, um esforço dificultado pelo fato das estatísticas de emissões industriais não distinguirem as fontes civis das militares.

De acordo com o Sr. Gunar Seitz, do movimento verde-pacifista alemão, as emissões resultantes das operações das forças armadas sozinhas representam pelo menos de 6 a 10% da poluição global do ar73. O Instituto de Pesquisa para uma Política de Paz, da Alemanha, estimou que de 10 a 30% de toda a degradação ambiental global se devem as atividades militares ou a ela associada.

A tabela I.8.3 relaciona o consumo de combustíveis e as emissões estimada de poluentes do ar da aviação militar dos EUA, ex-União Soviética, ex-Alemanha Ocidental e o resto do Mundo.

73 BROWN, L.R. (org.). Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo. 1991.

57

Pouco tem sido feito para definir a contribuição militar para a degradação da camada de ozônio e para o aquecimento global da Terra- Efeito Estufa, como mostra a tabela I.8.4.

O fato de o setor militar esconder muitos dados sobre as suas operações - sob o manto da segurança nacional - faz com que seja muito difícil esboçar um quadro realista do uso da energia e da poluição ligados às forças armadas. Enquanto a participação do setor militar pode não parecer significativo em comparação com outras atividades humanas, ela é contudo substâncial, dado que as operações militares não contribuem diretamente em nada para o bem-estar social e econômico da humanidade.

Países Consumo Emissões(milhares de toneladas)

Total(milhões oneladas)

Percentual(%)

CO NOX SO2

EUA 18,6 44,1 381 157 17,9ex-União Soviética 11,8 28,1 244 100 11,4ex-Alemanha Oc. 1,5 3,5 31 13 1,4Mundo 42,2 100,0 865 357 40,6

(fonte: Worldwatch Institute, junho, 1990)

No que diz respeito ao consumo de matérias-primas, as avaliações são mais realistas porém, não menos aterradoras. As tabelas I.8.5 e I.8.6 mostram o consumo total de minérios e ligas pela indústria militar e, o consumo por equipamento militar, respectivamente.

1- As atividades do Pentágono resultaram em emissões de Carbono da ordem de 46 milhões de toneladas. Estes números representam cerca de 3,5% do total de emissões dos EUA a partir da queima de combustíveis fósseis; 2- Somente os jatos militares dos EUA consomem 37 milhões de toneladas de combustíveis. Se estes números estão corretos, seriam gerados e liberados para a atmosfera cerca de 150 milhões de toneladas de Carbono, aproximadamente 3% do total produzido no mundo ou a mesma quantidade gerada pela Inglaterra;3- Se fossem incluídos aqui os números referentes à todo o complexo industrial-militar do mundo, estes números chegariam facilmente a 300 milhões de toneladas; 4- O uso de gases que destroem a Camada de Ozônio são cada vez mais usados pelos militares e estão de fora da Convenção de Montreal, que pretende que sejam banidos todos os gases à base de CFC's até 1995. O Pentágono usa o Halon - 1211 (76%) e o CFC-113 (50%) que são responsáveis por 13% da destruição da camada de Ozônio. Sem falar no uso de outras substâncias à base de CFC's de uso exclusivamente militar, e que não podem ser muito bem mensurados pela sociedade civil; 5- A queima dos combustíveis sólidos de foguetes e mísseis estratégicos libera o gás Cloreto de Hidrogênio, que prejudica a Camada de Ozônio. Os ônibus espaciais da Nasa também usam este tipo de combustível e liberam para a atmosfera superior cerca de 56 toneladas de cloro à cada lançamento.

(fonte: Worldwatch Institute, 1991)

Somente em 1987, os EUA e a ex-União Soviética possuíam 4.000 mísseis intercontinentais estratégicos. Sabe-se que países como Inglaterra, França, Alemanha Ocidental e alguns poucos países do Terceiro Mundo possuem este tipo de armamento. Então, se refizermos as contas, iremos observar que pelo menos 1.500 milhão de casas populares deixaram de ser construídas somente com o cimento usado para construção dos silos usados para guardar estes mísseis.

58

O número de latas, embalagens e outros bens de consumo que deixaram de ser fabricados representa um número tão grande que inundaria o planeta e, de certa forma resgataria a cidadania da maioria da população do Mundo que vive em condições sub-humanas.

Atualmente, 9% do consumo global de minério de ferro - 60 milhões de toneladas - são destinadas a propósitos militares. O uso de alumínio, cobre, níquel e platina nas máquinas de guerra ultrapassa toda a demanda do Terceiro Mundo por esses materiais.

Mineral Consumo( % )

Cobre 11,1Chumbo 8,1Alumínio 6,3Níquel 6,3Prata 6,0Zinco 6,0Ferro 5,1Mercúrio 4,5Cromo 3,9Tungstênio 3,6

(fonte: Westview Press, 1984)

As operações de mineração para extrair estes materiais impõem pressões ambientais significativas e, muitos materiais são altamente tóxicos. Na sua incessante busca de capacitação e prontidão, as forças armadas estão envenenando a terra, o ar, as águas e as pessoas que se supõe elas devam proteger. Estão destruindo ou inutilizando áreas produtivas, contaminando as águas usadas para consumo humano e irrigação das plantações, poluindo o ar que respiramos - nós e eles, os militares. Tendo durante décadas descarregado no solo uma sopa letal de materiais perigosos, as bases militares se tornaram uma bomba relógio para a saúde, detonando em câmara lenta.

Consumo ( toneladas )

Tipo de Armamento Produção de Bens( quantidade )

Aço - 4.450 míssil intercontinental - 1 9 milhões latas - alimentosCimento - 1.200 " 250-500 casas populares padrão

Alumínio - 50 " 3 milhões latas refrigerantesCromo - 12,5 " -Titânio - 0,75 " -

(fonte: Worldwatch Institute, 1991)

As forças armadas são muito provavelmente os maiores produtores de resíduos perigosos dos EUA e do mundo. Em anos recentes (1988-1990) o Pentágono gerou entre 400.000 e 500.000 toneladas por ano de resíduos tóxicos, mais do que as 5 maiores empresas químicas dos EUA juntas. Os seus fornecedores produziram mais dezenas, se não centenas de milhares de toneladas de substâncias tóxicas.

O conhecimento dos efeitos dessas substâncias sobre a saúde permanece limitado, mas suspeita-se que a exposição humana por meio da água de beber, do consumo de alimentos, da absorção direta pela pele ou da inalação pode causar câncer, defeitos congênitos e alterações no patrimônio genético. Podem, ainda, danificar seriamente as funções do fígado, dos rins, do sangue e do sistema nervoso de uma pessoa.

A questão da poluição e da degradação ligadas ao setor militar serviu para unificar dois grandes movimentos ativistas mundiais: os verdes e os pacifistas. Nos EUA, a

59

Campanha Nacional contra os Resíduos Tóxicos e Centro de Informações do Cidadão sobre Resíduos Perigosos estão ajudando a sociedade a enfrentar a poluição dos complexos militares nas áreas onde eles estão instalados. Técnicos ambientais advogados e juristas e outros profissionais estão promovendo discussões para propor mudanças na legislação para tornar as instalações militares sujeitas às mesmas exigências e penalidades ambientais que atingem as indústrias não-militares. A criação de um Fundo de Segurança Ambiental é uma exigência e uma necessidade para arrecadar verbas para investigação, pesquisa e limpeza das áreas contaminadas por instalações militares ou afins.

Na Alemanha unificada, os cidadãos violentados pelo strees contínuo causado pelos vôos rasantes das aeronaves de combate, exigiram um fim dessa prática e pesadas indenizações por problemas de saúde decorrentes desta prática. A contaminação do solo, águas e ar pelos militares que ocupavam bases no seu território (EUA, ex-União Soviética, França e Inglaterra) também está se tornando uma questão quente, que já está sendo encaminhada para Tribunais Internacionais.

Esses exemplos mostram que a forte pressão pública pode ter sucesso em mudar a atitude militar em relação ao meio ambiente. Mas para serem mais efetivos nessa luta, os movimentos populares de base precisam de ferramentas adequadas. Uma é a legislação que garante o direito de saber como ela está sendo aplicada à poluição das companhias dos EUA na esfera civil. Rompendo a cortina nacional de segurança, tal legislação poderia exigir não somente das agências de defesa, mas também dos fornecedores militares que preparassem relatórios detalhados sobre os impactos nas áreas de testes de armas, em áreas de manobras, das substâncias químicas usadas no fabrico dessas armas, seus resíduos decorrentes da produção e os danos ambientais e a saúde decorrentes da sua exposição à elas, que seriam de domínio público. Avaliações de impacto ambiental para quaisquer projetos militares futuros, já exigidos para as forças armadas dos EUA e Canadá, são um importante caminho para identificar impactos potencialmente adversos antes que eles se tornem realidade.

A incompatibilidade fundamental entre o setor militar e o meio ambiente fica claro num recente depoimento público prestado no estado da Virgínia - EUA, pelo comandante de uma base militar nos EUA: Nosso negócio é proteger a nação, não o meio ambiente74.

Um mundo que quer fazer as pazes com o meio ambiente não pode continuar a entrar em guerras, ou a sacrificar a saúde humana e os ecossistemas da Terra. A qualidade ambiental reúne uma longa lista de sólidas razões para se estimular o desarmamento. Espoliar e enfraquecer o planeta e seus sistemas naturais de suporte de vida é um preço muito alto pela liberdade e pela soberania nacional.

74 BROWN, L.R. (org.). Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo. 1991.60

CAPÍTULO II

Os Principais Tipos de Resíduos

1- Resíduos Domiciliares / Urbanos

61

Não, não haverá para os ecossistemas aniquilados dia seguinte.O ranúnculo da esperança não brota no dia seguinte.A vida harmoniosa não se restaura no dia seguinte.O vazio da noite, o vazio de tudo será o dia seguinte. (Carlos Drumond de Andrade)

Corresponde à maior parte do lixo produzido nas cidades. É composto pelos resíduos proveniente das residências, estabelecimentos comerciais e industriais, além dos resíduos resultantes da varrição das ruas e poda das árvores. Em geral, varia conforme a cidade, o clima, os hábitos e o padrão de vida da população. Quanto mais alto o poder aquisitivo, maiores são as quantidades de papéis, plásticos, vidros e metais.

Ao contrário, nas sociedades mais pobres são observados um grande desperdício de alimentos e restos de comida, apesar de encontrarmos, também, uma grande quantidade de resíduos inorgânicos recicláveis. A tabela II.1.1 apresenta a composição do lixo urbano de algumas cidades:

Cidades / Resíduos

RJ. SP. Manaus St. Louis( EUA )

Hong Kong

Medellim

matéria org. 34,4 37,8 51,2 22 29 56papéis 27,1 29,6 29 38 32 22metais ferros. 2,8 5,4 6,8 8 2 2trapos/couros 2,7 2,2 3,5 2 10 4plásticos 12,5 9 2,8 15 6 5vidros 2 5,6 1,7 4 10 2madeira 1,1 1 1,5 1 - -outros 17,4 9,4 3,5 10 11 9

(Fontes: Comlurb/Rio, 1992; Lima, L. M. Q., 1988 E Banco Mundial,1990)

Em 1927, o lixo na cidade de São Paulo era composto por 82,5% de matéria orgânica e estava isento de materiais plásticos. O que se observa atualmente na tabela é uma diminuição da quantidade de matéria orgânica e um aumento dos resíduos inorgânicos, inclusive de plásticos que hoje perfazem cerca de 9% em peso. Este aumento do plástico pode ser explicado pela substituição de materiais tradicionais como papel, vidro e metais pelos produtos plásticos derivados do petróleo, que invadiram as nossas vidas a partir da década de 60 e 70.

O lixo brasileiro, segundo o BNDES, chega a 41 mil toneladas/dia ou 14,8 milhões de toneladas/ano se contabilizarmos apenas as grandes cidades e, como em todos os países do mundo é mais ou menos aproveitado na produção de industrializados. Em 1987, o BNDES estudava a implantação de um programa de US$ 100 milhões para construção de Usinas de Reciclagem em 180 cidades. A partir da instalação das usinas, previu-se que elas seriam responsáveis pelo aproveitamento de 76% do plástico, 54,8% do papel e papelão, 37,8% dos vidros e 2,5% dos metais, que substituiriam as matérias-primas virgens utilizadas para a produção nas indústrias.

A possibilidade de transformar os atuais 25 mil catadores dos lixões em cooperativados controladores das usinas é, a primeira vista, o aspecto mais positivo do programa. Esses trabalhadores, sem o contato direto com o lixo, como ocorre atualmente, passariam a operar em ambiente de total salubridade e teriam os seus

62

familiares longe dos lixões. Este programa além de criar novos empregos, gerar impostos e novos mercados, resgataria a cidadania de uma população que tem sido marginalizada, estigmatizada e abandonada pelos governos municipal, estadual e federal.

Os catadores de lixo estão provando - nas ruas das mais movimentadas capitais brasileiras - que são elementos fundamentais para a otimização da coleta seletiva, agilizando o escoamento dos materiais e proporcionando aos municípios maior economia com transporte - ítem que mais pesa no custo dos programas de reciclagem. Esta força de trabalho, ainda pouco valorizada pelas administrações, representa na verdade, uma via de mão dupla: além de ajudarem a racionalizar a coleta seletiva, unindo esforços para torna-la economicamente viável, os catadores - que agora começam a se organizar em cooperativas e sindicatos - podem obter bons rendimentos com a venda dos materiais recicláveis, principalmente papéis e alumínio.

Em Santos - SP, a operação de coleta dos catadores recolhe cerca de 50 toneladas por dia de material reciclável. Em Recife - PE - a Associação Pernambucana de Defesa da Natureza - ASPAN - apoiada pela Fundação McArthur, dos EUA, iniciou um projeto piloto de organização dos 1.500 catadores de rua da cidade, que recolhem 120 toneladas de recicláveis por dia. Já em Fortaleza - CE - os catadores se reúnem periódicamente em igrejas para discutir sua participação na nova usina de reciclagem que a prefeitura está construindo, com a intenção de absorver como mão-de-obra as pessoas que vivem da catação na cidade - cerca de mil pessoas sendo que, 600 atuam no lixão de Jangurussu.

No Rio de Janeiro, um estudo recém concluído pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana - Comlurb - com os catadores do lixão de Gramacho, em Duque de Caxias, revela em pequena escala uma realidade provavelmente comum aos que vivem da catação do lixo em outros pontos da cidade: 63% das cerca de 600 pessoas - com um contingente familiar de 2.871 indivíduos - e que atuam no lixão de Gramacho não querem deixar a atividade - cujo rendimento mensal varia de 2 a 3,5 salários mínimos. Cada um deles cata uma média diária de 270 Kg de lixo - plásticos 28%, papel/papelão/jornal 26%, alumínio 24% e latas de aço 12% - entre as 4 mil toneladas despejadas no local diariamente75.

A primeira cooperativa de catadores de lixo foi fundada em 1985, na cidade de São Paulo. A Associação dos Catadores de Papel tem como objetivos organizar os catadores de lixo - cerca de 10 mil - para tentar driblar as muitas irregularidades de que são vítimas os catadores, sobretudo no que diz respeito ao preço pressionado para baixo. Na maioria das vezes eles estão nas mãos de aparistas e sucateiros, a quem vendiam o material coletado à preços muito baixos. Passamos por quatro ou cinco intermediários antes do lixo chegar à indústria, afirma José Amado Teodoro, tesoureiro da Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis - COOPAMARE. A luta para atrair novos cooperativados baseia-se no pagamento justo pelo lixo coletado. Os catadores e a cooperativa procuram conscientizar as pessoas a respeito do seu trabalho. O catador é quase um técnico nessa função. Nós temos um trabalho importante para o bem estar social. Recolher o lixo significa trazer vantagens para a sociedade porque, se separamos e vendemos o material reaproveitável a indústria ganha, comprando matéria-prima mais barata e a sociedade também ganha, já que a Prefeitura economiza pagando menos pela menor quantidade de lixo coletada76, afirma José Amado. Já há catadores organizados em Santos, Belo Horizonte, Baurú e Marília.

75 CEMPRE Informa, n010. Janeiro/Fevereiro. 1994.76 CEMPRE Informa, n010. Janeiro/Fevereiro. 1994.

63

O trabalho prévio de coleta de lixo é feito pelos catadores, que retiram o que é reaproveitável, deixando .para as empresas coletoras o restante do lixo, diminuindo de sobremaneira o volume total. O trabalho do catador é um garimpo. Joga-se fora de tudo: relógios, rádios, eletrodomésticos, livros, jornais, revistas, móveis e toda a sorte de objetos77, segundo José Amado, que deixou um emprego de balconista de 11 anos, para ser catador profissional.

Toda a infra-estrutura, ainda pequena, que os catadores de lixo conseguiram, veio de doações: o Corpo Municipal de Voluntários - CMV - doou 50 uniformes; do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES - a entidade recebeu uma prensa, um triturador de papel, uma empilhadeira e um caminhão pequeno; a Prefeitura cedeu espaço embaixo do viaduto Eduardo Sayad, na rua Loefgreen, em Vila Mariana e, o espaço da sede foi cedido pela Organização Auxílio Fraterno - OAF78.

A cidade do Rio de Janeiro já tem seis cooperativas de catadores em pleno funcionamento, reunindo 1,3 mil pessoas nos bairros da Usina, Vargem Pequena, Barra da Tijuca, Copacabana, Centro, Leblon e Gávea. Outras 11, constituídas informalmente, estarão em operação até o final de 1995. Este programa de criação de cooperativas, desenvolvido pela Comlurb, tem como objetivo a maior contribuição desse segmento de trabalhadores no processo de coleta seletiva de lixo na fonte. Atualmente, os catadores separam cerca de 1,8 mil toneladas/mês de resíduos recicláveis e obtêm uma renda mensal entre R$ 500 e R$ 700, dependendo da área de atuação de cada um deles79.

O impacto da catação de material reciclável na rua, sintoma da grave crise econômica que atravessamos, já evidenciou-se na composição do lixo coletado no Rio de Janeiro. Os catadores de rua estão desviando uma proporção cada vez maior de papel do lixo antes que ele seja coletado. Esta é uma das conclusões de um amplo levantamento sobre a composição do lixo urbano, realizado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio - Comlurb - a partir de amostras de resíduos coletadas em 14 bairros de diferentes classes sócio-econômicas.

Enquanto em 1981 os papéis representavam 42% dos resíduos sólidos da cidade, em 1993 este material passou a ocupar somente 24% do total do lixo coletado pela Comlurb, número que espelha a atuação de catadores de rua. Os números refletem a recessão econômica, que resulta no consumo de menor número de embalagens e o crescimento da catação de materiais recicláveis existentes no lixo, principalmente papéis, como fonte alternativa de renda80, analisa Paulo Carvalho Filho, presidente da Comlurb. Em sua avaliação, conhecer a composição do lixo é fundamental para quem deseja promover a coleta seletiva ou investir em usinas de reciclagem81.

Com relação aos plásticos, o comportamento foi inverso: passou de 7% em 1981 para 14% em 1993, devido ao crescimento do uso de garrafas e sacolas plásticas. Os plásticos e papéis juntos correspondiam a 48% do lixo há 12 anos, enquanto em 1993 não passavam de 39%. O estudo comparou o lixo produzido por bairros de baixa renda com o lixo gerado pelos mais ricos, resultando em números que mostram claramente as diferenças de padrão de consumo na cidade do Rio de Janeiro. Na Barra da Tijuca - bairro de classe média-alta - os plásticos e papéis representam 42% do lixo. Já na favela da Rocinha, o volume cai para 31%.

77 CEMPRE Informa, n010. Janeiro/Fevereiro. 1994.78 Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (Especial). Maio. 1994.79 CEMPRE Informa. n024. Agosto. 1995.80 CEMPRE Informa. n024. Agosto. 1995.81 CEMPRE Informa. n024. Agosto. 1995.

64

Os dados sobre o vidro tornam as diferenças ainda mais evidentes: na Avenida Vieira Souto - uma das áreas mais ricas e valorizadas da cidade - 8,2% do lixo é composto por vidro. No Condomínio Novo Leblom - bairro de classe média na Barra da Tijuca - a presença de vidros cai para pouco menos de 6%. Na favela da Rocinha, não passa de 2,2%.

O levantamento constata que a proporção de matéria orgânica é mais alta nos bairros mais pobres. Como a maior parte da matéria orgânica é composta por restos de alimentos, podemos concluir que os pobres desperdiçam mais comida que os ricos. Eles não tem acesso aos meios adequados para conservação de alimentos e compram produtos mais baratos, que muitas vezes não tem embalagens apropriadas e estragam com maior rapidez, observa o Sr. Paulo de Carvalho Filho82.

Uma pesquisa de opinião pública, realizada na cidade do Rio de Janeiro, revelou que os próprios habitantes se consideram os responsáveis pela sujeira e pelo lixo espalhado pela cidade. O dado mais interessante da pesquisa foram as soluções apresentadas:

■ punição através de multas - 64,1%;■ trabalho comunitário de limpeza da área suja - 24,2%;■ aulas - 27%;■ processo civil e prisão aos infratores - 1,6%.

A maioria dos entrevistados - 69,3% - consideram a cidade suja porém, os serviços da Companhia Municipal de Limpeza Urbana, Comlurb, foram considerados bons por 43,7% e regulares por 39,7% dos entrevistados. Um resultado interessante e, até surpreendente foi a resposta de 65,7% das pessoas que disseram que separariam o seu lixo em casa para favorecer a reciclagem. Somente 27% das pessoas disseram que não separariam o seu lixo em casa, demostrando a enorme potencialidade de se implantar um sistema de coleta seletiva83.

2- Doméstico PerigosoO Universo deixa de ser visto como uma máquina, composta de uma infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas.

(Fritjof Cappra)

82 CEMPRE Informa n012. Abril. 1994.83 Jornal O Globo. Junho. 1991.

65

O lixo doméstico perigoso pode ser definido como qualquer material descartado pelas donas de casa que são potencialmente capazes de colocar a saúde humana e o meio ambiente em risco devido à sua natureza química ou biológica84.O lixo doméstico perigoso é muito difícil de ser avaliado, já que ele é gerado em quantidade muito pequena mas num número muito grande de locações.

Somado a este fato, deve-se ressaltar também que ele não tem uma regulamentação específica como o lixo perigoso de origem industrial, uma vez que eles produzem impactos muito pequenos isoladamente.

As donas de casa manipulam uma surpreendente variedade de substâncias químicas perigosas todos os dias em suas residências: produtos de limpeza, tintas e solventes e, diversos produtos de jardinagem. Muitos deles são inflamáveis, corrosivos, oxidantes ou tóxicos. Outros produtos, como baterias, pilhas e lâmpadas fluorescentes contém metais pesados, que são muito perigosos para a saúde pública.

Os impactos sobre o meio ambiente dos resíduos domésticos perigosos são muito difíceis de serem avaliados. Os processamentos industriais geram grandes quantidades de resíduos segundo várias categorias de risco enquanto os produtos ditos domésticos encerram usualmente uma diluição significativa destas mesmas matérias-primas. Um estudo na cidade de Boston, Massachusetts, USA, indicou que cerca de 4% do volume de resíduos perigosos nos cursos d’água tem procedência doméstica - uma pequena porém significante contribuição. Estimativas de muitos países sugerem que os resíduos domésticos perigosos perfazem, aproximadamente, 1% de todo o lixo municipal - novamente, uma pequena contribuição de algumas toneladas de resíduos perigosos. Por exemplo, certos materiais representam um potencial de perigo muito grande: na Inglaterra, são dispostos cerca de 33.000 toneladas/ano de óleo de motor por motoristas particulares e taxistas.

Atualmente, os resíduos domésticos perigosos são dispostos conjuntamente com os outros resíduos urbanos, em aterros sanitários ou são incinerados. Isto pode acarretar sérios problemas de poluição do ar, do solo ou das águas. À medida que proliferam os programas de redução da geração de resíduos, a coleta seletiva e a reciclagem, outros programas de disposição mais racional destes resíduos terão de ser desenvolvidos no sentido de resolver este problema. As medidas usadas até agora incluem:

■ Aterramento sanitário: os resíduos domésticos perigosos contribuem para a lixiviação de substâncias que causam séria poluição no solo e na água. Estes sítios também estão associados à poluição do ar por solventes.

■ Incineração: a maior parte dos resíduos domésticos perigosos são incinerados juntamente com os outros resíduos coletados no município. Porém, já existe um consenso que estes incinerados não são adequados para a queima destes produtos. Certos pesticidas por exemplo, requerem longos períodos em temperaturas mais altas - do que normalmente os incinerados são operados - para poderem destruir ou prevenir a formação de subprodutos tóxicos. Outros materiais como baterias, pilhas e lâmpadas fluorescentes que contém metais pesados requerem que as cinzas provenientes desta queima sejam tratadas como resíduos perigosos.

84 Hazardous Household Waste. Warmer Factsheet. 1992.66

■ Estações de tratamento de água e esgotos: os resíduos perigosos lançados diretamente nos sistemas de águas e esgotos residênciais são carreados até as estações de tratamento do município. Os processos biológicos ou químicos usados no tratamento destas águas porém são aqueles adequados para limpar e neutralizar a ação tóxica destes produtos químicos. Inclusive, diversos metais pesados e pesticidas ficam retidos no lodo ou lama que se formam nestas estações - mais um problema, pois este material irá necessitar de disposição adequada como resíduo perigoso. Assim, podemos perceber que quase invariavelmente o destino destes resíduos acaba sendo os rios e, daí para os mares.

■ Reciclagem e compostagem: o manejo destes resíduos são particularmente importantes em se tratando de reciclagem. Diversos resíduos perigosos podem causar injúrias à quem os manuseia e/ou contaminar os recicláveis e produzir danos aos equipamentos usados em seu processamento. A correta separação dos resíduos orgânicos é essencial para uma compostagem livre daqueles resíduos contaminantes.

Existem vários outros incentivos para se proceder a separação dos resíduos domésticos perigosos: a segurança é um deles e, o mais importante. A estocagem e a disposição inadequada destes resíduos são responsáveis por uma grande percentagem de acidentes à crianças, idosos e catadores de lixo. Os principais tipos de resíduos perigosos domésticos podem ser resumidos na tabela II.2.1.

Estudos nos EUA estimaram que uma dona de casa produz em torno de 10 Kg/ano de resíduo doméstico perigoso. As quantidades aumentam ou diminuem de acordo com o grau de educação da comunidade e da eficiência dos programas de coleta da municipalidade. Segundo um relatório publicado na Inglaterra, foram encontrados com uma dona de casa inglesa 17 tipos de produtos de pintura, muitos deles com mais de 25 anos. Este relatório mostrou que muitas pessoas retêm resíduos domésticos perigosos por não saberem como se desfazer dele - uma ótima razão para se oferecer este tipo de serviço.

tintas e afins produtos de jardim

produtos para a

utomóveis

Produtos de limpeza

remédios outros ítens

vernizes tintas solventes óleos para

conservação de madeiras

colas

Pesticidas herbicidas fungicidas repelentes fertilizantes

óleos de motor

óleos de freios

óleos de transmissão

ceras vernizes

detergentes desinfetante

s branqueado- res de

roupas desodorizad

ores

remédios vencidos

produtos de beleza

produtos de piscina

lâmpadas flurescentes

pilhas e baterias

(fonte: Hazardous Household Waste, Warmer Factsheet, 1992)

Uma grande variedade de programas de coleta ou entrega voluntária destes resíduos estão sendo testadas em diferentes partes do mundo. Estes programas se baseiam:

■ nas empresas que compram certos produtos - como óleo de motor, tintas, sucatas ferrosas ou não e entulho.

■ em locais públicos, religiosos, museus, aterros sanitários, etc durante o seu horário normal de funcionamento. Nestes locais podem ser promovidos eventos para educar e conscientizar o público, já que eles já podem dispor dos coletores para os recicláveis.

■ através de veículos especialmente adaptados para coleta regular - semanal, mensal ou mais frequentemente para determinada locação.

67

Em Seattle, nos EUA, as coletas são feitas por um trailer móvel - composto de laboratório, oficina e posto médico - que visita vários pontos diferentes e permanecendo lá até duas semanas ao longo do ano.

A coleta dos resíduos domésticos perigosos mostra que uma grande quantidade deles pode ser usada, re-usada e o que realmente não pode ser mais aproveitada pode ser enviado para um aterro sanitário. Em Seattle, 59% destes resíduos tiveram uso benéfico direto, 33% foram enviados para aterramento sanitário seguro e 4% foi incinerado. Estudos similares realizados no Canadá mostraram que até 68% destes resíduos podem ser reaproveitados. Os custos com a coleta varia, de acordo com o programa empregado, US$ 10 a US$ 150 por habitante85.

3- Resíduos HospitalaresA mutação técnica, em diversos graus,afeta a totalidade do mundo habitado.

( Georges Gusdorf )

Os resíduos hospitalares são menos ou tão contaminantes quanto os resíduos gerados em nossas residências e na maioria dos nossos estabelecimentos comerciais e, até hoje não houve qualquer comprovação técnica que tenha havido infecções

85 Hazardous Household Waste. Warmer Factsheet. 1992.

68

transmitidas à funcionários que os manipulam, seja nas unidades hospitalares ou nos depósitos municipais de lixo.

O principal risco de infecções estão nos resíduos cortantes ou perfurantes. Mesmo no lixo residêncial ou comercial encontramos estes resíduos que, se forem devidamente acondicionados e separados tornam os riscos de infecções uma possibilidade bastante remota.

Assim, o maior problema do lixo gerado nas unidades hospitalares é o mesmo daquele gerado em toda a nossa sociedade: o Desperdício86.

O Medical Waste Tracking Act87, editado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA em 1988, define os tipos de resíduos hospitalares e recomendações sobre sua destinação final:

■ Hospitalar:Composto pelos resíduos administrativos e alimentares. Recomenda-se seu correto

acondicionamento em sacos plásticos vedados e seu encaminhamento para aterros sanitários ou incineradores;

■ Infecciosos:Qualquer resíduo potencialmente capaz de causar doença infecciosa. É composto

pelos restos dos Laboratórios de Microbiologia e Patologia (banco de sangue e outros líquidos corporais, peças anatômicas e carcaças de animais) e, todos os resíduos cortantes e perfurantes. Estes resíduos devem ser encaminhados para aterros sanitários ou para incineradores;

■ Médicos:Qualquer resíduo decorrente do diagnóstico e do tratamento. Deve ter a mesma

destinação dos resíduos hospitalares e infecciosos.

Nos EUA e na Europa, a incineração e os aterros sanitários são os métodos mais usados para destinação final do lixo nas unidades hospitalares. A própria Organização Mundial de Saúde - OMS - recomenda a incineração como sendo o método mais eficiente para eliminação dos resíduos hospitalares, principalmente sólidos e semi-sólidos. Estes equipamentos devem estar instalados na própria unidade hospitalar e devem estar adaptados para recuperação da energia proveniente da queima dos mesmos.

No Brasil, a Portaria Nº 053/79, do antigo Ministério do Interior, determinava que todas as unidades hospitalares - assim como os portos e aeroportos - tivessem incineradores ou queimassem os seus resíduos. O lixo hospitalar não justifica a incineração88, opina o Sr. Cícero Bley Jr., consultor de meio ambiente. Em 1991, a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA - desobrigava a rede Hospitalar de incinerar os seus resíduos, já que na maioria dos casos era mais uma das muitas leis no Brasil que não era cumprida.

A Fundação de Engenharia e Meio Ambiente - Feema - em 1988 elaborou a Diretriz de Nº 1.317 que define os procedimentos a serem adotados nas etapas de manuseio, acondicionamento, armazenamento, transporte e destinação final do lixo hospitalar. Dados da própria Feema, de 1989, revelavam que 75% das 2.000 unidades hospitalares no Rio de Janeiro utilizavam os vazadouros públicos para dispor seus

86 Centro de Informações sobre Resíduos Sólidos – Universidade Federal Fluminense (UFF)/Instituto de Estudos da Religião (ISER).87 ZANON, U. Riscos infecciosos imputados ao lixo hospitalar: realidade epidemiológica ou ficção sanitária. Revista Soc. Med. Trop., n023(3): 163-170. 1990.88 Destino final do lixo hospitalar é tema de discussão nacional. Revista FEEMA, n06: 19-22. Julho/Agosto. 1992.

69

resíduos, 33% os incineravam, 2% mantinham vazadouro próprio e 10% não declararam o destino dos seus resíduos.

No Rio de Janeiro, existem duas propostas para disposição final do lixo hospitalar: a construção de um único incinerador para queima de todos os resíduos das unidades hospitalares e, a construção pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana - Comlurb - de uma unidade de tratamento de lixo hospitalar na Usina de Reciclagem do Cajú. Segundo o ex-presidente da Comlurb, Ivan Lagrotta, o funcionamento da unidade de tratamento de lixo hospitalar da Usina do Cajú teria capacidade de tratar 80 t/dia de lixo hospitalar, recolhido nas Zonas Centro e Norte da cidade. Projetamos, ainda a construção de mais duas usinas do gênero, em Bangú e em Santa Cruz, com capacidade de tratar 30 t/dia e 10 t/dia, respectivamente. Juntas, as 3 usinas terão capacidade para tratar 120 t/dia, bem mais do que as 90 t/dia produzidas em nosso município89.

Na cidade de São Paulo, há 12 anos que todo lixo hospitalar é levado para os dois incineradores, que também servem a municípios vizinhos90.

Em 31 de agosto de 1993 foi publicado no Diário Oficial da União (ano CXXXI - no. 166), a Resolução Nº 5, do CONAMA, de 05/VIII/93, que dispõe sobre o correto gerenciamento dos resíduos sólidos de portos, aeroportos, terminais rodo-ferroviários e estabelecimentos prestadores de serviços de saúde em todo o país. As principais normas e recomendações contidas neste documento são91:

1- A definição de resíduos sólidos, no artigo I, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT - como resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades da comunidade de origem: industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição; 2- Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos que aponta e descreve as ações relativas ao manejo de resíduos sólidos, no âmbito dos estabelecimentos mencionados no art. I desta Resolução, contemplando os aspectos referentes à geração, segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte e disposição final, bem como a proteção à saúde pública;

3- Sistema de Tratamento e Disposição Final dos Resíduos Sólidos conjunto de unidades, processos e procedimentos que alteram as características físicas, químicas e biológicas, e conduzem à minimização dos riscos à saúde pública e a qualidade do meio ambiente;

4- Incentivo a Reciclagem na elaboração do Plano de Gerênciamento dos Resíduos Sólidos, devem ser considerados princípios que conduzam à reciclagem;

5- Obrigatoriedade da Presença de um Profissional Competente "os estabelecimentos listados no art. 2, terão um técnico, devidamente registrado em conselho profissional, para o correto gerênciamento dos resíduos sólidos gerados em decorrência de suas atividades;

6- Acondicionamento e Transporte Adequado serão acondicionados em sacos plásticos com a simbologia adequada, para os resíduos infectantes; outros cortantes ou perfurantes estes serão acondicionados préviamente em recipiente rígido, estanque, vedado e identificado pela simbologia de substância infectante; o transporte será feito em veículos apropriados, compatíveis com as características dos resíduos, atendendo às condicionantes de proteção ao meio ambiente e à saúde pública.

7- Classificação dos Resíduos Sólidos:

89 Destino final do lixo hospitalar é tema de discussão nacional. Revista FEEMA, n06: 19-22. Julho/Agosto. 1992.90 MARINI, P. Lixo: uma montanha de problemas. D.M. Março. 1992.91 Diário Oficial da União. Ano CXXXI, n0166. 05 de Agosto. 1993.

70

GRUPO A: resíduos que apresentam risco potêncial à saúde pública e ao meio ambiente devido à presença de agentes biológicos.

Enquadram-se neste grupo, dentre outros: sangue e hemo-derivados; animais usados em experimentação, bem como os materiais que tenham entrado em contato com os mesmos; excreções, secreções e outros líquidos orgânicos; meios de cultura; tecidos, orgãos, fetos e peças anatômicas; filtros de gases aspirados de áreas contaminadas; resíduos advindos de área de isolamento; restos alimentares de unidades de isolamento; resíduos de laboratórios de análises clínicas; resíduos de unidades de atendimento ambulatorial; resíduos de sanitários de unidade de internação e de enfermaria e animais mortos a bordo dos meios de transporte, objeto desta Resolução.

Neste grupo incluem-se, dentre outros, os objetos perfurantes ou cortantes, capazes de causar punctura ou corte, tais como lâminas de barbear, bisturi, agulhas, escalpes e vidros quebrados, provenientes dos estabelacimentos prestadores de serviço de saúde.

GRUPO B: resíduos que apresentam risco potêncial à saúde pública e a meio ambiente devido às suas características químicas.

Enquadram-se neste grupo, dentre outros:

■ drogas quimioterápicas e produtos por ela contaminados;■ resíduos farmacêuticos (remédios vencidos, contaminados, interditados ou não-

utilizados); ■ demais produtos considerados perigosos segundo a classificação da NBR 100004

da ABNT (tóxicos, corrosivos, inflamáveis e reativos).

GRUPO C: rejeitos radioativos - enquadram-se neste grupo os materiais radioativos ou contaminados por radionuclídeos, provenientes de laboratórios de análises clínicas, serviços de medicina nuclear e radioterapia, segundo Resolução da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN - Nº 6.05.

GRUPO D: resíduos comuns são todos os demais que não se enquadram nos grupos descritos anteriormente e que se apresentam, basicamente com a mesma composição que os resíduos domésticos.

4- Resíduos IndustriaisAquele que possui algo grande deve cuidar para que não se torne excessivo.

( I Ching )

71

O lixo industrial é a resultante de toda atividade gerada em pequenas, médias e grandes unidades de produção, de bens de consumo ou não, e pode conter uma grande variedade de tipos de resíduos, alguns até inofensivos enquanto que, outros nem tanto. Assim, podemos classificar os resíduos de origem industrial em três categorias92:

■ Resíduos comuns: Semelhante ao lixo domiciliar, variando as suas quantidades e composição em

decorrência da particularidade da produção. Pode ser disposto da mesma forma que os resíduos domiciliares ou comerciais;

■ Resíduos Perigosos:Requerem tratamento, acondicionamento, coleta, transporte e destinação final

especial e, que podem e devem ser realizados pela própria fonte geradora. Os incineradores tem sido os mais indicados e utilizados, apesar da sua eficiência ser discutível em função dos altos custos de implantação, operação e manutenção sem no entanto considerar, ainda, os prejuízos de ordem econômica (desperdício) e ambiental. Em caso de disposição inadequada, os prejuízos podem ser até muito graves e irreversíveis (se levarmos em conta o tempo de vida de um ser humano médio), devido a seu enorme potêncial de dispersibilidade no meio ambiente (sólido, líquido, gasoso e biológico). Apesar de toda a controvérsia em torno do assunto, a reciclagem ainda é a melhor solução ambiental, mesmo que não implique em solução à nível econômico;

■ Resíduos de Alta Periculosidade:Requerem ainda mais cuidado do que os resíduos perigosos pois são compostos

orgânicos, na sua maioria, de alta persistência e longa biodegradabilidade que podem trazer sérios danos ao meio ambiente e à saúde humana, mesmo em quantidades bastante reduzidas. Mesma situação dos resíduos perigosos.

