lisi, marco - o pcp e o processo de mobilização entre 1974 e 1976

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    Marco Lisi* Anlise Social, vol. XLII (182), 2007, 181-205

    O PCP e o processo de mobilizaoentre 1974 e 1976

    PARTIDOS E MOBILIZAO POLTICA NAS TRANSIESDEMOCRTICAS

    A passagem do regime autoritrio para o regime democrtico pressupeuma maior participao e extenso dos direitos polticos, tornando os par-tidos os actores principais para controlar o acesso dos cidados ao sistemapoltico. A entrada das massas na esfera poltica coloca no apenas o pro-blema da comunicao, mas tambm da canalizao e da expresso doscidados (Sartori, 2002, p. 79). O perodo da transio implica o surgimentoou a expanso dos partidos como veculos necessrios para a representaodas foras da sociedade civil e a estruturao do novo sistema poltico. Naptica dos modelos de partido, a abertura da participao e da competiopoltica deveria levar criao de partidos de massas com programasbem delineados e um maior controlo vertical sobre a estrutura organizativa(cf. Duverger, 1981): a mobilizao dos militantes, a angariao de fundospara o partido e a expanso da prpria legitimao so os principais factoresque contribuem para a formao de partidos de integrao e para a encap-sulao da base social de apoio, transformando as escolhas polticas emidentidades polticas (Mair, 1992, p. 102). Por isso, do ponto de vista terico,nas transies para a democracia caracterizadas por conflitos ideolgicos apresena de um partido de massas com uma forte estrutura implica tambmuma maior competio organizativa, facto que leva os outros partidos a refor-arem e consolidarem a organizao interna. Para os partidos polticos, a

    * Universidade de Florena.

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    Marco Lisi

    transio representa, portanto, um novo desafio, que torna necessria adefinio de uma estratgia organizativa para se adaptarem nova situao.

    Vrios autores sublinharam, no estudo das transies para a democracia,a importncia das caractersticas dos processos de participao e mobiliza-

    o poltica para o xito final da instaurao do regime democrtico e aconsolidao do sistema partidrio (Dahl, 1971; ODonnell e Schmitter,1986; Linz e Stepan, 1996). Enquanto a participao poltica se define pelocarcter autnomo e espontneo, a mobilizao poltica um processo in-duzido e heternomo, manipulado por actores institucionais para alcanardeterminados fins1. O processo de mobilizao pode ser um instrumento queos partidos utilizam para diferentes objectivos: em primeiro lugar, pode serutilizado para reforar a prpria organizao, essencialmente atravs de umprocesso de socializao e integrao, aumentando assim o nvel de institu-

    cionalizao (Panebianco, 1982, p. 124). Em segundo lugar, pode servir deinstrumento para alcanar determinados objectivos polticos, como, por exem-plo, a adopo de determinadas polticas pblicas (Almond e Verba, 1988,pp. 291-293). Finalmente, a mobilizao pode ser utilizada por parte dospartidos para obter maiores poderes no seio das instituies: no caso, porexemplo, de rupturas com o regime anterior, frequente a utilizao damobilizao para alcanar uma maior legitimao e para alterar as relaes defora dos actores polticos dentro do novo regime.

    A partir deste quadro terico, este artigo pretende desenvolver duas linhas

    de anlise: a primeira relativa estruturao da organizao dos partidos;a segunda considera as caractersticas e os efeitos da mobilizao. Desteponto de vista, a anlise do PCP na transio para a democracia constitui umestudo de caso interessante se considerarmos que a ideologia comunistaimplica quer a construo de uma organizao de massas, quer uma utiliza-o instrumental da mobilizao para a conquista do poder.

    De facto, na anlise dos partidos comunistas vrios autores consideramque a prpria autodefinio como partidos revolucionrios implica ummodelo de organizao uniforme e que, por isso, a ideologia seria o nico

    factor importante, determinando tambm as caractersticas organizativas2

    .Todavia, examinar o PCP, segundo esta perspectiva, como um partido suigenerisapresenta vrios limites: em primeiro lugar, isso no permite eviden-ciar as diferenas existentes, quer a nvel organizativo, quer a nvel ideol-

    1Os conceitos de participao e mobilizao referem-se aqui a regimes democrticos. Nestesentido, a caracterstica do processo de mobilizao a existncia de um modelo unitrio deorientao imposto ao pblico pelas estruturas polticas (Fisichella, 1993, p. 69). Por isso, aparticipao diferencia-se da mobilizao por duas razes: em primeiro lugar, um processoespontneo e, em segundo lugar, manifesta diferentes orientaes dos cidados.

    2 V. o artigo de Panebianco (1979) e, para uma viso a partir da autodefinio dospartidos comunistas, Mair (1979).

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    gico, entre os partidos comunistas da Europa ocidental (sobretudo a partirdos anos 50). Tendo em conta que h uma forte interaco entre o modelooriginrio (cf. Panebianco, 1982, pp. 104-109) e a estratgia de competio(e de mobilizao), importante analisar as influncias recprocas entre as

    caractersticas organizativas e as relaes com as foras partidrias e comos outros actores polticos. Em segundo lugar, esta perspectiva acaba pormarginalizar o contexto externo: de facto, a evoluo do regime sovitico eas particularidades da democratizao portuguesa so factores que afecta-ram a estratgia organizativa do PCP e a sua aco a nvel institucional3.O processo de transio caracterizou-se, a nvel institucional, pela crise deEstado e, a nvel social, pela originalidade que assumiram os vrios movi-mentos sociais e as outras formas de participao. Para alm das caracte-rsticas do modelo originrio e das escolhas dos actores, necessrio con-

    siderar estas caractersticas ambientais para analisar a aco dos partidos.Neste sentido, a organizao no pode simplesmente ser analisada pelos finsoficiais do partido: antes de mais, a estratgia organizativa do PCP deveser examinada atravs dos recursos utilizados e da interaco com sujeitose estratgias diferentes, no mbito de determinados constrangimentos (eoportunidades) a nvel institucional.

