manuel bandeira - em _ scan do original

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  • 8/7/2019 Manuel Bandeira - em _ Scan Do Original

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    MANum ]3 ND:mlRA MANUEL BANDE.lR_4lQ11'J(,! lfl1H 1 11 \. m mA :r'O'~'I'I(!A

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    LIBERTINAGEl \1

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    NAO -SEI DANQAR

    9_ 1 ns tomam eter, outros cocaina, ,Eu ja tomei tristeza, hoje tomo alegria,Tenho todos as motivos menos um de ser triste,Mas 0 calculo das probabilidades e uma pilheria ...Abaixo Arniel!E nunca lerei 0 diario de Maria Bashkirtseff.

    Sim, ja perdi pai, mae, irmaos.Perdi a saude tambem,E por isso que sinto como ninguem 0 r itmo do jazz-band.

    Uns tomam eter, outros cocaina,Eu tomo alegria!Eis ai por que vim iassistir a este baile de ter~a-feira[gorda.

    Mistura muito cxcelente de chas ...Esta foi aeafata ...

    - Nao, foi arrumadeira,E esta dancandc com a ex-prefeito municipal;Tao Brasil!

    De fato este salao de sangues misturados parece 0[Brasil . ..

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    Ha ate a fracao Incipiente amarelaNa figura de urn japones.o japones tambem danca maxixe:AcugElle banzai!A filha do usineiro de CamposOlha com repugnanciaPara a crioula Imoral,No entanto 0 que faaa indecencia da outraE dengue nos 01h08 rnaravilhosas da moca,E aquele cair de ombros ...Mas ela nao sabe ...Tao Brasil I Veio ficar ao p e de mirn,o meu anjo da guarda sorriu

    E voltou para junto do Senhor.Ninguem se Iernbra de politica ...Nem dos oito mil qui16metros de costa ...o algodao do Serid6 e 0 rnelhor do mundo? ,. Que me

    [importa ?Nao ha malaria nem molestia de Chagas nem ancilds,[tomos.A sereia sibila e 0 ganza do jazz-band batuea.

    Eu tome alegria l

    Petr6polis, 1925.

    172

    o AN.TO DA GUARDA

    ouando minha irma morreu,(Devia tel' sido assim)Urn anjo moreno, violento e born, brasileiro

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    MULHERES

    e omo as mulheres sao lindas!Inutil pensar que e do vestido ...E depois nao ha s6 as bonitas:Ha tambem as simpatieas.n as feias, certas feias em cuj a s olhos vejo isto:Uma menininha que e batida e pisada e nunca sai da

    [cozinha.

    Como deve ser born gostar de uma feia lo meu arnor porern nao tern banda de alguma.TIlfraco! fraco!Meu Deus, eu amo como as criancinhas ...

    Es linda como uma hist6ria da carochinha ...E eu precise de ti como precisava de mamas e papal(N 0 tempo em que pensava que os ladrocs moravam no

    [morro atras de casa e tinham cara de pau),

    1 74

    PENSAO . FAMILIAR

    S J ardim da pansaozmha burguesa.Gatos espapacados ao sol.A tiririca sitia os canteiros chatos.o sol acaba de crestar os gosmilhos que murcharam.O s girassois amarelo! resistem.E as dallas, rechonchudas, plebeias, dominicais,

    Um gatinho faz pipi.Com gestos de garcon de restaurant~PalaceEncobre cuidadosamente a mijadinha.Sai vibrando com eleganciaa patinha direita :_ E' a tinica criatura fina na pensfiosinha burguesa.

    Petropolis, 1925

    1'75

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    - _CAMELO 'TS

    .A: bencoado seja 0 camelot dos brinquedosa que vende baldezinhos de cor .a macaquinho que trepa no coqueiroo caohorrinho que bate com 0 raboO s homenzinhos que jogam boxA perereca verde que de repente chi

    de tostao :

    urn pulo que engra-[cadoE as canetinhas-tinteiro que jamais escreverao coisa

    [algumaAlegria das calcadas

    Uns falam pelos cotovelos ;-- "a cavalheiro chega em casa e diz: Meu filho, vaibuscar urn pedaco de banana para en acender 0 cha-

    ruto, Naturalmente 0 msnino pensara : Papai estamalu ... "

