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, -- Figura grega do século VI a.c. representando cena do cotidiano da Grécia na época donascimento da filosofia. In i ciemos esta viagem pe l o tempo e invest i guemos como a consc i ência racional começou a sup l antar a consciência m í tica na Grécia ant i ga, engendrando essa aventura d o pensamento, a fi l osofia , da qual der i varam t o das as ciênc i as . Quem foram os principais ato r es desse processo inaugural? O que buscavam, o qu e encon t raram? É o que veremos em segu i da . FILOSOFIA AN1 IGA: pensamento pré-socráti co Questões filosóficas Como é o uni v ers o? Q u al é ° fund a mento de t odas as co is as(a a rc hé)? Como tudo se art i cu l a pa r a formar a rea li dade? Ar eali d ade es s e nc ial é d i nâmica o u es t áve l ? A s co isas sãop or a caso ou po r necessidade? Conceitos-chave arché , mito, co m p l e x o de Édipo , Iogas , razão , li s, mo n i sm o , du alismo, plura l ismo, água , ar , fog o , te r ra, q u a t r o e l emen t os , ápeiro n , número , de v ir, afo ri s mo , mob i lismo, pensamento dia l é t i co, s e r, á tomo, v az i o, acaso, necessidade, mec anic i sm o , on tolo gi a, l ógica , parado x o , fa l ácia

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,--

Figura grega do século VI a.c.representando cena do cotidiano daGrécia na época do nascimento dafilosofia.

In ic iem os esta v iagem pe lo tempo e

investiguemos como a consciê nc ia ra cio na l

com eçou a sup lanta r a consciênc ia m ítica na

G ré cia a ntiga, engendrando essa aven tura do

pensam ento , a filosof ia , da qua l derivaram todas

a s c iê nc ias.

Q uem fo ram os princ ipa is ato res desse

processo inaugura l? O que buscavam , o que

encontraram? É o que veremos em segu ida .

FILO SO FIA AN1IGA:pensamentopré-socrático

Questões filosóficas

Como é o unive rso?

Qu al é °fundamento de tod as as coisa s (a a rc hé)?

C om o tudo se articu la para formar a realidade?

A real idade essencia l é d inâmica ou estáve l?

As cois as s ão por acaso ou por necessidade?

Conceitos-chave

arché , m ito , complexo de Éd ipo, I ogas , razão ,

pó lis , m onismo, dua lismo, p lu ra lism o, á gua, a r,

fo go , te rra, qua tro e lemen tos, ápeiro n , número ,devir , a forismo, mobilismo, p e ns amento

dia lé tico, ser, á tomo, vazio , a caso , necess idade,

mecanic ismo, ontolog ia, lógica , paradoxo, fa lácia

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PÓLIS E FILOSOFIA

A passagem do mitoao logos

1671 Capí tu lo 10 F ilo so fia an tig a: p en sam en to p r é -s o c rá tic o

Na história do pensamento ocidental, a filosofianasce na Grécia entre os séculos VII e VI a.C., pro-movendo a passagem do saber mítico (alegórico)ao pensamento racional (logos). Essa passagemocorreu durante longo processo histórico, sem umrompimento brusco e imediato com as formas deconhecimentos utilizadas no passado.

Como vimos antes (no capítulo 5), durante mui-to tempo os primeiros filósofos gregos compartilha-ram de crenças míticas, enquanto desenvolviam oconhecimento racional que caracterizaria a filosofia.Essa transição do mito à razão "significa precisa-mente que já havia, de um lado, uma lógica do mitoe que, de outro lado, na realidade filosófica aindaestá incluído o poder do lendário" (CHÂTELET,istó -

ri a da fi lo s of ia : ideias, doutrinas, v. 1, p. 21).Conforme analisa o historiador francês Pierre

Grimal (1912-1996) em A m ito log ia greg a:

o m ito se opõe ao l.(')g05 como a fan ta sia à

ra zão, com o a pa lavra que narra à palav ra

qu e demonstra. Lagos e m ito são as duas

metades da linguagem , duas funções igu a l-m en te fundam en ta is da vid a do esp ír ito . O

la gos , sendo um a argum entaç ão , pre tend econvence r. O l agos é ve rd ade iro , no caso de

s er ju sto e c on fo rm e à "lóg ica "; é fa lso quan-

do diss im ula a lgum a burla sec re ta (so f isma).

Mas o m ito tem por fina lidade apenas a simesm o. Acred ita -se ou não ne le , conform e

a própr ia vontade , m ed iante um ato de fé ,caso par eça "be lo " ou ve ross ím il, ou s im -

p le sm en te por que se quer ac redita r. O m ito ,

ass im , a tr ai em torn o de si toda a parcela do

irrac io na l ex isten te no pe nsamen to huma-

no ; po r sua p rópri a na tu reza , é apa ren ta do à

arte , em todas as suas criações. (p . 8 9).

A força da mensagem dos mitos reside, portanto,na capacidade que têm de sensibilizar estruturasprofundas, inconscientes, do psiquismo humano.Conheçamos, então, um pouco da mitologia grega.

Mitologia gregaOs gregos cultuavam uma série de deuses (Zeus,

Hera, Ares, Atena etc.), além de heróis ou semideu-ses (Teseu, Hércules, Perseu etc.). Relatando a vidadesses deuses e heróis e seu envolvimento com oshumanos, criaram uma rica mitologia, isto é, umconjunto de lendas e crenças que, de modo simbó-lico, fornecem explicações para a realidade univer-sal. Integra a mitologia grega grande número de "re-latos maravilhosos" e de lendas que inspiraram eainda inspiram diversas obras artísticas ocidentais.

O mito de Édipo, rico em significados, é umexemplo disso. Na Antiguidade, foi utilizado pelodramaturgo Sófocles (496-406 a.C}, na tragédiaÉdipo rei, para uma reflexão sobre as questões da cul-pa e da responsabilidade 'dos indivíduos perante asnormas e os tabus (comportamento que, dentro doscostumes de uma comunidade, é considerado noci-vo e perigoso, sendo por isso proibido a seus mem-bros). Leia no boxe a seguir um resumo desse relatomítico.

A saga de Édipo

Laia . re i da c id ade de Tebas e casado com Joca sta . foi adve rtido pe lo oráculo (resposta que os deuses

davam a quem os consu ltava ) de que não poderia ge ra r filhos . Se es se a viso fosse desobedecido . se ria m orto pe lo

p róp rio filho e m uitas ou tra s de sg raç as su rg ir iam .

La ia não acreditou no orácu lo e teve um filh o c om [ocas ta . Quando a c riança nasceu. po rém . arrepend ido e

com medo da pro fe cia . ordenou que o recém -nascid o fo sse abandonado em um a m o nta nh a. com os tornozelos

fu rado s. am arra dos por um a cor da . O edem a provocado pela fe rida é a orige m do nome Éd ipo. que s ign ifica "pé s

in ch ados" .

