scan doc0085

Upload: sociologiahistfilo

Post on 10-Jul-2015

2.914 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

34

Craffit! de Jana Joana e Vitch. So Paulo (SP), 25

deste desenho um muro da cidade. Apresenta, de forma estilizada e muito decorativa, a figura de uma mulher nua, com o corpo pintado, segurando um arco entre as mos e ajoelhada sobre um '" cavalo preto cujas patas se encontram fora do solo. Embora o cavalo esteja em movimento, a figura feminina apresenta-se perfeitamente equilibrada sobre o dorso do animal. A presena da Lua e o uso de cores frias (branco, preto e azul) sugerem que a cena noturna. A feminilidade e certa sensualidade so afirmadas pelas muitas curvas do corpo da mulher, pelo modo de se ajoelhar e apoiar os ps, pelos cabelos longos e pela ornamentao do corpo e dos cabelos. O aspecto decorativo est presente tambm nos arabescos espalhados pelo fundo branco, na estlzao da crina e da cauda do cavalo, bem como na posio de sua cabea, voltada para trs, formando uma grande curva. O grafismo presente no tecido que recobre o cavalo e no cabelo da mulher evoca as culturas indgenas. A presena do arco, a postura da mulher, o fato de o cavalo estar em movimento veloz remetem s guerreiras, s mtcas amazonas. Mulher guerreira das ruas, guerreira da noite com sua suavidade, feminilidade e fora, mulher parte de uma minoria, como os povos indgenas, so interpretaes possveis para este trabalho conjunto de Jana loana e Vitch. Observe com ateno a imagem. Ela tem conotaes polticas? Explique.

o suporte

408

D Cultura hip-hopgaif'fJJi. expresso da cultura urbana das ruas, da cultura das minorias sem voz. um ato de contraveno da lei, o que configura crime. Por essa razo, para essas minorias, grafitar torna-se um smbolo de coragem, uma vez que seus praticantes correm o risco de ser punidos. O graffiti um dos elementos da cultura hip-hop. Os outros so: o rap ou MC, a dana break e disc-jockey, ou seja, o ato de isolar partes danantes da msicafunk - normalmente baseadas na percusso - e repeti-Ias continuamente. Os grafiteiros, muitas vezes, participam dos outros aspectos dessa cultura e praticam sua atividade em reas nas quais tanto a msica quanto a dana de rua se desenvolvem, tornando, assim, a ligao entre graffiti e hip-hop mais intensa. Alguns grafiteiros tornaram-se artistas contemporneos, como o caso de [ean Michel Basquiat; outros, em maior nmero, tm.sua obra reconhecida como arte de rua, arte pblica, exposta em muitas galerias de arte, como o caso de John Fekner e Banksy e, no Brasil, dos Gmeos e Nunca, entre outros. Quais so as diferenas entre cultura e arte? O que est contido em cada um desses universos? So esferas que interagem ou so estanques?

~

PARA SABER MAISPichao o ato de escrever ou rabiscar sobre muros, fachadas de edifcios, cho, monumentos ou obras de arte, usando tinta spray aerossol, de difcil remoo,estncil ou rolo detinta. Conceitualmente, no se distingue do graffiti. Entretanto, no Brasil, convencionou-se da r o nome de pichao s inscries repetitivas,simplificadas e de execuo rpida. Os elementos que com pem a pichao so basicamente sm bolos ou caracteres quase hieroglficos (pela dificuldade de decifrao) e de uma s cor. Cada grupo de pichao tem uma assinatura ou um smbolo de identificao, pois h grande concorrncia entre eles. A pichao feita em locais proibidos, geralmente durante a noite, por ser considerada prtica ofensiva ao patrimnio pblico e privado. Envolve a entrada ilegal em propriedade e,quanto mais alto for o local a ser pichado, maior o "mrito" do pichador. Trata-se de atividade transgressiva e predatria, visualmente agressiva, que colabora para a degradao da paisagem urbana. Do ponto de vista legal, considerada vandalismo, e seus autores esto sujeitos a multa e priso.

o

fJ Os sentidos

de cultura

m

ETIMOLOGIA Graffiti. Do grego qraphein, que significa escrever, o plural da palavra italiana graffito, que significa "inciso em pedra ou parede", revelando as cores ou o material subjacente. Na cultura greco-romana, o uso da palavra evoluiu para incluir qualquer inscrio em superfcies do espao pblico, constituindo vandalismo.

