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" r ';. . \\ (, Coleção EsrUDO~ LATINO-AMERICANOS Vol. 5 \ ) f'ro\,F':hio \2cr(J5 ~~\--q\ T.:xttJ : . . AM~RICA LATINA ENSAIOS DE INTERPRETAÇAO . ECONOMICA t, 2~ Edição (Preparada pelo Centro de Catalogaçio-na-fonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ) Coordenador José Serra América Latina: ensatos de interpretação econômica / por / José Serra, coordenador; tradução dos en- saios de autores latino-americanos por Celina Whately. Rio de Janeiro, paz e Terra, 2' ed., 1979.402 p. 21 cm (Estudos Latl-: no-americanos, v. 5) Do original em espanhol: Desarrollo latinoamericano: ensayos críticos. Bibliografia. 1, América Latina - Condições econômicas I. Serra, José, cornp. II.Sé(ie textos de: Anibal Pinto / / Arturo O' Connell / / Celso Furtado / / Charles Rollins 1/ Fernando Fajnzylber / / Fernando Henrique Cardoso // José Serra /1 Maria da Conceição Tavares / / Mario Ia Fuente II Paulo Renato Souza / /Pedro Vuskovic / / Vlctor E. Tokman A536 76-0477 CDD - 330.98 CDU- 338 (8=6) Treduçêo dos ensaios de autores latino-americanos Celiria Whately Editora PAZ E TERRA Conselho Editorial: Antonio Candido Celso Furtado Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoso PAZ E TERRA \ (

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(, Coleção EsrUDO~ LATINO-AMERICANOSVol. 5 \

) f'ro\,F':hio \2cr(J5 ~~\--q\ T.:xttJ: . . AM~RICA LATINA

ENSAIOS DE INTERPRETAÇAO. ECONOMICA

t,

2~ Edição

(Preparada pelo Centro de Catalogaçio-na-fonte doSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ)

CoordenadorJosé Serra

América Latina: ensatos de interpretaçãoeconômica / por / José Serra, coordenador; tradução dos en-saios de autores latino-americanos por Celina Whately. Rio deJaneiro, paz e Terra, 2' ed., 1979.402 p. 21 cm (Estudos Latl-:no-americanos, v. 5)

Do original em espanhol: Desarrollo latinoamericano: ensayoscríticos. Bibliografia.

1, América Latina - Condições econômicas I. Serra, José,cornp. II.Sé(ie

textos de:

Anibal Pinto / / Arturo O' Connell / / Celso Furtado / / CharlesRollins 1/ Fernando Fajnzylber / / Fernando Henrique Cardoso / /José Serra /1 Maria da Conceição Tavares / / Mario Ia Fuente IIPaulo Renato Souza / /Pedro Vuskovic / / Vlctor E. Tokman

A536

76-0477CDD - 330.98CDU- 338 (8=6)

Treduçêo dos ensaios deautores latino-americanos

Celiria Whately

Editora PAZ E TERRA

Conselho Editorial:Antonio CandidoCelso FurtadoFernando GasparianFernando Henrique Cardoso PAZ E TERRA

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Além da, estagnaçâo" Uma discussãosobre o estilo de desenvolvimento recente do Brasil

Maria C. Tavares e José Serra

o principal objetivo deste ensaio é abrir a d!scussão sobre a~ ca-racterísticas fundamentais do recente desenvolvimento do Brasil. Odebate não é estranho a outras economias da América Latina, dadasalgumas semelhanças, de maior ou menor gr~u, entre e.Ias.e a brasi~~i-ra. Serão feitas, portanto, sempre que possível, referências à regraocomo um todo ou a alguns países, em particular.

N a primeira parte tentamos demonstrar as deficiências da idéiasobre a estagnação econômica, apresentada, e.m sua concepção cor:en-te como sendo uma tendência que afetaria as economias latino-americanas.em geral. Atribuímos bastante importância a este pontopois, no nosso eritender, a crença na estagn~ção tem prejudicado signifi- ,cativamente as interpretações sobre o funcionamento de algumas eco-nomias da região. .'

Após uma exposição geral do problema, analisa-se com mais ~e-talhe a tese de um único autor - Celso Furtado - sobre a estagnaçao,apresentada em seu importante artigo "Desenvolvimento e estagna-

• Trabalho apresentado no Segundo Seminário Latino-americano para o Desenvolvi-mento, promovido pela UNESCO e pela FLACSO, em novembro de .1970. Publica-do no Trimestre Econômico. n9 152, novembro-dezembro d:- 19?1, México, e na R(!-vista Laünoamericana de Ciências Sociales. n9 I, FLACSO, janeiro de 1972. Os auto-res agradecem a enorme contribuição do professor Anibal Pinto p~ra a elaboraçãodeste ensaio, o que, evidentemente, não o compromete ne.ce.s.san~mente.com asidéias aqui apresentadas. Cumpre notar, ademais, que estas Ide~assa~ e~tn~amen~epessoais e não representam, necessariamente, o pensamento das msutuiçoes as quaisos autores estão vinculados.

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cão na América Latina: um enfoque estruturalista?". A escolha re-caiu sobre este trabalho visto ser o que desenvolve de maneira maisexplícitae rigorosa a referida tese.

Completamos a primeira parte com uma breve interpretação doprocesso de crise e recuperação da economia brasileira, em meados dadécada passada. .

Na segunda parte procuramos evidenciar alguns aspectos que ca-racterizam o estilo do recente desenvolvimento econômico do Brasil.Recorremos, para isso, a um enfoque que nos permite distinguir as'formas particulares que assumem na economia brasileira os elementosbásicos que presidem o funcionamento de uma economia capitalista.Estes elementos se relacionam com os processos de expansão, de difu-são e incorporação do progresso técnico e de reconcentração econômi-ca.

Com o exclusivo propósito de registrar idéias para serem explora-das em análises posteriores, concluímos o ensaio com algumas indica-ções sobre o caráter das contradições do desenvolvimento capitalistabrasileiro.

Cabe advertir que, por razões de tempo, deixamos de examinarmais detalhadamente alguns aspectos fundamentais para a compreen-são do desenvolvimento recente, como é o caso do sistema financeiro.Por outro lado, não obstante o nível apenas exploratório de nossa aná-lise, dedicamos bastante espaço à discussão de alguns conceitos eidéias por vezes entendidos de maneira pouco precisa ou mesmo equi-vocada na literatura econômica referente à América Latina. Finalmen-te, consideramos importante ressaltar que muitas idéias levantadasneste ensaio devem ser tomadas apenas como hipóteses básicas parafuturas análises, mais profundas e extensas, sobre os diversos temasabordados. Isto explica nossa despreocupação em formular exemplosou em buscar o destaque de evidências estatísticas.

I Estagnação ou crise?

Devido ao esgotamento, em alguns países da América Latina, dodinamismo do desenvolvimento industrial apoiado na substituição deimportações; passou a prevalecer em certos meios intelectuais e políti-cos a crença de que grande parte das economias representativas da re-gião encontrava-se, a médio ou a longo prazo, ante uma situação de es-tagnação estrutural ou, no melhor dos casos, de insuficiência dinâmica,Esta convicção deu lugar à elaboração de estudos empíricos e modelosteóricos de corte estagnacionista.

Nossa idéia, não obstante, é que a crise que acompanha o esgota-mento do processo substitutivo representa, no essencial, pelo menos

I

, * Trabalho incluído em A. Bianchi (org.), América Latina: Ensayos de lnterpretaciônEconômica, Santiago, Ed. Universitária, 1969, pp. 120-149,

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(,

no caso de alguns países, uma situação de transição a um novo esque-ma de desenvolvimento capitalista. Este pode, inclusive, apresentar ca-racterísticas bastante dinâmicas e ao mesmo tempo reforçar algunstraços do "modelo" substitutivo de crescimento em suas etapas maisavançadas, ou seja, a exclusão social, a concentração espacial, bemcomo o atraso de certos subsetores econômicos quanto aos níveis deprodutividade.

Talvez sejam essas últimas circunstâncias que levem muitos estu-diosos a concluir que várias economias latino-americanas vivem numestado de prostração econômica. Após observarem que grande parteda população da América Latina está e tende a permanecer marginali-zada dos beneficios do crescimento econômico, mantendo-se subem-pregada e a baixíssimos níveis de produtividade, afirmam que tal si-tuação demonstraria a incapacidade dinâmica do capitalismo na re-gião. A constatação pode ser correta mas sua utilização naqueles ter-mos passa por cima das diferenças entre os interesses dos grupos do-minantes na América Latina e o interesse nacional. Marginalidade, de-semprego estrutural, infraconsumo etc. não constituem, em si mes-mos, nem necessariamente, problemas fundamentais para a dinâmicaeconômica capitalista, ao contrário do que ocorre, por exemplo, comos problemas referentes à absorção de poupanças, oportunidades deinvestimento etc.

Nos países capitalistas hoje desenvolvidos, a modernização daagricultura, a: maximização do contigente ocupado da força de traba-lho e dos consumidores constituíram, em épocas passadas, requisitosimportantes para a expansão do sistema'. Pode-se afirmar que o mes-mo não se verifica nas economias latino-americanas, de "industrializa-ção retardatária", embora essa circunstância, por si só, não permitaassegurar que, necessariamente, o capitalismo carece de dinamismoem toda a região. No caso brasileiro, em particular, apesar de que a eco-nomia tem-se desenvolvido de modo extremamente desigual, aprofun-dando um conjunto de diferenças relacionadas com consumo e produ-tividade, logrou-se estabelecer um esquema que possibilita a autogera-cão de fontes internas de estímulo e expansão, que confere dinamismoao sistema ..Neste sentido, poder-se-ia dizer que enquanto o capitalismobrasileiro desenvolve-se de maneira satisfatória, a nação, a maioria dapopulação, permanece em condições de grande privação econômica, eisso, em grande medida, devido ao dinamismo do sistema ou, ainda,ao tipo de dinamismo que o anima. . .

. Em outras análises procura-se fundamentar as previsões de estag-nação secular com base na manipulação de algum instrumental extraí-do da economia marxista ou da economia neoclássica. Chega-se, em

I Ver a introdução de Antônio Castro no seu livro Sete Ensaios sobre a Economia.Brasileira, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1970.

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certos casos, a supor que, à medida que as economias crescem, o mer-cado deve estreitar-se, dado que um maior número de pessoas vai per-manecendo de fora. Ou seja, tudo parecia ocorrer como se a dimensãodo mercado dependesse mais do número de pessoas que o integramque da magnitude do excedente econômico intercambiável. Em outroscasos, a partir de enfoques mais refinados, mas prejudicados por umavisão estática do processo econômico, busca-se identificar problemasde tendência decrescente da taxa de lucro que, no fundo, se relacionamcom o aumento da composição orgânica do capital no tempo. E há,ainda, aqueles que sem deixar de lado essa idéia, enfatizam os proble-mas da escassez de oportunidades de investimento, agravados pelaacentuada heterogeneidade das economias. Neste caso, sem dúvida al-guma, estão sendo tratados problemas mais pertinentes ao objeto emestudo, visto que as análises se preocupam com manifestações de umacontradição básica do sistema capitalista, ou seja, a existente entreprodução e realização da mais-valia. No entanto, embora as econo-mias mais industrializadas da América Latina sejam suscetíveis de so-frer esta contradição, não há por que derivar-se daí que a tendência àestagnação nessas economias seja necessariamente mais marcada quenos outros centros. Por outro lado, não obstante a contradição entreprodução e realização da mais-valia encontrada na raiz das crises maisimportantes do capitalismo, torna-se difícil sustentar que tal contradi-ção seja também responsável por algum tipo de estagnação secular emeconomias que possuem um significativo setor de bens de produção.

Uma conseqüência importante da aceitação da tese da estagnaçãosecular é o prejuízo que traz à compreensão da dinâmica atual docapitalismo nas economias maiores da região. A convicção de que ocapitalismo não avança Duque, muito em breve, deixará de fazê-Ia,leva ao desinteresse pelas análises sobre como opera e se expande", queseriam imprescindíveis como ponto de partida para todos aqueles quese propõem a promover ou apressar sua substituição.

O "modelo" de Celso Furtado

I. Na parte final do seu artigo, Celso Furtado analisa dois casosde estagnação econômica na América Latina, correspondentes a paísesque se industrializaram preservando um importante setor pré-capitalista e países que o fizeram sem possuir um setor tradicional re-

,. I

2 Não queremos dizer, de forma alguma, que as análises apologéticas do capitalismona região - tão abundantes, por exemplo, no Brasil- expliquem mais que as análisescriticas de autores que insistem na idéia de um capitalismo esgotado. Nestes últimospodem-se distinguir percepções e explicações parciais importantes e os progressossão. evid.entes. Já os primeiros, ocultam, obviamente, cada vez mais, as explicaçõesreais, seJa..a~ravésde,~ma apo!ogia aberta, seja mediante análises que, com pretextode serem Científicas ,ou derivam para a tautologia ou restringem tanto seu objetode enfoque que acabam dizendo "tudo sobre o nada".