O mundo produz todos os anos cerca de 340 milhões de toneladas de resíduos industriais altamente tóxicos e poluentes. Alguns países estão mais atentos ao problema e desenvolveram programas muito eficientes que minoram razoavelmente o problema, caso do Japão; outros países adotam outras estratégias, como a reciclagem, caso da França, a partir da importação de resíduos a preços bastante reduzidos.

Atualmente, uma outra questão vem chamando a atenção das autoridades: o contrabando de lixo tóxico de origem industrial, denominado nos meios econômicos de comércio internacional de resíduos. Esta prática vem sendo adotada como uma forma de driblar leis ambientais mais rígidas e vem sendo praticada como barganha na obtenção de recursos (empréstimos) que ajudem as economias dos países do Terceiro Mundo. Porém, já foram denunciados casos envolvendo estados ou países de mesmo padrão de desenvolvimento93.

A tabela II.4.1 relaciona o total de resíduos industriais produzido e o quanto deste material é exportado para outros países.

92 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.93 Revista Globo Ciência. Ano 2, nº 24: 40. 1993.

72

Países Produção(milhões tonel.)

Exportação(milhões tonel.) ( %)

Alemanha 14,2 805 5,7Holanda 1,5 188 12,5EUA 238 127 0,5Suíça 0,4 108 27Canadá 3,3 101 3,1Áustria 0,4 87 21,7Finlândia 0,2 65 32,5França 3 45 1,5Suécia 0,5 30 6Irlanda 0,02 14 70Dinamarca 0,1 9 9Noruega 0,2 8 4Itália 3,6 3 0,08Austrália 0,3 0,3 0,1Espanha 1,7 0,1 0,006Japão 0,7 0,04 0,006

(fonte: Revista Globo Ciência, ano 2, nº 24: 40, 1993)

A pressão econômica das indústrias exportadoras de lixo é tão forte que os países do terceiro mundo não conseguem se organizar de modo a impedir à sua entrada. Um levantamento recente publicado na Revista Britânica The Economist, da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico - OCDE - mostra que a Alemanha está na liderança entre os países exportadores de lixo tóxico, com cerca de 18% de todos os resíduos por ela gerados. Para aproveitar a indústria do reaproveitamento e da reciclagem, os países acabaram afrouxando as medidas de controle sobre o comércio de lixo comum e, no mesmo caminho seguem o lixo hospitalar e o químico tóxico.

A organização ecológica Greenpeace denunciou que, somente em 1992, os EUA exportaram para o México 72 mil toneladas de resíduos tóxicos. Desde 1986, que o Greenpeace documentou 120 propostas de exportação de lixo industrial para países do Caribe e da América Latina. A exportação do lixo tóxico e indesejável cresce como opção econômicamente mais lucrativa por que sai mais barato do que reciclar ou dispor de alguma outra forma, imposta na maior parte das vezes por leis ambientais rígidas. A Revista Britânica The Economist publicou um estudo da maior empresa dos EUA de administração de lixo, mostrando que ela perde US$ 33 por tonelada de material reciclável que produz, abaixo discriminados. O nível ideal de lucratividade só seria atingido se os governos locais pagassem cerca de US$ 58/tonelada, o que é impossível pois ultrapassa em muito a receita disponível para esta atribuição na maioria das prefeituras dos EUA94.

Até 1987, o Brasil não tinha uma lei que proibisse a importação de lixo tóxico. Com o surgimento da Secretaria de Meio Ambiente - SEMA - houve uma primeira manifestação à respeito. Em 1992, o Brasil aderiu à Convenção da Basiléia e o Ibama publicou uma portaria, à Portaria 138 N/92, seguida da Instrução Normativa 040 de março de 1993. Estes instrumentos legais visavam regulamentar a matéria proibindo a importação de resíduos perigosos. Só que, junto a portaria, havia um anexo permitindo a importação à juízo do Ibama. Finalmente, em julho de 1993, surgiu o Decreto nº 875, por meio do qual o governo brasileiro finalmente adotou as recomendações e

94 Jornal Jornal do Brasil. Junho. 1993.73

restrições da Convenção da Basiléia, destaca a Sra. Nilde Pinheiro, da Secretaria de Meio Ambiente.

Serviços Prestados Custo/Recebimento (US$/tonelada)

1- coleta e separação resíduos 150 - 2002-venda dos resíduos reaproveitáveis 403- economia aterros sanitários 304- pagamento prefeitura pelo serviço 22

Com o objetivo de controlar e, em muitos casos, banir a entrada de resíduos considerados perigosos, o Conselho Nacional de Meio Ambiente publicou no Diário Oficial da União, a Resolução nº 37 que determina os critérios ambientais para este tipo de comércio no país. Essa resolução substitui a de nº 7, de maio de 1994, que previa a criação de uma comissão interministerial para rever a situação de outros tipos de resíduos. Pela resolução anterior, incluía-se qualquer tipo de coisa no que era considerado outros resíduos. Nisso, se incluía, por exemplo, cavaco de madeira e sucata de aço, que o Ibama considera como matéria-prima. Pela resolução de nº7, o Ibama também tinha de controlar a importação de resíduos inertes, que ficou agora abolido pela nova resolução.

A nova resolução do CONAMA determina que fica proibida a importação de resíduos perigosos (classe I), em todo território nacional, sob qualquer forma e para qualquer fim, inclusive reciclagem ou reaproveitamento. São considerados outros resíduos, classe II aqueles que exigem consideração especial, coletados de residências ou decorrentes de incineração de resíduos domésticos. Já os não-inertes, classe III, são passíveis de importação, porém sujeitos ao controle do Ibama, e incluem as cinzas, escórias e borras da indústria metalúrgica, assim como os pneumáticos usados. A importação destes resíduos só poderá ser realizada para a finalidade de reciclagem ou reaproveitamento e após o atendimento de exigências, tais como: autorização do Ibama; laudo técnico; atendimento à melhor técnica e normas internacionais e nacionais de acondicionamento e transporte; cadastramento junto ao Ibama; apresentação de documentos do orgão ambiental estadual ou municipal e, apresentação ao Ibama, até 30 de novembro de cada ano, de formulário de previsão de importação para o ano seguinte95.

A tabela II.4.2 relaciona os principais tipos de resíduos listados na classe I.Em outubro de 1993, a Cetesb, empresa paulista responsável pelo controle

ambiental, apreendeu uma carga de produtos tóxicos procedente da Inglaterra, depois de denuncias do grupo Greenpeace, e que continha metais pesados em sua composição. Esta carga de 200 toneladas será devolvida ao país de origem o mais breve possível. Em 1989, a empresa responsável pela importação desta carga, já havia feito negócios com empresas da Dinamarca, Holanda e Itália.

O estado do Rio de Janeiro gera por ano 300 mil toneladas de lixo químico e, cerca de 30 %, ou 90 mil toneladas, são considerados perigosos como o ascarel, organoclorados e metais pesados. Dados recentes indicam que 45 mil toneladas destes resíduos são abandonados, sem nenhum tratamento prévio em terrenos baldios, rios e lagoas de todo o estado, sendo a Baixada Fluminense o local mais visado.

95 Jornal A Gazeta Mercantil. Janeiro. 1995.74

ANEXO 1-A - RESÍDUOS PERIGOSOS - CLASSE I( Anexo I da Convenção da Basiléia )

Fluxos de ResíduosY1- Resíduos clínicos oriundos de cuidados médicos em hospitais, centros médicos e clínicasY2- Resíduos oriundos da produção e preparação de produtos farmacêuticosY3- Resíduos de medicamentos e produtos farmacêuticosY4- Resíduos oriundos da produção, formulação e utilização de biocidas e produtos fitofarmacêuticosY5- Resíduos oriundos da fabricação, formulação e utilização de produtos químicos utilizados na preservação da madeiraY6- Resíduos oriundos da produção, formulação e utilização de solventes orgânicosY7- Resíduos oriundos de operações de tratamento térmico e de têmpera que contenham cianetosY8- Resíduos oriundos de óleos minerais não aproveitáveis para o uso a que estavam destinadosY9- Misturas ou emulsões resíduais de óleos/água ou hidrocarbonetos/águaY10- Substâncias e artigos residuais que contenham ou estejam contaminados com bifenilas policlorados e/ou tarfelinos policlorados e/ou bifenilos polibromadosY11- Resíduos de alcatrão resultantes do refino, destilação ou qualquer outro tratamento pirolíticoY12- Resíduos provenientes da produção, formulação e utilização de tintas em geral, corantes, pigmentos, lacas e vernizesY13- Resíduos oriundos da produção, formulação e utilização de resinas látex, plastificantes, colas / adesivosY14- Resíduos de substâncias químicas produzidas em atividade de pesquisa e desenvolvimento ou de ensino que não estejam identificadas e/ou sejam conhecidosY15- Resíduos de natureza explosiva que não estejam sujeitos à outro tipo de legislaçãoY16- Resíduos oriundos da produção, preparação e utilização de produtos químicos e materiais de processamento fotográficoY17- Resíduos resultantes do tratamento superficial de metais e plásticosY18- Resíduos resultantes de operações de depósito de resíduos industriais

(Fonte: CONAMA, 1995)

Na Grande São Paulo, por exemplo, sabe-se que das 187 mil toneladas de resíduos perigosos produzidos por ano, 83,1 mil toneladas são dispostas irregularmente no solo ou em corpos d'água. A desinformação faz com que a população sofra as consequências da poluição sem o saber, ou, quando os sintomas de contaminação se manifestam, sem identificar suas causas reais96.

A lei nº 2.011 de 1992, que dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação do Programa de Redução de Resíduos, do deputado Carlos Minc (PT/RJ), até hoje não conseguiu aplicar nenhuma multa nos infratores. Segundo o deputado autor da lei, esta impunidade é consequência do desmonte da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA - que não instrui as empresas a como cumprir a lei 97. Apesar da afirmação do Sr. Adir Ben Kauss, Presidente da Feema, que a FEEMA faz um trabalho permanente de orientação das indústrias, procurando soluções de tratamento final para os resíduos98, os jornais do Rio de Janeiro estão cheios de notícias das consequências, mais ou menos graves, sobre os transtornos à população dos resíduos de origem industrial.

96 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.97 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1994.98 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1994.

75

No estado de São Paulo existe um sistema de controle dos resíduos industriais desde 1989. Mas, apesar disso a situação é grave - especialmente em relação aos resíduos classificados como perigosos da classe I. O princípio que coloca a indústria como responsável pelo destino adequado a ser dado aos resíduos é válido, mas não é suficiente99, alega o diretor de Controle da Poluição de Regiões Metropolitanas da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental - Cetesb - Sr. Lineu Rodrigues Alonso. Ao estado cabe a formulação de diretrizes, leis, padrões e linhas de financiamento, além do controle e fiscalização. Porém, com a estrutura disponível nem o controle desejado é possível.

Na cidade de São Paulo, onde o serviço de coleta cobre toda a cidade, de acordo com o Sr. Jair Rosa Cláudio, diretor da Limpurb, há quatro aterros; o Aterro Bandeirantes é o maior deles, com capacidade de recebimento de 5 mil toneladas diariamente, inclusive das classes II e III. As empresas geradoras destes resíduos pagam US$ 24 por cada tonelada disposta - até recentemente, o preço era de US$ 3 por tonelada. Aceitar estes resíduos nos aterros municipais é uma forma de evitar que aumentem os incontáveis pontos de descarga clandestinos, que seguramente já passam dos 40 na região metropolitana100.

A legislação101 que regulamenta o lançamento de resíduos industriais perigosos já é bastante antiga porém, não pode ser considerada ultrapassada. O Decreto nº 50.877, de 29 de junho de 1961, publicado no Diário Oficial da União em 30 de junho de 1961, Dispõe sobre o lançamento de resíduos tóxicos ou oleosos nas águas interiores ou litorâneas do País, e dá outras providências, estabelece que:

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o Artigo 87, ítem 1, da Constituição, e considerando a necessidade de disciplinar o lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, domiciliares ou industriais, visando preservar a poluição das águas interiores e litorâneas do País, na forma prevista no Artigo 10 do Código de Pesca, baixado com o Decreto-lei nº 794, de 19 de outubro de 1938, decreta:

Art. 1- Os resíduos líquidos, sólidos ou gasosos, domiciliares ou industriais somente poderão ser lançados às águas, in natura ou depois de tratados, quando esta operação não implique na poluição das águas receptoras.

Art. 3- Para efeitos deste Decreto, considera-se como poluição qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas das águas, que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações e ainda comprometer a sua utilização para fins agrícolas, industriais, comerciais, recreativos e, principalmente, a existência normal da fauna aquática.

Art. 4- Serão consideradas poluídas as águas que não satisfaçam os seguintes padrões:

■ a média mensal de oxigênio dissolvido não será inferior a 4 (quatro) partes por milhão, nem a média diária será inferior a 3 (três) partes por milhão;

■ a média mensal de demanda bioquímica de oxigênio não será superior a 5 (cinco) partes por milhão (DBO), 5 (cinco) dias a 20 graus Célcius;

■ o pH não poderá ser inferior a 5 (cinco) ou superior a 9,5 (nove e meio).

99 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1994.100 MARINI, P. Lixo: uma montanha de problemas. D.M. Março. 1992.101 Legislação de Conservação da Natureza. Quarta Edição. Fundação Brasileira para Conservação da Natureza (FBCN)/Companhia Energética de São Paulo (CESP). 1986.

76

Art. 8- As pessoas físicas ou jurídicas, que lancem resíduos poluidores nas águas interiores, terão um prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de expedição do presente decreto, para tomarem as providências tendentes a retê-los ou trata-los, observadas as normas técnicas e científicas aplicáveis ao caso.

Art. 11- O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

No dia 06 de outubro de 1975 , foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto nº 76.389, de 3 de outubro do corrente, que Dispõe sobre as medidas de prevenção e controle da poluição industrial, de que trata o decreto-lei nº 1.413, de 14 de agosto de 1975, e dá outras providências estabelece que:

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o Artigo 81, Ítem III, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Decreto-lei nº 1.413, de 14 de outubro de 1975 DECRETA:

Art. 1- Para as finalidades do presente Decreto considera-se poluição industrial qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de energia ou substância sólida, líquida ou gasosa, ou combinação de elementos despejados pelas indústrias, em níveis capazes, direta ou indiretamente, de:

I- prejudicar a saúde, a segurança e o bem estar da população;II- criar condições adversas as atividades sociais e econômicas;III- ocasionar danos relevantes à flora, à fauna e a outros recursos naturais.

Art. 2- Os orgãos e entidades gestores de incentivos fiscais e bancos oficiais, considerarão explicitamente, na análise de projetos, as diferentes formas de implementar política preventiva em relação à poluição industrial, para evitar agravamento da situação nas áreas críticas, seja no aspecto de localização de novos empreendimentos, seja na escolha do processo, seja quanto à exigência de mecanismos de controle ou processos antipoluitivos, nos projetos aprovados.

Art. 3- A Secretaria Especial do Meio Ambiente - SEMA - proporá critérios, normas e padrões, para todo o território nacional, de preferência em base regional, visando a evitar e a corrigir os efeitos danosos da poluição industrial.

Art. 5- Além das penalidades definidas pela Legislação Estadual e Municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à prevenção ou correção dos inconvenientes e prejuízos da poluição do meio ambiente, sujeitará os transgressores:

■ à restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo poder público;■ à restrição de linhas de financiamento em estabelecimentos de créditos oficiais;■ à suspensão das atividades.

Art. 14- Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Deve-se ressaltar dois pontos interessantes deste decreto: primeiro, quando no Artigo 1 dispõe sobre a poluição criar condições adversas às atividades sociais e econômicas já há um esboço de contabilização dos custos ambientais na formulação da política industrial no país, fato inédito na legislação ambiental vigente. Segundo, no

77

Artigo 5, quando impõe restrições ao oferecimento de linhas de créditos, incentivos e benefícios fiscais a empresas poluidoras. Este artigo deveria, pelo menos em tese, coibir o lançamento de resíduos industriais no ambiente já que o governo federal sempre beneficiou as indústrias, tanto as multinacionais quanto as nacionais.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA - através da Resolução 006/88, dispõe sobre O licenciamento de Resíduos Industriais Perigosos. Os principais pontos desta resolução são102:

A- Considerando a ausência de informações sobre os tipos e destinos dos resíduos gerados no Parque Industrial do País;

B- Considerando a necessidade de dados precisos sobre os estoques de Bifenilas Policloradas - PCB's - e agrotóxicos fora de especificação ou de uso proibido no país;

C- Considerando que estes produtos podem apresentar características extremamente prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente;

D- Considerando, ainda, que para elaboração de diretrizes nacionais visando o controle dos resíduos perigosos, é essencial à realização de um inventário dos resíduos industriais gerados e/ou existentes no país, RESOLVE:

Art.1- No processo de licenciamento ambiental de atividades industriais, os resíduos gerados e/ou existentes deverão ser objeto de controle específico.

Art. 2- As indústrias geradoras de resíduos, enquadradas nos critérios abaixo, com orientação do orgão de controle ambiental do Estado ou da SEMA em caráter supletivo deverão, no prazo de 90 (noventa) dias a partir da publicação desta Resolução, ou a partir de 60 (sessenta) dias após a notificação, apresentar ao orgão ambiental competente, informações sobre a geração, características e destino final dos seus resíduos, na forma definida no Anexo I, desta Resolução:

I- indústrias metalúrgicas com mais de 100 (cem) funcionários;II- indústrias químicas com mais de 50 (cinqüenta) funcionários;III- indústrias de qualquer tipo (grupo 00 a 30) com mais de 500 (quinhentos)

funcionários;IV- indústrias que possuem sistemas de tratamento de águas residuárias do

processo industrial;V- indústrias que geram resíduos perigosos como tais definidos pelos orgãos

ambientais competentes.

Parágrafo único - O orgão ambiental competente terá o prazo de 30 (trinta) dias, a partir da data de publicação desta Resolução, para emitir a notificação a que se refere o caput deste artigo.

Art. 3- As entidades públicas e/ou privadas que possuam estoques de agrotóxicos fora de condições, de uso proibido, deverão apresentar ao orgão ambiental competente dentro de 90 (noventa) dias, a partir da publicação desta Resolução, o inventário destes estoques, na forma definida no Anexo I.

Art. 4- As concessionárias de energia elétrica e empresas que possuam materiais e/ou equipamentos contaminados por Bifenilas Policloradas - PCB's - bem como estoques e/ou equipamentos fora de uso, contendo óleos ascaréis, deverão apresentar ao orgão ambiental competente, dentro de 60 (sessenta) dias, a partir da publicação desta resolução, o inventário destes estoques, na forma definida no Anexo I.

102 DIAS, G.F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo, Editora Gaia. 1992.78

Mais uma vez, fica claro que o controle da poluição industrial não é um problema de legislação mas sim, de se fazer cumpri-la. Esta resolução do CONAMA cria a oportunidade de se estabelecer um banco de dados sobre à indústria, sua matéria-prima, seu processamento industrial, seus rejeitos e, principalmente, o destino final dado à eles. De posse destes dados, pode-se descobrir a(s) indústria(s) poluidor(as). Conhecendo todas as etapas do processo industrial e seus rejeitos é muito mais fácil realizar vistorias periódicas para verificar o cumprimento da legislação ambiental vigente. Deve-se ressaltar, entretanto, que salvo raras exceções, os orgãos de fiscalização são mal aparelhados e carecem de profissionais realmente capacitados para realizar este trabalho.

O Japão, atualmente é um bom modelo para se verificar o estágio da poluição industrial. Embora o governo japonês tenha encampado a questão da preservação do meio ambiente nos últimos anos, de forma à melhorar sua imagem junto a mídia internacional, pouco fez até agora para introduzir uma legislação que defina o papel da indústria na proteção ambiental ou na imposição de normas específicas para o lixo industrial. Depois de um vertiginoso aumento da economia japonesa no pós-guerra, o país se viu assolado por uma descarga de poluentes tão grande, que obrigou a imposição de leis que coibiam a poluição do ar e das águas. Estas leis foram impostas, em parte, por diversas ações civis de indenizações que as indústrias e o próprio governo sofreram e que foram obrigados a pagar pesadas multas.

O caso mais famoso é o ocorrido na Baía de Minamata onde a empresa de produtos químicos Chisso lançou resíduos à base de mercúrio in natura. Este mercúrio foi assimilado por mariscos e mexilhões e por peixes, alimentos básicos dos japoneses. Morte e defeitos genéticos foram os resultados desta irresponsabilidade. Segundo Ian Austin, diretor da empresa de consultoria ambiental Dames & More, a Chisso deixou de gastar US$ 941,62 mil e se viu obrigada a gastar, a guisa de indenizações, 112,65 milhões ao ano, aproximadamente, 100 vezes mais103. De acordo, ainda com o Sr. Austin, a poluição do solo provocada pelos depósitos de lixo industrial deverá representar um problema para o governo e indústrias japonesas dentro dos próximos anos. Uma legislação referente ao custo para o usuário, que exige que as companhias paguem pela coleta e tratamento do lixo poluído, terá de ser aplicada, pois o custo de fechamento e limpeza dos depósitos de lixo industrial são enormes e, dentro de sete anos, as companhias não terão mais locais disponíveis para depositar o lixo industrial gerado104.

103 Jornal A Gazeta Mercantil. Março. 1994.104 Jornal A Gazeta Mercantil. Março. 1994.

79

5- Radioativos:Se pudéssemos limpar as portas da percepção, tudo se revelaria ao homem tal qual é: infinito.

( Willian Blake )

O Universo num grão de areia.A Eternidade num segundo.

( Willian Blake )

Quando o reator nuclear nº 4 da Usina de Chernobyl, na ex-república soviética e atual Ucrânia, explodiu nas primeiras horas do dia 26 de abril de 1988, lançou uma

80

grande núvem de plutônio, iodo, estrôncio e césio radioativo por toda a Europa estava definitivamente desmistificado o discurso dos defensores da energia nuclear quanto a total segurança das centrais nucleares. O acidente, o pior já registrado oficialmente, causou danos ambientais e à saúde até hoje não muito bem estudados, devido principalmente à omissão de dados reais do governo, à época soviético. Uma equipe do Parlamento Europeu e da Comissão Européia de Energia Atômica trabalham nas Repúblicas da Rússia, Bielorrússia e da Ucrânia, as mais afetadas pelo desastre e, segundo suas estimativas os mananciais de água dessas regiões ficarão contaminados por pelo menos uma década. Mas a escala dessa missão de combate a radiação, que transformou em deserto um dos mais férteis territórios da Europa Central, é aterradora. Num raio de 30 Km ao redor da usina, a terra está tão contaminada que toda a vida humana normal foi rechaçada. Barcos, tratores, caminhões, ônibus, helicópteros e toda sorte de objetos aparecem abandonados pela cidade, formando um imenso cemitério que permanecerá como um dos mais tristes legados da humanidade105.

Apesar das consequências desastrosas desse acidente, os governos continuam a desenvolver a energia nuclear sem nenhuma certeza de que o problema do lixo atômico poderá ser resolvido106. A advertência é do Sr. Nicholas Lenssen, do Worldwatch Institute, no relatório entitulado Lixo Nuclear: o problema que permanece. Este material radioativo, que permanecerá mortalmente ativo por dezenas de milhares de anos, está sendo acumulado em instalações de armazenamento provisórios nos 26 países que utilizam a energia nuclear107. O lixo atômico pode ser definido como qualquer material resultante de atividades humanas que apresente alto nível de radiação e cuja reutilização seja imprópria ou não prevista 108. Porém, a poluição nuclear pode assumir outras formas. Há riscos desde a produção de minerais radioativos, seu processamento e concentração, sua utilização na pesquisa científica, na medicina, na agricultura, na indústria e na produção de energia. Por último, e o aspecto mais controvertido, a destinação do lixo atômico109.

Em 1990, os rejeitos provenientes das usinas nucleares giravam em torno de 80 mil toneladas. Em 1985, este total era próximo das 40 mil toneladas e, em 1970 estes valores eram 20 vezes menor. Em vinte anos, houve um aumento assombroso na quantidade de rejeitos de origem nuclear. Para o ano 2000, esta cifra deve chegar à 450 mil toneladas e, a curto prazo, os governos não sabem como destinar este material.

A solução de enterrar o lixo atômico a centenas de metros de profundidade na crosta terrestre, considerada como a mais segura pela maioria dos governos, é extremamente polêmica. Existe a possibilidade de o local de estocagem se tornar vulnerável devido a movimentações do solo ou a infiltração de água110.

Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN - ao contrário do se divulga, existem soluções técnicas para guardar os rejeitos radioativos sem riscos para a humanidade. Estes resíduos levam cerca 800 anos para ter a sua radioatividade reduzida aos mesmos valores específicos do material de origem. Assim, após este tempo estaremos retornando à natureza algo do mesmo nível de radioatividade que já existia. Hoje, uma das técnicas mais empregadas de tratar o lixo radioativo consiste em diluir, inicialmente, este material em uma matriz de vidro - vitrificação, solidificando-a na forma de um cilindro. Depois, este é envolvido em um outro cilindro de chumbo. O

105 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1993.106 Worldwatch Institute. 1992.107 Worldwatch Institute. 1992.108 O que é o lixo atômico? Folheto Informativo, Ministério das Minas e Energia. 1987.109 ACSELRAD, H.; VIEIRA, L. & GUARANY, R. Ecologia, direito do cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.110 RAY, D.L. & GUZZO, L. Sucateando o Planeta. Porto Alegre, Expressão e Cultura/Instituto Liberal. 1982.

81

vidro tem uma taxa de dissolução, mesmo na água corrente, bastante baixa e é resistente à grande maioria dos agentes químicos. De forma que, se um cilindro destes for colocado, inadvertidamente, em água corrente, teria uma taxa de dissolução da ordem de 1 milímetro por século. Isto, per si, significaria um tempo de retorno ao meio ambiente superior a 10.000 anos para um cilindro com 10 cm de raio. Isolado da água corrente, a resistência deste cilindro seria estendida a várias centenas de milhares de anos.

O segundo invólucro de chumbo tem dupla finalidade: primeiramente, serve para atenuar as radiações permitindo o manuseio dos cilindros. Em segundo lugar, funciona como um protetor adicional contra a corrosão do meio ambiente. Finalmente, a cobertura de chumbo recebe um envoltório de aço inoxidável para dar resistência mecânica ao conjunto. Este material é enterrado, de preferência, em depósitos salinos subterrâneos com profundidades superiores a 600 metros e podem resistir intáctos durante milhares de anos. Os depósitos salinos são os locais ideais, pois trata-se de ambientes sem umidade, evitando-se assim a corrosão, o que estenderia de forma extrema a durabilidade do material a ser depositado111.

O lixo radioativo não é sempre aquilo que aparenta ser, pois ele hoje contém muitos dos materiais úteis de amanhã, como o amerício - usado nos detectores de fumaça - e o urânio, que pode ser reprocessado e reutlizado como combustível das centrais nucleares. O lixo nuclear pode ser uma mina, mas apenas se tivermos, primeiro, a coragem de encara-lo como uma fonte de matérias-primas - como os inofensivos resíduos domésticos e usa-lo até que ele não tenha mais nada a oferecer.

Chegou a hora de revisar toda essa questão do lixo atômico e de nos perguntarmos se reprocessar não é melhor do que enterrar, apesar das questões levantadas pelos movimentos pacifistas que o reprocessamento, também, abre as portas para a produção de novas armas atômicas. O reprocessamento faz sentido em termos científicos, técnicos e ambientais. Depois do reprocessamento e da retirada de todos os isótopos úteis e benéficos, o resíduo remanescente, adequadamente embalado, pode ser depositado nos oceanos.

A alegação do Greenpeace (citando Jackson Davis, biólogo da Universidade da Califórnia), de que a deposição dos resíduos nucleares no mar vai torna-lo tão radioativo que não poderá mais manter as condições de vida alí existentes 112, não se sustenta. Talvez as pesquisas no mundo real sejam mais convincentes em mostrar quão rapidamente o oceano recupera-se da contaminação. Nas Ilhas Marshall, no Oceano Pacífico, a ilha Eniwetok, palco de 46 explosões atômicas, foi completamente contaminada pela radioatividade. A maior parte dela se concentrou na lagoa, onde as cadeias de alimentação marinha ficaram rapidamente livres da radioatividade e puderam ser consumidas. Isso não acontece com os animais e plantas terrestres.

Mais de 30 anos depois, os cocos, a fruta-pão, outras plantas, assim como os caranguejos de terra - o favorito dos nativos - ainda estão tão contaminados pelo estrôncio 90 e césio 137 que não podem ser regularmente consumidos. Entretanto, no mar, esses radionuclídeos são diluídos por quantidades maciças de estrôncio, cálcio, césio e potássio estáveis, e não representam mais ameaças para as cadeias alimentares marinhas. Se os resíduos nucleares fossem depostos no oceano, seriam vitrificados, encerrados em caixas de aço inoxidável e levados às profundezas dos oceanos, longe da terra, penetrando nos sedimentos macios do fundo do mar113.

111 O que é o lixo atômico? Folheto Informativo, Ministério das Minas e Energia. 1987.112 RAY, D.L. & GUZZO, L. Sucateando o Planeta. Porto Alegre, Expressão e Cultura/Instituto Liberal. 1982.113 RAY, D.L. & GUZZO, L. Sucateando o Planeta. Porto Alegre, Expressão e Cultura/Instituto Liberal. 1982.

82

A solução dos problemas dos rejeitos radioativos talvez esteja na utilização de certas bactérias, conhecidas pela sigla GS - 15, e que se utilizam do urânio para auxiliar no seu metabolismo. Os cientistas da Divisão de Recursos Aquáticos do U.S. Geological Survey, na Virgínia, acreditam que estas bactérias podem atuar na descontaminação de águas poluídas por urânio. O urânio é solúvel em água e isto dificulta sua remoção e descontaminação. As GS - 15 reagem com o metal, fazendo-o tornar-se insolúvel e ele se precipita no fundo, facilitando a sua remoção por processos físicos de separação, bem mais baratos e eficientes.

Segundo a microbiologista envolvida na descoberta, Elizabeth Phillips, outro uso muito importante poderá ser a sua utilização para outros metais pesados, que apresentam comportamento semelhante ao do urânio, como cromo e selênio. Como já vivem na natureza, não devem provocar nenhum desequilíbrio ecológico nem risco algum para os seres vivos. Elas existem em todos os lugares, provavelmente até aí no Brasil114.

Os resíduos de origem radioativa, sem dúvida, os mais perigosos dentre todos aqueles tratados até agora. São resíduos de longa permanência, alto potêncial contaminante e de efeitos mais destrutivos ao meio ambiente e a saúde humana, podendo, inclusive colocar a humanidade num beco sem saída. Mesmo em pequenas doses, a radiação oferece riscos de câncer quatro a oito vezes mais do que se pensava a uma década atrás.

Em fevereiro de 1994, mais de setenta países reunidos em assembléia decidiram proibir o despejo de todos os tipos de rejeitos radioativos no mar, prática muito comum em termos de disposição final deste tipo de resíduo. A votação aconteceu no último dia da Convenção de Londres, que trata da poluição marinha e do despejo de resíduos no mar e, foi realizada na sede da Organização Marítima Internacional, em Londres. A única exceção foi a Rússia, que é um dos países que mais despejam seus resíduos radioativos no mar, principalmente nas costas do Japão, o que já provocou protestos veementes do governo japonês. O banimento mundial do lançamento de resíduos no mar entra em vigor em cem dias após a sua aprovação.

Em outubro de 1993, um navio militar russo despejou 900 toneladas de lixo nuclear de baixa radiação no mar do Japão, a 550 Km à oeste da ilha japonesa de Hokaido. O ministro russo do meio ambiente, Viktor Danilov Danilyan, prometeu que a Rússia nunca mais jogaria lixo nuclear no oceano se outros países ajudarem a construir uma usina de tratamento de rejeitos radioativos115. Segundo ainda o Sr. Danilyan, o governo russo estava procurando ativamente outras formas de dar um fim aos rejeitos nucleares, tais como concentrar o lixo na forma sólida para depois enterrar116.

Com o fim da guerra fria e os recentes acordos de desmantelamento dos arsenais nucleares, trouxeram mais uma dor de cabeça ao governo russo: o que fazer com o plutônio e o urânio altamente enriquecido das armas nucleares ?

Tentando minimizar este novo problema, o governo dos EUA assinou um acordo com o governo da Rússia se comprometendo a fornecer 30 mil contâiners especiais para armazenamento deste material. Estes contâiners serão construídos pela empresa Scientific Ecology Group, num contrato assinado junto ao Departamento de Defesa no valor de US$ 40 milhões.

O próprio governo dos EUA está com um sério problema de destinação dos resíduos radioativos das suas 120 usinas nucleares. São mais de 20 mil toneladas de combustível nuclear usado, que estão depositados em piscinas de água junto as usinas.

114 Jornal Folha de São Paulo. Maio. 1991.115 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1993.116 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1993.

83

O congresso americano já decidiu que todo este material será enterrado em um depósito à ser construído pelo Departamento de Energia em Yucca Montain, no estado de Nevada. O problema, é que este depósito só estará pronto por volta de 2010 e, até lá as empresas e usinas não sabem onde estocar os seus rejeitos, que aumentam dia a dia.

Segundo denúncias do Jornal O Globo, de 25 de maio de 1993, existem 7.800 toneladas de resíduos radioativos no Brasil, mal armazenados em depósitos provisórios e sem as condições mínimas de segurança. O ex-Presidente da República Sr. Itamar Franco, inclusive, determinou a seu ex-Ministro-Chefe da secretaria de Assuntos Estratégicos - SAE - Sr. Mário César Flores que estudasse todas as alternativas possíveis para solucionar o problema. Segundo o Sr. Mário César Flores, não há previsão no Orçamento do ano de 1994 para a construção do depósito que guardará o lixo radioativo da mina de urânio de Poços de Caldas (MG), orçado em US$ 14 milhões e é a prioridade do governo federal em relação aos resíduos radioativos117. Em Poços de Caldas, o governo explora esta mina de urânio e só aproveita o chamado minério de primeira, com o qual é produzido o yellow-cake, produto que depois de enriquecido será utilizado na produção do combustível para as usinas nucleares. Um segundo tipo, a torta II, que aparece misturado a outros minerais, constituem os resíduos que estão sendo armazenados em tambores.

A segunda prioridade, é o depósito de Abadia - GO - a 150 Km de Brasília, onde será guardado todo o material contaminado pelo acidente com o Césio-137, que aconteceu em Goiânia em 1988.

Num ferro-velho de Goiânia, alguns sucateiros abriram uma velha e desativada bomba de césio, retirada das ruínas do Instituto Goiano de Radioterapia. Sua capsula possuía 19 gramas de cloreto de césio.

Ao ser arrombada, o brilho suave e semelhante da purpurina fascinou as vítimas, principalmente as crianças, que chegaram a passar no corpo esta substância para que brilhassem no escuro. O resultado dessa irresponsabilidade das autoridades competentes foi a morte e invalidez de muitas pessoas e uma enorme área contaminada118.

O lixo de Goiânia está guardado em 4.317 tambores e 1.342 caixas metálicas que devem ser lacrados em cilíndros de concreto. No entanto, o que mais preocupa os pesquisadores da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN - é o lixo orgânico - animais contaminados que foram mortos na época do acidente e lacrados nos cilíndros. A decomposição da matéria orgânica produz gases e há suspeitas de que eles possam estar contaminados. O Sr Merril Eisembud, ex-diretor do Laboratório de Segurança da Comissão de Energia Atômica dos EUA se colocou a disposição da CNEN para orientar técnicos brasileiros na colocação dos rejeitos em seu local definitivo. No futuro, um laboratório de radioecologia deverá ser instalado ao lado do depósito de lixo nuclear em Goiás119.

Sete anos depois, o material que provocou o segundo maior acidente nuclear - oficial - do mundo continua no depósito improvisado de Abadia, embora esteja vencido, há 44 meses, o prazo de segurança para a sua utilização. Os tambores carregados de material radioativo estão empilhados, ao ar livre, numa área de 22 mil

m2, sem nenhum tipo de proteção contra os efeitos da chuva e do sol120.Existem duas situações de perigo em relação à realidade nuclear: o risco que corre

a população vizinha à atividade ou instalação, que sofre um perigo nuclear direto, e o

117 Jornal O Globo. Maio. 1993.118 SARIEGO, J.C. Educação Ambiental – as ameaças ao Planeta Azul. Rio de Janeiro, Editora Scipione. 1994.119 Jornal O Globo. Maio. 1993.120 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1994.

84

risco da população não adjacente à instalações, que não correm este risco direto. Mas, em qualquer uma das duas situações, a ameaça de ocorrer em breve algum prejuízo, a iminência de dano já é possível de punição, sem que precise haver a culpa de alguém ou de algum orgão. A lei que garante isso é a de nº 6.453 de 17 de outubro de 1977. Ela é clara neste sentido e trata da responsabilidade civil e criminal por causa de ameaças ou danos nucleares continuados. Se ficar comprovada a existência de riscos e danos nucleares, a Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN - pode ser responsabilizada por não haver efetuado o monitoramento ou controle do material.

Mas, qual é a verdadeira situação nuclear no Brasil?Segundo o físico Luís Pingelli Rosa, da COPPE / UFRJ, a situação da Usina

Nuclear de Angra I não é lá muito boa. O gerador de vapor apresenta problemas de corrosão, o que é muito grave, já que ele é fundamental para remover o calor do circuito primário. Na região de Angra dos Reis, tem sido notada em algas e sedimentos a presença de cobalto-58 e cobalto-60, material radioativo emitido pela Usina121. Há, ainda, dois outros problemas muito graves em relação à usina. O primeiro é o destino final dos rejeitos de alta radioatividade, já que só existe um armazenamento provisório.

O segundo problema é plano de emergência para a evacuação da região em caso de acidente. O plano original, que conta com a participação do exército, não funciona. Por exemplo, o deslocamento de tropas até o local é de mais ou menos 10 horas, e isso em caso de acidente nuclear onde as ações deveriam ser urgentes. Os 180 ônibus que fariam o transporte são de um tamanho que impede sua circulação pela maioria das ruas de Angra dos Reis. Mesmo assim, já houve uma melhora, pois há alguns anos o plano de evacuação era secreto. Foi por iniciativa de uma Comissão da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, coordenada pelo ex-deputado ecologista Liszt Vieira, com a assessoria Sociedade Brasileira de Física e da COPPE/UFRJ, tendo à frente o Prof. Luís Pingelli Rosa e com o apoio da comunidade de Angra dos Reis, que o plano de evacuação até então secreto, acabou sendo liberado para conhecimento da sociedade em 1985. Dessa data em diante, o plano passou a ser discutido por entidades de meio ambiente, prefeitura, universidades, parlamentares e, diversas modificações foram encaminhadas. Já foi realizado um teste para evacuar a população em caso de acidente122.