Mas o m enino não m orre u. Pastores o e nc on tra ram e o leva ram ao re i d e C o rin to . Po libo . que o criou com o

se fo sse seu própr io fil ho . Já adu lto . ao ouvi r rumo res de que era filho ilegít imo. p rocu ra o o rácu lo de De lfos em

busc a da verdade. O orácu lo não re sponde à s ua dúv ida . m as re vela seu trág ico destino: ma ta r o pa i e s e c as ar

com a mãe. Para e vita r que a pro fecia a co nteç a. fo ge de C orin to em d ireção a Tebas. No deco rre r da v iagem .

en co n tra -se com o re i d e T eb as . Laio . A rro gante . o re i orden a-lh e que de ix e o cam inho liv re pa ra su a pass agem .

Éd ipo desobedece às o rdens do desc onhec ido e um a lu ta se tra va en tre ambos. na qua l É dipo m ata La ia .

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Unidade 3 A f ilo s of ia n a h is tó ria 1168

Sem saber que havia m atado o próp rio

pa i, prosseguiu sua viagem . No cam inho , ~deparou-se com a Esfinge, um m onstro

m etade leão , m e tade m ulher, que . ~~

lançava enigm as aos via jan tes /~.e.:e devo rava quem não os e~~decifrasse, a to rm en tando os ~

m ora do re s d e T eb as.

A E sfinge apresen ta

a Éd ipo este enigma:

"Q ua l é o an im al que

de m anhã tem quatro

pé s, do is ao m eio-d ia

e três à tarde?". Édipo

responde: "É o hom em .

Po is na m anhã da v ida

(in fâ nc ia ) e ng atin ha c om

pés e mãos : ao m e io-

-d ia (na fase adulta)

anda sob re dois pés: e à

ta rde (ve lh ice ) necessita das

duas pernas e do apoio de

um a benga la". Fu riosa por ver o

e n igma d e cif ra d o, a E sfin ge s e m ata .

Com o recom pensa por ter sa lvoT eba s d esse flag elo , É dipo é p roclam ado

re i e casa-se com a viúva de l.a io . Jocasté ' sua É dip o e a E sfin ge .

m ãe v erda de ira . Um a no va m ald içã o, a p es te, ca i sobre a

cidade. C onsu ltado, o o ráculo respondeu que a peste não findaria até que o assassino de La io f os s e c as tig a do .

Ao longo das investigações pa ra descobrir o crim inoso , a ve rdade é esclarecida. Inconform ado com seu

destino , É dipo cega-se e [ocasta en forca -se . É dipo deixa Tebas, partindo pa ra um exílio na c idade de C olona .

o complexo de Édipo

Como todo m ito , a saga de Édipo ap resen ta ria , em linguagem sim bó lica e cria tiva , a descrição de uma

re alid ad e un iversa l da a lm a h um an a, de ac ordo com as in te rp re taç õe s d es en volv ida s p or Freu d e jun g n a pa ssa ge m

do sécu lo X IX para o sécu lo XX (con fo rm e estudam os no capítu lo 4).E labo rando um a re in te rp re tação psico lóg ica desse m ito g rego , Freud transform ou-o em e lem ento

fundam enta l da teo ria psicanalítica , sob o nom e de complexo de Édipo.

O comp lexo de Éd ipo pode se r entendido com o:

Con jun to organizado de dese jos am orosos e hostis que a criança experim enta re la tivamente aos

pais . Sob a sua cham ada forma positiva, o comp lexo ap resen ta -se com o na h istó ria de Éd ipo re i:

desejo da m orte do riva l, que é a personagem do m esm o sexo, e desejo sexual pe la personagem do

sexo oposto . Sob sua fo rm a nega tiva , ap resen ta-se inve rsam ente: am or pelo progen ito r do m esm o

sexo e ódio c ium en to ao progen ito r do sexo opos to. Na rea lidade , estas duas fo rm as encon tram -se

em graus d ive rsos na cham ada fo rm a com ple ta do com plexo de Éd ipo .Segundo Freud , o com plexo de Édipo é viv ido no seu periodo m áx imo en tre os três e cinco anos [.. .].

O com plexo de Éd ipo desem penha um papel fundam en ta l na estru turação da personalidade e naorientaçã o do desejo hum ano . (LAPLANCHE e PONTALlS, Vocabu lá r io d a ps ic aná li se , p . 11 6).

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Pólis e ra zãoRetornemos a nosso tema, o nascimento da filo-

sofia. Segundo análise do historiador francês jean--Pierre Vernant (1914-2007), o momento históricoda Grécia antiga em que se afirma a utilização dol ogo s (a razão) para resolver os problemas da vidaestaria vinculado ao surgimento da pólis, cidade--Estado grega.

A pólis foi uma nova forma de organização so-cial e política desenvolvida entre os séculos VIII eVI a.c. Nela, eram os cidadãos que dirigiam osdestinos da cidade. Como criação dos cidadãos, e

não dos deuses, a pólis estava organizada e podia

1691 Capítu lo 10 F ilosofia an tiga : pensam en to pr é-socrá tic o

ser explica da de forma racional, isto é, de acordocom a razão.

Debate em praça pública

A prática constante da discussão política em pra-ça pública pelos cidadãos - especialmente em Ate-nas - contribuiu para que o raciocínio bem formu-lado e convincente se tornasse, com o tempo, omodo adotado para refletir sobre todas as coisas,não só as questões políticas. Por isso, para Vernant,a razão grega é filha da pólis, e o nascimento da fi-losofia relaciona-se de maneira direta com o univer-

so espiritual que assim surgiu:

o que im p lica o s is tem a da pó lis é prim eiram en te um a ex trao rd in ária p re em in ên ciada pa lavra sobre todos os ou tros ins trum entos de poder. [. ..] A pa lavra não é m ais o

te rm o ritua l, a fó rm ula jus ta , m as o debate con trad itó rio , a d iscussão , a argum en -tação [...]. A arte po lítica é essenc ia lm en te exerc íc io da linguagem ; e o I ogas , na

origem , tom a consc iênc ia de s i m esm o, de suas regras , de sua eficác ia , a través de

s ua fu nç ão p olític a. [...]Um a segunda carac te rís tica da pó lis é o cunho de p lena pub lic idade dada àsman ifes tações m ais im portan tes da v ida soc ia l. [ .. .] A c ultu ra g re ga c on stitu i-s e,

dando a um círcu lo sem pre m ais amp lo - fina lm ente ao demos [povo ] todo - oacesso ao m undo esp iritua l, reservado no in ício a um a aris tocrac ia [...]. T or-

nando -se e lem entos de um a cu ltu ra com um , os conhec im en tos , os va lo res , astécn icas m enta is são levadas à praça púb lica , su je ito s à crítica e à controvérsia.

[. ..] D ora va nte , a d iscussão , a a rgum entação , a po lêm ica to rnam -se as regrasdo jogo in te lec tua l, ass im como do jogo po lítico . E ra a pa lavra que formava, noquad ro da c idac(e , o in s tr umen to da v ida púb lica ; é a escrita que va i fo rnecer, noplano propriamente in te lec tua l, o me io de um a cu ltu ra com um e perm itir uma

com ple ta d ivu Igação de con hec i m en tos prev ia m ente reservados ou i nte rd ito s .

(VERNANT,s o r ig ens do pensamen to g rego , p. 34-36).

1. "Lagos e m ito são as duas m etades da lingua-gem , duas funçõe s ig ua lm ente fundamentaisda v ida do esp írito ." O que quer d izer PierreG rim a l com essa afirm ação?

