cherem monografia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCAIS HUMANAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS MATHEUS SOARES CHEREM PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE: O CASO DA REGIÃO DO ISIDORO BELO HORIZONTE 2011

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Page 1: Cherem monografia

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCAIS HUMANAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

MATHEUS SOARES CHEREM

PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE: O CASO DA REGIÃO DO ISIDORO

BELO HORIZONTE 2011

Page 2: Cherem monografia

i

MATHEUS SOARES CHEREM

PLANEJAMENTO URBANO EM BELO HORIZONTE: O CASO DA REGIÃO DO ISIDORO

Monografia apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos para a obten-ção do grau de Bacharel em Ciências Sociais.

Orientador João Bosco Moura Tonucci Filho

Belo Horizonte 2011

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ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Monografia apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Fe-deral de Minas Gerais, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais, intitulada Planejamento Urbano em Belo Horizonte: o Caso da Região do Isidoro, de autoria de Matheus Soares Cherem, aprovada pela banca examinadora cons-tituída pelos seguintes professores

___________________________________________________________________________

Profa. Dra. Heloisa Soares de Moura Costa Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais

___________________________________________________________________________

Prof. Me. João Bosco Moura Tonucci Filho Departamento de Ciências Econômicas da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Fede-ral de Minas Gerais

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2011.

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iii

Aos meus pais.

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iv

“Como o príncipe reaparece no jogo de poder da cidade, onde o julgam indesejável? Criando ele próprio as cidades.”

Jacques Le Goff, 1998.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DA REGIÃO DO ISIDORO NO CONTEXTO DO VETOR NORTE ............................................. 2

FIGURA 2 - SUPERPOSIÇÃO DAS PLANTAS DE CURRAL DEL REY E DE BELO HORIZONTE. ....................................... 20

FIGURA 3 - PINTURA RETRATANDO O AGLOMERADO ALTA DA ESTAÇÃO, PRÓXIMA À RUA SAPUCAÍ AOS FUNDOS DA PRAÇA DA ESTAÇÃO ................................................................................................................................ 21

FIGURA 4 - CASAS DESTINADAS AOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NAS PROXIMIDADES DA AVENIDA CRISTÓVÃO COLOMBO EM 1896 ....................................................................................................................................... 21

FIGURA 5 - PANORAMA DE PARTE DA COLÔNIA CARLOS PRATES, A ÁREA CENTRAL E GRANDE PARTE DO BAIRRO FUNCIONÁRIOS EM 1910. ............................................................................................................................... 22

FIGURA 6 - ÁREAS EDIFICADAS EM BELO HORIZONTE (1900 - 1920) ..................................................................... 24

FIGURA 7 - RETIFICAÇÃO E CANALIZAÇÃO DO RIBEIRÃO ARRUDAS, OBRA QUE PERMITIU O PROLONGAMENTO DA AVENIDA DO CANAL NA ÁREA DESTINADA AO PARQUE MUNICIPAL. ............................................................ 25

FIGURA 8 - ABERTURA DA RUA PEDRO LESSA NA PEDREIRA PRADO LOPES, MELHORANDO O ACESSO A VILA SANTO ANDRÉ. .............................................................................................................................................. 27

FIGURA 9 - ÁREAS EDIFICADAS EM BELO HORIZONTE (1930 E 1940) ..................................................................... 27

FIGURA 10 - ABERTURA DA AVENIDA ANTÔNIO CARLOS PRÓXIMO AO IAPI, 1940. .............................................. 28

FIGURA 11 - ABERTURA DA AVENIDA AMAZONAS, PONTE DA GAMELEIRA. .......................................................... 28

FIGURA 12 - ASFALTAMENTO DA AVENIDA DOS ANDRADAS E OBRAS NO LEITO DO ARRUDAS NOS ANOS DE 1960 29

FIGURA 13 - ÁREAS EDIFICADAS EM BELO HORIZONTE, 1964 ................................................................................ 30

FIGURA 14 - FEIRA PERMANENTE DE AMOSTRAS, 1962. ........................................................................................ 31

FIGURA 15 - TERMINAL RODOVIÁRIO ISRAEL PINHEIRO, 1971. .............................................................................. 31

FIGURA 16 - VISTA DO COMPLEXO DA LAGOINHA, 1984. ....................................................................................... 32

FIGURA 17 - MAPA DE BELO HORIZONTE, 1922. .................................................................................................... 37

FIGURA 18 – SANATÓRIO MODELO, 1925-30. ........................................................................................................ 41

FIGURA 19 – COMENTÁRIO DE ANA MARIA OLIVEIRA REPRODUZIDO POR HÉLIO GRAVATÁ. ................................ 42

FIGURA 20 – VISTA AÉREA DA PEDREIRA A OESTE DO SANATÓRIO, 2010. ............................................................. 43

FIGURA 21 – VISTA AÉREA DA REGIÃO DO ISIDORO E ENTORNO, 2010. ................................................................. 44

FIGURA 22 – DINÂMICA IMOBILIÁRIA METROPOLITANA DIAGNOSTICADA PELO PDDI-RMBH, 2011 .................... 50

FIGURA 23 – MAPA DAS MACROZONAS PROPOSTAS NA OPERAÇÃO URBANA DO ISIDORO. .................................... 51

FIGURA 24 – ZONEAMENTO ANTERIOR À OPERAÇÃO URBANA (1996) ................................................................... 53

FIGURA 25 – MACRO ZONEAMENTO FINAL. ............................................................................................................ 60

FIGURA 26 – PREVISÃO DE CUSTOS DAS INTERVENÇÕES FINAL. ............................................................................. 61

FIGURA 27 – LINHA DO TEMPO SÍNTESE DA TRAJETÓRIA DA OPERAÇÃO URBANA DO ISIDORO. ............................. 64

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vi

LISTA DE QUADROS E TABELAS

QUADRO 1 - SÍNTESE DOS PERÍODOS IDENTIFICADOS ............................................................................................... 6

QUADRO 2 – INFRAESTRUTURA PLANEJADA PARA A OPERAÇÃO ............................................................................ 54

TABELA 2 - DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO DE BELO HORIZONTE EM 1912........................................... 23

TABELA 3 - PREFEITURA DE BELO HORIZONTE: CUSTO DE SERVIÇOS CONTRATADOS POR ZONA (1930) ................ 26

TABELA 4 - PROJETOS EXECUTADOS EM BELO HORIZONTE (1937) ........................................................................ 26

TABELA 5 - VALOR APROVADO ATUALIZADO POR OP ............................................................................................ 35

TABELA 6 – PARÂMETROS URBNÍSTICOS ANTERIORES À OPERAÇÃO E PROPOSTOS PELA PBH ................................ 52

TABELA 7 – PARÂMETROS URBANÍSTICOS APROVADOS ......................................................................................... 59

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vii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I :: PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL .................................................................... 4

O RACIONALISMO E O EMBELEZAMENTO .................................................................................. 6

O PROGRESSISMO E O PLANO DIRETOR ..................................................................................... 9

A REAÇÃO DEMOCRÁTICA ...................................................................................................... 14

CAPÍTULO II :: URBANIZAÇÃO DE BELO HORIZONTE E REGIÃO METROPOLITANA .................... 19

CIDADE BELA ......................................................................................................................... 19

CIDADE FUNCIONAL ............................................................................................................... 25

CIDADE (DES)MOBILIZADA .................................................................................................... 32

CAPÍTULO III :: A REGIÃO DO ISIDORO ...................................................................................... 36

HISTÓRICO ............................................................................................................................. 36

RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA ............................................................................... 36

QUILOMBO DE MANGUEIRAS ............................................................................................. 38

HUGO FURQUIM WERNECK ................................................................................................ 39

SANATÓRIO E GRANJA ....................................................................................................... 40

PEDREIRA ........................................................................................................................... 43

ENTORNO IMEDIATO ........................................................................................................... 43

INVASÕES DO PERÍMETRO ................................................................................................... 48

OPERAÇÃO URBANA DE 2000 ............................................................................................. 48

VETOR NORTE .................................................................................................................... 49

OPERAÇÃO URBANA DE 2010 ................................................................................................ 50

ELABORAÇÃO NO EXECUTIVO ............................................................................................ 50

APRESENTAÇÃO À COMUNIDADE ....................................................................................... 51

DISCUSSÃO NO LEGISLATIVO ............................................................................................. 55

REDAÇÃO FINAL ................................................................................................................. 58

CONCLUSÕES ............................................................................................................................. 65

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................. 67

Page 9: Cherem monografia

1

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo principal discutir os aspectos

conceituais referentes à aplicação da regulação urbana e ambiental no espaço urbano, sendo o

objeto empírico utilizado a aplicação dos instrumentos de planejamento urbano do Plano

Diretor e das Operações Urbanas na região do Isidoro, em Belo Horizonte.

Com o intuito de melhor compreender os limites, as possibilidades e as

contradições presentes no planejamento urbano, buscou-se, através deste levantamento,

averiguar a trajetória do planejamento urbano de Belo Horizonte em comparação e

alinhamento à outras experiências do Brasil. Por meio da Operação Urbana do Isidoro,

instituída em 2010, pretende-se situar as práticas belo-horizontinas frente às suas experiências

passadas. A discussão das possibilidades e limitações dessa ferramenta de regulação

urbanística, bem como seus desdobramentos ambientais, será acompanhada da explanação de

conceitos e matrizes pertinentes que permeiam o debate proposto.

Uma das poucas grandes áreas ainda vagas e pouco urbanizadas remanescentes no

município de Belo Horizonte, a região do Isidoro tem a sua ocupação prevista desde as

discussões e os debates da época de elaboração do Plano Diretor Municipal e da Lei de Parce-

lamento, Uso e Ocupação do Solo, em meados de 1990. Hoje sua transformação em área

urbana ocupada se define e inicia com a Lei 9.959/2010. De características muito diferentes

das demais áreas da cidade, a região do Isidoro deverá se urbanizar em um momento muito

específico da história local e nacional: por se tratar de uma área ainda não antropizada de

forma intensa, pode-se considerá-la uma oportunidade única/última à Belo Horizonte para ser

planejada e ocupada. Essa característica é potencializada se considerado o cenário recente de

forte crescimento econômico, assinalado por altos investimentos em infraestrutura nos

grandes centros urbanos e pela perceptível dinamização do setor imobiliário na capital. Outro

ponto a ser levantado é o alto interesse das atuais e passadas gestões do governo de Minas

Gerais e da prefeitura de Belo Horizonte em ocupar essa área como parte de uma série de

investimentos que têm reorientado o crescimento da metrópole na direção do chamado Vetor

Norte.

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2

Figura 1 - Localização da Região do Isidoro no contexto do Vetor Norte

Fonte: blognorte.blogspot.com

Pretendendo analisar as políticas de planejamento urbano de Belo Horizonte, a

partir da trajetória brasileira, no decorrer da sua história, focando em sua situação atual

através da análise da Operação Urbana do Isidoro de 2010, o trabalho será estruturado e

organizado da seguinte forma.

O Capítulo I apresentará as trajetórias do planejamento urbano no Brasil e da

razão e teoria do urbanismo, abordando suas semelhanças e pontos de encontro. Serão

tratados as formas, os modelos e discursos de planejamento recorrentes na história do país, de

forma a entender o processo que deu origem ao Estatuto da Cidade e suas ferramentas, como

o Plano Diretor e a Operação Urbana Consorciada.

O Capítulo II é dedicado à consolidação do cenário atual de Belo Horizonte e de

sua região metropolitana a partir de breve exposição acerca de sua formação, crescimento e

expansão. São expostos os principais momentos da urbanização e da formação sócio espacial

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3

de Belo Horizonte e das centralidades mais importantes de sua região metropolitana. De

forma geral, este capítulo visa à contextualização da trajetória das intervenções urbanas na

capital mineira tendo em vista o curso destas intervenções descritas no capítulo anterior.

O Capítulo III se inicia a partir do levantamento de registros históricos mais

detalhados da Região do Isidoro, dando notória atenção para seus principais atores e suas

principais ocupações. As informações foram levantadas a partir de dados oficiais do governo,

principalmente decretos e leis municipais, contando ainda com relatórios acadêmicos e realtos

dos atores em seminários e plenárias. Assim, propõe-se a averiguação e entendimento de

possíveis conflitos urbanos e ambientais entre estes atores provenientes daquelas ocupações.

Trata-se ainda da análise comentada da elaboração da Operação Urbana em vigência pelo

Executivo, bem como seu trâmite na Câmara Municipal e sua redação final aprovada e em

implantação. Propõe-se, também, uma análise sobre possíveis macro impactos que a ocupação

do Isidoro poderá ter sobre a cidade.

No capítulo IV apresentam-se as considerações finais e conclusões desta

monografia, sintetizando e ponderando os fatos e observações mais relevantes.

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CAPÍTULO I :: PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL

O planejamento urbano é usualmente compreendido como o ato de diagnosticar,

propor e executar intervenções no espaço urbano em função do interesse coletivo, ou compre-

endido como a ação racional do Estado sobre a organização e estruturação do espaço

intraurbano.

“(...) [a ação está mais próxima da noção de planejamento] quanto mais forte e simultaneamente estiverem presentes os seguintes componentes e características: [i] abrangência de todo o espaço urbano, [ii] continuidade de execução e necessidade de revisões, [iii] interferência da ação sobre grandes contingentes, [iv] papel e importância das decisões políticas descentralizadas.” (VILLAÇA, 2010:174)

Villaça (2010) argumenta que somente por meio da ideologia1 é possível

compreender a produção e reprodução do planejamento urbano no Brasil, incluindo suas

constantes mudanças de nomes, metodologias e conteúdos. Deve-se considerar a ideologia

como mutável para “enfrentar novas situações assegurando a sobrevivência da hegemonia da

classe dominante” (ibid:183). O iluminismo, enquantofilosofia em contraposição ao mundo

medieval e, como ideologia dominante no modernismo, teria influenciado o planejamento

urbano também de cunho modernista. Para o autor, a esfera política seria indispensável para a

compreensão do planejamento urbano em suas várias formas históricas. Contudo o autor

identifica também o Estado e razão como entidades dominantes no planejamento urbano.

Foi a partir dos questionamentos da cidade industrial e da própria cidade

capitalista moderna que surgiu, face ao contexto tecnológico e cultural dos países

desenvolvidos, o urbanismo científico, uma nova área de estudos e pesquisas. Os conceitos

geradores do urbanismo científico, segundo Monte-Mór (2008), foram fornecidos por teóricos

que desenvolviam uma análise crítica global da sociedade “enfocando a cidade como

elemento integrado e decorrente do processo então vivido” (ibid:34), durante a segunda

metade do século XIX.

Contudo, aqueles que deram prosseguimento à disciplina possuíam um forte

vínculo com a classe dominante, assim, os arquitetos-urbanistas transformaram o urbanismo

1 Entendendo-se como ideologia o conjunto de ideias fundamentais desenvolvidas pela classe dominante visando facilitar a dominação, ocultando-a. Segundo Chauí (apud Villaça, 2010:183), “a ideologia nasce para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em decorrência da ação de certas entidades que existem em si e por si e às quais é legitimo e legal que se submetam”.

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em ‘matéria despolitizada’ a ser tratada como um elemento ‘físico-espacial’ em seu aspecto

‘formal-estético’. Ou seja, a simples organização do espaço corroborando a dominação

ideológica. Apresentados e difundidos pelo Iluminismo, a razão, a ciência e a técnica, torna-

ram-se os preceitos em que se basearam as primeiras atuações urbanísticas modernas, no sen-

tido de solucionar os chamados problemas no contexto urbano-industrial. (cf. MONTE-MÓR,

2008)

“A crescente necessidade de enfrentar os problemas psicológicos, sociológicos, técnicos, organizacionais e políticos da urbanização maciça, foi um dos canteiros em que floresceram os movimentos modernistas. O modernismo era uma ‘arte das cidades’ e evidentemente encontra ‘seu habitat natural nas cidades’”. (HARVEY apud VILLAÇA, 2010:186)

Monte-Mór (2008) apresenta uma periodização das diversas fases etapas da traje-

tória do urbanismo no Brasil. A primeira, racionalista, sobressai durante os anos da virada do

século XIX ao XX, e se fortalece nos anos a seguir. Em um segundo momento, a partir de

1930, prevalece o planejamento local integrado, mas quando redefinido pelos governos

militares nas décadas de 1960 a 1980, transforma-se em política urbana implantada.

Enquanto internacionalmente já eram observadas formas de participação popular no

planejamento, a ditadura militar impedia a participação política efetiva em todos os níveis de

governo. Assim, um terceiro período, o de mobilização popular e constituição ‘cidadã’,

somente surgirá com a transição democrática no país, na transição para década de 1990. Por

consequência, nos anos seguintes, há a aprovação do Estatuto da Cidade e a criação e o

fortalecimento do Ministério das Cidades.