Os defensores da conclusão das obras da Usina Nuclear de Angra II, tecnólogos e burocratas, prudentemente tem se afastado da discussão sobre que destino dar aos rejeitos radioativos perigosos. Discute-se as necessidades energéticas do país, os custos, a dependência tecnológica e até o programa paralelo. Mas do lixo nuclear não se fala. Porque eles sabem que não existe no mundo uma alternativa segura e muito menos barata para armazenar os resíduos nucleares123, é o que afirma o jornalista Dioclécio Luz. Apesar de todo desenvolvimento da indústria nuclear, ainda não se sabe o mais simples: o que fazer com o lixo radioativo?

No caso do Brasil, esta questão também está sem resposta. Se as obras de Angra II forem concluídas e, a usina estiver funcionando a toda carga, vão ser geradas 53 toneladas/ano de lixo nuclear altamente radioativo. Segundo ainda o jornalista Dioclécio Luz, se o destino desse material for o mesmo da Usina de Angra I, será construída uma piscina, com água sendo usada como isolante. Mesmo operando feito

121 ACSELRAD, H.; VIEIRA, L. & GUARANY, R. Ecologia, direito do cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.

122 ACSELRAD, H.; VIEIRA, L. & GUARANY, R. Ecologia, direito do cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.123 Jornal Folha do Meio Ambiente. Junho. 1993.

85

vaga-lume (tanto que apaga e acende), Angra I já acumula mais de 100 toneladas de material altamente radioativo nessas piscinas e mais 4 mil barris, com 200 litros cada, com resíduos de média radioatividade124.

As usinas nucleares geram energia por 25 a 40 anos, mas o lixo que produzem permanece perigoso por milhares de anos e, como lixo radioativo podemos dizer que é tudo aquilo que estiver contaminado: são pedaços de canos, roupas, equipamentos em geral e o próprio resíduo nuclear resultante da fissão. O lixo nuclear, na verdade , é a própria usina. O que fazer com ela depois que acabou a sua vida útil? Mais um problema. E caro! Uma usina pequena, gerando 330 Megawatts - Angra II vai gerar 1.300 - custa US$ 224 milhões para ser construída. Desmonta-la, sem riscos, custaria US$ 333 milhões. Estudos mostram, inclusive, que muitas usinas construídas para uma vida útil de 40 anos, estão sendo fechadas com uma média de 12 anos125, assinala o Sr. Dioclécio Luz.

No Brasil, é a Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN - o orgão responsável pela normatização e fiscalização dos rejeitos radioativos. Através da Resolução 19/85, publicada no Diário Oficial da União em 17 de Dezembro de 1985, Norma NE - 6.05, é que são estabelecidos os critérios gerais e requisitos básicos relativos à Gerência de Rejeitos Radioativos. Esta Norma aplica-se às Instalações Radioativas sujeitas a processo de licenciamento pela CNEN, de acordo com a Norma CNEN NE - 6.02, Licenciamento de Instalações Radioativas. Na aplicação desta Norma devem ainda ser consideradas as normas da CNEN relativas a Radioproteção, Licenciamento de Instalações Nucleares e Transporte de Materiais Radioativos.

Os rejeitos radioativos são classificados em categorias segundo o estado físico, natureza da radiação, concentração e taxa de exposição. O seu gerenciamento inclui:

1- A sua separação de todos os outros tipos de materiais;2- Os resíduos que não puderem ser removidos da instalação, deverão ser

armazenados em recipientes adequados, que devem portar o símbolo internacional de presença de radiação de maneira clara e visível, até que possam ser transportados e/ou eliminados;

3- Os recipientes para separação, coleta ou armazenamento provisório devem ser adequados as características físicas, químicas, biológicas e radiológicas dos rejeitos para os quais são destinados. Devem, também, ter asseguradas suas condições de total integridade e vedação;

4- Os veículos a serem utilizados no transporte de rejeitos devem ter meios de fixação e suporte dos recipientes, de modo a evitar danos aos mesmos;

5- Os veículos, após cada serviço de transporte, devem ser monitorados e, caso seja necessário, descontaminados;

6- O local de Instalação destinado ao Armazenamento Provisório deve:

■ conter com segurança os rejeitos, física e radiológicamente, até que possam ser removidos para local determinado pela CNEN;

■ realizar monitoramento radiológico permanente; ■ ser cercado e sinalizado, com acesso restrito a pessoal autorizado;

■ ter piso e paredes impermeáveis e de fácil descontaminação;■ dispor de meios que, em caso de acidentes, evitem a dispersão do material;

124 Jornal Folha do Meio Ambiente. Junho. 1993.125 Jornal Folha do Meio Ambiente. Junho. 1993.

86

■ dispor de planos de proteção física e radiológica, bem como procedimentos para situações de emergência.

7- A eliminação dos rejeitos está condicionada à parecer técnico da CNEN em face dos fatores ambientais envolvidos, segundo os seguintes critérios:

■ a eliminação dos rejeitos líquidos na rede de esgotos só poderá ser feita se o rejeito for solúvel em água; de fácil dispersão; a quantidade anual de radionuclídeos eliminada anualmente não deve exceder os valores estipulados nas tabelas desta resolução e, a eliminação de líquidos corporais de pacientes deve ser feita de acordo com as especificações da CNEN.

■ a eliminação de rejeitos sólidos no sistema de coleta de lixo urbano e de rejeitos gasosos na atmosfera devem ser iguais ou inferiores à valores especificados na atual Resolução.

8- a CNEN ou seus representantes estão autorizados a realizar inspeções e auditorias a todas as instituições à ela credenciadas assim como, determinar a suspensão ou cancelamento da autorização para operação caso seja verificado o descumprimento destas normas.

CAPÍTULO III

Métodos de Tratamento e Disposição Final

87

1- Aterros Sanitários e LixõesPeço a Deus que nos dê a serenidade do nosso guerreiro Nelson Mandela, a ousadia de um Gandhi - que não se curvou diante do Império Inglês - e, a doçura de um menimo de rua, ao estender a mão à espera da cidadania.

( Luis Inácio "Lula" da Silva )

O aterro sanitário é uma das formas de dispor o lixo no solo segundo métodos criteriosos e adequados. O lixo é disposto no solo e enterrado em camadas sucessivas, de espessuras pré-determinada e recobertas por uma camada de solo argiloso.

A prática de enterrar o lixo como forma de disposição final não é uma rotina recente. Existem registros de que diversos povos da antiguidade já o faziam para produção de adubo.

■ Os nabateus, na Mesopotâmia, há mais de 2.500 anos antes de Cristo enterravam seus restos domésticos e agrícolas;

■ Por volta do ano 150, em Roma o lixo foi considerado como o responsável pelo desenvolvimento de roedores e diversos insetos transmissores de doenças. Então, todos os resíduos urbanos eram enterrados em valas para eliminar ou reduzir os ratos, responsáveis pela transmissão da peste bubônica. Na idade média, a peste também foi a responsável pela prática de enterrar os dejetos. Do aprimoramento contínuo desta prática surgiu aquilo a que chamamos hoje de aterro sanitário.

O aterro sanitário é, atualmente, o método mais usado para dar a destinação final dos resíduos urbanos. O seu baixo custo e a simplicidade da sua execução são os argumentos mais fortes dos defensores desta prática. Os que combatem os aterros, alegam que serão necessárias áreas cada vez maiores, próximas aos centros urbanos, para dispor quantidades crescentes de lixo. De qualquer maneira, as principais vantagens dos aterros são:

■ disposição adequada de grandes quantidades de lixo;■ condições favoráveis para a decomposição dos restos orgânicos;■ melhoria das condições sanitárias;

88

■ possibilidade de recuperação destas áreas degradadas;■ baixo custo de operação.

A tabela III.1.1 apresenta os preços médios de disposição de lixo em aterros sanitários em alguns países. Apesar de todas as vantagens, pode ocorrer contaminação das águas pelo chorume, líquido escuro, ácido e mal cheiroso, gerado pela decomposição do lixo. Por isso, recomenda-se uma série de estudos até a sua execução, estação de tratamento e sistema de drenagem adequados. A escolha da área deve obedecer a vários critérios que devem ser avaliados antes da implantação de um aterro sanitário:

■ facilidade de acesso;■ inexistência de recursos minerais e hídricos;■ a constituição do solo e sua permeabilidade;■ capacidade de carga e a distância dos lençóis freáticos;■ a proximidade de jazidas de argila, pois o lixo deve ter cobertura diária (ou outros

materiais para cobertura); ■ possuir cerca para impedir a ação de catadores.

Países Custos Aterros (US$/tonelada)

França 29,81 - 53,66Alemanha 59,62 - 89,43Itália 59,62 - 89,43Finlândia 20,87 - 43,22Holanda 38,75 - 104,34Reino Unido 8,94 - 26,83Espanha 2,98 - 14,91Suécia 14,91 - 64,09Austrália 5,22 - 17,89Nova Zelândia 17,89 - 26,83EUA 14,91 - 65,58América Latina 2,98 - 5,96Sudeste Asiático 2,24 - 7,45Brasil/SP. 3,00 - 27,00

(fonte: Jornal Gazeta Mercantil, 1993 e 1994)

A grande desvantagem dos aterros sanitários é o desperdício de matérias-primas. A quantidade de materiais inorgânicos e matéria orgânica que poderiam ser reciclados ou reaproveitados é assombrosa, como mostra o gráfico III.1.1.

É inconcebível que em pleno século XX as administrações ainda não se deram conta do desperdício que isto acarreta. A partir do momento que se estabeleça os custos ambientais na produção de manufaturados e dos serviços, os custos de implantação, manutenção e gerenciamento dos aterros tenderão a crescer.

Isto talvez desestimule a implantação de novos aterros e, certamente, novas práticas de gerenciamento de lixo deverão ser adotadas. Mesmo assim, diversos tipos de resíduos ainda deverão ter como destino os aterros sanitários. Porém, o volume de materiais, certamente, será muito inferior aos números que são dispostos na atualidade.

A tabela III.1.2 relaciona as principais vantagens e desvantagens dos aterros sanitários.

Vantagens Desvantagens

89

■ elimina o problema da catação ■ necessidade de grandes áreas livres para a sua implantação

■ impedem a proliferação de seres transmissores e causadores doenças

■ solução temporária, em função da capacidade de recebimento de lixo

■ permite a recuperação limitada de áreas para uso público

■ rigoroso controle operacional para manter os padrões sanitários

■ custos de implantação, operação e manutenção relativamente baixos

■ gastos decorrentes da poluição e contaminação pelo chorume

■ permite a recuperação de gás metano ■ desperdício de matérias-primas que poderiam ser recicladas

O método de dispor o lixo mais usado no Brasil é simplesmente abandona-lo a céu aberto: são os lixões. Só para se ter uma idéia, o estado de São Paulo dispõe em lixões 87,% de todo o lixo coletado, sem nenhum tipo de tratamento ou cuidado, 11% vão para as usinas e compostagem e 2% são incinerados. Em 1914, 65,5% dos resíduos foram parar nos lixões, 23,2% entregues aos chacareiros, 10,6% foram incinerados e 0,7% reciclados. Estes números demostram claramente que em quase um século muito pouco foi feito para se dispor o lixo de maneira eficiente. Tal fato se deve ao despreparo dos prefeitos e dos responsáveis diretos pelos serviços de limpeza pública. Além disso, para a população em geral, a preocupação com a limpeza pública limita-se à coleta de lixo e poucos são os que tem a noção do que é feito com esse material após a coleta126, é o que afirma o Sr. Roberto de Campos Lindemberg - da Associação Brasileira de Profissionais em Limpeza Urbana.

mat.org. papel plásticos vidros metais outros

0

10

20

30

40

50

60

São Paulo

Rio de Janeiro

EUA

Europa

Figura 1.1 - Composição Média do lixo encontrado nos lixões.

126 Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.

90

Baseados na Portaria 53 de 1979, do ex-ministério do Interior, alguns estados brasileiros proíbem o lançamento de resíduos sólidos em lixões, já que esse tipo de depósito é um ilícito administrativo, ou seja, é proibido por lei. A ocorrência deste ilícito pode gerar ação civil para que se ponha um fim nesse depósito ou para reparar os danos causados pela disposição do lixo127.

As 583 prefeituras do estado de São Paulo, juntas, produzem cerca de 17.300 toneladas de lixo e apenas 1% desse total são dispostos em aterros e a cidade de São Paulo não está incluída no seleto rol de cidades paulistanas que utilizam os aterros como forma de minorar os problemas decorrentes do lixo. O lixo da cidade de São Paulo tem sido disposto em vários aterros ou lixões, que já começam a se mostrar incapazes de suportar esta enorme carga que recaem sobre eles:

■ o aterro/lixão de Vila Albertina - em operação desde 1977 - já está em fase final de vida útil;

■ Santo Amaro - em operação desde 1990 - terá, ainda, de 15 a 20 anos de vida útil, se forem mantidas as atuais quantidades nele dispostas;

■ o aterro/lixão Bandeirantes - em operação desde 1979 - só tem mais 4 anos de vida útil e, nele são dispostos também lixo industrial, além do lixo domiciliar, num total de 117.400 toneladas/mês128.

Nos lixões, e também nos aterros, onde não há nenhum tipo de controle, podem haver emissões de substâncias tóxicas para a atmosfera, que são mais prejudiciais do que aquelas geradas por muitos incineradores. Nos processos de decomposição do lixo ao ar livre, os gases poluentes sobem para a atmosfera e retornam com as chuvas. Um fato muito comum e que ilustra esta questão são os incêndios, provocados ou decorrentes da combustão natural, nos lixões, onde toda sorte de materiais são queimados e seus gases são liberados para o meio.

127 ACSELRAD, H.; VIEIRA, L. & GUARANY, R. Ecologia, direito do cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.

128 Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1992.91

2- Incineradores:Qual o lugar do homem na natureza?De onde viemos? Qual o nosso poder sobre a natureza e,dela sobre nós?Em que direção caminharemos? [

( T. H. Huxley )

Se não houver frutos, valeu a beleza das flores.Se não houver flores, valeu a sombra das folhas.Se não houver folhas, valeu a intenção da semente.

( Henfil )

A incineração é um processo de combustão do lixo com significativa redução do peso, volume e recuperação energética e com produção de gases e cinzas altamente tóxicos ou poluentes, onde a temperatura (para que haja a queima completa), a turbulência (para que haja um maior contato das partículas com o oxigênio) e o tempo de permanência (para que se efetive o processo como um todo) são fatores determinantes129. Alguns tipos de resíduos exigem a sua utilização, como a queima de dinheiro fora de circulação, remédios com prazo de validade vencidos ou contaminados, alimentos deteriorados, materiais tóxicos e drogas e, material gráfico apreendido pela polícia, dentre outros130.

A incineração, mesmo se levarmos em conta os métodos rudimentares empregados, é um método de disposição final já bastante antigo. Porém, foi só a partir do início do século XX que os incineradores passaram a ser largamente empregados. Já na década de 20, existiam em operação mais de 150 incineradores nos EUA e 280 na Europa. No Brasil, o primeiro incinerador foi instalado na cidade de Manaus, em 1896 pelos ingleses, com capacidade para processamento de 60 t/dia de resíduos. Em 1958 o incinerador foi desativado devido aos altos custos de manutenção e por não atender mais a demanda local. Em 1913, foi inaugurado o incinerador do Araçá - na cidade de São Paulo - também com tecnologia inglesa e capacidade de processamento de 40 toneladas/dia, que funcionou até 1948. Em 1948, foi inaugurado o incinerador de Pinheiros, já com tecnologia americana. Outros dois incineradores da cidade de São Paulo - Ponte Pequena e Vergueiro - estão operando com problemas técnicos.

Pesquisas recentes mostram que diversos governos estão investindo na construção de incineradores com recuperação energética. Nos últimos anos, mais de 300 novos incineradores foram construídos em todo os EUA, como forma de solucionar os problemas do lixo urbano. Este programa contava, inclusive, com o apoio oficial das

129 Revista Aspergillus. Ano I, n05. Março/Abril. 1993.130 ACSELRAD, H.; VIEIRA, L. & GUARANY, R. Ecologia, direito do cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil. 1993.

92

autoridades americanas. Diversas prefeituras de cidades americanas estão agora enfrentando um sério problema: a falta de lixo para queimar nos seus incineradores. Depois de investirem bilhões de dólares na construção de incineradores com recuperação energética, não conseguem lixo suficiente para manter seus fornos funcionando a plena capacidade. Como o custo da incineração é mais alto que a disposição em aterros, somada ao fato da recessão econômica nos EUA, levaram a redução da geração de lixo. Além disso, existe uma controvérsia muito grande à respeito das cinzas provenientes da incineração. A legislação de alguns estados consideram as cinzas como resíduos perigosos e exigem tratamento especializado. Por outro lado, outros estados não as consideram como tal e dispensam este procedimento.

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA - EPA - revelou uma série de propostas para impor restrições para construção de novas unidades de incineração de resíduos perigosos. Desde a aprovação das emendas de 1984 ao Resource Conserveition and Recovery Act, a lei que garante a conservação e recuperação dos recursos naturais, grande parte do lixo perigoso foi transferida de aterros para incineradores. Porém, muitos ambientalistas americanos sustentam que a incineração não oferece segurança e propuseram uma moratória já na construção de novas unidades incineradoras. Ainda de acordo com a EPA, a moratória não interferirá no processamento do lixo perigoso porque os incineradores não estão operando com toda a sua capacidade no momento. Além dessas restrições, a EPA vai propor a padronização das emissões de dioxinas e metais pesados131.

A França desenvolveu técnicas de incineração ambientalmente muito eficientes, onde os índices de gases emitidos são baixíssimos e, ao mesmo tempo, os incineradores tem um ótimo aproveitamento energético. Diversos consultores ambientais europeus destacam a importância destes na incineração dos plásticos como a melhor maneira de lidar com este material, que tem sido bastante rejeitado pelas industrias recicladoras, principalmente na Alemanha. A tabela III.2.1 relaciona os percentuais de plásticos incinerados em vários países. Os filtros ou outros dispositivos instalados nas chaminés dos incineradores retêm grande parte dos gases poluentes porém, com um agravante: o que fazer com as cinzas tóxicas adicionais ? Elas devem ser armazenadas em recipientes especiais, vedados e encaminhados a aterros sanitários, específicos ou não.

Países Percentual Incinerado%

Portugual, Espanha, Grécia e Brasil 0 - 10EUA 15 - 20Noruega e Itália 15 - 20Suécia, Bélgica, França, Holanda e Alemanha 35 - 70Japão 70Suíça, Dinamarca e Luxemburgo 70 - 80

(fonte: Shell, 1992)

Incineradores para queima massiva são tecnicamente capazes de eliminar de 65 a 75% do peso e 80 a 90% do volume de lixo que recebem. Entretanto, devido a interrupções para manutenção periódica e à parcelas de resíduos muito volumosos ou inertes para serem queimados, as reduções efetivas nas quantidades de rejeitos sólidos que devem ser aterrados, em geral são baixos, algo em torno de 50% em peso e 60% em volume.

131 Jornal A Gazeta Mercantil. Maio. 1993.93

A incineração apresenta várias desvantagens em relação aos outros métodos de disposição final do lixo. A mais importante, a longo prazo, é um processo destrutivo que desperdiça tanto matérias-primas quanto energia.

Embora muitos incineradores possam recuperar a energia da combustão, esta é consideravelmente menor do que aquela necessária para manufaturar os artigos que eles queimam. Além disso, a queima do lixo não é um processo limpo, um vez que há a geração de poluentes para o solo, para a água e para o ar. A combustão em altas temperaturas quebra as ligações químicas, liberando os metais tóxicos presentes que estavam inertes. Assim livres, esses metais ou outras substâncias, por lixívia das cinzas do incinerador podem penetrar nos lençóis freáticos.

Podem, igualmente, lançar no ar óxidos de enxofre e de nitrogênio (ambos precursores de chuva ácida), monóxido de carbono, gases ácidos, dioxinas e furanos (substâncias potencialmente cancerígenas e causadoras de anomalias genéticas) e metais pesados (como chumbo, cádmio, mercúrio entre outros, que podem entrar nos ciclos biológicos com muita facilidade e causam grandes danos à saúde humana e ao meio ambiente). É uma tecnologia suja, uma solução imediatista que compromete as gerações futuras132, alega o Sr. Jairo Restrepo, perito em lixo químico e consultor da Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República. Segundo o consultor Sr. Cícero Bley Junior não se pode liquidar com uma tecnologia de uma hora para outra, mas os incineradores são mais perigosos do que aparentam ser e não devem ser usados sistematicamente133.

Ainda de acordo com o Sr. Jair Rosa Cláudio, da Limburb, se todo o lixo da cidade de São Paulo fosse incinerado, ainda sobrariam umas 2 mil toneladas diárias de cinzas, que somadas aos elementos do lixo que não podem ser queimadas, resultariam entre 4 e 5 mil toneladas diárias de sobras que invariavelmente acabariam nos aterros sanitários134.

Outra séria desvantagem dos incineradores é seu alto custo de instalação e manutenção. Os governos normalmente oferecem uma série de subsídios, como redução de impostos e das tarifas de energia consumida. O Institute for Local Self-Reliance - ILSR - sediado em Washington, D.C., estima que a capacidade para incinerar uma tonelada por dia custa de US$ 100 mil a US$ 150 mil 135. Dados recentes mostram que os custos de manutenção dos aterros e, mesmo da coleta seletiva são infinitamente inferiores a isso, sem levar em consideração os custos ambientais.

O gráfico III.1.1 mostra alguns países e os percentuais de resíduos que são destinados aos incineradores:

Diversos projetos de incineradores ainda estão em desenvolvimento em todo mundo, apesar de todos os argumentos contrários à sua utilização. O primeiro incinerador flutuante de lixo poderá ter sua construção iniciada em 1994 como forma de amenizar os graves problemas decorrentes do lixo, enfrentados pela administração da cidade de Tóquio, no Japão. Este incinerador flutuante vai consistir num barco de 180 metros de comprimento por 69 metros de largura, conectado ao continente por duas estradas paralelas. O seu custo inicial foi orçado em US$ 572 milhões.

A legislação ambiental japonesa atual prevê que os resíduos devem ser incinerados à pelo menos 10 Km da costa. A grave carência por novos espaços e a oposição dos moradores próximos as unidades de incineração já implantadas estão levando os

132 Destino final do lixo hospitalar é tema de discussão nacional. Revista FEEMA, n06: 19-22. Julho/Agosto. 1992.133 Destino final do lixo hospitalar é tema de discussão nacional. Revista FEEMA, n06: 19-22. Julho/Agosto. 1992.134 MARINI, P. Lixo: uma montanha de problemas. D.M. Março. 1992.135 BROWN, L.R. (org.). Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo. 1991.

94

planejadores japoneses a buscarem novas alternativas na busca de soluções para os problemas relacionados aos resíduos domésticos e industriais. No Japão existem 2.000 incineradores, dos quais alguns são antigos e estão em processo de fechamento.

Porém, nos últimos anos os japoneses construiram 400 plantas modernas de aproveitamento de rejeitos para geração de energia. Apenas 10 a 20% do lixo em forma de matéria-prima é descartado, e somente 10% desse lixo vai diretamente para os depósitos sem que seja separado ou incinerado. Estas plantas tem capacidade para incinerar 150.000 toneladas/ dia e atualmente operam com apenas 50% da sua capacidade máxima. Todas estas plantas são centros comunitários abertas ao público e, estão equipadas com piscinas, quadras de tênis e salas de aula. Existem também, máquinas que lavam os caminhões de coleta de lixo, que são limpos uma vez por dia.

Alemanha EUA Japão R. Unido Brasil0

5

10

15

20

25

30

Figura 2.1- Os percentuais incinerados em alguns países.

Algumas indústrias investem na construção de incineradores para dispor o seu lixo e prestar serviços a outras empresas. A unidade da Basf, em Guaratinguetá - SP, investiu US$ 6 milhões na construção de uma unidade de incineração, que tem capacidade para queimar 225 toneladas/mês de resíduos perigosos, hospitalares e domésticos. A empresa pretende dispor de 20% da capacidade de queima para serviços à terceiros. A Hoesht já possui na região uma unidade de incineração, em Suzano, que também destina parte da sua capacidade de queima para outras empresas. Um acordo com a prefeitura de Guaratinguetá vai permitir a incineração do lixo hospitalar e farmacêutico da cidade136. A seguir, listamos na tabela III.2.2 algumas vantagens e desvantagens dos incineradores:

Vantagens Desvantagens

136 Jornal A Gazeta Marcantil. Junho. 1993.95

■ redução significativa do peso e do volume que vão para os aterros sanitários

■ requer custos elevados para a sua manutenção, implantação e operação

■ possibilidade de reaproveitar a energia do lixo incinerado

■ necessidade de dispor as cinzas tóxicas em aterros sanitários

■ pode receber todos os tipos de resíduos/lixo

■ necessidade de pessoal especializado para a operação e manutenção

■ não há contato direto dos operadores com o lixo

■ pode se constituir numa perigosa fonte de poluição do ar, das águas e do solo principalmente se não dispor de equipamentos de controle e monitoramento

Para tentar solucionar o problema de disposição das 12 mil toneladas/dia produzidas na cidade de São Paulo, a prefeitura pretende abrir concorrência para concessão de implantação e operação de dois incineradores de lixo doméstico, com capacidade para incinerar 1.200 toneladas cada. Segundo estimativas do secretário municipal do meio ambiente, Werner Zulauf, serão necessários investimemtos da ordem de US$ 250 milhões. A previsão é de que estes incineradores sejam instalados em 1995 ou 1996, sendo que a empresa operadora terá a concessão por vinte anos137.

O Conselho Minicipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - CADES - já concedeu a licença prévia para a construção dos dois incineradores de lixo doméstico, de Sapopemba e Santo Amaro. Os incineradores serão implantados e operados por dois consórcios: Etesco de Bartolomeis (Santo Amaro) e Vega-Sopave/Companie General des Chaufe e Martin (Sapopemba). Cada incinerador terá capacidade de processar 1.200 toneladas/dia de lixo e a primeira previsão de investimentos é de US$ 155 milhões, que serão pagos às empresas pela prefeitura no prazo de 5 anos através da tonelagem a ser queimada. Porém, segundo a assessoria de imprensa do CADES estes valores podem ser maiores do que as previsões originais, em função dos padrões de emissões de gases atmosféricos emitidos durante o processo de queima do lixo. O padrão apresentado era de 1,27 nanogramas/m3 de ar. Mas, posteriormente, o CADES fixou novos valores para essas emissões em 0,14 nanogramas/m3, norma padrão adotada na Alemanha138.

A prefeitura enfrenta forte resistência dos moradores de Sapopemba e Santo Amaro, que são contrários à instalação dos incineradores, devido à emissão de dioxinas. Segundo a Greempeace, os incineradores, por melhor que sejam, emitem dioxinas - substâncias cancerígenas e que trazem danos aos sistemas imunológico e reprodutivo dos seres vivos. Estudos da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, não encontraram níveis seguros de exposição a dioxinas em animais testados em laboratórios139. A Greempeace também critica a prefeitura por não apresentar nenhum plano para redução de lixo e eliminação de substâncias tóxicas que entram na composição do lixo urbano, assim como um programa integrado de coleta seletiva, reciclagem e compostagem. Segundo a coordenadora da campanha contra substâncias tóxicas da Greempeace, Sra. Marijane Lisboa, "a Prefeitura quer soluções fáceis, para um problema que é muito difícil140.

137 Jornal A Gazeta Marcantil. Junho. 1993.138 Jornal A Gazeta Marcantil. Junho. 1993.139 Jornal A Gazeta Marcantil. Janeiro. 1995.140 Jornal A Gazeta Marcantil. Janeiro. 1995.

96

3- Usinas de CompostagemO macaco da floresta que se tornou macaco terrestre. O macaco terrestre que se tornou macaco caçador e, o macaco caçador que acabou por se tornar macaco culto.

( Desmond Morris )

A compostagem é definida como ato ou ação de transformar os resíduos orgânicos, através de processos físicos, químicos e biológicos, em uma matéria biogênica mais estável e resistente à ação das espécies consumidoras 141. Composto é a denominação genérica dada ao fertilizante orgânico resultante do processo da compostagem142. A usina de compostagem é um complexo eletro-mecânico formado por diversos eventos destinados a preparar cientificamente o composto orgânico143.

A prática de fazer adubo ou composto orgânico a partir do lixo é uma atividade antiga que, atualmente, está ressurgindo em face do aumento dos resíduos orgânicos gerados pelo homem das modernas sociedades industrializadas. Este composto não representa, necessariamente, uma solução final para os problemas decorrentes do lixo, mas pode contribuir decisivamente para a redução dos impactos sobre o meio ambiente causados pela disposição inadequada dos resíduos urbanos. O processo de compostagem pode ser resumido do seguinte modo, segundo E. J. Kiehl144.

No processo de compostagem a matéria orgânica atinge dois estágios importantes: a digestão, que ocorre em primeiro lugar, correspondendo à fase de fermentação na qual a matéria alcança a bio-estabilização. O segundo estágio é a maturação, no qual a matéria atinge a humificação.

A compostagem classifica-se em:

1- Quanto à Biologia:■ Aeróbio: A fermentação ocorre na presença do ar; a temperatura da massa em

decomposição é alta e, produz-se gás carbônico e água;■ Anaeróbio: A fermentação se dá em ausência de ar; a temperatura da massa em

decomposição é baixa e, produz-se metano, ácido sulfídrico etc...;■ Misto: Resulta da combinação dos dois processos.

2- Quanto à Temperatura:■ Criofílico: A fermentação se dá em temperaturas baixas, geralmente próximas à

temperatura ambiente;■ Mesofílico: A fermentação ocorre em temperaturas médias, variando entre 40 e

55 graus Célcius;

141 LIMA, L.M.Q. Tratamento de Lixo. São Paulo, Editora Hemus. 1988.142 LIMA, L.M.Q. Tratamento de Lixo. São Paulo, Editora Hemus. 1988.143 LIMA, L.M.Q. Tratamento de Lixo. São Paulo, Editora Hemus. 1988.144 LIMA, L.M.Q. Tratamento de Lixo. São Paulo, Editora Hemus. 1988.

97

■ Termofílico: A fermentação se processa em temperaturas superiores a 55 graus Célcius.

3- Quanto ao Ambiente:■ Aberto: A fermentação é realizada a céu aberto, em pátios de maturação;■ Fechado: A fermentação é realizada em biodigestores, bioestabilizadores, torres e

células de fermentação.

4- Quanto ao Processamento:■ Estático ou Natural: O revolvimento da massa em fermentação é feito

esporadicamente;■ Dinâmicos: A massa em digestão é revolvida continuamente.

O caminho escolhido para dar destino as quase 7.000 toneladas diárias de lixo geradas na cidade do Rio de Janeiro sem dúvida foi o das usinas de tratamento e compostagem. Para o ex-presidente da Comlurb toda cidade deveria ter uma, uma vez que ele acredita que elas são a solução para reduzir o volume de lixo pois o que sobra do processamento é matéria inerte, não tóxica e em torno de 20% do coletado. Na última semana de fevereiro de 1992 começou a funcionar no Rio de Janeiro a Usina de Tratamento e Compostagem do Cajú, um investimento de US$ 25 milhões feito com recursos próprios da Comlurb e da prefeitura. Diariamente, estão sendo levadas para o bairro do Cajú 1.120 toneladas de lixo, das quais 145 toneladas são preparadas para a reciclagem e 600 são transformadas em fertilizantes, o que significa um despejo diário 35% menor no aterro (lixão) de Duque de Caxias, município da região metropolitana 145. A tabela III.3.1 relaciona as usinas de compostagem instaladas no Brasil, sua capacidade média de processamento e sua situação atual.

Estados Número de Usinas

Capacidade(tonel./dia)

Situação Atual

SP 24 10 - 1.000 12 - em operação07 – paradas03 - em obras02 – desativadas

MG 07 80 - 300 03 - em operação03 - em obras01 - sem informações

RJ 06 80 - 1.120 04 - em operação01 – parada01 - em obras

PR 04 - 01 - em operação03 - sem informações

RS 02 12 - 150 em operaçãoDF 02 100 - 300 01 - em operação

01 – desativadaSC 02 - 01 – desativada

01 - sem informaçõesAM 01 100 em operaçãoPB 01 - DesativadaRN 01 - sem informaçõesMS 01 80 em operaçãoES 01 160 em operação

145 MARINI, P. Lixo: uma montanha de problemas. D.M. Março. 1992.98

RR 01 50 ParadaPE 01 - em operaçãoAL 01 - em operaçãoPA 01 150 ParadaTotal 56 - 28 - em operação

17 – paradas/em obras11- desativadas/sem inf.

(fonte: Amazonas, M.- 1992. Revista Projeto Reciclagem, maio de 1992)

Segundo denúncias do Jornal O Globo de julho de 1993, a usina de reciclagem e compostagem do Cajú apresenta problemas técnicos insolúveis que fazem com que ela funcione bem abaixo de sua capacidade. O primeiro problema, e mais evidente, é o mal cheiro. Os moradores dos bairros adjacentes à usina - Cajú, Benfica, Bonsucesso e Complexo da Maré - sofrem desde a sua inauguração com os odores liberados pelos três digestores da usina. O problema poderia ter sido evitado, segundo técnicos da Feema, se as condições meteorológicas da área onde a usina foi construída tivessem sido avaliados corretamente.

Os projetistas acharam que a brisa constante na região dispersaria o mal cheiro. Estavam errados. A Feema constatou que na área predominavam ventos fracos e inversões térmicas, o que dificulta a renovação do ar. Um outro problema foram as rachaduras, uma delas no higienizador nº 1 e, que obrigou a prefeitura a paralisar a usina para reparos. Oito meses após a sua inauguração, o presidente da Comlurb, Paulo Carvalho Filho, já considerava as rachaduras da usina erros de projeto e execução.

Para o Sr. Paulo Carvalho Filho, presidente da Comlurb, o principal problema da usina é que os higienizadores são muito grandes, na posição vertical, ficando o lixo compactado. Assim, o ar puxado pelos exaustores instalados na boca dos higienizadores não passa por todo o lixo. Com isso, parte do material não entra em processo de biodigestão e exala mau cheiro146. Ainda de acordo com o presidente da Comlurb, os problemas da usina estão relacionados à erros de concepção e avaliação do projeto e, à tecnologia usada147.

A tabela III.3.2 lista as vantagens e desvantagens da compostagem.

Vantagens Desvantagens

■ elimina o problema da catação

■ requerem investimentos muito elevados, dependendo do grau de mecanização das usinas

■ impede a proliferação de seres transmissores e causadores de doenças

■ necessidade de disposição dos restos em aterros sanitários

■ recicla a matéria orgânica para produção de adubo/composto

■ acúmulo do adubo/composto nos pátios da usina devido à falta de mercado consumidor

■ pode ser adaptada para receber e separar matérias-primas inorgânicos para que sejam separados e limpos

■ possibilidade de contaminação do composto por produtos tóxicos - metais pesados, por exemplo

- ■ não pode processar todos os tipos de resíduos

- ■ pode ocorrer exalação de odores mal cheirosos se o processo for mal operado

146 Jornal O Globo. Julho. 1993.147 Jornal O Globo. Julho. 1993.

99

- ■ necessidade de rígido controle das operações.

O Brasil tem potêncial para produzir cerca de 31 mil toneladas/dia de composto orgânico, quantidade suficiente para adubar todos os dias uma safra de grãos que ocupa área equivalente a 82 propriedades rurais de médio porte, com 25 hectares cada uma. Mas os números oficiais do IBGE mostram que, das 90 mil toneladas/dia de lixo coletadas no país, somente 1,1% são encaminhadas para as usinas de compostagem. Esse cálculo, elaborado sob a orientação do consultor Edmar Kiehl, que durante 34 anos pesquisou o tema na Escola de Agricultura Luiz de Quiróz - ESALQ - de Piracicaba, em São Paulo. Este estudo revela a existência de um campo ainda pouco explorado para novos investimentos em reciclagem no Brasil, dentro de uma visão do gerenciamento integrado do lixo. Com o composto orgânico, uma lavoura que em média precisa de 400 Kg de adubo por hectare, pode economizar até US$ 125 por tonelada ao reduzir pela metade o consumo de fertilizante químico148, garante o Sr. Kiehl.

O Brasil perde 30% de sua safra agrícola, totalizando um desperdício anual de 14 milhões de toneladas de alimentos. Esse fator, aliado aos hábitos de consumo da população, levam ao desperdício e às formas inadequadas de conservação dos alimentos nas residências, faz o lixo urbano brasileiro conter entre 40% e 50% de matéria orgânica. Nos países desenvolvidos este número é inferior a 20%.

No Rio de Janeiro, as três usinas de compostagem da Comlurb, que juntas tem capacidade para produzir 800 toneladas/dia de composto orgânico, só estão produzindo 300 toneladas / dia. O problema é que a usina do Cajú precisou desativar a compostagem após detectar defeitos estruturais nos digestores e fará obras para melhorar o fluxo operacional e o tratamento biológico do lixo. A Comlurb adotou uma estratégia agressiva de marketing para incentivar o uso do composto na agricultura, reduzindo de US$ 12 para US$ 2 o preço da tonelada do adubo, em 1 ano. Como resultado, as vendas aumentaram significativamente: as usinas já venderam 2 mil toneladas de adubo que ainda não produziram, além de manter estoque de 1.000 toneladas para pequenos compradores", revela Gilson Leite Mansur, gerente de Usinas da Comlurb149.

Em São Paulo, o Departamento de Limpeza Urbana da Secretaria de Serviços e Obras - Limpurb - pretende construir dois centros de separação de lixo, cada um com capacidade de receber 2,5 toneladas/dia. A metade do lixo será incinerada para gerar energia elétrica - 200 kw/tonelada/hora - e a outra metade encaminhada para compostagem150, informa Bruno Cervone, diretor da divisão de compostagem e coleta seletiva da Limpurb. Atualmente, as duas usinas de compostagem de São Paulo - a de Vila Leopoldina e São Mateus - estão operando com capacidade máxima, produzindo cerca de 950 toneladas/dia de composto orgânico.

O composto orgânico pode ter outros tipos de utilização, além da agricultura. Dentre alguns desses usos, podemos destacar:

■ é útil na fabricação de tijolos e pode servir também de insumo da composição de concreto para construção civil;

148 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.149 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.150 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.

100

■ é capaz ainda de fornecer gás para gerar calor e energia elétrica e, em alguns países como Canadá e China, é matéria-prima para a síntese de óleo combustível;

■ no Rio de Janeiro, a Comlurb chegou a desenvolver processo para utilizar o produto na contenção de encostas, prevenindo a erosão e desmoronamento. Usado em obras de contenção da auto-estrada Grajaú-Jacarepaguá - zona norte do Rio - o composto devolveu ao solo desmatado sua capacidade de reter líquidos, proporcionando o crescimento de nova vegetação que ajuda a sustentar a encosta;

■ no tratamento paisagístico, o produto tem outra aplicação: pode compor a formulação das soluções de hidro-semeadura - líquido contendo sementes de gramíneas, nutrientes, emulsões e aglutinantes, lançado nas encostas para recompor a vegetação;

■ conter manchas de óleo derramado no mar é outra utilidade do composto orgânico que começou a ser estudada pela Comlurb. As primeiras experiências na Refinaria de Duque de Caxias, revelaram que o composto na fase inicial de maturação, foi capaz de reagir com o óleo, aglutinando-o151.