O termo cultura tem uma srie de significados diferentes, embora prximos, o que causa muita confuso conceitual e dificuldades, inclusive na esfera governamental. Se existem um Ministrio e inmeras secretarias de Cultura, tanto estaduais quanto municipais, necessrio saber de que objeto esses rgos se ocupam.

m

ETIMOLOGIACultura. Do verbo latino colere, que significa "cultivo", "cuidado com as plantas, os animais e tudo o que se relaciona com a terra, como a agricultura". Designava tambm o cuidado com os deuses, de onde vem a palavra "culto"; tambm era aplicada ao cuidado com as crianas (puericultura), com sua educao, referindo-se ao cultivo do esprito. neste ltimo sentido que o termo usado at hoje.

~

PARA SABER MAISApesar de ter aparecido na Pr-histria - os desen hos nas paredes das cavernas -, o graffiti, como conhecemos hoje, integra a cultura de rua, principalmente o hip-hop. Teve incio no final dos anos 1960, na Filadlfia (EUA), como forma de expresso de ativistas polticos, principa Imente de minorias sem voz na mdia convencional. No incio da dcada de 1970, o centro de inovao do graffiti passou a ser Nova York, de onde se espalhou pelo mundo. No Brasil, o grande desenvolvimento do qraffiti ocorreu em So Paulo, embora aparea em todos os centros urbanos, grandes e pequenos. , portanto, manifestao de cultura urbana e pblica.

. O sentido antropolgicoDo ponto de vista da antropologia, o termo "cultura" refere-se a tudo o que o ser humano faz, pensa, imagina, inventa, porque ele um ser cultural. No sendo capaz de viver somente guiado por seus instintos, ele levado a construir "ferramentas" que possam ajud-lo a instalar-se no mundo, a sobreviver, a desenvolver sua humanidade. A essas "ferramentas" d-se o nome de cultura.

Cultura e arte

-,------- .. ::;wlI:

o

..'"-c

S w' -ur

=sc:

oo olI:

aspecto que no seja cultural. Mas qual seria, ento, o significado de cultura para um rgo pblico que se intitula Ministrio ou Secretaria da Cultura? Com qual recorte da cultura ele trabalha? E os chamados Estudos Culturais, se ocupam do qu?

Restringindo o sentido:' o patrimnioNo que tange ao Ministrio da Cultura e s secretarias, tanto estaduais quanto municipais, cuidar do patrimnio histrico e artstico parte de suas atribuies.

Festa do Bumba meu boi. So Lus (MA), 2008. Festa tpica do Nordeste, narra a histria de um escravo que mata o boi mais bonito de seu senhor para satisfazer o desejo da amada, que est grvida. No Maranho, encenada durante as festividades juninas chamadas de So Joo da Maranhensidade.

m

ETIMOLOGIAPatrimnio. Da palavra latina patet, "pai", designa o conjunto de bens transmitidos de pai para filho.