Entrementes, o processo de politização do espaço de vida urbana fortaleceu-se internamente aos grandes aglomerados e logo se estendeu para muito além das cidades até suas áreas rurais imediatas, daí aos espaços regionais a partir dos eixos rodoviários e dos sistemas de serviços sociais e de comunicações e, eventualmente, ao espaço nacional. As necessidades colocadas pelo crescimento da indústria fordista implantada com o “milagre brasileiro” exigiram que as condições de produção urbano-industriais fossem estendidas a todo o território nacional para integrar e expandir o mercado de consumo de bens duráveis. Juntamente com esse processo de extensão do tecido urbano-industrial, estenderam-se serviços públicos básicos, legislação e benefícios trabalhistas, a malha de serviços bancários e financeiros, enfim, um conjunto de infraestruturas e serviços que levaram consigo o germe da política e da cidadania para além das cidades ao ‘urbano’ como um todo, virtualmente a todo o espaço social brasileiro (MONTE- MÓR, 2005). Os rumos do novo planejamento urbano no país, ainda em gestação, estão para ser melhor traçados e analisados em profundidade. (MONTE-MÓR, 2008:35)

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6

Definido pelos planos de melhoramento e embelezamento, o primeiro período

apresentado por Villaça (2010) para a compreensão do planejamento urbano brasileiro se

inicia em 1875 e se estende até 1930. O segundo, que se inicia na década de 1930, marcado

pela ideologia do planejamento enquanto técnica científica, pode ser dividido em 3

subperíodos. O último, que se inicia na década de 1990, é definido pela reação democrática

ao segundo.

Quadro 1 - Síntese dos períodos identificados PERÍODOS 1875-1930/40 1930/40-1980/90 Pós 1980/90

URBANISMO Racionalista Progressista tecnocrático

Progressismo democrático

PLANEJAMENTO Embelezamento Planos diretores compreensivos

Planos diretores participativos

Fonte: Elaboração própria

O RACIONALISMO E O EMBELEZAMENTO

Da necessidade comum de organizar espacialmente a desordem social e urbana

gerada pela industrialização surgiram diversas correntes do pensamento sobre o urbano. Entre

essas variadas correntes a racionalista, segundo Monte-Mór (2008) , exerceu ‘grande

influência’ sobre o urbanismo brasileiro. Por grande influência entenda-se apropriação das

práticas e discursos gerados no ‘bojo do desenvolvimento capitalista’ dos países centrais,

enquanto ‘soluções’, por parte do Brasil. Nesse momento histórico a expressão

embelezamento urbano sintetizou o planejamento de origem renascentista tomado pelo Brasil.

Urbanistas europeus propunham modificações urbanas baseadas em um discurso

higienista tendo como base o embelezamento urbano consolidado por Cerdà em sua Teoria

Geral da Urbanização. O exemplo clássico é o de Paris sob o mando de Napoleão III e a

idealização de Haussmann em 1850, definindo nova escala de ocupação, comércio, cultura e

áreas públicas por toda a área central da cidade. Vias oblíquas e ortogonais atravessaram ruas

e quarteirões existentes com ponto focal em monumentos e edifícios públicos, as edificações

de menor significância para o projeto eram destruídas, e em seus lugares uma nova Paris foi

construída. Um projeto de racionalização do espaço que deu “sentido majestoso e organização

administrativa” (cf. MONTE-MOR, 2006), que segue:

o plano, majestoso nos seus bulevares, avenidas e parques, não se articulava diretamente com a arquitetura grandiosa da cidade, rompendo assim com a

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7

compreensão urbano-arquitetônica unificada da cidade barroca que a antecedeu nas artes urbanas. Incorporava as preocupações higienistas que caracterizavam a cidade moderna: reforma e demolição de áreas e edificações degradadas em condições sanitárias precárias, além da ampliação e redefinição dos limites da cidade (como no caso de Barcelona).

Assim, as primeiras intervenções urbanas com pretensões científicas se iniciaram

ao final do século XIX nas grandes metrópoles europeias, com desdobramentos nas colônias e

antigas colônias por todo o mundo. (cf MONTE-MÓR, 2006). Ainda segundo Monte-Mór,

este modelo glorificou e impôs o estado e as classes capitalistas, ainda quando

revolucionários. A experiência brasileira de planos urbanos remonta do final do século XIX, e

algumas cidades novas foram construídas a partir de desenhos urbanos influenciados pelos

padrões culturais do período barroco:

a característica do traçado é o "tabuleiro de xadrez", cortado por largas avenidas e amplos espaços abertos, onde se localizam os edifícios monumentais de estilo neoclássico, tão ao gosto da época. A área urbanizada se estende em baixa densidade, sem espaços verdes – à exceção do grande parque urbano obrigatório. Este padrão atinge toda e qualquer expansão urbana daquele período; todavia, as novas cidades planejadas são o seu exemplo mais significativo(MONTE-MÓR, 2008:36)

Baseados nessa concepção de planejamento, muitos engenheiros brasileiros

reproduziram nas em cidades já existem como São Paulo, Rio de janeiro e Santos – e em

novas cidades como Belo Horizonte e Goiânia – obras de remodelação dos espaços e lógicas

urbanas locais. Assim, a imposição de novos valores estéticos, a criação de uma nova

fisionomia arquitetônica defendidos nos discursos comumente proliferados encobriam

estratégias múltiplas. Erradicação da classe trabalhadora do centro e a mudança da função do

centro atendiam às exigências da acumulação e circulação de capital, razões ideológicas

vinculadas ao favorecimento do consumo desses espaços pelas classes da elite e, razões

políticas consequentes às exigências do novo sistema político republicano. (cf. BENCHIMOL

apud VILLAÇA, 2010:193).

A prática de melhorar e embelezar a cidade se tornou rotineira para as

administrações urbanas. Também se tornou rotineira, a ideia de ‘plano geral’ associada a essas

modificações urbanas, identificada em inúmeras propostas por Villaça (cf. 2010) nos

municípios de Rio de Janeiro e São Paulo. O período entre 1875 a 1930 compreendeu um

momento no qual a classe dominante possuía uma proposta urbana, e esta era apresentada

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8

com antecedência e discutida abertamente (dentre aqueles aptos a participar). Ainda nesse

período, de forma geral, a hegemonia política da elite permitia tal comportamento.

A partir das primeiras décadas do século XX é possível perceber o declínio dos

planos de melhoria e embelezamento. O abandono de alguns projetos bem como suas

justificativas indicam a adaptação do discurso dessas classes e a inversão de prioridades. Para

Villaça (2010:198) a importância da eficácia começa a superar a da beleza, o planejamento é

discursado como em longo prazo e, a cidade harmônica inicia a se sobrepor sobre a cidade

monumental. O autor ainda destaca que expressões como ‘caos urbano’ e ‘falta de

planejamento’ antecipam ideias a serem consolidadas nas décadas seguintes, justificando a

incapacidade da classe dominante em atingir soluções por meio do embelezamento. Um novo

discurso é desenvolvido, este não será clamado para justificar as obras executadas mas sim

para ocultá-las.

As grandes obras urbanas mudam de perfil, saem do consumo elitista para

“privilegiar a constituição das condições gerais de produção e reprodução do capital (...)

passa-se assim, da cidade bela para a cidade eficiente, da cidade do consumo para a cidade da

produção”. As obras de infraestrutura são priorizadas enquanto as de habitação são postas

noutro plano. Ainda atendendo a lógica da especulação imobiliária, esse processo também

busca entender o uso e ocupação do solo de forma científica e econômica. (VILLAÇA,

2010:200). Assim, uma segunda onda de racionalidade é justificada para transformar o espaço

intraurbano: (i) os requisitos espaciais das funções econômicas, (ii) tendências nas mudanças

nas demandas por espaço, (iii) o futuro dessas tendências.

Citado por Villaça, Lima Barreto revela o nascimento da consciência popular

associada ao espaço urbano no Brasil, a exposição da ‘manifestação geográfica’ da injustiça e

da miséria das classes subalternas dos centros urbanos brasileiros. A década de 1930 é

marcada pela crescente organização e consciência popular e pela fragilidade da hegemonia

das elites. Esta última devido a falta de condições das “grandes forças (classe média e

oligarquias periféricas) para se constituir nos fundamentos de uma nova estrutura de estado”

(WEFFORT 1980, apud BONDUKI 1994, apud VILLAÇA 2010:203) assim, nenhum dos

grupos deteria com exclusividade o poder político.

Page 17: Cherem monografia

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O PROGRESSISMO E O PLANO DIRETOR

A burguesia urbano-industrial assumirá o domínio da sociedade brasileira e, ao

contrário de sua antecessora, deverá sempre (re)produzir intensa e incessantemente os

mecanismos necessários a manutenção de sua dominação. Eram mantidas as ideias que

perpetuavam a segregação social e, assim, espacial. Em seu discurso fica claro “que os planos

não seriam elaborados para serem executados nem para resolver os problemas das massas

populares urbanas”. Contudo, nesse novo contexto seria improvável, e até impossível, para a

classe dominante formalizar e defender suas ideias abertamente: “será obra social fazer-se

uma edificação para esses vadios?” - fala do ministro de Getúlio Vargas, Salgado Filho sobre

os favelados do Distrito Federal - população esta caracterizada como “meio nômada, avessa a

toda e qualquer regra de hygiene” por Agache (1930, apud VILLAÇA, 2010:203). Neste

cenário os planos como meio de divulgação de obras e seus objetivos se tornam inviáveis.

Assim um dilema é posto:

os dilemas e os interesses a serem ocultos pelos novos planos estão claros. Não há como anunciar as obras de interesse popular, estas não serão feitas, e não há como anunciar as obras que serão feitas, porque estas não são de interesse popular. (VILLAÇA, 2010:204)

Para resolução destes dilemas reformulam-se e ampliam-se os conceitos de

‘geral’. Os novos planos abrangem não só toda cidade, mas sim todos os seus aspectos e

problemas identificáveis. Cientificista, tecnocrata e multidisciplinar, o plano intelectual é aos

poucos adotado pelo estado em um novo período que vai até a década de 1990 dividido-se em

três etapas.

Na transição entre os dois primeiros períodos a elite se encontra perdida

(VILLAÇA, 2010), entretanto expressões como ‘caos urbano’, ‘necessidade de planejamento’

e ‘crescimento descontrolado’ já ecoavam pelos discursos da elite técnica-acadêmica. Pelas

suas divulgações volumosas e novidades em conteúdos o plano diretor é adotado pela elite

para formar sua concepção de urbano. É mantido o interesse, mais uma vez, pelas

oportunidades imobiliárias que as remodelações urbanas oferecem, no discurso, porém,

pretende-se abordar a cidade inteira.

O planejamento do núcleo urbano se faz presente em alguns casos governamentais

que ganham importância estratégica a partir do esforço de industrialização iniciado nos anos

1930. E novos projetos brasileiros incorporam os conceitos modernos de racionalidade

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10

espacial, hierarquização habitacionais, cinturões verdes de proteção ambiental, zoneamento,

etc, conceitos estes desenvolvidos nos países centrais. O planejamento é tido como uma obra

a ser finalizada em sua totalidade. As dinâmicas política e econômica justificavam o

‘urbanismo de luxo’. (MONTE-MÓR, 2006)

Neste cenário são identificadas duas correntes, a culturalista e a progressista,

ambas buscam, apesar das diferenças, a resolução da ‘desordem’ e a solução por um

‘modelo’, contudo não “reconhecem na cidade o espaço precípuo da luta de classes”. O

“tecnicismo isento de compromisso políticos” dos progressistas permite, por meio do caráter

universal e purista atribuído à forma e a aceitação de um indivíduo-tipo universal, permite

uma padronização do urbanismo em todo o mundo. É defendida a ideia de que as

necessidades básicas dos homens são as mesmas e se regem pelos princípios fundamentais de

estética e eficácia. A cidade é tida como um instrumento de trabalho e seus espaços

organizados visando evitar qualquer conflito funcional por meio da geometria. Esta, segundo

Le Corbusier, é o ponto de encontro entre o belo e o verdadeiro. (MONTE-MÓR, 2008)

Deve-se destacar a Carta de Atenas, declaração dos princípios dessa corrente que

destaca as funções básicas de estruturação do espaço: habitação, recreio, trabalho, circulação.

Uma cidade ‘centro de decisões e negócios’ de agradável e segregador espaços habitacionais e

interligada por vias, sem espaços de convivência, trocas e conflitos. Por sua própria

concepção de cidade comumente a corrente progressista se vinculava ao planejamento de

novas cidades, contudo, podemos observar intervenções sobre grandes cidades, inclusive

brasileiras. Essas intervenções efetivavam transformações que implicavam na destruição da

paisagem e do espaço então existente.

Nas décadas de 1930 a 1950 a classe dominante possuía condições de executar

obras de seu interesse e integrantes dos planos antigos, mas pouco foi apresentado como nova

proposta de concepção de urbano, como era feito nas décadas anteriores. Esse mutismo é

quebrado no ano de 1965 quando os planos integrados potencializam a ausência de execução

e a primazia pela técnica. Esta primeira etapa apresentado por Villaça é marcado pela

“passagem do planejamento executado para o planejamento discurso”.

O governo militar se instalava em meio à crise econômica e social que se esboçara

no país a partir da segunda metade da década de 1950. Tornou-se necessário:

“formular projetos capazes de conservar o apoio das massas populares, compensando-as psicologicamente pelas pressões às quais vinham sendo submetidas

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11

pela política de contenção salarial. Para tanto, nada melhor do que a casa própria”. (BOLAFFI, 1975 apud MONTE-MÓR, 2008:36)

Até 1964, o planejamento do espaço urbano continuaria sendo encarado pelo

governo federal como “artigo de luxo”, reservado aos grandes projetos políticos, onde o

caráter nobre do empreendimento exigia um toque artístico e uma funcionalidade técnica

compatíveis com a grandeza da obra. A partir de então a ação do Estado modificar-se-ia

radicalmente, culminando na institucionalização do planejamento urbano. (MONTE- MOR,

2008) Com a ‘maioridade urbana’ do Brasil as aglomerações urbanas se tornaram focos dos

problemas e também fortes atores políticos, surgindo daí a necessidade de formas de controle

tanto social quanto econômico. A predominância das práticas paternalistas do Estado deram

lugar a das práticas autoritárias.

Embora tais medidas institucionais caminhassem no sentido de maior integração

da atuação do Estado face aos problemas urbanos – no sentido de uma política urbana

nacional –, na verdade, observou-se verdadeira dicotomia nas ações governamentais.

Segundo a nova concepção, os planejamentos, denominados superplanos, não

encarariam a cidade apenas em seus aspectos físicos, os problemas deveriam ser entendidos

para além dos âmbitos da engenharia e da arquitetura. As obras deveriam ser integradas tanto

do ponto de vista interdisciplinar como do ponto de vista espacial. Esta é considerada por

Villaça (2010) como uma reação falsa ao

suposto determinismo físico de que eram acusados os planos anteriores (do período de 1930 a 1965). Esta reação é puramente ideológica, pois, pois dá a entender não só que havia muitos planos naquele período mas também que estes teriam sido predominantemente executados e que teriam fracassados.(Ibdin:220)

Para Villaça (2010), a proposta de aparência intencional ‘moderna’ evita o vínculo

com os planos anteriores, mas há nesse modelo um distanciamento crescente ente os planos e

propostas e as possibilidades de suas implementações, um conflito com uma administração

pública setorizada e inapta de instrumentalização e um conflito entre aprovação e execução,

tendo em vista suas páginas numerosas e seu caráter recomendatório. Em detrimento dos

órgãos públicos de planejamento que se tornam “órgãos de estudos”, os escritórios privados

passam a ser o bojo dos superplanos. Esta situação leva ao distanciamento entre os órgãos de

planejamento e a cúpula do executivo, a exemplo do Plano Urbanístico Básico de São Paulo

de 1969, PUB-69. Dado o modo de seu desenvolvimento, era esperado que estes planos

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12

funcionassem apenas como discursos e que tivessem como destino certo o esquecimento. (cf.

VILLAÇA, 2010).

O modelo de desenvolvimento econômico adotado após 1964 continha,

implicitamente, uma opção de concentração urbana, na medida em que se apoiava no processo

de intensificação da industrialização e nos mercados urbanos, de maior elasticidade, face aos

produtos principais da crescente indústria de bens duráveis. Os objetivos principais

perseguidos pelo governo encontravam nas cidades grandes o meio propício à sua

consecução, na medida em que estas permitiam maior rentabilidade ao capital investido, pelas

condições de economias externas que oferecem mercado e mão-de-obra semi-especializada, e

se prestavam mais à estratégia de concentração de renda, através de poupança e compressão

salarial, para gerar novos investimentos. Por outro lado, a chamada indústria da construção,

como foi ressaltado, é amplamente propícia ao processo de geração de empregos urbanos,

sendo, por isso mesmo, reconhecida como um mecanismo eficaz de controle de conflitos

sociais.