O químico alemão Peter Krauss, especialista em usinas de reciclagem de lixo divulgou em 1993 o resultado de exames de metais pesados em amostras de adubos gerados por quatro usinas brasileiras. As análises e os testes mostraram altos índices de chumbo, cobre e zinco que compromete a qualidade do composto, polui o solo e pode causar intoxicação no organismo das pessoas que ingerirem os alimentos cultivados com este adubo. O problema mais grave, é a impossibilidade de as usinas brasileiras adaptarem seus equipamentos para a redução dos índices de metais pesados. Seria preciso construir novas usinas para sanar este problema. A taxa de metais pesados no composto brasileiro é, em média, duas a três vezes maior do que na Alemanha, conforme mostra a tabela III.3.3152.

A acumulação de metais pesados no solo torna impossível a sua despoluição. Eles podem, ainda entrar nos ciclos biológicos e biogeoquímicos e entrar nas cadeias alimentares ou serem absorvidos por plantas cultivadas na agricultura. Os resultados são desastrosos como revelaram vários acidentes envolvendo metais pesados, sendo o da Baía de Minamata no Japão o de resultados mais conhecidos e estudados. As consequências biológicas mais graves são câncer e mutações genéticas e, em diversas ocasiões, morte.

Metais (mg/Kg)

Usina Alemã

Usina Rio

Usina SP - 1

Usina SP – 2

Usina Paraná

Zinco 375 1.115 421 1.228 983Chumbo 150 316 241 398 216Cobre 150 512 477 670 611

(fonte: Jornal do Brasil, 1992)

151 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.152 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1992.

101

4- Coleta Seletiva e ReciclagemA natureza humanaé uma intrincada trama de razão e ritos, de sabedoria e religião, de prosa e poesia,de realidade e sonho. ( Suzane Langer )

Que trabalho fantástico é o Homem. A beleza do Mundo, o modelo dos Animais.Na mente do homem tudo é possível.Nela está contido todo o passado e todo ofuturo.

( Willian Sheakespeare )

As atividades de recuperação e reciclagem de materiais são capazes de gerar inúmeros empregos, diretos e indiretos. Se vistas como capazes de absorver materiais destinados aos lixões, a reciclagem deverá ser planejada também para absorver o homem que vive e trabalha nesses locais: o catador. Apenas através das atividades de coleta seletiva e triagem manual, a reciclagem seria capaz de absorver todos os catadores de um dado vazadouro, e ainda criar empregos diretos. Conforme o tipo de programa, pode-se envolver deficientes físicos, crianças carentes, indigentes, idosos/aposentados, voluntários e outros públicos que tem dificuldade de inserção profissional153.

As palavras do Sr. Márcio Amazonas à respeito da coleta seletiva servem de alento para que iniciemos imediatamente a coleta seletiva em todas as cidades, pequenas, médias e grandes, pois estaríamos resolvendo dois grandes problemas que ameaçam à sociedade brasileira: a fome e a miséria e, o desemprego. Ao mesmo tempo, estaríamos, também, solucionando problemas ambientais de grande magnitude como o consumo desenfreado de matérias-primas e as questões relativas ao lixo.

A coleta seletiva pode ser definida como a correta separação dos vários tipos de resíduos, em recipientes diferenciados, para que sejam encaminhados com vistas à comercialização154. A reciclagem, por sua vez, transforma produtos/matérias-primas velhas e sem utilidade em novos produtos e matérias-primas que servirão de base as indústrias155, diminuindo os impactos sobre o meio ambiente, reduzindo os níveis de poluição decorrentes do fabrico desses manufaturados e reduzindo o consumo de energia. Evidentemente, as consequências mais imediatas seriam a redução dos preços destes mesmos manufaturados, aumento do consumo e aumento da receita de estados e municípios, através dos impostos.

A coleta seletiva de lixo iniciou-se no Brasil, de forma sistemática e documentada, em abril de 1985 em São Francisco, bairro da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. Implantado através da Universidade Federal Fluminense - UFF - e do Centro Comunitário de São Francisco - CCSF - o trabalho estendeu-se e deu lugar, a partir de 1986, a novos projetos em unidades militares, escolas, edifícios entre outros156.

153 AMAZONAS, M. A reciclagem como motor de geração de empregos. Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1992.154 EIGENHEER, E.M. (org.). Coleta Seletiva de Lixo: Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro, Centro de Informações Sobre Resíduos Sólidos – Universidade Federal Fluminense (UFF)/Instituto de Estudos da Religião (ISER). 1993.155 EIGENHEER, E.M. (org.). Coleta Seletiva de Lixo: Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro, Centro de Informações Sobre Resíduos Sólidos – Universidade Federal Fluminense (UFF)/Instituto de Estudos da Religião (ISER). 1993.156 EIGENHEER, E.M. (org.). Coleta Seletiva de Lixo: Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro, Centro de Informações Sobre Resíduos Sólidos – Universidade Federal Fluminense (UFF)/Instituto de Estudos da Religião

102

A partir de 1989, e influenciados pela propaganda em torno da ECO'92, diversos programas foram desenvolvidos por prefeituras, empresas, ONG'S e diversos outros tipos de instituições. Inúmeros desses programas evoluíram e persistem até hoje; outros entraram na onda verde que tomou conta do país pós ECO'92 e aproveitaram para se autopromover, através de uma bem bolada campanha de marketing.

Evidentemente, a implantação da coleta seletiva no Brasil depende, primeiramente, do estabelecimento de legislação pertinente que estimularia o engajamento de industriais, comerciantes e população em geral. Além disso, requer investimentos maciços em educação da população de modo a torna-la conscientizada, participativa e atuante. Outra questão delicada e, também não devidamente avaliada, diz respeito ao comércio de matérias-primas secundárias. Este comércio já funciona há pelo menos cinqüenta anos e não se mostra muito interessado em participar de maneira mais atuante na coleta seletiva uma vez que, segundo eles a coleta seletiva irá elevar o preço deste material que eles adquirem como se fosse lixo, que é como a população trata os seus rejeitos. Nesta categoria estão incluídos os aparistas e os sucateiros em geral. Podemos observar em todas as grandes cidades os burrinhos-sem-rabo, que são o elo mais fraco desta cadeia. São eles que fazem o recolhimento de todos os nossos rejeitos e os encaminham aos aparistas e sucateiros, as vezes por preços muito abaixo daqueles que eles comercializam para as indústrias.

Além de todas estas questões, existe ainda o problema das empresas responsáveis pela limpeza pública urbana. Dados de diversas prefeituras demostram claramente que a coleta seletiva é muito mais onerosa do que o recolhimento regular. O que não é contabilizado nestes custos são os impactos causados ao meio ambiente, através dos lixões. Nunca os custos ambientais são contabilizados na hora de serem efetivados programas mais racionais e ecologicamente corretos, pois a legislação ambiental não é cumprida.

A coleta seletiva, como tem sido operada no Brasil, precisa de fortes ajustes para reduzir os seus custos e aumentar o fluxo de material reciclável. Estas são algumas das conclusões do programa de pesquisa Ciclosoft desenvolvido pelo CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem, que até agora analisou em detalhe sete programas de coleta seletiva no Brasil: Curitiba, Florianópolis, Salvador, Santo André, Santos, São José dos Campos e São Paulo.

O custo médio destes programas é de US$ 262 por tonelada, cerca de dez vezes o custo da coleta convencional. A receita obtida através da venda dos recicláveis, na média, cobre apenas 10% dos custos dos programas. Os altos custos são aliados a um baixo impacto na redução do fluxo de lixo. Na média, apenas 4,8% do lixo, em peso, dos bairros onde há coleta seletiva está sendo reciclado por estes programas. O melhor índice obtido foi de 10,7%, em peso. Uma das saídas seria o engajamento - através da formação de cooperativas - dos catadores de rua, que coletam quantidades muito maiores que os programas157.

Diversos países vem aplicando com sucesso seus programas de coleta seletiva graças a leis ambientais, algumas delas bastante severas. Grande parte da reciclagem não tem vantagem econômica e, grande parte dela consome mais energia do que economiza158, diz Steve Webb, diretor de política da Associação Nacional das Empreiteiras de Dejetos Descartáveis - ANEDD - do Reino Unido. Os países industrializados estão se empenhando nas tentativas de melhorar o controle dos

(ISER). 1993.157 CEMPRE Informa. n09. Dezembro. 1993.158 CEMPRE Informa. n09. Dezembro. 1993.

103

rejeitos sólidos de todos os setores de suas economias, das casas e da indústria à agricultura e à mineração.

A seguir, vamos citar alguns exemplos destas iniciativas:

1- NOS EUA:Segundo Tom Heyman, ao longo da sua vida, um americano médio consumirá

20.000 garrafas de cerveja; 450 litros de outras bebidas alcoólicas; 913 pilhas; 67 pneus; 10.300 latas de alumínio; 12.800 embalagens de vidro; 22 toneladas de papéis; 5 carros; jogará fora quase 50 toneladas de comida; consumirá 10 milhões de litros

de água e receberá 8 toneladas de publicidade pelo correio159.

A enorme quantidade de lixo produzida pelos americanos e a indisponibilidade de novas áreas para instalação de aterros sanitários, mobilizou os governos federal, estadual e municipal a desenvolverem uma legislação específica no sentido de regulamentar a redução, a coleta e separação e a reciclagem.

À nível federal, está sendo reforçada a Lei Resource Conserveition and Recovery Act que estabelece os percentuais a serem alcançados na separação do lixo doméstico a partir de julho de 1995: Metais - 40%; Vidros - 40%; Papéis - 40%; Plásticos - 25% e Resíduos de jardim - 75%.

Os fabricantes de embalagens deverão atender a pelo menos uma das seguintes opções:

■ Utilização de pelo menos 25% de materiais reciclados até 31/ XII/1995; 35% até 31/XII/1998 e 50% até o ano 2000;

■ Fabricação de embalagens que possam ser reutilizadas com o mesmo objetivo original pelo menos 5 vezes;

■ Redução de peso das embalagens em 15% quando comparado com a embalagem

usada para o mesmo objetivo e produzida com o mesmo material de há 5 anos atrás;

em 20% quando comparada com outra fabricada com material diferente.

À nível estadual e municipal, em 1991 inúmeros estados promulgaram pela

primeira vez leis estabelecendo metas específicas para a reciclagem do lixo doméstico,

variando de 25% a 50%.

Outra Lei, a chamada Recycled Content Legislation, foi promulgada na Califórnia

exigindo um mínimo de 15% de material reciclado nas embalagens de vidro e pelo

menos 10% em sacos plásticos. Também na Califórnia uma outra Lei exige que todo

vidro recuperado no estado seja lá mesmo vendido.

Nos estados de Washington e da Carolina do Sul foi proibido o despejo de óleos

usados em qualquer ambiente natural; Arkansas e Carolina do Sul proibiram o

vazamento de pneus e resíduos de jardins enquanto que, outros estados estão

elaborando Leis para proibir que haja a disposição de pilhas, baterias,

eletrodomésticos, automóveis, produtos químicos tóxicos e lixo hospitalar.

Uma das legislações mais duras dos EUA entrou em vigor em Saint Paul - estado

de Minnesota - na luta contra as embalagens descartáveis, principalmente o plástico.

Um decreto municipal proíbe que embalagens plásticas descartáveis (copos,

159 HEYMAN, T. In as Average Lifetime. New York, Fawcett - Columbine. 1992.104

embalagens de leite e refrigerantes e produtos de limpeza) sejam usados no comércio

da cidade. Assim, diversos produtos tiveram suas embalagens de plásticos substituídas

por papel, vidro ou de metal e, as lojas que não oferecerem alternativas as embalagens

plásticas sofrerão multas de US$ 50. Os comerciantes são também obrigados a aceitar

a devolução de inúmeras embalagens descartáveis, que poderão ser encaminhadas para

a reciclagem ou a incineração.

Em Minneapolis, na outra margem do Rio Mississipi, uma regulamentação

parecida entrou em vigor na mesma época, mas será aplicada de maneira diferente: a

municipalidade vai reciclar todas as embalagens plásticas geradas na cidade. As leis

aprovadas nas cidades de Saint Paul e Minneapolis parecem ser as mais abrangentes

dos EUA160, comenta Nancy Skinner - diretora-executiva da organização não-

governamental Soluções Locais para a Poluição Global, com sede em Berkeley -

Califórnia. Hoje, em Minneapolis existem mais de 100 mil moradias que reciclam

restos de comida e garrafas plásticas, além de outros objetos reutilizáveis ou

recicláveis. Todos os moradores que participam do programa pagam uma menor taxa

de lixo161.

Uma vez que estas novas leis proíbem embalagens que não possam ser devolvidas

ou recicladas e, obrigam os estabelecimentos a recebe-las ou recicla-las, estas medidas

devem ajudar a resolver um dos graves problemas que se defrontam as 2,3 milhões de

pessoas que vivem nestas duas cidades: reduzir as montanhas de lixo que se acumulam

nos aterros e incineradores.

Há duas maneiras de agir, diz Susan Vadney, porta-voz do Conselho sobre

Resíduos Sólidos - organização de empresas que produzem 59 bilhões de garrafas e

embalagens plásticas por ano. Você pode usar a forma negativa, com base em

ameaças, ou a maneira positiva, através da cooperação162, acrescenta a Sra. Vadney,

afirmando que atualmente existem mais de 500 programas de reciclagem e redução de

lixo.

2- Na Alemanha:O governo alemão acredita que ainda possa recuperar entre 30% e 50% dos

resíduos de origem domiciliar, mesmo sendo a Alemanha o país com Leis Ambientais mais rígidas. A seguir, a produção de resíduos nos Aterros Sanitários e sua recuperação atual.

Tipo Resíduo Aterro Sanitário (milhões toneladas)

Recuperado (milhões toneladas)

papéis 3,83 1,5vidros 3,57 1,25metais Ferros. 0,658 0,250alumínio 0,36 -plásticos 0,808 0,20

160 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1992.161 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1992.162 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1992.

105

(fonte: Sebrae, 1992)

Em 1992, um novo pacote de leis, ainda mais rígidas estava para ser implementado pelo Governo, através Ministério do Meio Ambiente, visando reduzir o volume de lixo pela reciclagem e incineração.

Em 1991 entrou em vigor a German Waste Packaging Ordinance que estabelece as normas a serem seguidas em relação as embalagens, tornando os fabricantes e distribuidores responsáveis pela sua recuperação e transporte, visando a sua reutilização ou reciclagem, evitando-se assim a sua incineração ou disposição em Aterro Sanitário. Em 1993 a indústria deverá coletar 60% do vidro, 40% do estanho e 30% do alumínio, papel e plástico usado em embalagens. Em 1995 este percentual deverá ser de 80%.

Esta legislação é pioneira, pois estabelece a exigência da reciclagem mesmo que ela não seja econômica ou que não haja mercado para os produtos recuperados. Isto certamente obrigará as indústrias a repensar suas embalagens, investir em novas tecnologias, em novos mercados e produtos.

Em nível estadual/municipal, diversas cidades alemãs criaram seus próprios pacotes de leis. A cidade de Munique, na Baviera, pretende reforçar o uso de embalagens retornáveis para todos os tipos de bebidas, como refrigerantes, cervejas, leite e água mineral. Evidentemente, os fabricantes e distribuidores estão se pronunciando de maneira contrária, mas o governo já estabeleceu multas de 1.000 (U$ 1.600) a 10.000 (U$ 16.000) Marcos. Em casos mais graves, até a cassação da licença comercial da empresa.

No estado de Baden-Wurtemberg, o governo propôs que todos os livros e cadernos escolares sejam exclusivamente produzidos com papel reciclado. O governo do estado da Westphalia - Reno do Norte - baixou uma nova Lei de disposição final do lixo:

■ os municípios devem realizar análises qualitativas do lixo gerado em suas jurisdições;

■ implantar a coleta seletiva de papéis, plásticos, vidros e metais, além dos restos orgânicos e de construções;

■ garantir local apropriado, estabelecendo os padrões, para disposição final do lixo por pelo menos 10 anos;

■ as empresas ou estabelecimentos que gerarem mais de 500 kg de lixo/ano devem providenciar seus próprios locais para dispo-lo em local seguro por pelo menos 5 anos.

3- No Japão:A escassez áreas para dispor seu lixo - doméstico e industrial - e a escassez de

matérias-primas tornou o país um líderes na vanguarda da coleta seletiva e da reciclagem. além disso, os resíduos que sobram da reciclagem são operados de forma eficiente e de maneira compatível com o meio ambiente, sem agredi-lo. Para se ter uma idéia, os americanos reciclam cerca de 10 a 11% de todo lixo sólido, em contraste com o Japão que atualmente recicla 40 a 50%. A coleta seletiva do lixo doméstico está presente em 90% das comunidades japonesas e em muitas delas, há a coleta do lixo perigoso (baterias, pilhas, termômetros e outros) que contém mercúrio e outros metais pesados. Estes são coletados e processados separadamente e não vão para os aterros ou outros depósitos.

A reciclagem é comum no Japão porque as pessoas são conscientizadas a realiza-la desde criança, pois aprendem estes valores na escola. Nas escolas, uma das matérias ensinadas diz respeito à educação ambiental, e elas são levadas a conhecer as plantas

106

de aproveitamento dos rejeitos. Outra forma de enraizar a reciclagem na vida das pessoas é o trabalho realizado por certas comissões que vão de porta em porta, uma vez por ano, ensinando e explicando como reciclar, e como tomar cuidado com o lixo.

O segredo do sucesso da coleta seletiva no Japão é a participação da sociedade no processo. O auto policiamento nos prédios - locais onde é muito difícil exercer um controle e coleta eficiente - é feito por pessoas responsáveis que explicam aos moradores como agir. Caso alguma família não queira participar ou misture o seu lixo orgânico com outros materiais, ela será mal vista pelo resto da comunidade. Em alguns casos, chega-se até a marcar as sacolas de lixo com o nome do morador para identifica-lo aos demais moradores do prédio, de modo a deixa-lo embaraçado163. Dessa forma, a pressão da sociedade faz a comunidade se envolver.

Uma legislação conhecida como Lei para Promoção da Utilização de Recursos Recicláveis ou Lei da Reciclagem, estabelece os percentuais de recuperação a serem atingidos:

Resíduo / Material 1989 (%) 1994 (%)papéis 50 55latas de aço 44 60latas de alumínio 43 60vidros 49 55

A Lei estabelece ainda O Lixo como recurso reciclável e pretende contribuir para a solução do problema dentro da ótica de gerenciamento de recuperação dos recursos. Estabelece ainda que determinadas indústrias ou distribuidores deverão implantar sistemas de reciclagem e identificar os produtos por tipo de material, de modo a facilitar a separação por parte do consumidor final.

A questão primodial a ser abordada, é a vontade política dos governos dos EUA, Alemanha e Japão em relação à coleta seletiva e a reciclagem. Este conjunto de Leis e dispositivos, além de uma fiscalização eficiente, educação e conscientização das suas populações, tornam estas práticas uma realidade em nossos dias.

A coleta seletiva e a reciclagem na Alemanha passa no momento por uma situação interessante: seu sucesso é uma das causas dos problemas que o sistema conhecido como Duales System Deutschland - DSD - está enfrentando. Este sistema, implantado em 1992, por 600 grupos industriais para cumprir as metas impostas pelo governo está esperando coletar quatro vezes mais do que o montante fixado, principalmente plásticos. Com isso, os pátios das indústrias estão cada vez mais cheios de matéria-prima, prejudicando o sistema de coleta o, que, evidentemente desagrada a população pela perda da qualidade do serviço. Além disso, as indústrias que não estavam dimensionadas para tal volume recorrem as exportações dos resíduos como forma de dar vazão à produção. Parte da solução repousa no desenvolvimento das instalações de reciclagem, por parte destas indústrias, principalmente em relação aos plásticos, presentes em diversos produtos de consumo da população. Ou então, as indústrias serão forçadas a repensar o uso indiscriminado do plástico em suas embalagens e substituí-lo por outro tipo de material, como papéis e vidros.

Um exemplo interessante do sucesso e eficiência de programa de coleta seletiva e reciclagem, é aquele desenvolvido no Vietnã. A capital vietnamita, Hanoi, tem uma sofisticada rede de coleta, reaproveitamento de lixo e de reciclagem, apesar do baixo grau de desenvolvimento econômico, falta de coletores individuais de lixo e baixo nível de instrução da população. Em muitos países a coleta seletiva é fruto da atuação

163 Revista Projeto Reciclagem. Ano 2, n05. Julho. 1991.107

da mídia e de organizações não governamentais - ONG's - de caráter ambientalista enquanto que, no Vietnã é uma necessidade e faz parte do dia-a-dia da população na sua sobrevivência. Enquanto nos países ocidentais, a ênfase dos programas de reciclagem recaem sobre o papel e o vidro, no Vietnã a coleta e a venda de sucatas metálicas é o mais lucrativo ítem do lixo para os catadores de rua. Em todas as regiões do país, as pessoas se organizam para a coleta de sucatas metálicas de todos os tipos: caminhões e até bombas que não explodiram são desmanchadas e acabam virando sucata que, posteriormente serão refundidos para a produção de uma ampla gama de produtos necessários a um país destruído por uma guerra e que enfrentou durante muito tempo um longo boicote econômico de uma parte da comunidade mundial.

Nas ruas da capital existe um sistema bem organizado de coleta de lixo. Dúzias de pequenos carros com três rodas fazem a sua ronda durante o dia, coletando lixo. Quando estes carros estão cheios, eles são esvaziados em grandes montes onde é realizada a catação de todos os produtos que podem ser reaproveitados e reciclados. Pessoas de todas as cidades, também, coletam de casa em casa papéis, vidros, plásticos e sucatas metálicas para revende-las e tirar daí o seu sustento.

Como se vê, através de uma combinação de pobreza e empreendimento, o povo vietnamita dá um exemplo de como podemos combater o grande desperdício que norteia a nossa sociedade consumista. Em Hanoi, e em outras cidades do Vietnã, muito pouco acaba indo para os aterros sanitários.

CAPÍTULO IV 108

A Reciclagem das Matérias-Primas

1- Papel

109

A princípio, insensíveis como feras, dei aos homens sentido, atribui-lhes mente. No início, vendo, pareciam cegos e, ouvindo não escutavam, mas como fantasmas se atropelavam.Em sonhos, a história perplexa dos seus dias confundiam.

(Ésquilo - Prometeu Acorrentado)

O nome papel vem do uso das folhas de papirus no Egito, no século XVIII antes de Cristo. Existem duas correntes distintas para explicar a origem do papel na nossa sociedade.

O papel, que hoje é um elemento tão comum em nosso quotidiano, foi inventado na China por volta do século II a.C. e difundiu-se no Oriente com relativa rapidez. Já no século II da nossa era, chegou à Coréia e depois de cem anos já era encontrado no Japão e na Indochina, chegando a Índia antes do século VII. Embora o uso do papel se difundisse com certa facilidade, o processo de fabricação era um segredo revelado à poucos.

Na Indochina a prática de sua fabricação iniciou-se na século XII. A mesma sequência aconteceu na rota que trouxe o papel para o Ocidente: primeiro o comércio e depois de certo tempo a sua fabricação. A travessia do papel da China para o mundo árabe se deu no século VIII, estendendo-se pelo território islâmico até chegar ao continente europeu, por volta do século XI, tendo a Itália como porta de entrada164.

Outros autores discutem que a origem do papel está ligada à presença na Terra, desde há mais de 300 milhões de anos, de certas vespas, que certamente foram os primeiros industriais na arte de fabrica-lo. Estes insetos, ao comerem certos tipos de madeira, produziam uma polpa com a qual construiam os seus ninhos. A partir dessa observação por naturalistas, teve-se a idéia de cozinhar a madeira, de modo a se conseguir o mesmo efeito que a digestão dos insetos165.

A atividade de reciclagem no Brasil se confunde com as próprias origens da fabricação de papéis no país. As primeiras fábricas brasileiras de papel, instaladas há mais de seis décadas, se utilizavam de papéis descartados para a produção de novos papéis. Nessa ocasião, a quase totalidade das necessidades brasileiras de papel, em seus diferentes tipos, eram supridas por fornecedores do exterior. O passo seguinte da indústria brasileira foi a produção de papéis utilizando-se matérias-primas virgens importadas. Só a partir do início dos anos 70, a indústria brasileira de celulose começa a ter expressão, passando os fabricantes de papéis a utilizarem as matérias-primas virgens de origem nacional e estrangeiras166. A Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose - ANFPC - classifica os papéis produzidos no Brasil nas seguintes categorias:

■ papéis para imprensa■ papéis para imprimir■ papéis para escrever

164 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.165 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.166 Anuário Estatístico. Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose (ANFPC). 1995.

110

■ papéis para embalagens■ papéis para fins sanitários■ cartões e cartolinas■ papéis para fins especiais

Todos os tipos de papéis citados, com exceção das categorias para fins sanitários e para fins especiais, são recicláveis e representam 87,3% do total produzido no país.

Além das diferenças de utilização nos meios de produção social, os tipos de papéis também se diferenciam na natureza das fibras usadas na sua confecção. Segundo a ANFPC, as fibras são classificadas em:

■ celulose de fibras curtas:O Brasil produz estas fibras quase que exclusivamente de florestas de eucaliptos

plantadas pelas empresas do setor. Produz um tipo de papel que se caracteriza pela opacidade (necessário para papéis de impressão e escrever) ou maciez e suavidade (fundamental em diferentes tipos de papéis para fins sanitários);

■ celulose de fibras longas: São obtidas de pinheiros exóticos, aclimatados pelas indústrias do setor. A

principal característica dos papéis feitos com estas fibras é a resistência ao rasgo e ao estouro, já que são elas as ideais para fabricação dos papéis de embalagens;

■ pastas de madeira:As matérias-primas para produção de pastas de madeira podem ser obtidas das mais

diferentes fontes inclusive, de serrarias. Sua maior utilização têm sido como enchimento, sempre para complementar a composição fibrosa dos papéis, conjuntamente com as fibras celulósicas.

A tabela IV.1.1 resume os tipos de papéis e matérias-primas usadas para produzi-los.

Tipos de Papéis Característica Matéria-prima■ escrever■ impressão■ fins sanitários

■ opacidade■ maciez■ suavidade

■ fibras curtas■ fibras longas e curtas (30% e 70%)

■ kraft ■ resistência ■ fibras longas

■ papelão ondulado ■ resistência ■ capa e contracapa - fibras longas + curtas ■ miolo - pasta de fibra de papel usado - reciclado

■ cartolinas ■ resistência ■ fibras curtas (30%) e fibras longas (70%)

A reciclagem de papéis é uma atividade tradicional e simples, bastante desenvolvida no país. Atualmente, ela representa 32% do consumo total de fibras, englobando as importações de papel. De acordo com o Sr. Márcio Amazonas (1992), o Brasil reciclou em 1990, 1,49 milhões de toneladas de aparas, 27% do total consumido. Há alguns anos atrás, o Japão estava reciclando 95% do papel jornal e 51% provenientes dos restos de papel porém, recentemente, essa taxa vem caindo na medida em que o Yen valoriza-se em relação ao dólar, pois o país foi inundado com

111

aparas de papel importado dos EUA167. Fenômeno identico se deu no Brasil, em 1993, que recebeu uma grande quantidade de papel velho proveniente dos EUA, fazendo baixar o preço das aparas no mercado nacional. A tabela IV.1.2 mostra a evolução da recuperação de papel no Brasil.

Os problemas ambientais não estão relacionados apenas ao uso do papel, que devido a sua longa biodegradabilidade - segundo alguns estudos, pode levar décadas - mas também, a sua fabricação. Para sua produção grandes quantidades de árvores e de

água são exigidos. Para fabricar uma tonelada de papel, consome-se 200 m3 de água que, é equivalente ao consumo diário de uma cidade de 1.000 habitantes, desde que, cada habitante consuma cerca de 200 litros diariamente. Toda esta água deve, após sua utilização no processamento industrial, ser devolvida ao corpo d'água original e, com frequência, ela está poluída com fibras vegetais, caolim, breu, celulose bem como, com inúmeros produtos químicos tóxicos usados na digestão e no branqueamento do papel. O processamento industrial produz também vários poluentes atmosféricos: material particulado, óxido de enxofre e odores característicos, que se não forem devidamente tratados podem causar muitos incômodos à saúde humana. Resumidamente, o processamento industrial pode ser descrito da seguinte forma: primeiro, a madeira é cortada em pedaços muito pequenos; depois, ela é cozida até formar uma polpa ou massa de celulose; essa massa é lavada para retirada da sujeira; são adicionados produtos químicos para o branqueamento; em seguida, ela começa a ser secada, prensada, começam a se formar as folhas, que vão ser enroladas em bobinas.

Anos Consumo Papéis(1.000 t)

Consumo Papéis Recicláveis

(1.000 t)

Taxa Recuperação(%)

1978 2.696 836 311979 3.196 948 29,91980 3.428 1.052 30,71981 3.009 920 30,61982 3.327 966 291983 3.184 1.003 31,51984 3.219 1.085 33,71985 3.599 1.155 32,11986 4.115 1.390 33,81987 4.371 1.489 34,11988 3.771 1.429 37,91989 4.294 1.596 37,21990 4.053 1.479 36,51991 4.208 1.487 35,31992 3.964 1.473 37,31993 4.184 1.624 38,31994 4.604 1.719 37,3

(fonte: Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose - ANFPC - 1995)

Para fabricar uma tonelada de papel são necessários a derrubada de 10 a 20 árvores, eucaliptus, de 6 a 7 anos de idade. Sabemos que as árvores utilizadas para a extração de celulose na produção do papel foram plantadas para este fim e que depois, outras vão ser novamente plantadas em seu lugar. Mas, em geral, estas áreas reflorestadas com pinheiros e/ou eucalíptus foram realizadas as custas do desmatamento de áreas florestais nativas, com todos os impactos ambientais decorrentes desta atividade:

167 Revista Projeto Reciclagem. Ano 2, n05. Julho. 1991.112

erosão e desagaste do solo, desaparecimento de espécies animais e vegetais, interferência no ciclo local de chuvas e, à longo prazo, alterações nas bacias hidrográficas locais. Segundo dados de 1991, a área plantada para produção de papel no Brasil é da ordem de 1,4 milhões de hectares, para uma produção de 5 milhões de toneladas168. Além disso, esta monocultura não constitui uma cobertura vegetal natural para substituir àquela natural destruída. Muitos governos também oferecem grandes subsídios à retirada de madeira seletiva das florestas, tanto para produção da pasta de celulose quanto para fabricação de outros produtos.

Cada vez que o papel é reciclado, as fibras que ele é formado tornam-se mais curtas e ele vai perdendo sua qualidade, ficando mais fraco. Como as fibras vegetais são recursos renováveis, a introdução de novas tecnologias de fabricação podem ser desenvolvidas visando a melhoria da sua qualidade. Técnicas de engenharia genética também podem ser aplicadas para aumentar e melhorar as fibras. Estas duas práticas, combinadas à redução da demanda de novas fibras, combate ao desperdício de papel e aumento da reciclagem, poderão permitir que as necessidades de papel sejam satisfeitas sem que isso provoque efeitos desastrosos sobre as florestas do mundo. A reciclagem de papel economiza cerca de 2,5 barris de petróleo por tonelada de aparas utilizadas e 50% no consumo de água169.

Segundo dados de 1990 do Conselho de Desenvolvimento Industrial - CDI, do Ministério da Indústria e do Comércio - o consumidor brasileiro joga fora no lixo, todos os anos, cerca de US$ 480 milhões com o desperdício de papel. Os grandes vilões desta história, sem dúvida são os servidores públicos, federais, estaduais e municipais. Diversos programas foram desenvolvidos desde então visando combater este desperdício de divisas, tanto à nível federal como estadual e municipal. Porém, é muito grande o desperdício de papel nas residências, nos estabelecimentos comerciais e industriais. O papel perfaz, aproximadamente 30% do total depositado nos aterros e lixões das capitais do Brasil.

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI - apresentou à Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose um amplo relatório de monitoramento tecnológico do setor de papel e celulose, elaborado a partir da análise de 162 patentes depositadas no Brasil, Europa e EUA. A conclusão deste estudo coincide com números que mostram um significativo aumento da produção de papel reciclado no Brasil. No Rio de Janeiro - estado que não tem base florestal e concentra muitos fabricantes - o produto reciclado já representa 70% de toda a produção de papel, segundo dados da

Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro - Firjan170 . A tabela IV.1.3 mostra o aproveitamento de papel usado na produção de papel novo no Brasil e no Mundo e o gráfico 1.1 mostra os tipos de papéis recicláveis no Brasil. Mas, a reciclagem do papel também traz muitos problemas. Segundo denúncias do Jornal O Estado de Minas, de 16 de janeiro de 1995, as indústrias mineiras de reciclagem de papel estão fazendo um papelão, já que é muito grande a poluição causada pelas indústrias de reciclagem de papéis no estado de Minas Gerais. Irresponsáveis e, além do mais, administradas sem compromisso ou responsabilidade ambiental por parte de seus proprietários ou grupos econômicos, estas indústrias (14 oficialmente no estado) causam, diariamente, uma poluição equivalente ao lançamento de esgotos sanitários gerados por uma cidade de 140 mil habitantes.

Segundo levantamento realizado pela Diretoria de Controle Ambiental da Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais - Feam - uma tonelada de

168 MARTINE, G. Luz no túnel. Revista Globo Ecologia. Junho. 1992.169 MARTINE, G. Luz no túnel. Revista Globo Ecologia. Junho. 1992.170 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.

113

papel produzida por dia gera uma carga poluidora que consome grande parte da Demanda Química de Oxigênio - DQO - correspondente a que uma comunidade de 100 a 300 pessoas faria com os dejetos sanitários. Sabendo-se, extra-oficialmente, que existem 30 e não apenas 14 indústrias de reciclagem de papel e papelão funcionando sem quaisquer tratamento de seus resíduos, este potêncial poluidor chega à níveis assustadores.

Países Taxa de Recuperação

( % )

Total Aparas Usadas

( 1.000 t )

Total Fibras Usadas

( 1.000 t ) Holanda 68,9 1.640 2.380Dinamarca 65,7 216 329Espanha 62,4 2.099 3.365Israel 60,1 110 183Japão 49,3 12.437 25.227Alemanha 47,6 4.522 9.500Colômbia 47,3 261 552Chile 35,8 138 385Argentina 31,9 353 1.106Brasil 29,9 1.429 4.782EUA 24,4 17.745 72.725

(fonte: Trombine, 1988)

Outro fator relevante levantado pela fiscalização da Feam é que a maioria das indústrias estão longe da capital - Belo Horizonte - e, portanto, longe dos olhares da população mais esclarecida, da imprensa e, principalmente dos ambientalistas. Elas estão localizadas em municípios de médio e pequeno porte, lançando seus efluentes em rios ou córregos de baixa vazão. Então, os danos ambientais, devido ao carreamento de fibras orgânicas e poluentes tóxicos usados no processamento industrial, que transmitem cor e turbidês, que matam os seres aquáticos por asfixia171.

Segundo a Divisão de Controle de Indústrias Químicas e Alimentícias da Feam, tudo poderia ser evitado no processo industrial - a exemplo do que acontece no Primeiro Mundo, graças às tecnologias disponíveis no mercado. A matéria-prima utilizada pelas indústrias de reciclagem consiste, basicamente, de aparas de papel velho. Primeiramente, é feita uma seleção dos papéis recicláveis de forma a se adquirir características específicas dos tipos a serem obtidos. Estes papéis são depsitados, juntamente com produtos químicos, em um tanque contendo água, denominado Hidro-pulper, onde se dá a preparação da massa ou polpa de celulose. A segunda fase do processo consiste na eliminação de impurezas - plásticos, grampos, arames, barbantes, pedras e areia, dentre outros. Após a limpeza, a massa passa pelo processo de refinação, visando conferir um aspecto mais homogêneo e obter as condições ideais para a formação do papel. A pasta passa por nova limpeza e, em seguida é levada à máquina de papel, onde se obtém o produto final. Formam-se as folhas com alta umidade, que é gradativamente seca e prensada. passando-se, então, ao bobinamento comercial.

171 Jornal O Estado de Minas. Janeiro. 1995.114

papelão55%

mista11%

arq. branco6%

ap. tipográficas4%

ap. kraft5%

outros3%

jornais5%

ap. cartolina4%

ap. branca8%

figura 1.1- Os tipos de papéis e sua participação na reciclagem no Brasil. (fonte: Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose - ANFPC - 1995)

É nesse processo que se gera a poluição. Ou seja, ela advém dos próprios equipamentos utilizados, na linha de limpeza e refinação da polpa além, da lavagem das máquinas e equipamentos auxiliares. As etapas de secagem e prensagem na máquina que fabrica o papel são as que mais contribuem para tragédia ambiental, fazendo elevar a concentração dos sólidos em suspensão - fibras de celulose que se depositam nos leitos dos rios, além de uma grande quantidade de produtos químicos despejados juntos. Dá pena - constatam os próprios técnicos da Feam - isso partir exatamente de indústrias de reciclagem que, como o próprio nome faz supor deveriam ser verdes e não o são172. Eles lembram que mesmo as indústrias consideradas verdes causam uma poluição que a maioria das pessoas desconhece.

Tanto a poluição como a tentativa de solucionar estes crimes ambientais que ainda se praticam no estado de Minas Gerais - e quiçá, também em outros estados do Brasil - são reincidentes e remontam à década de 80. A Feam avaliou uma proposta apresentada pelo Sindicato das Indústrias de Papel, Papelão e Cortiça para o desenvolvimento de um projeto global de tratamento ambiental, a nível secundário, para os efluentes líquidos gerados por essas indústrias. Ao contrário da poluição que aumentou, quase nada andou desse tempo para cá. Isso fez o Conselho Estadual de Política Ambiental - Copam - convocar, em janeiro de 1994, todas as indústrias existentes no estado de Minas Gerais para providenciar os licenciamentos corretivos na Feam. Deu-se um prazo de 30 dias. Mais 6 meses para que as indústrias estudassem e apresentassem um projeto executivo para tratamento ou disposição adequada dos seus rejeitos industriais. E outros 18 meses para implantação, de fato, de seus sistemas de controle final.

Estes prazos acham-se vencidos desde julho de 1994 e, efetivamente, nenhuma das empresas cumpriu os prazos acordados. Apenas duas de um total de 30 - as fábricas de papel Santa Terezinha (antiga Impasa) em Governador Valadares e, a Trombini (antiga 172 Jornal O Estado de Minas. Janeiro. 1995.

115

Facelpa), em Ponte Nova, possuem ou estão implantando sistemas de tratamento secundário para a sua poluição. A fábrica de papel Santa Terezinha, inclusive, é apontada pela Feam como um exemplo a ser seguido, por possuir um sistema completo e eficiente de tratamento.