    O objectivo deste trabalho analisar as duas componentes principais quecaracterizaram a mobilizao por parte do PCP: em termos da consolidao daorganizao, por um lado, e como instrumento poltico (reivindicativo e ins-

    titucional), por outro. A anlise da evoluo da mobilizao do PCP constituium indicador importante para esclarecer a estratgia deste partido durante atransio e contribui para definir as relaes entre o partido, as instituies ea sociedade civil. Esta reconstruo ajuda tambm a perceber as modalidadesde estruturao organizativa do partido, assim como as relaes entre as vriasdimenses do partido e a sua evoluo ao longo do processo de transio.

    Na primeira parte do artigo analisar-se- a estrutura organizativa do par-tido e das caractersticas do enquadramento dos militantes. Sucessivamente,a anlise do processo de mobilizao poltica centrar-se- nos vrios tipos de

    aces desenvolvidas a nvel das bases do PCP, distinguindo as diferentesfases da transio para evidenciar a evoluo e as particularidades de cadaperodo. Apesar de no se poder analisar aqui a evoluo estratgica dasrelaes entre o PCP, a elite militar e os outros partidos polticos, procurar-

    3 difcil estabelecer, pelo actual conhecimento das fontes, o grau de influncia da UnioSovitica sobre a estratgia do PCP durante a transio: pelo contexto internacional, pareceque a ex-URSS apoiaria uma atitude moderada por parte do PCP durante a transio,salvaguardando assim os progressos dos outros partidos comunistas ocidentais (cf. Rato, 1992). evidente que no possvel analisar aqui todos os aspectos relevantes do papel do PCP

    na transio para a democracia, sobretudo no que diz respeito influncia da URSS sobre aestratgia do Partido Comunista.

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    -se- demonstrar que o processo de mobilizao foi condicionado de formasignificativa pelos constrangimentos externos, e no tanto pela forma deintegrao e de enquadramento dos militantes dentro do partido segundo ascaractersticas do modelo do partido de massas.

    AS CARACTERSTICAS DA ESTRUTURA ORGANIZATIVA:DO PARTIDO DE QUADROS PARA UM PARTIDO DE MASSAS?

    A estrutura do partido em 1974 ainda permanecia muito bsica, devidoprincipalmente ao longo perodo de clandestinidade, sendo o Congresso e oComit Central (e o seu secretariado) os principais rgos dirigentes dopartido. O primeiro o rgo mximo, competindo-lhe a alterao do pro-grama e do estatuto e a eleio do Comit Central, embora nada seja ditosobre a formao e o regulamento do prprio Congresso4. O Comit Central(CC) dirige a actividade do partido no intervalo dos congressos, tendo aresponsabilidade de todo o trabalho poltico, ideolgico e de organizao(artigo 21)5. Por outro lado, o CC elege, dentro dos seus membros efectivos,o secretariado do Comit Central, podendo eventualmente criar outros orga-nismos, e tem a faculdade de eleger um secretrio-geral, definindo as suasatribuies. O processo de tomada de deciso baseado no centralismodemocrtico fortemente centralizado, pois o executivo do partido adoptadecises obrigatrias para toda a organizao, garantindo a unidade, a coesoe a disciplina da aco do partido (cf. Cunha, 1997, p. 33, e Lopes, 2002,p. 62). A eficcia decisional e estratgica veio a ser reforada atravs de umprocesso de cooptao dos rgos dirigentes (quadro n. 1).

    Composio dos rgos superiores do PCP (1974-1976)

    [QUADRO N. 1]

    Comit Central(efectivos)

    Comit Central(suplentes)

    ComissoPoltica

    Secretariado

    VI Congresso (1974) . . . . . .VII Congresso (1974-1976) . .VIII Congresso (1976) . . . . .

    192254

    71436

    1013

    47

    Fontes: Pereira (1989, p. 89); Avante!, 1974.

    4No VII Congresso (extraordinrio) do PCP foi aprovada uma alterao ao artigo 19 doestatuto que estabeleceu que o Congresso se realizasse com intervalos mximos de trs anos,salvo circunstncias excepcionais (cf. Avante!, 21 de Outubro de 1974).

    5 Os artigos do estatuto aprovado durante o VII Congresso (extraordinrio) referem-ses actas publicadas (v. PCP, 1974, pp. 379-388).

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    Para alm da estrutura formal, o PCP dispunha de uma organizaoinformal de relacionamento com as foras armadas, estruturada segundo umcritrio geogrfico um responsvel para cada regio militar e umcritrio hierrquico e funcional6. Apesar da influncia ideolgica e cultural do

    partido em relao ao sector militar, as fontes consultadas no confirmama presena de uma estrutura organizativa dentro das foras armadas direc-tamente subordinada s directivas do partido7. Esta adaptao funcional dosrgos dirigentes foi ditada no apenas pelas caractersticas institucionaisque o processo de transio manifestou, como tambm pela cautela dopartido em relao s incertezas ambientais rumo imposto pelos milita-res e pela flexibilidade e indeciso das alianas poltico-militares.