    Outros, coitados, tem a lingua atada,

    Todos POl-em sabem rnexer nos cordeis com 0 tina inge-_, . _ [nuo de demiurgos de inutilidades.E ensmam no tumulto das ruas as mitos heroicos daE dao aos homens que passam

    [meninice . _.preocupados ou tristesuma li~ao de infancia,

    17 6

    JL [ quele cacto Iembrava as gestos desesperados da esta-[tuaria :Laocoonte constrangido pelas serpentes,Ugolino e as filhos esfaimados.Evocava tambem a seco nordeste, carnaubais, caatin-[gas ...Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades ex-[cepeionais.

    Urn dia urn tufao furibundo abateu-o pela raiz.o cacto tombou a,travessado na rna,Quebrou os beirais do casario fronteiro,Impediu 0 t ransite de bondes, autom6veis, carrocas,Arrebentou as cabos 'eletricos e durante vinte o quatro

    [horas privou a eidade de Iluminacao e energia ;

    _ Era belo, aspero, intratavel.

    Petropolis, 1925.

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    PNEUMOT{)RAX

    gebre, hemoptise, dispneia e snores noturnos.A vida inteira que podia ter sido e que nao foi.Tosse, tosse, tosse.Mandou chamar 0 medico:- Diga trinta e tres,

    Trinta e tres , . . trinta e tres , . . trinta e tres ..- Respire.'~~. ' ~ ~I ~t " ~" ~ .... ,.

    o senhor tern uma escavacao no pulmao esquerdo e 0pulmao direito infiltrado.Entao, doutor, nao e possivsl tentar 0 pneumot6rax?

    Nao. A unica coisa a fazer e tocar urn tango argen-[tino.

    178

    COMENrrARIO MUSICAL

    o meu quarto de dormir a cavaleiro da entrada da barra.Entram POl' ele dentroOs ares oceanieos,Maresias atlanticas ;Sao Paulo de Luanda, Figueira. da Foz, praias gaelieas

    [da Irlanda .. ,

    o comentario musical da paisagern s6 podia ser 0 sussur-[1'0 sinf6nico da vida civil.

    No entanto 0 que ouco neste momenta e urn silva agudode saguim.:Minha vizinha de baixo comprou urn sagtiim,

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    PO:ruTIOA

    E 9 stou farto do Iirismo comedidoDo lirismo bem comportadoDo lirismo funcionario publico com livro de ponto expe-diente protocolo e manifestacoes de apre~o ao sr.

    diretor

    Estou farto do lrrismo que para e vai averiguar no dicio-nario 0 cunho vernaculo de urn vocabulo

    Abaixo os puristasTodas as palavras sobretudo os barbarismos universais'I'odas as construcoes sobretudo as sintaxes deexce~aoTodos os ri tmos sobretudo os inumeraveis

    Estou farto do lirismo namoradorPoliticoRaquiticoSifiliticoDe to do lirismo que capitula ao que quer que seja fora

    de si mesmo.

    De resto nao e lirismoSera contabilidade tabela de co-senos secretario do aman-te exemplar com cern model as de cartas e as diferen-tes maneiras de agradar :as rnulheres, etc.

    180

    'Quero antes I) Iirismo dos loucoso lirisrno dos bebedoso lirismo dificH e punsente dos bebedos,0 lirismo dos clowns de Shakespeare

    _ Nao quero mais saber do lirismo que nao elibertacao.

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    CH~>1MBRE VIDE

    C J > etit chat blanc et grisReste encore dans Ia ehambrsLa nuit est si noire dehorsEt le silence pese

    Ce soir je crains la nuitPetit chat frere du silenceReste encoreReste aupres de moiPetit chat blanc et grisPetit chat

    La nuit peseII n'y a pas de papillons de nuitOu sont done ces betes?Les mouehes dormant SUi' le fil de l'eleetrlciteJe suis trop seul vivant dans eette ehambrePetit chat frere du silence'Reste ; a rnes cotesCar ilfaut que je sente la vie aupres de moiEt c'est toi qui fais que la chambre n'est pas videPetit chat blanc et grisReste dans la chambreEveille minutieux et lucidePetit chat blanc et grisPetit chat.Petropolis, 1922.