2. Po r que se pode d izer, baseado no estudo dohe len is ta Jean-P ie rre Vernant, que o surg i-m en to da fi loso fia fo i engendrado em "praçapúbl ica"?

Conversa f ilosófica

1. A persistência dos mitos

"Acred ita -se ou não ne le (o m ito ), con fo rm e a própr ia von tade , med ian te um ato de fé , caso p areça 'be lo 'ou ve ro ss ím il, o u sim ple sm en te porque se quer acredi tar." (G RIMAL,A mito/agia grega, p . 89).

Refl i ta sob re essa afirm ação , in ve st igue o tem a e procure iden tifica r a lguns m itos do mundo a tua l. De-pois , com pa rtilhe com a c lasse s ua s re flexões e descobertas .

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Unidade 3 A filoso fia na h is tó ria

PRÉ-SOCRÃ TICOS

Os primeiros filósofosgregos

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugu-

ral da filosofia grega é conhecida como período pré--socratíco (isto é, anterior a Sócrates). Assim, esse

período abrange o conjunto das reflexões filosóficas

desenvolvidas desde Tales de Mileto, no século VII

a.c., até o surgimento de Sócrates, no século V a.c.

É difícil conhecer o pensamento desse período

em toda a sua dimensão, pois são poucos os escritos

encontrados dos seus pensadores, e até mesmo as

datas de nascimento e morte são incertas.

Cabe ressaltar, também, que alguns filósofos cha-

Mar Jônico

IDxtensão da Grécia no séc. VI a.C. I

1170

mados de "pré-socráticos" foram contemporãneos de

Sócrates, mas são assim designados porque mantive-

ram o tipo de investigação de seus predecessores, cen-

trado na natureza (como vimos no capítulo 5 e que

estudaremos em seguida com mais detalhes). Sócra-

tes, por sua vez, inaugurou outro tipo de reflexão,

centrada no ser humano, dando início a outra tradi-

ção filosófica (como veremos no próximo capítulo).

Pensadores de MiletoQuando afirmamos que a filosofia nasceu na Gré-

cia, devemos tomar essa afirmação mais precisa. Afi-

nal, nunca houve, na Antiguidade, um Estado gregounificado. O que chamamos de Grécia nada mais era

que o conjunto de muitas cidades-Estado (pólis), inde-pendentes umas das outras e muitas vezes rivais.

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Fonte: ALBUQUERQUE, Manoel Mauricio de et aI. A tl as histó rico esco la r. 8. ed. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1986. p. 77.

No vasto mundo grego, a filosofia teve como ber-

ço a cidade de Mileto, situada na jõnia, litoral oci-

dental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas

influências culturais e por um rico comércio, Mileto

abrigou os três primeiros pensadores da história oci-

dental a quem atribuímos a denominação filósofos.

São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

Destaca-se, entre os objetivos desses primeiros

filósofos, a construção de uma cosmologia - expli-

cação racional e sistemática das características do

universo - que substituísse a antiga cosmogonia -

explicação sobre a origem do universo baseada nos

mitos (conforme estudamos mais detalhadamente

no capítulo 5).

Por isso, tentaram descobrir, com base na razão

e não na mitologia, o princípio substancial ou

substância primordial (a arché, em grego) existente

em todos os seres materiais. Ou seja, pretendiam

encontrar a "matéria-prima" de que são feitas todas

as coisas (reveja o trecho sobre a busca da arché no

capítulo 5). Qual era a arché para cada pensador pr é-

-socrático? É o que detalharemos em seguida.

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Tales: a água""""'~~~=~

Acredita-se que Tales teria aprendido boa parte de seusconhecimentos com egípcios e babilônios. Considerado

o primeiro pensador grego, "o pai da filosofia", e o maisantigo dos sete sábios da Grécia, buscou a construção dopensamento racional em diversos campos do conhecimento,

como a astronomia e a geometria.

Tales de Mileto (c. 623-546 a.c.) é tido como opensador que deu início à indagação racional sobreo universo. Inspirando-se provavelmente em con-

cepções egípcias, acrescidas de suas próprias obser-vações de corpos hídricos - como rios e mares -,bem como da vida animal e vegetal, ele dizia: "Tudoé água".

Para ele, a água - por permanecer basicamente amesma, em todas as transformações dos corpos,apesar de assumir diferentes estados (sólido, líquidoe gasoso) - seria a a rché , a substância primordial, aorigem única de todas as coisas, presente em tudo oque existe.

Como princípio vital, a água penetraria todas as

coisas e tudo seria animado por ela, de tal modo quetudo teria alma (isto é, anim a ou p syc hé ). Por isso,tudo seria divino (ou "cheio de deuses"), não haven-do separação entre o sagrado e o mundano. O uni-verso seria uno e homogêneo.

1711 Capítulo 10 Filosofia antiga: pensamento pré-socrático

Apesar da simplicidade da afirmação de Tales arespeito da água - e considerando que a água nãorepresentava para ele o mesmo que representa hojepara nós -, pela primeira vez tentava-se explicar amultiplicidade da realidade de maneira sintética esimples, empregando um elemento natural e con-creto, visível para todos.

Era também a primeira concepção monista dafilosofia, isto é, que considera que tudo o que existepode ser reduzido a um princípio único ou realida-de fundamental. Muitas outras surgiriam depois (re-veja o tema do monismo, no capítulo 5).

CONEXÕES

1. Pesquise a quantidade de água que há noplaneta e no corpo humano. Relacione a in-formação que você encontrar com a teoriade Tales de Mileto.

Anaximandro: O indeterminado

o

Anaximandro teria desenvolvido diversos estudos e trabalhosnas áreas de geometria, geografia e astronomia. A ele sãoatribuídas, por exemplo, a confecção de um mapa celeste ede um mapa terrestre das regiões habitadas, a introdução do

gnômon (relógio de sol) na Grécia e a tese de que a Terra écilíndrica e estaria no centro do universo.

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Unidade 3 A filosofia na história

Outro milésio, Anaximandro (c. 610-547 a.C},discípulo de Tales, procurou aprofundar as concep-ções do mestre sobre a origem)ínica de todas as coi-sas e resolver os problemas que este lançara.

Em meio aos diversos elementos observáveis edeterminados no mundo natural, pares de contrá-rios que se "devoram entre si" (água, terra, ar efogo), Anaximandro acreditava não ser possíveleleger uma única substância material como princí-pio primordial de todos os seres, a arché. Ele diziaque tinha de ser alguma substância diferente, ili-mitada, e que dela nascessem o céu e todos osmundos nele contidos.

Assim, para esse filósofo, o princípio primordialdeveria ser algo que transcendesse os limites do ob-servável, ou seja, não se situaria em uma realidadeao alcance dos sentidos, como a água. Por isso, de-nominou-o ápeiron, termo grego que significa "oindeterminado", "o infinito" no tempo.

O ápe i ron seria a "massa geradora" dos seres e docosmo, contendo em si todos os elementos opostos.Segundo sua explicação, por diversos processos na-turais de diferenciação entre contrários (porexemplo, frio e calor) e de evaporação teriam surgi~

do o céu e a Terra, bem como os animais, em umasucessão evolutiva que faz lembrar a bem posteriorteoria da evolução das espécies (do século XIX).