A concentração de investimentos, tanto no nível macrorregional quanto

internamente ao sistema urbano, veio não apenas aumentar os desequilíbrios regionais e

acelerar o crescimento das cidades grandes, mas, também, contribuir para o agravamento dos

problemas intraurbano decorrentes da rápida urbanização marginal brasileira. Villaça exem-

plifica a atuação do BNH, que veio apenas agravar dois problemas fundamentais das grandes

cidades brasileiras: a supervalorização da terra urbana (e imóveis), gerando (e sendo gerada

pela) especulação imobiliária, e o seu corolário, o processo de expansão periférica das

cidades, de densidade rarefeita e “marginal” ao processo urbanizador.

Em dezembro de 1971 é aprovada a lei que instituía mais um plano de São Paulo,

elaborado por técnicos da prefeitura em reação ao distanciamento dos planejadores da

administração pública típico da etapa que se encerrava. “Uma lei simples sem volumoso

diagnóstico (...) pouquíssimo conteúdo derivado do [último apresentado] (...) aprovado pela

mais arrochada, expurgada e amedrontada Câmara Municipal que a cidade já teve”.

(VILLAÇA, 2010:220). Logo nos anos seguintes esse plano sem mapa é tratado como

obsoleto, insinuando que esta já tivera sido atual e válido e, o mais importante, legítimo.

Mais uma vez se dá a tentativa da ideologia dominante em reinventar o

planejamento urbano, em aparentar seu aperfeiçoamento através de “objetivos, políticas e

diretrizes” que beiram o bom senso, dispensando o diagnóstico e as estatísticas antes

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enaltecidas. Dessa forma as discórdias são eliminadas e os conflitos ocultos, esse modelo de

planejamento posterga as medidas de interesse popular. De mesma forma prevê um ‘posterior

detalhamento’, ou seja, os comuns diagnósticos são planejados, porém nunca elaborados.

As políticas públicas reais nas esferas imobiliária e fundiária não passavam por

planos diretores, mas vinham se manifestando principalmente pelas politicas habitacionais e

da legislação urbanística. Essa legislação é seguida em partes da cidade, porém nas demais

coloca a maioria na clandestinidade. Assim, a ação contínua e concreta do estado, aquela que

não aparece nos planos diretores, produz a cisão das cidades brasileiras em duas: de um lado a

legal, moderna e equipada, de outro a clandestina, miserável e atrasada.

O problema urbano já havia sido teoricamente incorporado às grandes

preocupações nacionais. Conduto, propor o desenvolvimento das principais áreas

metropolitanas do país, preconizar a integração de programas setoriais dos planos de

urbanização e propor o revigoramento do nível de decisão municipal, ao propor projetos

prioritários, limita-se ao enfoque setorial e pontual, abrangendo a área de eletrificação,

centrais de abastecimento, aeroportos etc., sem a preocupação de uma integração no nível do

conjunto urbano. Os esforços do governo central são voltados ainda para a delineação de uma

infraestrutura apta a promover desenvolvimento econômico, enquanto nas esferas inferiores o

discurso é continuamente jurado por meio de leis vazias.

O planejamento elaborado no Rio de Janeiro em 1977, para Villaça, possui os

mesmos moldes do aprovado em São Paulo no início da década: constituição por técnicos da

prefeitura, nomenclatura na ‘moda’, conjunto de diretrizes gerais, ausência de mapas e

estatísticas, tanto diagnósticas, quanto prognósticas ou propositivas. Contudo, inova ao

introduzir tentativa de planejamento participativo a partir de pesquisa de opinião no

diagnóstico dos problemas locais.

O aspecto espacial, regional ou urbano, começou a ser visto como elemento

integrante das diretrizes econômicas das estratégias de desenvolvimento nacional. Quando o

“milagre brasileiro” apresentava sinais de degeneração e quando o processo político

começava a se reestruturar de forma reivindicatória e avessa ao governo militar, os problemas

da marginalidade social crescente e de economias de aglomeração nas grandes metrópoles

começavam também a se agravar. A discussão da metropolização ganhava vulto no país, e

com ela a perspectiva de solução de um dos problemas fundamentais a ela relacionados: a sua

institucionalização, vista como condição primordial para qualquer ação de planejamento. Ao

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se atentar para a efetiva fragilidade dos municípios e chamar-se o governo federal para

assumir parte das responsabilidades de gestão urbana, criou-se o espaço para a definição da

nova política de planejamento urbano.

Neste período do ciclo autoritário, predestinados à prateleira, os planos passam da

complexidade, do rebuscamento técnico e da sofisticação intelectual para o plano singelo e

simples, “simplório”, com dispositivos enquanto conjuntos de generalidades. Assim, é dada a

impressão de que a ideologia dominante está cuidando e aperfeiçoando o planejamento no

país.

A REAÇÃO DEMOCRÁTICA

Se os anos 1970 marcaram o fortalecimento dos movimentos populares, nos ano

1980 esses se aprimoram em organização, adesão e atuação – estimulados pelas possibilidades

de influenciar na elaboração da nova Constituição. Destaca-se a retomada das demandas

populares que tinham começado a despontar no ano de 1963 em prol de uma possível

Reforma Urbana. A reação conservadora é a mesma de 1964: a volta do plano diretor. A

exigência constitucional de 1988 do plano diretor foi a solução apresentada por uma “espécie

de aliança” entre tecnocratas do aparelho do estado e congressistas constituintes, não tendo

surgido dos próprios movimentos populares. (VILLAÇA, 2010)

“não só no processo de elaboração da constituição se manifestou o poder das forças do atraso e sua capacidade de tardar o avanço das conquistas populares na esfera do urbano. Também dentro do próprio plano diretor elas se revelam poderosas.” (BRASIL, 2001: art. 32 § 2º)

Várias cidades brasileiras cumpriram a determinação constitucional, porém apenas

algumas aproveitaram a oportunidade para rejeitar o plano tradicional, o superplano e o

diagnóstico técnico e para procurar politizar de fato o Plano Diretor, transformado-o então em

projeto de lei municipal. Nesse sentido, buscou-se a inserção de temáticas e dispositivos que

atendiam aos princípios de justiça social no âmbito urbano e não impedidos ou dificultados

pela Constituição.

A década de 1990 marca o um novo momento no processo de politização no

planejamento urbano, fruto do avanço da consciência e das organizações populares. Ainda, a

recusa ao diagnóstico técnico como mecanismo ‘revelador’ dos problemas deve ser destacada,

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15

este serviria somente a posteriori para dimensionar, escalonar ou viabilizar as propostas, que

são políticas, mas não para revelar os problemas. (VILLAÇA, 2010).

Propostas urbanísticas tem implicações econômicas e financeiras, contudo são

limitadas no que se referem ao modelo de desenvolvimento: este mais define do que é

definido pelo planejamentos urbano. Contudo, no setor imobiliário a esfera municipal de

poder tem condições de interferir, especificadamente, na distribuição da riqueza gerada nele.

Villaça (2010) identifica aí a força de atuação das correntes progressistas, procurando que o

poder público capte parte da valorização imobiliária da qual ele e a sociedade são também

criadores. E, neste ponto, identifica-se um contra movimento para minimizar a efetividade dos

planos.

é muito significativo que tenham sido exatamente aspectos urbanísticos – referentes a uso e ocupação do solo – os que mais geraram polêmicas e mobilizaram as forças do atraso, impediram a aprovação de vários planos diretores ou esterilizaram a ação dos que foram aprovados. (...) finalmente, veio a luz aquele aspecto que vinha sendo ocultado pela ideologia do plano diretor: os interesses vinculados ao espaço urbano. (Ibid:239)

Para Villaça “é certo que na maioria das cidades importantes as forças do atraso

saíram vitoriosas”. Contudo, a classe dominante brasileira está na seguinte ‘encruzilhada’: se

por um lado tem menos condições de fazer planos que revelem suas reais propostas às

cidades, por outro não tem condições de fazer planos que atendam às necessidades da maioria

da população que nelas habita. Majoritariamente, as camadas populares não tem demonstrado

interesse e mobilização em participar de debates sobre planos diretores, assim, é provável que

se inicie um novo período de mutismo por parte da elite

A luta pela reforma urbana continua em várias frentes, cada um com sua

especialidade e dando oportunidades para lideres populares, técnicos e políticos progressistas.

O Estatuto da Cidade, regulamentador do art.182 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), é

uma frente das mais importantes. Os movimentos populares setoriais são outra. O plano

diretor pode ser a terceira, pois este depende dos interesses desses dois atores acima ditados,

do esvaziamento dos planos retóricos e pela efetiva implementação do ‘solo criado’ pelo

conservador poder judiciário. (cf VILLAÇA, 2010)

Com projeto de lei iniciado em 1989, um delongado debate tomou o Congresso

Nacional sobre a regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988.

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16

Como resultado, tem-se a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, de 10 de

julho de 2001, marco normativo maior da política urbana no país:

Art. 2º: A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis (...); II – gestão democrática (...); III – cooperação (...) no processo de urbanização (...) em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades (...); V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários (...); VI – ordenação e controle do uso do solo (...); VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais(...); VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano (...); XI – recuperação dos investimentos do Poder Público (...); XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente (...); XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada (...); XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (...); XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias (...); XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados (...)” (BRASIL, 2001)

O Estatuto da Cidade constitui-se num avanço importante à legislação urbanística

e ambiental brasileira, devido a sua finalidade de possibilitar ferramentas para um

planejamento urbano. Surge como um instrumento de reforma urbana e promoção de justiça

social, objetivando melhorar a qualidade de vida urbana e buscando a proteção do ambiente

natural como forma de melhoria dessa qualidade. A lei consagra aos cidadãos o princípio da

participação. À exemplo, os agora obrigatórios planos diretores devem contar com a

participação popular, não só em seu processo de elaboração e votação mas, principalmente, na

implementação e gestão das decisões do plano.

Apesar de apresentar bem definidas políticas e garantias ao cidadão, foram toma-

dos 15 anos de tramite no Congresso Nacional para o Estatuto apresentar vários instrumentos

de controle do solo urbano, conservadores segundo Villaça (2010). Um desses instrumento é

nosso objeto de estudo, a Operação Urbana Consorciada. Tratada na Seção X do Estatuto, a

Operação Urbana Consorciada é entendida enquanto:

(...) o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

A operação urbana conta basicamente com duas etapas. A primeira é a proposta,

que pode ser elaborada por qualquer cidadão, mas comumente é elaborada em conjunto da

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prefeitura municipal e empreendedores locais. Em seguida a proposta é formata e apresentada

à câmara de vereadores do município, nesta etapa a operação deve ser discutida, podendo

haver possibilidade de alteração e aprovação em lei específica. A forma de execução desta

etapa varia de acordo com especificações de leis e interesses políticos locais. Mas, em geral,

pela parceria entre público e privado, há a troca de investimentos de contrapartida na área

definida por parâmetros urbanísticos mais permissivos na mesma..

Em uma análise sobre o instrumento de Operação Urbana Consorciada, Marcelo

Lopes de Souza (2004) destaca as definições legais constantes das experiências do Rio de

Janeiro e de São Paulo:

Entende-se por operação urbana o conjunto integrado de intervenções e medidas a ser coordenado pelo poder público, com participação de recursos da iniciativa privada” (DOM SP, 1991: art. 54 §1º apud Souza, 2004:275) A urbanização consorciada será utilizada em empreendimentos conjuntos de iniciativa privada e dos poderes públicos federal, estadual e municipal, sob a coordenação deste último, visando à integração e à divisão de competências e recursos para execução de projetos comuns. (CMRJ, 1992: art. 30 apud Souza, 2004:275)

Para Souza a operação urbana se mostra tanto no Rio quanto em São Paulo

definidos de forma vaga e com possíveis brechas que possibilitam uma “interpretação

mercadológica”. Analisando o contexto político-ideológico nos quais estavam inseridas as

capitais em questão, o instrumento possibilita e regulariza parcerias entre o poder público e o

privado.

(...) a experiência [paulista] mostra quanto esse instrumento pode ser útil ao capital imobiliário, ao mesmo tempo que presta tão poucos serviços à população de baixa renda. (CARDOSO, 1997:107 apud Souza, 2004:276)

É exemplificada a Operação Urbana Córrego Águas Espraiadas, em São Paulo.

Nesta operação proposta pelo governo Erundina, mas modificada e realizada no governo

Maluf, a área ocupada por população de baixa renda e com forte potencial de valorização não

foi contemplada com políticas específicas, sendo assim “liberada através da ação dos

empresários”.

Em uma Operação Urbana, os lucros futuros dos empreendedores são suficientes

para compensar o seu investimento na área. Ao executivo municipal, principalmente, cabe

outras prioridades para investimento. Outro ponto levantado por Souza (2004:277) é o fato

das Operações não contemplarem, normalmente, habitações populares, principalmente se em

sua área ou entorno existir déficit habitacional.

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Lopes destaca a potencialidade desta ferramenta ao possibilitar uma parceria entre

o interesse público e o privado de forma a garantir ao estado um menor desembolso de inves-

timentos, havendo possibilidade do poder público investir em benfeitorias em localidade ca-

rentes.

Seu potencial de contribuição para um genuíno desenvolvimento urbano, pautado por crescente justiça social, é irrecusável. (SOUZA, 2004:278)

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CAPÍTULO II :: URBANIZAÇÃO DE BELO HORIZONTE E REGIÃO METROPOLITANA

CIDADE BELA

Com a mudança de regime político brasileiro em 1889, a então capital mineira

Ouro Preto não cumpria com as demandas da recém instaurada República. Sua esfera de

influência político-cultural não ultrapassava a região das minas, deixando as demais áreas do

território estadual marginalizadas e sob influência de outros estados.

Apesar da fragmentação espacial e da relativa exclusão política dos mineiros

provindos das gerais, durante o Império eles já possuíam crescente poder econômico e com a

instauração da República conquistaram também o poder político. Na nova conjuntura, era

necessária uma capital que compreendesse os interesses dos dois grupos políticos e se

tornasse um centro de influência agregador e de poder em todo o estado. A cidade também

precisava de um aparato estrutural urbano capaz de cumprir e representar tais objetivos

práticos e ideológicos. Sob esse contexto que a cidade de Belo Horizonte foi idealizada e

planejada.

Em 1897, foi inaugurada a nova capital mineira. Nela se buscou reproduzir os

exemplos mais bem sucedidos de planejamento urbano: a Paris de L’Enfant e a Washington

de Haussmann (MONTE-MOR, 1994:14). Suas vias retas e largas traduziam na cidade a

busca do moderno, do higiênico e do contraste com Ouro Preto. Dentre estas duas eram mais

marcantes, a Avenida Afonso Pena e a 17 de Dezembro (atual Avenida do Contorno). A

primeira é o eixo monumental que corta a cidade no sentido norte-sul e a partir da qual a

cidade cresceria voltada para si mesma (MONTE-MOR, 1994:14); para Aarão Reis, a Afonso

Pena seria o centro obrigatório. A segunda é a avenida que marca o fim da área planejada.

Enquanto símbolo, a 17 de Dezembro era a barreira entre a área limpa e organizada das elites

e a renegada área das massas (COSTA, 1994:52).

A escolha da capital foi realizada tendo em vista sua localização geográfica

estratégica em relação às demais capitais brasileiras, sua abundância em nascentes e cursos

d’água favorecendo o abastecimento, terreno acentuado não permitindo enchentes recorrentes

e presença de pequeno vilarejo – outra candidata forte era São João Del Rey. O vilarejo foi

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20

completamente destruído para implantação do projeto de Aarão Reis, como mostrado pela

Figura 2.

Figura 2 - Superposição das plantas de Curral del Rey e de Belo Horizonte.

Fonte: Acervo MHAB apud curraldelrei.blogspot.com

A cidade foi pensada por Aarão Reis em três áreas distintas, a zona urbana, a

suburbana e a rural. A primeira foi o alvo de planejamento direto e tinha a sua região

delimitada pela área interna à Avenida 17 de Dezembro. A ela foram destinadas as funções de

centro do poder, do comércio e local de moradia das classes médias e altas, ou seja, todas as

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21

funções urbanas superiores e centrais. A decisão dos dirigentes da época de tornar aquele

espaço um local privilegiado e exclusivo das elites era tal que, nos discursos, se fazia

referência do tipo de população que era “adequada e condizente com a imagem que a cidade

queria cunhar” (COSTA, 1994: 51).