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· "manescente ou, então, absorvendo-o. No primeiro caso - ao contrâriodo que se verifica no segundo -, manter-se-ia, ao longo do processo deindustrialização, segundo Furtado, uma oferta ilimitada de mão-de-obra e níveis. salariais regulados por padrões de vida prevalecentes nosetor pré-capitalista. Visto que este caso tende a representar as condi-cões mais gerais na América Latina _.e especialmente no Brasil -, cen-trar-nos-emos em sua análise.

Furtado vincula a estagnação econômica à perda de dinamismodo processo de industrialização apoiado na substituição de importa-ções. Neste sentido, preocupa-se com a evolução e comportamento daestrutura da demanda, que é dependente, por sua vez, da distribuiçãoda renda. Considera que a industrialização não foi de modo algum ca-paz de alterar substancialmente os padrões de distribuição da renda,altamente concentrados (herança da economia primário-exportadora),falhando em criar um mercado socialmente integrado. Ao contrário, omercado tendeu a orientar-se para a satisfação da demanda diversifi-cada dos grupos de rendas mais altas. Progressivamente, a "faixa" desubstituições possíveis e rentáveis foi-se restringindo a bens de consu-mo duráveis de maior valor e bens de capital, que supõem, .ern geral,um coeficiente de capital por trabalhador mais alto que nas atividades"tradicionais". Por outro lado, a magnitude de demanda, em cadanovo item a ser substituído, foi-se revelando relativamente pequena, oque veio criar importantes problemas de escala. Que deveria, portan-to, ocorrer?

Tomemos, em primeiro lugar, a economia como um todo. Emtermos de alocação alternativa de recursos, verifica-se nos diferentessubsetores da indústria uma redução da relação produto-capital (dadaa concentração dos investimentos em atividades de maior coeficientecapital-trabalho), o que resulta num ritmo menor de crescimento parao conjunto da economia. Além disso, uma menor demanda de mão-de-obra por unidade de investimento significa uma redução relativa doritmo de absorção de mão-de-obra, o que, em condições de salários es-táveis, reduz a massa de salários em proporção ao produto industrial.Dado que os aumentos de produtividade refletem-se apenas, em peque-na medida, em queda de preços e, mesmo que o fizessem em maior pro-porção, estariam restritos a bens de consumo não-massivos, a elevaçãodo coeficiente capital-trabalho conduz a uma maior concentração darenda. Esse mecanismo não somente reforça o esquema de orientaçãodos recursosprodutivos para setores de menor relação produto-capitalcomo, por outro lado, implica um crescimento relativamente fraco dademanda por bens produzidos em setores cuja relação produto-capitalé mais alta (agropecuária, por exemplo). Daí aumentarem os motivospara que a economia cresça mais lentamente. De acordo com a análisede Furtado tampouco poderia pensar-se em uma situação mais otimis-ta a nível das próprias atividades não-tradicionais. O autor consideraque as indústrias de bens de capital, ao enfrentarem maiores obstácu-214

Ias devido à dimensão limitada do mercado e à falta de meios adequa-dos de financiamento, só ~odem desenvolver-se se os preços relativosdo setor alcançarem níveis consideravelmente altos. Criam-se, portan-to, razões adicionais para que a relação produto-capital diminua, oque, em condições de salários estáveis, afeta negativamente a taxa delucros. Esta circunstância é, ainda, agravada pelas margens de capaci-dade ociosa prevalecentes na indústria de bens duráveis. Ademais, aredução da taxa de lucros na indústria moderna excluiria a possibilida-de de que a taxa de poupança pudesse aumentar a fim de compensar aqueda da relação produto-capital. Desse modo, tanto do ponto de vis-ta da economia como um todo quanto do setor dinâmico da indústria,o crescimento econômico tende a debilitar-se sob o influxo de uma re~lação produto-capital rapidamente decrescente em condições de salá-rios estáveis.

2. O "modelo" proposto por Celso Furtado pode ser examinado apartir de três pontos de vista, evidentemente interdependentes. O pri-meiro relaciona-se com as próprias categorias usadas em sua análise; osegundo refere-se às hipóteses e à consistência interna de seu modelo; eo terceiro diz respeito à maior ou menor correspondência e poder deexplicação frente ao que efetivamente ocorreu em alguns países.

Trataremos, a seguir, de desenvolver observações relacionadasprincipalmente com os dois primeiros planos. Mais adiante faremosreferência, implícita ou explicitamente, ao terceiro.

Parece evidente que o autor considera a evolução da relação pro-duto-capital como um aspecto essencial no processo de estagnaçãoeconômica, embora esta categoria seja mais propriamente um resulta-do do processo econômico, ao contrário do que sucede com categoriasrelacionadas com o comportamento (como a taxa de lucro esperada).Por isso não nos permite explicar a dinâmica de uma economia capita-lista. Ao tomar suas decisões de investimento, o empresário está preo-cupado corn a taxa de lucro que poderá obter, ou seja, o fundamentalserá o lucro esperado sobre o investimento que virá a realizar. Arelação produto-capital não faz parte dos cálculos empresariais e cons-titui, melhor dizendo, um parâmetro tecnológico em termos físicos eum resultado em termos de valor para cada setor ou atividade em ope-ração).

A diferença apontada tem importância não apenas teórica comotambém é relevante para a interpretação da estagnação tal como se ve-rificou em algumas economias. Como se verá mais adiante, no caso do,Brasil, a crise que acompanhou o esgotamento do processo substituti-vo está mais relacionada com a redução da taxa de investimentos e'com os fatores responsáveis por isto do que com um eventual decIínioda relação produto-capital.

3 Ver Apêndice I

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Passemos agora ao núcleo do modelo de Furtado, a fim de exami-nar mais detidamente as conclusões do autor no que se refere à evolu-ção da relação produto-capital e suas conseqüências sobre a econo-mia.

de capital. É certo que o aumento do coeficiente capital-trabalho numsetor ou atividade dá-se simultaneamente com a penetração ou difusãodo progresso técnico, mesmo que esta última seja restrita. Quando seacumula, os "novos" equipamentos que se incorporam à economiasão mais "eficientes" para a dinâmica do sistema que os equipamentospreexistentes'. Neste sentido, se o progresso técnico é poupador de ca-pital, haverá uma menor demanda de insumos de capital por unidadede produto, o que tende a frear os possíveis efeitos negativos da acu-mulação sobre a relação produto-capital. Não bastante, no entenderde Furtado, o caso mais comum é aquele em que o progresso técnicopoupa mão-de-obra. No entanto, ainda nessa circustância, a relaçãoproduto-capital só cairá se o aumento relativo da produtividade dotrabalho for menor que o aumento relativo da dotação de capital portrabalhador'. Ademais, se, neste caso, a relação produto-capital decli-na, é possível que a .taxa de mais-valia aumente de modo suficientepara provocar um aumento do excedente a ser investido", Em resumo,ou a relação produto-capital não declina, apesar do aumento do coefi-ciente capital-trabalho, ou, se o faz, seus efeitos negativos sobre o ex-cedente a ser investido podem ser impedidos por um aumento adequa-do do excedente subtraído à força de trabalho. A possibilidade decompensar os efeitos da baixa relação produto-capital sobre a taxa decrescimento dependerá de esse excedente se transformar ou não em in-vestimento. É verdade, no entanto, que, pelo menos nas etapas maisavançadas do processosubstitutivo, a relação produto-capital tende apermanecer muito abaixo da relação máxima possível, embora estefato não se deva ao aumento do coeficiente capital-trabalho. A causaparece ser - e Furtado a menciona - que, no processo de substituiçãode importações, a fabricação interna dos equipamentos só tem iníciodepois que os preços relativos alcançam determinados níveis, significa-tivamente altos, resultantes dos problemas relacionados com as di-mensões limitadas do mercado e da escassez de meios adequados de fi-nanciamento das vendas. Conseqüentemente, reduz-se a relação pro-duto-capital física nas indústrias de equipamentos (como produtores)e, em valor, nas indústrias que utilizam esses equipamentos.

Em outros casos po-íeriarn atuar no mesmo sentido circunstân-cias relacionadas com o sobredimensionamento nas indústrias de bensduráveis devido tanto a conjunturas especiais que favorecessem aaquisição de equipamentos quanto a problemas de indivisibilidade dosmesmos.

Ao analisar o suposto declínio dessa relação no setor industrial -admitida uma elevação da dotação de capital por trabalhador, derivadada concentração dos investimentos no subsetor de imetal-mecânica" -,o autor afirma que se "a taxa de lucro tende a igualar-se nas diferen-tes indústrias, pois ao contrário não se explicaria como as indústriascom uma notória inferioridade no que diz respeito à rentabilidade decapital atraem investimentos, levando-se em consideração que a taxade salários é a mesma, devemos inferir que a relação produto-capitaltende a ser tanto mais baixa quanto mais elevado o coeficiente de capi-tal por trabalhador".

Ao fazer esta afirmação, Furtado parte de um suposto quanto àigualação das taxas de lucro que nos parece irreal, visto que, em condi-ções de mercado acentuadamente "imperfeito", com alguns ramos do-minados por grandes unidades de produção, que, ademais, possuemforte grau de monopólio tecnológico, não há por que admitir que seigualem as taxas de lucrei das diferentes indústrias. Pelo contrário, es-tas taxas são sempre maiores nos estratos modernos do setor indus-trial', mesmo quando,nestes estratos a relação produto-capital" sejamenor. De qualquer .modo, é errônea a causalidade que estabeleceFurtado no sentido de que a igualdade das taxas de lucro implica que arelação produto-capital varie de modo inverso ao coeficiente capitalpor trabalhador, posto que se apóia numa relação puramente formal.Se nos mantivermos dentro de seu esquema de análise, e dadas as rela-ções produto-capital, as relações entre as taxas de lucro (export) cons-tituem um resultado das taxas de mais-valia ou, em outras palavras, darelação excedente-salários.

Por outro lado, a idéia de que a relação produto-capital declinanecessariamente quando se eleva o coeficiente capital-trabalho (idéiaassociada a um esquema analítico de corte neoclássico), não leva emconsideração os efeitos do progresso técnico vinculado à acumulação

4 Ao referir-se aos subsetores de maior densidade de capital e, portanto, como se diz,de menor relação produto-capital, Furtado não se refere aos ramos de bens inter-mediários, que são precisamente os que, nas fases avançadas do processo de indus-,trialização substitutiva, passam a exigir dotações de capital por trabalhador maisaltas, tecnologias mais complexas e, em muitos casos, maiores dimensões de escala.Daí, inclusive, .constituírern rubros importantes dos bens de substituição "difícil".

5 Estas maiores taxas de lucro devem-se ao fato de que, nas indústrias mais modero.nas, a taxa de exploração da mão-de-obra tende a ser mais alta em função da maiorprodutividade e da não-transferência d~ssa.maior produt.ivida~e aos salários ou aospreços, no sentido de aumentar os prrrnerros ou reduzir os últimos,

6 Ver Ap~ndice 11.

216

7 Embora não o sejam, teoricamente, num modelo de equilíbrio geral de concorrênciaperfeita.

8 Isto porque a relação produto-capital é igual à produtividade do trabalho, divididapela relação capital-trabalho.

9 Ver Apêndice 111.

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Não obstante, não há nenhum motivo para admitir que, 'a nívelmacroeconômico, a relação produto-capital necessariamente sofrauma queda numafase em que se estão atualizando os rendimentos dosinvestimentos de infra-estrutura, que permitiram a instalação das in-dústrias metal-mecânicas e de base. Pode-se, ademais, supor que como passar do tempo sejam propiciadas condições de demanda e com ple-mentacão adequadas que venham a permitir uma melhor utilização dacapacidade instalada. Ambas as situações tenderiam a provocar a ele-vação da relação produto-capital.

É evidente que no caso de se chegar a uma crise - por razões nãovinculadas com a evolução da relação produto-capital -, a contraçãoda demanda corrente provoca o aumento das margeris de capacidadeociosa e a conseqüente redução da relação produto-capital. Mas istoseria, então, uma conseqüência e não um determinante da crise

Uma análise mais detalhada do modelo de Celso Furtado sugere,de maneira paradoxal, que, se as categorias com que se trabalha fossemas mais pertinentes, dificilmente se poderia concluir que a estagnaçãoseria inevitável no tipo de economia por ele estudada. No máximo, ha-veria uma ligeira desaceleração durante um certo período até que osefeitos dos fatores que freiam a tendência à redução da relaçãoproduto-capital se fizessem sentir mais fortemente, mas a estagnaçãonão seria de modo algum do tipo secular. Na realidade, ao trabalharcom "categorias resultado", ao considerar que taxas de lucro dasdiferentes indústrias tenderiam a igualar-se do mesmo modo que os sa-lários. ao separar a intensificação do uso do capital da penetração doprogresso técnico e, além disso, não considerar os efeitos deste sobre aprodutividade dos investimentos nem os efeitos das diversas modali-dades de economias externas, F lutado parece ter vestido - mesmoinadvertidamente - "a camisa de força" de um modelo neoclássico,elegante mas ineficaz para explicar a dinâmica de uma economia capi-talista. .

