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CAPTULO

FILOSOFIA CONTEMPORNEA:

pensamento do sculo XIX

Questes filosficasExiste uma evoluo das sociedades humanas? Os avanos da cincia e da industrializao tornaram os seres humanos' mais felizes? Existe um princpio unificador da realidade? Se existe, esse princpio material ou espiritual? Como a dinmica das transformaes do real? Como a relao existencial do ser humano com mundo? O que a histria?Detalhe de rf no cemitrio (1824) - Eugene Delacroix. Apreenso e nervosismo so estados de esprito caractersticos do sculo XIX, como se observa na expresso da jovem mendicante retratada nesta pintura.

Conceitos-chaveromantismo, nacionalismo, subjetividade, liberdade, positivismo, cincia, ordem, progresso, evoluo, lei dos trs estados, idealismo alemo, eu, inteligncia, esprito, razo, absoluto, movimento dialtico, esprito subjetivo, esprito objetivo, esprito absoluto, materialismo, vontade, representao, dimenso tica, dimenso esttica, dimenso religiosa, materialismo histrico, dialtica marxista, capital, trabalho, luta de classes, modo de produo, foras produtivas

Chegamos agora ao primeiro sculo da Idade Contempornea. Voc ver que a variada

produo filosfica desse perodo deslizou, em parte, na esteira dos ideais modernos, de confiana na razo e no progresso. Mas tambm reagiu, com muita convico, a esses ideais e s desiluses surgidas com a nova ordem capitalista. Que ordem era essa?

251

I

Captulo 15 Filosofia contempornea:

pensamento do sculo XIX

SCULO XIX

Expanso do capitalismo e os novos ideaisIniciemos nosso percurso neste captulo analisando, como vimos fazendo, o contexto histrico em que se desenvolveu a reflexo filosfica do sculo XIX. De acordo com a periodizao tradicional, considera-se a Revoluo Francesa (1789-1799) o marco inicial da poca contempornea. Junto com ela, nasceram os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Esse movimento poltico-social foi em grande parte liderado por grupos burgueses que, aps obterem certa ascenso econmica, reivindicaram participao no poder poltico e na construo de um novo modelo de sociedade. No plano econmico, a partir de meados do sculo XVIII, o capitalismo foi se consolidando em diversos pases da Europa ocidental e, mais tarde, em outras regies do mundo. Esse processo de transformaes, ao qual est vinculada a Revoluo Industrial, atingiu amplos setores da economia: produo de manufaturas, agricultura, comrcio, transportes etc.

e novas mquinas tomaram o lugar de muitas ferramentas. Em lugar das tradicionais fontes de energia, como gua, vento e fora muscular, passou-se a utilizar tambm o carvo, a eletricidade e o petrleo. A todas essas inovaes tecnolgicas somaram-se muitas outras, ao longo do sculo XIX, como a utilizao em larga escala do ao, a inveno da locomotiva eltrica, do motor a gasolina, do automvel, do motor a diesel, do avio, do telgrafo, do telefone, da fotografia, do cinema e do rdio etc. O impacto dessas transformaes ainda ecoa em nossos dias. Esses avanos ratificavam a confiana no poder da razo humana, gerada nos sculos anteriores, levando cada vez mais ao entusiasmo com a ideia de progresso da humanidade e apologia da cincia como a principal condutora nesse caminho.

Desigualdades e desumanizaoParalelamente, a expanso e a consolidao do capitalismo foi um processo que trouxe consigo novas formas de explorao do trabalho humano. Isso constituiria um grande problema, pois - alm dos anseios prprios das burguesias - a Revoluo Francesa tambm havia trazido cena as aspiraes dos trabalhadores urbanos e do campesinato por melhores condies de vida. Os ideais de liberdade, igualdade e fratemidade conduziam esperana de que o progresso beneficiaria a todos. Mas no foi bem assim.

Progresso tcnico e cientficoComo tendncia geral, as antigas oficinas dos artesos foram sendo substitudas pelas fbricas

Albergue noturno para os sem-teto na cidade de Londres c. 1868). Com a Revoluo Industrial e o afl uxo de pessoas s grandes cidades, a-falta de moradia e de boas condies de vida tornaram-se problemas graves para os mais pobres.

Unidade 3 A filosofia na histria

1252Os romnticos valorizavam as paixes e os sentimentos valorosos. Era o renas cimento da intuio e da emoo contra a supremacia da razo. Era a afirmao do amor contra a frieza da racionalidade, aps o reconhecimento de que o indivduo permanecia insatisfeito em relao a' seus anseies mais profundos de liberdade. Enfatizando a intuio, a aventura e a fantasia, valorizaram tambm a subjetividade. O sujeito era o centro da viso romntica do mundo. O romantismo retomou a ideia de natureza como fora vital que resiste racionalizao tecnolgica, outra resposta a essa inconformidade com o mundo urbano-industrial. A natureza passou a ser exaltada e idealizada, a ser vista com certo misticismo. O romntico recuperava, assim, a sensao de plenitude, de pertencimento a uma totalidade, a qual no mais reconhecia na fragmentao racionalsta do mundo social e cientfico. A concepo de Deus como razo suprema, prpria do Iluminismo, foi substituda pela concepo mstica e emocional da divindade, pois, para os romnticos, Deus fala a linguagem do corao, no a da razo. O desenvolvimento do nacionalismo, do amor pela ptria, da valorizao das tradies nacionais, alm do anseio por liberdade individual, sobretudo na fase mais madura do movimento, foram outras caractersticas romnticas.

A explorao do trabalho no contexto do capitalismo industrial gerou uma srie de conflitos entre esses dois grandes grupos sociais e seus diversos segmentos: de um lado, a burguesia empresarial (da indstria, do comrcio, das finanas etc.); de outro, os trabalhadores das cidades e dos campos. Foi nesse contexto que surgiram as diversas correntes socialistas do sculo XIX e suas lutas. Uma srie de questes sociais e polticas passaram a ganhar destaque nas reflexes filosficas desse perodo. Ao mesmo tempo, o notrio otimismo em relao aos poderes da razo - que predominou durante a Idade Moderna e em boa parte do sculo XIX - comeou, em muitos sentidos, a minguar lentamente.

RomantismoNesse quadro de desafios, surgiram diversas propostas para os dilemas humanos, destacando-se, nesse incio da Idade Contempornea, o romantismo. O romantismo foi um movimento cultural que se iniciou no final do sculo XVIII e predominou durante a primeira metade do sculo XIX, envolvendo a arte e a filosofia. Expandiu-se pela Europa e por outras regies do mundo, assumindo caractersticas peculiares em cada sociedade. De modo geral, o romantismo foi uma reao ao esprito racionalista, que pretendia abraar o mundo e orientar a sociedade. Captou precocemente a noo de que a racionalizao e a mecanizao caracterizariam o mundo industrial e :30 intuiu a ameaa que esse processo ~ representava para a expresso hu- ~ mana, tendo em vista que os senti- _~ mentos individuais estariam sendo ~ relegados a segundo plano. .~ :;;

Principais caractersticasEm linhas gerais, o romantismo caracterizou-se pela exaltao do indivduo - sua subjetividade e suas emoes -, da natureza e da ptria. Vejamos com mais detalhes.

A liberdade guiando o povo (1830)Eugene Oelacroix. Uma das caractersticas marcantes do romantismo foi a defesa da liberdade, que, em certos casos, se desdobrou na simpatia pelos movimentos sociais libertrios.