    182

    BONHEUR LYRIQUE

    e ceur de phtisiqueo mon emur lyriqueTon bonheur 1'1epeat pas etre comma celui des autresU faut que tu te f'abriquesUn bonheur uniqueUn bonheur qui soit eomme Ie piteux lustucru en chiffon

    [d'une enfant pauvreFait par clle-meme.

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    PORQUINHO-DA-INDIA

    (2llJando ell tinha seis anosGanhei urn porquinho-da-india.Que dol' de coracao eu tinhaPorque 0 bichinho so queria estar debaixo do fogao lLevava ele pra a salaPra os lugares mais bonitos mais limpinhos:Ele nao se importava :Queria era estar debaixo do fogao.Nao fazia caso nenhum das minhas ternurinhas. ..

    - 0 meu porquinho-da-indiafoi a minha primeira na-[morada,

    184

    MANGUE

    Q)l1 angue mais Veneza amerieana do que 0 RecifeCargueiros atracados nas docas do Canal Grandeo Morro do Pinto morre de espantoPassam estivadores de torso nil suando f'acas de pontaCafe baixo'I'rapiehes alfandegadosCatraias de abaeaxis .e de bananasA Light fazendo crusvaldina com residues de coqueHa mucambas no piche

    Eh cagira Mia palEn' cagira

    E 0 Iuar e uma coisa s o

    Houve tempo em que a Cidade Nova era mais suburbia[do que todas as Meritis da Baixada

    Patria arnada idolatrada de empregadinhos de reparti-(c;oes publicas

    Gente que vive porque e teimosaCartomantes da rna Carmo NetoCirurgioes-dentistas com raizes gregas nas tabuletas

    , [avulsivaso Senador Eusebio e .0 Vtsconde de Hanna jft se olha-[v am com ran cor

    (Por issoEntre os dois

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    Dom J020 VI plantou quatro renques d palmeiras lm-[pcriais)

    Casinhas tao terreas onde tantas vezes men Deus lui[funcionario publico casado com mulher[f'eia e morri de tuberculose pulmonar

    Muitas palmeiras se suicidararn porque nao viviam num[pincaro azulado.

    Era aqui que chorarningavam os primeiros chores des[carnavais cariocas.Sambas cia tia CiataCarle mais tia CiataTalvez em Dona Clara meu brancoEnsaiando chegancas pra 0 Natalo menino Jesus - Quem sois tu?o preto - Ell sou aquele preto principa do centro

    [do cafange do fundo do rebolo, Quem sois tu?o menino Jesus - Eu sou 0 fio da Virge Maria.o preto -,- Entonces como e fio dessa senhora, ohe-[deeo,o menino Jesus - Entonces cuma voce obedece,

    [reze aqui urn terceto pr'esse exerco ve.o Mangue era simplesinhoMas as inundacoes dos solsticios de versoTrouxeram para Mata-Porcos todas as uiaras da Serra

    ida CariocaUiaras do TrapicheiroDo MaracanaDo rio JoanaE vieram tambem sereias de alem-mar jogadas pela res-

    [saca nos aterrados da GamhoaHoje ha transatlanticos atracados nas docas do Canal

    [Grande

    186

    '0 Senador e 0 Visconde arranjaram capangasHoje se f'ala numa porcao de ruas em que dantes nin-

    [guem acreditava.E hi partidas para 0 MangusCom chores de cavaquinhos, pandeiro e reco-reco

    Es mulherEs mulher e nada mais

    OFERTAMangue mais Veneza americana do que 0 RecifeMeritt meretrizMangue enfim verdadeiramente Cidade NovaCom transatlantieos atracados nas docas do Canal.

    [GrandeLinda como Juiz de Fora

    is'7

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    CD::J) embelelem 1Viva Belem l

    Belem do Para porto moderno integrado na equatorialBeleza eterna da paisagem

    BembelelemViva BeUim!

    Cidade pomar(Obrigou a policia a classificar urn tipo novo de delin-n W : ~ i i : I [quente :"0 .apedrejador de mangueiras]BembelelemViva Belem!