Ihante ao da onda de inovações de Schumpeter, a qual, não ocorrendoregularmente no tempo, tende a provocar profundas flutuações no-de ..senvolvimento capitalista. '

A inexistência de um volume adequado de investimentos, capazde assegurar a manutenção de uma alta taxa de expansão econômica,não se relacionava estritamente com limitações da capacidade produti-va (já suficiente em alguns ramos do setor produtor de meios de pro-dução, como metal-mecânica, equipamentos elétricos, máquinas, fer-ramentas, materiais de construção) mas, sim, com problemas vincula-dos à estrutura de demanda e com o financiamento.

No que se refere à demanda, o problema consistia em que a distri-buição da renda apresentava-se extremamente concentrada, em be-nefício de uma pequena cúpula, limitando, assim, a diversificação e aexpansão do consumo dos grupos médios. E era exatamente o tipo deconsumo desses grupos o que poderia permitir um melhor aproveita-mento da capacidade instalada, com importantes efeitos de encadea-mento sobre a economia. Por outro lado.ios recursos necessários ao fi-nanciamento de novos projetos de investimento privado estavam limi-tados pela evolução da relação excedente-salários e os de investimentopúblico pela relação gastos-carga fiscal, além dos problemas existentespara a definição mesma dos projetos.

Deste modo, tudo levaria a crer que as possibilidades de cresci-mento do sistema estavam limitadas pela falta de recursos para finan-ciar os novos investimentos e de demanda que os tornasse rentáveis,embora se contasse com um significativo potencial produtivo não to-talmente aproveitado: Nestas circunstâncias, a solução para o sistemaconsistia em alterar a composição da demanda - redistribuindo a ren-da pessoa! e seus futuros incrementos "para cima", a favor das cama-das médias e altas, e aumentando a relação excedente-salários atravésda compressão, até mesmo absoluta, das remunerações da massa detrabalhadores menos qualificados.

O problema do financiamento, no entanto, não se limitava aos as-pectos relacionados com o volume de recursos a serem mobilizadosmas dependia também da forma como fazê-lo. O mecanismo utilizadoao longo do processo de substituição de importações estava inseridonum esquema inflacionário que cumpriu um papel muito importantecomo "acelerador" da crise. A inflação havia permitido um relativoamortecimento das tensões salários-lucros, mediante a preservação detaxas de lucro ilusórias para novos investimentos, especialmente nos se-tores de bens de produção vinculados ao forte processo de acumulaçãofísica do período 1957/61. A rentabilidade esperada do capital em-pregado era mantida artificialmente pela valorização dos ativos reaisfrente à desvalorização da moeda, bem como por uma socializaçãodos custos de certos insumos báscios e bens de capital (política cam-bial) e dos custos financeiros (graças ao financiamento vindo do setorpúblico e de outras fontes externas às empresas). Verificava-se, em

219

A crise e a recuperação econômica do BrasilÉ indiscutível que a crise econômica pela qual a economia bra-

sileira passou, em meados da década dos 60, esteve estreitamente re-lacionada, a nível estrutural, com o esgotamento do dinamismo daindustrialização baseada na substituição de importações. Tendo sidoconcluído um "pacote" de investimentos complementares - funda-mentalmente em bens de consumo duráveis e de produção - que haviautilizado as reservas de mercado preexistentes, propiciando uma ex-pansão da renda e uma diversificação do consumo, a economia neces-sitava de um conjunto de projetos para novos investimentos que pu-desse ser introduzido numa seqüência temporal adequada; ou seja, de-pois de amadurecidos os investimentos do "Plano de Metas" corres-pondente ao governo Juscelino Kubitschek (1956/60). O 110VO "pa-cote" de investimentos deveria, neste sentido, cumprir um papel serne-218

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conseqüência, um sobreinvestimento físico que tendia a diminuir a re-lação produto-capital marginal.

Com o descontrole de seus mecanismos de propagação, a inflaçãoacelerou-se, perdendo sua funcionalidade; nem altas taxas de cresci-mento poderiam contê-Ia. A maior solidariedade dos preços relativosimpedia uma transferência intersetorial dos custos, desmistificava oslucros ilusórios, estrangulava financeiramente as empresas. Por outrolado, acelerado ritmo de aumento dos preços levou à intensificaçãodas pressões trabalhistas, limitando, assim, as possibilidades da redis-tribuição forçada.

O declínio da rentabilidade esperada dos investimentos, o fim doslucros ilusórios e a redução do volume de recursos para investimentolevaram a uma forte redução das taxas de investimento global, tantopúblico quanto privado.

No período 1955/60 parece ter crescido a relação produto-capital na indústria. Entre 1960/63 - quando se configura o declíniodas taxas de crescimento - não há nenhuma evidência sobre seu com-portamento. Parece, no entanto, que a contração da taxa de investi-mentos foi o elemento decisivo na crise econômica. Não resta dúvida deque ao agudizar-se a crise, fosse pela contração do nível de atividadecorrente, fosse pelo debilitamento da taxa de investiinento, ~eneraliz~-ram-se margens importantes de capacidade ociosa, com efeitos negati-vos sobre a relação produto-capital.

Segunda fase da crise (1964/66) e a recuperação

1. A passagem da primeira à segunda fase da crise foi precedidapela mu?a~ça do regime no início de 1964. O panorama do capitalis-mo brasileiro, a curto prazo, não melhorou e, muito pelo contrário,acentuou-se a depressão, mas então deliberadamente, ao serem quaseque totalmente freados os mecanismos habituais de financiamento re-lacionados com a política cambial, de crédito, de salários e do déficitpúblico, que prevaleciam desde a década de 50. A carga fiscal tor-nou-se bem mais pesada, foram feitos cortes no gasto público e restrin-giu-se novamente o crédito. Simultaneamente, levou-se a cabo umadrástica política de compressão salarial, cujos efeitos sobre a econo-mia foram ambivalentes - se, por um lado, aliviou as empresas no quese refere aos custos, por outro reduziu a demanda corrente'''.

Apesar de tudo, essas medidas podem ser consideradas como"funcionais" do ponto de vista da luta contra a crise e da passagem auma nova etapa de desenvolvimento. Várias empresas marginais demenor solidez financeira ou com pouca capacidade de endividamentoforam liquidadas, limpando o campo para uma reconcentração da ati-vidade industrial e comercial. Foi eliminada, conseqüentemente, parteda capacidade produtiva que "sobrava" no sistema, com evidentesefeitos positivos sobre a eficiência produtiva, pelo menos em termosdinâmicos". A política de compressão salarial alterou substancialmen-te a distribuição funcional da renda em favor dos lucros das empresasque tinham melhores condições de sobreviver, o que permitiu, junta-mente com algumas medidas de emergência para atender a problemasfinanceiros, a recuperação e expansão em etapas posteriores.

Duas reformas institucionais - a tributária e a do mercado de ca-·pitais - prepararam o terreno para um novo esquema de financiamen-to do setor público e privado.

Já em 1966 o governo aumentava sua taxa de investimento, 10-grava atrair capital estrangeiro de curto prazo (Instrução nv 289) como propósito de alimentar a recuperação das indústrias dominantes,promovia o desenvolvimento de uma série de empresas financeiras pri-vadase preparava os novos projetos de solidariedade entre o capitalestrangeiro de longo prazo e o Estado (em minerais, equipamentos,petroquímicas, construção naval, transportes, energia elétrica).

Primeira fase da criseÀ tendência à desaceleração somou-se uma crise conjuntural, cuja

natureza se relacionava com a busca de soluções para a própria desa-celeração. O governo intentou redistribuir a renda em favor dos assa-lariados, através de uma política de salários e preços e, simultanea-mente, frear a inflação, via contenção do gasto público e do crédito pri-vado e redução da liquidez do sistema, mediante uma programaçãomonetária rígida (1963). Estas medidas tiveram um resultado nitida-mente depressivo, visto que a curto prazo não era possível - nem ogoverno tentava isso seriamerite - fazer com que as mesmas fossemacompanhadas por uma efetiva reorientação dos investimentos e doaparelho produtivo, bem como pela compressão do nível de renda dosestratos sociais mais altos.

A redução do investimento público e o ataque direto ao capitalestrangeiro (Lei de Restrição e Controle das Remessas de Lucros) detive-ram os planos de investimento nos setores mais dinâmicos, bem comoem novos setores visados pelas corporações multinacionais (minera-ção, aço, petroquímica e equipamentos pesados), eliminando-se, dessemodo, componentes autônomos que poderiam ter contrabalançado osefeitos da crise de demanda corrente na economia.

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10 o famoso "estrangulamento externo", pretexto para algumas teorias sobre a estag-r ação, desapareceu como por milagre (1964 e 1965), como conseqüência do rápidodeclínio da demanda' de importações de bens de produção, resultante da redução dosinvestimentos. ~ balanço de pagamentos apresentou fortes superavits que permiti-ram, pela primeira vez desde a Segunda Guerra, uma considerável saída de capitais,apesar, Inclusive, da radical mudança das regras do jogo, em franco favor do capitalestrangeiro.

II Este processo foi acompanhado por uma acelerada desnacionalização, visto que não'apenas as empresas estrangeiras eram mais capazes, como também obtiveram enor-mes facilidades para internar recursos financeiros (Instrução n9 289.)

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2. É". fundamental observar que, no Brasil, ao contrário de muitospaíses da América Latina, o grau de desenvolvimento industrial nafase de esgotamento do dinamismo do processo de substituição de im-portações permitia a substituição flsica de parte dos artigos que antesse importavam. Em outros países latino-americanos, o processo substi-tutivo se esgotou antes que as respectivas economias tivessem alcança-do uma base material que lhes permitisse produzir os bens de produ-ção necessários à realização de investimentos relativamente vultosos,intensivos em capital e tecnologicamente mais complexos.

O capitalismo brasileiro tinha. condições para passar a um esque-ma de expansão cujos estímulos emanassem do próprio sistema (semque isto significasse o enfraquecimento dos laços de dependência ex-terna, que, pelo contrário poderiam tornar-se mais estreitos). Dadas ascondições materiais, este novo esquema impunha, ao nível econômico,reajustes pelo lado da estrutura da demanda, maior acumulação de re-cursos para investimento, definição de projetos rentáveis e comple-mentares à capacidade produtiva preexistente, bem como algumas"correções" da estrutura produtiva através da eliminação de ativida-des instaladas sob a proteção da inflação e que não eram importantespara o novo esquema de expansão. Esse quadro de soluções só poderiaser viável a partir de uma reordenação da política econômica públicano que diz respeito a financiamento, distribuição da renda, orientaçãodos gastos e alocacão de recursos. Exigiria, ainda, uma rearticulaçãodo sistema monetário financeiro em bases bem diferentes das que atéentão prevaleciam.

Todos estes requisitos mostram as transformações que acompa-nharam a recuperação econômica. Como já mencionamos, foram oobjeto da ação do regime militar nos seus primeiros anos. Já assinala-mos, igualmente, que um dos problemas mais importantes, ou seja, odos recursos necessários ao financiamento de novos investimentos e àexpansão da demanda de bens duráveis (com evidente repercussãosobre a relação produto-capital das indústrias correspondentes) foiresolvido, no fundamental, pela compressão salarial".

12 Esta última circunstância nos leva de volta ao modelo de Celso Furtado, quando su-põe que os salários reais na indústria se mantiveram constantes ao longo do proces-so de industrialização. Essa suposição, que não corresponde aos fatos, representauma simplificação de duvidosa legitimidade, porquanto impossibilita entender-se aretomada do crescimento verificada nos últimos anos. O fato de que os salários reaisna indústria subiram ·significativamente na década de 50, (embora menos que aprodutividade), junto com a massa de remunerações urbanas, permitiu que a poste-rior compressão salarial, levada a efeito a partir de 1964, constituísse uma fonte de-cisiva para o financiamento da recuperação econômica. Diga-se de passagem que fOIgraças ao cresci mento dos salários na década de 50 que a produção de bens não-duráveis pôde expandir-se a uma taxa de aproximadamente 6% ao ano namesma década, criando importante demanda "para trás" sobre os demais setores.Esta circunstância foi fundamental para que o processo de substituição de importa-ções pudesse manter seu dinamismo até etapas avançadas.

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11. Alguns traços do desenvolvimento recentedo capitalismo no Brasil

No período decorrido entre 1966e a atualidade (final de 1970) fo-ram tomando forma algumas das. características que configuram umnovo estilo de desenvolvimento capitalista no Brasil. Seria difícil pre-tender dar-se uma visão integrada do novo esquema; seja por tratar-sede um processo inacabado, seja pela escassez de pesquisas básicas, ou,ainda, por uma inadequação dos padrões analíticos disponíveis.

Por. estes motivos, limitar-nos-ernos à análise de certos traços quecaracterizam os processos de expansão, incorporação e difusão doprogresso técnico e da reconcentração na economia. Acreditamos quepor este caminho pode-se explicar melhor a natureza e dinâmica recen-te d<?cal?italismo brasileiro do que recorrendo a enfoques mais con-vencionais, que partem da análise setorial e daí para a global, identi..ficando disfunções, desvios ou "maldades" do sistema. Além disso, énecessário ter presente que esses enfoques, dada sua preocupação como qu~ "deve ser", tornam-se insuficientes para a compreensão do "porque é assim".