Dessa forma, por exemplo, os habitantes do antigo Curral Del Rey, bem como os

que trabalharam na construção da cidade, ou os de classes baixas, em geral, não se

enquadravam na categoria idealizada pelos fundadores da capital.

Figura 3 - Pintura retratando o aglomera-do Alta da Estação, próxima à Rua Sapu-caí aos fundos da Praça da Estação

Figura 4 - Casas destinadas aos funcioná-rios públicos nas proximidades da Avenida Cristóvão Colombo em 1896

Fonte: APCBH Acervo CCNC apud curraldelrei.blogspot.com

Em contraste, aos funcionários públicos seriam doados e vendidos lotes, além do

desenvolvimento de projetos habitacionais que variavam de acordo com a própria hierarquia

do funcionalismo (COSTA, 1994, p.52).

É importante notar que a maior parte dos terrenos foi objeto de leilão, o que

também garantiu a seleção dos seus moradores pelo critério da renda, mas essa política

garantiu grande concentração dos lotes e especulação com os preços dos terrenos urbanos, o

que acabou por dificultar acesso à moradia inclusive para a classe média que começou a

ocupar área fora da Av. do Contorno, na porção sul, ainda nas primeiras décadas do século

XX.

Outra lógica de ocupação foi pensada para a área além dos limites da Av. 17 de

dezembro. De fato, pouco foi planejada. A principal pretensão de Aarão Reis era reservar o

espaço para as massas, que deveriam ficar “do lado de fora”. Esse local passível de ocupação

pelos menos afortunados foi dividido em duas zonas de acordo com a sua função: a suburbana

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e a rural. A primeira, em relação à urbana, apresentava padrões mais flexíveis de urbanização

e deveria servir como futura área de expansão da cidade (COSTA, 1994, p.52).

Com regras menos rígidas e praticamente sem infraestrutura básica, o local era

consideravelmente desvalorizado e, portanto, acessível. Já a zona rural era composta por cinco

núcleos agrícolas, também conhecidos, como sítios ou colônias e foram criados para formar

um “cinturão verde” que abasteceria a cidade com gêneros alimentícios. O idealizado era que

essas zonas fossem igualmente ou menos povoadas que a região urbana, mas logo nas

primeiras décadas o contrário foi verificado. De acordo com Gough (1994) a população fora

dos limites da Av. do Contorno atingiu níveis muito acima do esperado já na década de 1910

e os sítios estavam completamente urbanizados, sem cumprir mais sua função original, em

1930.

Figura 5 - Panorama de parte da Colônia Carlos Prates, a área central e grande parte do bairro Funcionários em 1910.

Fonte: APCBH Coleção José Góes apud curraldelrei.blogspot.com

Assim é possível verificar que a segregação sócio espacial foi pensada pelos

dirigentes da cidade desde o início e garantida pelos diferenciais em termos de infraestrutura e

planejamento urbanístico oferecidos pelos mesmos. No entanto, o mercado imobiliário não

necessariamente seguiu os objetivos traçados pelo poder público, havendo mais especulação

que o desejado, por exemplo.

Em 1900, a Prefeitura executava projetos, na área central, de calçamento das ruas

e de construção de sarjetas, rede de esgoto, abastecimento de água, dentre outros. Segundo o

discurso, tais obras eram necessárias para estimular a imigração de forma a povoar a

cidade. Foi estabelecido no mesmo ano um plano de metas para a melhoria da infraestrutura

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urbana. Os planos principais eram (i) construção do edifício destinado a sede da Prefeitura;

(ii) conclusão do Reservatório do Cercadinho, na Rua Carangola; (iii) emplacamento das ruas;

e (iv) canalização do Arrudas, na Praça da Estação.

No ano seguinte, ainda no primeiro decênio de vida da cidade, um decreto

municipal facilitou a aquisição de terrenos na área compreendida entre as avenidas Contorno,

Cristovão Colombo (Bias Fortes), Itacolomy (Barbacena) e Amazonas, no bairro Barro Preto,

para o estabelecimento de indústrias. Contrariando a planta de Aarão Reis, toda essa área foi

então considerada suburbana, tendo como justificativa o incremento à economia de Belo

Horizonte.

Se tratando de políticas urbanas na recém inaugurada cidade de Belo Horizonte é

preciso ter em vista alguns aspectos pelos quais a cidade passava, segundo Gough (1994).

Primeiro que ela foi inaugurada as pressas, deixando alguns aparelhos urbanos essenciais a

serem construídos pelo primeiro prefeito, o que gerou demanda por obras públicas desde o

princípio na chamada zona urbana. Outro problema era o grande endividamento, pois todas as

dívidas adquiridas para a construção foram repassadas para a prefeitura da cidade, o que

restringiu, e muito, o poder de atuação. Junte-se a isso a tendência elitista dos políticos

durante a República Velha que encontramos praticamente nenhuma obra infraestrutural fora

dos limites da Avenida do Contorno até 1930. Assim, com recursos escassos de maneira

geral, o que a política local decidiu foi priorizar a melhor estruturação do centro urbano,

tornando-o limpo e organizado ao contrário de criar amenidades urbanas nas zonas

suburbanas (Gough,1994).

No entanto, em contraste com tal viés das políticas públicas encontramos maior

crescimento populacional na zona suburbana e, como já dito, a maior parte da população já se

encontrava nela em 1912, como pode ser visto na tabela 1, apesar da área ocupada não ser

proporcional ao diferencial de populações, como mostra a Figura 6.

Tabela 1 - Distribuição Espacial da População de Belo Horizonte em 1912 Zona População %

Urbana 12.033 32 Suburbana 14.842 38 Rural 11.947 30 Total 38.822 100

Fonte: Censo de 1912. Citado em Costa (1994)

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Figura 6 - Áreas edificadas em Belo Horizonte (1900 - 1920)

Fonte: Villaça, 1998:121

Eram previstas no projeto da cidade inúmeras praças e largos destinados a criar

espaços definidos para a socialização e práticas cívicas, de forma a embelezar a nova capital.

Apesar, muitas destas praças não chegaram a ser construídas, e das construídas muitas

desapareceram devido às diversas alterações no traçado urbano. Áreas hoje ocupadas pelo

Colégio Pedro II e os grupos escolares Barão do Rio Branco e Bueno Brandão foram

inicialmente largos e praças sendo posteriormente requalificadas, tornando-se áreas

edificáveis.

Já a maior intervenção urbana ocorre na passagem para a década de 1930. A

Avenida do Canal, atual Avenida dos Andradas, foi projetada para ser um pequeno eixo de

ligação entre a Praça da Estação e a Avenida Tocantins (Assis Chateaubriand), Figura 7,

contudo:

A actual administração pensa deixar executados os serviços que, em conjuncto, formam esta grande obra de embellezamento na entrada da Capital, consistentes taes serviços no empedramento, rejuncção, balaustrada e sua illuminação, e os passeios ao lado das mesmas, inclusive o calçamento da Avenida do Canal, em toda a sua extensão, a qual justamente comprehende os trechos mencionados entre a rua da Bahia, no cruzamento da avenida do Contorno, e a avenida Tocantins; (...) em prol da belleza e hygiene desta parte da Cidade, situada no bairro comercial e á margem das duas vias de acesso mais importante da Capital, como a bitola larga da Central e a Oeste de Minas (Prefeito Flavio Fernandes dos Santos em 1925)

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Figura 7 - Retificação e canalização do Ribeirão Arrudas, obra que permitiu o pro-longamento da Avenida do Canal na área destinada ao Parque Municipal.

Fonte: curraldelrei.blogspot.com

O racionalismo e sua manifestação – o embelezamento – se traduzem no desenho

urbano proposto por Araão Reis e pelo regulamento específico quanto ao uso (propostas de

território) das terras da nova cidade. Cidade essa que se insere de forma radical e destrutiva

sobre um vilarejo que futuramente lhe doará nome, vide Figura 2 na página 20. Por

consequência, tem-se forte exclusão espacial que expulsa as classes mais desfavorecidas para

as zonas tachadas de suburbanas, e novas áreas que demandam atenção do poder público para

sua manutenção enquanto áreas com aspirações à urbanas. O modelo continua até final dos

anos de 1920, onde obras de embelezamento são assim justificadas, possibilitando aberturas

de vias, canalizações de córregos e remoção de aglomerados suburbanos, com forte atuação

na zona urbana.

CIDADE FUNCIONAL

A mudança no cenário político a partir de 1930 modificou a relação dos governos

com as massas, a partir de então o poder de voto universal estimulou a disseminação de

políticas paternalistas/populistas em todo o país. Em Belo Horizonte a situação não foi

diferente. Gough (1994) ressalta que a partir desse período foi verificada mais atenção da

prefeitura com as demandas das zonas suburbanas, tanto que o número de obras nesta

aumentou consideravelmente. Na Tabela 2 já vemos maior equalização da quantidade de

obras em 1930.

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Tabela 2 - Prefeitura de Belo Horizonte: Custo de serviços contratados por zona (1930)

Natureza do Serviço Número de Obras Custo Total

Zona Urbana Zona Suburbana Zona Urbana Zona Suburbana

Terraplanagem 11 5 3.124:515$000 97:786$632

Pavimentação 15 10 849:160$460 162:766$340

Obras Diversas 8 4 540:584$640 95:847$605

Total dos Serviços 34 19 4.478:260$100 356:400$600 Fonte: Relatório ao Prefeito Luiz Penna (1930). Citado em Gough (1994)

As antigas praças do entorno do Parque Municipal sofreram da mesma forma.

Estas, como já dito, foram suprimidas e substituídas por prédios do serviço público, mas neste

período a partir de 1930/40 o processo continua, e, por sua vez, tais edificações públicas são

substituídas por espaços privados. À exemplo, o prédio dos Correios foi substituído pelas

atuais torres gêmeas Sulacap e Sulamérica na década de 1940. Mais uma vez, na então zona

urbana, espaço público era cedido ao privado.

Na Tabela 2, já com a maior estabilização política de 1937, a inversão de direção

de políticas públicas é verificada. No entanto é preciso atentar ao momento histórico, nesse

momento a zona urbana já apresenta um aparato de infraestrutura muito superior ao da

suburbana e não havia maiores demandas dentro da Av. do Contorno. Outro ponto importante

de lembrar é que na zona suburbana estavam se instalando cada vez mais pessoas de maior

poder aquisitivo na direção sul e, por isso, não se pode direcionar todas as obras de

infraestrutura nessa zona para os cidadãos historicamente excluídos.

Variados projetos de calçamento e pavimentação são iniciados pela cidade, os

registros fotográficos são comumente daqueles localizados na área central da cidade. Bem

como o início de abertura de vias para outras áreas de expansão.

Tabela 3 - Projetos executados em Belo Horizonte (1937) Tipo de projeto Zona Urbana Zona Suburbana Projetos de esgoto 8 46 Calçamentos executados 81 89 Demais obras 6 14

Fonte: Relatório do Prefeito Otacílio Negrão de Lima, 1937. Citado em Gough, 1994.

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27

Figura 8 - Abertura da Rua Pedro Lessa na Pedreira Prado Lopes, melhorando o acesso a Vila Santo André.

Fonte: APCBH Relatório do Prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, 1941 apud cur-raldelrei.blogspot.com

Ao observar as manchas urbanas abaixo notamos que a falta de grandes vias de

acesso para fora da zona urbana, fora os trilhos do trem, dificultaram a formação de um eixo

de expansão numa direção específica. O único fator que pareceu dificultar o crescimento

numa direção foi o geográfico, pois o terreno montanhoso ao sul era de mais complexa

ocupação. Somente com a ampliação das avenidas Amazonas e Antônio Carlos que tais eixos

se formaram definitivamente.

Figura 9 - Áreas edificadas em Belo Horizonte (1930 e 1940)

Fonte: Villaça, 1998:121

Dentro dos objetivos do nacional-desenvolvimentismo se encontram a

industrialização. A capital do Estado de Minas Gerais, para seus políticos, deveria se adequar

ao novo contexto. Durante esse período havia um claro e forte interesse do governo estadual

de dinamizar a economia mineira por intermédio da industrialização e de integrar seus

municípios à capital.

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28

O distrito industrial de Contagem, que foi instituído em 1941, contava com

energia fornecida por uma companhia do Estado de Minas Gerais, a recém criada CEMIG.

Ele também apresentava a vantagem de ser distante do núcleo central, pelo fato de se esperar

a instalação de indústrias altamente poluidoras e que colocariam em risco a adorada fama de

Belo Horizonte de cidade-jardim (Monte-Mor, 1994). Ela também ficava há poucos

quilômetros do centro, em relação a outras cidades vizinhas, e, no meio do caminho, já se

encontrava um grande contingente populacional de perfil operário. Para garantir o rápido

acesso, a Avenida Amazonas foi ampliada até a área da cidade industrial e rapidamente o

coração da cidade se deslocou até a Praça Sete de Setembro (Monte-Mor, 1994). Dessa forma,

a especulação imobiliária na direção da cidade industrial tomou corpo e o vetor de

crescimento oeste se consolidou como um dos mais atrativos.

Figura 10 - Abertura da Avenida Antônio Carlos próximo ao IAPI, 1940.

Figura 11 - Abertura da Avenida Amazonas, ponte da Gameleira.

Fonte: Acervo MHAB apud curraldelrei.blogspot.com

Na década de 1950, Belo Horizonte já havia entrado no caminho para a

metropolização, apresentando uma população de mais de 350 mil habitantes. A

industrialização iniciada na década de 1940 na capital incentivou o aumento do fluxo

migratório em direção a Belo Horizonte e o parcelamento do solo, que levou o crescimento

urbano em diversos vetores, principalmente as regiões norte e oeste devido ao seu relevo de

menor declividade. Nessa década o adensamento na área central já chamava a atenção pela

rapidez que se concretizava, incentivado pela verticalização, fenômeno que se tornou

incontrolável na década seguinte. As consequências desse crescimento urbano foram a

potencialização dos mais conhecidos problemas de os serviços básicos, destacando-se o

abastecimento de água e o transporte público. A expansão urbana e a falta de investimentos

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29

nos serviços tornavam o transporte cada vez mais obsoleto, e deficiente ao comparar com o

crescimento da malha urbana.

Nessa época, apesar de já ter conquistado o reconhecimento político e urbano,

Belo Horizonte ainda detinha indústria insipiente e polarizava uma pequena parte do

território. O fator apontado como o maior obstáculo era o fornecimento de energia elétrica

(Diniz, 1997). Esse problema acompanhou a capital desde a sua fundação até meados da

década de 1960. A má distribuição, baixa produção, alto custo e constantes racionamentos são

dentre os principais fatores apontados como os que barraram o crescimento industrial na

cidade de Belo Horizonte (Monte-Mor, 1994) e que contribuíram para permanecer baixa a

qualidade de vida média no município. Tanto que um dos principais motivos para a escolha da

cidade vizinha, Contagem, para a instalação do distrito industrial e não na própria capital é

justamente sair da área de atuação da companhia de energia que [mal] abastecia a capital

(Gough, 1994).

Figura 12 - Asfaltamento da Avenida dos Andradas e obras no leito do Arrudas nos anos de 1960

Fonte: APCBH/ASCOM apud curraldelrei.blogspot.com

Ainda, as intervenções mais grandiosas ainda se davam na área central da capital,

como o asfaltamento da Avenida dos Andradas e requalificação do leito do Ribeirão Arrudas.

Com acréscimo populacional, já no final dos anos 1960, a malha urbana da cidade

estava saturada e faltavam áreas para expansão imobiliária. Somente o Governo Militar

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30

buscou solução a este problema e criou condições para a construção de moradias que estavam

sendo estimuladas pelo Banco Nacional da Habitação (BNH). A Figura 13 mostra a mancha

urbana em 1964 com as principais vias de acesso antes (em preto) e depois (em vermelho) do

reaparelhamento urbano. Como se pode notar, as novas vias tinham como objetivo facilitar a

ocupação de espaços antes desocupados, o que representou grande apoio dos políticos às

construtoras e ao capital imobiliário. Dentre as obras se destacam a implantação ou ampliação

de vias como a Av. Cristiano Machado, Via Expressa, o Conjunto Elevado Castelo Branco, o

primeiro Túnel Lagoinha Concórdia, a Av. Raja Gabaglia, o viaduto do Barreiro, a Av.

Prudente de Moraes e a extensão da Av. Afonso Pena até o bairro Mangabeiras (GOMES,

2008).

Figura 13 - Áreas edificadas em Belo Horizonte, 1964

Fonte: Villaça, 1998:121.

As medidas dos militares de melhoria da infraestrutura beneficiaram também a

classe média, pois tais obras levaram a migração dela para regiões antes muito desvalorizadas.

Exemplos de novos bairros típicos de classe média (marcados em azul na Figura 13) que

surgiram no período são o Cidade Nova, Novo São Lucas, Caiçara e Coração Eucarístico.