    A longa tradio de actividade clandestina contra o regime autoritrio foium factor que influenciou a superioridade do PCP em relao s outras

    foras polticas no que diz respeito ao nmero de militantes (quadro n. 2).O seu crescimento exponencial verificou-se, em particular, no primeiro anoda transio, mas continuou de maneira linear entre 1974 e 1976: j emDezembro de 1974, o rgo do partido O Militante podia afirmar que oPCP tornou-se um partido de massas (O Militante,Julho de 1975). Porm,durante o perodo da transio, muitos militantes ou simpatizantes do PCPpermaneceram ligados s estruturas do MDP/CDE, partido que se revelou omaior aliado da estratgia seguida pelos dirigentes comunistas8.

    A estratgia organizativa do PCP caracterizou-se tambm pelo maior

    enquadramento dos militantes em relao aos outros principais partidos pol-ticos. A taxa de filiao medida relativamente aos votos obtidos pelos partidosdemonstra uma significativa capacidade do PCP de converter os potenciaiseleitores em militantes, que se reflecte no alto rcio de integrao organizativa

    6O secretrio-geral do PCP era o nico a ter a prerrogativa de ter relaes com generaisdas foras armadas e era o nmero um da rea de relacionamento com os militares; seguiam--se, respectivamente, Jaime Serra e Raimundo Narciso. Havia tambm um elemento do ComitCentral do PCP para cada ramo das FA: Raimundo Narciso para o Exrcito, Jorge Matos para

    a Marinha e ngelo Veloso para a Fora Area.7 Pelo contrrio, Gaspar afirma existir uma organizao do PCP dentro das FA, cuja

    compartimentao reproduzia a hierarquia militar, de que fazia parte um certo nmero deoficiais, milicianos e do quadro permanente, assegurando o acesso dos dirigentes do PCPdirectamente Comisso Coordenadora do Programa (cf. Gaspar, 1993, p. 12). O facto maiscerto a infiltrao comunista nos Servios Militares Tcnicos, dado que, pelas fortes posiesdentro do movimento estudantil, o PCP podia dispor geralmente de oficiais com um nvelde formao mais elevado.

    8A questo de o MDP/CDE constituir um partido satlite do PCP difcil de estabelecer:do ponto de vista da composio, o MDP/CDE continuava a ser uma organizao bastanteheterognea que inclua elementos do Partido Comunista ou afeioados ao PCP, assim como

    elementos de outros quadrantes ideolgicos, mas as fontes consultadas no permitem com-provar a existncia de uma estrutura de controlo do PCP sobre o MDP/CDE.

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    1975

    [QUADRO N. 2]

    1974 (Abril) . . . . . . . . . . .1974 (Julho) . . . . . . . . . . .

    1974 (Outubro) . . . . . . . . .1974 (Dezembro) . . . . . . . .1975 (Maio) . . . . . . . . . . .1975 (Dezembro) . . . . . . . .1976 (Novembro) . . . . . . . .

    Nmero de militantes

    PCP PS PPDData

    2 000-3 00014 59330 000

    100 000

    115 000

    35 971

    80 59491 562

    11 260

    21 02225 630

    Fontes: Pereira (1989, p. 82); Martins (1994); Stock (1989).

    [QUADRO N. 3]

    M/V M/E

    1976 1975 1976Partidos

    PCP . . . . . . . . . . . . . .PS . . . . . . . . . . . . . . .PSD . . . . . . . . . . . . . .

    14,0 3,8 1,4

    14,5 4,8 1,9

    1,541,260,31

    1,771,410,39

    (quadro n. 3). Em geral, os valores dos partidos portugueses apresentam umvalor baixo da taxa de filiao medida em relao ao eleitorado, sugerindo amaior importncia atribuda pelas foras polticas dimenso institucionalrelativamente criao de uma estrutura organizativa de massas (cf. van

    Biezen, 2003, pp. 202-203). Tambm neste aspecto, o PCP demonstrou umamaior capacidade de mobilizar os seus eleitores, uma maior penetrao noterritrio e nveis mais altos de lealdade dos militantes ao partido. Todavia, orcio de integrao social (M/E) demonstra uma ligeira diferena entre o PCPe o PS, que se reflecte na competio dos dois maiores partidos de esquerdapara obterem um suporte de massas. Em geral, pode afirmar-se que, com-parado com os outros partidos portugueses, o PCP se caracterizava por umempenhamento activo dos militantes, que deviam encarar a adeso ao partidono apenas em termos de direitos, mas sobretudo de deveres, quer a nvel da

    organizao interna, quer em termos da capacidade de reforar e expandir opartido dentro da sociedade civil (cf. van Biezen, 1998).

    Nmero de militantes do PCP, do PS e do PSD (1974-1976)

    Taxa de filiao dos principais partidos portugueses (1975-1976)

    Fonte: Lopes (2002), p. 60, para o rcio de integrao organizativa (M/V); elaboraoprpria para o rcio de integrao social (M/E).

    Nota: O rcio de integrao organizativa (M/V) a percentagem do nmero de filiados

    de um partido em relao ao total de votos que obteve; o rcio de integrao social (M/E) a percentagem do nmero de filiados em relao ao total de eleitores.

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    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    Considerando a forma de implantao dos partidos portugueses, FareloLopes afirma que o PCP alcanou a estrutura de um partido de massasatravs de um processo de penetrao (cf. Lopes, 2002, pp. 46-47). A partirde uma organizao baseada nas clulas dentro de empresas e instituies,durante os primeiros meses da transio desenvolveu-se uma implantaoterritorial que, segundo os rgos de informao do PCP, alcanou a plenaexpanso em meados de 1975, com o objectivo de ter uma comisso emcada municipalidade e com a abertura de comisses distritais nos quatrodistritos das ilhas adjacentes. No que diz respeito ao estatuto de 1965, a estruturado PCP adaptou-se diviso administrativa do pas em distritos (artigo 26),alterao que foi introduzida no novo estatuto aprovado no VII Congresso em1974. A reestruturao da organizao do PCP verificou-se a partir de Julho de1974 com a criao das DORs (direces de organizaes regionais), comitsregionais, distritais, municipais e de freguesia. Enquanto na altura do golpe do

    25 de Abril s existiam 4 comits distritais (e poucas dezenas de comitsmunicipais e de freguesia) (cf. Cunha, 1992, p. 219), em Dezembro de 1974j existiam 7 DORs e 18 comisses distritais, que se tornaram 22 quandoabriram as comisses nas ilhas adjacentes (O Militante, Junho de 1975)9.