    Belem do Para onde as avenidas se chamam Estradas :Estrada de Sa o Je:r6nirnoEstrada die Nazare

    Onde a banal A venida Mareehal Deodoro da Fonseca de[todas as cidades do Brasil

    188

    Se chama IiricamenteBrasileiramenteEstrada do GenemHssimo Deodoro

    BembelelemViva Belm!Nortista- gostosaEn te cuero bern,

    Terra da castanhaTerra da borrachaTerra de birfba bacuri sapotiTerra de f'ala cheia de nome indigenaQue a gente nao sabe se e de fruta p e de pan ou ave

    [de plumagem bonita,

    Nortista gostosaEn te quero bern.

    Me obrigaras a novas saudadesNunca mats me esquecerel do teu Largo da Se _Com a f e macica das duns maravilhosas igrejas barrocasE 0 renque ajoelhado de, sobradinhos coloniais tao bo-

    [nitinhos

    Nunca mais me esquecereiDas velas encarnadasVerdesAzuisDa doea de Ver-o-PesoNunca mais

    1891

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    :E foi pra me consolar mais tardeQue inventei esta cantiga:

    BemhelelemViva Be!em!Nortista gostosaEll te quero bern.

    :BeIem, 1928.

    190

    EVOCAQAO DO RECIFE

    g : ( ecifeNao a Veneza americanaNao a Maur itsstad dos armadores das indias OcidentaisNao 0 Recife dos MascatesNem mesmo 0 Recife que aprendi a amar depois -

    Recife das revolucoes libertariasMas 0 Recife sem histcria nem literaturaRecife sem mais nadaRecife da minha infancia

    A rua da Uniao onde eu brincava de chicote-queimado[e partia as vidracas da casa de dona Aninha Viegas

    'I'otonio Rodrigues era muito velho e botava 0 pincens[ria ponta do narizDepois do jantar as farnilias tomavam a calcada com

    [cadeiras, rnexericos, namoros, risadasA gente brincava no meio da ruaOs meninos gri tavam:

    Coelho sui!Nao sai !

    A distancia as voces macias das meninas politonavam :Boseira da-me uma rosaCraveiro da-me urn botao

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    E' macaquearA sintaxe lusiada

    ,Av ida com uma poreao de eoisas que eu 11&0 entendia bern'I'erras que nao sabia onde ficavam

    Recife ...Rua da Uniao ...

    A casa de meu avo ...Nunca pensei que ela aeabasse !T'udo hi parecia impregnadn de eternidade

    Recife ...Men avo morto.

    Recife morto, Recifebom, Recife brasileiro como a casa[de meu avo

    Rio, 1925.

    lU 1 .

    POEMA TIRA.DO DE UMA NOrr1CIA DE;JORN~4.L

    C1oao Gostoso era carre~~d?r de feira.Uvr_e.e mora;ra ,~o,d [morro da Babilonia num barracao sem numeroUma noite He ehegou no bar Vinte de Novembro

    BebeuCantouDaneouDepois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu

    [afogado;

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    TERESA

    prtmeira vez que vi TeresaAchei que ela. tinha pernas estupidasAchei tambem que a cara parecia uma perna

    Quando vi Teresa de novoAchei que as olhos eram muito mais velhos que 0 resto

    [do corpo(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando qu e

    [0 resto do corpo nascesse)

    Da terceira vez nao vi mais nadaOs ceus se misturaram com a terra.E 0 espirito de Deus voltou a se mover sobre a face da s

    [aguas.

    196

    LENDA BRASILEIR'A

    moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma a cara :o que saiu do mato foi 0 Veado Branco! Bentinho ficoupregado no chao. Quis puxar 0 gatilho e nao pode.

    - Deus me perdoe!Mas 0Cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto

    do cacador e comecou a comer devagarinho . cano ciaespingarda.

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    A VIRGEM 1fARIA

    G oficial do registro civil, a coletor de impostos, 0 mor-domo da Santa Casa e 0 administrador do cemiteriode S. Joao Batista

    Cavaram com enxadasCom pasCom as unhasCom as dentesCavararn uma cava mais fund a que 0 meu suspire de

    [reminciaDepois me botaram hi dentroE puseram par cimaAs Tabuas da Lei

    Mas de ]3, de dentro do fundo da treva do chao da cavaEu ouvia a vozinha da VirgemDizer que fazia sol la foraDizer ins is ten tern e n t eQue fazia sol 1 a fora.