O cosmo se manteria por compensações cíclicasentre os contrários (as sucessivas estações do ano) atéser reabsorvido no ápeiron e recriado novamente apartir deste. Ou seja, trata-se de um cosmo dinâmicomas limitado no tempo (que é cíclico) e que tem suaorigem e seu fim no ápeiron , o qual é infinito.

Temos, desse modo, certo retorno' a algumasconcepções relativas aos deuses primordiais (aoCaos mítico, por exemplo), porém sem voltar di-

retamente a eles e com maior grau de abstraçãoconceitual e justificação lógica (d. BERNHARDT,pensamento pré-socrático: de Tales aos sofistas,em CHÂTELET,is tó ria d a filo so fia : ideias, doutri-nas, v. 1, p. 30).

Anaxímenes: O ar

Um terceiro milésio, Anaxímenes (c. 588-524a.c.), discípulo de Anaximandro, concordava que aorigem de todas as coisas é indeterminada. Entre-

tanto, recusou-se a atribuir a essa indeterminação ocaráter de arché.

Para ele, esta não poderia ser um elemento situ-ado fora dos limites da observação e da experiênciasensível, como o ápe i ron de Anaximandro.

1172

Em discordãncia com aspectos do pensamentodos dois mestres anteriores, mas buscando uma sín-tese entre eles, Anaxímenes incorporou argumentosde ambos e propôs o ar como princípio de todas ascoisas: "Como nossa alma, que é ar, soberanamentenos mantém unidos, assim também todo o cosmosopro e ar o mantêm" (ANAXÍMENES,m SOUZA,ré--socrático s , p. 51).

O ar seria um elemento mais sutil que a água,quase inobservável, mas que nos animaria, nos da-ria vida, como testemunha nossa respiração. Infinitoe ilimitado, penetrando todos os vazios do universo,o ar constituiria uma arché mais determinada que o

ápe i ron. Também seria um princípio ativo, geradorde movimento, como nos ventos.

Segundo Anaxímenes, pelos processos de rarefa-ção e condensação se formariam os outros elemen-tos - que, para os antigos, eram a terra, a água e ofogo, além do próprio ar - e, a partir destes, todosos demais. A terra, por exemplo, seria o estado maiscondensado (isto é, de menor volume) do ar, en-quanto o fogo seria o mais rarefeito (isto é, de maiorvolume). Nascido do ar e movido por ele, o cosmoseria uma espécie de respiração gigante.

Anaxímenes nasceu em Mileto e foi discípulo e sucessor deAnaximandro. Teria defendido teses astronômicas acertadase equivocadas, como as de que a Terra é plana e estariaassentada sobre o ar, a luz da Lua é reflexo da luz do Sol eseus eclipses são consequência de terem sido obstruídos por

outro corpo celeste.

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Pitágoras: os números

Conta-se que Pitágoras sofreu perseguição política em sua

terra natal, a ilha de Samos (situada na costa jônica, nãodistante de Mileto), sendo obrigado a exilar-se em Crotona,na Magna Grécia, onde fundou uma sociedade secreta, decaráter místico-filosófico. Por seu projeto polí tico, foi expulsotambém de Crotona. As principais contribuições da escolapitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática(lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e daastronomia.

Resposta bastante distinta na busca da arché veiode Pitágoras de Samos (c. 570-490 a.c.). Profundoestudioso da matemática, Pitágoras defendeu a tesede que todas as coisas são números.

Conta-se que, para chegara essa tese, primeiroteria percebido que à harmonia dos acordes musi-cais correspondiam certas proporções aritméticas.Supõs, então, que as mesmas relações se encontra-riam na natureza. Unindo essa suposição aos seusconhecimentos de astronomia - que podia, porexemplo, calcular antecipadamente o deslocamentodos astros -, concebeu a ideia de um cosmo harmõ-nico, regido por relações matemáticas (teoria daharmonia das esferas).

Se para Pitágoras "tudo é número", isso quer di-zer que o princípio fundamental (a arché) seria a es-

trutura numérica, matemática, da realidade. A dife-rença entre as coisas resultaria, essencialmente, deuma questão de números. Os pitagoricos enten-diam, por exemplo, que os corpos eram constituí-

1731 Capítulo 10 Fil osofia antiga: pensam ento pr é-socrático

dos por pontos e a quantidade de pontos de umcorpo definiria suas propriedades.

O mundo teria surgido da fixação de limites parao ilimitado (o ápeiron), da imposição de formas nu-méricas sobre o espaço. E da estrutura numérica darealidade derivariam problemas como finito e infini-to, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e cur-va, círculo e quadrado etc.

Observe que, com Pitagoras, pela primeira vezna história da filosofia ocidental se introduzia naexplicação da realidade, um elemento mais formal ,

fundado na ordem e na medida.

Formal - q ue c on side ra as relaç ões exis tentes ent re os termos deuma o pe ra çã o d o e nte ndim ento , independe ntemen te da m até ria o u

conteúdo dessa operaç ão.

Há, portanto, um monismo em Pitágoras, quan-do-ele diz que tudo é número. No entanto, seu prin-cipio sobre a origem do mundo pode também serentendido como dualista. Segundo essa doutrina, omundo surgiu de um ápeiron determinado pelo li-mite, princípio este que instaura o múltiplo, masmantém a unidade e a ordem universal. O limite

operaria como um deus, ou seria o próprio Deus (cfBERNHARDT, pensamento pré-socrático: de Talesaos sofistas, em CHÂTELET,is tó ria da filo so fia : ideias,doutrinas, v. 1, p. 34).

Apaixonados pela matemática, os pitagóricosaliaram aos números concepções não apenas filosó-ficas, mas também místicas, desenvolvendo uma vi-são espiritual da existência. Por isso, propunham epraticaram um estilo de vida baseado na crença deque a alma é prisioneira do corpo e que dele se libe-ra com a morte. Poderia, então, reencamar-se emuma forma de existência mais elevada, dependendodo grau de crescimento e virtude que a pessoa tives-se alcançado. Assim, para eles, o principal propósitoda existência humana seria o de purificar a alma eelevar suas virtudes.

As doutrinas pitagóricas tiveram grande influên-cia sobre PIatão e o platonismo. Recordemos, porúltimo, que se atribui a Pitágoras o uso da palavrafilosofia pela primeira vez.

CONEXÕES

2. Em sua opinião, seria possível estabeleceralguma relação entre o pensamento de Pitá-goras e a ciência moderna? Por quê?

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Unidade 3 A filosofia na história 1174

Heráclito: fogo e devir

Heráclito nasceu no seio da nobreza governante de Éfeso.Também conhecido como "o Obscuro", desenvolveu umpensamento assistemático e polêmico. Escreveu sob a formade aforismos, isto é, frases curtas e marcantes, muitas vezesde sentido simbólico.

Em outra cidade jóníca, Éfeso,também se desen-volveu um pensamento distinto e original. Isso se

deveu a Heráclito (c. 535-475 a.Ci), estudioso danatureza e preocupado com a arché .