253 I Romantismo nas artesEntre os grandes nomes do romantismo nas artes, destacam-se os poetas alemes Schlegel (1767-1845), Novalis (1772-1801) e Holderln (1770-1843). Tambm os escritores alemes Schiller (1750-1805) e Goethe (1749-1832) viveram o ambiente romntico, e parte de suas obras inclui-se nesse movimento, embora tanto um quanto o outro procurassem, a partir de um dado momento, um equilbrio entre o romantismo e o Iluminismo. Na msica destacam-se os compositores alemes Beethoven (1770-1827), Schumann (1810-1856) e Brahms (1833-1897), o austraco Schubert (1797-1828) e o polons Chopin (1810-1849).

Captulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

Romantismo na filosofia

o romantismo est presente na filosofia no como um movimento ou corrente facilmente identificvel, mas algumas de suas caractersticas podero ser reconhecidas em vrios filsofos da conternporaneidade. o caso do pensamento de Jean-Jacques Rousseau. Apesar de comungar em alguns aspectos com a filosofia iluminista, o filsofo tinha reservas em relao crena no progresso cientfico, alm de ter concebido o bom selvagem, personagem oriundo de uma idealizao da natureza. Por isso, muitos o consideram um pensador pr-romntico. Outro exemplo da influncia romntica o idealismo alemo, importante movimento filosfico do sculo XIX (que estudaremos mais adiante neste captulo). O idealismo alemo reteve do romantismo o aspecto do nacionalismo, do amor ptria, da valoAnlise e entendimento1. Sintetize as caractersticas sociais, polticas eeconmicas que marcaram o incio da Idade Contempornea e que tiveram repercusso no pensamento filosfico desse perodo.

Detalhe de Iracema (1881) - Jos Maria de Medeiros. Uma das tendncias literrias do romantismo foi o indianismo, que idealizava o ndio americano, o bom selvagem, e sua cultura, em contraste com a barbrie civilizatria do europeu. o caso do romance Iracema, de Jos de Alencar.

rizao do povo e do Estado como um organismo, embora seu maior representante, Hegel, combatesse o sentimentalismo romntico. Veremos em seguida, porm, uma corrente filosfica assentada na confiana no progresso cientfico e que teve grande penetrao em diversas sociedades ocidentais: o positivismo de Augusto Comte.

2. De que maneira o movimento romntico podeser considerado uma reao ao Iluminismo? Quais so suas caractersticas gerais?

Conversa filosfica1. Progresso e desumanizao Horkheimer escreveu em 1946, a respeito do progresso tecnolgico, que "o avano dos recursos tcnicos de informao se acompanha de um processo de desumanizao". Reflita sobre as razes que levaram o filsofo a fazer essa afirmao. Voc entende que essa interpretao pode ser estendida aos dias atuais? A tecnologia est tornando as pessoas menos humanas? Tem modificado sua vida? Como? Pesquise sobre o tema, elabore uma reflexo e apresente-a a colegas.

Unidade 3 A filosofia na histria

1254pelo prprio Comte, definindo toda uma diretriz para a sua filosofia, de culto da cincia e sacralizao do mtodo cientfico. O positivismo caracteriza-se por um tom geral de confiana nos benefcios da industrializao, bem como por um otimismo em relao ao progresso capitalista, guiado pela tcnica e pela cincia. Manifestando-se de modo variado em diversos pases ocidentais a partir da segunda metade do sculo XIX, o positivismo refletiu o entusiasmo burgus pelo progresso trazido com o desenvolvimento tcnico-industrial capitalista. E, embora seja bastante criticado no plano terico, trata-se de uma doutrina muito influente no plano prtico at nossos dias.

AUGUSTO COMTEA fundao positivismo do

o termo positivismo foi adotado

Lei dos trs estadosA lei dos trs estados resume o pensamento de Comte sobre a evoluo histrica e cultural da humanidade. Conforme escreveu em seu Curso de filosofia positiva, "essa lei consiste em que cada uma de nossas concepes principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por trs estados histricos diferentes" (p. 4): estado teolgico ou fictcio - estgio que representaria o ponto de partida da inteligncia humana no qual os fenmenos do mundo so vistos como produzidos por seres sobrenaturais. O ponto culminante desse estado deu-se quando o ser humano substituiu o politesmo (numerosas divindades independentes) pelo monotesmo (ao providencial de um Deus nico); estado metafisico ou abstrato - estgio em que a influncia dos seres sobrenaturais do estgio teolgico foi substituda pela ao de foras abstratas consideradas como representantes dos seres do mundo; estado cientfico ou positivo - estgio definitivo da evoluo racional da humanidade em que, pelo uso combinado do raciocnio e da observao, o ser humano passou a entender os fenmenos do mundo.

Augusto Comte-

TonyToullion. Para Comte, "no poderia haver qualquer conhecimento real seno aquele baseado em fatos observveis", frase que se converteu em um princpio do positivismo.

Augusto Comte (1798-1857) nasceu em Montpellier, Frana, pas que ainda vivia o processo da Revoluo Francesa. Desde cedo revelou grande capacidade intelectual e memria prodigiosa. Aos 16 anos de idade ingressou na Escola Politcnica de Paris, onde estudou matemtica e cincia. De temperamento intempestivo, durante sua vida sofreu surtos de crise mental e depresso psquica. Separado da primeira esposa, apaixonou-se por Clotilde de Vaux, uma mulher casada. Mantendo por ela um amor platnico, transformou-a em sua musa inspiradora e a santa de uma nova religio que fundaria no final da vida.

Objetivo e caractersticasO objetivo do mtodo positivo de investigao a pesquisa das leis gerais que regem os fenmenos naturais. Assim, o positivismo diferencia-se do empirsmo puro porque no reduz o conhecimento cientfico apenas aos fatos observados. na elaborao de leis gerais que reside o grande ideal das cincias.

o que

positivismo

Positivismo a designao da doutrina criada por Comte, fundada na extrema valorizao do mtodo cientfico das cincias positivas (baseadas nos fatos e na experincia) e na recusa das discusses metafisicas.

255Com base nessas leis, o ser humano torna-se capaz de prever os fenmenos naturais, podendo agir sobre a realidade. Ver para prever o lema da cincia positiva. O conhecimento cientfico torna-se, desse modo, um instrumento de transformao da realidade, de domnio do ser humano sobre a natureza. As transformaes impulsionadas pelas cincias visam o progresso; este, porm, deve estar subordinado ordem. Temos, ento, um novo lema positivista, aplicado sociedade: ordem e progresso.

I

Captulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

relatividade - aceitao de conhecimentos cientficos relativos. Se no fossem relativos, no poderia ser admitida a continuidade de novas pesquisas, capazes de trazer teorias com teses opostas ao conhecimento estabelecido. Assim, a cincia positiva relativa 'porque admite o aperfeioamento e a ampliao dos conhecimentos humanos.