    Maria

    19 8

    ORAQAO NO SACO' DE MANGARATIBA

    Q)1 ossa Senhora me d e pacienciaPara estes mares para esta vida!Me de paciencia pra que eu nao caiaPra que eu nao pare nesta existenciaT a o mal cumprida ta o mais compridaDo que a restinga de Marambaia t

    1926.

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    o MA.JOR

    a major morreu,Refarmado.Veterano cla guerra do Paraguai,Heroi da ponte do Itoror6.

    Naoquis honras mili tares,Nao quis discursos.

    ApenasA hora do enterroo corneteiro de urn batalhao de linhaDeu .a boca do tlimuloo toque de silencio.

    200

    CUNHANTA

    c o inha do Para.Chamava Sique.Quatro anos. Escurinha. 0 rise gut ural da raga;PHi branca nenhuma corria mais do que ela.

    'I'inha uma cicatriz no meio da testa:- Que foi isto, Sique? ..Com voz de detras da garganta, a boquinha tuira :

    - Minha mae (a madrasta) estava costurandoDisse vai vel' se tern fogoEu soprei eu soprei eu soprei nao vi fogoAi ela se levantou e esfregou com minha cabecana brasa

    Riu, riu, riu ...

    Uerequitaua,o ventilador era a coisa que roda,Quando se machucava, dizia: Ai Zizus!

    W27.

    20 1

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    ORAQAO A ~]_1ERESINHA DO MENINOJESUS

    C],\'rdi 0 jeito de sofrer.Ora essa.Nao sinto mais aquele gosto cabotino da tristeza.Quero alegria! Me da alegria,Santa Teresa!Santa Teresa nao, Teresinha ...Teresinha. .. 'I'eresinha ...Teresinha do menino Jesus.

    Me ci a alegria IMe da a forga de acreditar de novoNoPelo SinalDa SantaCruz!Me c ia alegria! Me d a alegria,Santa Teresa! ...Santa Teresa nao, Teresinha ...Teresinha do menina Jesus.

    202

    ANDORINHA

    A ndorinha la.,fora esta dizendo :- "Passel 0 diaa toa, ,it toa t ."

    Andarinha, andorinha, minha cantiga e mais triste !Passel a vida !a toa, a toa ...

    ,203

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    PR,o]1UNDAMENTE

    ~uando ontem adormeciN a noite de Sao JoaoRavia alegria e rumorEstrondos de bombas Iuzes de BengalaVozes cantigas e risosAo pe das fogueiras _acesas,

    No meio da norte desperteiNao ouvi mais vozes nem risosApenas baloesPassavam errantesSilenciosamenteApenas de vez em quandoo ruido de urn bondeGortava 0 silsncioComo urn tunel.Ondeestavam os que ha poucoDaneavamCantavarnE riamAo pe das fogueiras aces a s ?- Estavam todos dorrnindoEstavam todos deitadosDormindoProfundamente

    ~04

    Quando eu tinha seis anosNao pude vel' 0 f'im cia festa de Sao Joa oPorque adormeci

    Hoje nao ouco rnais as vozes daquele tempoMinha av6Meu avo'I'otonio Rodrigues'I'ornasiaRosaOnde estao todos e188?

    - Estao todos dormindoEstao todos deitadosDormindoProfundamente.

    205

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    MADRIGAL TAO ENGR.A9ADINHO

    ~ eresa, voce. e a coisa mais bonita que eu vi ate hojena minha vida, inclusive 0 porquinho-da-india queme deram quando eu tinha seis anos.

    206

    NorrURNO D.A PARADA AMORIM

    o violoncelista estava a meio do Concerto de SchumannSubitamente 0 coronel ficou transportado e comecou a

    gritar : - "Je vois des anges! Je vois des anges l"- E deixou-se escorregar sentado pela escada

    abaixo.

    o telefone tilintou,Alguem chama va?.. Aiguem pedia socorro? ..

    Mas do outro lado njio vinha senaoo rumor de urn pran-to desesperado!. ..