A Constituio brasileira de 1988 define patrimnio como os

A cultura, no sentido etimolgico, o cultivo do ser em seu processo de humanzao: atribuio de significados ao mundo e a ns mesmos, significados esses que so passados adiante e modificados de acordo com as necessidades de cada grupo. A cultura sempre responde a desejos e necessidades dos grupos, das comunidades e da sociedade em geral. Por isso a cultura plural, dinmica e diversificada. A cultura, alm de mediar nossa relao com o mundo, tambm age como um cimento, elemento de unio entre um certo grupo de pessoas que adotam os mesmos usos, costumes e valores e torna a vida segura e contnua para a sociedade humana. A cultura d o sentido de pertencimento, isto , de fazer parte de um determinado grupo que, alm da lngua, divide tambm o vocabulrio, o sotaque, os modos de vida, os valores etc. Alm de oportunidade de autorreconhecimento, a cultura tambm proporciona a possibilidade de autoproduo e de prazer. Explicando: se o indivduo no nasce humano, mas se torna humano ao longo da vida, ele se produz durante esse processo de humanizao. Aprende a falar, a se comunicar, a se comportar em sociedade, segundo determinados padres de sua cultura; aprende, tambm, a agir, desejar e criar. Constri a si mesmo dentro do grupo social e com o grupo social, isto , com a ajuda do coletivo. A partir dessa viso ampla de cultura, tudo no mundo humano cultura, no existindo um nico1

[...] bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expresso; II - os modos de criar, fazer e viver; 111- as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artstico-culturais; V - os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.'

Vemos que esse conceito de patrimnio est muito prximo da definio antropolgica, uma vez que inclui a produo cientfica e tecnolgica, as formas de expresso e os modos de criar, fazer e viver. Continuamos com o problema de determinar o que deve ser considerado como cultura. Alm disso, nesse conceito h uma forte relao entre ele e identidade, histria (memria) e ao de grupos do passado. No podemos esquecer que a noo de patrimnio uma construo cultural. Dentre todas as memrias, as aes e identidades que formam um

BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado, 1988, artigo 216. Disponvel em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/CON1988/ con1988_05.10.1988/art_216_.htm. Acesso em: 12 abro2010.

Unidade 7

Esttica

grupo, uma comunidade ou um pas, algumas so escolhidas para representar a totalidade da populao e estabelecidas como patrimnio oficial. Outras no tm esse reconhecimento e podem cair no esquecimento. Para ser considerado patrimnio nacional, os bens devem ser tombados pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan). O tombamento um processo que inclui minucioso estudo da importncia histrica e artstica de um bem e sua posterior incluso nos livros do tombo como bem histrico, artstico, arqueolgico ou etnolgico. Esses bens, conhecidos como patrimnio histrico e artstico brasileiro, representam a nao e o povo brasileiro e so protegidos por leis federais, estaduais e municipais. Os bens tombados no podem ser mutilados, destrudos, reformados sem a autorizao expressa do Iphan. Os bens mveis no podem sair do territrio brasileiro a no ser para intercmbios de curta durao e com o consentimento do Instituto. Podem, entretanto, ser vendidos dentro ao prprio pas. Entre 1937, quando foi criado o Instituto, e 1967, os bens tombados representavam o passado portugus brasileiro (o Brasil Colnia), o Brasil catlico (a metade dos bens tombados era constituda de edifcios religiosos), branco e abastado. No eram representadas nem as inmeras culturas indgenas, nem a africana trazida pelos escravos, nem as culturas dos imigrantes. Somente a partir de 1975, os intelectuais perceberam que o chamado Patrimnio Nacional no representava a pluralidade de culturas existentes no pas. Foi, ento, criado o Centro Nacional de Referncia Cultural (CNRe) para incluir na noo de patrimnio a cultura viva, enraizada no fazer popular. Mapeou-se o artesanato dos vrios cantos do pas, com o objetivo de conhecer, documentar e compreender essas manifestaes, a fim de preservar sua memria e fornecer elementos para seu desenvolvimento. Fez-se, tambm, um levantamento da histria da cincia e da tecnologia no Brasil, preservando, alm do produto industrial, a histria do processo de fabricao. Grande parte desse patrimnio imaterial, ou seja, so "prticas, representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes so associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivduos reconhecem como parte integrante de seu patrimnio cultural",";

Igreja So Gonalo. Rene Lefvre, 1981, desenho aquarelado. A Igreja de So Gonalo, em Penedo (AL), um exemplo de patrimnio arquitetnico colonial brasileiro.