Outros expandiram como o Alto Barroca e o Santa Lúcia. Na região da Pampulha a

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31

transferência do Campus/UFMG (década de 1960) também estimulou a migração de

populações com maior poder aquisitivo para outros bairros próximos, como o Ouro Preto e

Jaraguá, que não só os tradicionais Bandeirantes e São Luiz. Claro que a classe média e alta

continuou majoritariamente preferindo ocupar a chamada zona sul, que teve grande expansão

também devido às novas técnicas de engenharia que possibilitaram a ocupação dos terrenos

muito inclinados e novos aparelhos urbanos ali implantados.

No entanto, um dos efeitos da valorização dos terrenos belo-horizontinos foi a

migração das populações que não podiam mais arcar com os altos custos de vida e moradia na

capital, mudando para as cidades vizinhas que tinham melhor acesso ao centro. A conurbação

ocorre justamente por esse efeito. A migração foi estimulada não só pelo aumento do preço do

terreno na capital, mas também pela dinâmica industrial a oeste. No final dos anos 1960, a

Cidade Industrial de Contagem já continha parque industrial razoável e a cidade vizinha,

Betim, atraiu a Refinaria Gabriel Passos (inaugurada em 1968), da Petrobras e a montadora

FIAT (1976). Assim compreendemos a maior área construída na direção oeste da capital.

Outro efeito da valorização foi a verticalização, que já ocorria na área central nos imóveis

comerciais e expandiu para os residenciais.

Figura 14 - Feira Permanente de Amos-tras, 1962.

Figura 15 - Terminal Rodoviário Israel Pi-nheiro, 1971.

Fonte: bhnostalgia.blogspot.com Fonte: onibuseiro.blogspot.com

Na capital, obras e intervenções na infraestrutura urbana, principalmente, de

mobilidade são realizadas pelos militares. Apesar dos poucos registros fotográficos podemos

destacar a construção do Terminal Rodoviário Israel Pinheiro, no antigo Mercado Permanente

de Amostras, e do Complexo Viário da Lagoinha.

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32

Figura 16 - Vista do Complexo da Lagoinha, 1984.

Fonte: pancadarianalagoinha.blogspot.com

O progressismo e sua manifestação – os planos diretores – se traduzem nas

prioridades da prefeitura em expandir as formas de acesso ao centro da cidade e a outras

centralidades (como Distrito Industrial de Contagem e Pampulha). A cidade pública é perdida

pra cidade privada, os espaços comuns são transformados em espaços exclusivos e de certa

elite, a exemplo, da edificação dos Correios que deu lugar a Sulacap.

A infraestrutura é demarcada por grandes avenidas, como a Amazonas, Antônio

Carlos, Cristiano Machado e Anel Rodoviário. Além de outros equipamentos como o novo

terminal rodoviário e o Complexo Viário da Lagoinha. Todas estas obras são executadas

como cirurgias urbanas, o bisturi do planejador ignora o cenário ali presente e planeja sobre

ele.

A viabilização dos distritos industriais é um dos principais objetivos dos governos

que pretendem assim dinamizar economicamente as cidades. A cidade em expansão

demográfica demanda a expansão de serviços básicos, como esgotamento e transporte

público. Este é tão precário quanto o primeiro. O modelo continua até final dos anos de 1980,

onde obras de infraestrutura são assim justificadas, possibilitando aberturas de vias,

canalizações de córregos e remoção de aglomerados sub-urbanos mais próximos.

CIDADE (DES)MOBILIZADA

Em termos de política urbana a paralisia destacada por Villaça (2010) também é

observada em Belo Horizonte. A crise econômica que marca a década de 1980 praticamente

impede os políticos de realizarem grandes obras na cidade. Mas a cidade continuou crescendo

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33

na mesma tendência a partir dos novos espaços propícios à ocupação criados pelos militares.

Assim vemos Belo Horizonte em 1994 com o território praticamente todo ocupado sem mais

os “grandes buracos” na mancha urbana. Ao fim, novas demandas surgem com o processo de

redemocratização, não mais tanto pelo esgotamento dos aparelhos – que ainda se mostravam

eficazes – mas pela necessidade de inclusão no debate de algumas questões sociais. Dentre

elas inclui noções como a segregação sócio espacial e o grande diferencial em termos de

aparelhos urbanos para diferentes camadas da população.

Por se tratar de um período intenso de realizações, áreas e temáticas das políticas

públicas urbanas, trataremos especificadamente não dos processos de intervenção urbana da

capital, mas das diretrizes das políticas públicas urbanas do governo municipal.

Diferentemente do contexto nacional, a frente esquerda ganhou espaço na capital

mineira já nas primeiras eleições da década de 1990. Patrus Ananias ganhava as eleições de

1992. A cidade de Belo Horizonte seria administrada pela frente esquerda até 2007, último

ano do mandato de Fernando Pimentel e, ano da eleição de Marcio Lacerda. Neste momento

histórico entre 1993 e 2008, existem características permanentes como a diretriz de inversão

de prioridade e forte mobilização popular, devido a característica do governo eleito. Apesar

disso, esta diretriz alçada a um caminho socialista perde centralidade para estratégias

competitivas de crescimento a partir do último mandato de Pimentel.

Por um lado, as políticas desenvolvidas na cidade a partir da diretriz de inversão

de prioridades, implicaram no reconhecimento da cidade realmente existente, na promoção de

sua regularização fundiária, na promoção de sua urbanização (fornecimento de equipamentos

coletivos), assim como na abertura à participação popular e na tentativa de regular a produção

do espaço citadino. Por outro, tais políticas, características de um planejamento participativo,

includente e democrático também apresentaram um papel contraditório consequente da

própria realidade sobre a qual buscaram atuar, ao se inserirem em um movimento de

valorização das áreas carentes e de especulação imobiliária e, gerarem carência em outras

periferias da cidade. (cf. FRANCO, 2007)

o chamado planejamento includente, participativo, democrático perde sua centralidade para planos e projetos de cunho desenvolvimentista que muitas vezes encontram seus fundamentos no que se convencionou chamar de planejamento estratégico urbano (FRANCO, 2007)

Com o advento de projeto político específico do Governo de Minas para a capital

e sua região metropolitana em 2007 as políticas públicas em Belo Horizonte sofreram

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34

guinadas a um novo paradigma. As forças de atraso à democracia (VILLAÇA, 2010) por

meio do planejamento estratégico urbano (FRANCO, 2008) propuseram um processo

contrário à reação e à inversão de prioridades.

Nesta lógica do planejamento estratégico, as cidades devem competir para atrair

investimentos, negócios, eventos, turistas e mão de obra altamente qualificada que

supostamente promoveriam seu crescimento e desenvolvimento econômico na nova ordem

global. Assim sendo, a cidade se torna mercadoria a ser vendida, produto a ser consumido, a

cidade é submetida a toda sorte de medidas, planos, reformas e requalificações que objetivam

a atração dos usuários que possam pagar pelos bens e serviços diversos a serem ofertados na

cidade e, que possam consumir a cidade: o lugar de consumo e consumo de lugar de

Lefebvre. (FRANCO, 2007)

Uma política pública comum a todas as gestões é o Orçamento Participativo, OP,

por meio desta é possível exemplificar de forma rápida, e superficial, o grau de pertencimento

destes governos e suas diretrizes urbanas entre os conceitos de inversão de prioridades e

planejamento estratégico descritos por Franco. Por si só, o Orçamento Participativo é uma

ferramenta de inversão de prioridades, pois permite acesso por parte da população de classes

trabalhadoras ao processo de tomada de decisão. Porém, é perceptível, nestes últimos anos,

que sua aplicação e conteúdo são moldáveis pela agenda do Executivo Municipal, apesar de

ser regulado por Lei Municipal.

O OP foi uma prática inaugurada em 19993 na gestão do prefeito Patrus Ananias e

se torna uma importante ferramenta de distribuição de recursos para obras na cidade. Desde

então, a ferramenta teve 1.067 obras concluídas e 73 em andamento. Contudo, é nítida a

diminuição de recursos desde seu início. Apesar da diminuição de recursos, quando a PBH

completou 1 mil obras e o OP completou 15 anos o então prefeito, Fernando Pimentel,

“comemorou com muita pompa”. Apesar, o OP tem obras a entregar de projetos aprovados

em 1997. Segundo “levantamento feito pelo Estado de Minas no fim do ano passado, a

prefeitura deixou de investir R$ 216.638.156,39 nas obras prometidas.”2

2 Jornal Estado de Minas. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/11/12/interna_politica,261644/orcamento-participativo-perde-recursos-com-lacerda.shtml

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35

Tabela 4 - Valor aprovado atualizado por OP OP ANO Valor Nominal Valor Reajustado*

OP 1994 R$ 15.000.000,00 R$ 66.300.000,00 OP 1995 R$ 18.000.000,00 R$ 79.560.000,00 OP 1996 R$ 27.000.000,00 R$ 95.310.000,00 OP 1997 R$ 27.000.000,00 R$ 86.508.000,00 OP 1998 R$ 15.974.186,00 R$ 46.325.139,40 OP 1999/2000 R$ 60.208.600,00 R$ 166.233.902,88 OP 2001/2002 R$ 71.500.000,00 R$ 161.733.000,00 OP 2003/2004 R$ 74.650.000,00 R$ 133.160.670,00 OP 2005/2006 R$ 80.000.000,00 R$ 107.056.000,00 OP 2007/2008 R$ 80.000.000,00 R$ 97.880.000,00 OP 2009/2010 R$ 110.000.000,00 R$ 110.000.000,00 OP 2011/2012 R$ 110.000.000,00 R$ 110.000.000,00 Total R$ 689.332.786,00 R$ 1.260.056.712,28 Fonte: PBH, OP Regional.

O atual prefeito, Marcio Lacerda ressaltou que a prefeitura está cumprindo os compromissos de manter e aprofundar o modelo de gestão participativa em Belo Horizonte. “A obrigação principal da prefeitura é respeitar e valorizar os impostos que são recebidos da população e que, posteriormente, serão gastos na cidade”, afirmou.

Em uma rápida análise dessa importante ferramenta é possível identificar as

mudanças das diretrizes das políticas públicas municipais. Temos com Ananias a inauguração

de um período de inversão de prioridades, contínuo com Célio de Castro. Aos poucos se dá a

transformação em um período de planos estratégicos, definidos pelas as políticas de Pimentel

e Lacerda. E sobre a gestão deste último prefeito que se é elaborada, discutida e aprovada a

Operação do Isidoro.

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CAPÍTULO III :: A REGIÃO DO ISIDORO

HISTÓRICO

A análise da Operação Urbana do Isidoro proposta pela Lei Municipal 9.959 de 20

de julho do ano de 2010 suscita a necessidade de revisão do histórico da região do Isidoro, de

forma a abordar sua trajetória desde suas primeiras ocupações.

Responsabilidade administrativa De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, a região do

Isidoro esteve inserida originalmente no perímetro do distrito de Venda Nova, que por sua vez

possuiu a seguinte trajetória de mudanças de responsabilidade administrativa:

Pela lei estadual nº 843, de 07-09-1923, é criado o distrito de Venda Nova ex-povoado, com território desmembrado do distrito sede de Belo Horizonte, acrescido de uma parte do distrito da sede do município de Santa Luzia do Rio das Velhas e anexado ao município de Belo Horizonte. Em divisão administrativa referente ao de I933, o município é constituído de 2 distritos: Belo Horizonte e Venda Nova. Assim permanecendo em divisões territoriais de 31-XII-1936 e 31-XII-1937. Pelo decreto-lei estadual nº. 148, de 17-12-1938, o distrito de Venda Nova, foi transferido de Belo Horizonte para No quadro fixado para vigorar no qüinqüênio 1939-1943, o município é constituído do distrito sede. Pela lei nº 336, de 27-12-1948, o município de Belo Horizonte adquiriu novamente o distrito de Venda Nova município de Santa Luzia. (IBGE, Biblioteca IBGE, 2011) 3

Em resumo, Venda Nova esteve ligada administrativamente, desde sua fundação,

a Sabará, ao Curral D’el Rey, e a Santa Luzia. Em 1923 é elevada de povoado à distrito, mas

somente no ano de 1949 foi incorporada definitivamente a Belo Horizonte, pela Lei Estadual

336, de 27 de dezembro de 1948.

3 IBGE, Biblioteca IBGE. Documentação territorial de Belo Horizonte, Minas Gerais. http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/belohorizonte.pdf

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37

Figura 17 - Mapa de Belo Horizonte, 1922.

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38

Fonte4: IGA /As Minas Gerais apud curraldelrei.blogspot.com

A constante mudança de responsabilidade administrativa pode ter causado

prejuízos ao crescimento e desenvolvimento e à atenção dada pelo poder público às demandas

da população local. Entretanto, é possível afirmar que causou prejuízos ao registro do breve

histórico de ocupação da área em estudo - a região do Isidoro e seu entorno imediato. A

reduzida quantidade e qualidade de informações impossibilita um aprofundamento sobre a

forma de ocupação da área. Contudo, o Banco de Legislações Municipais de Belo Horizonte

possibilita tentar resgatar tal hiato.

Quilombo de Mangueiras5 Na região do Isidoro tem-se como primeira ocupação sabida um assentamento de

escravos: desde a segunda metade do século XIX existem registros da presença do Quilombo

Mangueiras na área.

Segundo relatos do presidente da comunidade quilombola6 em seminário realiza-

do , senhor Maurício, até o início da intensificação da ocupação da Regional Norte, a vida por

lá era mais tranquila, e que, inclusive, na década de 1940 a produção da comunidade abastecia

30% da demanda do Mercado Municipal da capital. Ainda, com a expansão da cidade veio a

pressão pela ocupação do entorno e, também, a diminuição da área de moradia deles, que hoje

se apresentam como “exprimidos entre o Isidoro e o Novo Lajedo”.

4 “De autoria do cartógrafo alemão Afonso de Guaíra Heberle foi confeccionado em 1922 juntamente com outros mapas de diversos municípios mineiros para a exposição comemorativa do centenário da independência do Brasil realizada no Rio de Janeiro. Esse mapa foi um dos primeiros documentos produzidos em que se vê todo o município, seus distritos, rodovias entre outros detalhes, vendo-se inclusive a triangulação realizada pela Comissão Construtora no final do Século XIX e a Zona Urbana que ainda se encontrava parcialmente ocupada além de algumas partes da Zona Suburbana. Outro fato que chama a atenção é o cuidado que se teve em registrar as coordenadas, os dados estatísticos, a legenda bem detalhada e em conformidade com os toques artísticos, como por exemplo, o panorama da capital, registrado na parte inferior do mapa, uma característica herdada dos antigos mapas. Apesar da escala não favorecer uma melhor compreensão e visualização do município esse mapa é sem duvida um dos mais importantes registros que temos disponível daquele período do crescimento urbano de Belo Horizonte.” curraldelrei.blogspot.com 5 Para maiores detalhes ver Relatório Antropológico de Caracterização Histórica, Eco-nômica e Sociocultural do quilombo elaborado em 2008 por uma equipe de antropó-logos da UFMG e que integra o processo de RTID do INCRA, já publicado no DOU. 6 Seminário-aula realizado no final de novembro pelo Colegiado do Curso de Ciências Socioambientais entre representantes do Quilombo de Mangueiras, do bairro Novo Lajedo e da Myr Projetos.

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Elaborado em 2008 por uma equipe de antropólogos da UFMG, o Relatório

Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sociocultural do Quilombo integra o

processo de Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, RTID, do INCRA. A

comunidade, de acordo com Maurício, é composta por 22 famílias, descendentes do casal de

lavradores negros Cassiano e Vivência, distribuídas em 16 casas e atuais dois hectares.

Esse casal, junto com seus 12 filhos, utilizavam estas terras para seu sustento e para a reprodução do seu modo de vida, em uma área de aproximadamente 8 alqueires, cerca de 387 mil metros quadrados. Do território original o grupo hoje vive em cerca de 17 mil metros quadrados, dos quais, cerca de 90% apresentam fortes restrições ambientais devido a forte aclividade da área e das inúmeras nascentes de água.7

O registro pela Fundação Palmares do auto-reconhecimento desta comunidade

quilombola pelo Estado brasileiro ocorreu em dezembro de 2005. Contudo, o processo de

titulação da terra por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA,

não se finalizou. Neste eles demandam o reconhecimento de 17 hectares adicionais.