Reforma da sociedadeTendo Comte nascido e vivido na Frana ps-revolucionria, a questo social no poderia deixar de ser importante em sua reflexo. De fato, um dos temas centrais de sua obra filosfica a necessidade de uma reorganizao completa da sociedade. Nessa tarefa, ele prprio pretendeu desempenhar o papel de reformador universal "encarregado de instituir a ordem de uma maneira soberana" (VERDENAL, A filosofia positiva de Augusto Comte, em CHTELET, Histria da filosofia, v. 5, p.215). Essa reconstruo da sociedade consistia, para Comte, na regenerao das opinies (ideias) e dos costumes (aes) humanos. Tratava-se, portanto, de uma reestruturao intelectual dos indivduos e no de uma revoluo das instituies sociais, como propunham filsofos socialistas franceses de sua poca, a exemplo de Saint-Simon (1760-1825) - de quem Comte havia sido secretrio particular -, Fourier (1772-1837) e Proudhon (1809-1865). A reforma da sociedade proposta pelo filsofo deveria obedecer aos seguintes passos: reorganizao intelectual, depois moral e, por fim, poltica. Segundo ele, a Revoluo Francesa destruiu uma srie de valores importantes da sociedade tradicional europeia, no sendo capaz, entretanto, de impor novos e permanentes valores para a emergente sociedade burguesa. E nisso residia a grande tarefa a ser desempenhada pela filosofia positiva: restabelecer a ordem na sociedade capitalista industrial. Em relao aos conflitos entre proletrios e capitalistas, Comte assumiu uma posio considerada conservadora. Defendendo a legitimidade da explorao industrial, concordava com a diviso das classes sociais e considerava indispensvel a existncia

A influncia positivista est presente no lema da atual bandeira do Brasil, "Ordem e progresso", expresso formulada pelo prprio Comte.

Na obra Discurso sobre o esprito positivo, Comte aponta as caractersticas fundamentais que distinguem o positivismo das demais filosofias. Seriam o seu compromisso com a: realidade - pesquisa de fatos concretos, acessveis nossa inteligncia, deixando de lado a preocupao com mistrios impenetrveis referentes s causas primeiras e ltimas dos seres; utilidade - busca de conhecimentos destinados ao aperfeioamento individual e coletivo do indivduo, desprezando as especulaes ociosas, vazias e estreis; certeza - obteno de conhecimentos capazes de estabelecer a harmonia lgica na mente do prprio indivduo e a comunho em toda a espcie humana, abandonando as dvidas indefinidas e os interminveis debates metafsicos; preciso - estabelecimento de conhecimentos que se opem ao vago, baseados em enunciados rigorosos, sem ambiguidades; organizao - tendncia a organizar, construir metodicamente, sistematizar o conhecimento humano;

Unidade 3 A filosofia na histria

1256seita. Nessa obra, explicitou o que havia ficado oculto ou pouco evidenciado nos trabalhos anteriores: suas concepes dogmticas, autoritrias e conservadoras.

dos empreendedores capitalistas e dos operadores diretos, o proletariado. Para os trabalhadores, defendia um tipo de doutrinao positivista destinada a confirmar a necessidade dos trabalhos prticos e mecnicos, inspirando[...] o gosto por eles, quer enobrecendo seu carter habitual, quer adoando suas consequncias penosas. Conduzindo, de resto, a uma sadia apreciao das diversas posies sociais e das necessidades correspondentes, predispem a perceber que a felicidade real compatvel com todas e quaisquer condies, desde que sejam desempenhadas com honra e aceitas convenientemente. (Discurso sobre esprito positivo, p. 85).

Anlise e entendimento3. Defina, caracterizefilosfica e contextualize do positivismo. a doutrina

4. Explique os principais compromissostivismo, formulados ravam negar?

do posipor Comte. O que procu-

Conversa filosfica2. Reforma 'social Faa uma pesquisa sobre as propostas dos primeiros pensadores socialistas, como Saint-Simon, Fourier e Proudhon, e compare-as com a reforma social idealizada por Comte. Depois, debata com colegas suas semelhanas e diferenas e exponha qual delas parece mais significativa para voc.

Nos ltimos quinze anos de sua vida, Comte decidiu criar uma nova seita religiosa, denominada Religio da Humanidade. A deusa dessa religio tinha os traos de sua amada Clotilde de Vaux, e os "santos" eram pensadores como Dante, Shakespeare, Galileu, Adam Smith etc. Elaborou tambm o Catecismo positivista, destinado a difundir os princpios religiosos da nova

IDEALISMO ALEMO

XIX, cujas principais a seguir.

caractersticas

estudaremos

A busca de um sistema unificador do realComo vimos antes, ao longo do livro, uma doutrina idealista quando concebe a noo de que o sujeito tem um papel mais determinante que o objeto no processo de conhecimento. H vrios tipos de idealismo. Plato pode ser considerado o principal idealista da Antiguidade, por sua teoria das ideias (como vimos no captulo l l ). Descartes, por meio do cogito, expressou plenamente seu idealismo (como vimos no captulo 2 e 13), bem como Kant, na Crtica da razo pura, em que afirma que das coisas s conhecemos a priori aquilo que ns mesmos colocamos nelas. Este ltimo filsofo assentaria as bases do que seria conhecido como idealismo alemo, movimento desenvolvido no incio do sculo

Johan Gottlieb Fichtejohann Gottlieb Fichte (1726-18l4), nascido em Rammenau, Alemanha, considerado um dos filsofos pioneiros desse movimento. Para entender um conceito fundamental de seu pensamento e do idealismo alemo, retomemos Kant. Kant considerava que das coisas s podemos conhecer a priori aquilo que ns mesmos colocamos nelas. Isso quer dizer que s podemos conhecer o pensamento ou a conscincia que temos das coisas. Para esse filsofo, portanto, a condio ltima do processo de conhecer a existncia do eu como princpio da conscincia. Em outras palavras, a existncia do sujeito como centro (o eu) que toma possvel o conhecimento e lhe d forma, pois o sujeito que organiza o conhecimento do objeto, ao passo que este apenas se encaixa nos "moldes" da percepo humana.

257Assim, Fichte tomou esse eu de Kant e transformou-o de princpio da conscincia em princpio criador de toda a realidade. Dessa forma, levou o idealismo a seu apogeu, fundando uma doutrina segundo a qual a realidade objetiva seria produto do esprito humano. Isso porque, segundo ele, trazemos em ns concepes lgicas das coisas do universo e este, necessariamente, reflete essas concepes lgicas. Fichte chegou a se referir s coisas da realidade, ao que exterior ao ser humano, como o no eu criado pelo eu.

I

Captulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

Trata-se, portanto, de uma noo mais compreensvel ao senso comum, uma vez que guarda afinidade com a ideia de Deus. A ideia de uma inteligncia, ou esprito, que se manifesta e se concretiza no mundo sensvel ser o ponto de partida da filosofia de Hegel, conforme veremos em seguida.

Friedrich Hegel

Friedrich SchellingEssa mesma ideia, que pode parecer um tanto estranha para o entendimento comum das pessoas, retomada e amadurecida por outro pensador alemo, Friedrich Schelling (1775-1854), natural da cidade alem de Leonberg.

Retrato de Friedrich Hegel (1825) - Iacob Schtesinger. Na obra Princpios da filosofia do direito, Hegel afirmou a racional idade do mundo ao dizer que o racional o real e o real racional. A frase foi muito utilizada pelo conservadorismo poltico, oferecendo justificativa filosfica para o "estado de coisas" predominante.

Retrato de Friedrich Schelling (c. 1850). Aos 23 anos de idade, Schelling tornou-se assistente de Fichte. Um ano depois, foi nomeado seu sucessor, conseguindo ento grande fama.