Tanto o terreiro de candombl, quanto os gris (contadores de histrias de origem africana) e a capoeira foram tombados nos ltimos anos, dentro desse esprito. Muitas outras manifestaes, entretanto, no foram tombadas e no so reconhecidas como parte do patrimnio cultural do pas, o que no impede que tenham continuidade e sejam reconhecidas pelo grupo como parte de seu patrimnio cultural no oficial. Como exemplo, temos todas as festas de junho, chamadas genericamente como festas de So Joo, no Nordeste do pas.

O sentido estrito: a arteVoltando ao problema do que chamado cultura, apelemos para o senso comum: s abrir o jornal e ler o caderno de cultura para entendermos o uso que se faz dessa palavra. O termo cultura, em sentido restrito, diz respeito produo ligada s diferentes prticas artsticas, ou seja, s manifestaes que faam uso das linguagens artsticas, sejam populares ou eruditas. Essa produo tem uma caracterstica muito interessante: existe independentemente de relaes utilitrias ou prticas. Um templo grego ou uma igreja gtica tm valor que vai alm da funo prtica de abrigar as prticas religiosas. Eles aparecem, figuram entre as coisas do mundo e se apoderam de

2

Definio da Unesco disponvel em http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=1 0852&retorno=paginaIphan. Acesso em: 12 abro2010.

Cultura e' arte

Captulo 34

nossa ateno, de nosso sentimento, comovendo-nos, revelando significados internos que so atualizados a cada gerao. Por isso, muitos autores reservam o termo cultura para designar as artes cujas caractersticas sero examinadas mais profundamente no decorrer desta Unidade.

o As diferenase cultura

entre arte

Jos Teixeira Coelho Netto, intelectual brasileiro contemporneo, estabelece vrias diferenas entre cultura e arte, em texto no qual discute parmetros para a criao de uma poltica cultural e uma poltica para as artes.

11QUEM

?

JosTeixeira Coelho Netlo nasceu em Ribeiro Preto, em 1944, formou-se em Direito e frequentou os primeiros anos da Escola de Comunicao e Artes, da Universidade de So Paulo, logo que ela foi criada. Tem mestrado em Artes e doutorado em Literatura pela USP, nde professor titular da rea de Polticas o Culturais. Esprito inquieto, transita em todos os campos das artes. Grande polemista, aborda a cultura e as artes de pontos de vista s vezes inslitos, mas sempre instigantes, com argumentao slida. Foi coordenador do Observatrio de Polticas Culturais da ECA-USP,diretor do Museu de Arte Contempornea da USPe atualmente curador-coordenador do Museu de Arte de So Paulo (Masp). ainda autor de inmeros livros de fico e ensaios.

A cultura til para instrumentalizar os indivduos a viver em sociedade, a enfrentar novos desafios. A arte, por sua vez, gratuita, ou seja, transcende todo e qualquer fim que se proponha para ela. Ela amplia a esfera da presena do ser, enriquece o indivduo, ajuda no seu desenvolvimento propriamente humano. A cultura comunicao, pois, para ser til, deve ser comunicada. Seu significado circula pela sociedade. A arte expressa um universo. Sua abordagem interpretativa: no qualquer interpretao, mas a interpretao competente que leve em considerao tudo o que est em jogo na obra. A finalidade social da cultura reconfortar, tranquilizar, permitir que o indivduo encontre seu lugar. A cultura traz estabilidade para a comunidade e o indivduo. Integra o social a si mesmo e cada um ao coletivo. Segundo Teixeira Coelho Netto, "a cultura cuida do outro', d identidade. J a arte uma obra de risco, envolve o jogo que desestabiliza, desintegra tanto quem a faz quanto quem a recebe. Ela no cuida do outro. A arte incomoda. A cultura quer descobrir uma verdade oculta. Uma vez descoberta, ela se perpetua: est presa tradio, repetio. Por exemplo, a identidade nacional, a identidade desta ou daquela regio ou grupo no pode ser alterada sob pena de se perder. A arte, por sua vez, uma inveno de algo que no existia antes, no est presa tradio e no pode se repetir. Por isso, a cultura sempre narrativa, conta histrias, resolve problemas, seja o estabelecimento de hbitos, costumes ou dos mitos de origem. A arte no narra, apresenta um fragmento que coloca problemas em vez de resolv-los.