    Para analisar a evoluo da organizao do partido a nvel local precisoconsiderar tambm o processo de implantao dos centros de trabalho(CTs). Do ponto de vista quantitativo, verificou-se um crescimento linear atJulho de 1975, quando as aces anticomunistas destruram muitos doscentros de trabalho, sobretudo nas regies do Norte (grfico n. 1). Em

    relao distribuio geogrfica, evidencia-se a presena do partido nosdistritos onde tradicionalmente a implantao do partido era mais forte (Lis-boa, Santarm, Beja e Setbal) (quadro n. 4). A penetrao do partido nestasregies tinha origem na oposio ao regime autoritrio, sobretudo no sectoragrcola dos grandes latifndios e no sector industrial depois da formao daIntersindical em 1970. Todavia, a presena do PCP nestas reas no erahomognea, como o demonstra a fraca adeso da classe operria nas zonasindustriais do Norte e a competio com as foras da extrema-esquerda noBarreiro e na Marinha Grande (cf. Jalali, 2002, pp. 106-107). Apesar de osdados sobre o nmero dos centros de trabalho no esclarecerem a intensi-

    dade das actividades do partido nos diferentes distritos, quer os dados emvalor absoluto, quer os valores ponderados dos CTs por distrito, apresentamuma fraca correlao com as percentagens dos votos obtidos pelo PCP naseleies de 1975 e da mobilizao do partido no perodo imediatamenteanterior com as excepes dos distritos de Beja e Santarm. Isto eviden-cia no apenas o esforo do partido em alargar a sua rea de influncia,como tambm os limites desta estratgia, que ficou, geralmente, sem xito.

    9 No h dados numricos sobre a implantao de comisses concelhias, mas o rgo do

    partido relata, na altura de Julho de 1975, a presena de comisses concelhias em quase todosos concelhos, excepto nas ilhas (O Militante, Julho de 1975).

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    Centros do trabalho do PCP (25 de Abril de 1975)

    Implantao dos centros de trabalhoentre 1974 e 1975

    [QUADRO N. 4]

    Aveiro . . . . . . . .Beja . . . . . . . . .Braga . . . . . . . . .Bragana . . . . . . .Castelo Branco . . .Coimbra . . . . . . .vora . . . . . . . .Faro . . . . . . . . .Guarda . . . . . . . .Leiria . . . . . . . . .

    Lisboa . . . . . . . .Portalegre . . . . . .Porto . . . . . . . . .Santarm . . . . . .Setbal . . . . . . . .Viana do Castelo . .Vila Real . . . . . . .Viseu . . . . . . . . .

    Total . . . .

    * A ponderao feita considerando a populao residente em cada distrito em 1975(INE), tendo como base a mdia nacional de cerca 500 000 habitantes por distrito.

    ** A percentagem da mobilizao considera todas as actividades organizadas pelo PCPem cada distrito no perodo considerado.

    [GRFICO N. 1]

    71

    161267

    481600

    500

    400300

    200

    100

    0Outubrode 1974

    Julhode 1974

    Dezembrode 1974

    Junhode 1975

    71161

    267

    481

    Centro de trabalho

    Fonte: O Militante, 1975.

    DistritosNmero

    de centrosde trabalho

    PercentagemCentros

    de trabalhoponderados*

    Percentagemnas eleies

    de 1975

    Mobilizao(Nov. 74-

    -Mar. 75)**

    (percentagem)

    15 5,08 12,2 1,4 4,7 33 11,18 83,8 7,1 7,5 10 3,38 7,3 1,8 7,3 5 1,69 14,2 0,4 2,2 5 1,69 9,8 1,2 1,9 9 3,05 10,3 2,1 8,5 15 5,08 41,3 6,7 7,2 18 6,10 32,1 3,6 4,1 0 0,6 1,9 13 4,40 16,0 2,2 6,5

    51 17,28 13,4 34,0 7,0 20 6,77 69,4 2,5 4,5 18 6,10 5,8 7,9 13,1 31 10,50 32,9 6,3 7,4 28 9,49 23,7 20,2 4,3 3 1,01 5,6 0,8 2,6 11 3,72 20,6 0,6 5,7 10 3,38 11,8 0,8 3,8

    295 100 100 100

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    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    Na sua actividade de mobilizao, o PCP era, sem dvida, o partido quemais beneficiava do suporte de diversas organizaes autnomas de carcterfrentista (MDP, Movimento Democrtico das Mulheres, Movimento da Juven-tude Trabalhadora, etc.) ou de organizaes paralelas ligadas direco do

    partido, como, por exemplo, a Unio dos Estudantes Comunistas (UEC), aUnio da Juventude Comunista (UJC), etc.10. Esta posio privilegiada teveorigem, principalmente, no legado da luta do partido contra o regime autori-trio, que atribua ao PCP uma forte legitimidade backward(cf. Linz, 1987).