Devido ~s limitações deste ensaio, deixaremos de lado o trata-mento particular dos aspectos relacionados com as alterações estrutu-rais da sociedade brasileira, especialmente no que se refere às suas for-~a.s de, organização econômica e social, aos vínculos setoriais e espa-orais e as formas concretas de inserção da economia nacional no siste-ma internacional.A expansãoa. Expansão e crescimento

Diz-se, às vezes, que uma economia está estagnada ou tende à es-tagnação 'quando seu crescimento se desacelera em determinado perío-do. No entanto, é possível que enquanto o produto global per capitacresce a uma taxa reduzida, verifiquem-se no interior da economiaavanços e retrocessos significativos na evolução dos diferentes setore~ou estratos econômicos, bem como o surgimento de novas atividadesde "po~ta"IJ. Neste sentido, a utilização da categoria "expansão" podeser mais adequada que a de crescimento, visto que abrangeria as flu-tua~ões cíclicas ?o nível de atividade econômica, bem como o caráterdesigual e combinado do desenvolvimento do sistema. O crescimentocomo tal representa medir o resultado do processo econômico semconsiderar suas características fundamentais. '

13 Seriam as ativ!dades que em cada fase liberam a expansão das forças produtivascomo cons~qU~ncla do processo de acumulação, inovações e/ou incorporação doprogresso tecruco.

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A habitual identificação dos conceitos de crescimento e expan-são provém do fato de que nas economias capitalistas desenvolvidas aassimilação de ambos é mais fácil, visto que sua maior homogeneidadeestrutural expressa e permite um grau de solidariedade maior entre ocomportamento dos setores dinâmicos ("de ponta") e os demais, em-bora o desenvolvimento capitalista nem por isso perca seu caráter de-sigual e combinado. No entanto, a identificação dos conceitos mencio-nados tem conseqüências muito prejudiciais para a análisedas econo-mias com uma estrutura produtiva altamente heterogênea deforman-do a visão e interpretação das transformações econômicas que, efeti-vamente, ocorrem.

É interessante, para exemplificar nossa idéia, tomar o caso de Cu-ba, embora não seja uma sociedade capitalista. O fato de que suas ta-xas de crescimento global tenham sido muito baixas não significa, demaneira alguma, que a economia manteve-se estagnada no sentido li-teral e convencional da palavra. Muito pelo contrário, essa economia

, viveu um processo de acentuada expansão de novas atividades, de for-te acumulação de capital e diversificação da estrutura produtiva. Foiexatamente a conjugação de uma drástica reorientação da atividadeeconômica com a busca de novas formas de organização econômica esocial e a desaceleração ou flutuações nas atividades tradicionais (degrande peso na economia pré-1960, como a cana-de-açúcar e os servi-ços urbanos) que se constituiu no principal fator responsável pelas bai-xas taxas de crescimento global. Esta circunstância, no entanto, ao in-vés de significar "estagnação" parece representar uma necessária e di-nârnica fase de transição a um novo tipo de economia.

No caso do Brasil, pode-se dizer que a crise econômica de meadosda década passada expressa também - como já foi dito - uma transi-ção, não a uma nova economia, mas a um novo estilo de desenvolvi-mento capitalista que supõe, dada a existência de uma base produtivaadequada, um novo esquema de concentração do poder e da renda,bem como novos mecanismos de estímulo, adequados a outra etapa deintegração com o capitalismo internacional. Pensamos que os trans-tornos verificados nessa economia não correspondem ao fenômeno daestagnação em sua acepção comum, apesar da redução da taxa globalde crescimento verificada entre 1962/67. .

b. Determinantes da expansãoNa realidade, o Brasil, juntamente com o México, constitui um

dos casos mais típicos de integração (com ou sem crise) entre a expan-.são de sua economia e a' do capitalismo internacional, que resultou emaltas taxas de crescimento.

Ao analisarmos as economias da América Latina, podemos dizerque .um dos fatores-chave que tem determinado suas possibilidades deexpansão tem sido, precisamente, seu grau de maior ou menor "solida-riedade" com o capitalismo internacional. Por outro lado, foi a capa-

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cidade de "arrastre" dos setores internos emergentes sobre o conjuntodas economias que determinou se a expansão traduziu-se ou não, emcada etapa, em altas taxas de crescimento. E o que determina sua ca-pacidade de difusão é o peso relativo das atividades de "ponta" na es-trutura global, bem como seu grau de complementação interna e exter-na. Surgem, ademais, como elementos de grande importância em todoeste quadro, as formas de relacionamento prevalecentes entre os agen-tes centrais do processo - o Estado e os capitalistas internacionais -,principalmente no que se refere às políticas de alocação de recursos.

É importante sublinhar que os resultados, em termos de padrõesde investimento e crescimento, variam de acordo com o tipo de relaçãoobjetiva que prevalece entre o país e os capitais externos nos setoresestratégicos, bem como com as formas de comportamento nacional noprocesso de tomada de decisões. 14

Parece claro, no caso de algumas economias latino-americanas,que o processo de expansão se deu a partir de uma contradição entreseu modo de funcionan.ento, subordinado ao antigo esquema de de-pendência externa, e os requisitos para inserir-se no novo quadro re-gional e mundial de desenvolvimento do capitalismo. Seria o caso depaíses como a Bolívia, o Uruguai, o Equador e mesmo o Peru atéépocas recentes. '

Em alguns países, pelo contrário, a "adequada" adaptação às no-vas formas de dependência (tecnológica e financeira) permitiria apa-rentemente, um processo de expansão, de novo tipo. r10 entanto, mes-mo assim, seja devido ao peso relativamente reduzido dos novos seto-res emergentes (Chile até bem pouco tempo), seja porque o "antigo"capitalismo urbano e rural tem desempenhado um papel contraditóriocom o modo de funcionamento exigido pelo setor moderno (Argenti-na), as taxas de crescimento global revelaram-se, insatisfatórias.

No caso de países como México e Brasil, tendo-se conseguido su-perar as eventuais contradições internas, alcançou-se uma adaptaçãoflexível ao esquema da "nova" dependência, podendo estes países ex-pandir-se e crescer razoavelmente - no caso do México sem maiorescrises e, portanto, de forma muito mais sustentada - apoiados em seusmercados internos, de dimensões absolutas superiores aos demais.

Ao nos voltarmos para o caso que nos interessa, o do Brasil, é im-portante chamar a atenção para algumas de suas particularidades com

14 Estas formas podem 'caracterizar-se por submissão, antagonismo ou, ainda, tender aposições de tolerância ou negociação, não sendo, evidentemente, independentes dasmencionadas relações objetivas. Estas, 'por sua vez, podem verificar-se com base numasolidariedade orgânica ou, no extremo oposto, numa certa descomplementaridadeou disfuncionalidade, passando por um esquema configurado por uma clara divisãode áreas. '

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r~lação ao.resto da A~érica Latina, tomando como base as considera-çoes anteriormente feitas.

. Em primeiro lugar, convém ressaltar o maior peso e complemen-tan.~ade de seus setores :'de ponta"~ em relação aos demais países daregiao. Observ~-se. tamb.em uma maior solidariedade orgânica entre oEstado e o capitalismo I?ternacional, visto que ambos participam demod? predominante no investimento e produção dos principais seto-res dinâmicos sem qu.e ~aJa entre el~s contra~i~õesimportantes no pla-n~ da tomada de decisões. Outrossim, a participação dos setores dinâ-micos controla~os. pelo Estado e pelo capital internacional tem au-mentado, constituin dr, um núcleo integrado de expansão recente.

O quadro ab~ixo permite-nos observar sua potencialidade em ter-mos de relaçoes intersetonaís e cornplementaridade orgânica:

Núcleo solidário de expansão

Capital estrangeiro Estado

Mercado Interno

Material de transporte Programa de transportes ter-restres e marítimosSiderurgia .Construção civilPrograma de energia elétricaPrograma de comunicaçõesPetróleo e derivadosServiços de utilidade pública

Material mecânicoMaterial elétrico

QuímicaServiços Financeiros

Mercado Externo(exportações)

PecuáriaExtrativa vegetal e mineralExcedentes industriais

Café (política do)Minério de ferro

E . N a at~al. etap.a de desenvolvimento capitalista da economia, o.' stad.o b_rasIlel~o nao tem tido, ao contrário do que ocorria em épocasant~nores, maiores compromissos com a chamada burguesia "nacio-~al ou com esquemas de tipopopulista. Neste sentido, teve as mãoslivres para executar as reformas institucionais correspondentes a um226

acelerado processo de modernização e para promover, inclusive, umadifusão mais concreta de tarefas com o capital estrangeiro (enquanto Es-tado-empresário), Assim, tem sido possível o desenvolvimento de umacrescente solidariedade entre ambos no investimento e produção doschamados setores estratégicos: petroquímica, mineração, siderurgia,energia elétrica, transportes e comunicações,

Nesta divisão de tarefas cabe ao Estado, em geral, a responsabili-dade mais pesada, ou seja, a de atender ao mercado interno no abaste-cimento de insumos generalizados baratos e de economias externasque são, evidentemente, aproveitadas p-Ias empresas internacionaispara expandir-se internamente e até para exportar, explorando opor-tunidades de comércio internacional que elas mesmas podem contro-lar". '

c. A acumulação no processo de expansão

As particularidades já mencionadas do caso do Brasil enfatizaramo papel e o apoio mútuo dos principais agentes da expansão - o Esta-do e o capital estrangeiro, Parece-nos pertinente analisar, a seguir, al-guns aspectos do processo de acumulação, dando destaque aos meca-nismos de geração, apropriação e utilização do excedente, bem comoàs diferentes formas de acumulação prevalecentes.

. Num sistema capitalista, considerando como dados a disponibili-dade e a qualidade dos recursos, o volume de excedente dependeráfundamentalmente, da relação entre o valor do produto gerado e oconsumo dos produtores. No caso das economias latino-americanas, asatividades mais modernas e as empresas líderes estão - num graumaior que suas congêneres desenvolvidas - numa posição privilegiadapara gerar e apropriar-se de uma parecela maior do excedente econô-mico. Isto não se deve somente à sua produtividade física mais alta,proveniente do uso de técnicas mais avançadas e eficazes, rrias tambémao fato de poderem manter as remunerações a níveis distantes dessaprodutividade real. Por outro lado, não há forças competitivas queobriguem a uma transferência contínua e proporcional de suas vanta-gens relativas de produtividade aos preços. E, finalmente, a presençadas empresas tradicionais n um mesmo mercado lhes permjte deduziruma quase-renda ou renda diferencial de suas vendas.

No que diz respeito àalocação do excedente, algumas das formasmais importantes e que implicam uma transferência do mesmo são asrealizadas diretamente para alimentar a expansão do setor de serviços

15 A "iniciativa" privada nacional 'desempenha um papel relativamente secundário nosetor industrial, onde predomina somente na produção de bens de consumo não du-ráveis .: e mesmo assim de forma decrescente. Por outro lado, é dominante no co-mércio e nas atividades financeiras, apesar de que: também nestas últimas o capitalestrangeiro vem adquirindo crescente importância,

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bem como as que são executadas, direta ou indiretamente, pelo setorpúblico, através de sua política de rendas, emprego, gastos e preços. É

importante notar, particularmente, a acentuada expansão do empregoem serviços pessoais e "diversos", que pode ser vista como uma formade transferência de excedente da burguesia e altos grupos médios parasetores da população que não chegam a incorporar-se ao sistemacomo força de trabalho regular. Essa transferência apresenta sua fun-cionalidade intrínseca quando permite incorporar ao consumo umamassa da população urbana cuja demanda alimenta, em grande medi-da, a expansão dos setores "tradicionais." Seria importante, também,ievar em conta a forma de acumulação assimilável à acumulação "pri-mitiva", que se relaciona especialmente com a faixa de populaçõesmarginais e com a agricultura. Essa forma só interessa ao sistema àmedida que permite a expansão das atividades "depósito", destinadasa reter a mão-de-obra que de outra maneira não encontraria ocupaçãono aparelho produtivo. Por outro lado, este tipo de investimento assu-me maior importância quando chega a tornar-se solidário com o pro-cesso geral de acumulação como, por exemplo, na expansão da fron-teira agrícola, na construção de vias de penetração ou de grandesobras públicas que servem de capital social básico à implementação denovas atividades, permitindo, ao mesmo tempo, manter ou aumentaros níveis de produção das indústrias de bens de investimento.

Em economias como a brasileira, a forma de acumulação capita-lista que pode ser considerada tradicional baseou-se na acumulaçãointerna de lucros dentro das empresas, alimentada pela grande dispari-dade entre o ritmo de crescimento dos salários e o da produtividade,bem como por uma série de subsídios, explícitos ou implícitos, ao ca-pital, concedidos pelo setor publico.

Mais recentemente, vêm adquirindo considerável importância no-vas formas de acumulação que poderíamos denominar de financei-ras." Tem começado a operar um conjunto de agências, nacionais e es-trangeiras, dedicadas a organizar um embrionário "mercado de capi-tais", cujo objetivo fundamental é o de permitir a acumulação de lu-cros sem relação direta com o processo de geração do excedente real ecuja função básica é a de facilitar a realização dinâmica desse exceden-te. Por outro lado, essa evolução possibilita o aumento das margens deendividamento de todos os agentes econômicos (consumidores, em-presas, governo), bem como o deslocamento de recursos dos setoresmodernos, cujo excedente não tem aplicação rentável, para outrosmais "novos" ou com taxas de crescimento e endividamento mais ele-vadas. Permite, ademais, um controle mais orgânico da expansão capi-talista e orienta a integração do capital nacional com o estrangeiro.