Em primeiro lugar, a cultura criao coletiva e dirigida para a comunidade, reforando seu modo de ser. A arte, ao contrrio, criao individual e dirigida para o indivduo. Mesmo as artes coletivas, como o cinema, o teatro, a dana, so autorais, isto , revelam a viso de um criador ou diretor. A cultura uma necessidade, pois para viver em sociedade necessrio aprender a cultura local: a lngua, os modos de vida, os valores etc. J a arte no necessria na vida humana. Pode-se viver sem arte. Ningum obrigado a produzir ou desfrutar a arte: ela um privilgio para quem faz e para quem a aprecia, uma vez que fruto de um desejo forte e intenso. Por isso existem os direitos culturais assegurados pela Constituio, mas no existem direitos artsticos. Explicando: tudo aquilo que uma necessidade para o ser humano deve ser um direito; o que no necessrio no pode se tornar nem direito nem dever.

O dia em que o Corinthians foi campeo, obra feita com borracha, plstico, gesso e madeira. Nelson Leirner, 2001.

Unidade 7

Estetica

Graffiti Cabea,de Nunca, Bairro Cambuci, SP Nunca justape a cultura urbana cu Itu ra nativa ao usar padres geomtricos e cores dos indgenas sul-americanos e a linha usada na pichao. Neste caso especfico, as linhas so escavadas na superfcie do muro.

o discurso da obra de cultura construdo pela agregao do que conhecido, do que j existe e preservado, sendo importante, por isso, o aprendizado sobre como feito, e sempre-foi feito. Por exemplo, o artesanato, de tempos em tempos, agrega um novo material (em geral mais barato ou mais fcil de ser manipulado) ou uma nova tecnologia, mas a aparncia do objeto continua sendo semelhante. Odiscurso da arte, diferentemente, rompe com o que existe ou desconstri o que existia antes, envolvendo, portanto, a desconstruo criativa e o desaprendizado. Oartista precisa desaprender como se fez arte at ento, para descobrir o seu modo de faz-Ia,por meio da experimentao. Mesmo o uso de imagens do passado na arte contempornea no uma simples imitao, mas transcriao feita com os olhos do presente. Sendo assim, percebemos que o foco do discurso da cultura centralizado, convergente: tudo o que uma obra de cultura diz aponta em uma nica direo, seja ela a nacionalidade, a identidade, a histria de um grupo etc. A arte, ao contrrio, multifocal, divergente. Seu discurso se abre em leque e aponta para muitas possibilidades. Enquanto a cultura estabelece normas, hbitos e regras, a arte desregula e cria valores autnomos, pois cada obra una, irrepetvel. Lembremo-nos de que cultura necessidade; arte liberdade. Do ponto de vista da temporalidade, a cultura duradoura e implica continuidade. J a arte efmera e opera a interrupo do fluxo contnuo da vida. . E, por ltimo, a cultura pode ser explicada, esclarecida para aqueles que vm de outra cultura que, com treino (que cria o hbito), podero ver a obra de cultura do modo "certo', j que seu discurso convergente. A obra de arte, entretanto, no pode ser explicada. O modo de nos aproximarmos dela hermenutico

porque ela prope uma multiplicidade de sentidos ( divergente). Cada um se aproxima da arte a partir de sua experincia, dos valores de seu mundo, de seu cdigo, recriando, para si, os sentidos da obra.