    (Eram tres horas,T6das as agencias postais estavam fechadas.Dentro da noite a voz do coronel eontinuava a gritar:

    - "Je vois des anges t Je vois des anges t")

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  • 8/7/2019 Manuel Bandeira - em _ Scan Do Original

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    NA BOCA

    Q 3 ernpre tristissimas estas cantigas de carnavalPaixaoCiumeDar daquilo qucnao se pode dizer

    FeJizmente existe 0 alcoa] na vidaEnos tres dias de carnaval Her de lan~a-perfumeQuem me dera ser como a rapaz desvairado!o ano passado ele parava diante das mulherss bonitas,E gritava pedindo 0 esguieho de cloretilo :- Na boca! Na bOca!Urnas davam-lhe as costas com repugnanciaOutras porem faziam-lhe a vontacle.

    Ainda existern mulherss bastante puras para fazer von-[lacle. aos viciados

    Dorfnha meu arnor ...

    Se ela f6sse bastante pura eu ida agora gritar-Ihe como[0 outro :

    - Na boca! Na boca I

    208

    MACUMBA DE PAI ZUSE

    Q)1a macumba do EncantadoNego veio pai de santo fez mandingaNo palaeete de BotafogoSangue de branea virou aguaForam ve estava morta !

    209

  • 8/7/2019 Manuel Bandeira - em _ Scan Do Original

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    NOTURNO DA RUA DA LAPA

    Ajane1a estava aberta. Para -0 que nao sei, mas 0 queentrava era 0 vento dos lupanares, de rnistura com 0 ecoque se partia nas curvas cicloidais, e fragmentos dohino da bandeira.

    Nfio posse atinar no que eu fazia: se meditava, semorria de espanto ou se vinha de muito longe.

    Nesse memento (oh! par que precisamente nessememento? ... ) e que penetrou no quarto 0 bicho quevoava, 0 articulado implacavel, Implacavel I

    Compreendi desde logo nfio haver possibilidade al-guma de evasao. Nascer de novo tarnbem nao adiantava,- A bomba de nit! pensei comigo, e urn inseto l

    Quando 0 jacto fumigat6rio partiu, nada mudou emmim; os sinos da redencao continuaram em silencio ; ne-nhuma porta se abriu nem fechou. Mas 0 monstruosoanimal FlOOU MAlOR. Senti que ele nao morrerianunca mais, nem sairia, conquanto nao houvesse noaposento nenhum busto de Palas, nem na rninhalma, 0que e pior, a recordacao persistente de alguma extintaLenora.

    210

    CABEDELO

    c o iagem ji roda do mundoNuma casquinha de noz :Estive em Cabedelo.o macaco me ofereceu cocos.6 maninha, 6 maninha,Tu DaO esta vas comigo! ..

    - Estavas? ..

    1928.

    211

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    (~UATRO SONETOS DE ELIZABETHBARRETT BROWNING

    A mo-te quanto em largo, alto e profundoMinhalma aleanca quando, transportada,Sente, alongando os olhos deste mundo- -_ ,Os fins do Ser, a Craea entressonhada.

    Amo-te em cada dia, hora e segundo:Aluz do sol, na noite sossegada,E e tao pura a paixao de que me inundoQuanto 0 pudor dos que nao pedem nada,

    Amo-te com 0 doer das velhas penas;Com sorrisos, com lagr'irnas de prece,E a f e da minha infancia, ingenua e forte.Arno-ts ate nas coisas mais pequenas,POl' t6da a vida. E, assim Deus 0 quisesss,Ainda mais te amarei depois da morts.

    As minhas cartas ! Todas elas frio,Mudo e morto papel! No entanto agoraLendo.as, entre as maos tremulas 0 fioDa vida eis que retorno hera POl' hera.

    212

    Nesta queria ver-me ----'-era no estioComo amiga a sen lado __ . Nesta irnploraVir e as maos me tomar. .. Tao simples! Li-oE chorei, Nesta diz quanta me adora.

    Nesta confiou: sou tau, e empalideceA tinta no papel, tanto 0 apertaraAo meu peito, que todo inda estremece!

    Mas uma ... 0 meu arnor, a que me disseNao digo, Que bem mal me aproveitara,Se 0 que entao me disseste eu repetisse - . .