Este esquema não evoluiu da mesma maneira nos diversos paísesda América Latina e pode ser observado em sua forma mais avançadanos casos do México, Argentina e Brasil. Neste último país, a acumu-lação extrabancária e a especulação na bolsa poderia sugerir uma cari-catura do velho capitalismo financeiro da década de 20 nos EstadosUnidos e, portanto, "anacrônico", não fosse sua íntima integraçãocomas corporações multinacionais, q\le representam, por sua vez, aface mais moderna do capitalismo contemporâneo.

No que se refere às outras modalidades de acumulação, o Brasilapresenta também peculiaridades importantes. Assim, reúne enormespossibilidades de seguir ampliando a acumulação "primitiva" de capi-tal de forma solidária com a acumulação capitalista dos setores estra-tégicos nacionais e estrangeiros. Neste contexto insere-se, particular-mente, o processo de abertura de novas áreas geográficas para o de-senvolvimento de atividades agropecuárias e exploração de recursosnaturais, destinados à exportação ou a prover de insumos os outros se-tores dinâmicos internos.

Por outro lado, a acumulação interna das empresas foi significati-vamente acelerada nos últimos anos mediante o já mencionado au-mento do excedente extraído da força de trabalho incorporada às ati-'vidades urbanas, em proporção dificilmente igualada nos últimos de-cênios 'em outros países da América Latina. O salário real dos traba-lhadores baixou tanto que o salário-mínimo legal voltou ao nível dosalário-mínimo concedido no período imediato ao pós-guerra. Comoconseqüência, tornou-se possível para as empresas líderes obter eleva-das taxas de lucro, mantendo-se, simultaneamente, uma razoável taxade rentabilidade para as empresas menores ou mais tradicionais do co-mércio e da indústria.

A incorporação e difusão do progresso técnico

Sabe-se que na América Latina e, pa~ticularmente, n.o ~a.so doBrasil - dadas as características que assumiu o processo histórico deexpansão capitalista -, a incorporação e difusão do progr~sso téc~icolimitou-se, em cada etapa histórica, aos =s= responsáve~s pela dlD~-mização do processo e mais estreitamente integrados ao sistema capi-tal internacional." Assim, a penetração da tecnologia moderna tendeua concentrar-se fundamentalmente, nas atividades de "ponta", e suairradiação Iimit~va-se a alguns setores complementares cuja ~~~iênciaprodutiva fosse um condicionante importante para as posslblhdad~sde expansão das novas atividades. Portanto, na fase chamada de pn-

16 A acumulação financeira sempre esteve presente, mas sob as formas tradicionais: va-riações na valorização dos ativos.: operações especulativas e operação normal do sis-tema financeiro.

17·Ver o ensaio de Anibal Pinto "La concentración dei progreso técnico y de sus frutosen el desarrollo latinoamericano" (Trimestre Económico, n9 125, 1965, México.)

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mário-exportadora, a rnodernizacão'v l im itou-se, em geral, ao setor ex-portador e à sua infra-estrutura de apoio": na primeira etapa da indus-trialização baseada na substituição de importações, concentrou-se emcertas indústrias de bens de consumo e em alguns serviços urbanos; nasegunda etapa, nas atividades do complexo metal-mecânica (bens deconsumo duráveis, insumos e bens de capital) e na química". Final-mente, na etapa atual, caracterizada por um aprofundamento e diver-sificação do consumo, 'bem como pelo desenvolvimento das formas deacumulação financeira, a modernização tem-se manifestado na diver-sificação e comercialização dos produtos (troca de modelos, marcas,serviços de propaganda e serviços financeiros), e não exatamente aonível da estrutura produtiva, no sentido de ampliações e modificaçõessubstanciais da mesma.

Por outro lado, é importante observar que o caráter que assumeo processo de incorporação e difusão do progresso técnico resulta deuma sucessão de formas dominantes de expansão, em que a forma an-terior pode atrasar-se rapidamente, perdendo sua capacidade relativade geração e retenção de excedente. Esta última circunstância, por suavez, estará associada a uma tendência ao "congelamento tecnológico"relativo. Assim sendo, atividades, setores ou áreas que foram dinâmi-cos e modernos num momento passado, podem ser relegados a um es-trato intermediário ou mesmo, numa perspectiva de longo prazo, serassimilados ao chamado estrato primitivo, pelo menos no que se refereaos contrastes dos níveis de produtividade no interior do sistema eco-nôrnico". Isso implica que o processo pode tender a acentuar a hetero-geneidade estrutural do sistema e, também, a modificar as condiçõesconcretas em que ela se apresenta. Esta última consideração se revelano fato de que, com o passar do tempo, não são as mesmas partes ouestratos do aparelho produtivo que se distanciam em termos de produ-tividade, mas, sim, que as "colocações" relativas dos principais segmen-tos vão-se modificando.

Hornogeneizacão ou heterogeneizacão?

Examinando o processo de incorporação e difusão do progressotécnico a partir de uma perspectiva dinâmica, caberia perguntar se, namedida em que as atividades modernas venham a atingir uma certa di-mensão relativa poderá verificar-se uma tendência à homogeneizaçãoprodutiva do sistema.

Pensamos, a esse respeito, que, no caso do Brasil, embora possaexistir um potencial produtivo suficiente para a homogeneização, apresença de outras características essenciais de funcionamento do ca-pitalismo subdesenvolvido tende a frear a generalização do processode .incorporação e difusão do progresso técnico". Trataremos, a se-guir, de desenvolver o porquê desta convicção.

É necessário, em primeiro lugar, deixar claro que, para que pre-dominasse aquela tendência à modernização generalizada, hipótese dealguns analistas, seria necessário que uma proporção crescente do ex-cedente global da economia fosse canalizada como investimento, paraos setores não-modernos de modo que, com o tempo, fossem dimi-nuindo as diferenças de produtividade. Não há evidências de que essefenômeno tenda a ocorrer e a razão para isso deve ser buscada juntoaos elementos que condicionam a alocação dos investimentos nas eco-,.

crever 11mtrecho do ensaio de Pedro Vuskovic, também incluído neste livro: " ...vem-se gerando, assim, uma pronunciada heterogeneidade nas estruturas econômi-cas, com estratos claramente diferenciados tanto quantitativa como qualitativamen-te, do ponto de vista de sua produtividade. Um grupo desses estratos constitui o quese poderia qualificar.como um setor "moderno", no qual tomam parte as unidadeseconômicas que funcionam com formas relativamente eficientes de organização,produtividade crescente e níveis tecnológicos e de dotação de capital por pessoa ocu-pada relativamente altos. No outro extremo, subsiste um setor que poderia ser desig-nado "primitivo", constituído por unidades econômicas que trabalham a baixíssi-mos níveis de produtividade, quase sem utilizar nenhum tipo de mecanização, comurna densidade insignificante de capital e onde as tecnologias utilizadas são extraor-dinariamente atrasadas: Entre ambos os extremos situa-se um estrato "intermediá-rio" que se diferencia do anterior pelos seus níveis de produtividade e seu grau de in-tegração no mercado nacional, tendendo a distanciar-se progressivamente dos pa-drões e características do setor moderno. Esta diferença entre estratos marcadamen-te diversos do ponto de vista da produtividade pode ser observada não somente noconjunto da economia mas também em cada um dos principais setores da atividadeeconômica. Em outras palavras, não se trata apenas de que existam alguns setorescuja produtividade média seja notoriamente inferior à dos outros: o problema é que,além disso, dentro de cada um desses setores apresentam-se descontinuidades muitoclaras entre estratos com produtividades muito diversas" (pág, S2). Estima-se que,na América Latina, 1/8 da população ativa encontra-se no estrato moderno, geran-do aproximadamente a metade do produto. Por outro lado, 1/3 da populacãoocu-pada corresponde ao estrato primitivo, no qual se gerariam IO/,;, do produto total.

22 Divergimos neste ponto de uma das teses de Antônio Castro, referente à moderni-zação generalizada da agricultura; veja-se, a esserespeito, ..Agricultura, emprego edesequilíbrios regionais - perspectivas", em Sele ensaios sobre a economia brasi-leira. op. cit.

18 Por modernização entendemos precisamente o processo de incorporação e difusão.da tecnologia moderna. Neste sentido, quando nos referimos à forma como se dá amodernização, estamos chamando a atenção para a modalidade de incorporação edifusão da tecnologia. Não há, portanto, nenhuma semelhança com a utilização des-se termo feita por certas correntes sociológicas, relacionada com a noção de proces-sos de desen volvirnento unilineares c continuas. A utilização do termo neste traba-lho, embora possa levar a mal-entendidos, visa unicamente a facilitar a redação.

19 Irradiando-se com maior ou menor intensidade na economia de acordo com um con-junto de fatores, entre eles o tipo de produto exportado, a natureza da exploração, aorigem da propriedade (nacional ou estrangeira) das atividades de exportação etc.

20 No Brasil, a taxa de expansão nestas atividades fOItão alta que originou um podero-so efeito de indução sobre alguns ramos da indústria "tradicional" que, então, semodernizaram bastante, tais como as indústrias têxtil e alimentícia.

21" Sobre os conceitos de estratos primitivo, moderno e intermediário, ver o artigo deAnibal Pinto "Heterogeneidade estrutural e modelo de desenvolvimento recente naAmérica Latina", incluído neste volume. A propósito do tema, é interessante trans-

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nomias capitalistas. Estes elementos relacionam-se com a rentabilida-de relativa dos investimentos, isto é, com as taxas de lucro que podemser obtidas nas diferentes atividades. Pois bem, tanto a própria nature-za das atividades dinâmicas quanto o caráter dominante dos grupossociais que as controlam permitem manter uma maior taxa de rentabi-lidade relativa para os setores modernos em expansão, precisamente àmedida que se mantenha polarizada a circulação do excedente, ou se-ja, que se restrinja a difusão do progresso técnico e de seus frutos.Aprofundemos um pouco mais estas idéias.

Na medida em que visualisamos o processo econômico do pontode vista do setor moderno, podemos identificar um esqu~ma fortementecentrípeto no que se refere à circulação do excedente. E bastante co-nhecido o fato de que a evolução dos padrões de distribuição de rendaque acompanhou o desenvolvimento recente de economias como abrasileira (veja-se o item III da segunda parte) garantiu crescentesmargens de demanda - dos grupos sociais médios e altos - para as ati-vidades produtoras de bens conspícuos, que direta ou indiretamenteestão ligados aos setores dinâmicos, permitindo uma expansão rentá-vel dos mesmos. Por outro lado, esta situação foi, num duplo sentido,reforçada oela ação do Estado: a) na orientação dos investimentospúblicos destinados a proporcionar diversas modalidades de econo-mias externas às atividades do setor moderno ou beneficiar diretamen-te o consumo de grupos incorporados a este setor; b) na política eco-nômica propriamente dita. Seria o caso da política salarial, cambiáriae mesmo de financiamento, tendente a beneficiar direta ou indireta-mente as atividades e o consumo moderno". Esta concentração de in-vestimentos privados e públicos e do consumo, bem como as facilida-des institucionais criadas, tendem a permitir que a acumulação do ex-cedente gerado no pólo moderno se mantenha em condições de certarentabilidade.

Apesar de se verificarem amplas condições de preservação das ta-xas de lucro mediante o esquema de acumulação "polarizada", é im-portante notar que, neste mesmo esquema, configura-se implicitame~-te uma contradição permanente entre a geração de um montante rapi-damente crescente de excedente e as possibilidades de sua realizaçãono restrito marco de sua circulação. Como se verá adiante, o sistemabusca, para escapar a essa contradição, saídas pelo lado de um proces-so permanente de desconcentração e reconcentração da renda, que lhe

permite sucessivas ampliações do mercado de acordo com as carac-terísticas de cada etapa de expansão.

Analisando o processo pelo ângulo da ampliação da capacidadeprodutiva e da incorporação do progresso técnico, podemos observar,ainda, que a aludida contradição provoca ciclos de modernização. Defato, ao esgotar-se, em cada etapa de expansão, os efeitos da comple-mentacão intersetorial no interior do pólo moderno, o excedente ai ge-rado tende a invadir algumas atividades tradicionais ou correspon-dentes a estratos intermediários de produtividade, mas de forma restri-ta, em atividades que moderniza rapidamente. A que se deve este cará-ter restrito?

Ter-se-ia que considerar, por um lado, que a maior proporção dasatividades modernizadas corresponde àquelas que guardam relaçõesfuncionais com o setor moderno - por exemplo, atividades que produ-zem insumos primários para a indústria ou alimentos para os merca-dos urbanos privilegiados. Em ambos os casos, existem forças que le-vam a uma modernização mais ou menos inevitável mas, ao mesmotempo, há importantes limites para que esse proc~ss? avance s~m quese deteriore a taxa de lucro relacionada com a propna modernização.