A área quilombola ainda está ameaçada pela constante pressão imobiliária formal

e informal. Contudo, para os militantes do quilombo o Decreto Municipal 14.055 de 05 de

Agosto de 2010 é uma vitória:

Art. 1º - Fica suspenso qualquer processo de parcelamento do solo e de edificações, bem como a instituição de Reserva Particular Ecológica, no âmbito da Operação Urbana do Isidoro, na área em processo de reconhecimento e demarcação, conforme Relatório Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sócio-Cultural do Quilombo de Mangueiras, de agosto de 2008, constante do respectivo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTDI, elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, até que seja publicada Portaria do referido órgão, em conformidade com o art. 17 da Instrução Normativa INCRA/Nº 57, de 20 de outubro de 2009, estabelecendo os limites do território do Quilombo de Mangueiras.

Hugo Furquim Werneck A história de Hugo Furquim Werneck é famosa no município e deve ser abordada

pela importância deste na segunda forma de ocupação da atual região do Isidoro, o Sanatório

Modelo.

O médico, muito atuante nas áreas de saúde pública de Belo Horizonte,

principalmente ginecologia, sua especialização, foi um dos fundadores da Escola de Medicina

de Minas Gerais (hoje Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais), da

7Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais – NuQ/UFMG, disponí-vel em: http://www.abant.org.br/conteudo/002PRINCIPAL/Nota_sobre_Mangueiras.pdf

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40

Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, além dos hospitais Madre Tereza e São Lucas.

Após experiência nestes hospitais e na administração de seu sanatório, o médico foi

convidado a “participar da fundação e tornar-se o primeiro presidente do Banco da Lavoura”8

atual Banco Real ABN AMRO. Após seu falecimento em 1935, a família Werneck se

desligou do então Banco da Lavoura. Hugo Werneck também atuou nas esferas institucionais

do poder público, membro atuante do Partido Republicano Mineiro aventurou-se como

presidente do Conselho Deliberativo Municipal (casa legislativa municipal) entre os anos de

1920 e 1930. Mineiro de grande influência e contatos diretos com Governadores do Estado de

Minas Gerais, Hugo Werneck faleceu vítima de pneumonia em 1935 pouco antes de tomar

posse como Deputado Estadual Constituinte.

Em 1967, a partir do Decreto 1.575 de 28 de Novembro, a Família de Hugo

Furquim Werneck é reconhecida pelo município com o diploma da Ordem dos Pioneiros,

“condecoração conferida aos moradores e entidades da Capital que, desde sua fundação,

contribuíram para seu desenvolvimento”.

Sanatório e Granja A segunda forma de ocupação foi proporcionada pelas intenções e ações do

médico Hugo Furquim Werneck. Em outubro de 1914, o médico e seu companheiro de

profissão receberam em doação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio do De-

creto Municpal 82 de 24 de outubro de 1914 e autorizada pelo Conselho Deliberativo, uma

área comparativamente bem maior que o perímetro urbano planejado contido pela Avenida do

Contorno da recém-fundada capital.

Art. 1º - Fica o Prefeito de Bello Horizonte auctorizado a conceder aos drs. Hugo Werneck e Samuel Libanio, ou á empresa por elles organizada, na zona suburbana ou rural, uma área de terreno sufficiente para installação de um Sanatorio Modelo.

A justificativa para tal doação foi à época, e é ainda hoje, o histórico de problemas

do próprio médico Werneck com a tuberculose e sua gratidão com os bons ares do então Bello

Horizonte, somados ao interesse do mesmo em instalar um sanatório modelo para tratamento

da tuberculose. No terreno da zona rural doado pela Prefeitura por meio da Lei Municipal

0082 de 1914 deveria ser instalado um sanatório dedicado aos cuidados do mal da tuberculose

8.Observatório da Imprensa. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ news/view/memorias_de_belo_horizonte_e_seus_personagens

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41

sob a tutela deste médico. Contudo, não foram identificados e encontrados os termos de

doação do terreno. Estes deveriam incluir, por exemplo, detalhes do terreno doado como

perímetro e localização.

Somente em 1926 ocorreu a inauguração do Sanatório Werneck (BELO HORI-

ZONTE, 2011). Nos anos logo a seguir é fundada a Granja Hugo Werneck S/A, empresa

privada que se apoiava sobre produção de itens rurais visando manter as despesas do

Sanatório Werneck. A esta empresa caberia a propriedade do terreno de entre 300 e 600

hectares, de acordo com variadas fontes, ao norte de Belo Horizonte.

Figura 18 – Sanatório Modelo, 1925-30.

Fonte: Arquivo Público Mineiro

A partir de escrituras de posse, e apesar da fundação nas décadas de 1920 e 1930

do Sanatório e da Granja, o primeiro registro em cartórios que se tem de ambas as

propriedades é entre os anos de 1935 e 1936. Nestes há indicações de registros anteriores,

apesar disso, não localizáveis. Com a morte de Hugo Werneck ao final de 1935, e a partilha

de seus espólios logo em seguida, é dividida entre seus herdeiros a posse do Sanatório e da

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Granja. A primeira é tomada por sua filha Dora Eiras Furquim Werneck, a segunda pelos

filhos maiores Roberto, Jorge, Jayme e Samuel Werneck.

Ao final da década de 1970 ocorre uma mudança na legislação nacional sobre os

cuidados públicos e privados do mal da tuberculose, em consequência, todos os sanatórios

brasileiros deveriam ser fechados, terminando com a ‘era dos sanatórios’ inaugurando a ‘dos

fármacos’. Assim, foi possível à Fundação Obras Sociais da Paróquia da Boa Viagem, com

auxílio da Prefeitura de Belo Horizonte (Lei Municipal 3.106 de 1979), comprar o edifício do

Sanatório Werneck e inaugurar o Recanto Nossa Senhora da Boa Viagem, uma espécie de

casa de idosos, que atualmente vivem 75 idosos. Permanecia ainda a propriedade do terreno

da Fazenda Granja Werneck com a família Werneck.

Figura 19 – Comentário de Ana Maria Oliveira reproduzido por Hélio Gravatá.

Fonte: Documentos Plataforma Hélio Gravatá, Arquivo Público Mineiro.

Apesar da ausência dos Termos de Doação neste levantamento, a Lei Municipal

0082 de 1914 antecede e define a função e finalidade da doação do município a Hugo

Werneck: terreno de tamanho suficiente para instalação de um sanatório para tratamento de

tuberculosos. Sendo assim, ao separar a propriedade em duas e ao vender o Sanatório, tem-se

o desvio de finalidade, ou seja, desrespeita-se a finalidade primeira e ocorre o desvinculo da

doação. É importante ressaltar que não foram localizadas leis municipais contemporâneas à

venda que regularizassem esta situação.

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Já na década de 1990, após a redemocratização, a Prefeitura de Belo Horizonte

promulgou a Lei 6370 de 12 de Agosto de 1993. Esta lei teria a finalidade de limpar a

legislação municipal sem, entretanto, que houvesse “prejuízo dos efeitos”. Dessa forma, foi

revogada a lei 0082 de 1914, todavia permaneceu a doação do terreno e sua finalidade

inalterados conforme texto original.

Pedreira Em 1950 é iniciada atividades de uma pedreira às margens do Ribeirão do Isidoro.

Contudo, não foi possível localizar informações adicionais sobre esta forma de ocupação.

Figura 20 – Vista aérea da Pedreira a oeste do Sanatório, 2010.

Fonte: Google Maps.

Entorno imediato Enquanto nas porções mais ao sul da atual Região Administrativa Norte de Belo

Horizonte tem-se ocupação a partir da década de 1940, ainda sob o domínio da prefeitura de

Santa Luzia, observa-se a intensificação da ocupação das áreas ao sul da região do Isidoro a

partir da segunda metade da década de 1970. Segue abaixo breve histórico de ocupação e

origem de cada bairro, segundo informações da PBH (BELO HORIZONTE, 2011), e ainda

listagem dos decretos municipais belo-horizontinos referentes à aprovação de loteamentos.

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Na figura abaixo tem-se a vista aérea da Região do Isidoro, nesta foram

demarcadas áreas referentes aos bairros e demais formas de ocupação na região: (i) perímetros

pretos: loteamentos regularizados; (ii) perímetros vermelhos: invasões. – a oeste o Tupi-

Mirante, a leste o Novo Lajedo; (iii) ferramenta: pedreira; (iv) casa norte: Sanatório/Recanto;

(v) casa sul: Quilombo de Mangueira.

Figura 21 – Vista aérea da Região do Isidoro e entorno, 2010.

Fonte: Elaboração própria.

O primeiro bairro teve sua origem com a subdivisão do terreno denominado Terra

Vermelha e a criação da Vila Califórnia em 1950. Mas somente em 1981 o bairro de atual

nome Jaqueline teve seu loteamento aprovado por decreto executivo de Belo Horizonte.

Decreto 3939 de 31 de Março de 1981 Decreto 5021 de 4 de Julho de 1985 Decreto 5926 de 3 de Maio de 1988 Decreto 9011 de 26 de Novembro de 1996 Decreto 9751 de 9 de Novembro de 1998 Decreto 10483 de 9 de Fevereiro de 2001

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O bairro Solimões foi aprovado na segunda metade dos anos 1970, contudo sua

ocupação se iniciou na década de 1980. Podemos considerar este bairro o primeiro

desmembramento do terreno do Isidoro, pois o loteamento das Chácaras São Gabriel foi

proposto e realizado pela Granja Werneck S/A.

Decreto 3095 de 28 de Julho de 1977 Decreto 12349 de 19 de Abril de 2006

O bairro Jardim Guanabara foi aprovado no fim dos anos 1970, seguindo o

mesmo padrão de regulação após ocupação. Contudo, o povoamento local se intensificou nas

décadas seguintes.

Decreto 3236 de 25 de Abril de 1978 Decreto 6622 de 22 de Agosto de 1990 Decreto 12144 de 24 de Agosto de 2005 Decreto 12193 de 20 de Outubro de 2005

Parte inicial do bairro teve origem em Santa Luzia, quando a área era

administrada por esse município, a partir da subdivisão de um terreno no chamado Arraial do

Onça. Este bairro é o que apresenta maior expansão dentre os relacionados, tendo em vista a

quantidade e o teor dos decretos e suas subdivisões populares, como Tupi-A, Tupi-B, Novo

Tupi e Tupi Mirante. Este último bairro invadiu áreas de proteção ambiental, porém, foi

regularizado nos últimos anos.

Decreto 3527 de 9 de Julho de 1979 Decreto 4649 de 22 de Fevereiro de 1984 Decreto 5220 de 18 de Dezembro de 1985 Decreto 5926 de 3 de Maio de 1988 Decreto 6581 de 9 de Julho de 1990 Decreto 7122 de 31 de Janeiro de 1992 Decreto 8305 de 23 de Maio de 1995 Decreto 12144 de 24 de Agosto de 2005 Decreto 12193 de 20 de Outubro de 2005 Lei 9.959 de 21 de Julho de 2010

Conhecido também como Monte Azul, o loteamento do bairro Industrial

Rodrigues da Cunha foi proposto pela Associação Comunitária Pró-Melhoramento do Bairro

no ano de 1982, contudo sua ocupação se dá antes da regularização do loteamento.

Decreto 4235 de 12 de Maio de 1982

O bairro Jardim Felicidade tem origem no loteamento da Fazenda Tamboril, que

foi desapropriada no ano de 1986 pelo Decreto 5444 para “permitir à Municipalidade a

execução de plano de urbanização, mediante projeto de loteamento, para a melhor utilização

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econômica e higiênica da indicada área de terreno.” Contudo, apesar da urgência definida pelo

artigo terceiro do decreto, somente em 2005 foi aprovado o loteamento para ocupação do

terreno.

Decreto 5444 de 15 de Setembro de 1986 Decreto 12144 de 24 de Agosto de 2005 Decreto 12193 de 20 de Outubro de 2005 Decreto 12349 de 19 de Abril de 2006

O bairro Ribeiro de Abreu fora ocupado nos anos de 1960 por loteamento irregu-

lar e nos anos de 1970 com a construção do Conjunto Habitacional homônimo. O bairro já é

reconhecido ao ser citado pela prefeitura a partir de 1981 em inúmeros decretos, leis e

convênios. Contudo, e aparentemente, somente foi regularizado no ano de 1988.

Decreto 5926 de 3 de Maio de 1988 Decreto 7128 de 31 de Janeiro de 1992 Decreto 7676 de 27 de Agosto de 1993 Decreto 8546 de 12 de Janeiro de 1996 Decreto 8935 de 1 de Outubro de 1996

A partir de loteamento da Granja Canta Galo, e ainda parte do bairro Juliana, o

bairro Marize tem suas primeiras ocupações no final da década de 1980.

Decreto 5926 de 3 de Maio de 1988 Decreto 7131 de 31 de Janeiro de 1992

Segundo informações da PBH (BELO HORIZONTE, 2011), os primeiros lotes do

bairro Etelvina Carneiro foram aprovados em 1981. Contudo não há informações jurídicas

que comprovem tal loteamento. De fato, as primeiras ocupações ocorrem a partir de meados

da década de 1990, após regulação de novos loteamentos.

Decreto 8318 de 30 de Maio de 1995

O bairro surge a partir do parcelamento das Chácaras Frei Leopoldo e sua

regularização ao final da década de 1980.

Decreto 5926 de 3 de Maio de 1988 Decreto 6137 de 11 de Novembro de 1988 Decreto 7149 de 21 de Fevereiro de 1992 Decreto 7150 de 21 de Fevereiro de 1992

Porém, em relação à expansão de manchas urbanas é possível identificar por

imagens de satélite apenas um forte vetor, entre 2004 e 2006, a partir do Quilombo de

Mangueiras sentido bairro Tupi e MG-020, formando o bairro Novo Lajedo. Segundo o líder

comunitário dos moradores, senhor Jorge, o terreno pertenceria à Cooperativa Habitacional

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Metropolitana, COHABITA9, para fins de parcelamento e habitação de seus associados.

Porém, segundo Jorge, as famílias não detinham condições de pagar as definidas cotas da

cooperativa, assim, foi decidido pela invasão. Por se tratar de invasão e de acordo com

determinação do Ministério Público, os moradores não podem ter acesso a serviços básicos de

concessionárias públicas, como a Companhia de Saneamento de Minas Gerais, COPASA-

MG, e a Companhia Energética de Minas Gerais, CEMIG.

Observa-se que, em sua maioria, tem-se bairros de classe trabalhadora de

ocupações orquestradas pelo poder privado durante as décadas de 1970 e 1980 e loteamento

aprovado pelo poder público municipal nos anos a seguir, principalmente a pós o Decreto

5926 de 3 de Maio de 1988. Este criou o Programa Municipal de Regularização e

Urbanização dos Loteamentos Existentes de Fato (Clandestinos) – PROBAIRRO – e pode ser

entendido como uma forma de anistia a ocupações clandestinas que revisaria as plantas e

parcelamentos dos solos em diversos bairros da capital, inclusive em cinco dos dez bairros

tratados nesse tópico.

É importante destacar alguns pontos. Houve no entorno imediato desapropriação

de terreno particular para implantação de loteamento habitacional popular (Jardim

Felicidade). As últimas regularizações de loteamento se dão em 2006 (Solimões e Jardim

Felicidade) e em 2010 (Tupi-Mirante). O bairro Solimões tem loteamento proposto pela

Granja Werneck S/A com desmembramento de parte de sua propriedade. E, finalmente, a

ocupação irregular do bairro Novo Lajedo, esta invasão se deu a partir de 2005.

9 “O único empreendimento voltado para as famílias de 0 a 3 salários mínimos está situado no bairro Jardim Vitória que é um terreno que envolve grandes discussões tendo em vista que boa parte das futuras unidades habitacionais serão concedidas para a Cooperativa Habitacional Metropolitana (Cohabita) desde que apresentem a documentação necessária para comprovar o número de cooperados que pagaram pelo lotes, que não participam de nenhum programa da PBH e principalmente comprovem que só não estão morando mais em Belo Horizonte por falta de condições financeiras. A Cooperativa ? chegou a reunir cerca de mil famílias que participavam em Belo Horizonte de movimentos pró-moradia nos anos 1990. O objetivo e o sonho de todos eram de ter a casa própria. As famílias, muito humildes, se juntaram e ganharam força para comprar glebas, o equivalente a cerca de 500 pequenos lotes, no Bairro Jardim Vitória, na Região Nordeste, na divisa com Sabará. Para comprar o terreno, há 10 anos, assumiram uma dívida de R$ 1,7 milhão. Os cooperados pagaram, naquela época, R$ 75 pela cota e prestações de R$ 85. No fim da década de 90, apresentaram projeto para o Orçamento Participativo (OP) da Prefeitura de BH e que na época chegou a R$ 1,5 milhão em urbanização.” (SOUSA, no prelo)

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Invasões do perímetro Observa-se, desde 2002, o adensamento populacional no entorno da região do

Isidoro e, nos últimos anos, é intensificada a ocupação. É identificável expansões à margem

do Ribeirão do Isidoro, com supressão de mata ciliar; adensamento do bairro Tupi-Mirante,

regularizado com a atualização da LPUOS (9.959/2010); expansão de galpão situado entre o

Ribeirão e a Estrada para o Sanatório.