Assim como os pensadores de Mileto, Heráclito ob-servava que a realidade é dinâmica e que a vida está emconstante transformação. Mas, diferentemente dos mi-lésios - que buscavam na mudança aquilo que perma-nece -, decidiu concentrar sua reflexão sobre o quemuda. Assim, o filósofo dirá que tudo flui, nada per-siste nem permanece o mesmo. O ser não é mais queo vir a ser. 'Tu não podes descer duas vezes no mesmorio, porque novas águas correm sobre ti" (HERÁCLITO,em SOUZA,ré -socrát icos, p. XXXI).

Heráclito também observou, como seus predeces-sores, a atuação dos opostos na natureza (frio e calor,seco e úmido etc.), mas radicalizou essa observação,conferindo papel essencial a esse conflito em sua cos-

mologia. Para ele, o fluxo constante da vida seria im-pulsionado justamente pela luta de forças contrárias:

a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio,a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, oracional e o i rracional, a alegria e a tristeza etc. Assim,afirmava que "a luta (guerra) é a mãe, rainha e princí-pio de todas as coisas". É pela luta das forças opostasque o mundo se modifica e evolui.

Por isso, Heráclito imaginou que, se devia haverum elemento primordial da natureza, este teria queser o fogo, com chamas vivas e eternas, governandoo constante movimento dos seres.

E ste m un do , q ue é o mesm o para to do s, n e-nh um dos deuses ou dos hom ens o fez; m asfo i se mp re , é e será um fogo eternam entev ivo , que se acende com m edida e se apagac om m ed id a. ( H E R Á C L lT O , em S O U Z A , Pré -soc rá -

ti c o s , p ; XXVIII).

A medida desse acender e apagar do fogo seriadeterminada pelo l ogo s - o pensamento, a razão -,que, para Heráclito, era a razão criadora e unifica-dora das tensões opostas, a razão-discurso do filóso-fo: "É sábio escutar não a mim, mas a meu discurso"

(HERÁCLITO,m SOUZA,ré -socráticos , p. xxx). Ele res-gatava, assim, a unidade, mas uma unidade descor-tinada pela mente atenta, desperta, em vigília.

Pela importância que deu ao movimento, a es-cola heraclitiana de pensame~to é chamada de mo-bilista. Apesar de não ter sido muito bem vistoentre seus contemporâneos e estudiosos posterio-res, Heráclito é considerado um dos mais destaca-dos filósofos pré-socráticos e o primeiro granderepresentante do pensamento dialético. Teria ins-pirado filósofos como Nietzsche, Hegel e Heideg-ger, entre outros.

CONEXÕES

3. Refl i ta sob re a a fi rmaçã o de H erác lito de quenão podem os en tr a r duas vezes no mesm ori o . Obse rve a v ida . V o cê c on se gue percebe rque nossa exper iênc ia co tid iana . o que ve-m os. ouv imos . sen t imos. se ja um flu xo per-manen te de im pressões que nunca são total-m en te ig ua is ?

Pensadores de EleiaAs diversas cosmologias que acabamos de estudar

despertaram, na época, uma nova questão. Por quetanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?

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Foi assim que surgiu na cidade de Eleia outraforma de reflexão sobre a realidade, a qual se oporiatanto à preponderância fisicista dos pensadores deMileto como ao mobilismo de Heráclito. Trata-se dachamada escola eleática, da qual Parmênides foi oprincipal expoente.~

Parmênídes: O ser

Parmênides nasceu em Eleia, na Magna Grécia (litoral sule sudoeste da península Itálica), no seio de uma famílianobre. Paramuitos, foi o principal filósofo pré-socrático,exercendo grande impacto no pensamento de Platão, queo chamava de Grande Parmênides. Suas reflexões sobre

o ser constituíram os primeiros passos da ontologia e dalógi ca .

Parmênides (c. 510-470 a.c.) entendia que oequívoco das pessoas e dos demais pensadores eraconceder demasiada importância aos dados forne-cidos pelos sentidos (recorde-se que, conformevimos no capítulo 2, Descartes diria algo parecidomais de dois mil anos depois). Embora tambémpercebesse pela via sensorial a mudança e o movi-mento no mundo, achava contraditório buscar aessência (a arché) naquilo que não é essencial,

buscar a permanência naquilo que não permanece(a mudança, o movimento), ou supor que aquiloque é permanente pudesse converter-se em algoimpermanente.

1751 Capítu lo 10 Filosofiaantiga: pensamentopré -so cr át ico

Assim, Parmênides optou por escutar o que lhedizia a

razão -e não os sentidos, que o faziam sentir

a mudança - e proclamou que existe o ser e não éconcebível sua não existência. Desse modo: "O ser ée o não ser não é". Tentemos compreender melhoressa frase, aparentemente tão óbvia:

• da primeira oração ("o ser é") podemos extrairque o ser (aquilo que é) é eternamente, pois oser constitui, para ele, a substância permanentedas coisas. Portanto, o ser é de maneira imutávele imóvel, e é o único que existe. O ser é a archéde Parmênides, não identificada com nenhum

elemento natural, sensível, mas, ao mesmo tem-po, equivalente a toda corporeidade, com tudoo que existe, pois o ser é uno, pleno, contínuoe absoluto;

• na segunda oração ("o não ser não é"), temos queo não ser (a negação do ser) não é, não tem ser,subsfcia, essência. Portanto é nada, não existe.Essa e uma conclusão lógica, pois se o ser é tudo,o não ser só pode não existir. Para Parmênides, onão ser se identificaria com a mudança (o devir),pois mudar é justamente não ser mais aquilo que

era, nem ser ainda algo que é.

Em vista dessa formulação, Parmênides é conside-rado o primeiro filósofo a expor o princípio de iden-

tidade (A = A) e de não contradição (se A = A, éimpossível, ao mesmo tempo e na mesma relação,A = não A), cuja argumentação seria depois mais bemdesenvolvida por Aristóteles (para saber mais, veja aexplicação desses princípios no quadro sobre lógica,no final do livro).

Em seu poema filosófico S ob re a n at ur ez a (aliás,nessa época, a maioria dos pensadores escrevia soba forma de poemas), Parmênides expôs que doiscaminhos para a compreensão da realidade têmsido trilhados. O primeiro é o da verdade, da ra-zão, da essência. O segundo é o da opinião, daaparência enganosa, que ele considerava a via deHeráclito. Quando a realidade é pensada pelo ca-minho da aparência, tudo se confunde em movi-mento, pluralidade e devir. De acordo com Parmê-nides, essa via precisaria ser evitada para não ter-mos de concluir que "o ser e o não ser são e nãosão a mesma coisa", o que seria um contrassenso,

uma formulação ilógica.Foi a partir dessa discussão sobre os contrários,

sobre o ser e o não ser, que se iniciaram a lógica e aontologia e suas relações recíprocas.

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Unidade 3 A filosofia na história

Zenão

Junto com Parmênides e Xenófanes (pensador nãoestudado nesta obra), Zenão de Eleia é considerado um

dos principais filósofos da escola eleática.

Discípulo de Parmênides, Zenão de Eleia (c. 488--430 a.c.) elaborou argumentos para defender adoutrina de seu mestre. Com eles pretendia de-monstrar que a própria noção de movimento erainviável e contraditória.