    Parte: nao te separas 1 Que jamaisSairei de tua sombra, Por distanteQue te vas, em meu peito, a cada instante,Juntos dais coracoss batem iguais,

    Nao ficarei mais s6. N em nunca maisDona de mim, a mao, quando a levante,Deixara de sentir 0 toque amanteDa tua, ~ ao que f'ugi. Parte: nao sais]

    Como 0 vinho, que u s uvas donde fIuiDeve saber, e quanto faco e quantaS011ho, que assim tarnbem todo te inelui

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    A ti, arnor l minha outra vida, paisQuando oro a Deus, teu nome eIe ouve e 0 prantoEm meus 01hoS88.0 Iagr irnas de dois.

    Ama-me por amor do amor somente,Nao digas: "Amo-a pelo seu olhar,o seu sor riso, 0 modo de falarHonesto e brando. Amo-a porque se sente

    Minhalma em cornunhao constantementeCom a sua". Porque pode rnudarIS80 tudo, em si mesmo, ao perpassarDo tempo, au para ti imicamente.

    Nem me ames pelo pranto que a bondadeDe tuas maos enxuga, pais se em mimSecar, POl' teu conforto, esta vontads

    De choral', teu amor pede tel' fim [Ama-rns par amor do amor, e assimMe hits de querer POl' toda a eternidade.

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    IRENI~ NO OEU

    C J rene pretaIrene boaIrene sempre de hom humor.

    Imagine Irene entrando no Cell:- Licenea, meu branco !E Sao Pedro bonaehao :- Entra, Irene. Voce nao precisa pedir licenea.

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    PALIN()J)IA

    C ? 2 uem te charnara primaArruinaria em mim 0 conceitoDe teogonias velhissimasTodavia viscerais

    Naquele invernoTomaste banhos de mal'Visitaste as igrejas(Como se ternessss morrer sem conhecs-Ias t6das)Tiraste retratos enormasTelefonavas telefnnavas , '.

    Hoje em verdade te digoQue nao e s prima s oSenao prima de primaPrima-dona de prima~ Primeva.

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    NAMOHADOS

    ( 2 ) rapaz chegou-se para junto da mo

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    YOU-ME EMBORA PHA .PASARGADA

    c o ou-me embora pra PasargadaL a sou amigo do reiL a tenho a mulher que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra Pasargada

    Von-me embora pra PasargaaaAqui eu nao sou felizL a a existeneia e uma aventuraDe tal modo inconseqiienteQue Joana a Louea de EspanhaRainha e falsa demeriteVern a ser contraparenteDa nora que nunea tive

    E como farei ginasticaAndarei de bicicletaMontarei em burro braboSubirei no pau de seboTomarei banhos de mar!E quando estiver cansadoDeito na beira do rioManda chamar a mae-d'aguaPra me contar as historiasQue no tempo de eu meninoRosa vinha me contarVou-me embora pra Pasargada

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    Em Pasargada tern tudoE outra civilizacaoTern urn processo seguroDe impedlr a concepcaoTern telefone autornaticoTern alcaloide a vontadeTern prostitutas bonitasPara a gente namorar

    E quando eu estiver mais tristeMais triste de nao ter jeitoQuando de noite me del'Vorrtade de me matar- L a sou amigo do reiTerei a mulher que eu queroNa eama que escolhereiVou-me embora pra Pasargada,

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    o IJY[J?OSSlYE:L CARINI-lO

    {9scuta, eu nao quero contar-ts 0 meu desejoQuero apenas contar-ts a minha ternuraAh se em troca de tanta felicidads que me dasEu te pudesse repor- Eu soubesse repor _No coracao despedaeadoAs mais puras alegrias de tua infancia 1

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    POE.MA DE FIN ADOS

    JL{ manha que e dia dos mortosVai ao cemiterio. VaiE procura entre as sepulturasA sepultura de meu pai.

    Leva tres rosas bern bonitas.Ajoelha e reza uma oraeao,Nao pelo pai, mas pelo filho:o filho tern mais precisao.

    o que resta de mim na vida:I t a amargura do que sofri-Pois nada quero, nada espero.E er n vardade estou morto ali.

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    Assim eu quereria 0 meu ultimo poemaQue fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos

    [intencionaisQue f6sse ardente como urn soluco sem Iagr imasQue tivesse a beleza das flares quase sem perfumeA pureza da chama em que se consomem as diamantes

    [mais lfmpidosA paixao d08 suicidas que se matam sem explicaeao.

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