9 Arte e culturaA arte , sem dvida, uma pequena parte da cultura, entendida aqui em seu sentido antropolgico, mas uma parte privilegiada, fruto do desejo e acolhida pelo sentimento, livre das obrigaes, dos deveres a serem cumpridos. Ningum obrigado a fazer arte ou a gostar de arte. A cultura aponta para o mundo como ele , com hbitos, costumes, valores que nos aproximam dos outros indivduos do grupo. A arte aponta para possibilidades do mundo, tira-nos dos hbitos, rompe os costumes, prope outros valores. A arte nos faz estender e ampliar aquilo que somos porque passamos a ver o mundo e a ns mesmos sob luzes diferentes. A arte afina nossa sensibilidade: ensina-nos a ter aguda percepo dos estmulos que vm dos nossos sentidos e a relacion-Ias com contedos prpriosnossas lembranas, vivncias pessoais e informaes que j temos - e com o mundo em que vivemos. A arte, enfim, uma ocasio de prazer porque nos oferece a compreenso profunda do mundo e de ns mesmos.Hermenutica. Segundo a teoria geral da interpretao proposta pelo filsofo francs Paul Ricoeur, a hermenutica acolhe a doao de sentido em qualquer lugar em que ela ocorra, resultando em uma rnultiplicidade de interpretaes. Em seguida, reflete-se sobre a complementaridade das interpretaes conflitantes.

Cultura e arte

Captulo 34

Leitura complementarQuem no sabe danar improvisao hip- hop oferece aos jovens da periferia a chancede existncia social."Um rapper, to annimo quanto sbio, afirmou que o hip-hop era 'CNN da periferia' (apesar da insistncia da mdia, em especial a brasileira, em associar o movimento violncia e ao cri me), ou seja, u ma forma de a periferia expressar suas necessidades de classes excludas. O hip-hop teria nascido em 1968, baseado em dois movimentos: a maneira como se transmitia a cultura dos guetos americanos e, da o nome, no jeito da dana popular da poca, que reunia saltar (hop) e movimentar os quadris (hip). Ao chegar ao Brasil, nos anos 1980, a ligao entre cultura, dana e lazer se estreitou a ponto de deixar no ar a pergunta: um movimento cultural ou poltico? 'Hip-hop teres direito de discordares do que quiseres / de certa forma estar na poltica / no aceitar tudo calado nem desenvolver conscincia crtica / o som que analisa, critica, contesta / no te esqueas que hip-hop tambm festa / ritmo e poesia o que nos caracteriza / e quem no sabe danar improvisa!', define com preciso a letra de hip-hop, do Boss AC. 'por meio do canto, da dana-e do grafJiti que os participantes do hip-hop demonstram suas posies polticas e ideolgicas. Para eles, o fazer poltico no est reservado somente para os que se especializam nessa rea. Com suas rimas no rap, seus passos no break e imagens transmitidas em seus desenhos reproduzidos nos graffiti, esto assumindo uma posio poltica e fazendo aliana com outras formas de expresso que so, a um s tempo, polticas, sociais e culturais', explica Joo Batista de Jesus Felix, autor da tese de doutorado nip-hop: cultura e poltica no contexto paulistano, orientada por Lilia 'Schwarcz e defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP. Para o pesquisador, o hip-hop um degrau a mais alcanado pela populao negra e pobre brasileira que fez do seu lazer uma forma de protesto contra a violncia e as condies a que so submetidos pela sociedade. 'Ao sarem dos bailes e irem para as ruas, os espaos pblicos, eles estavam rompendo o tnue 'pacto social brasileiro'. A presena deles na praa era uma afronta ao nosso 'racismo cordial' e ideia de que se toleram (ou no) as demonstraes deste tipo no espao privado', observa o pesquisador, cuja preocupao central era justamente descobrir o que esse movimento social entende por poltica e o que estava por trs de declaraes polmicas como do rapper Mano Brown, do Racionais MC's, que resumiu seu trabalho de forma inusitada: 'Eu no fao arte. Artista faz arte, eu fao arma. Sou terrorista.'"HAAG, Carlos. Pesquisa Fapesp, n. 142, dez. 2007. p. 81-83.