E, o que dizem as indústrias?Para o presidente do Sindicato das Indústrias de Reciclagem de Papel, Sr. Heitor

Vilela, a explicação para o setor ainda não ter atendido ainda à legislação ambiental é política e está associado à omissão do estado e do ex-governador Sr. Hélio Garcia. "Nós cansamos de procurar os orgãos ambientais estaduais e a Secretaria de Indústria e Comércio, em busca de ajuda para financiarmos, em conjunto, o estudo de uma solução tecnológica que pudesse controlar os efluentes que jogamos nos rios. Porém, foi uma luta em vão, com a administração ausente e displicente do governo passado. O Sr. Hélio Vilela disse ser proveitoso colaborar com a Feam, na medida que o setor, antes de poluidor, é ecológico e social, por reduzir aterros, empregar 20 mil pessoas no estado e diminuir a devastação, na medida em que se recicla um material que já foi produzido. Sabemos que existe tecnologias, que o tratamento primário de nossa poluição é até rentável para as empresas, porque recuperam fibras que iriam para os corpos d'água. Se reciclarmos, então, a água que usamos no processo industrial, o custo de um tratamento secundário fica ainda mais barato173.

O que causa espanto é o presidente de uma associação industrial utlilizar argumentos tão torpes e absurdos para justificar a ineficiência das empresas que ele representa. Tranferir a poluição dos aterros para os rios não é um argumento plausível para justificar a alcunha de ecológico da sua atuação. Muito menos social, quando polui as reservas aquíferas locais que, certamente, são elas que abastecem as populações locais. Portanto, presumimos que o Sr. Hélio Vilela deveria reconsiderar as suas afirmativas à respeito do assunto. Ou então, deveria se atualizar no que diz respeito as novas formas de processamento industriais realmente saudáveis, uma vez que a Companhia Paraíbuna de Papéis - em Juiz de Fora, dirigida pelo Sr. Hélio Vilela - é o pior exemplo, em termos de poluição, das empresas mineiras de reciclagem de papéis, segundo avaliação dos técnicos da Feam174.

2- Plásticos

173 Jornal O Estado de Minas. Janeiro. 1995.174 Jornal O Estado de Minas. Janeiro. 1995.

116

A ética é sempre escolha e histórica. Escolha construída socialmente, mas também escolha do indivíduo em cada um dos seus atos. É histórica porque vai se modificando ao longo do tempo, de acordo com as realidades e desafios postos às sociedades.

(Liszt Vieira)

Os plásticos são materiais muito recentes para a civilização humana, se formos compara-lo com outros materiais tradicionais na nossa cultura como o papel (provavelmente inventado no século XVIII a. C.), o vidro (achados arqueológicos, datam de até 4.000 anos a.C.) e, os metais (que fazem parte integrante da história da evolução do homem). As primeiras matérias plásticas foram inventadas no início do século XX, como o PVC, descoberto na Alemanha, em 1913. Além de criar usos inéditos na vida do homem, eles substituem com bastante frequência o vidro, os metais, o papel e o papelão e a madeira, entre outros. Embalagens, brinquedos, tubos, cabos e calçados são algumas das aplicações dos plásticos no nosso quotidiano. Porém, a invenção do plástico trouxe novos aspectos quanto à destinação do lixo, pois ao mesmo tempo que foi se incorporando aos nossos hábitos, o plástico também assumiu o caráter de produto descartável, indo parar rapidamente das mãos do consumidor para os depósitos de lixo175.

As vantagens do plástico são a economia de matérias-primas, facilidade no processamento, leveza, menor consumo energético, ocupa muito menos espaço físico na armazenagem (tanto como matéria-prima quanto como produtos manufaturados), durabilidade e estética. No campo das embalagens, consumo de quase 60% de toda a matéria-prima produzida no país, pode-se citar outras vantagens:

■ influência decisiva no sucesso de marketing de uma linha ou produtos de consumo, principalmente pela aparência e funcionalidade da embalagem expressa em forma e peso, qualidade de impressão gráfica, característica de abertura, novo fechamento e fluxo;

■ manutenção da qualidade do produto contido;■ aumento da vida útil de prateleira do produto contido;■ imquebrabilidade, impermeabilidade e indeformabilidade;■ resistência à perfuração por roedores e outros animais;■ facilidade de manejo;■ higiene;■ em muitos casos, visualização do produto contido, por exemplo os grãos176.

Na maioria dos países desenvolvidos, os plásticos perfazem um percentual bem mais significativo do que nos países do terceiro mundo, refletindo o padrão e a qualidade de vida dos respectivos povos. Assim, podemos supor que o consumo per-capita de plásticos é maior nestes países do que, por exemplo, no Brasil.

A tabela IV.2.1 e o gráfico 2.1 ilustram muito bem esta questão, mostrando o consumo per-capita/ano de plásticos em alguns países.

A utilização do plástico no Brasil, além de ainda muito pequena, como mostram os números, encontra-se praticamente restrita à embalagens de alimentos e produtos de limpeza.

Embora o plástico represente uma pequena fração dos resíduos nos depósitos de lixo e aterros, apenas 5 a 7% do peso total, chama a atenção mais do que outros materiais devido às suas cores fortes, sua total descartabilidade, sua resistência à 175 Revista Projeto Reciclagem. Ano 2. n05. Julho. 1991.176 Revista Projeto Reciclagem. Ano 1. n01. 1990.

117

degradação (estudos levam a crer que demoraria mais de um século para poder ser degradado pelo ambiente) e a sua leveza que faz com que sejam facilmente levados pelo vento e pelas águas para poluir áreas adjacentes. Por tudo isso, o plástico passou a ser um dos materiais mais combatidos pelos movimentos ambientalistas.

Países Quantidade(Kg/per-capita/ano )

EUA 69,7Japão 54Europa 38,1Brasil 9,78

(fonte: Revista Projeto Reciclagem, 1990)

BRASIL EUROPA JAPÃO EUA.

0

10

20

30

40

50

60

70

Figura 2.1- Consumo de plástico/habitante/ano.

Os dados da tabela IV.2.2 relacionam os percentuais de plásticos encontrados nos lixões nos EUA, Europa e algumas cidades brasileiras.

Países Percentual ( % )

EUA 7Europa 7São Paulo 5,6Rio de Janeiro 12,5Manaus 2,8

(fonte: Revista Projeto Reciclagem, 1990)

Outro problema encontrado são as diferentes composições dos quase quarenta tipos de plásticos existentes. Por este motivo, a reciclagem do plástico está mais concentrada dentro das próprias indústrias de produção de matérias-primas plásticas. O plástico misturado no lixo ainda continua sendo o problema.

Para melhorar a eficiência na separação dos vários tipos de plásticos, já está sendo aplicado em todo o mundo, um sistema de codificação nos produtos de consumo. O sistema de identificação no Brasil é mostrado abaixo:

PET - Polietileno tereftalato.Utilizado em garrafas para refrigerantes e fibras sintéticas.

118

PEAD - Polietileno de Alta densidade. Utilizado em engradados para bebidas, baldes, garrafas para álcool, garrafas

para produtos químicos domésticos, bombonas, tambores, tubos para líquidos e gás, tanques de combustível para veículos automotores e filmes.

V - Cloreto de Polivinila.Utilizado em tubos e conexões para água, encapamentos de cabos elétricos,

garrafas para água mineral e para detergentes líquidos, lonas, calçados, esquadrias e revestimentos, equipamentos médico-cirúrgicos.

PEBD - Polietileno de Baixa Densidade.Utilizado em embalagens de alimentos, sacos industriais, sacos para lixo, lonas

agrícolas e filmes.PP - Polipropileno.Utilizado em embalagens para massas e biscoitos, potes de margarina, seringas

descartáveis e equipamentos médico-cirúrgico, fibras e fios têxteis, utilidades domésticas e autopeças.

PS - Poliestireno.Utilizado na fabricação de aparelhos de som e TV, copos descartáveis, para

água e café, embalagens de alimentos e revestimento interno para geladeiras.OUTROS.Resinas plásticas não indicadas anteriormente e produtos co-extrusados.

Na tabela IV.2.3 e no gráfico 2.2 a composição e o consu-mo das resinas plásticas virgens no mercado brasileiro e no lixo da Itália, respectivamente:

Tipo Resina Consumo ( % )PEDB 32PVC 21PEAD 17PP 17PS 9Plásticos Engenharia 2

(fonte: ABIPLAST, 1991)

Uma das vantagens desse novo produto é que não é necessário fazer a separação dos diferentes tipos de plásticos: todos eles podem entrar na composição deste novo material.

A madeira plástica pode substituir com sucesso a madeira tradicional, diminuindo assim, a pressão sobre as já poucas florestas no planeta. Sua durabilidade é, também superior à da madeira comum, principalmente no que diz respeito a sua não deterioração em relação à água e resistência ao ataque de seres vivos que se alimentam da madeira natural. A tecnologia de produção é bastante simples: todos os resíduos plásticos podem ser triturados em partículas de aproximadamente 50mm; estas partículas são secadas e delas eliminados todos os outros tipos de resíduos (papel, por exemplo); por fim, estas partículas são compactadas, formando uma massa homogênea que é extrusada e moldada nos objetos desejados. A linha de produtos é variada: tinas para alimentação de animais, folhas para revestimento de canteiros agrícolas, caixas de coleta para resíduos de jardim, pisos para granjas, canaletas e calhas, postes e mourões e, "pallets", que saem até 60% mais baratos que os similares de plástico comum ou mesmo de madeira.

119

PE38%

PP24%

PS17%

PVC14% PET

4% OUTROS3%

Figura 2.2 - Composição dos plásticos presentes no lixo da Itália.

Uma das alternativas, e que atualmente tem ganho bastante espaço dentro da reciclagem do plástico em todo mundo, é a fabricação da chamada madeira plástica.

Um outro tipo de madeira plástica usa poeira de madeira (sobras de serrarias) com plásticos recolhidos nas empresas de coleta ou reciclagem. Produzido pela empresa Enviro Safe - de Nova York, nos EUA - este novo material já está disponível para produção de inúmeros produtos, que vão desde bancos de praça até decks para atracação de barcos. O novo produto é fabricado com polietileno de baixa densidade, o plástico usado em sacolas de supermercados, por exemplo. A Enviro Safe derrete o polietileno junto com os resíduos de madeira e submete a mistura a alta pressão, conseguindo um compensado denso com 50% de cada componente. Na verdade, as empresas de recolhimento ou reciclagem não sabem o que fazer com este material e ele acaba nos aterros sanitários177, afirma um dos sócios da empresa, o Sr. Bart Signorelli. Testes feitos em Marathon - na Flórida - indicam que o produto pode ter mais de 60 anos de vida útil. Para tornar o produto ainda mais resistente, a Enviro Safe está experimentando adicionar resina de poliéster na mistura178.

Um importante passo foi dado para estimular a reciclagem de plásticos usados - em geral muito cara - e reduzir a incineração - extremamente poluente - que, só nos países da comunidade européia é estimado em um volume superior a 50 milhões de toneladas por ano. Um grupo de cientistas de Liege, na Bélgica idealizaram e testaram com sucesso dois sistemas de reciclagem de lixo plástico bem mais baratos e eficientes do que todos os métodos desenvolvidos até então. As grandes dificuldades enfrentadas na reciclagem dos materiais plásticos era a mistura de vários tipos de substâncias plásticas, que apresentavam propriedades químicas diferentes, mesmo se considerarmos que este material era proveniente de coleta seletiva. Além disso, o lixo plástico em geral se apresenta misturado com outros materiais resultantes de sua fabricação ou processamento industrial - como cola, tintas e rótulos, o que praticamente inviabilizava a sua reciclagem. Dessa forma, os materiais plásticos reciclados tinham um custo maior do que aqueles produzidos a partir da matéria-prima virgem.

177 Jornal O Globo. Março. 1992.178 Jornal O Globo. Março. 1992.

120

Os testes preliminares feitos em plásticos provenientes do lixo da coleta urbana, feita de maneira seletiva, mostraram que o comportamento dos diferentes tipos de plásticos se mantinham de forma homogênea, gerando matéria-prima capaz de produzir manufaturados com a mesma qualidade da matéria-prima virgem. O outro passo, era saber se em escala industrial este processo seria viável! Os testes posteriores provaram que sim. Outros testes ainda vão ser feitos para determinar se podem ser confeccionados recipientes de grandes dimensões179.

O problema gerado pela longa ou não biodegradabilidade dos plásticos provenientes do petróleo parece ter chegado ao fim. Técnicos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT - e da Copersucar, com o apoio do Departamento de Engenharia Genética da Universidade de São Paulo - USP - e do Programa de Apoio e Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, desenvolveram um tipo de plástico biodegradável produzido por bactérias a partir da cana-de-açúcar que já está mobilizando o mercado pela sua qualidade.

Dentre os tipos de plásticos alternativos, este se destaca devido a:

■ sua fabricação emana um baixo teor de poluentes;■ degrada-se em aterros sanitários no prazo de seis a dezoito meses, sem qualquer

problema adicional para o solo;■ é reciclável;■ seu custo é considerado baixo - cerca de US$ 3/kg (seu similar mais próximo

fabricado na Inglaterra - à base de beterraba - custa US$ 10.00/quilograma). Os plásticos provenientes da indústria petroquímica custam cerca de US$ 1/quilograma.

A única desvantagem detectada até agora é que esta variedade de plástico tem se mostrada mais quebradiça do que os tipos convencionais, uma deficiência que os pesquisadores do IPT vem se esforçando para eliminar. O Brasil pode oferecer esse preço final porque é o maior produtor mundial de cana e já dispõe de infra-estrutura e matérias-primas para dar início à produção em escala comercial. Mesmo custando o triplo do produto comum, o plástico de cana- que deverá chegar no mercado internacional a partir de 1995- terá um mercado respeitável a sua disposição. Segundo as projeções mais otimistas, o mercado internacional de plásticos alternativos movimentará algo em torno de US$ 143 milhões. As previsões indicam uma produção inicial de 10 mil toneladas anuais e segundo o Sr. Celso Lellis, que trabalha no IPT, e responde pelo desenvolvimento do projeto, conta que já recebeu consultas informais de empresas multinacionais, de transformação de plásticos e fabricantes de produtos descartáveis - como fraldas e barbeadores180.

Outros plásticos alternativos ou verdes tem sido desenvolvidos no mundo. Pesquisadores de uma companhia de biotecnologia desenvolveram um tipo de plástico biodegradável, elaborado com fibras vegetais, que se decompõe num prazo de dois a três meses depois de enterrado181.

Seguindo esta mesma linha, o botânico Christopher Somerville da Universidade Estadual de Michigan - nos EUA - desenvolveu as primeiras plantas capazes de produzir material plástico comercial. O plástico produzido pelas plantas é denominado de PHB e é útil para a fabricação de garrafas, embalagens e revestimentos. É a primeira vez que um vegetal é modificado para produzir alguma coisa diferente, algo que um vegetal jamais fez. A pesquisa abre o caminho para a produção de matérias-

179 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1994.180 O biodegradável plástico de cana. Revista Planeta, seção jornal. Ano 21. N0 7. Junho. 1993.181 Jornal Jornal do Brasil. Julho. 1992.

121

primas em fazendas e não mais em fábricas182, é o que afirma o Sr. Somerville. Os vegetais utilizados pelos cientistas são da família do repolho e têm sido muito usados em experiências genéticas e de biotecnologia. A descoberta é importante porque permite aproveitar diretamente a energia do sol - através da fotossíntese das plantas - para fazer um produto de origem industrial.

O plástico PHB já é produzido na Inglaterra, a partir de bactérias, e custa em torno de US$ 25/Kg. O seu equivalente feito de petróleo é muito mais barato - US$ 1/Kg. Segundo os técnicos envolvidos na pesquisa, este alto custo poderá ser reduzido quando ele começar a ser produzido em maior escala183.

O plástico sempre foi considerado o vilão da história da reciclagem. Porém, atualmente isto está mudando. Diversas empresas e instituições (no Brasil e no Mundo) estão investindo em novas tecnologias para tentar resolver esta questão. A Polibrasil - empresa petroquímica em que estão associados a Petroquisa, Shell, Ipiranga Química e a Polipropileno do grupo Suzano - acaba de patentear em todo o mundo o Suplen, nome dado a uma matéria-prima inédita do mercado e que, há 20 anos, agita os laboratórios e centros de pesquisa das mais respeitadas empresas do mundo.

O suplen é um tipo de resina obtida do polipropileno - usado na produção de copos, pratos e bandejas opacos descartáveis - e que, a médio prazo poderá vir a substituir com vantagens econômicas uma outra matéria-prima, o poliestireno, que também é usado na fabricação desses mesmos produtos, que, aliás serão os primeiros produtos fabricados com o suplen.

O produto é o resultado de seis anos de pesquisa que trabalharam na unidade da Polibrasil em Camaçari, na Bahia. Em seu desenvolvimento foram usadas as mais modernas técnicas de engenharia química. A grande vantagem do suplen está no fato de que, com ele, se pode fabricar o mesmo produto feito à base do concorrente poliestireno mas com uma economia de 17% de matéria-prima184, é o que afirma o Sr. Ernesto Teixeira Weber, diretor superintendente da empresa. O potêncial de consumo do suplen no Brasil é de 40 mil toneladas anuais, capaz de movimentar US$ 40 milhões. No mundo, estima-se que o consumo de poliestireno, produto que o suplen planeja substituir, seja de 2,5 milhões de toneladas, que movimentam US$ 2,5 bilhões185.

3- VidrosOs homens comuns seguem os passos de um grande homem, qualquer que seja a ação que ele execute.E quaisquer que sejam as normas por ele estabelecidas por seus atos exemplares, são Seguidas por todo mundo.

( Bhagavad-gitã )

O vidro é dos materiais sintéticos fabricados pelo homem, o mais antigo. Existem registros de peças de vidro que datam de até 4.000 anos atrás. O vidro foi descoberto acidentalmente quando comerciantes fenícios deixaram cair salitre perto de uma

182 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1992.183 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1992.184 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1993.185 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1993.

122

fogueira. Misturado `a areia e, sob a ação do calor, houve a fusão destes materiais e a formação do vidro186.

A reutilização de produtos de vidro é uma realidade há muito tempo, tanto no Brasil quanto nos países desenvolvidos. A coleta seletiva é uma prática tão tradicional quanto a da reciclagem, chegando ao ponto de não podermos falar sobre uma, sem nos referirmos a outra. Reciclagem e coleta seletiva formam uma coisa só e, em certos casos, já fazem parte da cultura de vários países industrializados. No Brasil, a situação ainda está um pouco longe desta, mas já estamos caminhando nesse sentido187.

Vários estudos já demostraram que em termos de consumo energético as embalagens de vidro retornável são a melhor solução para produtos de consumo diário, ao invés daquelas de papelão ou plástico. De acordo com o Sr. Mauro Akerman, da Companhia Vidraria Santa Marina existem países que reciclam até 90% do vidro, ou seja, de sua produção apenas 10% são feitos de matérias-primas novas e mesmo os minerais que entram na composição do vidro, como areia, barrilha e feldspato, sendo abundantes na natureza a sua retirada acaba sendo uma agressão à natureza. Além desses três elementos básicos, existe uma quantidade variável de outros produtos que servem para melhorar a qualidade do vidro, facilitar a sua fusão, obter colorações diferentes e propriedades específicas desejadas, como maior resistência ou transparência.

Alguns elementos usados na fabricação do vidro vem de jazidas cada vez mais distantes dos centros consumidores. Metade da barrilha, da qual é extraída o sódio consumido no Brasil, é importada - principalmente dos EUA. Outros produtos como o bórax e o ácido bórico, usados na fabricação de vidros termorresistentes, são importados da Argentina, encarecendo ainda mais a sua produção188.

Uma das vantagens das embalagens de vidro é a sua eficiência na reutilização por diversas vezes. Uma lavagem e esterilização eficiente, uma troca de rótulo e a colocação de tampas (ou rolhas) e ela está pronta para voltar à linha de produção.

Embora o consumo de energia para limpeza das garrafas retornáveis seja menor do que o de refusão delas, para produção de novas, há inúmeras vantagens adicionais que devem ser consideradas na avaliação do conceito de reciclagem:

■ as garrafas poderiam ser bem mais leves pois a exigência quanto à sua resistência é para um ciclo apenas;

■ o reciclo do vidro é uma prática econômicamente viável, como já demostraram inúmeras avaliações de organismos econômicos;

■ os principais custos envolvidos na reciclagem são a coleta, a separação e o transporte, que são os mesmos para a reutilização;

■ o reciclo do vidro em vários países da Europa tem sido um sucesso em função da instalação eficiente de pontos de entrega voluntária e coleta189.

186 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.187 AMAZONAS, M. A reciclagem como motor de geração de empregos. Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1992.

188 AMAZONAS, M. A reciclagem como motor de geração de empregos. Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1992.

123

No Japão, o equivalente a 60% de todas as garrafas é reutilizado numa proporção de três vezes ao ano. Algumas tem um percentual bem alto de retorno, como as garrafas de 2 litros de sakê que possuem um índice de 95% de reutilização, com um ciclo de quase 20 vezes ao ano. Outras embalagens também apresentam um alto percentual de recolhimento e são recicladas e com isso, o Japão realiza uma grande economia nesta área190. Nos EUA e, principalmente na Europa, o consumidor já está habituado e conscientizado quanto a importância da coleta seletiva do vidro. Mesmo apresentando períodos de altos e baixos em alguns países, o programa europeu de coleta de vidro é o mais eficiente de todos e é , organizado pela Federação Européia do Vidro de Embalagens - FEVE. Apesar de ser uma entidade supranacional, cada país membro tem seu próprio programa de coleta e reciclagem de vidro, com campanhas institucionais de conscientização muito eficientes. A tabela IV.3.1 mostra o total de vidro coletado pela FEVE.

Ano Total Coletado(milhões tonel.)

Número PaísesMembros

1977 1 61980 1,5 81983 2,5 121989 4 17

(fonte: Revista Projeto Reciclagem, 1992)

A reciclagem de vidro não é uma prática nova nos EUA. Em diversos estados, os coletores instalados em supermercados, shoppings centers e diversos outros locais de grande afluência de pessoas arrecadaram um grande volume de potes e embalagens usadas. Nos últimos anos, a quantidade de coletores aumentou, o que criou mais incentivos para a participação da população no esforço da reciclagem. Em 1985, o Conselho do Instituto das Indústrias de Embalagens de Vidro, representando também as empresas fabricantes de coletores de vidro, tomou uma atitude contra a crise de resíduos sólidos, incentivando a reciclagem. Cada membro do conselho deveria contribuir para um fundo que promoveria a embalagem de vidro, fazendo surgir uma nova campanha de reciclagem. Este programa não só reduziu a quantidade de vidros nos aterros sanitários, como também fez com que os fabricantes usassem menos recursos naturais, menos energia e lançassem menos emissões à atmosfera durante a produção. Além disso, houve um grande incentivo para as empresas que operavam com outros tipos de resíduos - aparistas e sucateiros - a se engajarem nesta campanha de recuperação e reciclagem do vidro. Em 1990, os EUA produziram 10,3 milhões de toneladas, totalizando 41,1 bilhões de embalagens - 31% para cervejas e 33% para alimentos. Desse total, 500 mil a 1 milhão de toneladas foram importadas e o índice de reciclagem é da ordem de 31% ou 3,4 milhões de toneladas.

Em 1992, haviam no Brasil 26 programas de reciclagem de vidros, mantidas pela Associação Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro - ABIVIDRO. Estes programas, de caráter assistencialista à entidades carentes, rendeu US$ 600 mil e funcionam em convênio com as prefeituras das cidades onde estão implantadas. São, ao todo, 24 cidades: 12 em São Paulo (sendo 3 deles na própria cidade de São Paulo); 2 no Paraná; 3 em Santa Catarina; 3 no Rio Grande do Sul; 1 na Bahia; 1 em Pernambuco e 2 no Rio de Janeiro. Através destes programas, foram reciclados cerca de 1.000 toneladas, representando 1 bilhão de unidades, entre garrafões, garrafas, 189 ROUSE, G. Reciclagem de vidro: uma questão de custo e benefícios. Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1991.190 Revista Projeto Reciclagem. Ano 2. n05. Julho. 1991.

124

potes, frascos e copos de embalagens de vários tamanhos, que deixaram de ir para o lixo e se transformaram em novas embalagens, representando apenas, 20 a 30% do que seria possível recolher.

As indústrias vidreiras pagam em média US$ 54 pela tonelada de cacos, tanto brancos quanto escuros. Já os sucateiros pagam, em média, US$ 55 pela tonelada de vidros brancos e US$ 42 pelos cacos escuros- âmbar (nos EUA, as indústrias pagam de US$ 40 a US$ 55 pela tonelada de cacos claros e de US$ 20 a US$ 55 pelos cacos escuros). Os garrafeiros compram garrafas usadas e revendem para reaproveitamento em indústrias e os preços médios variam de US$ 72 para mil embalagens de 1 litro a US$ 6,6 para igual quantidade de garrafas one-way (nos EUA, os preços variam entre US$ 10 a US$ 20 à tonelada de cacos claros ou escuros)191.

Embora os números da reciclagem do vidro no Brasil ainda esteja longe do que pode ser atingido, são bastante animadores. A fabricação de produtos feitos de vidro, atualmente, utilizam cerca de 33% de matéria-prima secundária da reciclagem. A reciclagem, através da utilização de matéria-prima secundária, representa uma significativa economia de energia (12.000 graus na refusão dos cacos e 15.000 graus na fusão de matérias-primas) e de consumo de matérias-primas, principalmente barrilha que o Brasil não é auto-suficiente e precisa importar. Por exemplo, para produzir 1 kg de vidro, são extraídos 1,2 Kg de matérias-primas da natureza enquanto que, na reciclagem, 1 Kg de cacos produz a mesma quantidade de manufaturados.

A tabela IV.3.2 e o gráfico 3.1 mostram a utilização de matéria-prima reciclada na produção de manufaturados.

Países Matéria-prima Reciclada ( % )

Suíça 71Holanda 70Alemanha 63Brasil 33Finlândia 31Portugual 30Espanha 27Reino Unido 21

(fonte: Jornal do Brasil, 1993)

Os cacos encaminhados para a reciclagem não podem conter pedaços de cristais, espelhos, lâmpadas e vidros planos usados nos automóveis e na construção civil. Por terem composição química diferente, esses tipos de vidro podem causar trincas e defeitos nas embalagens. O mesmo ocorre se os cacos estiverem misturados com terra, cerâmica e louças.

Como não são fundidos junto com o vidro, esses materiais acabam formando pedras no produto final, provocando a sua quebra espontânea. O plástico em excesso pode gerar bolhas e alterar a cor da embalagem. Igual problema se verifica quando há contaminação por metais, como as tampas de cervejas e refrigerantes. Além disso, os metais podem causar sérios danos aos fornos.

Os vidros devem ser separados por cores para se evitar alterações no padrão visual das embalagens finais e reações que formam espumas indesejáveis nos fornos. Frascos de remédios só podem ser reciclados se forem coletados separadamente nas unidades hospitalares e mesmo as embalagens quebradas podem ser recicladas.

191 CEMPRE Informa. n020. Dezembro.1994.125

SUÍÇA21%

HOLANDA20%

ALEMANHA18%

BRASIL10%

FINLANDIA9%

PORTUGUAL9% ESPANHA

8%

R.Unido6%

Figura 3.1- Utilização de matéria-prima secundária, "Cacos", na produção de embalagens de Vidro.

As embalagens de vidro não são biodegradáveis e por isso não se decompõe nos aterros e ou lixões. Além disso, dificulta as operações nas usinas de compostagem, que precisam separa-los por processos mecânicos ou manuais. Como, também, não são materiais combustíveis, a sua incineração não é economicamente interessante. O vidro funde-se a 1.200 º C e se transforma em cinzas e seu efeito abrasivo pode causar problemas aos fornos e equipamentos de transporte192.

4- MetaisQuem não sente uma alegria infinita de estar aqui neste mundo revolto e mutante, perigoso e belo (Moreno Fraginals)

Os primeiros metais que o homem primitivo conheceu foram aqueles poucos que eram encontrados em seu estado puro (um pouco de ouro, cobre e ferro), geralmente de procedência meteórica.

192 CEMPRE Informa. n020. Dezembro.1994.

126

Com eles eram fabricados seus objetos de adorno já por volta de 5.000 a. C. A descoberta de que poderia obter metais a partir da fusão de minérios deve ter sido, como tantas outras, puramente casual.

Segundo inúmeros registros históricos, os primeiros ferreiros da antiguidade já praticavam a reciclagem em seus trabalhos. Os recuperadores ou sucateiros de antanho recolhiam espadas, escudos e outros despojos nos campos de batalha para forjar novas armas e utensílios193.

Conta-se que a lata teria sido inventada a pedido de Napoleão Bonaparte, para que seus soldados pudessem levar alimentos para as guerras sem problemas de conservação. Outros dizem que o alimento enlatado surgiu na Inglaterra, em 1800194.

O trabalho de reaproveitamento de sucatas metálicas no Brasil, em especial as ferrosas, teve o seu início com a chegada dos imigrantes europeus. Essa atividade, que sempre foi caracterizada pelo informalismo, acabou se tornando arcaica com a implantação do Parque Siderúrgico Nacional. Os recicladores, no caso os grandes, só conseguiram se recuperar em termos tecnológicos, quando o Primeiro Plano Siderúrgico Nacional estava pronto, nos anos 70, com pressões junto ao governo para permitir a importação de equipamentos adequados, como prensas e trituradores modernos fazendo uma virada em tempo recorde. Somente em 1992 o setor de preparação de sucata foi reconhecida como atividade industrial pelo Ministério do trabalho, através da portaria nº 3078.

Hoje o nosso parque para preparação de sucata é um dos mais modernos do mundo, é o que afirma Emílio Zaidan, presidente do Instituto Nacional das Empresas de Preparação de Sucata Não Ferrosa e Aço - INESFA. Hoje, o parque siderúrgico brasileiro é constituído por 26 usinas, localizadas em 11 estados e a capacidade instalada é de 28,5 milhões de toneladas/ano. Em 1994, a produção de aço bruto alcançou 25,7 milhões de toneladas e, em 1993, ela se situou na faixa de 25 milhões de toneladas195.

A atividade de recuperação de materiais secundários, que vem crescendo em importância, principalmente nos países mais desenvolvidos, face a poupança de energia, a aceleração da exaustão das reservas de boa parte dos minérios e por uma constante preocupação com a preservação do meio ambiente. Em 1990, a reciclagem somente de sucata metálica ferrosa irá gerar uma economia da ordem de 17,5 milhões de barris de petróleo ao Brasil. A qualidade da sucata brasileira é muito boa e com ela fabricamos chapas maravilhosas, com um material mais barato do que qualquer parte do mundo, tanto que somos exportadores de aço196.

No mercado brasileiro, o preço da sucata de aço, matéria-prima para as indústrias siderúrgicas, está variando, atualmente na média de US$ 70 a 80 a tonelada. Os preços variam, de acordo com as empresas consumidoras, em função da qualidade, dos tipos de material e do local de compra.

A tendência do mercado aponta para uma queda nos preços da sucata com um possível aquecimento da economia futuramente, propiciando o aumento da oferta de matéria-prima197, é o que afirma o Sr. Antônio Farhat Saifi, superintendente de suprimentos da Siderúrgica Mendes Junior, de Juiz de Fora - MG. No ano passado,

193 AMAZONAS, P.; DROLSHAGEM, M. de S.P. & SEBILIA, A.S.C. Nossa Vida e o Lixo. Documento Interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza – FBCN. 1992.194 CEMPRE Informa. n019. Novembro.1994.195 Anuário Estatístico. Ministério das Minas e Energia, Secretaria de Minas e Metalurgia, Departamento de Minas e Metalurgia. 1995.196 Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1992.197 Jornal A Gazeta Mercantil. Maio. 1994.

127

segundo o Sr. Saifi, quando chegou a ocorrer falta de sucata no mercado interno, o preço alcançou até US$ 100 a tonelada.

O consumo de sucata de ferro e aço no Brasil tem sido da ordem de 6 milhões de toneladas por ano, sendo mais da metade oriunda de geração do próprio parque siderúrgico. As importações ficam em torno de 100 mil toneladas anuais e, é praticamente inviável economicamente importar sucata metálica, pois seu preço final chega entre US$ 170 a US$ 175 a tonelada198, segundo o Sr. Saifi. Em 1993, foram consumidas 700 mil toneladas de folhas de aço para a produção de 600 mil toneladas de latas. Por outro lado, o Brasil exporta a mesma proporção de embalagens de aço que importa: 5%.

As latas de folha-de-flandres detém 25% do mercado nacional de embalagens, principalmente aquelas relacionadas aos produtos comestíveis - óleo de cozinha, conservas, leite e derivados - que representam 72,5% do consumo de latas de aço. O restante, diz respeito a tintas e produtos químicos (14,5%), óleos lubrificantes (2,4%), tampas metálicas (8,7%) e outros produtos (1,9%)199. A tabela IV.4.1 mostra a geração e o consumo - em mil toneladas - de sucata metálica no Brasil.

Ano Setor SiderúrgicoProdução* Aquisição Mercado Consumo* Importação* Nacional*

1990 3.248 2.878 6.274 1131991 3.155 2.545 5.714 891992 3.482 2.660 6.086 99

(fonte: Instituto Brasileiro de Siderurgia, 1993. * mil toneladas)

Para obtenção dos metais não-ferrosos a partir dos minérios na forma em que são encontrados na natureza, são empregados processos muito dispendiosos e com grande consumo energético. Além disso, os grandes estragos ao meio ambiente e as leis anti-poluição, acabaram por impulsionar a prática da reciclagem no setor industrial.

Entre os produtos recicláveis na indústria, os metais ferrosos são os únicos que contam com normatização da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT - através da NBR 8746, de fevereiro de 1985, que classificou as sucatas metálicas em 31 tipos diferentes, objetivando promover um aumento da eficiência do sistema de reciclagem, através da caracterização dos produtos de acordo com os aspectos importantes para o processo industrial. A importância do emprego da sucata metálica, ferrosa ou não ferrosa, na siderurgia e fundição, mostra uma redução no consumo de energia em, no mínimo 50%, explicando de certa forma sua excepcional participação nas economias à nível dos mercados nacional e internacional.

No lixo urbano, a incidência do metal ferroso se dá predominantemente através de produtos de folha de flandres - latas - que se apresentam amassadas, com uma grande quantidade de sujeira agregada e resíduos dos produtos de seu conteúdo além de, seus respectivos rótulos. Também são encontradas as chamadas sucatas ferrosas mistas, ou seja, sucatas de maior porte como latões, barras e chaparias diversas. Já os metais não ferrosos aparecem em uma percentagem bastante pequena no lixo urbano. Destaca-se entre eles o alumínio (embalagens do tipo quentinha, vasilhames de refrigerantes, panelas e utensílios diversos) e o cobre, presente em quantidades ainda menores que o alumínio.

Afirmando que o produto é fácil de ser reciclado e com o intuito de incrementar o uso da lata no Brasil, que soma apenas 5 Kg per-capita contra 18 Kg per-capita nos

198 Jornal A Gazeta Mercantil. Maio. 1994.199 CEMPRE Informa. n019. Novembro. 1994.

128

EUA, é uma das metas do Programa de Estímulo ao consumidor da embalagem Metálica - PRÓ-LATA - que o Sindicato da Indústria de Estamparia e Embalagens Metálicas - SIEMESP - lançou em maio de 1992 na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP. A primeira medida concreta é o lançamento do selo ecológico Aço Reciclável, que procura valorizar o produto junto ao consumidor. No Brasil, 18% ou 108 mil toneladas de latas de aço são recicladas por ano - ao preço médio de US$ 20 por tonelada de sucata prensada - enquanto que este percentual chega a 34% (1991) nos EUA, totalizando 952 mil toneladas. No Japão este percentual de recuperação e reciclagem chega aos 61%200.

Se o Brasil reciclasse todas as latas de aço que consome atualmente, seria possível evitar a retirada de 900 mil toneladas de minério de ferro por ano, prolongando a vida

útil das nossas reservas minerais. Além disso, deixaria ocupar 8,6 milhões de m3 em aterros todos os anos (somente na cidade de São Paulo são jogadas no lixo diariamente 360 toneladas de latas de aço) e proporcionaria economia de 240 milhões de kwh de energia elétrica - equivalente ao consumo de 4 bilhões de lâmpadas de 60 watts. Isso sem falar nas 45 milhões de árvores - nativas e de reflorestamento comercial - deixariam de ser cortadas para a produção de carvão vegetal usado como redutor do minério de ferro201.

Os fabricantes de embalagens metálicas, que apresentaram um faturamento global em 1991 de US$ 1 bilhão, associados ao sindicato respondem por 100% da produção nacional. As indústrias estão conclamando seus clientes - fabricantes de alimentos, produtos de limpeza e produtos químicos em geral - a aplicar o selo ecológico nas embalagens dos seus produtos. Segundo o Sr. José Villela de Andrade Jr., presidente do SIEMESP, no caso dos alimentos a lata confere ao produto uma vida de prateleira de mais de dois anos e é, segundo pesquisas recentes, a embalagem mais segura para o óleo de soja. Para degradar-se, no entanto, a embalagem de folha de flandres leva apenas 4 anos, contra até 120 anos consumidos por inúmeros tipos de plásticos. Comparado com o tetra-pack, a lata é também muito mais segura202.

No processo de reciclagem, as latas devem estar livres de impurezas contidas no lixo, principalmente terra e outros materiais metálicos - como alumínio. O estanho em concentração elevada pode dificultar a reciclagem. Se o teor for superior a 22%, a sucata só pode ser misturada como carga na produção do aço mediante a retirada do estanho por processos metalúrgicos. A presença de matéria orgânica gera mais escória.

As latas de aço dificultam a compostagem do lixo para a produção de adubo orgânico. Mas, elas são consideradas como biodegradáveis, uma vez que, misturadas como os demais resíduos, sofre lento processo de oxidação e degradação. Por serem magnéticas, podem ser separadas mecanicamente por meio de eletro-ímãs nas usinas de compostagem. Quando incineradas em temperaturas acima de 1.500º C, as latas sofrem intensa oxidação e voltam ao estágio natural de minério de ferro203.

A reciclagem do alumínio é uma das atividades em franca expansão no mercado da reciclagem. A empresa Reynolds Metals é a pioneira mundial na reciclagem de latas de alumínio. As primeiras latas de alumínio surgiram nos EUA, em 1963. Porém, o primeiro Recycling Center foi inaugurado em 1968, na cidade de Los Angeles - nos EUA - que fizeram retornar cerca de 0,5 tonelada de alumínio por ano. Quinze anos depois, em 1983, esse mesmo volume era reciclado por dia. As campanhas de coleta se

200 CEMPRE Informa. n019. Novembro. 1994.201 CEMPRE Informa. n019. Novembro. 1994.202 Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1992.203 CEMPRE Informa. n019. Novembro. 1994.