1176

Desses argumentos, talvez o mais célebre seja oparadoxo de Zenão, que se refere à corrida deAquiles (herói grego, segundo a mitologia) comuma tartaruga. Dizia Zenão:a) Se, na corrida, a tartaruga saísse à frente de Aqui-

les, para alcançá-Ia ele precisaria percorrer umadistância superior à metade da distância inicialque os separava no começo da competição.

b) Entretanto, como a tartaruga continuaria se 10 -

comovendo, essa distância, por menor que fos-se, teria se ampliado. Aquiles deveria percorrer,então, mais da metade dessa nova distância.

c) A tartaruga, contudo, continuaria se movendo,

e a tarefa de Aquiles se repetiria ao infinito, poiso espaço pode ser dividido em infinitos pontos.

Na observação que fazemos do mundo, atravésde nossos sentidos, é evidente que o argumento deZenão não corresponde à realidade. Por isso, é

( chamado de paradoxo, isto é, um raciocínio que~arece correto e bem fundamentado, mas cujo re-sultado entra em contradição com a experiência domundo real.

Geralmente isso ocorre porque se trata, na verda-

de, de uma falácia, ou seja, um raciocínio logica-mente equivocado que leva a uma conclusão errô-nea, com aparência de verdadeira. Mas enquantonão se sabe se existe e onde está a falácia, o que te-mos é um paradoxo (cf. BUNCH, Ma te m át ic a i ns ól it a:

paradojas y paralogismos, p. 1-2).

Os paradoxosde Zenão foramdebatidos durante

séculos por

filósofos, f ísicos ematemáticos. E hojejá existe um cálculo

que demonstra queAquiles alcançou a

tartaruga.

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Os argumentos usados por Zenão demonstramas dificuldades pelas quais passou o pensamento ra-cional para compreender conceitos como movimen-to, espaço, tempo e infinito, entre tantos outros.

íEmpédocles: quatro elementos

~I.1 .

·Ploa ./"."".,.. ~_ • . . .

. ~PITlfl1t1" ,..E II

o filósofo, médico, professor, místico e poeta Empédoclesnasceu em Aeragas, hoje Agrigento, então parte da MagnaGrécia. Além de defensor da democracia, foi um profundoteórico da evolução dos seres vivos. É considerado o primeiro

sanitarista da história.

Empédocles (c. 490-430 a.C, aproximadamente)

esforçou-se por conciliar as concepções de Parmêni-des e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racíonalida-de que afirma a existência e permanência do ser ("oser é"), mas procurava encontrar uma maneira de tor-nar racional os dados captados por nossos sentidos.

Defendeu, assim, a existência de quatro elementos

primordiais, que constituem as raízes de todas as coisaspercebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elemen-tos seriammovidos e misturados de diferentes maneiras

em função de dois princípios universais opostos:• amor (philía , em grego) - responsável pela força

de atração e união e pelo movimento de crescen-te harmonização das coisas;

17 71 Capítulo 10 Filosofia antiga: pensamento pré-socrático

• ódio (ne ik o s , em grego) - responsável pela forçade repulsão e desagregação e pelo movimento dedecadência, dissolução e separação das coisas.

Para Empédocles, todas as coisas existentes narealidade estão submetidas às forças cíclicas dessesdois princípios. .

Demócrito: O átomo

lDemócrito nasceu em Abdera, cidade situada no litoralmediterrâneo, entre a Macedônia e a Trácia (região que hojepertence ao nordeste da Grécia). Teria sido discípulo deLeucipo, supostamente o verdadeiro fundador do pensamentoatomista. No entanto, a existência real de Leucipo ainda édiscutível para alguns estudiosos.

Finalmente, destacou-se na busca pela arché a res-posta concebida por Demócrito (c. 460-370 a.C).

Antes, porém, é preciso ressaltar que, embora seja

considerado um pré-socrático, Demócrito viveu namesma época de Sócrates de Atenas, sendo talvezapenas cerca de 10 anos mais novo que este. Apesarda simultaneidade cronológica, essa classificaçãotradicional justifica-se pelo fato de que o pensamen-to democrítico inscreve-se na tradição de busca deuma arché explicativa de tudo o que existe, própriados pré-socráticos.

Demócrito foi o filósofo responsável- junto comseu mestre, Leucipo - pelo desenvolvimento deuma doutrina conhecida pelo nome de atomismo.

Concordava com a necessidade de plenitude e uni-

dade do ser (como havia afirmado Parmênides),mas não aceitava que o não ser (o movimento, amultiplicidade) fosse uma ilusão. Para ele, a experiên-cia do movimento era justamente a prova da exis-

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U n id a d e 3 A f i l o s o f ia n a h is t ór ia

tência de um não ser, que em sua concepção era ovazio. Sem espaço vazio, nenhuma coisa poderia semover, argumentava o filósofo.

Segundo sua doutrina, todas as coisas que for-mam a realidade são constituídas por partículas in-

í.visíveis (porque muito minúsculas) e indivisíveis.Denominou-as, por isso, átomos, palavra de origemgrega que significa "não divisível" (a , negação; t omo ,

"parte, divisão"). O átomo demo crítico seria equiva-lente ao ser parmenídico: uno, pleno e eterno.

No entanto, além dos átomos, Demócrito conce-beu a noção de que toda a realidade é compostatambém do vazio, que representaria a ausência de

ser (o não ser). Devido ao vazio, torna-se possível omovimento do ser - que é o movimento dos áto-mos, segundo a teoria atomista,

Os átomos seriam homogêneos entre si, isto é,teriam o mesmo ser, a mesma natureza Iundamen-tal. No entanto, seriam infinitos em número porsua figura ou configuração. Nesse sentido, seriamheterogêneos e nunca se converteriam uns nos ou-tros, razão pela qual o atomismo é considerado umadoutrina pluralista por grande parte dos autores.

Há também um dualismo em sua concepção,pelo fato de afirmar que toda a realidade é composta

de átomos e vazio. Mas sabemos que o vazio eraentendido por Demócrito como não ser, de tal ma-neira que não era uma substância, não constituindo,portanto, uma arché em seu sentido pleno.

Demócrito também entendeu que os átomos es-tão em constante movimento espiralado (de vórti-ces), chocando-se uns com os outros, ao acaso.Nesses entrechoques, podem atrair-se e aglomerar--se ou repelir-se e separar-se. Quando os átomos seaglomeram (sempre com certo vazio entre eles paraque realizem sua movimentação eterna), formam-seos distintos corpos, com suas qualidades específi-cas, que nossos sentidos percebem.

1178

As distintas e infinitas composições dos átomoseram explica das por Demócrito de acordo com trêsfatores básicos:• figura - a forma geométrica de cada átomo que

compõe o corpo, bem como sua grandeza e seupeso. Assim, átomo de figura' A;o!átomo de figu-ra B. O fogo, por exemplo, seria um aglomeradode átomos de mesma figura, todos redondos, pe-quenos e leves, de acordo com Demócrito;

• ordem - a sequência espacial dos átomos demesma figura que compõem um corpo. Assim,AB;o!BA;

• posição - a situação de cada átomo em relaçãoàs coordenadas espaciais. Assim, B ;o!= O .