Schelling procurou explicar como se d a existncia do mundo real, das coisas, a partir do eu, discordando de Fichte no que se refere determinao do mundo como puro no eu, ou seja, ideia de que a realidade exterior seria produto da concepo do eu. Para Schelling, existe um nico princpio, uma inteligncia exterior ao prprio eu que rege todas as coisas. Essa inteligncia se manifestaria de forma visvel em todos os nveis da natureza at alcanar o nvel mais alto, isto , o ser humano ou, mais geralmente, o que chamamos razo.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), nascido em Stuttgart, Alemanha, foi o principal expoente do idealismo alemo. Sua obra costuma ser apontada como o ponto culminante do racionalismo. Talvez nenhum outro pensador tenha conseguido elaborar, como ele, um sistema filosfico to abrangente. Buscando respostas para o maior nmero de questes, Hegel tentou reconciliar a filosofia com a realidade. Segundo o filsofo alemo Herbert Marcuse (1898-1979), o sistema hegeliano constitui "a ltima grande expresso desse idealismo cultural, a ltima grande tentativa para fazer do pensamento o refgio da razo e da liberdade". Entre as principais obras de Hegel esto Fenomenologia do esprito, Princpios da filosofia do direito e Lies sobre a histria da filosofia.

Unidade 3 A filosofia na histria

1258 o segundo, do ser outro ou fora de si, seria o momento em que essa semente sai fora de si, desdobra-se em algo distinto (anttese); e o terceiro, do ser para si, seria o momento em que surge a planta (sntese dos momentos anteriores).

Idealismo absolutoComo estudamos antes (no captulo 5), Hegel entendia a realidade como um processo anlogo ao pensamento. Ele dizia que o real racional e o racional real. Em outras palavras: a) a realidade possui racionalidade ou identifica-se com ela; b) a razo possui realidade ou identifica-se com ela. Assim, Hegel rompeu com a distino tradicional entre conscincia e mundo, sujeito e objeto. Para ele, a realidade se identificaria totalmente com o esprito (ou ideia, ou razo) e a racionalidade seria o fundamento de tudo o que existe, inclusive da natureza. O ser humano, por sua vez, constituiria a manifestao mais elevada dessa razo.

Esses momentos se sucedem com um movimento em espiral, ou seja, um movimento circular que no se fecha. Assim, cada momento final, que seria a sntese, toma-se a tese de um movimento posterior, de carter mais avanado. (Reveja essas concepes de Hegel na exposio mais detalhada do captulo 5.)

Saber absolutoPara compreender a dialtica da realidade, segundo Hegel, necessrio que a razo se afaste do entendimento comum e se coloque no ponto de vista do absoluto. E a conscincia alcana razo ou saber absoluto, ou seja: supera o entendimento finito, adquirindo a certeza de ser toda a realidade. Desse modo, a razo alcanaria a conscincia da unidade entre ser e pensar, harmonizando subjetividade e objetividade. O pensamento de Hegel apresenta-se, desse modo, como um grande sistema, que permite pensar tanto a natureza, a realidade fsica, quanto o esprito. O fio condutor dessa reflexo totalizante a relao entre finito e infinito. Assim, o trabalho da filosofia seria o de superar o entendimento finito e limitado das coisas finitas e limitadas para alcanar o saber absoluto, que o saber da coisa em si. Seria o caminhar da conscincia rumo ao infinito, a busca da infinitude a partir da finitude.

Movimento dialticoTambm vimos antes que, ao conceber a realidade como esprito, Hegel queria destacar que ela no apenas uma substncia (uma coisa permanente, rgida), mas um sujeito com vida prpria que pode atuar. Portanto, entender a realidade como esprto entend-Ia nesse seu atuar constante, ou seja, como movimento ou processo. entend-Ia como devir. O movimento da realidade apresentaria, segundo o filsofo, momentos que se contradizem, sem, no entanto, perderem a unidade do processo, que leva a um crescente autoenriquecimento. Trata-se do movimento dialtico do real, que se processaria em trs momentos: o primeiro, do ser em si, seria, por exemplo, o momento de uma planta como semente (tese);

Hegel pretende captar em sua filosofia o movimento da realidade. Assim como um boto precisa desaparecer para que a flor surja, e a flor desaparece para dar lugar ao fruto, da mesma forma todas as coisas passam por um processo dinmico de transformaes que leva a uma sntese superior.

2591Hegel procurou apresentar, em sua obra, o caminho do conhecimento finito ao conhecimento absoluto, o qual se daria em vrios campos do saber, tanto em relao natureza como ao esprito. No que concerne natureza, rompeu com a viso romntica, que a divinizava, proclamando a absoluta superioridade do esprito, que se realiza na histria dos seres humanos por meio de sua liberdade. Em relao ao esprito, Hegel distinguiu trs instncias: o esprito subjetivo, que se refere ao indivduo e conscincia individual; o esprito objetivo, que se refere s instituies e costumes historicamente produzidos pelos seres humanos, expresso da liberdade humana. o esprito absoluto, que se manifesta na arte, na religio e na filosofia como esprito que se compreende a si mesmo.

Captulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

Esse conceito hegeliano recebeu inmeras crticas, j que pode levar a um certo conformismo ou a uma passividade diante das injustias sociais.

Contestao do sistema hegelianoVrios filsofos contestaram a filosofia de Hegel, de forma parcial ou em seu conjunto. Mesmo entre seus seguidores, temos os neo-hegelianos de direita e os neo-hegelianos de esquerda, que modificaram aspectos de sua filosofia de modo a adequ-Ia a seus projetos polticos. Veremos em seguida alguns deles.

Ludwig FeuerbachEntre esses contestadores, o que mais se destacou na crtica filosofia hegeliana foi o pensador alemo Ludwig Feuerbach (1804-1872), nascido na cidade alem de Landshut. Recusando o idealismo de Hegel, Feuerbach qualificou-o de "especulao vazia", que no trata do ser real, das coisas reais e dos indivduos concretos. Ao contrrio do idealismo hegeliano, que se baseia em noes to abstratas como as de ideia, esprito e razo, Feuerbach props que a filosofia deveria partir do concreto, do ser humano considerado como um ser natural e social. Essa sua posio filosfica, que tem como ponto de partida o ser concreto, chamada de materialismo. Feuerbach influenciaria o pensamento inicial de Karl Marx (que estudaremos adiante).

Filosofia

e histria

A histria, para Hegel, o desdobramento do esprito objetivo. Vejamos por qu. O esprito objetivo a realizao da liberdade humana na sociedade. Manifesta-se no direito, na moralidade e na "eticidade", englobando famlia, sociedade e Estado. O Estado poltico o momento mais elevado do esprito objetivo, de forma tal que o indivduo s existe como membro do Estado, conforme afirma o filsofo em Princpios da filosofia do direito. A histria seria, portanto, o desdobramento do esprito no tempo. A filosofia da histria deve captar o movimento histrico no como momentos estanques, mas do ponto de vista da razo, do absoluto. Desse ponto de vista, a histria uma contnua evoluo da ideia de liberdade, que se desenvolve segundo um plano racional. Assim, para Hegel, os conflitos, as guerras, as injustias, as dominaes de um povo sobre outro deveriam ser compreendidos como contradies, como momentos negativos que funcionam como mola dialtica que move a histria. Nos termos da dialtica hegeliana, esses momentos seriam a anttese, que se contrape tese, fazendo surgir uma etapa superior, que seria a sntese. Assim, se para Hegel, como vimos antes, tudo que real racional, e tudo que racional real, todas as coisas existentes, mesmo as piores, fazem parte de um plano racional e, portanto, tm um sentido dentro do processo histrico.