Vejamos quais são esses limites. Em primeiro lugar, a baixa elasti-cidade-renda da demanda de alimentos dos grupos sociais médios e al-tos que constituem os mercados privilegiados; em segundo, encontra-seo fato de que a direção do progresso tecnológico indica, em épocasrecentes uma tendência a uma progressiva "poupança" de insumospoucoelaborados ou à substituição destes últimos por produtos indus-trializados - matérias-primas sintéticas, por exemplo - que correspon-dem ao surgimento de novas atividades modernas. Daí diminuir noconiunto das atividades tradicionais o peso relativo daquelas que man-têm relações interindustriais com o pólo moderno. Poderíamos, final-mente, pensar no que ocorre com as atividades intermediárias e primi-tivas que dividem O mercado com algumas ativida.d~s moderna~ ',Nes~ecaso a modernização implica a destruição de atividades tradicionaispree~istentes. Essa destruição, no entanto, ~ão é levada àssu~s últi-mas conseqüências - se o fosse, alcançar-se-Ia a hornogeneização pr~-dutiva global - visto que o funcionamento no m.esmo merc~do, de at~-vidades com importantes diferenças de produtividade permite as maiseficientes receber uma renda diferencial em cada etapa de expansão eproteger sua taxa de lucro em períodos de crise". Portanto, a generali-

23 Poder-se-ia pensar que, por outro lado, o Estado. através dos gastos sociais e daspolíticas de desenvolvimento regional, se "redimiria" de seu papel anterior. Nãoobstante, não é isso que se verifica, não só dado o duvidoso significado' relativo deseus gastos sociais como também porque o desenvolvimento regional que promovetende a repetir a modalidade concentradora e excludente do desenvolvimento global.O que se verificou no Nordeste brasileiro representa um exemplo notável desteproblema.

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24 Para algumas atividades. a renda diferencial provém do fato de que operam a meno-res custos físicos e vendem a preços regulados pelas atividades de custos físicos supe-riores. Referimo-nos à renda diferencial no sentido ricardiano; não deve ser confun-dida com o sobrelucro que se verifica em qualquer estrutura oligopólica, onde coe-xistem empresas grandes e pequenas, ambas modernas. sendo a política de preços di-tada pelagrande e servindo as pequenas de "colchão" amortecedor.

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das a partir da evolução e transformações das formas de dependênci~,reconhecem que o processo de heterogeneização estrutural não consti-tui um fenômeno' de desintegração mas de sobreposição de cortestransversais e horizontais que produz uma estratificação econômica e i

social com planos e graus diferentes e assincrônicos de integração"Embora não estejamos de acordo com a idéia de que existem ten-

dências à modernização generalizada do sistema, reconhecemos que oprocesso de incorporação e difusão do progresso técnico vigente no .Brasil verifica-se em todos os planos e que a integração global do siste-ma se manifesta, claramente, pela penetração dos meios de transportee comunicação de massas. Estes meios permitem, entre outras coisas, aformação de um mercado nacional unificado para a maioria dos pro-dutos comerciais e uma maior mobilidade espacial da mão-de-obra.

Por outro lado, a partir de um enfoque dinâmico, podemos afir-marque a idéia de que os estratos modernos e primitivos se dissociamum do outro, tendendo a existir de maneira cada vez mais separada eautônoma, é responsável, em sua simplificação, pelas teses neodualis-tas. Na realidade, mesmo quando a heterogeneidade continua.aprofundando-se tente a haver, dentro do conjunto do sistema emmovimento, uma contínua alteração de posições das diferentes ativi-dades que acompanham o processo de expansão e modernização cícli-caso Assim, a "composição" dos diversos estratos não é um absolutoCOnstante. Há atividades primitivas que passam a modernas e outrasmodernas que passam a intermediárias, do mesmo modo que há inter-mediárias que se modernizam, mantêm-se ou retrocedem. Estamos lon-ge, portanto, da idéia de coisas separadas, com pouca relação entre si.Trata-se de um .rnesmo sistema, cuja heterogeneidade se aprofundasem que haja ruptura entre suas diversas partes".Exclusão e marginalizaçao

.. N O processo de incorporação e difusão do progresso técniconuma economia, manifestam-se dois efeitos contraditórios com rela-ção à absorção de mão-de-obra: por um lado, o da exclusão e/ou ex-pulsão e, por outro, o de incorporação nas novas atividades que sur-gem. Considera-se que o resultado líquido em termos de emprego pro-dutivo global tem sido, na América Latina e particularmente no Bra-sil, insatisfatório. Comumente, atribui-se esta evolução negativa a

zação dos investimentos "modernizantes" nas atividades tradicionaisque competem com as mais modernas implicaria um declínio de suarentabilidade. Esta mesma circunstância tenderia a frear uma moder-nização permanente, na direção das atividades tradicionais.

Poder-se-ia pensar que a situação se alteraria à medida que a de-manda por alguns artigos "tradicionais" se dinamizasse em certosperíodos - por exemplo, alimentos cujo consumo é mais generalizado.Não obstante, parece mais provável que os investimentos "moderni-zantes" tendam a satisfazer os incrementos da demanda, sem perderseu caráter restrito, seja por se realizarem em empresas que já possuemuma maior produtividade seja pelo progresso técnico que trazem in-corporado, que lhes permite gerar consideráveis aumentos de produ-ção mediante a criação de novas empresas ou modernização de algu-mas poucas empresas não-modernas.

N o caso de as hipóteses aqui levantadas serem verdadeiras, épossível concluir que a modernização e a intensificação de capital ten-dem, efetivamente, a processar-se, em cada etapa de expansão, demodo restrito a algumas áreas e subsetores. Com isto, enquanto se am-pliam os estratos modernos, aprofunda-se, necessariamente, a hetero-geneidade estrutural. Nos três setores básicos da economia - primário,secundário e terciário - passam a coexistir os mais contrastantes pa-drões tecnológicos; as diferenças intrasetoriais por estratos de produ-tividade chegam a ser tão importantes ou mais que as clássicas diferen-ças intersetoriais.

Neodualismo?Seria pertinente perguntar, então, se o aprofundamento da hete-

rogeneidade estrutural que acompanha o desenvolvimento capitalistadependente subdesenvolvido representa algum tipo de desintegraçãoentre os estratos produtivos modernos e primitivos, Não há, no nossoentender, maiores fundamentos para essa conclusão,

A idéia de desintegração - social ou econômica - parece ser umvelho resquício de determinados modelos "dualistas" (à Ia Boeke) queadmitiam como possível a configuração de dois subsistemas pratica-mente independentes dentro de uma mesma sociedade. Até mesmo au-tores da escola "estruturalista" latino-americana, que, em suas análi-ses, partem da integração de nossa economia no novo sistema de po-der do capitalismo internacional, se contagiaram e tendem, às vezes,aenfatizar, por contraste, a desintegração interna provocada por essaforma de relacionamento". Outros autores, como contrapartida, con-siderando a complexidade das relações estruturais internas, estabeleci-

26 fõ o caso de Anibal Pinto em "Diagnóstico, estructura y esquemas dedesarrollo enA. Latina". Boletim ELAS·FLACSO nv 5, 1969, Santiago.

27 Estas considerações chamam a atenção para a precariedade da utilização do termo"setor" ou "estrato moderno". Ao fazer-se referência ao setor secundário, por exem-pio, pensa-se num conjunto de atividades de transformação que produzem bens comdeterminadas características. Quando se menciona "setor moderno", não é possívelpensar num conjunto determinado de bens que são ·aí produzidos, mas em atividadesde produtividade relativa bastante alta.

25 Ver o ensaio de Osvaldo Sunkel: "Desarrollo, subdesarrollo, dependencia, margina-lización y desigualdades espaciales; hacia un enfoque totalizarite", Santiago, 1970(mimeografado).

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uma espécie de "excesso" de modernização. Tal argumento baseia-se,em geral, na idéia de que a composição setorial do produto de nossaseconomias avança no sentido de um padrão "normal" de desenvolvi-mento, enquanto que a do emprego segue um caminho desviado. Estasituação seria devida a uma utilização exagerada da tecnologia impor-tada, mais moderna, com maior intensidade de capital e, conseqüente-mente, "desajustada" à nossa constelação de "fatores"

Preferimos considerar, no entanto, que a responsabilidade daevolução desfavorável do emprego produtivo não se relaciona com um"excesso" de modernização, mas com a forma que assume a mesma.Raciocinando numa perspectiva dinâmica, o problema não está emque a tecnologia seja importada ou utilize intensamente capital, mas,sim na maneira como se utiliza o maior excedente derivado de suaaplicação".

A forma de utilização do excedente, bem como de seus sucessivosincrementos, nos indica claramente qual o caráter do processo de mo-dernização. Quando se fala da natureza concentrada da incorporaçãodo progresso técnico e da apropriação de seus frutos, ou da circulaçãodo excedente predominante no interior do setor moderno - setor quese expande espasmodicamente, dando lugar a um processo concen-trado de acumulação de capital e de repartição da renda -, está-se pen-sando precisamente na forma como é utilizado o excedente geradopela força de trabalho e suas conseqüências sobre a performance daeconomia.

A seguir, examinaremos mais de perto as relações entre a moder-nização e a exclusão e marginalização.

Em primeiro lugar, cabe notar que, quando o setor moderno seexpande verticalmente, ou seja, sem absorver ou liquidar atividadestradicionais, a exploração da força de trabalho incorporada é mais in-tensa, enquanto a mão-de-obra ocupada nos estratos produtivos não-modernos fica, em grande medida, "excluída" desta forma de explora-ção. Assim, reduzem-se ainda mais os níveis relativos de produtivida-de nestes estratos e agrava-se a heterogeneidade pelo lado dos cortestecnológicos.

Quando, pelo contrário, a modernização se estende a determina-das partes das atividades produtivas tradicionais - ou seja, torna-semais extensiva -, amplia-se a base de geração de excedente absoluto erelativo (ao elevar-se a produtividade e manterem-se constantes os sa-lários), mas acelera-se a taxa de expulsão de mão-de-obra antes empre-gada nas atividades que se modernizaram. Em outras palavras, aomesmo tempo em que se amplia a base de geração do excedente am-pliado, alimenta-se o processo de marginalização social, que implica

uma concentração da força de trabalho em áreas econômicas residuaisou atividades "depósito". Desse modo, a extensão do setor modernoagrava, paradoxalmente, a heterogeneidade pelo lado da marginaliza-cão. Neste sentido, a incorporação e expulsão passam a ser duas ten-dências simultâneas e contraditórias do processo de expansão e mo-dernização, que assume então um caráter desigual e combinado.

Aspectos da modernização no Brasil

N o Brasil, durante as primeiras etapas de industrialização substi-tutiva, entre o final da Segunda Guerra e meados dos anos 50, haviagrandes ilusões sobre a homogeneização global, sobretudo dada apossível magnitude dos impactos da urbanização em termos de absor-ção da mão-de-obra rural e da modernização extensiva do complexoindustrial urbano. Não obstante, por volta do final dos anos 50, estaimagem começou a ser desfeita devido à situação do Nordeste, agrava-da por urna seca de grandes proporções. Isto se refletiu na evidênciaque ganharam as análises sobre desequilíbrios regionais, levantandodiversas teses sobre a exploração das áreas atrasadas pelas áreas mo-dernas, de acumulação polarizada de capital. A nosso ver, exagerou-sea importância relativa do excedente eventualmente extraído das áreasatrasadas para alimentar a acumulação do Centro-Sul", Esta região ti-nha uma capacidade "física" própria de acumulação e de expansãoque, em grande medida, não dependia das relações inter-regionais.

Durante o período mais intenso da industrialização, mesmoquando se verificou uma dilatação da fronteira econômica e a exten-são da modernização a várias áreas agrícolas, bem como a incorpora-ção de novos contingentes da população ao setor serviços em váriospólos urbanos, a heterogeneidade acentuou-se, juntamente com a con-centração de capital e a redução do ritmo de absorção produtiva daforça de trabalho nos centros urbanos. Diante da crise e posterior re-cuperação do ritmo de crescimento, a relação entre os setores não-modernos e modernos enfraqueceu-se, e não somente porque o com-plexo moderno ampliado estivesse em fase de "digestão" de sua pró-pria capacidade, mas também porque o impacto da crise recaiu maisque proporcionalmente sobre as atividades tradicionais (agricultura dealimentos e matérias-primas para as indústrias tradicionais, indústriasde bens de consumo não-duráveis, parte da construção civil).

Não obstante, os vínculos com a região mais atrasada - o Nordes-te - se estreitaram. Aproveitando os estímulos fiscais concedidos pelo

29 Isto não significa menosprezar os efeitos de longo prazo da política cambial e da ex-tração efetiva do excedente do Nordeste sobre a economia da região, ou que esteja-mos deixando de lado seu significado de curto prazo para o Centro-Sul entre 1953-1958/9. O problema consiste em que não é válido extrapolar estes acontecimentospara explicar as tendências posteriores. Ver, a esse respeito, o artigo de Antônio Cas-tro sobre o Nordeste no segundo volume de seu livro já mencionado.

28 Desde que aumente, em termos ricardianos, o produto, por unidade, do insumo ca-pital-trabalho. .

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governo a partir de 1963 e revigorizados em 1965/66, o Centro-Sulpassou a transferir uma significativa massa de excedente na industria-lização da região nordestina, inaugurando uma espécie de divisão re-gional do trabalho no setor industrial. No entanto, esta invasão par-cial dos estratos intermediários e primitivos através da modernizaçãooriginou; mais uma vez, um aprofundamento da heterogeneidade es-trutural, àgora dentro da área do Nordeste, precipitando um violentoprocesso combinado de incorporação limitada, expulsão e marginali-zaçâo da população da região.