Os pensamentos e a alma eram explicados demaneira semelhante, pela aglomeração de átomosmais leves e sutis. E o nascimento e a morte nãoexistiriam, no sentido de uma geração ou corrupçãoda matéria (isto é, transformações qualitativas); se-

( riam apenas o resultado da união ou separação deátomos, e estes se manteriam sempre os mesmos,eternos. Daí a afirmação de Demócrito de que "nadanasce do nada, nada retoma ao nada". Tudo temuma causa. E os átomos seriam a causa última do

mundo.Por essa razão, o atomismo passou à história

como uma teoria mecanicista, pois explica tudo apartir dos átomos (matéria) e seus movimentos. Nomecanicismo, a sucessão do? acontecimentos é ne-cessária - no sentido de que segue uma lei naturalque a determina -, mas ocorre ao acaso - no senti-do de que não tem um projeto ou finalidade (nãoque não tenha uma causa). É como o mecanismo deuma máquina, que não define nada, apenas funcio-na de acordo com as leis físicas. Assim devia pensarDemócrito quando disse que tudo o que existe no

universo nasce do acaso ou da necessidade.

PRÉ-SOCRÁTICOS (período cosmológico da filosofia grega)

Monistas* Pluralistas*

Milésios Eleatas Pitagóricos Atomistas

TalesHeráclito

XenófanesEmpédocles

Anaximandro Parmênides PitágorasLeucipoDemócrito

Anaximenes Zenão

*Monistase pluralistas conforme os aspectos enfocadosneste capítulo.

[Observa ão: C o m e xc e çã o d as e sc ola s e le á t ic a e p it a gó ric a d e p en sa m en to ( q ue p ro pu se ra m u m a arehé m a is a b s tr a ta ), a s c on ce pç õe s d os p r é - i- s o c rá tic o s c o s tu m a m s e r c o n s id e r a d a s f is ic a l is ta s o u m a te ria lis ta s , s e ja p o r q u e s e u e n f o q u e d e u -s e p rin c ip a lm e n te s ob re a physis, s eja p or q ue te nd er a m aid e n ti f ic a r e n tid a d es f í sic a s c o m o p rin c íp io s e xp lic at iv os d e t o da a r e al id ad e . I s so n ão q ue r d iz e r q ue e ss e s f iló so fo s n eg as se m a e xi s t ê nc ia d a a lm a o u d os

d e u s es . O e nf r e nt a m en to e nt r e m a té ria e e sp ír i t o o u c or p o e m e n te n ão h av ia s ur g id o a in da n a h is tó ri a d as id e ia s. P a r a e le s, t a n to a a lm a c om o o s d eu se s

p a r t i c i p a v a m d o s m e s m o s p r in c íp io s , d a m e s m a arehé q u e c o n c e b ia m p ar a tu d o, c o m o f ic a c la r o n o a to m i s m o . E ss a n o ç ã o c o m e ç a ria a m u d ar c o m o

d u a lis m o p la t õn ic o ( te m a d o p r ó x im o c a p í t u l o ) .

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1791 Capítulo 10 F il os o fi a a n ti ga : p e nsament o p r é- so c rá t ic o

A n á l i s e e e n te n d im e n to

3. Qual era a preocupação central dos filósofosde Mileto e o que encontrou cada um em suabusca?

6. Comente as divergências fundamentais entreParmênides e Heráclito sobre a realidade do ser.

í7. Qual o objetivo de Zenão de Eleia ao criar

célebres argumentos, como o da corrida deAquiles com uma tartaruga?

4. O pensamento de Pitágoras introduziu pelaprimeira vez, na história da filosofia ocidental.um aspecto mais formal na explicação da rea-lidade. Que aspecto é esse? Por que é maisformal? Em comparação a quê? Justifique suaresposta com exemplos.

5. Qual é a concepção de realidade cont ida nes-ta frase de Heráclito: "A luta é a mãe, rainha eprincípio de todas as coisas"?

8. Empédocles tentou conciliar as concepçõesde Parmênides e Heráclito. Como essatentati-va de conciliação se expressa em sua teoria?

9. De que maneira o pensamento de Demócritotambém formula uma solução que concilia a imo-bilidade do ser com o movimento do mundo?

C o n v e r s a f i l o s ó f ic a c2. Filosofia pré-socrática e mito

A filosofia nasceu promovendo a passagemdo saber mítico ao saber racional, sem, entre-tanto, romper com todas as estruturas expli-cativas do mito. Que elementos míticos vocêpode identificar no pensamento dos filósofospré-socráticos estudados neste capítulo? Pes-quise e reflita sobre o assunto.

os cidadãos, que pouco debatem e quase nadadecidem sobre as grandes questões da vida pú-blica. Seria possível cada cidadão, como um filó-sofo, voltar a expressar e discutir suas opiniõesem espaço público? O que teria que mudar?Discuta esseassunto com seus colegas.

3. Filosofia e cidadania

Segundo Jean-Pierre Vernant, a filosofia gregaé filha da pólis. Por isso, para o grego, o Homo

sapiens é Homo po/iticus, aquele que decideos destinos da sociedade em que vive. Hoje afilosofia está distanciada de suas origens, istoé, não mais constitui uma prática comum entre

4. Tales e os direitos da água .

No dia 22 de março comemora-se o Dia Mun-dial da Água, criado pela ONU em 1992. Nes-sa mesma data, essa organização também di-vulgou a Declaração Universal dos Direitos daÁgua. Você concorda com a importância quetem sido dada à água? O que Tales achariadessa preocupação? Reúna-se com colegaspara discutir esse tema.

P a r a p e n s a r

Apresentamos, a seguir, um texto sobre os pré-socráticos e depois pequenos textos que ilustram aimportância desses pensadores. Leia-os e responda às questões que seguem.

1 . Os pré-socráticos e a ciência

"A ciência se inicia com problemas

Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.

O seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conheci-mento. [...]

Aqui somos forçados a viajar séculos para trás, para os tempos em que nossos pais, os gregos,

começaram a pensar sobre o mundo e a se fazerem as perguntas com que os cient istas lutamaté hoje. Porque as perguntas que eles fizeram não admitiam uma resposta única e final. Eramcomo portas que, uma vez abertas, vão dar numa outra porta, muito maior, é verdade, que porsua vez dá em outra, indefinidamente. E aqui estamos nós abrindo portas com as perguntas quegeraram as nossas chaves. Vamos seguir o seu pensamento.

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U nid ad e 3 A f ilo so fia n a h is tó ria 1180

Você já no tou que a nossa expe riênc ia co tid iana , o que vem os , ouv im os, sen tim os , é um flu xope rm anen te de im pressões que não se repe te nunca? 'Tudo flu i. nada pe rm anece . Não se podeen tra r duas vezes num m esm o rio ', d iz ia H erá c lito de É feso .

A despe ito d isso - e aqu i es tá a lgo que é m u ito cu rio so - nós som os capazes de fa la r sob re asc ois as , d e se r e nte nd id os , d e te r co nhe cim en to .