A área se encontra antropizada e degradada em seus meios biótico e físico, como

destaca diversos relatos tanto de moradores do entorno quanto dos herdeiros Werneck. É

interessante ressaltar que desde a posse do terreno por Hugo Werneck em 1914 houve apenas

um desmembramento do terreno, no caso das Chácaras São Gabriel empreendido pela Granja

Werneck S/A.

Operação Urbana de 2000 O capítulo V da Lei Municipal 8.137, de 21 de dezembro de 2000, institui a

Operação Urbana do Isidoro. E, apesar do caput do Art. 114, a aprovação da Operação Urbana

já não estava em conformidade com o Plano Diretor e seu Art. 65 § 1º, pois, de acordo com

este, a Operação Urbana devria ser aprovada em lei específica.

Como descrito por Daniela Abritta Cota (2010), a Operação Urbana foi uma

tentativa do poder público de promover a ocupação ordenada da região visando associar o

desejo dos proprietários por um “produto imobiliário” ao interesse público, que visava garan-

tir “infraestrutura necessária ao seu desenvolvimento econômico, ambiental e urbano”

(2010:306) de forma sustentável. Ou seja, para os proprietários um produto rentável e para o

público uma ocupação diferente daquela encontrada no entorno (irregular e de classe baixa).

Foram concedidos aos proprietários parâmetros urbanísticos mais permissivos em troca de

implantação de parques municipais e de trecho de via regional (Via 540). Porém a lei tinha

validade de seis anos e veio a caducar. Segundo Cota (2010), somente um dos proprietários da

área se interessou pela proposta, os demais não foram atraídos pelos novos parâmetros

definidos pela Operação Urbana:

observa-se que a conjugação desses parâmetros induz a uma forma de ocupação mais elitizada (grandes lotes com edificações verticalizadas, com unidades variando de 60m² a 110m² [...] e grandes áreas ajardinadas). Considerando o entorno ocupado por uma população de baixa renda e a inexistência de características ou equipamentos capazes de conferir uma atratividade à área que justificasse o investimento do capital imobiliário voltado para o segmento de média renda, a operação urbana acabou não se viabilizando (2010, 306)

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São destacados alguns pontos: os grandes lotes de 1000m², um coeficiente de

aproveitamento de 1 a 1,5, taxa de ocupação máxima de 50% e taxa de permeabilidade de

30% e quota de terreno por unidade habitacional entre 60m² e 90m².Cota ainda ressalta que

embora previsto, a Operação Urbana do Isidoro não foi debatida no Conselho Municipal de

Política Urbana.

Vetor Norte A partir de 2007, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas

Gerais, SEPLAG, deu prioridade de investimentos na RMBH ao vetor de expansão norte.10

Sendo coordenado pelo Governo do Estado de Minas Gerais, os planos de alocação espacial

de atividades econômicas dentro deste espaço metropolitano foram ancorados por importantes

empreendimentos estatais que acabaram por funcionar como catalisadores de um processo de

transformações do eixo norte, favorecendo o desenvolvimento de uma nova centralidade e

alteração de um processo contínuo de periferização deste vetor.

São identificáveis os seguintes empreendimentos âncoras: Linha Verde,

Duplicação da Av. Antônio Carlos, Duplicação da MG-020 (Santa Luzia), Via 540 (Isidoro),

Ligação Venda Nova/Neves/BR-040, Requalificação do Anel Rodoviário, Rodoanel de

Contorno Norte, MG – 424 (Pedro Leopoldo), Contorno Norte do Aeroporto Internacional,

Centro Administrativo de Minas Gerais, Estação Vilarinho, ParqueTecnológico – BHTEC,

Distrito Industrial de Venda Nova, Aeroporto Industrial, Pólo Industrial de Microeletrônica,

Preconpark, Porto do Rio Golfe Village Resort, Catedral Metropolitana. Destes 18 empreen-

dimentos, a maioria é investimento público, sendo quatro já concluídos (grifos).

A iniciativa do Governo de Minas transformou os interesses do capital

imobiliário, sendo um dos fatores que contribui para a pressão deste influente setor sobre a

região do Isidoro.

10 Decreto Estadual nº 44.500/2007, Art. 3º, § 1º

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Figura 22 – Dinâmica imobiliária metropolitana diagnosticada pelo PDDI-RMBH, 2011

Fonte: PDDI-RMBH, 2010.

OPERAÇÃO URBANA DE 2010

A análise da Operação do Isidoro deverá ser feita à luz do Plano Direto Municipal

(Lei 7.165/1996) prévio às modificações provenientes da Lei nº 9.959 de 2010 tendo em vista

que sua elaboração é durante o vigor da primeira.

Elaboração no Executivo Não são disponibilizados ao cidadão dados sobre a elaboração da Operação

Urbana, nem mesmo depois de pedidos à diversas secretarias e gerências pertinentes ao

assunto. Assim não é possível registrar e analisar o processo de elaboração da Operação

Isidoro até sua apresentação à comunidade e à Câmara Municipal.

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Apresentação à Comunidade Apresentado pela Prefeitura no dia 17 de março de 2010 o “planejamento visa

promover a proteção e recuperação ambiental de uma as últimas áreas da cidade que ainda

não foram parceladas” (BELO HORIZONTE, 2010a)

Esse é um projeto muito equilibrado em relação ao futuro. Foi construído, entre outras diretrizes, com base no crescimento vegetativo da população de Belo Horizonte para os próximos 10 anos, que, em tese, poderia ser todo deslocado para uma área como essa, ainda não ocupada. É um privilégio poder ter essa possibilidade, devido à dificuldade que nós temos hoje de ordenar o crescimento da cidade: uma nova área, planejada e com acesso fácil aos grandes corredores de transporte e também com boa qualidade de vida (Marcio Lacerda ibid)

Figura 23 – Mapa das macrozonas propostas na Operação Urbana do Isidoro.

Fonte: Apresentação PBH

No mês seguinte foi apresentado em audiência pública na Câmara Municipal de

Belo Horizonte o esboço da proposta. Como objetivo geral a “promoção da proteção e

recuperação ambiental da região do Isidoro, por meio de processo de ocupação ordenado e

sustentável e preservação de áreas de grande relevância ambiental” a proposta da prefeitura se

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resume a três macrozonas de ocupação definidas em ‘áreas de proteção’ de três diferentes

graus:

Grau 1 - proteção máxima onde a ocupação seria proibida, cobrindo cerca de 40%

da área do Isidoro. Grau 2 - proteção elevada onde ocupação, adensamento e

impermeabilização seria restrito, abrangendo cerca de 30% da área. Grau 3 - proteção

moderada onde os parâmetros seriam menos restritos, cobrindo cerca de 20% da área.

Tal proposta estaria, segundo a PBH, em consonância com Áreas de Interesse

Histórico e Cultural (Sanatório/Pedreira e Quilombo de Mangueiras), e com Áreas de

Interesse Ambiental definidas conformidades com deliberações da III Conferência de Política

Urbana de 200911. Os parâmetros de ocupação modificariam o zoneamento definido pela

LPUOS original (7.166/1996).

Tabela 5 – Parâmetros urbnísticos anteriores à operação e propostos pela PBH PARÂMETROS ANTERIOR12 PROPOSTA

ZP2 G2 G3 CA13 1 1 ou 1,2 (TDC14 G1) 1 ou 1,5 (TDC G1) Quota15 1000 150 45 TO16 0,5 0,3 0,5 Taxa de permeabili- 30% 50% 30%

11 Sobre a III Conferência Municipal de Política Urbana. As informações disponibilizadas pela PBH em seu portal eletrônico tratam somente da criação de Área de Diretrizes Especiais de Interesse Ambiental na área da Bacia do Isidoro. “A ADE de Interesse Ambiental do Isidoro abrange toda a área de proteção ambiental definida pelos estudos de elaboração do Plano Diretor da Região Norte”. Contudo, não são apresentadas no portal da PBH documentos, que segundo a própria Prefeitura, teriam embasado e inspirado a elaboração da operação urbana em estudo. Em contato direto com secretarias municipais e o próprio Conselho de Políticas Públicas, não foram repassadas informações sobre a Conferência em questão ou, ainda, sobre o Plano Diretor da Região Administrativa Norte. 12 ZPAM, proibida ocupação. ZP-1, necessidade de aprovação no COMAM. 13 O coeficiente de aproveitamento (CA) é o número que, multiplicado pela área do lote, indica a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser construídos em um lote, somando-se as áreas de todos os pavimentos. 14 A transferência do direito de construir (TDC) é a alienação ou transferência de po-tencial construtivo para outra propriedade urbana em caso de limites do CA potencial de regulação urbana geral e permitido em regulação urbana específica. 15 A quota de terreno por unidade habitacional (Quota) é o instrumento que controla o nível de adensamento nas edificações destinadas ao uso residencial ou na parte residencial das de uso misto. Calcula o número máximo de unidades a se construir. 16 A taxa de ocupação (TO) é a relação percentual entre a projeção horizontal da edificação e a área do terreno, ou seja, ela representa a porcentagem do terreno sobre o qual há edificação.

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dade Lote mínimo 1000 m² 5000 m² 2000 m² Fonte: Apresentação PBH

Figura 24 – Zoneamento anterior à Operação Urbana (1996)

Fonte: Apresentação PBH

As estimativas iniciais dessa mudança eram que era a transformação dessas

ferramentas urbanísticas permitissem o aumento do potencial construtivo da região, de 5

milhões para mais de 11 milhões de metros quadrados; o aumento do número de unidades

habitacionais possíveis de serem construídas, 16 mil para 68 mil; e aumento da área

permeável, de cerca de 4 milhões (45%) para cerca de 6 milhões de metros quadrados (65%).

Dos cerca de 9,5 milhões de metros quadrados, aproximadamente 4 milhões (localizados na

Macrozona G1) seriam parques e reservas particulares.

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Quadro 2 – Infraestrutura planejada para a operação Item Descrição Custo VIA 540 (MG-20 a Cristia-no Machado)

6,7 km, com largura média de 45m, incluindo desapropriações

R$ 421 milhões

VIA 038 (Norte-Sul)

6,5 km, com largura de 18m, incluindo desapropriações

R$ 152 milhões

Parques Públicos 2.800km², incluindo desapropriação e infra-estrutura

R$ 182 milhões

14 Centros de Saúde; 16 UMEIs; 21 Escolas de Ensino Fundamental; 08 Escolas de Ensino Médio; 02 Centros Profissionalizantes; 01 Terminal de Integração de Transpor-te; 17 terminais de embarque e desembar-que de ônibus; 01 Sede de Administração Regional; 02 auditórios/culturais.

R$ 315 milhões

Total de investimentos R$ 1,07bilhões Fonte: Apresentação PBH

Foram previstos também pela Prefeitura, além dos parques, outros inúmeros

equipamentos públicos que atendessem aos impactos previstos dos potenciais 250 mil novos

habitantes da área ocupada.

Por fim, a proposta incluía a instituição de operação urbana. Esta previa que, em

contrapartida do uso das concessões urbanísticas mais permissivas, todos os equipamentos de

infraestrutura previstos deveriam ser executados ou com recursos financeiros ou com

realização da obra, por parte dos beneficiários privados

Dessa forma, a Prefeitura inclui a Operação do Isidoro como parte da Emenda nº

97 de sua autoria no Projeto de Lei 820/200917, também de sua autoria. Prontamente se

observa que a operação é proposta ao Legislativo Municipal como parte de lei que altera o

Plano Diretor e LPUOS e não em lei específica, descumprindo definições dadas pelo Estatuto

17 “De autoria do Executivo, o Projeto de Lei nº 820/09, que Altera a Lei n° 7.165, de 27 de agosto de 1996, a Lei n° 7.166, de 27 de agosto de 1996, estabelece normas e condições para a urbanização e a regularização fundiária da Zona de Especial Interesse Social - ZEIS, dispõe sobre parcelamento, ocupação e uso do solo nas Áreas de Especial Interesse Social - AEIS, e do outras pro vidências.”

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55

da Cidade e pelo próprio Plano Diretor do município. E assim permanece, apesar de algumas

manifestações de poucos vereadores, até sua aprovação em plenário em julho de 2010.

Em 19 de março de 2010, dois dias depois da publicização da intenção da PBH

em realizar Operação Urbana no Isidoro, o Conselho Municipal de Política Urbana convocou

reunião extraordinária cuja pauta incluía “estudos iniciais do Plano Urbano Ambiental da Re-

gião do Isidoro” (BELO HORIZONTE, 2010b).

Discussão no Legislativo18 A Emenda nº 97 ao PL 820/2009 que se refere à propostas de Operações Urbanas

na capital, incluída a do Isidoro, foi proposta pela Prefeitura de Belo Horizonte momentos

antes da votação em primeiro turno do respectivo projeto de lei. E, em primeiro turno conjun-

tamente com o PL, foi aprovada na Câmara no dia 12 de abril de 2010 com apenas um voto

contra (vereador Iran Barbosa). Dias após essa aprovação, em 19 de abril, a primeira audiên-

cia pública se realizou a pedido da Comissão de Meio Ambiente e Política Pública da Câmara

Municipal (BELO HORIZONTE, 2010c).

‘A área do Isidoro está ameaçada de ser ocupada de forma irregular. A ocupação nas bordas da área verde não está regular e se não atuarmos poderá haver uma ocupação desenfreada’, explicou a consultora técnica especializada da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas, Maria Fernandes Caldas. (ibd).

Nesta primeira audiência, o projeto recebeu criticas dos representantes da

sociedade civil presentes, como a do coordenador geral do Projeto Manuelzão da

Universidade Federal de Minas Gerais, Marcus Vinícius Polignano: “o projeto é bom, mas

não podemos nos furtar ao debate”. Segundo ele as comunidades locais não teriam sido

ouvidas, bem como os comitês de bacias hidrográficas na região, e concluiu que “não dá para

votar um projeto desse porte a toque de caixa”. Em sintonia com o professor, o assessor do

Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de Minas Gerais, CREA-MG, elogiou a

proposta mas demandou maior tempo de discussão.

A Operação foi criticada pelo vereador Iran Barbosa: “a mata do Isidoro não é só

a última área a ser planejada em Belo Horizonte. É nossa maior área de preservação. Todos os

nossos parques [municipais] juntos não ocupam 85% da área do Isidoro”. O vereador ainda

18 Acompanhamento do tramite foi realizado a partir das notícias publicadas no Diário Oficial do Município, DOM, e acompanhamento da PL no .

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questionou a apresentação, horas antes da votação do PL 820 em primeiro turno, da Emenda

nº 97. Questionou também a ausência de estudos de impactos ambientais e de vizinhança.

O artigo 67 do Plano Diretor Municipal não é prevê a necessidade de estudos de

impactos ambientais e de vizinhança em uma Operação Urbana. Entretanto, baseando a

análise no Estatuto da Cidade e em sua seção X, há a necessidade de estudo de impacto de

vizinhança. Dessa forma, a proposta de Operação Urbana apresentada pela Prefeitura deveria

conter esse estudo, como demandado em audiência.

Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo: (...) V – estudo prévio de impacto de vizinhança (BRASIL, 2000)

Em resposta à indagação do vereador Barbosa, o vereador Paulo Lamac, líder do

Executivo na Câmara, afirmou que a Operação não definia a ocupação imediata e que seria

“apenas uma diretriz”, sendo desnecessária a apresentação de impactos:

É preciso que retomemos a boa prática de fazer planejamento urbano. Se não planejarmos, nossa omissão vai favorecer a ocupação desenfreada da área verde da região do Isidoro e aquela região não pode continuar sendo objeto de ocupação indevida. É preciso que tenhamos coragem de nos debruçar sobre este projeto. (BE-LO HORIZONTE, 2010c).

Definida como “o conjunto integrado de intervenções, com prazo determinado (...)

objetivando viabilizar projetos urbanísticos especiais em áreas previamente delimitadas”, pelo

artigo 65 do Plano Diretor, o instrumento não seria uma simples diretriz de ocupação, mas

sim, a definição e fiscalização dos moldes de implantação dessa ocupação. A operação

compreende assim intervenções coordenadas pela Prefeitura cujos objetivos devem ser o de

efetivar projetos e planos (como demandado pelo artigo 67 da mesma lei) de caráter

urbanísticos.

Na sessão de continuidade da audiência pública, no dia 22 de abril, o debate foi

retomado com a fala de um dos coordenadores do Projeto Manuelzão da UFMG. Este

questionou a verticalização da área e o consequente aumento da densidade demográfica. O

professor ainda ressaltou os impactos ao transporte público e às áreas verdes a serem

ocupadas.