> Questes

116 li

Por que o hip-hop pode ser encarado como a "CNN da periferia"? Ouais as origens do hip-hop? Por que se pode dizer que um movimento cultural? poltico?

11 IJ

Por que se pode afirmar que um movimento

Explique a frase de Mano Brown: "Eu no fao arte. Artista faz arte, eu fao arma. Sou terrorista." Voc concorda com ela? Por qu?

Leitura complementar

Unidade 7

? Revendo11I)

o capitulode cultura dada

? Dissertao

Explique a definio antropolgica no texto.

m m

Como voc explica a possbilidade de existirem vrtas culturas que coexistem em um mesmo tempo e espao? De que modo o patrimnio nacional de nosso pas mostra quem somos para os estrangeiros? Na sua famlia existe um patrimnio que passado de gerao a gerao? (Lembre-se de histrias, causos sobre antepassados, piadas a respeito de algum membro da famlia. saberes, incluindo receitas de cozinha, bordado, tric, valores, objetos e fotografias, entre outras coisas.) Cite algumas caractersticas guem da cultura. da arte que a distin-

Escolha uma manifestao folclrica que voc conhea bem e analise-a a partir das caractersticas da cultura discutidas no captulo.

? Caiu no vestibular(Enem-MEC) "O movimento hip-hop to urbano quanto as grandes construes de concreto e as estaes de metr, e cada dia se torna mais presente nas grandes metrpoles mundiais. Nasceu na periferia dos bairros pobres de Nova York. formado por trs elementos: a msica (o rap) , as artes plsticas (o graffiti) e a dana (o bteai. No hip-hop os jovens usam as expresses artsticas como uma forma de resistncia poltica. Enraizado nas camadas populares urbanas, o hip-hop afirmou-se no Brasil e no mundo com um discurso poltico a favor dos excludos, sobretudo dos negros. Apesar de ser um movimento originrio das periferias norte-americanas, no encontrou barreiras no Brasil, onde se instalou com certa naturalidade - o que, no entanto, no significa que o hip-hop brasileiro no tenha sofrido influncias locais. O movimento no Brasil hbrido: rap com um pouco de samba, break parecido com capoeira e graffiti de cores muito vivas." (Adaptado de Cincia e Cultura, 2004.) De acordo com o texto, o hip-hop uma manifestao artstica tipicamente urbana, que tem como principais caractersticas:a) a nfase nas artes visuais e a defesa do carter

11

11

IJ

? AplicandoD

os conceitos

Leia o trecho de Orhan Pamuk transcrito abaixo e explique o que ele quer dizer com a primeira frase, luz das caractersticas da arte. '''Se eu acordasse um dia e visse que tinha me transformado em uma imensa barata, o que aconteceria comigo?' Por trs de todo grande romance est um autor cujo maior prazer consiste em entrar em outra forma e dar-lhe vida - um autor cujo impulso mais forte e criativo pr prova os limites de sua identidade." (A maleta de meu pai. So Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 46-47.)

IJ IJ

O artesanato Os programas qu?

cultura ou arte? Por qu? televisivos so cultura ou arte? Por

nacionalista. b) a alienao poltica e a preocupao conflito de geraes.c) a afirmao

com o e a

IJ

Comente a seguinte afirmao: a cultura, ao mesmo tempo que nos permite fazer parte do mundo humano, pertencer a um grupo e reconhecer quem somos, tambm impe limites ao que podemos ser. "Arte como crime, crime como arte". Comente essa mxima de Hakim Bey. Em que sentido se pode dizer que a arte crime? Em quais circunstncias o crime seria arte?

combinaod) a integrao

dos socialmente de linguagens.

excludos

de diferentes classes sociais e a exaltao do progresso. da natureza e o compromisso com os ideais norte-americanos.

1m

e) a valorizao