129

multiplicaram ao longo do tempo e, atualmente 10 milhões de americanos participam ativamente dos programas de coleta204.

A reciclagem das latas de alumínio no Brasil é um dos programas institucionais de reciclagem que mais resultados tem obtido junto à comunidade principalmente depois do lançamento, em outubro de 1991, do Programa de Reciclagem da Lata de Alumínio pela Reynolds Latasa. Em três anos, foram coletadas mais de 6 mil toneladas de latas - em média, cerca de 200 toneladas/mês - com a participação de 1,2 milhão de pessoas, contribuindo para o total reciclado de 1,3 bilhão de latas205.

É o único programa de reaproveitamento de materiais integrado do Brasil, isto é, abrange todas as fases do processo, desde a coleta das embalagens usadas até o reprocessamento em forma de novas latas, 100% fabricadas a partir de material reciclado. Envolve atualmente 26 empresas de diversos segmentos da economia, sob a coordenação da Latasa. Este programa já coletou 600 toneladas de latas em quase dois anos e mobilizou cerca de 400 mil pessoas, que foram aos postos de coleta e troca206. A implantação do mercado de refrigerantes e cervejas em latas de alumínio no Brasil, abriu mais um campo para a reciclagem, em proporções nunca antes atingidas anteriormente. Aproximadamente 1 bilhão de latas de alumínio - que tradicionalmente teriam com destino certo o lixo - deverão ser recuperadas neste ano no Brasil e transformadas novamente em latas, peças fundidas para a indústria automobilística e em insumo para a fabricação de aço. A atividade de recuperação do alumínio tornou-se um grande negócio devido ao seu alto valor de comercialização, atraindo sucateiros em todo o país- cerca de 2.000; supermercados- cerca de 210 nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo; escolas- mais de 1300 escolas, em oito estados e, mais entidades beneficentes e igrejas- 65. Nos EUA, o negócio envolve 10 mil postos de coleta e movimenta US$ 2,5 milhões dia207.

O preço médio gira em torno de US$ 450 a US$ 600 a tonelada. Depois de refundidas, as latas são reduzidas a chapas ou tarugos, matérias-primas para fabricar novas embalagens/latas e, as peças que entrarão nos motores de automóveis, como pistões e tampas de cabeçote. O número acima representa cerca da metade da produção de latas de alumínio que a Latasa S/A pretende alcançar neste ano - 2 bilhões de unidades - e corresponde ao consumo da ordem de 16 mil toneladas de alumínio primário necessário para a sua fabricação. Segundo estimativas da própria Latasa, outro bilhão de latas ainda continua seguindo em direção aos lixões. Mas não por muito tempo208, é o que afirma José Roberto Giosa, Gerente de Reciclagem da Latasa. Dentro de 3 anos, a previsão é de chegar a recuperar 80% das latas que a empresa vier a produzir.

A tabela IV.4.2 mostra a evolução do programa de recolhimento de latas.

Ano Quantidade Recuperada(%)

1991 371992 371993 501996 80

(fonte: Jornal Gazeta Mercantil, 1994)

204 CEMPRE Informa. n019. Novembro. 1994.205 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.206 Folheto Informativo. Reynolds Latasa S/A. 1993.207 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.208 Folheto Informativo. Reynolds Latasa S/A. 1993.

130

Nesses 4 anos, o crescimento dos negócios ligados a reciclagem das latas de alumínio, que movimenta hoje cerca de US$ 7 milhões ao ano, levou o Brasil a superar largamente muitos países industrializados, como o Japão, a Inglaterra, Alemanha, Itália e Grécia e chegar bem perto dos EUA, onde existe o maior mercado de latas do mundo, com uma produção de 97 bilhões de unidades ao ano209.

A tabela IV.4.3 mostra os percentuais de recuperação das latas de alumínio em alguns países.

A reciclagem de 1.000 Kg de alumínio significa 5.000 Kg de minério de bauxita poupados. A economia de energia no processamento industrial também é espantosa: para se produzir 1.000 Kg de alumínio a partir do minério de bauxita, gasta-se 17.600 kW/h de energia elétrica enquanto que, para reciclar esta mesma quantidade de alumínio, gasta-se apenas 750 kW/h ou seja, uma economia de quase 95%. Em relação à economia de energia, nenhum outro material se equivale à reciclagem do alumínio, conforme mostra a tabela IV.4.4.

Países Quantidade Recuperada (%)

Ano InícioPrograma

Brasil 50 1988EUA 68 1968Japão 44 1978Grécia 27 -Inglaterra 23 -Alemanha 22 -Itália 13 -

(fonte: Jornal A Gazeta Mercantil, 1994)

A produção total de alumínio em 1989 foi de 966,3 mil toneladas, segundo o Anuário Estatístico da Associação Brasileira do Alumínio - ABAL - com uma recuperação de 66,6 mil toneladas ou 6,4%. Os dados sobre a recuperação de sucata de alumínio constam a partir de 1974, quando foram recuperadas 22,4 mil toneladas, o que equivaleu a 8,5% da produção. Este alumínio secundário é comumemte empregado pela indústria automobilística, aeronáutica, eletro-eletrônica, mecânica e de aparelhagem e instrumentação óptica.

O que as indústrias recicladoras querem para ampliar seu espaço, é melhorar a eficiência na coleta, para consequentemente obterem uma qualidade melhor, uma vez que existem muitas variedades de alumínio que precisam ser separadas. Isto, certamente, acarreta um aumento nos custos. Uma das alternativas para a maximização da reciclagem do alumínio, é apontada pelo Diretor Executivo da Associação Brasileira de Metais Não-Ferrosos - ABRANFE - Sr. Edson Guide: Se as empresas que consomem o reciclado, se agrupassem e entrassem num acordo sobre quais os tipos padrões de material desejados, esta medida seria suficientemente eficaz para aumentar e melhorar o consumo do alumínio secundário210.

Material Matéria-prima Primária (kW/h/t)

Matéria-prima Secundária

(kW/h/t)

Percentual ( % )

alumínio 17.600 750 95

209 Jornal A Gazeta Mercantil. Maio. 1994.210 Revista Projeto Reciclagem. Ano 3 (especial). Maio. 1993.

131

aço 6.840 1.784 74papel 4.980 1.465 71vidro 4.827 4.192 13

(fonte: Sebrae , 1992)

No processo de reciclagem, a sucata de alumínio não pode conter ferro. O teste do imã é a melhor técnica para certificar a ausência desse material. O material não é compostável e por isso ele deve ser retirado por processos manuais ou mecânicos. O alumínio se funde a 660º C e de acordo com a temperatura dos incineradores onde eles são encaminhados, sua queima pode gerar compostos orgânicos voláteis provenientes das tintas e vernizes. As embalagens de alumínio, também, se degradam parcialmente nos aterros, devido a existência de uma camada de óxido em sua superfície211.

5- Outros Materiais

5.1- PilhasA humanidade, mergulhada desde o início num universo incompreensível e angustiante - pois não tinham regras para a ação - realizou notáveis esforços para por aí uma ordem, que os levou da descoberta do fogo à manipulação do átomo.

( Carl Sagan )

A Suíça possui desde 1986 legislação específica para o recolhimento em separado de pilhas que serão recicladas. Das 4 mil toneladas de pilhas produzidas no país, 100% delas são recicladas graças ao trabalho desenvolvido pelo Departamento Federal de Meio Ambiente e de diversas organizações ambientalistas que realizam um trabalho, porta a porta, junto a população.

211 CEMPRE Informa. n018. Outubro. 1994.

132

Em função disso, somente 50% das pilhas chegam aos postos especiais instalados em supermercados, mercearias e bancas de jornais; os outros 50% são recolhidos na seleção do lixo caseiro.

Apesar do governo ter proibido em 1991 a exportação de pilhas usadas, já havia há algum tempo pesquisas para se obter a auto-suficiência no tratamento destes resíduos na Suíça. Até 1991, as pilhas consumidas pelos suíços eram exportadas para a ex-Alemanha Oriental212, é o que afirma o Sr. Mathias Tellembach, da Seção de Dejetos Industriais de Berna, na Suíça.

Na Alemanha, o recolhimento de produtos contendo resíduos domésticos perigosos é baseado, como na Suíça, na colaboração voluntária de empresas e consumidores, apesar da legislação sobre a obrigatoriedade das empresas terem de receber de volta as embalagens de seus produtos. Também na Alemanha, as pilhas (as lâmpadas fluorescentes, as baterias e outras embalagens de produtos tóxicos) acabam no lixo doméstico, junto com os outros resíduos. Todavia, o atuante Ministério do Meio Ambiente alemão resolveu atacar o problema em duas frentes: primeiro, conseguiu à retirada de inúmeros componentes tóxicos no fabrico de produtos de consumo de massa (por exemplo, geladeiras e baterias) e, segundo, o compromisso de revendedores e lojistas de receberem de volta o lixo doméstico considerado perigoso.

Infelizmente, estatísticas do próprio Ministério do Meio Ambiente alemão revelam que apenas 15% do lixo doméstico perigoso está sendo coletado através deste sistema. Surgiram, então outras estratégias para otimizar a coleta destes materiais. Em Berlim, uma vez por mês circula um veículo especial conclamando a população a entregar os resíduos considerados perigosos. Em outras cidades, foram instalados postos de entrega voluntária, com latões diferenciados para a coleta destes resíduos, à semelhança dos latões já instalados para a coleta dos resíduos inorgânicos não perigosos213.

De autoria do deputado Antônio Francisco Neto (PL), o protejo de lei nº 81 / 91, aprovado pela Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro, em 31 de março de 1993, que torna obrigatória a reciclagem de pilhas e baterias. Ao contrário do que acontece em vários países desenvolvidos, onde há programas específicos de coleta e reciclagem de pilhas, atualmente no Brasil elas são descartadas junto com o lixo residêncial comum com um agravante: elas possuem em sua composição mercúrio, metal pesado de alto poder tóxico. De acordo com o deputado autor do projeto, a idéia partiu da experiência européia, onde este tipo de produto só pode ser vendido em troca de usados, como o casco de bebida214.

Em relação as baterias, o problema é semelhante. Nos EUA, que reciclam 80% das baterias, também se defrontam com o problema. A reciclagem das baterias inclui a retirada do ácido sulfúrico - que é reprocessado ou então enviado para um local especializado no tratamento de resíduos perigosos - e o seu sucateamento para posterior envio para uma usina siderúrgica para serem transformados em novos lingotes para produção de novos bens de consumo, inclusive baterias. Só no estado de Minnesota, a reciclagem das baterias dos carros durante um ano manteria quase 3,5 milhões de toneladas de chumbo e 500 mil litros de ácido sulfúrico fora dos vazadouros.

O secretário de meio ambiente do Distrito Federal, o Sr. Paulo Timm estudava a possibilidade de iniciar a coleta de pilhas em 1993. A implantação imediata de um

212 Jornal Jornal do Brasil. Abril. 1993.213 Jornal Jornal do Brasil. Abril. 1993.214 Jornal Jornal do Brasil. Abril. 1993.

133

programa de coleta de pilhas, que são rejeitos altamente tóxicos e trazem prejuízos quase irrecuperáveis para as áreas onde são depositadas. Pensamos em desenvolver o programa com o Serviço Social do Comércio - SESC - e implanta-lo logo na primeira semana de maio (de 1993). A coleta será feita nas escolas públicas e as pilhas serão trocadas por entradas do jardim zoológico. Assim, criaremos uma consciência ecológica nas crianças - nossos maiores agentes no processo de educação ambiental215.

Por outro lado, os fabricantes de pilhas se defendem, desmentindo o potêncial poluidor dos seus produtos e alegam, além disso, que a reciclagem é desnecessária e antieconómica, sofisticado e caro . O Sr. Cyro do Valle, da Apliquim, empresa especializada na reciclagem de resíduos perigosos, desenvolveu uma tecnologia para reciclar os componentes da pilha usada, mas por falta de mercado (coleta seletiva) o sistema ainda não foi implantado. Para ele a coleta diferenciada de pilhas e lâmpadas (outra fonte significativa de mercúrio nos lixões, aterros e usinas) e, consequentemente, a reciclagem só será feita quando a legislação exigir 216. Toda pilha funciona como uma mini-usina, que transforma energia química em energia elétrica numa reação de caráter irreversível onde, os subprodutos originados não podem mais ser reaproveitados. Segundo o Sr. Vivaldo Castanho Iakowski, diretor da Microlite, detentora da marca de pilhas Ray-O-Vac, as pilhas comuns, de zinco-carvão, não preocupam, pois a quantidade de mercúrio é desprezível, não chegando a 0,006% de seu peso. As alcalinas preocupavam mais. Há 10 anos atrás elas chegaram a ter quase 1% do seu peso em mercúrio. Hoje, este valor foi reduzido para 0,04% e daqui a dois anos estará reduzido à zero217.

Atualmente, os fabricantes de pilhas do mundo inteiro estão sofrendo forte pressão de grupos ambientalistas. Por isso, os fabricantes de pilhas já estão investindo US$ 200 milhões em pesquisas e equipamentos para reduzir as substâncias nocivas utilizadas para produzi-las, principalmente os metais pesados. Dados recentes mostram progressos notáveis na redução de até 97% do mercúrio usado nas pilhas alcalinas.

Porém, estes fabricantes estão convencidos de que ainda não é o momento de atender as pressões do movimento ambientalista para a reciclagem de pilhas descartáveis. A reciclagem ainda não compensa218, sentenciou o engenheiro químico Terry Telsrow, que desde 1985 dirige a divisão de normas e de segurança de produtos da Eveready Battery Co. Inc., nos EUA. As tecnologias existentes de reciclagem de pilhas existentes hoje, exigem investimentos excessivamente elevados. Então, segundo o Sr. Telzrow, a não ser que se desenvolvam novas tecnologias na área de reciclagem, o melhor caminho passa pela redução das fontes de contaminação de metais pesados, particularmente o mercúrio219. Nos EUA, por exemplo, a Energizer fabricada pela Eveready sem mercúrio é conhecida como a pilha verde e já corresponde a 70% do mercado220.

Segundo o Sr. José Arnaldo Gomes, responsável técnico pelo Departamento de Pesquisas da Cetesb, as pilhas contribuem de forma substâncial para a presença de metais pesados no lixo. O mais grave, ainda, é que parte desses metais pesados das 152 milhões de pilhas comuns e de 40 milhões de pilhas alcalinas, consumidas anualmente só na cidade de São Paulo, acabam entrando na cadeia alimentar humana221. Como não há recolhimento diferenciado das pilhas, elas normalmente

215 Jornal Folha do Meio Ambiente. Abril. 1993.216 Jornal Folha da Tarde. Agosto. 1992.217 Jornal Jornal do Brasil. Abril. 1993.218 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.219 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.220 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.221 Jornal Folha da Tarde. Agosto. 1992.

134

seguem dois caminhos distintos, ambos muito perigosos: ou elas vão para os aterros/lixões ou vão para as usinas de compostagem.

Nos aterros ou lixões, ficam expostas ao tempo (sol e chuvas), sofrem processo de oxidacão (ferrugem), se rompem e liberam o seu conteúdo para o meio ambiente, contaminando todos os outros resíduos lá presentes. Com as chuvas (ou mesmo, pelo chorume), estes resíduos tóxicos são carreados e podem penetrar o solo, contaminando-o ou indo parar nos lençóis freáticos. Podem também ser levadas para rios e córregos em áreas adjacentes aos depósitos. Uma vez contaminados os mananciais de água, a contaminação por parte do homem é o passo mais rápido e imediato: através dos alimentos, seja pela utilização dessa água na irrigação ou pelo próprio solo contaminado; através do consumo direto de água ou, ambos os processos conjugados.

Nas usinas de compostagem, as pilhas, misturadas ao resto do lixo, ficam girando nos biodigestores por 48 horas onde muitas são amassadas, moídas e se rompem, liberando os metais pesados à massa orgânica que está se formando. Após o período de maturação, o composto está pronto para ser consumido, contaminado por metais pesados que, também vão entrar nos ciclos biológicos.

Em função desses problemas, a Cetesb está elaborando um programa de coleta seletiva para tratamento do lixo doméstico perigoso para a cidade de São Paulo, a ser apresentado ao Programa Estadual de Controle da Poluição Industrial, em janeiro de 1993. Na verdade, está apenas se retomando um projeto feito em 1990 e que previa a instalação de postos de entrega voluntária de pilhas (além de embalagens de spray, lâmpadas fluorescentes e frascos de remédios) sob a responsabilidade da Cetesb. O programa previa uma série de alternativas para o reaproveitamento dos materiais que compõe este(s) produto(s). Nas pilhas comuns, concluiu-se que seria possível reaproveitar o zinco e as folhas de flandres e, no caso das pilhas alcalinas, aproveitar-se-ia o mercúrio, o dióxido de manganês, o plástico, o latão, sais de zinco e de potássio222. Uma outra solução seria o uso de pilhas recarregáveis, como as que a empresa americana Rayovac Corporation está lançando no mercado americano. Estas pilhas tem a duração de uma pilha alcalina comum, mas pode ser usada até 25 vezes.

222 Jornal Folha da Tarde. Agosto. 1992.135

5.2- Borracha / PneusO mundo moderno sabe que em nenhum setor a interdependência global é mais crucial do que nas questões relativas ao meio ambiente, pois elas trascendem as fronteiras nacionais.

( Tenzin Gyatno-Dalai Lama )

Desde que John Boyd Dunlop inventou o pneu, os motoristas de veículos automotores passaram a dirigir com mais conforto e segurança. Mas não foram só vantagens que acompanharam o valioso invento do Sr. Dunlop. A resistência, característica que garante a segurança dos pneus, está se tornando um problema ambiental. Os polímeros sofisticados e as cintas de aço são praticamente indestrutíveis. Podem suportar o desgaste causado pela alta velocidade nas auto-estradas do mundo, mas é imensamente difícil dar-lhes um destino adequado quando sua vida útil chega ao fim.

Pneus usados podem ser encontrados às margens das estradas, flutuando nas praias ou espalhando fumaça tóxica no ar quando queimados. O problema ficou tão crítico que a Comissão Européia identificou os pneus, em 1991, como o primeiro dos fluxos de resíduo tóxico prioritários, a respeito dos quais deveriam ser tomadas certas medidas. Só a Europa Ocidental produz 200 milhões de pneus por ano, os EUA outros 250 milhões e o Japão, 140 milhões.

Até hoje, as soluções para este problema tem se baseado em três opções: recauchutagem, trituração e incineração. As três opções tem sido defendidas, apesar

136

dos problemas que cada delas apresenta. Assim, cada país tem adotado medidas específicas para solucionar seus próprios problemas. Ao mesmo tempo, a produção mundial de pneus não mostra sinais de queda enquanto que, diversos países estão apertando suas normas legais sobre a destinação dos pneus para os aterros sanitários, destino tradicional da maior parte dos pneus.

A tabela IV.5.2.1 mostra a produção mundial de pneus.Na Alemanha, os aterros sanitários estão proibidos de receber pneus. Se forem

levados para estes locais, é exigido o pagamento de uma taxa extra, para serem encaminhados a um especialista. Os pneus sucateados são bastante usados para a geração de calor em fornalhas de cimento. No entanto, esta é uma prática quase isolada em toda Europa. No entanto, medidas ainda mais rigorosas estão em estudo na Alemanha. A legislação tornará os fabricantes de pneus responsáveis pelos resíduos sempre que o proprietário de um veículo. No Reino Unido, o armazenamento de pneus em terrenos foi proibido há alguns anos em razão dos riscos potenciais de incêndios e de contaminação do meio ambiente. O Departamento do Meio Ambiente também aconselhou que os aterros limitassem a proporção de sucata de pneus a 5% do seu volume, diante dos riscos de instabilidade e poluição, por meio da lixiviação (separação através de lavagem). troca-los.

A recauchutagem já responde por 50% dos pneus usados pelos caminhões no Reino Unido, Itália e Alemanha. Mas a proporção de pneus de automóveis é muito menor223, é o que afirma o Sr. Maurizio Prete, diretor da divisão de pneus para caminhões da Pirelli. O Sr. Prete diz que, a relutância dos motoristas particulares em usar pneus recauchutados decorre amplamente de preocupações equivocadas sobre segurança, e o orgulho de possuir um carro novo224.

A transformação dos pneus em migalhas ou pó, que podem ser reconstituídos em tapetes ou forrações de borracha para carpetes, geram produtos de baixa qualidade e tem uma demanda limitada225, é o afirma o Sr. Reiner Stark, responsável pela área de qualidade e meio ambiente da Continental Pneus, maior fábrica de pneus da Alemanha.

No Reino Unido, a empresa Elm Energy, sediada em Wolverhempton, criou uma fábrica para a queima de pneus para geração de energia. Os cinco incineradores da empresa estão funcionando normalmente para a queima de 100 mil toneladas de pneus usados anualmente. Mas existem obstáculos: primeiro, existe um limite no tocante à quantidade de pneus que podem ser absorvidos nas fornalhas. E, segundo, a geração de eletricidade ainda depende de subsídios governamentais.

Empresa País Vendas(em milhões)

Produção(em milhões)

Michelin França 9,5 55,91BridgestoneSumitomo

Toyo

Japão 9,472,52,5

140,12

GoodyearCooper

EUA 8,81,0

237,45

Continental Alemanha 3,7 45,63Pirelli Itália 2,7 -

Kumbo Coréia do Sul 0,87 42,28

223 Jornal A Gazeta Mercantil. Fevereiro. 1995.224 Jornal A Gazeta Mercantil. Fevereiro. 1995.

225 Jornal A Gazeta Mercantil. Fevereiro. 1995.137

- China - 64,27- Brasil - 31,17

(Fonte: European Rubber Journal, 1991 e 1992)

No entanto, as empresas produtoras de pneus também estão procurando por novas alternativas para dispor as sucatas de pneus. A Michelin, maior produtora de pneus do mundo, é a pioneira no uso de pó de borracha derivado de pneus usados para ser misturado ao betume em camadas de asfalto. Segundo os técnicos da fábrica francesa, a utilização de borracha pode melhorar a aderência, reduzir o nível de ruído e da pulverização do asfalto, além de criar uma camada de asfalto mais durável. A fábrica Continental, da Alemanha, tentou antecipar-se a uma possível nova legislação, e já implantou uma subsidiária - a Reifen Entsorgungs Gesellschaft, REG - para coletar pneus usados e assegurar que eles sejam eliminados de forma ambientalmente saudável. A REG, no momento, está trabalhando com 120 toneladas de sucata de pneus por ano226.

As novas propostas da União Européia para um programa de lixo tóxico podem ser ainda mais rigorosas. De acordo com especialistas no assunto, as principais metas incluiriam a eliminação de 25% dos pneus através da recauchutagem. Os outros 65% seriam eliminados através de programas de recuperação como material reciclado e incinerado para geração de eletricidade. Os 10% restantes seriam eliminados através da exigência de os fabricantes produzirem pneus de duração mais longa no ano 2000, o que efetivamente cortará a quantidade de sucata de pneus.

Há apenas sete anos, o destino das sucatas de pneus nos EUA era encher os buracos de terrenos de terraplanagem ou serem empilhados nos depósitos de lixo. Com a mudança - operada em parte pela mudança de comportamento em relação aos problemas ambientais e o incentivo e restrições impostas pela nova legislação de controle ambiental. Atualmente ¼ dos pneus velhos não usados na recauchutagem são reaproveitados de inúmeras formas.

A primeira forma de utilização dos pneus velhos é como combustível para geração de energia. Iniciada em 1986, deverá consumir em 1993 entre 47 e 50 milhões de pneus, segundo estimativas do Conselho de Manejo de Sucatas - SMTC. Outra forma comum é o de reutilização dos restos de pneus como asfalto de borracha na construção de estradas. Em 1992, entre 5 e 6 milhões de pneus gastos estão sendo usados na pavimentação de estradas americanas. A previsão para 1994 é de se utilizar para este fim, algo em torno de 20 milhões de unidades. A terceira forma de utilização é seu uso na construção civil. As sucatas de pneus tanto podem substituir materiais tradicionais quanto serem usados para assentamento em estradas - 35 estados americanos já utilizam esta técnica para dar fim as sucatas de pneus227. Este ano serão consumidos entre 53 e 58 milhões de pneus pelas companhias construtoras dos EUA nas mais diversas obras.

Um outro bom negócio relativo ao uso dos pneus, é a indústria de recauchutagem que, só no ano de 1992 atingiu a cifra de 31,5 milhões de unidades, num comércio que deverá gerar quase US$ 2 milhões, segundo estimativas da Associação Americana de Recauchutagem - ARA. Segundo Martin Bozart, diretor da ARA, com o governo aumentando o uso de pneus recauchutados em sua frota e a Agência de Proteção Ambiental - EPA - apertando o cerco, o mercado tende a crescer cada vez mais"228. Os

226 Jornal A Gazeta Mercantil. Fevereiro. 1995.

227 MONTEIRO, M. Pneu importado: o que há por trás desse negócio. Revista Ecologia & Desenvolvimento. Ano 5, n054. Agosto. 1995.228 CEMPRE Informa. n020. Dezembro. 1994.

138

maiores clientes das indústrias recauchutadoras são, sem dúvida, as grandes companhias aéreas, a força aérea americana e as grandes companhias transportadoras terrestres.

Nos EUA, a borracha obtida de pneus velhos é um dos principais componentes do sapato reciclado produzido pela Deja Shoe Company. Com a forma de tênis cano longo, o calçado é fabricado também com sobras de tecidos, filtros de café e sacos de supermercados. A empresa produz 100 mil pares/ano, somando 15 modelos diferentes, que custam de US$ 40 a 70 nas lojas. Depois de usados, os calçados podem ser devolvidos à Deja para serem reciclados mais uma vez229.

Segundo Eduardo Morais Martins, secretário da Associação Brasileira dos Recauchutadores, são necessários 200 litros de petróleo para produzir um pneu novo para um ônibus ou caminhão. Esse mesmo pneu, se for recauchutado, utiliza somente 30 litros. Um pneu recauchutado é três vezes mais barato e a vida média dele é próxima do novo, 90%, e as vezes até igual, dependendo da qualidade da matéria-prima utilizada230. Para o presidente da Associação de Recauchutadores e Revendedores do Rio de Janeiro, Sr. Mário Corujo, praticamente 100% dos pneus de carga usados no Brasil, ônibus, caminhões e até aviões, são recauchutados231.

O Brasil produz anualmente cerca de 31,7 milhões de pneus e importa cerca de 3,5 milhões de pneus usados - aproximadamente, 10% da produção - de acordo com a Associação da Indústria de Pneus. O presidente da Associação e também diretor da Goodyear, Sr. Cesário Ruiz, condena esta prática, apesar da Goodyear possuir uma fábrica para recauchutagem de pneus de avião que usa pneus usados. Estamos comprando lixo de outros países e isso é inadmissível232, diz o Sr. Ruiz.

O Brasil é o maior importador de pneus usados dos EUA. Em 1994, das 963 mil unidades exportadas pelos EUA, o mercado brasileiro absorveu quase a metade ou seja, 415 mil pneus usados, que foram comprados a US$ 9,16 a unidade233. Estimativas do setor indicam que 3,5 milhões de pneus vindos do exterior foram vendidos no país em 1994 (a produção nacional total no mesmo período foi de 33,8 milhões). Para o ano de 1995, as previsões falam em 5,5 milhões de unidades - 16,27% da produção nacional, que são responsáveis por 117.000 empregos diretos em 1993234.

O Sr. Mario Corujo, diretor da Pneuback - uma das maiores recauchutadoras e importadoras de pneus usados do país - discorda. Os pneus usados importados não chegam a dois milhões e, além disso, têm vida útil maior que os pneus novos fabricados aqui235, diz o Sr. Corujo. Já ocupando a posição de segundo maior mercado de recauchutagem do mundo, o Brasil recicla 100 toneladas/ano de pneus. Nos EUA, este número é 20 vezes maior236.

Recentemente, a Borcol Indústria de Borracha Ltda, lançou no mercado uma inovadora linha de pallets de borracha, fabricados quase que integralmente a partir da reciclagem de pneus velhos ou rejeitados pelo controle de qualidade dos fabricantes. São colocados à cada ano no Brasil cerca de 30 milhões de novos pneus, que depois de usados acabam encostados nos pátios dos sucateiros ou se acumulam nos lixões, aterros, valas ou terrenos baldios. A Borcol recicla 10% de todos os tipos de pneus 229 CEMPRE Informa. n020. Dezembro. 1994.230 Jornal Jornal do Brasil. Setembro. 1992.231 Jornal Jornal do Brasil. Setembro. 1992.232 Jornal Jornal do Brasil. Setembro. 1992.

233 CEMPRE Informa. n024. Agosto. 1995.234 MONTEIRO, M. Pneu usado importado: o que há por trás desse negócio. Ecologia & Desenvolvimento. Ano 5, n054. Agosto. 1995.235 Jornal Jornal do Brasil. Outubro. 1994.236 Jornal Jornal do Brasil. Outubro. 1994.

139

produzidos e a produção de pallets vai desafogar os impactos sobre a madeira nobre, normalmente usada para a sua produção. Segundo o Sr. Bruno Nardine, diretor comercial da empresa, as possibilidades de aplicação da borracha reciclada são imensas: assoalhos para ônibus e vagões de trens, placas para sinalização, andaimes, tapetes para automóveis, dispositivos para eletrificação, pisos para palcos e diversas outras finalidades237. Apesar da matéria-prima ser barata, US$ 0,2/tonelada, os custos industriais são elevados e, os pallets de borracha tem carga tributária maior, pagando 18% de IPI, que os pallets tradicionais de madeira estão isentos238.

A Relastomer, empresa de base tecnológica sediada no Rio de Janeiro, está construindo uma fábrica na Bahia para produzir 6 mil toneladas anuais de borracha reciclada para pneus, possibilitando a redução do despejo deste material nos aterros ou lixões. A tecnologia desenvolvida pela empresa permite também a diminuição de até 70% dos custos de produção dos vários tipos de borracha. Em sua planta piloto, no Rio de Janeiro, a Relastomer já está produzindo 1 tonelada mensal de borracha reciclada a partir de pneus usados.

Atualmente, no mercado brasileiro, 26 mil toneladas anuais de borracha são recuperadas na mistura para produção da borracha vulcanizada, usada, por exemplo, em pneus recauchutados. O consumo de borracha SBR, destinada à fabricação de pneus, é de 170 mil toneladas anuais239.

Um projeto pioneiro vai transformar imprestáveis pneus velhos em aliados na contenção de encostas. Amarrados uns aos outros, recheados de areia e argila e enterrados, os pneus servirão para a construção de muros de sustentação, substituindo - a um custo muito inferior - as técnicas tradicionais, que usam concreto. Desenvolvido pela Geo-Rio, da Pontifícia Universidade Católica - PUC, do Rio de Janeiro e Universidade de Ottawa, no Canadá, o novo método será aplicado na cidade do Rio de Janeiro num muro a ser construído numa comunidade de pescadores de Jequiá, na Ilha do Governador. Os pneus serão conseguidos de graça, num depósito em Duque de Caxias e com a Comlurb. O trabalho será feito em mutirão com a comunidade 240, disse o engenheiro da Geo-Rio, Sr. Luís Otávio Martins Vieira. Segundo o Sr. Vieira, a eficácia do processo foi comprovada no Canadá e, os baixos custos vão permitir espalhar estes muros pelas áreas de riscos da cidade241.

237 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.238 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.239 CEMPRE Informa. n09. Dezembro. 1993.240 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.241 Jornal Jornal do Brasil. Março. 1995.

140

5.3- AutomóveisQuanto maior é a rapidez de transformação de uma sociedade, mais temporárias são as necessidades individuais. Essas flutuações tornam ainda mais acelerado o senso de turbilhão da sociedade.

( Alvin Toffler )

Até 70% de um automóvel que chegou ao fim de sua vida útil podem ser reciclados, embora seja difícil ir além disso, no momento242, afirma Günter Zimmermeyer da Verband der Auto-mobilindustrie da Alemanha. Isto se deve ao fato de 100% de todos os metais, principalmente os ferrosos, são recuperáveis e recicláveis. Não obstante, materiais como plásticos e borracha são de difícil recuperação quando do seu sucateamento.

Quando um automóvel chega ao final de sua vida útil, representa uma fonte importante de matérias-primas pois atualmente existem 8 milhões de veículos na União Européia que podem ser reciclados a cada ano e, este nível poderá aumentar, pois o número de veículos na UE cresce de ano a ano, tendo dobrado nos últimos 20 anos. Em 1974, existiam 70 milhões de automóveis e em 1992 o seu número situava-se, em torno de 142 milhões243 observa o Sr. Zimmermeyer.

Em 1993, o governo alemão propôs medidas neste sentido, que foram, de certa forma, contestadas pelo movimento ambientalista Aliança 90 - Partido Verde pois isso pode levar as pessoas a pensarem que os carros são ambientalmente corretos, contanto que se possa reciclar as suas partes. Segundo Petra Mai, da Associação da Indústria Automobilística, os custos que envolvem a reciclagem de um carro varia, mas deve ficar em torno de US$ 500 por veículo244. Ficarão fora desta legislação os carros em que a reciclagem exceder o valor dos materiais a serem recuperados e carros acidentados onde se verificar que a recuperação se tornar antieconómica. Muitas fábricas, inclusive

242 Jornal A Gazeta Mercantil. Março. 1994.243 Jornal A Gazeta Mercantil. Março. 1994.244 Jornal A Gazeta Mercantil. Março. 1994.

141

a Volkswagem e a Mercedes-Benz, já iniciaram programas voluntários de reciclagem para determinar a maneira mais eficaz de reaproveitar os materiais de um carro retirado de um ferro-velho.

Existem na Europa cerca de dois milhões de automóveis da marca trabants, que foram produzidos na ex-Alemanha Oriental. São automóveis obsoletos e poluidores, se formos considerar a legislação ambiental dos países onde estes veículos rodam. Um dos seus principais problemas é que sua carroceria é feita com um tipo de plástico não reciclável e, no momento em que as indústrias estão mobilizadas na reciclagem dos seus próprios veículos esta, certamente, torna-se uma questão delicada para o governo alemão.

À exceção da sua carroceria, que pesa em torno de 700 Kg, tudo neles pode ser reciclado. A disposição destas carrocerias em depósitos de ferro-velho tornaria-se onerosa, uma vez que já há falta de espaço para dispor o lixo na Alemanha. Por outro lado, a sua incineração seria uma solução se as resinas produzidas durante a sua combustão não fossem tão tóxicas e poluentes o que, fere a legislação sobre emissão de poluentes atmosféricos.

A solução foi desenvolvida pela Companhia de Pesquisa e Desenvolvimento em Biotecnologia - IFZ, de Berlim - que já está desenvolvendo linhagens de bactérias que fariam a disgestão desse plástico. Os resultados dessa inovadora atividade só começarão a ser conhecidos em 1994 ou 1995. Até lá, esperamos que os resultados finais sejam tão promissores quanto aqueles obtidos em análises experimentais245.

Na Holanda, deve entrar em vigor uma lei que determina que toda a sucata dos automóveis, pneus usados, baterias e resíduos de óleos terão que ser reciclados até 1994. Segundo o ministro do meio ambiente, Hans Alders, esta legislação deve estar regulamentada até o final de 1992. Além disso, estamos obrigando as indústrias a receber de volta os seus produtos. Mas a forma de fazer isso, se através de esquemas de depósitos ou preços iniciais mais altos, é problema delas246.

Especialistas holandeses no assunto estimaram que a indústria automobilística deverá elevar o preço médio dos automóveis novos em US$ 150 para poder cobrir os custos da sua reciclagem ao final da sua vida útil. Como a Holanda não dispõe de áreas para dispor seus resíduos, estão em estudo novas leis para instituir a reciclagem de eletrodomésticos e todos os outros tipos de resíduos inorgânicos, cuja meta é, até o ano 2000, a reciclagem processar cerca de 60% de todo lixo gerado no país.

Aproveitando o pacote de leis de preservação ambiental do governo sueco, a Volvo Personvagnar vai abrir uma estação de reciclagem, para carros usados, no início de 1994 na cidade de Joenkoeping. Para o gerente de projetos da Volvo, Sr. Nils Hernborg, este é um projeto de pesquisa concebido para um sistema efetivo de orientação para o reaproveitamento e reciclagem de carros na Suécia247. O projeto se concentrará no aproveitamento dos 300 Kg de plásticos, vidros, metais e borracha dos carros abandonados nos terrenos baldios e aterros do país. O sistema atual reaproveita apenas os metais e o aço, perfazendo apenas 75% do peso dos veículos. Deve-se ressaltar que este projeto é o resultado de uma joint-venture entre a Volvo e representantes das indústrias recicladoras e dos ferro-velhos248.

O uso universal de plásticos em carros poderia representar até o ano 2010 um grande problema de rejeitos sólidos igual a tonelagem total de carros sucateados no final dos anos 50. A advertência consta do estudo Fechando o Ciclo - O Desafio da

245 Jornal Jornal do Brasil. Outubro. 1992.246 Jornal Jornal do Brasil. Outubro. 1992.247 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1993.248 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1993.

142

Reciclagem de Carros. Uma parte considerável desses plásticos está indo atualmente para aterros sanitários, que em breve estarão com a sua capacidade esgotada. O estudo examina a possibilidade de incineração e reciclagem destes materiais como as únicas opções em lidar com o problema num futuro próximo, mas vai exigir cooperação entre os fabricantes de carros de todo mundo.

A padronização dos materiais plásticos usados pode representar uma boa medida para se dar a partida no processo de tomada de decisões. Uma reunião de cúpula das associações dos fabricantes de carros da Europa, Américas , Japão e Coréia - os maiores fabricantes e exportadores de carros - necessita ser convocada com urgência para rever a situação e adotar medidas urgentes249, disse Karl Ludvigsen, um dos autores do relatório.

No Brasil, a reciclagem de materiais empregados na fabricação de veículos, por enquanto, não passam de estudos ou está engatinhando. A indústria sequer sabe se investir nessa área é caro ou barato. Os estudos mais avançados estão na Autolatina e, segundo a empresa o que dificulta a reciclagem é a grande diversificação de materiais e aplicações que envolvem vários fornecedores e departamentos da empresa. Isto quer dizer que antes de investir na reciclagem, deve trabalhar a padronização dos materiais (e métodos ou processos) que são usados na fabricação dos carros. A criação de padrões que definem o grau de exigência de cada peça em relação às propriedades do material do quão são feitas, visando definir se ela pode ser feita de material 100% reciclado ou com certa quantidade de matéria-prima virgem.

A Fiat, num trabalho preliminar, vem exigindo dos seus fornecedores a identificação de todos os tipos de plásticos usados nos automóveis. O objetivo dessa exigência é facilitar a reciclagem pelas empresas especializadas uma vez que a mistura dos vários tipos de plásticos dificulta a reciclagem. Na sua linha de montagem, a Fiat já reaproveita a borracha dos pneus e os metais não-ferrosos.

A General Motors do Brasil ainda não tem, segundo a sua assessoria de imprensa, nenhum programa de reciclagem de materiais250.