Nunca m ais have rá nuvens idên ticas àque las que p roduz iram o tem po ra l de on tem . A despe itod is to se re i capaz de iden tifica r nuvens com o nunca ex is tiram an tes e d ize r que de las a chuvav irá . Tam bém nunca m a is te re i um a la ran je ira com o aque la que m o rreu de ve lh ice . M as se re icapaz de iden tifica r um a ou tra da m esm a qua lidade e de p reve r quan to tem po leva rá pa racom eça r a da r os seus fru tos .

C om o exp lica r que o m eu d iscu rso sob re as co isas não fique co lado às suas apa rênc ias? Pa receque , ao fa la r, eu sou capaz de enunc ia r ve rdades escond idas, ausen tes do v is íve l, e xp ress ivas deum a na tu reza p ro funda das co isas . Tan to ass im que , quando fa lo , p re tendo que estou d izendoa ve rdade não apenas sob re aque le m om en to trans itó rio , m as tam bém sob re o passado e ofu tu ro . La ran jas são doces , a água m ata a sede , as es tre la s g iram em to rno da Te rra , o quad radoda h ipo tenusa é igua l à som a dos quad rados dos ca te tos : es tas não são a firm ações sob re ose ns ório im ed ia to . E la s tê m p re te nsõe s u niv ers ais .

E sta fo i a g ra nde o bs ess ão d a filo so fia g re ga re sta be le ce r u m d is cu rso q ue fa la ss e s ob re a n atu re zaín tim a das co isas , que pe rm anece a m esm a e m m eio à m ultip lic id ad e d e s ua s m an ife sta çõe s. [... ]

A le itu ra da filo so fia g rega nos in troduz , passo a passo , às d ife ren tes fases des tã busca , a partirdos filó so fos m ile s ianos que achavam que as co isas m an tinham sua un idade em m eio à m ultip li-c id ad e p orq ue , lá no fundo , todas se reduz iam a um m esm o suco , um a m esm a essênc ia . P rog res -s ivam en te houve um a passagem des ta pos ição , que exp lica a un idade em te rm os de subs tânc ia ,pa ra um a ou tra que cons ide ra que a ques tão fundam en ta l são as re la ções e funções."

AL VES , A filosofia da ciência, p. 40-41 .

"A filo so fia g rega pa rece com eça r com um a ide ia absu rda , com a p ropos ição : a água é a o rigem ea m atr iz de todas as co isas . Se rá m esm o necessá rio de te rm o-nos ne la e levá -Ia a sé rio? S im , e po rtrê s ra zõ es : em p rim eiro luga r, po rque essa p ropos ição enunc ia a lgo sob re a o rigem das co isas ;em segundo luga r, po rque o faz sem im agem e fabu lação ; e , en fim , em te rce iro luga r, p orq ue n ela ,em bo ra apenas em es tado de c risá lida (es tado la ten te , p res tes a se trans fo rm ar), e s tá con tido opensam en to : 'Tudo é Um '. A razão c itada em p rim eiro luga r de ixa Ta les a inda em com un idade como s re lig io so s e s up er stic io so s, a segunda o tira dessa soc iedade e no -lo m os tra com o investigado rda na tu reza , m as, em virtude da te rce ira , Ta les se to rna o p rim eiro filó so fo g re go ."

NIETZSCHE, A filosofia na época trágica dos gregos, em SOUZA, Pré-socráticos, p. 10.

3. Sobre Heráclito

"H erá c lito d iz em a lgum a passagem que todas as co isas se m ovem e nada pe rm anece im óve l.E , ao com pa ra r os se res com a co rren te de um rio , a firm a que não pode ria en tra r duas vezesnum m esm o rio . H erá c lito re tira do un ive rso a tranqu ilidade e a es tab ilidade , po is isso é p róp r iodos m ortos ; e a tr ibu i m ov im en to a todos os se res , e te rn o a os e te rn os, p er ec ív el a os p ere cív eis ."

PLATÃO, Crátilo, em SOUZA, Pré-socráticos, p. 77.

4. Sobre Parmênides

"O se r É ; o não se r Não é . [... ] E s te p r in c íp io , descobe rto po r Pa rm ên ides, é o p r in c íp io ló g icod a id e ntid a de .

P arm ê nid es te m u m a im p ortâ nc ia h is tó ric a im e ns a p ara a filo so fia o cid en ta l. M a s d es de P arm ê nid es ,e por sua cu lpa , tem os do se r um a concepção es tá tica em luga r de um a concepção d inâm ica .

A p ró pria c iê nc ia fís ica s en te -s e a pe rta da d en tro d o c on ce ito p arm en íd ico d a re alid ad e. M as o quenão en tra de m ane ira a lgum a den tro de ta l conce ito do se r é a c iênc ia do hom em . A concepção do

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1811 Capít ulo 1 0 Filo s o fi a a ntig a : pen samen to p ré-socrá tic o

homem como uma essência quieta, imóvel, eterna, e que se trata de descobrir e conhecer [...1 temque ser substituída por outra concepção de vida na qual o estático, o quieto, o imóvel. o eterno dadefinição parmenídica não nos impeça de penetrar por baixo e chegar a uma região vital. a umaregião vivente, onde o ser [.. 1 seja precisamente o contrário: um ser ocasional, um ser circunstan-cial. um ser que não se deixe espetar numa cartolina como a borboleta pelo naturalista.

Parmênides tomou o ser, espet~u-o na cartoli~a há vinte e cinco séculos ~ontinua ~in_da,preso na cartolina, e agora os filosofos atuais nao veem o modo de tirar-lhe o alfinete e de ix á -lovoar livremente.

Este voo, este movimento, esta funcionalidade, esta concepção de vida como circunstância,como chance, como resistência que nos revele a existência de algo anterior à posse do ser, algodo qual Parmênides não podia ter ideia, é isto que o homem tem que conquistar. Mas antes dereconquistá-Io reconheçamos que um filósofo que influenciou durante vinte e cinco séculos demaneira tão decidida o curso do pensamento filosófico merece algo mais que as poucas páginasque lhe costumam dedicar os manuais de filosofia.

GA RC íA MORENTE , Fundamentos de filosofia, p. 70-77.

1. O educador brasileiro Rubem Alves (1933-) estabelece uma relação entre o início da filosofiae o início da ciência. Que relação é essa?

2. Como esse autor sintetiza a evolução da filosofia grega em SB US primórdios?

3. Interprete as razões apontadas pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) para le-varmos a sério a proposição de Talesde que "a água é a o rigem e a matriz de todas as coisas".

4. Justifique com trechos do texto de Platão a seguinte afirmação: "Heráclito proclama o per-manente fluir da realidade. O ser é sempre dinâmico".

5. Interprete o signif icado da frase de Platão: "Heráclito retira do universo a tranquilidade e aestabilidade".

6. Interprete a afirmação do filósofo espanhol Manuel García Morente (1886-1942): "A própriaciência física sente-se apertada dentro do conceito parmenídico da realidade". Por que"apertada"? Como a física tem compreendido a realidade física através do tempo?

7. Segundo García Morente, a ciência do ser humano não se encaixa de maneira nenhuma noconceito parmenídico da realidade. Por quê? O que ele propõe?

8. O que significa, para você, assumir uma concepção não estática da vida? Você acha queexiste algo de permanente e eterno, que nunca muda nem deve mudar? Discuta estaquestão: o permanente e o transitório em sua vida.