    A SOCIEDADE CIVIL E O PCP (ABRIL DE 1974-OUTUBRO DE 1974):ENTRE A EXPANSO E A ESTRUTURAO ORGANIZATIVA

    Durante os anos da clandestinidade, o Partido Comunista desenvolverauma forte penetrao nos centros urbanos, nos principais plos industriaise nas regies do Alentejo e do Algarve. Esta estrutura embrionria desenvol-veu-se, depois do 25 de Abril, segundo uma lgica constante. As vriasactividades de mobilizao organizadas pelos rgos do partido podem dis-tinguir-se entre manifestaes, comcios e sesses de esclarecimento11.Estas diferenciavam-se das restantes formas de mobilizao no apenas emtermos de contedos, como tambm pela quantidade de pessoas mobilizadas,que nas sesses era muito inferior das outras actividades do partido (emgeral, no ultrapassavam a centena de presentes), desenvolvendo-se geral-mente em lugares pblicos (escolas, teatros, cinemas, etc.) ou privados(fbricas, associaes, bares, etc.). Os comcios, assim como as manifes-taes, tinham um carcter de propaganda e de afirmao em relao soutras foras polticas e sociais, enquanto as sesses eram actividades dedinamizao e de conhecimento, onde se verificava uma interaco entredirigentes do partido e cidados sobre as vrias questes abordadas (temasde poltica nacional ou problemas mais especficos de carcter local), mas

    10 Em 1976 as organizaes juvenis contavam com cerca de 600 organismos: a UJCcontava, segundo os dados do partido, com 12 000 membros em Maro de 1976, alcanandoos 15 000 trs meses depois (PCP, 1976, p. 73).

    11Os dados apresentados referem-se informao que consta doAvante!;por isso, quanto distribuio geogrfica e ao valor quantitativo, constituem sobretudo a imagem do partido,pois a nfase posta nas actividades em algumas zonas do pas parece ser pouco realstica noque diz respeito a outras regies onde a mobilizao nula. Sendo impossvel construir ummapa detalhado para todas as iniciativas do partido, utilizando a comparao com outrosjornais a nvel nacional e local, os dados podem considerar-se uma amostra, tendo em contauma aproximao por defeito. Contudo, considera-se relevante examinar as caractersticas damobilizao, pelo menos, para evidenciar as tendncias e a evoluo ao longo da transio.

    Seria interessante, porm, analisar a mobilizao dos outros partidos, estudo que ainda ficapor fazer.

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    tambm constituam o lugar privilegiado pela funo de socializao do par-tido atravs da criao de identidades colectivas12.

    O processo de mobilizao do PCP ao longo dos primeiros meses datransio revela importantes caractersticas organizativas do partido e escla-

    rece a estratgia de penetrao do partido dentro da sociedade civil. Emprimeiro lugar, o esforo para implantar o partido torna-se evidente peloaumento crescente das actividades entre Maio e Outubro de 1974 (quadron. 5 e grfico n. 2): depois das grandes manifestaes unitrias do 1. deMaio, o PCP alcanou o mximo de mobilizao em Julho, ms em que,segundo quanto relata o rgo do partido, se realizaram 7 manifestaes, 70comcios e 20 sesses de esclarecimento, facto devido expanso territorialpor todo o pas e agenda poltica, que foi marcada por importantes acon-tecimentos (a queda do I Governo Provisrio e os avanos no processo dedescolonizao). Todavia, os nveis de mobilizao mantiveram-se relativa-

    mente altos tambm nos meses a seguir, provando que o processo de im-plantao do partido (atravs da abertura das sedes do partido e dos centrosde trabalho) se encontrava a um nvel avanado quando se realizou o primei-ro congresso do partido na legalidade em Outubro de 1974.

    Mobilizao do PCP por distrito, em percentagem (Maio de 1974-Maro de 1975)

    12 As sesses constituam um recurso importante para a organizao interna do partidoe a formao de novos quadros num momento de grande expanso de militantes; por isso,

    DistritosMaio

    de

    1974

    Junhode

    1974

    Julhode

    1974

    Agostode

    1974

    Se-tembro

    de

    1974

    Ou-tubro

    de

    1974

    No-vembro

    de

    1974

    De-zembro

    de

    1974

    Ja-neiro

    de

    1975

    Feve-reiro

    de

    1975

    Mar-ode

    1975

    M-dia

    0 0 1 6,8 11,5 0 0,7 7,5 6,8 2,9 2,4 3,6 5,5 7,3 11,3 4,5 12,8 0 0 3,6 5 1,2 20,3 6,516,6 2,4 3 1,1 3,8 9 4,4 5,5 7,5 8,4 8,6 6,3

    0 2,4 1 4,4 1,2 0 2,2 1,3 2,7 4,2 0,8 1,80 0 4,1 1,1 2,5 0 2,9 3,2 1,8 2,5 0 1,6

    5,5 2,4 5,1 4,5 5,1 0 0,7 7,5 7 7,2 14,6 5,411,1 7,3 17,5 1,1 10,2 18,1 13,4 8,2 4,1 1,6 11,1 9,4

    0 4,8 3 6,8 7,6 0 1,4 5,5 2,2 1,2 7,6 3,60 0 2 1,1 3,8 0 0 3,6 2,7 0,8 0,8 1,3

    5,5 2,4 2 2,2 2,5 27,2 5,2 5,5 5,2 12,7 5,4 6,8

    22,2 21,9 12,3 11,3 8,9 9 21,6 3,9 7,9 8,8 1,6 11,70 0 5,1 5,6 2,5 9 2,9 4,2 5,9 0,8 6,2 3,8 5,5 4,8 5,1 18,1 6,4 18,1 11,9 16,7 13,8 17,3 6,7 11,316,6 7,3 11,3 9 5,1 0 17,9 7,5 6,6 8,4 3,5 8,4 5,5 36,5 9,2 19,3 10,2 9 10,4 9,2 2,7 2,1 1 10,4

    0 0 2 0 2,5 0 0,7 0,3 4,3 3,3 2,7 1,45,5 0 2 2,2 2,5 0 2,2 1,9 8,4 11,4 2,9 3,5

    0 0 2 0 0 0 0,7 3,9 4,7 4,6 2,9 1,7

    Aveiro . . . . . . .Beja . . . . . . . .Braga . . . . . . .Bragana . . . . .Castelo Branco .vora . . . . . . .Faro . . . . . . . .Guarda . . . . . . .Leiria . . . . . . .Lisboa . . . . . . .