249 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.250 Jornal Jornal do Brasil. Outubro. 1992.

143

5.4-Computadores e Máquinas Eletro-eletrônicas

Nós só queremos aquilo que é dado naturalmente a todos os povos do mundo: sermos donos do nosso próprio destino, não do dos outros, e em cooperação e amizade com todos aqueles outros.

( Golda Meir )

As indústrias de produtos elétricos-eletrônicos da Europa estão para se encontrar com ambientalistas e autoridades da Comunidade Européia, para tentar buscar uma solução para o número crescente de produtos em desuso que as duas indústrias produzem. O lixo eletrônico abrange tudo, desde velhos computadores, fotocopiadoras, aparelhos estéreos, até cabos de telefone e lâmpadas. A faixa ampla de produtos e a diversidade de interesses dificultam as negociações e tornam a proposta de elaboração de um documento detalhado sobre as soluções, regras, mecanismos de controle e fiscalização uma questão muito difícil.

As indústrias alemães temem que o Ministério do Meio Ambiente do seu país não espere pelas negociações e sejam aprovadas leis já em 1995 que as obrigue a receber de volta uma ampla gama de produtos eletro-eletrônicos e a criar metas específicas de reciclagem. O modelo proposto pelo ministério coloca problemas imensos251, diz Bernhard Diegner que representa o grupo de projetos da ZVEI, associação dos fabricantes de produtos eletrônicos alemães.

O custo anual do programa para os produtos eletrônicos em desuso em toda a Europa pode chegar a US$ 3,49 bilhões em 1994 / 95, de acordo com a associação européia dos produtores destes produtos de consumo. Ao mesmo tempo, a ZVEI deseja que os programas de recebimento destes produtos sejam no geral voluntários, e que os fabricantes sejam obrigados a receber de volta apenas os produtos de sua própria marca. Para eles o maior pesadelo será uma repetição do programa de reciclagem compulsória - o Deutschland System Duales da Alemanha - que gerou mais papel e plásticos usados do que as indústrias recicladoras alemães poderiam processar no mesmo período. Os ambientalistas argumentam, por outro lado, que os programas voluntários não funcionam e citam o caso dos programas de reciclagem de pilhas, em que a taxa de coleta permanece baixa - 15 a 40% - mesmo sendo a mesma gratuita.

251 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1994.144

Os fabricantes afirmam que os dejetos eletrônicos em termos quantitativos são um problema menor em relação a outros setores. Na França por exemplo eles chegam a uma quantidade de 1,3 milhões de toneladas/ano, ante 20 milhões de toneladas/ano de lixo doméstico e 150 milhões de toneladas/ano de lixo industrial e comercial. Outro problema a ser enfrentado é que muitos rejeitos eletrônicos são de difícil reciclagem ou reaproveitamento.

No Brasil, a Sra. Maria Almeida Teixeira, coordenadora da comissão para o grupo que analisa a questão do lixo eletrônico, instituído em 1992- admite que os avanços têm sido muito lentos. Porém, esta história pode estar mudando. A partir de uma iniciativa inédita de sucateiros, a cidade de Resende, no interior do estado do Rio de Janeiro está sendo chamada de a capital nacional da reciclagem. O uso de velhas máquinas de fotocopiadoras, retiradas do mercado pela Xerox do Brasil, estão sendo usadas para a produção de cadeiras e mesas escolares. Com o isopor das embalagens usadas, estão sendo feitas bolinhas para o enchimento de bonecas nas indústrias de brinquedos da região. A empresa de sucata Controle Dinâmico ergeu os muros do seu parque de produção com as carcaças das fotocopiadoras. Com as placas de vidro, a empresa montou as divisórias de seus escritórios. Os plásticos rígidos que compõem as máquinas geram tijolos mais leves, resistentes e baratos. E os metais são transformados em camas de latão, que estão entre os objetos exibidos na vitrine da loja da Controle Dinâmico252.

Incentivado pelo programa de coleta seletiva implantado pela própria Xerox do Brasil em Rezende (vide Cadernos de Reciclagem nº 1 - A Coleta Seletiva em Escritórios. Editado pelo CEMPRE - Compromisso Empresarial para a Reciclagem. 1992) a prefeitura decidiu-se engajar também na reciclagem e está desenvolvendo um programa de coleta seletiva na cidade, contando inclusive com o apoio de uma cooperativa de sucateiros, constituída para este fim. A cidade de Rezende é a única cidade fluminense que mantém seu aterro sanitário dentro das normas e padrões ambientais exigidos, com sistemas de impermeabilização e tratamento do chorume em lagoas de estabilização, que reduzem seu potêncial toxicológico em até 95%. Segundo dados da própria prefeitura, a meta é manter os custos de coleta entre US$ 30 e US$ 45 por tonelada o que torna mais barato a reciclagem do que sua disposição final no aterro sanitário253.

De acordo com recente levantamento da ONG ambiental alemã Bund fur Umwelt and Naturschutz Deutschland, a maioria dos fabricantes de computadores já baniu os CFC's e tintas `a base de solventes, utilizando produtos pré-montados, além de assinalar as partes de plástico para reciclagem e reutilização dos componentes velhos para reparos. Além disso, quatro grandes fábricas já apresentam programas de retorno de produtos na Alemanha: Vobis, Apple, Actebis e Acer.

Para desmontar um velho computador é gasto cerca de uma hora254, diz Helmut Finchk, chefe do programa de reciclagem da Hewlett-Packard na Alemanha que já opera há três anos na Alemanha. As subsidiárias da Hewlett-Packard na Europa atualmente estão enviando equipamentos indesejáveis para um centro de reciclagem especializado, em Grenoble - França - o Hardware Recylcling Europe. Menos de 5% das 100 toneladas que chegam todo mês vão para os aterros. Há quatro anos atrás, esses números eram 30% mais altos, mas a Hewlett-Packard pode agora separar e reciclar quase todos os componentes dos seus produtos, inclusive computadores. Assim, disc-drives são reutilizados como peças sobressalentes; placas de circuito

252 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.253 Jornal A Gazeta Mercantil. Julho. 1993.254 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1994.

145

integrado são aprimoradas para revestir metais preciosos; o material plástico que reveste os cabos de cobre é retirado e reciclado (plásticos de alta qualidade) ou incinerado em fornos de cimenteira próximos - devido ao seu alto valor energético (plásticos de baixa qualidade ou mesclados) e, velhos chips e microprocessadores de memória acabam em brinquedos.

O cobre revestido, os componentes e metais preciosos são vendidos para ajudar no pagamento dos tratamentos caros de pilhas, tubos de raio catódico e plásticos mesclados. Hoje estamos equilibrados, mas tudo depende dos volumes manejados e

ainda não sabemos se um programa em larga escala será economicamente viável255 diz Denise Furet, gerente de projetos ambientais da Hardware Recylcling Europe.

Os cemitérios de computadores estão se transformando num problema ecológico nos EUA. Todos os anos, mais de 10 milhões de computadores emitem seu último bit-eletrônico na América do Norte. Eles são vítimas do progresso tecnológico, que abrevia cada vez mais seu ciclo vital.

No ano de 2005 haverá mais de 150 milhões de computadores nos EUA. É um volume imenso, que provocará um enorme problema ambiental256, observa Mark Greenwood, um diretor da Agência de Proteção dos EUA - EPA.

Que fim levam os computadores? Nos EUA, aumenta a cada dia o número de empresas como a Advanced Recovery

que recolhem os computadores que estão fora de uso. Eles são desmontados, se retiram os metais úteis como o alumínio e o ouro, além da extração dos semicondutores para serem vendidos como peças de reposição.

Tudo o que não pode ser reutilizado fica concentrado no cemitério eletrônico. O problema é que só uma parte mínima é reciclável. Os hardware continuam, então, se acumulando em todo território americano, causando preocupações para o futuro.

Uma comissão mista composta por representantes do governo e da indústria já realizou estudos para desenvolver o computador verde, com partes que podem ser facilmente recicladas. Isto implicará o uso de materiais recicláveis no invólucro plástico externo e mecanismos de montagem que permitam substituir as partes rapidamente.

A iniciativa da EPA para resolver o problema, encontrou terreno fértil entre setores importantes da indústria, que tiveram um desenvolvimento rápido nos anos 60 e 70, lado a lado com o aumento da preocupação com problemas ambientais. Mas não basta somente a boa vontade para resolver uma questão tão complexa. Uma solução extrema seria obrigar as indústrias que fabricam os computadores a se encarregar de dar o destino adequado, quando os clientes e usuários decidirem se livrar dos velhos computadores. Nem todos concordam com a exigência da reciclagem. Noventa por cento da população do planeta nunca colocaram a mão num computador257, assegura Alex Randall, presidente de uma fundação que aceita a doação de computadores usados para envia-los aos países do Terceiro Mundo.

E, o que acontece, também, com fogões, geladeiras e freezers velhos? Talvez isto não pareça importante e significativo, pois muitos de nós só lidamos com esse problema poucas vezes em nossa vida. Mas, se multiplicarmos essas poucas vezes por alguns milhares de milhões de famílias, teremos um problema de grande magnitude.

Normalmente, quando os eletrodomésticos quebram ou ficam velhos, nós simplesmente os jogamos fora. Muitas vezes eles são consertados e reaproveitados pelas comunidades mais carentes que não possuem dinheiro suficiente para a compra

255 Jornal A Gazeta Mercantil. Novembro. 1994.256 Jornal Jornal do Brasil. Abril. 1993.257 Jornal Jornal do Brasil. Abril. 1993.

146

de um modelo novo. Em outros casos, quando o defeito é grave e o custo do seu conserto o inviabiliza, estes aparelhos vão parar nos ferros-velhos. E, é aí que começam os problemas.

Os refrigeradores e condicionadores de ar antigos possuíam em seus motores uma substância muito perigosa: as bifenilas policloradas - PCB’s. Em 1979, a Agência de Proteção Ambiental -EPA - dos EUA baniu os PCB’s, obrigando as indústrias produtoras de bens a substituí-los por outras substâncias menos tóxicas. Porém, o que fazer com todos estes aparelhos fabricados antes de 1980? Devido as normas da EPA, os sucateiros e ferros-velhos relutam em aceitar aparelhos eletrodomésticos ou retiram os seus motores sem muito critério em relação aos PCB’s. Se todos os eletrodomésticos que os americanos jogam fora todos os anos fossem reciclados, de 227 a 272 mil quilos de PCB’s seriam mantidos fora dos vazadouros todos os anos258.

5.5- CôcoEnquanto o conhecimento científico for monopólio de corporações fechadas de especialistas, o debate político estará condenado a permanecer em nível rasteiro, cada lado esgrimando lugares comuns e meias-verdades.

(Paul Singer)

A chegada do verão lança um desafio para o mercado de reciclagem: reaproveitar os resíduos de côco gerados em grande quantidades na orla marítima que - na maioria dos casos - são levados para os lixões ou aterros sanitários sem qualquer tipo de reaproveitamento. O Brasil produz 500 milhões de unidades de côcos por ano e o material despejado demora até 8 anos para se decompor.

Somente na orla marítima da cidade do Rio de Janeiro são coletadas nos finais de semana de janeiro e fevereiro - meses mais quentes do ano - 45 toneladas de côco. Durante o restante da semana, são geradas 9 toneladas por dia. Entre 85% e 90% do lixo coletado aos sábados e domingos do verão - principalmente neste período do ano - é composto pelos restos de côco. No Rio, somente a empresa Disque-Côco, que comercializa a água e a polpa da fruta, joga no lixo 60 mil unidades de côco verde por mês.

Algumas empresas já despertaram a sua atenção para o enorme potêncial de reaproveitamento desse material. A empresa Socôco, uma maiores no processo de beneficiamento de côcos e derivados no Brasil, queima as fibras da fruta para gerar vapor para as caldeiras. Cada tonelada de biomassa pode produzir 1.840 quilowatts/hora de energia e poderia substituir com muitas vantagens o uso da madeira ou do carvão vegetal para este mesmo fim, trazendo grandes benefícios à manutenção das nossas matas e florestas. Anualmente, são reaproveitados os restos de 50 milhões de côcos recolhidos nas plantações da Socôco. Ricas em óxido de potássio, as cinzas geradas na combustão são usadas como adubo para manutenção e plantio dos coqueiros, trazendo uma economia de até 25% nos gastos com fertilizantes.

As fibras do côco pode ser usado em diversos setores da indústria259:

■ diversas empresas de pequeno porte se utilizam das fibras para produção de cordas, capachos e vassouras, que são mais resistentes e baratas;■ a Wolkswagen do Brasil já utiliza nos carros mais baratos e populares bancos com estofamentos produzidos com fibras de côco;

258 MONTEIRO, M. Pneu importado: o que há por trás desse negócio. Ecologia & Desenvolvimento. Ano 5, n054. Agosto. 1995.259 CEMPRE Informa. n020. Dezembro. 1994.

147

■ o pernambucano Sr. Augusto Burla desenvolveu o Coxim, uma variação do xaxim, feito de fibras de côco e que pode ser usado como substrato para plantas ornamentais com a vantagem de ter propriedades bactericida e ainda evitar a proliferação de pragas;■ a Emprapa, no Rio de Janeiro, estuda o uso dessas fibras na alimentação de animais;■ o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, de São Paulo mistura fibras de côco e resíduos/escória das indústrias siderúrgicas ao cimento para uso na construção civil, trazendo uma redução de até 50% nos custos;■ em Fortaleza - CE - a Universidade Federal do Ceará está transferindo ao setor produtivo a tecnologia de fabricação de compensados contendo fibras de côco e óleo de castanha de cajú, que servem como cola para agregar o material.

Todas estas iniciativas demostram o grande potêncial que o côco pode ter dentro do mercado de resíduos sólidos, principalmente nos centros produtores e consumidores. As técnicas e as propostas já existem porém, carecem de incentivos governamentais para que este ramo se desenvolva cada vez mais.

148

5.6- Embalagens Longa VidaA evolução biológica é baseada na transferência de informações contidas no código genético. No homem, esta evolução é maior na cultura e, em uma das suas variáveis: a tecnologia.

( Claes Ramel )

As embalagens longa vida começaram a ser produzidas no início dos anos 70 e, pouco tempo depois elas já estavam no Brasil. Composta de papel-cartão (75%), polietileno de baixa densidade (20%) e alumínio (5%), a embalagem longa vida tem a característica de preservar a integridade dos alimentos por muitos meses sem que haja necessidade de refrigeração. Outras vantagens em relação às embalagens tradicionais, são:

■ economia de energia no transporte fazendo com que haja redução das emissões de CO2, responsáveis pelo aquecimento da Terra - o efeito estufa;

■ ao dispensar o uso de refrigeração, atualmente o maior consumidor de CFC, auxilia na manutenção da camada de ozônio.

O consumo de embalagens longa vida está crescendo no Brasil. Em 1994 foram produzidas 1,7 bilhão de caixas e as previsões são de atingir a casa dos 2,5 bilhões de unidades em 1995. Os números, no entanto, são pequenos se comparados às 20 bilhões de unidades consumidas nos EUA e as mais de 5 bilhões consumidas na Alemanha.

As embalagens ainda não estão sendo recicladas no Brasil em escala comercial. O aumento do consumo destas embalagens, a expansão dos programas de coleta seletiva e o desenvolvimento de novas tecnologias deverão alavancar a reciclagem desse material nos próximos anos. Porém, as aparas e sobras da produção das caixas na fábrica da Tetra Pak, de Monte Mor, interior de São Paulo, são recicladas, para produzir os mais diferentes tipos de produtos: tarugos para realimentar as bobinas da fábrica; cestos para transporte de mudas de laranja e, produção de bancos de praça. As sobras são encaminhadas para fábricas de papel (papelão ondulado, papel kraft e embalagens para ovos).

Na Alemanha, onde o consumo é bastante elevado, a taxa de reciclagem é de 65%. O mercado de papel e papelão aproveita as fibras na produção de novas embalagens e

149

sacos industriais. Cada tonelada de caixa reciclada gera aproximadamente 700 Kg de papel kraft. As sobras podem ser reaproveitadas e transformadas em solas de sapato, tapetes de carros e espaçadores de pallets.

Nos EUA, além da reciclagem há ainda a sua conversão em energia através da incineração. As embalagens longa vida tem poder calorífico de 21.000 BTU’s/Kg. Isso significa que uma tonelada gera energia na forma de calor equivalente ao que é obtido com a queima de 5 m3 de lenha ou 50 árvores adultas. Além do vapor, a queima produz como resíduos gás carbônico e trióxido de alumínio na forma sólida (alumina), que pode ser usado como agente floculante nas estações de tratamento de água ou como agente refratário em altos-fornos. Nos países onde estas embalagens são recicladas, o preço médio varia de US$ 100 a tonelada.

Nos aterros sanitários ou lixões, este material é estável e atóxico. Sua camada externa de papelão se degrada mais facilmente do que as outras de plástico e alumínio.

150

CAPÍTULO V

Discussão

151

1- Uma Visão do Desenvolvimento da Sociedade As cidades brasileiras, em sua maioria absoluta, padecem dos males da falta de planejamento urbano, da carência dos serviços essenciais de saneamento e da incompetência gerêncial. Mergulhadas em crises financeiras crônicas, as nossas cidades não tem oferecido perspectivas de melhoria de qualidade de vida aos seus habitantes. O mau uso dos parcos recursos financeiros disponíveis - quando estes não vão engrossar fortunas - aliado à entraves políticos e burocráticos, empurram a maioria das grandes cidades brasileiras para buracos profundos, de onde só saírão com grandes sacrifícios. (Genebaldo Freire Dias)

O planeta é muito antigo e os seres humanos, muito recentes uma vez que os acontecimentos importantes em nossas vidas pessoais são medidos em horas, dias ou anos; nossa vida em décadas; nossa genealogia familiar em séculos e, todo a nossa história registrada em milênios. Contudo, fomos precedidos um enorme espaço de tempo medido em bilhões de anos, que foi o tempo transcorrido entre o aparecimento da Terra, da vida, da evolução dos seres vivos e o desenvolvimento da biosfera.

A questão mais importante que vem a tona é a relação destrutiva que o homem está tendo com a biosfera. Na sua história geológica , processos maravilhosos tiveram lugar antes do homem fazer a sua triunfal aparição e começar a empregar todo o seu potêncial biológico, enquanto espécie animal, para a sua própria destruição e de toda a vida. Os progressos nos campos da ciência e da tecnologia, que são determinados por regulamentos e leis da sociedade, foram fantásticos. Ao mesmo tempo, o homem resolveu submeter a biosfera à estas mesmas leis, tentando transformar a natureza em uma "tecnosfera". Esta mudança, obviamente, é um princípio impossível de ser alcançado. A conclusão a que chegamos é que o homem não gosta do seu planeta ou, mais grave ainda provou ser incapaz de coexistir com a natureza. A impressão que temos é que não podemos, também, fazer oposição à natureza e a todas as formas de vida que lá existem. Nós não conseguimos, nem vamos conseguir, domina-la pois, somos parte da sua carne, do seu sangue e do seu pensamento mais atávico. Para que possamos conseguir à coexistência com ela, precisamos mudar à nossa postura e chegar as seguintes conclusões:

■ a sociedade humana é parte integrante da biosfera;■ a tecnologia humana não pode ser vista como um alienígena para a biosfera mas

sim, como mais um estágio do nosso ulterior desenvolvimento que emergiu a partir da nossa sensibilidade, do nosso saber e, principalmente, da nossa observação da própria natureza;

■ a sociedade humana, como fazendo parte da biosfera, deve obedecer as suas leis260.

260 KANSHILOV, M.M. The Evolution of the Biosphere. Moskow, Mir Publisher.152

Ao mesmo tempo, a sociedade humana é certamente diferente da biosfera; ela é regida por leis que não são observadas em nenhuma outra parte dela. É claro, entretanto, que estas leis só podem ser válidas até o momento que elas não contradizem as leis da biosfera. Em outras palavras, a biosfera tem poder de veto nas atividades humanas que a agridem.

Durante milhões de anos, o homem e todos os seres vivos retiraram os recursos da biosfera, necessários à sua subsistência, e, devolveram outros, às custas de transformações bioquímicas por eles realizadas. A enorme capacidade que os organismos, principalmente os decompositores microscópicos, tem de reciclar a matéria orgânica produzida nas atividades humanas e faze-las retornar ao ciclo da biosfera não alteraram significativamente o seu perfil. Porém, nos últimos cem anos, a situação tem mudado drásticamente. Os meios de produção tem continuado a sua espoliação aos recursos naturais e tem retornado substâncias (em muitos casos, extremamente tóxicas) que não podem ser recicladas pelas populações de decompositores. Consequentemente, o fluxo de materiais entre o homem e a biosfera agora é unidirecional ou seja, só flui no sentido da biosfera para o homem, trazendo alterações na sua estrutura que estão interferindo na sua capacidade de autodepuração e regeneração. É óbvio que deveríamos esperar por suas respostas as nossas agressões e, elas estão começando a aparecer: mudanças climáticas, tanto no hemisfério norte quanto no hemisfério sul; o Efeito Estufa, devido ao aquecimento global da Terra; os buracos na camada de Ozônio e, perda da produtividade dos ecossistemas terrestres e aquáticos, interferindo diretamente na produção dos recursos alimentares no planeta.

Ainda não sabemos ao certo quais as exatas consequências destes fenômenos nem se será possível a sua interrupção ou reverção. A ciência ainda não pode avaliar os reais efeitos que a poluição e a exploração excessiva dos recursos naturais tiveram sobre a biosfera. As simulações realizadas por computadores dependem de muitas variáveis que a ciência ainda não tem como mensurar, como por exemplo o tempo que uma floresta leva ao alcançar o seu climax de desenvolvimento.

O problema do lixo pode ser o ponto de partida para a tomada de consciência, em escala planetária, da necessidade de mudança de posturas de toda a sociedade organizada: industriais, comerciantes, comunidade científica, governos e a população.

Até quando vamos continuar tentando esconder a sujeira embaixo do tapete?Onde está a saída ?Os governos, orientados pela comunidade científica, devem educar e conscientizar

sua população além de disciplinar a produção das indústrias e a comercialização destes mesmos produtos. A elaboração de leis ambientais que repassem para as indústrias os custos da exploração e poluição do meio ambiente, sem que eles sejam repassados ao consumidor, são medidas efetivas para tentar interromper os graves problemas ambientais que se avizinham. Além disso, deve haver um amplo debate, a nível planetário, no sentido de amenizar o crescente aumento populacional e diminuir as desigualdades existentes entre os países ricos e pobres.

Segundo o Sr. Anil Agarwal o movimento ambientalista do Terceiro Mundo aprendeu que não pode haver desenvolvimento econômico que não seja harmônico com o meio ambiente. E mais ainda: pode-se mostrar de uma forma convincente que a destruição ambiental tem um impacto diferenciado. Ela atinge aos pobres mais profundamente e, portanto, não há mais escolha, o desenvolvimento para os pobres tem que levar em conta as questões ecológicas261.

2- As Questões Econômicas 261 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1990.

153

A visão de que o crescimento surge, como num passe de mágica, com a expansão do número de ricos é uma poderosa e inconveniente ferramenta política, porque ela permite que sejam evitados os mais difíceis temas referentes à desigualdade de renda e à distribuição desigual da riqueza. As pessoas partem do pressuposto de que, enquanto há crescimento, há esperança de que a vida dos pobres possam ser melhoradas sem sacrifícios para os ricos. A realidade, contudo, é que atingir uma economia global ambientalmemte sustentável não é possível sem que os mais ricos limitem o seu consumo a fim de deixar espaço para os pobres aumentarem o seu próprio. Não há mistérios nos elementos básicos envolvidos no processo de atingirmos essa condição; todas as tecnologias necessárias, ferramentas e elementos de mudanças existem. O obstáculo real é nos decidir a nos comprometer com um novo caminho. Esse compromisso precisa partir de cada um de nós. E de todos nós conjuntamente262.

As palavras do Sr Lester Brown ilustram bem o comportamento das economias do primeiro mundo: enquanto elas enriquecem e melhoram o nível de vida das suas populações, as economias do terceiro mundo continuam a ser exploradas numa nova forma de colonialismo; o neocolonialismo é muito diferente daquele que aprendemos nos livros de história. Não há a imposição da força bruta, pelas armas, mas sim, a imposição pelo poder econômico. Vemos, por exemplo, a exportação de rejeitos das indústrias - com subsídios - para os países do terceiro mundo em troca de favores ou empréstimos, que muitas vezes acabam perdidos na corrupção que toma conta de muitas democracias em estado embrionário. Os ricos do terceiro mundo são as únicas pessoas que desfrutam das benesses que estes países em desenvolvimento ostentam. Grande parte da população está submetida à condições sub-humanas como falta total de saneamento básico, assistência médica, educação, alimentação, baixos salários e redução drástica da sua expectativa de vida.

Para os países pobres, mais que nunca, a alternativa se coloca em termos de projetos de civilização originais ou de não-desenvolvimento, não mais parecendo possível nem, sobretudo, desejável a repetição do caminho percorrido pelos países industrializados. Para os países ricos, é necessário que, daqui para diante, se limite o desperdício de recursos em via de esgotamento relativo. As variações dos preços de certa forma atuarão nesse sentido, mas seria perigoso abandonar esses problemas à mercê do mercado. A eliminação dos desperdícios e a manutenção, em níveis toleráveis, da poluição provocada, quer pela produção, quer pelo consumo de determinados produtos, levantarão também o problema dos limites ao incremento dos consumos materiais, em benefício dos serviços sociais concebidos no sentido mais amplo do termo, levando a um perfil de desenvolvimento, ao mesmo tempo, menos intensivo em recursos e menos degradante para o ambiente263.

O principal símbolo do desenvolvimento para os países pobres, são os shoppings centers. São áreas enormes onde o consumidor mais afortunado pode dar vazão aos seus ideais de consumo, como um cidadão do primeiro mundo. Porém, os shoppings centers são locais onde mais se verifica o desperdício: energia elétrica, embalagens de todos os tipos, principalmente as descartáveis de fast food além de uma grande quantidade de comida. O nosso planeta não está preparado para suportar bilhões de consumidores estilo shopping. Por isso, torna-se necessário repensar o tipo de desenvolvimento que almejamos e que o nosso planeta pode oferecer.

O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias

262 BROWN, L.R. O Vigésimo Nono Dia. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1980.263 SACHS, I. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo, Editora Vértice. 1986.

154

necessidades. Para os teóricos do desenvolvimento autosustentado, alguns pontos básicos devem ser considerados:

■ o desenvolvimento deve ser ecologicamente inspirado, isto é, deve pensar nas necessidades das novas gerações e respeitar os limites da biosfera;

■ um desenvolvimento alternativo precisa ser baseado em transformações estruturais, com o objetivo de quebrar a dominação política e econômica, oferecendo as mais amplas possibilidades de autogestão;

■ a necessidade de se constituir um índice de avaliação econômico - social - ambiental em substituição ao Produto Nacional Bruto - PNB ou Produto Interno Bruto - PIB, que pode refletir aspectos econômicos porém não espelha a realidade ambiental e social264.

■ o conceito de necessidades, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade. Segundo o Deputado Federal - pelo Partido Verde do Rio de Janeiro - e jornalista Fernando Gabeira, hoje o telefone e mesmo a televisão são bens de extrema necessidade;

■ a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras.

A satisfação das necessidades essenciais (alimentos, roupas, saúde, habitação, empregos, salários dignos, lazer) depende em parte de que se consiga o crescimento potêncial pleno, e o desenvolvimento sustentável exige claramente que haja crescimento econômico em regiões onde tais necessidades não estão sendo atingidas. Onde já estão atingidas, ele é compatível com o crescimento econômico, desde que o crescimento reflita os princípios amplos da sustentabilidade e da não-exploração dos outros. Mas o simples crescimento não basta. Uma grande atividade produtiva pode coexistir com a pobreza disseminada - nosso caso - e isto pode constituir um grande risco para o meio ambiente. Por isso, o desenvolvimento sustentável exige que as sociedades atendam às necessidades humanas, tanto aumentando o potêncial de produção quanto assegurando a todos as mesmas oportunidades.

Felizmente, também, já há um reconhecimento da necessidade de se estabelecer novos índices para medirmos o progresso. Atualmente, dois deles já vem sendo usados para estudos e avaliações de aspectos e econômicos e sociais, principalmente nos países do terceiro mundo.

Concebido pelas Nações Unidas, o Índice de Desenvolvimento Humano - HDI (Human Development Index) é medido numa escala que vai de 0 a 1 e leva em consideração três indicadores sociais: longevidade(expectativa de vida, desde o nascimento); conhecimento (taxas de alfabetização e percentual de analfabetos na população) e, controle sobre os recursos necessários a uma vida decente (Produto Interno Bruto - PIB, ajustado ao poder de compra). A associação dos indicadores de longevidade e conhecimento ao PIB, fornecem informações muito mais realistas sobre o padrão de vida das populações. Por exemplo, uma alta expectativa média de vida indica amplo acesso ao cuidado com a saúde e ao consumo satisfatório de alimentos.

Uma comparação entre países classificados de acordo com o PIB e o HDI, ambos ajustados per-capita, revela algumas amplas disparidades: certos países com baixas rendas médias possuem HDI's relativamente elevados, e vice-versa. Em Sri Lanka o PIB per-capita é de apenas US$ 2.053, ao passo que o HDI é de 0,79. Mas no Brasil, onde o PIB é duas vezes maior, de US$ 4.307 por pessoa, o HDI é 0,78, ligeiramente

264 Jornal Jornal do Brasil. Maio. 1990.155

inferior. Isto se deve ao fato de a riqueza ser distribuída de maneira mais uniforme no Sri Lanka, juntamente com um maior acesso à alimentação e aos serviços sociais, enquanto no Brasil ela está, em larga medida, concentrada nas mãos da quinta parte mais rica da população.

Os EUA, que se acham em primeiro lugar em termos de renda ajustada per-capita, com US$ 17.615, é o décimo nono país na coluna do HDI, abaixo de países como a Austrália, o Canadá e a Espanha265. A nível mundial, existem grandes disparidades na renda per-capita- que em 1984 variava de US$ 190 nos países mais pobres do terceiro mundo até US$ 11.430 nas economias dos países industrializados. Tais desigualdades representam grandes diferenças não apenas quanto à atual qualidade de vida, mas também quanto à capacidade das sociedades para melhorarem sua qualidade de vida no futuro.

O Índice de Prosperidade Econômica Sustentável - ISEW (Index of Sustainable Economic Welfare), concebido pelos Srs. Herman Daly & John Cobb, é o mais abrangente de todos os índices pois considera aspectos sociais, econômicos e ambientais, como a destruição do meio ambiente. Depois de ajustar o componente de consumo do índice de acordo com a desigualdade na distribuição, os autores incluem vários custos ambientais associados à má administração econômica, tais como o esgotamento de recursos, a perda da produtividade da terra devido à erosão do solo e à urbanização e o custo da poluição do ar e da água. Eles também incorporam aquilo que chamam de danos a longo prazo ao meio ambiente, uma cifra que tenta levar em consideração mudanças em larga escala tais como os efeitos do aquecimento global/efeito estufa e dos danos inflingidos a camada de ozônio266.

Dependendo da orientação do progresso tecnológico, alguns problemas imediatos podem ser resolvidos, mas podem surgir outros ainda maiores. Uma tecnologia mal empregada pode marginalizar amplos segmentos da população. As grandes monoculturas, o desvio dos cursos d'água, a extração mineral e florestal, a emissão de gases e efluentes líquidos e erosão devido ao plantio excessivo, são todos exemplos atuais da intervenção humana na biosfera durante o desenvolvimento da nossa sociedade. Assim, abandonar o projeto de uma hidrelétrica porque traria impactos ambientais à um ecossistema sensível pode ser uma medida a favor do progresso e não um retrocesso no desenvolvimento.

Os sintomas de que a concepção de relacionamento do homem com a natureza estão mudando, começam a se manifestar com uma frequência cada vez maior na nossa sociedade. A civilização industrial ainda tem considerado os recursos naturais apenas como um dos insumos do processo produtivo e não como uma variável complexa, que permeia todos os aspectos da vida humana. Tal constatação tem levado ao questionamento da capacidade desse modelo de garantir a sua reprodução e, principalmente, a busca de alternativas que permitam o homem alcançar patamares mais elevados de qualidade de vida.

Por isso, torna-se fundamental reconhecer que os desequilíbrios ambientais são modalidades de custos sociais que, necessariamente, devem ser contabilizados no processo de desenvolvimento. Porém, a mudança do discurso, embora repleta de significados, é insuficiente para viabilizar efetivas melhorias na qualidade do uso que fazemos dos nossos recursos naturais. Não podemos ficar esperando que caiam do céu as mudanças estruturais, indispensáveis à modernização da sociedade, para somente então começarmos a agir. Cabe-nos, dentro da área de atuação de cada um, incorporar

265 BROWN, L.R. O Vigésimo Nono Dia. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1980.266 BROWN, L.R. O Vigésimo Nono Dia. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1980.

156

a variável ambiental como uma dimensão de planejamento, conferindo-lhe sua real importância.

Nesse esforço de identificar novas alternativas para o enfrentamento de problemas já antigos, procuramos abrir espaços para o surgimento de novas concepções de projetos, para o aporte de novas tecnologias e para a modernização das relações entre as diferentes instâncias de poder governamental e entre o estado e a sociedade civil, tornando-a co-partícipe do processo de implementação das políticas públicas. Torna-se fundamental, portanto, fortalecer os laços de cooperação internacional, em que o relacionamento entre as nações seja pautado por uma ética que estabelaça a co-responsabilidade na busca da melhoria da qualidade ambiental267.

3- A Administração do Lixo e seus Problemas

Uma questão fundamental, que está a desafiar todos nós, sobretudo nas grandes cidades, é a do tratamento e destinação final dos resíduos sólidos, que é uma das questões mais desafiadoras para um administrador público no âmbito municipal, pelo custo que representa o tratamento e o destino desses resíduos e pela incapacidade que os municípios têm de dar conta do tamanho, da dimensão, da complexidade e da gravidade desse problema.

É verdade que os países do primeiro mundo já devem ter conseguido progresso maior, até porque já conseguiram avançar mais em termos de gestão e de tecnologias no tratamento dessa questão e, certamente, poderão nos ajudar numa linha de cooperação e de intercâmbio permanente, para que possamos, pelo menos, atenuar e aliviar as graves consequências, os graves efeitos que estão colocados no quotidiano das nossas cidades, das nossas gestões municipais com esse problema do tratamento e destino dos resíduos sólidos. E, temos que enfrentar isso com muita humildade, não só esta questão, mas as contradições em relação aos problemas sociais, às demandas sociais e à necessidade de preservar a qualidade de vida das pessoas que moram nas cidades, sobretudo do Terceiro e Quarto Mundos268.

Os números apresentados como diagnóstico da situação atual do setor de resíduos sólidos no Brasil foram feitos a partir de projeções de dados levantados pela pesquisa Diretrizes Nacionais de Limpeza Urbana, elaborada em 1983. Assim, considerava-se que a população urbana brasileira, estimada em 113 milhões de habitantes, gerava 90 mil toneladas de lixo/dia, das quais, numa perspectiva otimista, 63 mil toneladas - ou 56% - eram coletadas. Além disso, dos 12 mil locais escolhidos para disposição final destes resíduos, somente 3% foram considerados sanitariamente e ambientalmente adequados.

Do ponto de vista institucional, identificou-se a falta de envolvimento, participação e de motivação de administradores públicos e usuários de uma forma geral, além do vazio entre as políticas propostas de atuação federal e municipal, associado à ausência de instrumentos legais, institucionais e financeiros. Afirmou-se ser fundamental pensar o setor de resíduos sólidos sob a ótica do planejamento global intra-setorial (água, esgoto, drenagem e resíduos) e, inter-setorial (saúde pública, meio ambiente, recursos hídricos, desenvolvimento urbano, habitação, infra-estrutura e serviços públicos).

As ações governamentais no setor de resíduos são incipientes e esparsas, requerendo urgente definição e diretrizes para o setor. Isso tem tornado difícil ou 267 SETTA, J. Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.268 ERUNDINA, L. Solenidade de Abertura. Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.

157

mesmo impraticável uma solução conjunta ou de ampla escala. Os poucos textos legais utilizados são portarias e instruções normativas, quase sempre inaplicáveis devido à falta de recursos ou instrumentos inadequados que viabilizem sua implantação. Nesse contexto, torna-se clara a necessidade de os governos federal, estadual e municipal adotarem medidas e uma legislação efetiva e conjunta sobre o assunto, estabelecendo definitivamente diretrizes políticas e, evidentemente, técnicas para o setor269.

De acordo com dados da pesquisa sobre resíduos sólidos domésticos e públicos que está sendo desenvolvida no âmbito do Programa de Gestão Urbana e Meio Ambiente - PNUD/BIRD/Habitat, os problemas enfrentados pelos serviços de limpeza urbana em países em desenvolvimento, de um modo geral são:

■ limitação financeira orçamentos inadequados, fluxo de caixa desequilibrado, arrecadação insuficiente e ausência de linhas de crédito

■ falta de capacitação técnica e profissional

do gari ao engenheiro chefe

■ falta de cooperação da população

-

■ descontinuidade no serviço e na administração

cada nova administração muda a política e o pessoal técnico

Qualquer administração que queira dar início a um programa sério de gerenciamento dos resíduos sólidos, deve ter metas sólidas a serem atingidas. As mais importantes poderiam ser:

■ atendimento pleno da população a partir da utilização de tecnologias adequadas para as etapas do processo- coleta, transporte, acondicionamento, tratamento e destino final;

■ busca da qualidade do serviço prestado através de procedimentos mais eficientes e eficazes, tanto no âmbito econômico quanto ambiental;

■ otimização e modernização de equipamentos;■ redução do fluxo de lixo e incentivo à coleta seletiva e reciclagem;■ auto-sustentação, privatização e/ou parcerias com empresas privadas;■ desenvolvimento gerencial e técnico;■ redistribuição da atual conduta entre os agentes da sociedade - governo, mercado

e voluntarismo;■ estabelecer uma hierarquia de processos tecnológicos no tratamento e disposição

final dos resíduos sólidos: redução da produção de lixo na própria fonte geradora:reciclagem compostagem recuperação energética através da incineração aterro dos rejeitos.

A visão panorâmica da situação dos resíduos sólidos - sejam eles domésticos, hospitalares ou especiais/tóxicos (industriais) - não é das mais graves, comparada com outras nações do terceiro mundo. Apesar disso, os dados demostram uma situação bastante insatisfatória e apontam a necessidade de soluções consorciadas entre as administrações (em todos os âmbitos) a iniciativa privada e a sociedade organizada.

269 PINTO, P.C. Aspectos políticos e institucionais do manejo de resíduos. Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.