Arthur SchopenhauerO filsofo alemo Arthur Schopenhauer (1788-1860) foi o que atacou com maior veemncia o pensamento hegeliano. Em sua opinio, Hegel seria um verdadeiro "charlato", ao construir sua filosofia segundo os interesses do Estado prussiano. Isso se compreende se levarmos em conta que Hegel, ao englobar as situaes histricas como desdobramento do esprito objetivo, terminava por legitimar todas as formas de governo e instituies, mesmo as mais nefastas. Desse modo, Schopenhauer se referir a Hegel como um "acadmico mercenrio". Como filsofo, Schopenhauer, apesar de sua grande cultura, s seria reconhecido muito tardiamente, nos ltimos anos de sua vida. Na obra O mundo como vontade e representao, sustenta que, como o conhecimento uma relao na qual o objeto percebido pelo sujeito, o ser humano

Unidade 3 A filosofia na histria

1260ele, o ser humano seria essencialmente vontade, o que o levaria a desejar sempre mais, resultando em uma insatisfao constante. Essa vontade, que se expressa nas aes humanas, seria parte de uma vontade que anima todas as coisas da natureza. E, se a essncia do ser humano e do rmndo essa vontade insacivel, Schopenhauer identifica a a origem das lutas entre os indivduos, da dor e do sofrimento. A histria , para esse filsofo, a histria de lutas, em que a infelicidade a norma. Temos, portanto, a recusa da concepo racionalista de histria elaborada por Hegel, segundo a qual ela possui um sentido e progride em direo a uma liberdade maior. Para Schopenhauer, apenas pela arte e ascese ou seja, o abandono de si - pode o ser humano libertar-se da dor. A filosofia schopenhaueriana inspirar as chamadas filosofias da existncia, que veremos no prxim? captulo.

no conhece as coisas como elas so, mas como podem ser percebidas e interpretadas. Nesse aspecto, faz um retorno a Kant e ope-se possibilidade do saber absoluto que Hegel preconizava.

Sren Kierkegaard

Schopenhauer desenvolveu uma viso pessimista da vida, encarada como uma histria de sofrimentos. Por isso, aconselhava: " mais feliz aquele que consegue viver sem grandes sofrimentos do que o outro que vive cercado de alegrias e prazeres. [...] O tolo vive perseguindo a alegria da vida e acaba ludibriado, enquanto o sbio procura evitar o mal".

Para Schopenhauer, porm, tudo o que o mundo inclui ou pode incluir inevitavelmente dependente do sujeito, no existe seno para o sujeito. O mundo representao. Isso quer dizer que, para ele, no existe uma realidade exterior absoluta e que, para existir o conhecimento do mundo, preciso existir o sujeito. Dessa forma, Schopenhauer afastava-se da reflexo de Kant e iniciava sua prpria filosofia. A representao do mundo seria para ele como uma "iluso", pois o objeto conhecido condicionado pelo sujeito. Mas, tambm diferentemente de Kant, admite ser possvel alcanar a essncia das coisas por meio do insight intuitivo, uma espcie de iluminao. Nesse processo, a arte teria grande relevncia, pois a atividade esttica permitiria ao ser humano a compreenso da verdade. Pela arte, o sujeito se desprenderia de sua individualidade para fundir-se no objeto, em uma entrega pura e plena. Nesse ponto, Schopenhauer seria um romntico. Sua filosofia, de outro ngulo, caracteriza-se por uma viso pessimista do indivduo e da vida. Para

Sren Kierkegaard (1838) - Desenho de Niels Kierkgaard. De acordo com Kierkegaard, a filosofia hegeliana no consegue compreender a existncia do ser humano, sua angstia e seu desespero.

O filsofo dinamarqus Sren Kierkegaard (1813-1855) contestou a supremacia da razo como nico instrumento capaz de estabelecer a verdade, tal como

261Hegel havia proposto. Como pensador cristo, defendeu o conhecimento que se origina da f. Kierkegaard afirmava que a existncia humana possui trs dimenses: a dimenso esttica, na qual se procura o prazer; a dimenso tica, na qual se vivencia o problema da liberdade e da contradio entre o prazer e o dever; a dimenso religiosa, marcada pela f.

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Captulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

De acordo com o filsofo, cabe ao ser humano escolher em que dimenso quer viver, j que se trata de dimenses excludentes entre si. Essas dimenses podem ser entendidas, tambm, como etapas pelas quais o ser humano passa durante sua existncia: primeiro viria a esttica, depois a tica e, por ltimo, a religiosa, que seria a mais elevada.CONEXES 1. Reflita sobre as trs dimenses da existncia humana. Voc considera que vive principalmente em uma delas? Em qual gostaria de viver? Justifique.

de pensamento consegue dar conta da experincia ampla e nica da vida individual. Opondo-se filosofia sistemtica de Hegel e a seu carter abstrato, Kierkegaard procurou destacar as condies especficas da existncia humana e incorpor-Ias s reflexes filosficas. Por isso, normalmente considerado o "pai do existencalsmo" . Em sua obra, Kierkegaard procurou analisar os problemas da relao existencial do ser humano com o mundo, consigo mesmo e com Deus. A relao do ser humano com o mundo (outros seres humanos e a natureza) dominada pela angstia. A angstia entendida como o sentimento profundo que temos ao perceber a instabilidade de viver em um mundo de acontecimentos possveis, sem garantia de que nossas expectativas sejam realizadas. "No possvel, tudo possvel", escreve Kierkegaard. Assim, vivemos em um mundo onde so possveis tanto a dor como o prazer, o bem como o mal, o amor como o dio, o favorvel como o desfavorvel. A relao do ser humano consigo mesmo marcada pela inquietao e pelo desespero. Isso ocorre por duas razes fundamentais: ou porque o ser humano nunca est plenamente satisfeito com as possibilidades que realizou, ou porque no conseguiu realizar o que pretendia, esgotando os limites do possvel e fracassando diante de suas expectativas. A relao do ser humano com Deus seria talvez a nica via para a superao da angstia e do desespero. Contudo, marca da pelo paradoxo de ter de compreender pela f o que incompreensvel pela razo.

Os escritos do autor possuem grande beleza literria e tratam de temas estranhos objetividade cientfica de sua poca, tais como amor, sofrimento, angstia e desespero, que segundo ele no podem ser entendidos pela razo. Sua principal crtica filosofia hegeliana deve-se ao fato de ela no levar em considerao a subjetividade humana. nesse sentido que Kierkegaard influenciar as chamadas correntes irracionalistas e existencialistas, que recolocam a questo da verdade a partir do processo da existncia. Para ele, nenhum sistema

Anlise e entendimentos. o que foio idealismo alemo? O que o caracterizou como movimento filosfico?

9. Segundo Hegel, compreender a dialtica darealidade exige um trabalho rduo da razo, que deve se afastar do entendimento comum e se colocar no ponto de vista do absoluto. a) Em que se baseia essa afirmao? b) A partir desse ponto de vista, como teria que se posicionar a filosofia para interpretar os acontecimentos histricos? 10. Destaque, nos pensamentos de Feuerbach, Schopenhauer e Kierkegaard, os principais pontos de discordncia da filosofia de Hegel.

6. Para alguns estudiosos, a filosofia de Kantpertence ao idealismo alemo. Comente essa posio. Voc concorda? Por qu? 7. Em que diferem o "princpio criador" de Fichte e o "princpio nico" de Schelling?