    Portalegre . . . . .Porto . . . . . . .Santarm . . . . .Setbal . . . . . . .Viana do CasteloVila Real . . . . .Viseu . . . . . . . .

    Total . . . . . .

    [QUADRO N. 5]

    Fonte: Avante!, 1974-1975, elaborao prpria.

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    191

    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    manifestaes

    comcios

    sesses

    Mobiliza

    odoPCPporactividades,em

    percentagem

    (Maiode1974-Marode1975)

    120

    100

    80

    60

    40

    20 0

    [GRFICO

    N.

    2]

    Junho

    de1974

    Julhode

    1974

    Maio

    de1974

    Agosto

    de1974

    Setembro

    de1974

    Outubro

    de1974

    Novembro

    de1974

    Dezembro

    de1974

    Janeiro

    de1975

    Fevereiro

    de1975

    Maro

    de1975

    Sesses

    Comcios

    Manifestaes

    Fonte:Avante!,

    1974-1975,elaboraoprpria.

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    192

    Marco Lisi

    Quanto distribuio geogrfica, os dados que emergem do Avante!con-firmam a facilidade de organizao em Lisboa e nas regies do Alentejo e doAlgarve, ao contrrio do que acontece nos distritos de Aveiro, Castelo Branco,Guarda, Portalegre, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, em que no houvepraticamente nenhuma actividade relevante do partido, excepto no caso dasgrandes manifestaes unitrias. De facto, ao longo do perodo considerado,os distritos onde se relatam menos comcios e sesses de esclarecimento sotodos nas regies do Norte (Viseu, Viana do Castelo, Guarda, Vila Real,Bragana, Castelo Branco e Leiria), facto que se explica tambm pela maioractividade exercida pelo MDP/CDE, no qual o PCP procurava apoiar-se parareforar a sua estrutura organizativa (e implementar as polticas reivindicadas).Todavia, ao contrrio dos comcios, as sesses de esclarecimento apresentamuma homogeneidade relativamente maior entre as diferentes regies: este factoparece o sinal de o partido procurar uma certa penetrao territorial nas zonas

    onde tinha maiores dificuldades em desenvolver as suas actividades na socie-dade civil e em recrutar novos militantes e simpatizantes.

    Analisando em pormenor as actividades do PCP, nos primeiros mesesprivilegiou-se a organizao de comcios, muitas vezes coincidindo com ainaugurao da abertura da sede do partido ou de centros de trabalho; s emAgosto houve uma inverso de tendncia, com o aumento de manifestaese de sesses de esclarecimento e a diminuio de comcios. Nesta fase datransio, as manifestaes do PCP caracterizaram-se pelo carcter unitrio,pois envolviam tambm a participao dos outros partidos do governo provi-

    srio. De forma coerente em relao unidade defendida dentro do governopelos dirigentes comunistas, tambm o PS, o PPD e o MDP/CDE participaramnas grandes manifestaes relativas aos problemas nacionais mais importantes,como, por exemplo, durante o 1. de Maio, no acto da declarao de indepen-dncia da Guin e, sobretudo, nos acontecimentos do 28 de Setembro13.

    A necessidade de expandir a prpria organizao e ao mesmo tempomanter o controlo do nmero crescente de militantes por parte da elitedirigente levou o partido a encorajar o enquadramento de cada membro ousimpatizante num dos movimentos unitrios, como, por exemplo, a Intersin-dical, o MDP/CDE ou o MDM, utilizando tambm as suas organizaesparalelas (a UEC e o MJT) para actividades de propaganda e de mobilizaoe para angariar fundos (cf. O Militante, Junho de 1975).

    as aces de formao abordavam os princpios bsicos do partido (programa e estatuto), umahistria concisa do partido e a orientao poltica (cf. Cunha, 1992, pp. 215-218).

    13 A presena do MDP/CDE foi a mais alta nos comcios organizados pelo PartidoComunista, enquanto o PPD aparece apenas uma vez numa actividade promovida pelo PCP.Quanto ao PS, embora, em termos absolutos, a presena seja inferior do MDP/CDE, os dadosmostram um nvel constante tambm em Agosto e Setembro, quando eclodiu a questo da

    transformao do MDP/CDE em partido; em geral, a percentagem da presena das outrasforas polticas apresenta um baixo nvel (mdia de 20%).

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    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    14 Como evidencia Gaspar (1992, pp. 32-34), a revoluo democrtica e nacional repre-sentava uma fase intermdia entre a revoluo socialista e a revoluo democrtica burguesa,que tinha como objectivo conjugar (e ultrapassar) a aparente contradio entre o quadro dos

    objectivos programticos do Partido Comunista e a sua ateno prioritria sobre a conjuntura,bem como a distncia entre a rigidez das posies ideolgicas e a extrema flexibilidade na aco.