158

Segundo o Sr. Francisco A. Sertã, da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - Feema, o regime de administração direta é a forma mais usual de adotada em todo o país para gerenciar o sistema de limpeza urbana. O sistema de administração indireta se dá através da contratação de empresas privadas para execução de alguns serviços. A mão-de-obra direta empregada no setor de limpeza urbana é constituída em grande parte, por pessoal de baixo nível de escolaridade, sugerindo a necessidade urgente de sensibilização comunitária para o setor e o treinamento do pessoal envolvido270. Outros apectos pertinentes a serem considerados são271:

■ a existência, nos grandes centros brasileiros, de tecnologias de disposição e tratamento de resíduos, o que permitiria o desenvolvimento de uma legislação de controle;

■ a capacitação da indústria nacional para a absorção dessas tecnologias;■ as limitações das pequenas e médias empresas quanto a recursos para o

desenvolvimento de sistemas individualizados de destinação de resíduos;■ a necessidade de importação de tecnologias para a incineração dos resíduos

especiais;■ a presença de um parque industrial que pode absorver a matéria-prima secundária

- através da coleta seletiva de resíduos domésticos - visando a sua reciclagem.

4- A Coleta, o Tratamento e a Disposição Final do Lixo

Verifica-se que a coleta de lixo nas áreas rurais brasileiras só se realiza nas proximidades dos núcleos urbanos. De uma maneira geral, nas zonas rurais o lixo é queimado ou enterrado pelas próprias pessoas que os geram.

De uma maneira geral, houve uma acentuada melhora nos serviços de coleta de lixo no Brasil de, digamos, 10 anos para cá.

O aterro sanitário é uma das práticas de destinar os resíduos sólidos mais usada e, encontrada em quase todos os municípios do Brasil. Contudo, na verdade, eles - os aterros - são verdadeiros lixões a céu aberto (86,4%), alguns poucos (9,6%) são aterros controlados e, realmente, muito poucos (1,1%) são aterros sanitários. Isto se deve ao total despreparo das administrações municipais e aos responsáveis diretos pelas companhias de limpeza urbana. A população é co-responsável também pois, em geral, a sua preocupação limita-se apenas à exigir a coleta do seu lixo, sem se importar com o seu destino final e com as consequências ambientais que possam ocorrer.

Um aterro sanitário para ser eficiente deve apresentar as seguintes características:

■ os resíduos devem ser cobertos com terra diariamente a fim de evitar o aparecimento e desenvolvimento de animais transmissores ou causadores de doenças assim como, evitar a ação dos catadores;

■ impermeabilização do solo para evitar a contaminação e poluição dos lençóis freáticos;

■ colocação de uma cerca para impedir a ação de catadores de lixo;270 SERTÃ, F.A. Tecnologias tradicionais em resíduos sólidos industriais. Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.271 SERTÃ, F.A. Tecnologias tradicionais em resíduos sólidos industriais. Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.

159

■ construção de uma estação de tratamento do chorume;■ construção de um sistema de drenagem - chorume e biogás - eficiente, com

aproveitamento do gás metano.

Quando comparados aos dos países do primeiro mundo, os aterros no Brasil apresentam custos muito baixos. A disponibilidade de grandes áreas e a abundância de terra, para cobertura do lixo, e, principalmente, a não adoção de técnicas adequadas podem explicar esta questão. Além disso, o desleixo com a quantidade e com a qualidade do lixo recebido diariamente, contribuem ainda mais para a redução da qualidade dos aterros/lixões.

Os pontos mais importantes a serem considerados, para reverter esta situação, na instalação de novos aterros sanitários são:

■ necessidade de alteração das normas dos Estudos de Impacto Ambiental - EIA - e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA - para instalação e manutenção dos aterros para que não haja comprometimento da qualidade de vida da população circunvizinha e dos operadores e funcionários diretamente envolvidos;

■ necessidade de um monitoramento permanente, mesmo após o seu esgotamento, a fim de evitar a deterioração da área e possíveis acidentes.

Existem atualmente no Brasil 56 usinas de compostagem - dos tipos aceleradas e simplificadas. Desse total, segundo informações mais atualizadas, 17 estão em operação, 23 desativadas ou paradas e 16 estão em obras. É mais um sintoma do desperdício de recursos públicos e ineficiência administrativa dos nossos governantes.

Um aspecto importante em relação as usinas, refere-se ao seu correto dimensionamento; ao estabelecimento de parâmetros compatíveis ao sistema de coleta com o porte e localização das instalações e a disponibilidade de aterros sanitários para dispor os resíduos gerados pelas usinas. É, igualmente importante, ter em mente que é preciso dar um fim ao composto/adubo gerado para que ele não permaneça acumulado nas instalações da usina, principalmente se o seu custo for maior do que os similares encontrados no mercado.

Além disso, dados recentes mostram que o composto gerado em algumas usinas brasileiras está contaminado por metais pesados, com índices acima do permitido pelas normas internacionais. Em toda a Europa, só existe uma usina capaz de separar a matéria orgânica de metais pesados, e o custo do produto final torna-se extremamente alto.

No Brasil, a não implantação da coleta seletiva, faz com que o lixo vá misturado para as usinas e, na maior parte delas, a separação dos materiais recicláveis é exclusivamente feita por catação. Em algumas poucas usinas, utiliza-se um eletro-imã para a separação dos metais. Neste caso, o preço final das usinas torna-se muito elevado e acarreta outras despesas de implantação e manutenção.

Para evitar todos estes problemas, poderia ser implantada a coleta seletiva onde, a separação dos materiais inorgânicos na própria fonte geradora, traria mudanças significativas em todo o processo: redução dos custos de implantação e manutenção; seriam necessárias usinas menores e mais baratas e, melhoria da qualidade do composto gerado. A coleta seletiva é um excelente meio de mobilização e conscientização da população.

Pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro, demostrou que a população carioca estaria disposta a separar o seu lixo, desde que fosse orientada e esclarecida para tal. A

160

população considera o serviço prestado pela companhia de limpeza urbana - Comlurb - satisfatório. Consideram, também, o cidadão carioca o próprio responsável pela sujeira da sua cidade e estariam dispostos a uma mudança de comportamento.

Em 1991, numa reunião do CONAMA houve uma forte ação de lobistas para que não fosse aprovada uma resolução objetivando a proibição, no Brasil, da incineração de resíduos municipais, em especial daqueles gerados em hospitais. Recentemente, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA - EPA - manifestou-se oficialmente a respeito da semelhança entre os resíduos domiciliares e hospitalares, concluindo não haver necessidade de tratamento diferenciado para os resíduos oriundos dos estabelecimentos prestadores de serviços de saúde, tendo em vista o alto custo da incineração, além dos malefícios trazidos pela geração das dioxinas272.

As unidades de incineração são consideradas fábricas de resíduos, pois não só existem materiais que não podem ser incinerados como também, do processo de incineração, sobram resíduos sólidos - além dos gases emitidos - que necessitam de disposição final em aterros.

Em se tratando de resíduos industriais, na América Latina, os incineradores são empregados apenas em poucos casos, devido principalmente aos altos custos de implantação e manutenção das unidades de incineração. Diversas indústrias de grande porte adquiriram unidades de incineração para queimar seus rejeitos e, para prestarem serviços para outras empresas da área industrial ou prefeituras (resíduos industriais, hospitalares e farmacêuticos - remédios vencidos).

A utilização de incineradores para a queima de certos resíduos perigosos em larga escala não se encontra, ainda, devidamente equacionada quanto a avaliação dos seus reais danos ambientais e, principalmente, quanto ao estabelecimento de regulamentação específica para um adequado gerenciamento e controle de operações. Os objetivos são claros: a prevenção de que estas unidades venham a se constituir em unidades que produzam rejeitos perigosos durante o processo de queima.

Discute-se, calorosamente, as principais vantagens e desvantagens das unidades de incineração para resíduos perigosos e hospitalares. Outro motivo de discussão, relaciona-se ao porte e sua localização pois, é muito grande a rejeição da população à estas unidades, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. A única excessão é o Japão, que continua construindo unidades de incineração e as transformaram em áreas de lazer para a população.

Segundo o Professor Emílio Eigenheer, a coleta seletiva deve ser vista dentro de um sistema integrado de gerenciamento de resíduos sólidos e não como uma panacéia para o problema"273. Por isso, destacamos alguns pontos de vista do Sr. Eigenheer à respeito da questão:

■ Os programas de coleta seletiva devem efetuar pesquisas e manter um banco de dados sempre atualizado de dados técnicos, inclusive de custos e benefícios;

■ Na elaboração e execução de programas de coleta seletiva, devem ser considerados - igualmente - aspectos educativos, ambientais, administrativos, econômicos, sociais e operacionais sem que haja prioridade de um - ou mais - em detrimento dos outros;

272 PINHEIRO, S. Tecnologias tradicionais em resíduos sólidos: incineração e emissão. Gestão e Tecnologias de tratamento de Resíduos Sólidos – Documento Síntese – REMAI’91. Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. 1992.273 EIGENHEER, E.M. (org.). Coleta Seletiva de Lixo: Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro, Centro de Informações sobre Resíduos Sólidos – Universidade Federal Fluminense (UFF)/Instituto de Estudos da Religião (ISER)/GTM.

161

■ As iniciativas comunitárias de coleta seletiva de pequeno porte - bairros ou distritos - devem ser apoiadas pelas Prefeituras Municipais, mesmo que estas não participem diretamente do seu processo de organização e gerenciamento;

■ Os projetos de coleta seletiva devem dar atenção também aos resíduos orgânicos presente no lixo doméstico. A produção de adubo/composto - para criação de hortas comunitárias - ou ração - através da implantação de usina apropriada - para alimentação de suínos ou peixes, pode se converter numa excelente fonte de arrecadação servindo, também, para melhorar a qualidade alimentar da comunidade envolvida;

■ É desejável que os projetos de coleta seletiva implantados durante uma gestão municipal, tenham continuidade na próxima administração, incluindo a sua equipe técnica.

No momento em que as prefeituras descobrirem que a coleta seletiva é um excelente negócio, certamente ela ganhará mais espaço junto aos administradores. Além de se constituir numa fonte extra de receita, a partir da comercialização dos produtos recicláveis e diminuição dos gastos com disposição final em aterros ou lixões, a coleta seletiva pode ser feita através de parcerias com as empresas privadas e cooperativas de catadores de lixo.

Neste caso, a redução das despesas com a coleta regular de lixo, libera verbas para outros programas de interesse social, melhorando a qualidade de vida da população e a imagem do administrador municipal junto a seus eleitores, cumprindo tão somente as obrigações do cargo para o qual foi escolhido.

O estabelecimento de leis municipais específicas de estímulo à reciclagem, pode ser um dos pontos cruciais para a implantação da coleta seletiva. Porém, somente um trabalho educacional na conscientização e participação da população pode garantir o sucesso do programa. É fundamental a existência de um mercado de produtos reciclados para estimular a reciclagem e a coleta seletiva nas cidades. Não existe reciclagem sem um mercado consumidor de produtos reciclados.

Um dos aspectos mais interessantes em relação à coleta seletiva é a participação dos catadores de rua. Eles são os responsáveis por grande parte do retorno da matéria-prima secundária nas grandes cidades ao ciclo de produção. Recentemente, eles começaram a se organizar em cooperativas para fugirem da exploração de aparistas e sucateiros, que pagavam valores muito inferiores à aqueles que eles podem conseguir agora. Qualquer programa de coleta seletiva que venha a ser implantado, deve levar em consideração a participação desse segmento no processo.

A coleta seletiva e a reciclagem parece ser a solução tão sonhada para os problemas de excesso de produtos desse nosso planeta tão superpopuloso. Dependendo do ponto de vista, a reciclagem e a coleta seletiva são a solução para os problemas de escassez de espaços para os aterros e, de matérias-primas para a indústria ou, a fonte de toda uma série de problemas de oferta e procura de matérias-primas.

Por isso, consideramos que ela não pode ser vista como a solução final para os nossos problemas com o lixo, mas uma das soluções que deve ser posta em prática, simultaneamente com várias outras.

5- As Mudanças Necessárias que se Avizinham

O aparecimento de instituições ambientalistas e dos produtos chamados verdes também teve influência na discussão dos problemas relacionados ao lixo. Para o

162

empresário verde, em última análise, o grande fator é a educação do consumidor. Afinal, é o consumidor quem decide, com seu dinheiro e com seu voto, as novas mudanças que estão acontecendo no mundo.

Na Europa, em 20 anos, o movimento verde evoluiu de um movimento marginal de um bando de hippies para uma força política reconhecida por todos os governos onde eles estão organizados. Na Alemanha, os verdes passaram de uma multidão de românticos e alucinados barulhentos para uma entidade política respeitada. Eles venceram a resistência de inúmeros legisladores e se mostraram úteis ao conseguir a aprovação de inúmeras leis que impuseram melhorias para remediar abusos cometidos pelas indústrias contra o meio ambiente.

Em termos empresariais, o movimento ambientalista verde alemão teve algumas influências em novas estratégias de marketing, em novas preferências de consumo, mudanças nas embalagens e em muitos produtos.

O gerente de marketing da maior empresa de produtos de limpeza da Alemanha- Werner & Mertz Gmbh, Rolf Lehmann afirma que, somente uma pequena percentagem dos consumidores tem consciência ecológica e, por isso não aceitarão preços mais altos por produtos verdes. A indústria tem que oferecer os produtos que não agridem ao meio ambiente no mesmo nível de preços dos que eles podem a vir substituir.

A preocupação ambiental não é necessariamente uma questão de opção política. As pessoas que compram produtos verdes podem ser conservadoras em termos políticos, enquanto outras tem orientação progressista, inclusive verde274.

Nos EUA, a educação, consciência e a responsabilidade ambiental estão na mão de sociedades privadas e conselhos. Hoje, estas associações estão crescendo em número e influência e, neste processo, atraindo adeptos políticos poderosos (inclusive, o atual Vice-Presidente dos EUA é egresso do movimento ambientalista). Também nos EUA está em marcha um movimento pela implantação do selo verde para identificação dos produtos ambientalmente saudáveis.

Em última análise, as ações governamentais e das empresas em favor do meio ambiente geralmente são lideradas por ações ou inações dos consumidores. Em pouquíssimos casos, o governo lidera, como nas áreas densamente povoadas e poluídas nos países desenvolvidos, como Los Angeles e Nova York, nos EUA; Tóquio, no Japão; Holanda; Dinamarca; Alemanha e Suiça. Consequentemente, o incremento do comércio global dos produtos verdes deverá ser igualmente influenciado pelo poder de compra dos consumidores.

6- O Dia do Julgamento Final

Em 1984, foi iniciado um projeto de escavação do lixo em Tempe, fora dos limites de Phoenix, no Arizona - EUA. Escavações semelhantes, todas muito científicas, vêm sendo realizadas em Tampa - Flórida; Staten Island - Nova York e, San Francisco - Califórnia. Os jornais compõem cerca de 16% das amostragens históricas, algumas ainda bastante legíveis. Em um depósito foram encontrados uma garrafa de plástico de 1947 e uma vassoura velha de 40 anos com a maioria das cerdas intactas. Evidentemente, não se pode confiar tanto na biodegradabilidade quanto se imaginava.

Talvez, a palavra biodegradável precise ser restruturação, mas isso é apenas uma questão de semântica. Nossas colossais montanhas de material inútil dificilmente podem ser espalhadas de forma que a luz do dia e a oxidação possam decompô-las.

274 BERLE, G. O Empreendedor do Verde: A Oportunidade de Negócios em que Você pode Salvar a Terra e ainda Ganhar Dinheiro. São Paulo, Makron Books do Brasil. 1992.

163

Debaixo dos depósitos de lixo, nas entranhas úmidas e escuras dos aterros, o lixo é preservado, não decomposto275. O gráfico 1.1 mostra o tempo aproximado de biodegradabilidade de alguns materiais presentes nos lixões.

O que, sem dúvida, teremos que fazer, nos séculos à frente, é o que a maioria das civilizações tem feito: construir por cima dos refugos da nossa civilização e dar aos arqueólogos de 3000 d.C. a oportunidade de grandes sensações e perplexidades276 para com a nossa sociedade.

0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

4.5

5

Figura 1.1- Tempo de Degradabilidade de alguns materiais - log X+1 (em anos) - presentes no lixo. Na ordem: lignina; madeira; cigarros; chicletes; jornais; plásticos; metais; e vidros. (fonte: Revista Superinteressante, 1993).

VI- Fontes Bibliográficas

BROWN, L.R. (1980). O Vigésimo Nono Dia. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas.Nosso Futuro Comum: Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. (1991). Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas.RODRIGUES, J.C.- 1992. A cultura do lixo e suas angustias. in: Falas em torno do lixo. Rio de Janeiro, Co-edição Nova , Iser e Pólis.MARINI, P. (1992). Lixo: uma montanha de problemas. DM., março.

275 BERLE, G. O Empreendedor do Verde: A Oportunidade de Negócios em que Você pode Salvar a Terra e ainda Ganhar Dinheiro. São Paulo, Makron Books do Brasil. 1992.276 BERLE, G. O Empreendedor do Verde: A Oportunidade de Negócios em que Você pode Salvar a Terra e ainda Ganhar Dinheiro. São Paulo, Makron Books do Brasil. 1992.

164

AMAZONAS, DROLSHAGEM; M.de S.P. & SEBILIA, A.S.C. (1992). Nossa Vida e o Lixo. Documento interno da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza - FBCN.DARLING , F.F. & DASMANN, R.F. (1972). The Ecosystem view of human society. in: SMITH, R.L. (Coord.). The Ecology of man. New York: Harper & Row. EIGENHEER, E.M. (1993). As Raízes do Desperdício. Rio de Janeiro, Instituto de Estudos da Religião - Iser.DURNING, A. (1991). Perguntando o quanto é suficiente. in: Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo.TOFFLER, A. (1973). O Choque do Futuro. São Paulo, Editora Artenova.LEONARD, H.J. (1992). Meio Ambiente e Pobreza: Estratégias de Desenvolvimento para uma Agenda Comum. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor(a) Ltda.BROWN, L.R.(org.) (1991). Qualidade de Vida 1991: Salve o Planeta. São Paulo, Editora Globo.BERLE, G. (1992). O Empreendedor do Verde: A Oportunidade de Negócios em que Você pode Salvar a Terra e ainda Ganhar Dinheiro. São Paulo, Makron Books do Brasil Ltda.Gazeta Mercantil, junho de 1993.Jornal do Brasil, janeiro de 1992.Gazeta Mercantil, setembro de 1993.Gazeta Mercantil, julho de 1993.GHAVANI, K. (1992). Bambú: um material renovável na construção civil. in: De- senvolvimento em

Harmonia com o Meio Ambiente. Fundação Brasileira para Conservação da Natureza- FBCN. O Globo, julho de 1993. Gazeta Mercantil, junho de 1993.Gazeta Mercantil, junho de 1993.Gazeta Mercantil, junho de 1993.Gazeta Mercantil, junho de 1993.BONDER, N. (1993). Melhor nada fazer do que transformar algo em nada. in: As Raízes do Desperdício.CAVALCANTI, T. (1993). A Bíblia e o Desperdício. in: As Raízes do Desperdício.LESSA, R. (1993). Notas sobre o desperdício e sua ubiquidade: uma perspectiva da ciência política. in: As Raízes do Desperdício. Jornal do Brasil, maio de 1993. Jornal do Brasil, junho de 1993.Tribuna da Imprensa, setembro de 1992.Jornal do Brasil, julho de 1993.Jornal do Brasil, junho de 1993.WAHBA, L.L. (1993). A sombra do desperdício. in: As Raízes do Desperdício. CEMPRE informa, nº 10, jan./fev. de 1994.Revista Projeto Reciclagem, ano 3 (especial), maio.1992.CEMPRE informa, nº 12, abril de 1994.O Globo, junho de 1991.Centro de Informações sobre Resíduos Sólidos- Universidade Federal Fluminen- se(UFF) - Instituto de

Estudos da Religião(Iser).ZANON, U. (1990). Riscos infecciosos imputados ao lixo hospitalar: Realidade epi- demiológica ou ficção sanitária. Rev. Soc. Brasil. Med. Trop, 23(3): 163 -170.Revista Feema, nº 6: 19 -22, julho / agosto. Destino final do lixo hospitalar é tema de discussão nacional.Diário Oficial da União, ano CXXXI, nº 166, 05 de agosto de 1993.Jornal do Brasil, junho de 1993.Jornal do Brasil, março de 1994.Fundação Brasileira para Conservação da Natureza - FBCN / Companhia Energé- tica de São Paulo - CESP.(1986). Legislação de Conservação da Natureza.Quarta Edição.DIAS, G.F. (1992). Educação Ambiental: princípios e práticas. Editora Gaia. Gazeta Mercantil, março de 1994.Gazeta Mercantil, novembro de 1993.Worldwatch Institute, 1992.Ministério das Minas e Energia. Nuclebrás, Folheto Informativo, (1987).O Que é Lixo Atômico?Jornal do Brasil, novembro de 1992.RAY, D.L. & GUZZO, L. (1982). Sucateando o Planeta. Porto Alegre, Expressão e Cultura /Instituto Liberal, RS.

165

Folha de São Paulo, maio de 1991.Gazeta Mercantil, novembro de 1993.O Globo, maio de 1993.Jornal do Brasil, maio de 1994.Folha do Meio Ambiente, junho de 1993.Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. (1992).Gestão e tecnologias de tratamento de resíduos sólidos. Documento Síntese - Remai'91.Revista Projeto Reciclagem, ano 3 (especial), maio. (1992).Aspergillus, (1993), ano I, nº 5, março / abril.Gazeta Mercantil, maio de 1993.Gazeta Mercantil, junho de 1993.Gazeta Mercantil, novembro de 1993.LIMA, L.M.Q. (1988). Tratamento de lixo. São Paulo, Editora Hemus.O Globo, julho de 1993.AMAZONAS, M. (1992). A reciclagem como motor de geração de empregos. Revis ta Projeto Reciclagem, ano 3 (especial), maio.EIGENHEER, E.M. (org.). (1993). Coleta Seletiva de Lixo: Experiências Brasileiras. Rio de Janeiro, Centro de Informações sobre Resíduos Sólidos- UFF / Iser / GTM.CEMPRE informa, nº 9, dezembro de 1993.HEYMAN, T. (1992). In an Average Lifetime. Fawcett Columbine- New York.Revista Projeto Reciclagem, ano 2, nº 5, julho de (1991).Gazeta Mercantil, julho de (1993).Gazeta Mercantil, agosto de 1993.Revista Projeto Reciclagem, ano I, nº 1, 1990.Jornal do Brasil, maio de 1994.ROUSE, G. (1991). Reciclagem de Vidro: uma questão de custos e benefícios. Re- vista Projeto Reciclagem, ano 3 (especial), maio.Gazeta Mercantil, maio de 1994.Reynolds Latasa SA, 1993.Jornal do Brasil, abril de 1993.Folha do Meio Ambiente, abril de 1993.Folha da Tarde, agosto de 1992.Gazeta Mercantil, julho de 1993.Jornal do Brasil, setembro de 1992.Gazeta Mercantil, julho de 1993.CEMPRE informa, nº 9, dezembro de 1993.Gazeta Mercantil, março de 1994.Jornal do Brasil, outubro de 1992.Gazeta Mercantil, novembro de 1993.Gazeta Mercantil, julho de 1993.Gazeta Mercantil, julho de 1993.Jornal do Brasil, abril de 1993.KANSHILOV, M.M. (1976). The Evolution of the Biosphere. Mir Publisher, Moskow.Jornal do Brasil, maio de 1990.SACHS, I. (1986). Ecodesenvolvimento: Crescer sem Destruir. São Paulo, Editora Vértice.SETTA, J. (1992). in: Gestão e tecnologias de tratamento de resíduos sólidos. op. cit..ERUNDINA, L. (1992). Solenidade de abertura. in: Gestão e tecnologias de tratamento de resíduos sólidos. op. cit..PINTO, P.C. (1992). Aspectos políticos e institucionais do manejo de resíduos in: Gestão e tecnologias de tratamento de resíduos sólidos ...SERTÃ, F.A. (1992). Tecnologias tradicionais em resíduos sólidos industriais. in: Gestão e tecnologias de tratamento de resíduos sólidos. ..PINHEIRO, S. (1992). Tecnologias tradicionais em resíduos sólidos domésticos: incineração e emissão. in: Gestão e tecnologias de tratamento de resíduos sólidos. op. cit..Revista Planeta, seção Jornal, Ano 21, nº 7, p.12, junho. (1993). O biodegradável plástico de cana.Jornal do Brasil, maio de 1993. Jornal do Brasil, julho de 1992.Jornal do Brasil, maio de 1992. Jornal do Brasil, março de 1992

166

O Globo, março de 1992.Jornal do Brasil, outubro de 1994.O Globo, novembro de 1994. Gazeta Mercantil, novembro de 1994. CEMPRE informa, nº 20, dezembro de 1994. CEMPRE informa, nº 19, novembro de 1994.CEMPRE informa, nº 18, outubro de 1994.Gazeta Mercantil, janeiro de 1995.Gazeta Mercantil, fevereiro de 1995.Folha de São Paulo, setembro de 1994.Gazeta Mercantil, janeiro de 1995.ACSELRAD, H., VIEIRA, L. & GUARANY, R. (1993). Ecologia, direito do cidadão: uma coletânea de textos. Rio de Janeiro, Gráfica do Jornal do Brasil.Estado de Minas, janeiro de 1995.Gazeta Mercantil, janeiro de 1995.Gazeta Mercantil, janeiro de 1995.Gazeta Mercantil, janeiro de 1995.Jornal do Brasil, março de 1995.Jornal do Brasil, março de 1995. SOUZA, H. de. (1992). Ecologia e Democracia: Duas Vertentes Questionam o Desenvolvimento. in: Meio Ambiente e Democracia. Rio de Janeiro, IBASE.ACSELRAD, H.(1992). Meio Ambiente e Democracia. Rio de Janeiro, IBASE.MICHAELLES, K. (1992). Jornal do Brasil, abril de 1992.MARTINE, G. (1989). O crescimento populacional do Brasil. Ciência Hoje, vol 9, nº51:29 - 35.Ministério das Minas e Energia, Secretaria de Minas e Metalurgia, Departamento Nacional de Minas e Metalurgia .(1995). Anuário Estatístico.CEMPRE informa, nº24, agosto de 1995.GABEIRA, F.(1994). Princípios da Economia Alternativa. Documento Interno do Partido Verde, Rio de Janeiro.SARIEGO, José Carlos. (1994). Educação Ambiental - As Ameaças ao Planeta Azul. Rio de Janeiro, Editora Scipione.MONTEIRO, M. (1995). Pneu Usado importado: O que há por trás deste negócio. Ecologia & Desen

volvimento ,ano 5, nº54, agosto.M’BOW, Amadou-Mahtar. (1982). Desenvolvimento e Desarmamento: O maior desafio do século. O Correio da Unesco, ano 10, nº5, maio.MARTINE, G. (1992). Luz no túnel. Revista Globo Ecologia, junho de 1992.Secretaria Estadual de Administração do Estado do Rio de Janeiro. Programa de Reciclagem de Papel - Manual de Orientação. 1993.

VII- Anexos

167

1- Oportunidades de Negócios“Toda verdade passa por três etapas:primeiro, ela é ridicularizada;depois, ela é violentamente antagonizada;Por último, ela é universalmente aceita como auto-evidente”. (Arthur Schopenhauer)

1.1- Sacos de Papel

■ Objetivos:Reduzir as quantidades de papéis que vão parar nos lixões ou aterros sanitários.

Com este material, pode-se produzir sacolas de papel para supermercados, lojas de departamentos e lojas para presentes finos.

168

■ Setor da Economia e Ramo de Atividade:Este setor é denominado de secundário.O objetivo é a produção de sacolas de papel.

■ Investimentos e Faturamento Mensal:Investimentos

(US$)Faturamento Mensal

(US$ / Mês)Inicial............................54.800,00 -Fixo..............................42.500,00 -Capital de Giro................7.200,00 -Reserva Técnica..............5.000,00 -Total...........................109.500,00 58.600,00

■ Oportunidades e Riscos:Este investimento pode ser considerado de alto risco, devido principalmente aos

altos investimentos envolvidos e aos preços oscilantes das matérias-primas no mercado. Para tentar minimizar custos e riscos, o negócio deve ser implantado próximo aos centros de consumo e de produção de matérias-primas.

Segundo alguns aparistas, os preços do papel kraft são os que mais sofrem oscilações ao longo do ano. Por isso, recomenda-se estabelecer parcerias com aparistas, indústrias ou empresas que se utilizam desta matéria-prima como forma de minimizar os custos.

Isenções fiscais (enquadramento como micro-empresa) ou renúncia fiscal (não pagamento de ICMS sobre resíduos) pode contribuir para redução de custos e minimizar investimentos.

■ Infra-estrutura Básica:O empreendimento deve ser instalado em galpão industrial, que disponha de

serviços de água e esgotos, luz e telefone. A área do galpão deve contemplar 250 m2, entre área coberta e escritório.

Os equipamentos básicos constam de:

  máquina para saco de papel - tipo 20 Kg  ferramentas e utensílios  mesa - 1,20 X 2,00 m   material de escritório - mesa, cadeiras, arquivo e diversos

■ Aspectos Econômicos:  mão-de-obra: 4 funcionários em regime de trabalho 8 h / dia, 24 dias / mês   A produtividade gira em torno de 144 mil sacolas / dia ou 3,5 milhões de unidades / mês  Investimentos Fixos:

Ítem Discriminação Quantidade Valor (US$)1 máquina para saco de papel - tipo

matador 20 litros1 36.700,00

2 ferramentas e utensílios - 1.300,00

3 instalações elétricas - 3.40000

4 mesa - 1,2 X 2,0 m 300,00

5 Material de escritório - 1.000,00

6 telefone - aluguel 1 100,00

7 micro-computador 1 1.500,00Total - - 44.300,00

  Custos Fixos:Ítem Discriminação Valor (US$)

169

1 pessoal e encargos sociais 2.000,00

2 honorários do contador 150,00

3 aluguel e taxas 600,00

4 energia elétrica 200,00

5 água e telefone 100,00

6 despesas de manutenção 150,00

7 pró-labore 400,00

Total - 3.600,00

  Custos de Matéria-prima:Ítem Discriminação Quantidade

(Kg)Valor Unitário

(US$)Valor Total

(US$)1 papel kraft - 40g / m2 25.920 1,05 26.800,00

2 cola 1.099 1,7 2.000,00

3 tinta 100 2,10 300,00

4 fitilho de plástico 10 1,25 15,00

Total - - - 29.115,00

  Custo Unitário por Quilo:Ítem Discriminação Preço por Quilo

(US$)1 papel kraft - 40 g / m2 1,102 cola 0,103 tinta 0,00804 fitilho de plástico 0,00045 mão-de-obra 1,106 custos fixos - investimentos 1,50

Total - 3,8092

  Custo Total de Produção:Ítem Discriminação Valor

(US$)1 materiais diversos 28.800,00

2 mão-de-obra direta 1.000,00

3 custos fixos 2.500,00

Total - 32.300,00

  Preços Unitário e Total de Venda:Discriminação Custo Unitário

(US$)Preço Unitário Venda

(US$)Preço Total

(US$)1 Kg sacos papel 1,25 2,27 2,27

produção - 26.000 1,25 2,27 58.600,00

■ Conclusões e Recomendações:Apesar dos altos custos dos investimentos, produção e operação, este pode ser

considerado um “bom negócio”. Segundo o potêncial de reciclagem e reaproveitamento de resíduos, pode-se conseguir uma redução substâncial nos custos de matéria-prima. Outro aspecto interessante, é a proposta de renúncia fiscal para todos os resíduos não-tóxicos, uma vez que estes já pagaram impostos enquanto matéria-prima e na sua transformação em “bens de consumo”.

O futuro empreendedor deve procurar as prefeituras que ofereçam algum tipo de benefício fiscal, como enquadramento em micro-empresa, para que ele possa operar com uma margem maior de lucratividade.

Deve-se, igualmente, procurar se associar ao comércio local de modo que se faça a substituição das sacolas plásticas (de difícil reciclagem, devido ao seu uso corrente como “saco de lixo” após o transporte das mercadorias adquiridas) pelas de papel. Há a necessidade de se fazer um trabalho de educação da população local

170

para se viabilizar esta mudança, uma vez que as sacolas de plástico possuem um custo de produção mais baixo.

1.2- Embalagens de Alumínio para Alimentos:

■ Objetivos:A era dos descartáveis, principalmente no setor de alimentos, está promovendo

uma sangria muito grande dos recursos naturais. E, no setor de alimentos é que este fenômeno se manifesta com maior intensidade. Não só devido ao desperdício, mas também devido ao fenômeno da terceirização que o segmento da alimentação (industrial ou não) vem sofrendo. Por isso, é cada vez maior o número de estabelecimentos que se utilizam de embalagens de alumínio.

■ Setor da Economia e Ramo de Atividade:Este setor é denominado de secundário.O objetivo é a produção de embalagens de alumínio para refeições do tipo

“quentinha” ou “marmitex”.

■ Investimentos e Faturamento Mensal:Investimentos (US$) Faturamento / Mês (US$)

Inicial..........................18.000,00 -Fixo............................14.000,00 -Capital de Giro..............3.200,00 -Reserva Técnica............1.000,00 -Total...........................36.200,00 12.500,00

■ Oportunidade e Riscos:

As regiões ou cidades com densidade populacional de média à grande e com uma grande concentração de empresas do ramo de alimentos, que vão ser responsáveis diretos pelo consumo destas embalagens, são condicionantes importantes de se levar em conta no momento de se investir neste tipo de negócio. Outro aspecto que deve-se considerar são as empresas fornecedoras de matérias-primas. Estas devem estar próximas e devem ser consultadas à respeito dos preços de mercado das matérias-primas. Este mercado é dominado por grandes empresas e podem impor dificuldades na aquisição do material.

■ Infra-estrutura Básica:O imóvel ideal para este tipo de negócio são os galpões industriais, com no

mínimo 60 m2 de área coberta. As instalações devem contar com energia elétrica, água e esgoto e, telefone.

171

Os equipamentos básicos constam de:  prensa semi-automática  cortadeira circular e guilhotina  mesa de madeira - 2,00 X 0,90 m  material de escritório - mesa, cadeira, arquivo e diversos

■ Aspectos Econômicos  mão-de-obra - 1 funcionário, em regime de trabalho de 8 horas / dia em 24 dias / mês  A produtividade gira em torno de 3.500 - 4.000 unidades / dia ou 90.000 - 100.000 unidades / mês  Investimentos Fixos:

Ítem Discriminação Quantidade Valor (US$)1 prensa semi-automática - 1.200 unidades /

dia de capacidade1 7.200,00

2 cortadeira circular semi-automática 1 3.700,00

3 guilhotina automática 1 1.300,00

4 mesa madeira 1 400,00

5 armários de aço - estoque de produtos acabados

2 800,00

6 material de escritório - 1.000,00

7 telefone - aluguel 1 100,00

8 microcomputador 1 1.500,00

Total 08 16.000,00

  Custos Fixos:Ítem Descriminação Valor (US$)

1 aluguel e taxas - imóvel 300,00 - 600,00 2 pró-labore sócios - 2 200,00 - 400,00

3 água, luz e telefone 160,00

4 honorários - contador 150,00

5 manutenção e depreciação 100,00

6 prensador 200,00

7 encargos sociais 200,00

Total 1.310,00 - 1.810,00   Custos de Matéria-prima e Produção:

Ítem Descriminação Quantidade (g)

Custo / gramas(US$)

Custo Unitário(US$)

Custo Produção

(US$)1 embalagem nº7

19.200 unidadesE - 5,6T - 3,2

E+T - 8,80,0065

0,03640,02080,0572

1.098,24

2 embalagem nº 867.200 unidades

E - 6,4T - 4,0

E+T - 10,40,0065

0.04160,02600,0676

4.542,72

3 embalagem nº 99.600 unidades

E - 7,2T - 4,8

E+T - 12,00,0065

0,04680,03120,0780

748,80

Total 96.000 unidades 31,2 0,0195 0,1956 6.389,76

■ Conclusões e Recomendações:Segundo vários especialistas, este empreendimento pode ser considerado um

“bom negócio” e para que não haja prejuízos, há a necessidade de comercialização de, pelo menos, 35 a 45% da produção. O empreendimento opera com uma margem de lucro da ordem de 6 a 10% do faturamento total. A instalação da indústria em locais com isenção ou renúncia fiscal pode aumentar ainda mais a margem de lucro

172

do empreendimento. O enquadramento em “micro-empresa” pode aumentar esta margem de lucro para até 20% do faturamento bruto.

A instalação próxima aos centros produtores - pequenas usinas siderúrgicas - ou de comercialização de matérias-primas pode ajudar a reduzir custos de transporte e matérias-primas. A utilização de matérias-primas recicladas também pode contribuir ainda mais para a redução dos custos finais dos produtos.

1.3- Indústria de Beneficiamento de Sucata de Vidro

■ Objetivos:0 As indústrias de embalagens de vidro estão utilizando cada vez mais sucata de vidros - cacos - como matéria-prima na produção de seus produtos. Concentradas principalmente no sudeste e sul do país, várias empresas investiram em programas de coleta seletiva e em postos de entrega voluntários - PEV’s - como uma maneira

173

de obter matérias-primas mais baratas e reduzir o desperdício de vidros que acabariam indo parar nos lixões.

■ Setor da Economia e Ramo de Atividade:O setor da economia que se insere o beneficiamento de sucatas de vidro é o

secundário. Preparar as sucatas, lavando-as, separando-as e beneficiando-as são os objetivos que uma empresa deste ramo realiza.

■ Investimento e Faturamento Mensal:Investimentos Faturamento Mensal

(US$ / Mês)Inicial.................................108.620,00 -Fixo.....................................92.670,00 -Capital Giro..........................15.950,00 -Reserva Técnica................... - -Total...................................217.240,00 28.810,00

■ Oportunidades e Riscos:A instalação em áreas próximas aos centros de produção de embalagens

certamente irá facilitar os negócios da empresa, reduzindo os riscos de investimentos. Apesar dos investimentos serem considerados altos, os riscos do negócio não darem certo são muito baixos.

Pode-se tentar parcerias com hotéis ou outros centros geradores de grandes quantidades de vidros para facilitar a retirada destes materiais. Uma parceria com cooperativas de catadores pode ajudar a manter sempre constante o fluxo de matérias-primas para o empreendimento. ■ Infra-estrutura Básica:

A empresa deve ser montada em áreas servidas de água, esgotos, luz e telefone.O imóvel ideal são os galpões industriais. Para este tipo de empreendimento, ele

deve contar com um terreno de 800 m2 e uma área coberta de 320 m2. A maior parte desta área - 300 m2 - será destinada para a lavagem, separação, estocagem e beneficiamento. Os outros 20 m2 serão destinados para a parte administrativa.

A infra-estrutura básica consta de:  cilindro de lavagem  1 esteira metálica + 1 esteira de borracha  1 caminhão basculante - 7m3

  material de escritório - mesa, cadeira, arquivos, telefone, etc...

■ Aspectos Econômicos

  mão-de-obra - 9 funcionários (1 motorista, 5 operários, 2 ajudantes e 1 gerente de produção - com participação nos lucros)   produtividade  investimentos fixos

■■■■

 

174

   

175