8. A dialtica de Hegel no um mtodo ou umaforma de pensar a realidade, mas sim o movimento do real (o esprito) propriamente dito. Justifique essa afirmao

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Conversa filosfica3. A misria da existncia Schopenhauer diz que a histria a histria de lutas, em que "a infelicidade a norma". Muitas pessoas tambm sentem e interpretam a vida como um caminho de muitos sofrimentos. Voc concorda com essa viso? Como voc sente a vida? Como a vida para voc? E para as pessoas com quem voc se relaciona? O que alivia seus momentos,de infelicidade? Reflita sobre essas questes e depois discuta-as com colegas.

KARLMARX O materialismo dialtico e histrico

Karl Marx (1818-1883) nasceu na cidade alem de Trier, no seio de uma famlia judaica rica e culta. provavelmente um dos pensadores que maior influncia exerceu sobre a filosofia contempornea. Sua importncia est destacada na afirmao do pensador francs Raymond Aron de que se a grandeza de um filsofo fosse medida pelos debates que suscitou, nenhum deles, nos ltimos sculos, poderia ser comparado a Karl Marx. Nos tempos da universidade, Marx revelou entusiasmo pelo estudo do direito, da filosofia e da histria. Formado em filosofia no crculo do idealismo alemo, tentou seguir a carreira universitria como professor, mas no conseguiu seu intento devido a questes polticas. Em 1844 conheceu FriedrichEngels (1820-1895) em Paris, e ambos se tornaram amigos inseparveis por toda a vida. Em 1848, lanaram o clebre Manifesto comunista. Seguindo o lema de que a filosofia deve ser tambm prtica, participaram juntos de diversas atividades polticas e escreveram vrias obras, que lhes custaram duras perseguies dos governos constitudos. O conjunto de suas ideias foi depois interpretado e desenvolvido por outros pensadores, ficando conhecido como marxismo.

Crtica ao idealismo hegelianoMarx fez uma crtica radical ao idealismo hegeliano, na qual afirma que Hegel inverte a relao entre o que de terminante - a realidade material - e o que determinado - as representaes e conceitos acerca dessa realidade. A filosofia idealista seria, assim, uma grande mistificao que pretende entender o mundo real, concreto, como manifestao de uma razo absoluta.

No se sabe com certeza as razes que levaram Marx a abraar a causa do proletariado. O certo que ele foi o primeiro grande pensador a romper com uma longa tradio de pensadores e artistas sempre inclinados ao lado dos senhores e a defender a emancipao dos trabalhadores. Ele dizia: liA cabea desta emancipao a filosofia; seu corao, o proletariado".

2631Contrapondo sua filosofia ao idealismo hegeliano, Marx afirma na introduo ao livro A ideologia alem: As premissas de que partimos no constituem bases arbitrrias, nem dogmas; so antes bases reais de que s possvel abstrair no mbito da imaginao. As nossas premissas so os indivduos reais, a sua ao e as suas condies materiais de existncia [.... (p. 4). l Marx procurou, portanto, compreender a histria real dos seres humanos em sociedade a partir das condies materiais nas quais eles vivem. Essa viso da histria foi chamada posteriormente por Engels de materialismo histrico. Vejamos ento os principais pontos do materialismo de Marx, em que destacaremos as concepes contrrias ao idealismo de Hegel.

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de manifestar a sua vida, um modo de vida determinado. A forma como os indivduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que so. O que so coincide portanto com a sua produo, isto , tanto com aquilo que produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os indivduos so depende portanto das condies mate ria is da sua prod uo. (p. 4).

Esse um ponto fundamental da filosofia de Marx. Ao falar da produo material da vida, ele no se refere apenas produo das inmeras coisas necessrias manuteno fsica dos indivduos. Considera tambm o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os seres humanos constroem a si mesmos como indivduos. Isso ocorre porque, segundo o filsofo, "o modo de produo da vida material condiciona o processo geral de vida social, poltica e espiritual" (Para a crtica da economia poltica, prefcio).

Materialismo histricoDe acordo com o pensamento de Marx, os seres humanos no podem ser pensados de forma abstrata, como na filosofia de Hegel, nem de forma isolada, como nas filosofias de Feuerbach, Proudhon e tantos outros que Marx criticou, como Schopenhauer e Kierkegaard. Para Marx, no existe o indivduo formado fora das relaes sociais. Ele enfatiza esse ponto ao afirmar: "A essncia humana [...] o conjunto das relaes sociais" (Teses contra Feuerbach, p. 52). Isso significa que a forma como os indivduos se comportam, agem, sentem e pensam vincula-se forma como se do as relaes sociais. Essas relaes sociais, por seu lado, so d~te~inadas pela forma de produo da vida material, ou seja, pela maneira como os seres humanos trabalham e produzem os meios necessrios para a sustentao material das sociedades. Em A ideologia alem, escrita em conjunto com Engels, Marx desenvolve essa reflexo dizendo: A forma como os homens produzem esses meios depende em primeiro lugar da natureza, isto , dos meios de existncia j elaborados e que Ihes necessrio reproduzir; mas no deveremos considerar esse modo de produo deste nico ponto de vista, isto , enquanto mera reproduo da existncia fsica dos indivduos. Pelo contrrio, j constitui um modo determinado de atividade de tais indivduos, uma forma determinada

Capital e trabalhoCompreende-se a a importncia que Marx deu anlise do trabalho, como procuramos mostrar no captulo 8. Ele reconhece o trabalho como atividade fundamental do ser humano e analisa os fatores que o tornaram uma atividade massacrante e alienada no capitalismo. Essa demonstrao desenvolve-se em vrios textos, mas de forma mais rigorosa em O capital, livro em que o filsofo expe a lgica do modo de produo capitalista, em que a fora de trabalho transformada em uma mercadoria com dupla face: de um lado, uma mercadoria como outra qualquer, paga pelo salrio; de outro, a nica mercadoria que produz valor, ou seja, que reproduz o capital.

Dialtica marxistaMarx tambm entende o desenvolvimento histrico-social como decorrente das transformaes ocorridas no modo de produo (ver explicao detalhada do conceito adiante). Nessa anlise, ele se vale dos princpios da dialtica, mas, como afirma no posfcio da segunda edio de O capital, "meu mtodo dialtico no s difere do hegeliano, mas tambm a sua anttese direta". Marx reconhece o mrito de Hegel por ter sido o primeiro a expor as formas gerais da dialtica, mas alega que

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preciso desmistific-la, evidenciando seu ncleo racional. Na concepo hegeliana, conforme vimos, a dialtica torna-se instrumento de legitimao da realidade existente. No pensamento de Marx, a dialtica leva ao entendimento da possibilidade de negao dessa realidade "porque apreende cada forma existente no fluxo do movimento, portanto tambm com seu lado transitrio". Ou seja, a dialtica em Marx permite compreender a histria em seu movimento, em que cada etapa vista no como algo esttico e definitivo, mas como algo transitrio, que pode ser transformado pela ao humana. De acordo com Marx, as grandes transformaes histricas deram-se primeiramente no campo da economia, causadas por contradies geradas no interior do prprio modo de produo. Diferentemente de Hegel, no entanto, Marx no concebe uma histria que anda sozinha, guiada por uma razo ou um esprito, mas sim uma histria feita pelos seres humanos, que interferem no processo histrico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem seu modo de produo.