    Durante esta primeira fase, a anlise do processo de mobilizao eviden-cia que a unidade entre os partidos que participavam no governo provisrioexistia apenas em volta de questes pontuais, contrapondo as foras parti-drias, por um lado, e as diferentes faces militares, por outro. Paralela-mente, os partidos organizavam-se e estruturavam a prpria relao com asociedade civil autonomamente e o PCP aproveitava as boas relaes como MDP/CDE e com o MFA para controlar os seus militantes segundo umesquema ainda semelhante ao de um partido semiclandestino, embora j sejapossvel notar neste perodo o comeo da transformao num verdadeiropartido de massas. A estruturao organizativa alcana o pice no VII Con-gresso (extraordinrio), realizado em 20 de Outubro de 1974, que pode serconsiderado uma refundio do modelo originrio: o paradigma organizativoe ideolgico baseava-se, respectivamente, na penetrao territorial e na legiti-midade revolucionria, correspondente ao objectivo final da instaurao de

    um regime socialista14. Apesar de a consolidao da coligao dominante doPCP e a sua coeso interna permitirem concentrar a aco do partido naestrutura organizativa para alcanar uma maior expanso e estabilizao, oaumento da mobilizao em volta dos principais conflitos polticos demons-trava as potencialidades do PCP de intervir na luta poltica e influenciar oambiente externo, condicionando o relacionamento entre as elites militares eos partidos, por um lado, e a sociedade civil, por outro.

    O PROCESSO DE MOBILIZAO POLTICA AT S ELEIESPARA A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

    Logo a seguir ao VII Congresso (extraordinrio) verificou-se um aumentoconstante da actividade de mobilizao interna do PCP: no perodo entreNovembro de 1974 e Abril de 1975 registou-se uma mdia mensal de cercatrezentas actividades organizadas pelo partido, atingindo o mximo nvel noms de Janeiro. A questo sindical e as discusses sobre as perspectivaseconmicas foram as causas principais do alto nmero de sesses e comciosdo PCP, mas tambm so a prova do alcance de uma mais profunda distri-buio da organizao partidria por todo o pas, demonstrada pela implantaodos organismos perifricos e dos centros de trabalho. Globalmente, se con-frontarmos as baixas percentagens de actividades nos distritos do Alentejo edo Algarve com respeito ao perodo precedente, evidente que a acoprioritria do PCP se concentrou nas regies do Centro e do Norte (quadro

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    Marco Lisi

    n. 5). Esta tendncia reflectia-se, porm, nos contnuos apelos dos dirigentescomunistas acerca do papel fundamental desenvolvido pela estrutura organi-zativa do partido e da importncia do enquadramento dos militantes.

    A viragem geogrfica do processo de mobilizao foi acompanhada tam-

    bm por uma evoluo qualitativa: as sesses de esclarecimento predomina-ram de longe sobre os comcios, enquanto as nicas manifestaes de algumaimportncia se desenvolveram em Janeiro sobre a questo da Intersindical ecom o 11 de Maro15: isso correspondia necessidade do partido de, por umlado, esclarecer as massas sobre o prprio programa depois do congresso deOutubro e, por outro, procurar consensos sobre as mais importantes polticasdiscutidas a nvel governamental16. S em Maro de 1975 houve uma maiorintensificao dos comcios devido apresentao das candidaturas para aseleies e preparao da campanha eleitoral.

    Esta expanso organizativa do PCP encontrou como (pr)condio favo-rvel a coeso da coligao dominante que procurava manter um controlosobre os nveis intermdios e perifricos da organizao, mas tambm era oreflexo do momento propcio a nvel institucional. As relaes entre o PCPe a faco gonalvista permitiram a adopo de uma estratgia mais ofen-siva que visava alargar a influncia na sociedade civil e conquistar simpati-zantes para alm da prpria classe garde. Depois do 11 de Maro, as

    polticas das nacionalizaes e das expropriaes das terras implementadaspelo IV Governo Provisrio, assim como a institucionalizao do MFA atra-

    vs da criao do Conselho da Revoluo (CR), representaram o ponto demxima convergncia entre o PCP e a faco gonalvista. A maioria do MFAliderada pelo primeiro-ministro, preconizando as medidas reivindicadas peloPCP, constitua uma fonte de legitimidade para a integrao e a mobilizaodos inscritos. Este facto demonstrado tambm pela poltica de alianas,

    pois a colaborao do PCP com os partidos que participavam no governoprovisrio foi substituda pelo suporte das organizaes paralelas do PCP ede algumas foras de extrema-esquerda.

    Se compararmos os dados relativos mobilizao do PCP antes das elei-

    es e a distribuio dos centros de trabalho (quadro n. 4), interessantenotar a correspondncia entre os distritos onde a implantao dos comunistas

    15 No foram consideradas as manifestaes unitrias que se realizaram com o 11 deMaro, em que participaram vrias foras partidrias. No sendo possvel analisar aquiaprofundadamente o papel do PCP nos acontecimentos do 11 de Maro e do 25 de Novembro,remete-se para a literatura em matria (por todos, v. Rodrigues et al., 1976, Snchez Cervell,1993, e Maxwell, 1999).

    16 importante evidenciar o facto de que foi o PCP o primeiro partido a levantar (edefender) o problema da institucionalizao do MFA em Novembro de 1974. Outros assuntos

    importantes para a mobilizao do partido foram a questo da unicidade sindical e aspolticas econmicas.

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    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    fraca e o crescimento das actividades desenvolvidas durante o perodo con-siderado (vejam-se os casos de Coimbra, Viseu, Porto e Braga). Todavia, aanlise do ponto de vista geogrfico revela ainda alguns desequilbrios relativos implantao territorial: em todo o perodo analisado os distritos com uma

    percentagem de mobilizao mais baixa so Bragana, Castelo Branco, Guardae Viana do Castelo17. Este facto parece confirmar a hiptese de o partido vira contestar o desenvolvimento das eleies em algumas regies do Norte dopas pelas dificuldades de penetrao na sociedade civil, embora neste perodosejam raras as referncias do Avante!acerca de boicotes por parte de militan-tes dos partidos do governo provisrio ou de partidos da extrema-esquerda.