Nó começo dos anos 60, os problemas de rnaterializacão do exce-dente se agravaram no complexo do Centro-Sul, apesar das oportu-nidades de investimento encontradas no Nordeste. Produziu-se nointerior daquele complexo um considerável enfraquecimento das rela-ções interestratos econômicos moderno e não-moderno (a nível de in-sumo-produto); reduziu-se consideravelmente a demanda, de parte dasatividades modernas, por mão-de-obra e novos insurnos produzidospelas atividades atrasadas. Assim, o capitalismo brasileiro viu-se dian-te da situação de afogar-se em excedente e não conseguir realizar seuvalor. Como já se mencionou, buscou-se a saída através do aumentoda taxa de mais-valia e de uma nova reconcentração da atividade eco-nômica' e da renda. Tudo isso visando a, implícita ou explicitamente,ampliar o mercado das classes médias e altas, intensificar a capitaliza-ção e promover uma riova onda de expansão.

A economia brasileira conseguiu, assim, graças ao seu intensivo eacelerado processo de modernização, ampliado por suas dimensões es-paciais, alcançar um grau de heterogeneidade sem paralelo na Améri-ca Latina (com a possível exceção do México), sem que isto entorpe-cesse sua dinâmica. Neste processo, coexistem altas taxas de incorpo-ração, expulsão e marginalização - sem que o conjunto dessas três ten-dências tenha-se revelado contraditório com a expansão. Até agora,isto contribuiu para dificultar a manifestação, no interior do processode expansão capitalista, das violentas contradições sociais e políticasderivadas do caráter excludente do desenvolvimento capitalista verifi-cado no Brasil. Embora tenha-se ampliado a base econômica do con-flito de classes, vem-se desenvolvendo muito lentamente nas massas acorrespondente capacidade de pressionar por suas reivindicações, sejapela força da coerção que sofrem, seja por seu baixo nível de organiza-ção. Também neste sentido o Brasil constitui uma das exceções em re-lação aos demais países com um grau comparável de desenvolvimentocapitalista.Tendências da concentraçãoCaracterísticas gerais da concentração

O desenvolvimento cio capitalismo está profundamente marcadopelo processo de concentração, tanto no perfil que assume quan-to nos resultados econômicos e sociais que alcança em cada etapa. Daí

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ser esse um fenômeno decisivo na explicação do funcionamento e ex-pansão do sistema.

Antes de começarmos a examinar certos aspectos relacionadoscom a economia brasileira, consideramos necessário precisar melhoralgumas idéias sobre o próprio processo de concentração.

É muito corrente a idéia de que, sobretudo em economias como anossa, o processo de concentração é linear. Em outras paiavras, pensa-se que há uma tendência permanente à concentração da propriedade eda produção em mãos de umas poucas empresas. Do mesmo modo,existe a idéia de que a renda tende a fluir cada vez mais para l1S mãosde uma cúpula numericamente insignificante da população, fato quedeterminaria um progressivo e inexorável estreitamento relativo domercado. É necessário qualificar estas formulações, visto conteremuma dose excessiva de simplificações, que prejudica as interpretaçõessobre o desenvolvimento de nossa economia e, principalmente, possi-bilita previsões equivocadas de estagnação. Tentaremos expor, a se-guir, algumas qualificações que julgamos importantes.

Qualquer processo de concentração é acompanhado de perto poroutro de desconcentração e reconcentração e o resultado pode ou nãorepresentar um aumento do coeficiente global de concentração; nãoobstante, durante o mesmo mudam significativamente as relações e acomposição interna dos diferentes estratos produtivos, de proprieda-de, de tamanho das empresas e da renda. Em conseqüência, reorgani-zam-se o mercado e o funcionamento dó sistema. Tudo isto sem que, ne-cessariamente, aumente a concentração global (absoluta).

Ademais, se pensarmos nas relações entre os diversos tipos deconcentração, é interessante observar que a concentração do capitalnos centros urbanos, em poucas mãos, não significa, necessariamente,propriedade das empresas, visto que basta o controle financeiro outecnológico para dominar as decisões de investimento e retirar o exce-dente eventualmente necessário para a realização do sobrelucro dasfirmas dominantes. .

Por outro lado,a tendência ao desaparecimento da pequena e mé-dia empresa como conseqüência da concentração empresarial (deter-minada, por sua vez, pelas dimensões da escala mínima frente à estrei-teza do mercado), não se verifica necessariamente. Em primeiro lugar,esta dimensão mínima só existe para as empresas de alguns ramos. Emsegundo lugar, juntamente com o desaparecimento da pequena e mé-dia empresa tradicional, substituída pela grande, verifica-se o surgi-mento da pequena e média empresa moderna, fornecedora ou clienteda grande empresa dinâmica, bem como um acelerado desenvolvimen-to das empresas artesanais de luxo, que acompanha a sofisticação doconsumo urbano. E isto para não nos referirmos aos pequenos e mé-dios serviços de comércio e negócios diversos.

. Na realidade, não existem grandes empresas finais isoladas, mas,sim, macromoléculas com empresas dominantes e uma constelação re-

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novada de pequenas e médias empresas complementares. Além disso,não se pode esquecer que só em casos de países com grau muito baixode industrialização, ou em "economias de enclave", é possível imagi-nar um processo de urbanização sem efeitos internos de encadeamentopara trás e para diante. Este "colchão" protetor de pequenas empresaspode encolher-se ou estender-se acompanhando as flutuações periódi-cas do sistema, mas, em geral, não tende à monopolização.

Assim, o processo de concentração-desconcentração-recon-centracão é permanente e, em certas etapas, pode resultar numamaior participação da grande empresa na produção e no emprego, em-bora isto nem sempre se verifique. O que sempre aumenta é o controledo excedente intercambiável no mercado, através de mecanismos quepodem incluir separadamente a comercialização, o financiamento(maior predominância do capital financeiro) e a tecnologia ("padroni-zacão" obrigatória ditada pela matriz ou filial dominante). No casoem que os mecanismos de controle envolvam todos esses elementosconjuntamente, estar-se-á frente à forma mais atual e sofisticada, ex-pressa num tipo de organização em "conglomerados". O "conglome-rado"]" não é uma forma de organização monopolística centralizada,do tipo das antigas corporações produtivas norte-americanas, como aFord, General Motors, Standard Oil etc. Também não exige, necessa-riamente, a integração horizontal e vertical da produção em cada setordinâmico (aspecto típico da monopolização), integração que corres-ponde à expansão do capitalismo até os anos 50 - como é o caso muitoconhecido da DuPont-Carbide na química, da General Electric-Siemens na indústria elétrica e eletrônica. O sentido fundamental doconglomerado é, na realidade, controlar o excedente e o mercado e sóconduz à integração produtiva e ao controle de todo o processo deprodução, de inovação ou adaptação tecnológica, quando isto é fun-damental para alcançar aquele objetivo. Em outras palavras, a finali-dade do conglomerado não consiste em concentrar a produção, regu-lar a absorção de tecnologia e aumentar a eficiência produtiva median-te o aproveitamento das economias de escala e de encadeamento oucomplementação; seu objetivo reside em captar o excedente de váriasempresas ou setores e dar-lhe nuvas e diversificadas formas de aplica-ção que minimizem os riscos e mantenham a acumulação rentável docapital. Trata-se, pois, de expandir o mercado e de obter uma crescen-te massa de excedente, de uma forma muito mais flexível que a supera-curnulação em moléculas produtivas gigantes.

Embora para certas funções produtivas, tecnológicas e de acumu-lação real de capital mantenha-se a estrutura da grande empresa capi-

30 A literatura sobre a origem e características dos conglomerados é abundante. Veja-se, entre outros, os trabalhos de Celso Furtado (Revista de Estudios lnternacionalesde Ia Untversidad de Chile), Stefen Hymer e diversos números das revistas MonthlyReview e Developing Economies.

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talista oligopólica", a formação do conglomerado tor~a-se cada vezmais necessária para os esquemas de controle e realocação de exceden-te em escala nacional ou mundial. Esta parece ser a maneira mais eficientede compatibilizar.a formação real de capital com a acumulação financeira,evitando o aguçarnento das crises de realização inerentes ao sistema capi-talista".

Esta nova forma de capitalismo financeiro permite, ao ganhar im-portância nos países capitalistas sub?ese~volvidos: a manut~nção deuma pluralidade de formas de orgaruzaçao produtiva, co~ ?lferentestamanhos de empresas e graus variados de avanço tecnológico, Mos-tra-se também capaz de controlar o excedente de. ati~idad~s cujas fo~-mas produtivas encontram-se dissociadas entre SI.e.Jnclusive, .de soli-darizar interesses de empresas ou grupos que seriam antagônicos emcondições de concorrência oligopólica normal (ver, como exemplo, ocaso da DELTEC no Brasil).

No que se refere à distribuição da renda, pa~ece claro que nãopode tender inexoravelmente a c~n.centr~r-se exclusivamente numa pe-quena cúpula (por exemplo, o ultimo 1%), permanecend~ o resto dapopulação sem participação nos incr~mentos da renda. Se. ISSOaco~te-cesse, o sistema estaria condenado a Viver em perIl!an~nte cnse de r~-cão, Na realidade, o que se observa é uma tendência a ~ma ~ontmuaredistribuição ou reconcentração da renda! ~m que se sohd~nza a am-pliação do consumo de certos estratos SOCiaiScom a geraçao do exce-dente necessário.

Em todo este processo pode aumentar ou diminuir o coeficienteglobal de concentração ou o grau de desigualdade absoluto. Em paísescomo o Brasil pode-se dizer que este último aumenta, ao passar-se deum processo ~xtensivo de industrialização a ou~ro ~nten~ivo e daí auma etapa caracterizada pelo aprofundamento e diversificação do co~u-mo. das classes médias e altas. No entanto, altera-se a posrçao relativados estratos de renda que representam grupos sociais incorporados a?mercado em expansão, em função da demanda que o slstem~a .necessi-ta. É possível, inclusive, que, embora aume~te a concentração ~l~bal,reduza-se a concentração parcial do subconjunto das classes medias ealtas da escala distributiva.

É evidente que no caso dos maiores países da América Latina~ naatual etapa de desenvolvimento por diversificação do consumo, exige-

31 Que em alguns países menos dependentes: continua sen~o. "nacional".32 No Japão, muito antes que nos Estados Unidos, ~ formação de_conglome~ados su~e-

rou a antiga dicotomia entre corporacão produtiva e corporaçao financeira que ain-da hoje predomina na economia nacional norte-americana, sendo a fonte .degr~n~escontradições entre sua expansão como nação e sua condição de cabeça do irnperialis-mo contemporâneo.

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se uma incorporação sustentada dos grupos médios". Quando o siste-ma não tem condições de propiciar esta incorporação de maneira sa-tisfatória, seja pelo lado do emprego, seja pelo do gasto (financiando oendividamento crescente dos grupos médios) ou, finalmente, pelo ladoda renda, através de uma diferenciação cada vez maior de salários e emfavor da tecnocracia e burocracia, ocorre, realmente, a tendência à ma-nifestação de crises de realização. A capacidade do sistema para supe-rá-Ias dependerá tanto de fatores estruturais, com certo grau de per-manência histórica, quanto do quadro conjuntural verificado na etapade transição. Para o capitalismo brasileiro de meados da década passa-da, ambos os elementos foram favoráveis.

Os mecanismos básicos da reconcentração no BrasilO processo de reconcentração em curso no Brasil desde 1964

apoiou-se, fundamentalmente, nos novos mecanismos de poder exerci-dos pelo Estado e no crescente controle financeiro e tecnológico, emmãos do capitalismo internacional.

A reconcentraçâo da propriedade, produção, renda e mercados éuma conseqüência deste novo modo solidário de expansão, através demecanismos cada vez mais centralizados. É, pois, o resultado simultâ-neo de uma política instrumentada e de leis inexoráveis de funciona-mento interno do capitalismo subdesenvolvido, que levam a um pro-cesso de acumulação fechada de capital e dos frutos do progresso téc-nico.

N o caso do Brasil, o que interessa não é tanto a concentração dapropriedade e da produção, mas sim os mecanismos de controle dossetores dinâmicos e o problema da limitada participação das massasincorporadas ao processo de expansão. Sobre o primeiro aspecto, ofundamental seria analisar a forma que se demonstrou como a maiseficiente, relacionada com o desenvolvimento do "novo" capitalismofinanceiro, que adquire uma importância crescente. Sobre o segundoaspecto, a análise do processo de reconcentração da renda pode escla-recer o tema. Neste ensaio trataremos, unicamente, deste segundo as-pecto.