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Modo de produoModo de produo a maneira como se organiza a produo material em um dado estgio de desenvolvimento social. Essa maneira depende do desenvolvimento das foras produtivas (a fora de trabalho humano e os meios de produo, tais como mquinas, ferramentas etc.) e da forma das relaes de produo. Embora a definio dos modos de produo seja um aspecto complexo na obra de Marx e entre os seus comentadores, lemos em A ideologia alem a exposio dos seguintes modos de produo dominantes em cada poca: o comunismo primitivo, o escravismo na Antiguidade, o feudalismo na Idade Mdia e o capitalismo na Idade Moderna. A passagem de um modo de produo a outro, segundo o filsofo, d-se no momento em que o nvel de desenvolvimento das foras produtivas entra em contradio com as relaes sociais de produo. Quando isso ocorre, h um sufocamento da produo em virtude da inadequao dasCONEXES

2. Observe atentamente essa charge. Qual a crtica nela contida?

relaes nas quais ela se d. Nesse momento, surgem as possibilidades objetivas de transformao desse modo de produo.

Luta de classesDe acordo com Marx, caberia classe social que possui, nesse momento, um carter revolucionrio intervir por meio de aes concretas, prticas, para que essas transformaes ocorram. Foi o que aconteceu, por exemplo, na passagem do feudalismo ao capitalismo, com as revolues burguesas. Marx sintetiza essa anlise na afirmao de que a luta de classes o motor da histria, isto , a luta

265de classes faz a histria se mover. Por isso, no Manifesto comunista (1848), escrito em parceria com Engels, Marx afirma:A histria de todas as sociedades que existiram at nossos dias tem sido a histria das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, senhor e servo, mestre de corporao e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposio, tm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformao revolucionria da sociedade inteira, ou pela destruio das duas classes em luta.

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Capitulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

De acordo com Marx, o capitalismo tambm criou uma classe revolucionria que, em virtude de suas condies de existncia, deve se organizar para, no momento oportuno, fazer a revoluo social rumo ao socialismo. Essa classe revolucionria seria o proletariado.

Cena do filme Germina! (1993, Frana, direo de Claude Berri). A imagem retrata o antagonismo de interesses entre grupos sociais e a luta das classes proletrias.

Anlise e entendimento11. Marx afirma que Hegel, em sua interpretaoda histria, inverteu a relao entre o que determinante e o que determinado. A que ele se refere? Qual a concepo de Marx a esse respeito? 12. "Meu mtodo dialtico no s difere do hegeliano, mas tambm a sua anttese direta." Comente essa afirmao de Marx.

13.

Relacione os seguintes conceitos dentro do pensamento de Marx: capital. trabalho, luta de classes, proletariado.

14. A viso da histria desenvolvida por Marx denomina-se, desde Engels, de materialismo histrico. Por que essa doutrina se classificaria como materialista? E por que esse materialismo seria histrico?

Conversa filosfica4. Evoluo da humanidade Comte resumiu sua tese sobre a evoluo histrica e cultural da humanidade na lei dos trs estados. Do mesmo modo, Marx analisou as grandes transformaes da humanidade, s que com base nos modos de produo econmica, chegando ao conceito de luta de classes como motor da histria. Compare as etapas da lei dos trs estados com as etapas relativas aos modos de produo dominantes assinalados por Marx. A que esfera da existncia humana refere-se cada uma? Nas duas teorias est implcita a ideia de evoluo, de progresso? Em sua opinio, a humanidade tem progredido? ta com colegas. S. Luta de classes Vivemos em um pas com imensa desigualdade econmica entre as classes sociais. Marx afirmou que a luta de classes o motor da histria. Voc entende que existe uma luta de classes no Brasil? Por qu? Que classes estariam em conflito? Haveria entre ns uma classe revolucionria capaz de nos levar a transformaes revolucionrias? Reflita sobre o assunto e discuta com colegas. Por qu? Deba-

Unidade 3 A filosofia na histria

1266 Apolneo e dionisacoEm sua obra, Nietzsche critica a tradio da filosofia ocidental a partir de Scrates, a quem acusa de ter negado a intuio criadora da filosofia anterior,pr-socrtica.

FRIEDRICH NIETZSCHE

Uma filosofia "a golpes de martelo"

Nessa anlise, o filsofo alemo estabelece a distino entre dois princpios: o apolneo e o dionisaco, a partir, respectivamente, dos deuses gregos Apolo (deus da razo, da clareza, da ordem) e Dionsio (deus da aventura, da msica, da fantasia, da desordem). Para Nietzsche, esses dois princpios ou dimenses complementares da realidade - o apolneo e o dionisaco - foram separados na Grcia socrtica, que, optando pelo culto razo, secou a seiva criadora da filosofia, contida na dimenso dionisaca.

Genealogia da moralPosteriormente, Nietzsche desenvolveu uma crtica intensa dos valores morais, propondo uma nova abordagem: a genealogia da moral, isto , o estudo da formao histrica dos valores morais. Sua concluso foi de que no existem as noes absolutas de bem e de mal. Para Nietzsche, as concepes morais so elaboradas pelos homens, a partir dos interesses humanos. Ou seja, so produtos histrico-culturais. No entanto as religies, como o judasmo e o cristianismo, impem esses valores humanos como se fossem produtos da "vontade de Deus". Para o filsofo, grande parte das pessoas acomoda-se a uma "moral de rebanho", baseada na submisso irrefletida aos valores dominantes da civilizao crist e burguesa. tacitamente aceito por ns; o que recebemos e praticamos sem atritos internos e externos, sem ter sido por ns conquistado, mas recebido de fora para dentro, como algo que nos foi dado; so dados que incorporamos rotina, reverenciamos passivamente e se tornam peias (amarras que prendem os ps) ao desenvolvimento pessoal e coletivo. Ora, para que certos princpios, como a justia e a bondade, possam atuar e enriquecer, preciso que surjam como algo que obtivemos ativamente a partir da superao dos dados. [...] Para essa conquista das mais ldimas (autnticas) virtualidades do ser que Nietzsche ensina a combater a complacncia, a mornido das posies adquiridas, que o comodismo intitula moral, ou outra coisa bem soante. (CANDIDO, O portador, posfcio a Nietzsche, p. 411).

Nietzsche foi professor titular de filosofia na Basileia. Durante muitos anos, padeceu de uma doena que o levaria a episdios de perda da conscincia e crises de loucura.

Concluindo este captulo, veremos outro pensador que, nas ltimas dcadas do sculo XIX, questionou profundamente os rumos do pensamento filosfico vigente, bem como do mundo ocidental. Trata-se de Friedrich Nietzsche. Nietzsche (1844-1900) nasceu em Rocken, uma localidade da Alemanha atual.. Filho de um culto pastor protestante, possua um gnio brilhante, tendo estudado grego, latim, teologia e filosofia. A partir da leitura de O mundo como vontade e representao, de Schopenhauer, sentiu-se profundamente atrado pelas reflexes filosficas. Realizou uma crtica radical e impiedosa tradio filosfica e aos valores fundamentais da civilizao ocidental, construindo um pensamento diferente e original, "a golpes de martelo". Exerceu grande influncia sobre os pensadores das filosofias da existncia, sendo, por isso, considerado s vezes um filsofo pr-existencialista.

o que

267Assim, se compreendermos que os valores presentes em nossas vidas so construes humanas, se questionarmos o valor dos valores, estamos no

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Captulo 15 Filosofia contempornea: pensamento do sculo XIX

dever de refletir sobre nossas concepes morais e enfrentar o desafio de viver por nossa prpria conta e risco.