O ouvidor Eduardo Tavares afirmou sua preocupação com as áreas verdes , pois,

segundo ele, “as cidades europeias, além de serem centrais, são magníficas. (...) [em Belo

Horizonte] é necessário preservar mais.” Ainda, ressaltou a questão do esgoto.

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Em seguida, os vereadores Fred Costa e Iran Barbosa questionaram o benefício de

isenção de pagamento do IPTU por cerca de 10 anos dados aos investidores. Foram criticados

os maiores coeficientes de UTDC, em conjunto com o vereador Arnaldo Godoy, que ainda

propôs que toda UTDC gerada na operação só pudesse ser absorvida na região.

O Vereador Fred Costa afirmou que o desenvolvimento sustentável na região

resolveria os problemas pela ocupação em si. Já o vereador Barbosa ressaltou preocupação

com o “impacto funcional” da Operação, tendo em vista, por exemplo, impactos de médio e

longo prazo na estrutura viária.

A preocupação com a ocupação desordenada foi ressaltada pela vereadora Maria

Lúcia Scarpelli: “tudo será invadido (...) temos que estudar e dialogar o assunto bastante.”

Josué Valadão, secretário Municipal de Governo, afirmou que o PL em questão foi muito

dialogado e que a “preocupação do governo é garantir 65% de áreas verdes na cidade”.

A consultora técnica especializada da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas,

Maria Fernandes Caldas, explicou que as isenções são formas de incentivo até que o imóvel

seja construído, e que o acesso será feito pelas vias já previstas no plano. Caldas, em relação

em relação às comunidades locais, afirmou que a Prefeitura se reuniu com o INCRA e com

representantes locais, “se quiserem usufruir dos benefícios da área, eles poderão”.

Em audiência pública no dia 26 (BELO HORIZONTE, 2010d) de abril foi

discutido a presença do Quilombo de Palmeiras. Segundo Caldas haveria possibilidade do

quilombo se tornar uma Área de Diretrizes Especiais, ADE. Sobre outros assuntos, Caldas

apontou o Fundo Municipal da Operação Urbana, em qual, “cada empreendedor depositará 11

mil reais por lote construído. [...] Este recurso será utilizado para a construção dos

equipamentos públicos”, reforçando que os equipamentos públicos necessários serão

financiados pelos empreendedores privados.

Sobre a destinação de imóveis para a Política Habitacional Municipal, a vereadora

Neusinha Santos ressaltou “Não houve uma pesquisa sobre o déficit habitacional em Belo

Horizonte para se prever a construção dessas quase 70 mil moradias”. O senhor José Egídio,

militante de movimento popular, declarou que reservar 10% dos imóveis para moradias para

pessoas de baixa renda era pouco, e sugeriu o valor de 30%.

O vereador Iran Barbosa criticou novamente a pressa em se votar a PL 820, “se

não fosse os quase três mil requerimentos e centenas de emendas que apresentei não

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estaríamos aqui discutindo este projeto, pois ele já estaria aprovado”, não tendo a Câmara

tempo para discussão positiva, inclusive por se tratar de parte de projeto de lei. Barbosa ainda

apontou a irregularidade no respeito ao Regimento Interno da Casa, para que assim o PL

820/2009 fosse apreciado e votado em menor tempo.

Já no dia 20 de maio, menos de um mês depois da apresentação da Emenda nº 97

na CMBH, o DOM publicou notícia da aprovação em segundo turno do PL 820/2009. Em 20

de julho do mesmo ano, esta foi sancionada pelo prefeito Marcio Lacerda, dando origem a Lei

nº 9.959/2010.

Dentre os principais atores presentes neste processo foi possível identificar o

Executivo (corpo técnico e político), o Legislativo (vereadores) e, parcialmente, a sociedade

civil organizada. Esta última composta quase que exclusivamente por acadêmicos, já que não

foram reconhecidas a presença ou a representação de líderes comunitários nessa deliberação.

Por sua vez estes podem ser divididos em dois grupos, (i) os que defendem o projeto e (ii) os

que questionam o projeto. No primeiro grupo, os corpos técnico e político da Prefeitura, bem

como a maioria significativa dos vereadores da Câmara. Neste defendeu-se a Operação

Urbana em geral, focando na necessidade de ocupação por um planejamento sustentável e

imediato para evitar as atuais ameaças ao meio ambiente natural. Já o segundo grupo era

composto por poucos representantes da sociedade civil e por alguns vereadores.

Aparentemente este grupo serviu mais ao debate das questões pertinentes a Operação Urbana,

seja na temática jurídica ou na urbanística e ambiental. Pode-se dizer que esse grupo fez

considerável pressão tendo em vista o pouco tempo de atuação possível, pouco mais de 30

dias corridos.

É necessário destacar, ainda, que a identificação desses grupos se refere à

discussão da Operação Urbana do Isidoro e não à posição de votação na PL 820/09.

Redação final Contrariando determinações das leis municipal e federal, a Operação do Isidoro é

parte da lei que revê o PD e LPUOS de Belo Horizonte, e não lei específica, como já

discutido anteriormente. O Título III da Lei Municipal 9.959 de 2010 (BELO HORIZONTE,

2010e) institui e dispõe sobre a Operação Urbana do Isidoro, tendo como objetivo geral:

“promover a proteção e a recuperação ambiental da Região do Isidoro, por meio de processo de ocupação ordenado e sustentável, que proporcione a preservação de áreas de grande relevância ambiental e paisagística, em especial, das nascentes e

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dos cursos d’água, e de áreas de vegetação expressiva e de cerrado” (ibid:art.40 §2º)

Visando o cumprimento do objetivo geral (acima citado) e dos objetivos

específicos do artigo 42, acerca da preservação dos meios bióticos e físico, foram aprovados

os seguintes parâmetros urbanísticos:

Tabela 6 – Parâmetros urbanísticos aprovados Parâmetros Grau de Proteção 1 Grau de Proteção 2 Grau de Proteção 3

CA Não ocupadas e

transformadas em parques públicos ou reservas privadas.

1 ou 1,2 (TDC G1) LPUOS ou 1,5 (TDC G1)

Quota 150 m² 45 m² TO 30% 50% TP 50% 30% Lote mínimo 5000 m² 2000 m² Fonte: Elaboração própria.

A recepção das Unidades Transferência de Direito de Construção, UTDCs,

provenientes das áreas de G1 só pode ser recebida, majoritariamente, nas áreas de G2 e G2.

Nas áreas G2 e G3 há o limite de Coeficiente de Aproveitamento, CA, de 1,2 e 1,5

respectivamente para recebimento dessas UTDCs provenientes de G1. Nas áreas de G2

afetadas pela ADE de Interesse Ambiental do Isidoro em pelo menos 35% do seu território, os

parâmetros urbanísticos são mais permissivos e próximos aos de G3.

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Figura 25 – Macro zoneamento final.

Fonte: Anexo XXXI da Lei 9.959/2010

Para o alcance dos objetivos geral e específicos, no que concerne ao

desenvolvimento socialmente sustentável, foi considerada de inteira responsabilidade dos

empreendedores a implantação (direta ou indireta) da infraestrutura básica, como destacado

na figura abaixo, referente aos custos das intervenções previstas

Destacamos que a manutenção destas caberá ao poder público, e que o IPTU dos

imóveis construídos na área, sendo os empreendedores os potenciais pagadores, será isento

até emissão de Certidão de Baixa de Construção. (ibid:art. 58)

Este conjunto de medidas promoverá a viabilidade de venda e ocupação dos

imóveis, já que a região em que eles estão inseridos será dotada de equipamentos urbanos e

comunitários necessários para a consagração de um produto imobiliário rentável. O cálculo da

participação dos empreendedores no Fundo Muncipal da Operação Urbana são definidos no

Capítulo III da Lei 9.959, sendo controlada pela Comissão de Acompanhamento da Operação

Urbana do Isidoro.

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Figura 26 – Previsão de custos das intervenções final.

Fonte: ANEXO XXXII da Lei 9.959/2010

Outra medida a ser dotada é a determinação de que sejam providas, “no mínimo,

10% (dez por cento) das unidades habitacionais, edificadas e regularizadas, para atendimento

à demanda da Política Municipal de Habitação”. (ibid:art. 51). E ainda, que essas moradias

sejam localizadas em áreas centrais nos parcelamentos lindeiros às vias 540 e Norte-Sul. As-

sim, em conformidade com outras políticas habitacionais da Prefeitura, fica obrigatório desti-

nar para diminuição deste déficit o número de 6.800 moradias em um potencial construtivo

máximo de 68 mil na operação. Contudo, apesar de uma louvável medida, devesse lembrar

que se trata da grande última área urbanizável da capital e da ausência de cálculos que che-

guem a esse número de 10%.

Considerando o número de unidades habitacionais previstas de aproximadamente

70 mil, e o número médio de aproximadamente 3 moradores por domicílios ocupados em

Belo Horizonte19, o aumento populacional possível/provável máximo para a área seria de 210

mil pessoas. De fato, o aumento populacional consequente da Operação causaria uma maior

19 Dados preliminares para Belo Horizonte do Censo 2010 realizado pelo IBGE. Si-nopse por Setores, Censo 2010

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pressão nos serviços públicos em geral, a exemplo do transporte público, que somente a

construção de pontos de ônibus não mitigaria.

A Comissão de Acompanhamento da Operação Urbana do Isidoro, definida pelo

Capítulo IV da lei em questão, tem por objetivo:

“I - decidir quais serão os investimentos prioritários a serem feitos com os recursos da contrapartida, inclusive quando forem implantados pelo empreendedor; II - deliberar sobre a forma de prestação da contrapartida dos investidores e proprietários de terrenos, seja mediante execução das obras de infraestrutura previstas para esta Operação Urbana, seja por meio de depósito no Fundo da Operação Urbana do Isidoro.” (ibid:art. 70 §1º)

E, segundo a lei, deve ainda prezar pela “articulação do sistema viário com as vias

adjacentes oficiais existentes, bem como a implantação dos equipamentos urbanos e

comunitários correspondentes” (ibid:art. 70 §4º) devendo optar “pela prestação da

contrapartida por meio da execução direta, pelo empreendedor, das obras de infraestrutura

previstas para essa Operação”. (ibid:art. 70 §4º)

Assim, tem-se uma Comissão de grande importância para a mediação entre o

interesse público e o interesse privado, que deverá fiscalizar e gerir os acordos e conflitos

relacionados à implementação dessa Operação. Apesar de tal importância, percebe-se a

ausência de qualquer representante do Legislativo Municipal ou da sociedade civil organizada

do entorno, ou seja, participação popular indireta ou direta.

“I - 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Finanças; II - 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas; III - 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Governo; IV - 1 (um) representante da Superintendência de Desenvolvimento da Capital - SUDECAP -; V - 1 (um) representante da Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana; VI - 1 (um) representante da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A - BHTRANS -; VII - 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; VIII - 1 (um) representante dos moradores dos imóveis situados na área da Operação Urbana do Isidoro; IX - 1 (um) representante dos proprietários dos terrenos inseridos na Operação Urbana do Isidoro; X - 1 (um) representante dos empreendedores envolvidos na Operação Urbana do Isidoro.” (ibid:art 70, §1º)

Tem-se uma Comissão formada apenas pelos membros das partes diretamente

evolvidas, sem a participação de terceiros como a população diretamente afetada ou membros

da Câmara Municipal, representantes legais da população de Belo Horizonte. Ademais, a

formação da Comissão entra em conflito com a proposta e meta de Gestão Compartilhada da

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Prefeitura:20 Finalmente, a Lei define o prazo de vigência da Operação Urbana do Isidoro em

12 anos, o dobro da Operação Urbana anterior, de 2000.

20 Segundo Portal BH Metas e Resultados da PBH: “a gestão pública compartilhada é uma das marcas de Belo Horizonte. Os frutos por ela gerados resultam em uma grande rede colaborativa, em que os princípios de transparência e justiça social se sustentam à base de um respeito mútuo entre o município e seus cidadãos. Por isso, agregar as mais modernas ferramentas de gestão, tornando-a a cada dia mais eficaz e eficiente, consiste em um objetivo permanente de BH nos próximos 20 anos, o que permitirá à cidade alcançar a excelência em gestão pública democráti ca, participativa e eficiente

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Figura 27 – Linha do tempo síntese da trajetória da Operação Urbana do Isidoro.

Fonte: Elaboração própria.

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CONCLUSÕES

A força da reação democrática vivenciada por Belo Horizonte logo na primeira

metade da década de 1990 durou pouco mais de uma década. Com a mudança de gestões, e

ainda que sob o discurso do “continuísmo político”, as políticas urbanas associadas à inversão

de prioridades – tal como o Orçamento Participativo – perderam força, ainda que não tenham

sido extintas Mas, se por um lado a forte mobilização do início da década de 1990 tenha se

institucionalizado e se enfraquecido, por outro, têm ressurgido aos poucos novos focos de

mobilização em reação às forças de atraso que vem dominando as esferas de decisão política

sobre a cidade

O planejamento estratégico chega a política pública urbana já nos anos de gestão

de Fernando Pimentel e ganha força nos anos a seguir com apoio do governador de Minas

Gerais, Aécio Neves, e do próximo prefeito, Márcio Lacerda. As maiores obras na capital são

a requalificação dos corredores viários do Vetor Norte. Elementos de etapas e fases anteriores

do planejamento urbano são facilmente identificados no novo ciclo de grandes obras públicas

executadas: a beleza do Boulevard Arrudas, a imponência do Centro Administrativo, o

requalificação da Antônio Carlos, a fluidez da MG-010 a modernidade do Aeroporto

Internacional. O discurso da cidade para todos é marcado em cada inauguração de obra. O

tecnicismo pleno é encontrado em cada projeto e estudo de impacto. A participação popular é

limitada às instâncias formais, como os conselhos, já esvaziados de qualquer combatividade.

Nesse contexto, a Operação Urbana do Isidoro exemplifica bem como a cidade é

atualmente desenhada e planejada. O plano é elaborado de forma obscura e apresentado como

a solução definitiva – tendo em vistas fracassos anteriores como a Operação de 2000, também

pouco clara. Após a apresentação, há pouca possibilidade de debate: nenhum dia até a votação

em primeiro turno na Câmara, e vinte e sete dias até o segundo. Somente duas audiências

públicas foram executadas nesse período, o que leva a uma baixa participação popular, a não

ser daquelas pessoas diretamente afetadas com o anúncio da Operação: moradores do

Quilombo de Mangueiras e do bairro Novo Lajedo, e militantes, ativistas e acadêmicos mais

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engajados da capital. Apesar da ausência de um estudo de impacto e de outras

irregularidades/brechas da proposta, somente dois vereadores propuseram o debate de forma

abrangente, e apenas um deles votou contra o projeto de lei, devendo-se destacar que este que

não foi específico e sim integrado com outras regulamentações.

A pesquisa realizada indica que a lei da Operação Urbana do Isidoro favorece a

interesses de uma elite política e local, uma família que permaneceu durante anos com a posse

de terra mais vasta da capital, assim como interesses de elite nacional e internacional, com a

preparação de uma cidade espetáculo para ser palco da Copa do Mundo 2014, um evento que

pouco ganho traz à população de mais baixa renda. Acredita-se que a Operação Urbana do

Isidoro viabiliza uma âncora de expansão do Vetor Norte, a via 540, e perpetua sua expansão

elitista, assegurando apenas 10% de suas moradias para a Política Habitacional Municipal. O

projeto não detalhado deixa também para escritórios privados a prerrogativa de elaborar e

desenhar essa nova área de expansão da cidade, futura regional, mas que preza pelo discurso

da tecnocracia ao afirmar que somente assim se poderia ter uma urbanização sustentável

social e ambientalmente.

A partir do estudo do processo de formulação da Operação Urbana do Isidoro,

evidenciou-se a presença tanto do discurso de sustentabilidade para uma área que sofreu nos

últimos anos mais intervenções antrópicas que desde sua tomada de posse na década de 1900,

em contraposição ao discurso de equilíbrio social, no qual os empreendedores pagarão pra

ocupar a área criando uma nova cidade, moderna e equipada, evitando assim a sua ocupação

sem coordenação do interesse público, como no entorno.

A idealização, a fundação e a construção da capital centraram-se num concepção

racionalista de ordenamento do espaço, a serviço do capital e da industrialização. De forma

mais participativa e menos autoritária do que em períodos anteriores, esse processo continua..

Entretanto, a manutenção desses interesses, cada vez mais defendidos pelas gestões munici-

pais e estaduais, têm explicitado o acirramento de conflitos ambientais e espaciais em torno da

produção do espaço urbano. A Operação Urbana do Isidoro apresenta-se assim como mais um

capítulo dessa trajetória.

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21 A completar com bibliografia restante.

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