A reconcentração da renda no BrasilPara melhor visualização da distribuição da renda e suas altera-

ções, é conveniente apresentar um esquema que compreende cincogrupos de renda:

Grupo A : classe alta, burguesia (proprietários, gerentes);Grupo B,: classes médias altas (algumas profissões liberais, altos fun-

cionários, empresários médios);Grupo B2: classes médias urbanas (burocracia pública e privada, pe-

quenos comerciantes);Grupo C: classes assalariadas de base;Grupo D: trabalhadores rurais, trabalhadores independentes urba-

nos, marginais.Parece-nos que a dinâmica fundamental da distribuição limita-se

praticamente aos grupos B e C. A classe alta mantém ou aumenta suaparticipação, enquanto que o Grupo D não participa de modo signifi-ca:tivo nos ganhos de produtividade do sistema.

Pode-se estimar que a distribuição na renda em 1960 assumia oseguinte .perfil:

Grupos População totalParticipação

no totalda renda

. anual (%)

700 00 ( 1%)2 800 000 ( 4%)

\O 500000 (15%)21 000 000 (30%)35000 000 (50%)

2816212015

AB,B,C-D

FONTE: Estudo da Distribuição da Renda no Brasil, CEPAL, Rio. 1967.

Embora em 1960 o Brasil tivesse um mercado para bens duráveisde consumo sofisticado de dimensão aproximadamente semelhanteaos da Argentina e México, os padrões de renda e consumo dos $ruposmédios eram nitidamente inferiores, devido à alta concentraçao e aotamanho absoluto da cúpula. Conseqüentemente eram mínimas aspossibilidades de a economia manter a solidariedade entre a participa-ção dos grupos médios e o progressivo aumento da concentração nacúpula sem que se recompusesse o esquema de distribuição.

A partir de 1961, a aceleração inflacionária passou a minar os sa-lários reais urbanos e, portanto, a posição relativa dos Grupos B2 e C.Começou, por conseguinte, a restringir-se a base do mercado de con-sumo popular sem que se ampliasse, substancialmente, o mercado dediversificação do consumo, devido à baixa participação dos gruposmédios; restou daí apenas a intensificação dos padrões suntuários dasclasses altas como elemento de impulso dinâmico pelo lado do consu-mo.

33 Do mesmo modo que, na etapa da industrialização extensiva, necessitava-se incor-porar as classes assalariadas. Não.foi por acaso que em vários países da América Lati-na este período correspondeu à idade de ouro do populisrno, compatível com a dinâ-mica do sistema. Nos países onde as formas populistas chegaram muito tarde ou per-maneceram até a etapa seguinte de industrialização. verificou-se uma ruptura no es-quema de alianças verticais. Ver, de Francisco Weffort, "Estados y masas en Brasil".Revista Civilização Brasileira. n9 7, maio de 1966.

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Em 1963, o governo tentou implementar um esquema redistribu-tivo em favor das classes populares, esquema que estava condenado aofracasso dadas as tendências prévias do processo de expansão e a ma-nutenção dosparâmetros básicos de funcionamento do sistema.

A política do novo governo militar criou condições para umareorganização do esquema distributivo "conveniente" ao sistema, co-meçando por redistribuir a renda em favor dos setores das classes mé-dias "altas" e contra as classes populares assalariadas. Esta redistri-buição teve início primeiramente ao nível do gasto, mediante novos es-quemas ampliados de financiamento de bens duráveis e, posteriormen-te, pelo lado da renda, mantendo-se a queda dos salários-mínimosreais mas. permanecendo mais ou menos constantes os médios, permi-tindo-se então, uma abertura do leque da escala de remuneração emfavor dos novos grupos médios emergentes. Tudo leva a pensar que aconcentração na cúpula continuou e ainda com maior vigor, desdeo significativo crescimento do excedente a partir de 1967, pos-sibilitado por um nível de salários reais rebaixado em quase 30%, nocaso do salário-mínimo (em relação a 1961), em condições de recupe-ração e expansão acelerada do nível de atividade econômica urbana.No entanto, a maior incorporação de mão-de-obra, derivada da ex-pansão, permitiu que o número de pessoas que trabalham por famíliaurbana aumentasse significativamente em 1969, em comparação comO decênio anterior, possibilitando que a renda média por família assa-lariada, em 1970, se aproximasse mais do nível registrado no início dadécada.

rante a década), supondo-se que se mantenha a mesma estrutura declasses - hipótese muito otimista - e levando-se em consideração asalterações, na distribuição, já mencionadas, teríamos como um esque-ma provável para 1970 o seguinte:

Grupos População totalParticipação

no totalda rendaanual (%)

900000 ( 1%)3600000 ( 4%)

13500000 (15%)27 000 000 (30%)45000 000 (50%)

302022.515.012.5

AB,B,C'D

FONTE: Estimativa dos autores.

Assim, os grupos A e B" que representam 5% da população total,absorveram o grosso dos ganhos de produtividade global do período erecebem 50% da renda total. Também o grupo B, melhora sua posiçãorelativa em relação a 1960 e, se levarmos em consideração os incre-mentos absolutos da renda, seu peso absoluto no mercado de bens deconsumo generalizado aumenta consideravelmente.

A importância para o mercado destes cinco grupos de renda podeser apresentada da seguinte forma:Grupo A : 'apropria-se do excederite que alimenta o processo de acu-

mulação e diversificação do consumo;Grupo B,: núcleo fundamental do

mercado modernobase do mercado modernobase da extração do excedente e principal suporte do mer-cado tradicional. Seu poder de compra flutua com o salá-rio-mínimo real;

Grupo O: fora do mercado consumidor moderno. Uma parte de Orepresenta a base de extração do excedente para os setorestradicionais e tem pequena participação relativa no consu-mo capitalista; a outra parte, cujas dimensões não se co-nhece, é constituída pela população marginal.

O montante absoluto da renda dos três grupos que contam real-mente para o mercado moderno seria em 1960 de USS 14650 milhõese em 1970 estaria próximo a uns USS 26 milhões, cifra superior aoproduto interno bruto do Brasil em 1960. Assim, durante a década, omercado moderno teria crescido em 80%, contra 33% da renda per ca-pita. Ou seja, do aumento de US$ 15 bilhões na renda nacional no

A distribuição da renda em 1970·

Admitindo como hipóteses muito otimistas que durante o últimodecênio a renda média por pessoa ocupada na agricultura tenha au-mentado proporcionalmente à produtividade média do setor e que nãose tenha intensificado o ritmo de marginalização, poder-se-ia avaliarque o estrato correspondente aos 50% inferiores aumentou sua rendamédia de aproximadamente 1% ao ano.

Apesar da hipótese formulada em relação às classes pobres, certa-mente mais favorável do que realmente aconteceu, o esquema de dis-

. tribuição da renda em 1970 mostraria, em relação a 1960, urna maiortaxa global de desigualdade e uma maior concentração na cúpula. Emcompensação, tanto o peso relativo da participação na renda, pelosgrupos médios altos, como os níveis promédios dos grupos médios emseu conjunto teriam aumentado significativamente.

Admitindo-se, para fins de simplificação, que a renda média bra-sileira seja de cerca de USS 400 em )970 (crescimento de 33% du-

Grupo B2:

Grupo C :

maior posição absoluta e rela-tiva no período;

• Este ensaio foi escrito 'um ano antes de que fossem dados a conhecer os resultados doCenso de 1970 referentes à distribuiçâo da renda.

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poder de compra dos salários-mínimos e agrava ainda mais ajá dilata-oda taxa de extração de excedente da força de trabalho.

Embora não concordemos com as teses de estagnação e não veja-mos limitações pelo lado do potencial de expansão na atual etapa dedesenvolvimento do capitalismo brasileiro, acreditamos que o mesmoapresenta constantes e renovados problemas relacionados com a reali-zação do excedente. Como já foi antes mencionado, o aprofundamen-to deste tema deveria ser o objeto de outro ensaio.

Em termos de economia convencional, é muito comum confundira rentabilidade esperada ou "eficácia marginal" do capital com a rela-ção produto-capital marginal. A primeira diz respeito ao comporta-mento do empresário e depende de suas expectativas frente a situaçõesdadas ou em transformação no mercado. A segunda é determinada,em condições tecnológicas dadas, pelo processo de acumulação de lon-go prazo.

processo de expansão, do fato de que nossas economias, ao serem in-capazes de gerar e controlar endogenamente suas formas de incorpo-ração de progresso técnico, passam a ter possibilidades muito limita-das-de integrar-se n o .mercado internacionalr Esta ..circunstância; con-jugada com a impossibilidade de generalização interna da moderniza-ção, encurta os períodos em que se torna necessário reorientar - e cadavez mais intensamente - o excedente intercarnbiável". A reorientação,às vezes drástica, da atividade econômica só seria possível mediante al-terações periódicas e intensas no esquema de concentração da renda edo produto, de maneira a. ajustar-se aos novos esquemas de alocaçãode recursos. Tal situação implica que cada vez que se entra numa novaetapa de desenvolvimento capitalista necessita-se de uma reorganiza-ção dos mecanismos de poder - desde os instrumentos de controle es-tatal e novas formas de solidariedade com os agentes do capitalismointernacional até o plano das alianças de classe.

Tudo o que foi dito anteriormente pode levar a pensar que, junta-mente com as tendências às crises periódicas de realização,manifestem-se cada vez com maior freqüência, crises sociais. e políti-cas, sobretudo' quando não se trata de simples flutuações da atividad.eeconômica mas de alterações importantes no padrão de desenvolvi-mento capitalista.

Alguns países conseguiram transitar de um estilo a outro sem cri-ses mais sérias graças a uma conjugação mais adequada entre a formade expansão e o controle político do sistema - como é o caso do Méxi-co. Em outros, o sistema capitalista sofreu profundas rupturas no .es-quema institucional e político que pr~~~lecia, e embora tenham sidocriadas condições extremamente coercitivas em favor dos grupos do-minantes, não se conseguiu reorganizar a economia de maneira est~velnem se chegou. a constituir sequer, algo além de uma medíocre canca-tura da moderna sociedade capitalista "de consumo".

O capitalismo brasileiro, após uma importante ruptura em seu es-quema político, parece haver conseguido tirar maior proveito de seu

'\ poder de controle sobre as variáveis-chave da acumulação e moderni-zação, conseguindo, além disso, alcançar um lugar modesto, emborarelativamente privilegiado, no novo esquema de divisão do mercadoregional e internacional que se vem processando através das corpora-ções multinacionais. Não. obstante, permanece com significativosproblemas de realização que o levaram, desde 1968, a desenvolver ace-leradamente o sistema financeiro. Este mantém e extrapola uma taxade inflação por volta de 25%, ritmo que, embora tolerável, e até mes-mo funcional para o sistema em expansão, impede a manutenção do

Apêndice I

----~-_._----,. I

. I

:. I

II:I

i=(

K K

a = relação produto-capital marginali = taxa de juro "normal"

K = capitalI = investimentoIE = investimento de equilíbrior = eficácia marginal do capital

~----~ ;\IIII

IE 11

37 Uma eventual ampliação da integração no mercado internacional permitiria a suavi-zação das transformações, já que o mercado externo aumentaria o raio de manobrado processo econômico interno.

Um dos determinantes cruciais da dinâmica de uma economia ca-pitalista é o comportamento empresarial, que leva em consideração,evidentemente, as alterações nos parârnetros tecnológicos dados.

248 249

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Apêndice 11

A taxa de lucro pode ser expressa pela fórmula:r-oC·-1-n_- m + Ionde r é a relação de lucro, .c corresponde à relação-média produto-capital, em valor, e m à taxa de mais-valia (ou taxa de exploração)m~P' w

, wonde P é o produto por trabalhador e w é o salário.

Apesar de muito simples, verifica-se muita confusão sobre as rela-ções entre a taxa de mais-valia (mais-valia sobre o salário), relaçãoproduto-capital e taxa de lucro. Na realidade, a relação produto-capital pode ser consideravelmente menor num setor (I) que em outro (11)e; no entanto, a taxa de lucro ser muito maior, devido à incidência da.taxa de mais-valia.

P

PI ----------------------------------

K

p = produto por trabalhadorw = taxa de salário (que se supõe ser constante entre os diferentes

ramos) ••k = capital por trabalhadortg = relação produto-capital = rLr = taxa de lucroPelo gráfico pode-se constatar que a taxa de lucro no setor I é

maior que a taxa de lucro no setor 11 apesar de que a relação produto-capital no setor I é menor que a relação produto-capital no setor 11.Isto se deveria ao fato de que a taxa de mais-valia no setor I é superior

250

à taxa de mais-valia no setor 11numa proporção tal que contrabalançaos efeitos derivados da maior relação produto-capital no setor 11.

AIgebricamen te:

mI

ml + I a.1I-mIl a.ImIl + I

Apêndice III

O gráfico a seguir permite-nos compreender melhor o raciócínio:

III

2 ------------------i---IIIIIIIII

K

Na ausência' de progresso técnico, a acumulação de capital (K2-Kl)provocaria uma redução da relação produto-capital (de r:L I para.c 2). Com progresso técnico, a relação produto-capital pode,

inclusive, aumentar (passando de oC I para r:Á.. 3). É evidente que oresultado final dependerá da forma da curva final, que reflete as carac-terísticas do progresso técnico realizado. Neste sentido, a relação pro-duto-capital final pode resultar maior, menor ou igual à relação pro-duto-capital inicial. Mas em qualquer caso aumentaria o produto porunidade de insumo capital + trabalho.

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