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A escrita aforismtica

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Diferentemente da maioria dos filsofos, Nietzsche escreveu a maior parte de suas obras sob a forma de aforismos. Aforismo uma mxima, isto , uma sentena curta que exprime um conceito, um conselho ou um 11 ensinamento. Os aforismos de Nietzsche tratam de diversos temas, como religio, moral, artes, cincias etc. Seu conjunto revela, no entanto, uma crtica profunda e impiedosa civilizao ocidental. Crtica massificao, viso de mundo burguesa, ao conservadorismo cristo (que ele chamava "moral de rebanho") etc. Dessa crtica II surgiu tambm a questo do valor da existncia humana.

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NiilismoSegundo a anlise de Nietzsche, no momento em que o cristianismo deixou de ser a "nica verdade" para se tornar uma das interpretaes possveis do mundo, toda a civilizao ocidental e seus valores absolutos tambm foram postos em xeque. Nesse contexto, ocorre uma escalada do niilismo, que "deve ser entendido como um sentimento opressivo e difuso, prprio s fases agudas de ocaso de uma cultura. O niilismo seria a expresso afetiva e intelectual da decadncia" (GIACOIA JR., Nietzsche, p. 64-65). O niilismo moderno apontado por Nietzsche assenta-se, em grande parte, na ideia da morte de Deus. Em sua obra Gaia cincia, o filsofo decreta que "Deus est morto", mas esclarece que quem o matou fomos ns mesmos, ou seja, trata-se de um acontecimento cultural. Desse modo, teramos destrudo os fundamentos transcendentais (assentados em Deus) dos valores mais caros de nossas vidas.

Assim, por meio do niilismo: [...] o homem moderno vivencia a perda de sentido dos valores superiores de nossa cultura. Por essa tica, niilismo seria o sentimento coletivo de que nossos sistemas tradicionais de valorao, tanto no plano do conhecimento quanto no tico-religioso, ou sociopoltico, ficaram sem consistncia e j no podem mais atuar como instncias doadoras de sentido e fundamento para o conhecimento e a ao. (GIACOlA JR., Nietzsche, p. 65). Apesar desse niilismo em relao aos valores consagrados da civilizao, Nietzsche defendeu tambm valores afirmativos da vida, capazes de expandir as energias latentes em ns. "Ouse conquistar a si mesmo" talvez seja a grande indicao nietzschiana queles que buscam viver a "liberdade da razo", sem conformismo, resignao ou submisso.

Anlise e entendimento15. Sobre si mesmo, Nietzsche afirmou: "No sou um homem, sou uma dinamite". Identifique e explique as "bombas" lanadas pelo filsofo nos seguintes domnios: a) tradio filosfica; b) da moral; c) da religio.

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Conversa filosfica6. A morte de Deus "Deus est morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos ns! Como haveremos de nos consolar, ns os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, at agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lminas. Quem nos limpar desse sangue? Qual a gua que nos lavar?" (NIETzscHE, Caia cincia, seo 125). Interprete essa frase, considerando o contexto da filosofia de Nietzsche. Depois discuta com colegas sobre o tema da morte de Deus.

Sugestes de filmes A poca da inocncia (1993, EUA, direo de Martin Scorsese) Histria que se desenrola em ambiente da burguesia norte-americana do final do sculo XIX. Um jovem v-se dividido entre o sentimento romntico da paixo por uma mulher independente, separada de um nobre russo, e o realismo de submeter-se ao compromisso de noivado com uma jovem pertencente a importante famlia local. Aguirre, a clera dos deuses (1972, Alemanha, direo de Werner Herzog) Espetacular e implacvel crnica do imperialismo enlouquecido-que narra a tentativa impossvel de conquistar a cidade mtica de EI Dorado, feita por uma expedio espanhola nos princpios da colonizao .

. Julia (1977, EUA, direo de Fred Zinnemann) Filme sobre episdios da vida da escritora norte-americana Julia, ativista de movimentos polticos da dcada de 1930.

Lillian Hellman e de sua amiga

Era uma vez proletrios (2009, China, direo de Guo Xiaolu) Histria de diversas pessoas, contada com humor: um velho campons, um milionrio que especula na bolsa de valores, um jovem migrante, um operrio de uma fbrica de armamentos, um proprietrio do hotel, crianas que sonham em se tornar artistas.

Para pensarTemos em seguida trs textos. Os dois primeiros tratam do papel da filosofia: Hegel descreve o conhecimento filosfico como algo que surge depois que a realidade se "instala"; Marx prope, em poucas palavras, como a filosofia deve atuar. O ltimo texto uma defesa da tese materialista de que a vida determina a conscincia. Leia e releia esses textos e responda s questes.

"A tarefa da filosofia entender o que , pois o que a razo. No que diz respeito ao indivduo, cada um filho de seu tempo. Do mesmo modo, a filosofia seu tempo apreendido em pensamentos. No sensato crer que a filosofia possa ir alm de seu tempo presente, do mesmo modo que imaginar que um indivduo possa saltar por cima de seu tempo. E se uma teoria vai alm da sua realidade e constri um mundo tal como deve ser, este existir por certo, mas somente em sua opinio, elemento malevel no qual se pode plasmar qualquer coisa. [...] Para agregar algo mais sobre a pretenso de ensinar como deve ser o mundo, assinalemos, por outra parte, que a filosofia chega sempre tarde. Enquanto pensamento do mundo, aparece no tempo s depois que a realidade consumou o seu processo de formao e j se acha pronta. O que ensina o conceito o mostra com a mesma necessidade a histria: s na maturidade da realidade aparece o ideal frente ao real, e erige a este mesmo mundo, apreendido em sua substncia, na figura de um reino intelectual.

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Quando a filosofia pinta com seus tons cinzentos que j envelheceu uma figura da vida que suas penumbras no podem rejuvenescer, somente conhecer. A ave de Minerva (a filosofia) ala seu voo ao entardecer."HEGEL, Principios de Ia filosofa dei derecho,

p. 246; traduo dos autores.

2. O papel da filosofia ""At agora os filsofos se dedicaram a interpretar o mundo; resta, de agora em diante, transforma-to."MARX, Teses contra Feuerbach,

11tese.

3. A vida determina

a conscincia

"Contrariamente filosofia alem, que desce do cu para a terra, aqui parte-se da terra para atingir o cu. Isto significa que no se parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam nem daquilo que so nas palavras, no pensamento, na imaginao e na representao de outrem para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercusses ideolgicas deste processo vital. Mesmo as fantasmagorias correspondem, no crebro humano, a sublimaes necessariamente resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado empiricamente e que repousa em bases materiais. Assim, a moral, a religio, a metafsica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de conscincia que Ihes correspondem, perdem imediatamente toda a aparncia de autonomia. No tm histria, no tm desenvolvimento; sero antes os homens que, desenvolvendo a sua produo material e as suas relaes materiais, transformam, com esta realidade que Ihes prpria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento. No a conscincia que determina a vida, mas sim a vida que determina a conscincia. Na primeira forma de considerar este assunto, parte-se da conscincia como sendo o indivduo vivo, e na segunda, que corresponde vida real, parte-se dos prprios indivduos reais e vivos e considera-se a conscincia unicamente como sua conscincia."MARX, A ideologia

alem, p. 9-10.

1. Interprete a metfora "a ave de Minerva ala seu voo ao entardecer" 2. Qual a discordncia fundamental entre o primeiro texto e o segundo? 3. Identifique no terceiro texto todas as frases que ilustram a concepo materialista da filosofiade Marx.

4. Interprete e comente a frase de Marx: "No a conscincia que determina a vida, mas a vidaque determina a conscincia".