    Paralelamente, o PCP apoiou e tomou um papel activo na mobilizao deassociaes e organizaes unitrias, em que muitas vezes se tornava oprincipal actor, dadas as caractersticas organizativas e a prpria capacidadede enquadramento (como, por exemplo, no caso do Servio Cvico Estudan-til) (cf. Oliveira, 2000, p. 529). Enquanto o PCP concentrou a sua activida-de no meio laboral, procurando conquistar uma posio hegemnica no seiodas comisses de trabalhadores, o MDP/CDE dedicou maior ateno scomisses de moradores: esta diviso do trabalho correspondia, porm, diferente interveno dos dois partidos na sociedade civil, que tinha origemna separao das tarefas desenvolvidas pelo PCP e pela frente represen-tada pelo MDP/CDE. Esta diferenciao exemplificada pela mobilizao naszonas de aplicao da reforma agrria, onde o PCP liderava as actividadesorganizadas nos principais centros urbanos e nas cooperativas18: os doisobjectivos principais eram, por um lado, tentar pressionar o governo para aimplementao de polticas antimonopolistas e antilatifundirias e, por outro,aumentar a expanso do PCP na sociedade civil atravs do controlo vertical,utilizando como instrumento principal as suas estruturas paralelas.

    A DINMICA DA MOBILIZAO DURANTE O VERO QUENTE

    O perodo chamado Vero quente caracterizou-se pela exacerbao dos

    conflitos entre as diferentes faces do MFA e por um alto nvel de mobi-lizao, que assumiu as formas de um verdadeiro duelo das manifestaes(Palacios, 2003). Neste contexto, a evoluo da mobilizao do PCP foicondicionada pelo ambiente externo, em particular pelo comeo dos movi-

    17 A comparao com a mobilizao durante o perodo anterior demonstra, de facto, oforte aumento das actividades do PCP em alguns distritos do Norte (Porto, Coimbra, Braga,Leiria e Vila Real) e o decrscimo nos distritos de Lisboa, Setbal e vora.

    18 Foi o prprio secretrio-geral do PCP a solicitar vrias vezes dentro do Conselho deMinistros que a reforma agrria fosse controlada pelo poder poltico, pois seria muito difcil

    controlar o processo de ocupao caso este comeasse de forma autnoma e espontnea(ACM, Janeiro-Fevereiro de 1975).

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    Marco Lisi

    mentos anticomunistas e pelos ataques s estruturas do partido, tornandosecundria a estruturao organizativa interna face aos conflitos a nvelpoltico-militar19.

    A partir de Maio de 1975, o PCP desenvolveu dois tipos de aces

    paralelas: por um lado, houve um aumento das diferentes formas de mobi-lizao e um reforo do papel desenvolvido pelas organizaes populares; poroutro, houve a tentativa de manter as relaes com os outros partidos enegociar uma soluo para sair da crise poltica aberta com a sada do PSdo governo provisrio. Este facto pode ser interpretado como a necessidadede ver qual era a soluo dentro das FA e deixar em aberto a utilizao dosvrios recursos disponveis. Se num primeiro perodo predomina o objectivotctico do partido no sentido de alterar as relaes com o PS para provocaruma maior aproximao entre os dois partidos, depois de Agosto acabou por

    prevalecer a via da mobilizao. Todavia, no momento em que se tornouclaro o objectivo de recuperar a maioria do MFA, o PCP encontrou oslimites prprios desse instrumento por no poder exercer a prpria hegemo-nia na mobilizao da sociedade civil, como demonstrou a contra-mobilizaosocialista, por um lado, e os ataques anticomunistas, por outro20.

    O trao principal da mobilizao que emergiu neste perodo o recurso smanifestaes como forma privilegiada da aco do partido21: num primeiroperodo, at Setembro de 1975, a mobilizao das foras polticas tentou

    19 A ausncia de dados nos rgos de informao do partido em relao aos comcios es sesses entre Junho e Outubro de 1975 tambm ter sido um reflexo da mudana deprioridades da estratgia organizativa do partido. Apesar de no ser possvel reconstruir nesteperodo a dinmica global da mobilizao interna do Partido Comunista, este facto noprejudica, porm, a anlise da dinmica global de mobilizao do partido em relao estratgia do PCP e ao tipo de ligao com a sociedade civil.

    20Segundo Cunha (1992, pp. 251-252), foi este facto que determinou a abertura do partido conquista de faixas sociais mais distantes e uma maior penetrao nas zonas de menorresistncia campanha comunista e a continuao de uma atitude ambivalente, fora e dentrodo governo.

    21 Sendo a mobilizao poltica o objecto principal aqui abordado, no possvel

    aprofundar outras vertentes, nomeadamente a actuao do PCP no campo social e militar.Neste sector, o PCP acabou por dar o seu apoio, sempre implcito, aos SUV, mas sem apostarprofundamente numa organizao armada que teria determinado uma confrontao aberta comos oficiais do quadro permanente afectos ao grupo dos nove (cf. Snchez Cervell, 1993,pp. 248-251, e 1995, p. 57). Porm, como afirma Isabel do Carmo, dirigente do PRP-BR,nessa altura havia organizaes armadas do PC(P) na cintura industrial de Lisboa que tinhamum sentir muito esquerda... Estavam do lado revolucionrio e disponveis para a unidade(inAvillez, 1994, p. 164). Estas organizaes referem-se aos comits de defesa da revoluo(CDR), que o PCP apoiou para desenvolverem funes de vigilncia e de defesa das conquistasrevolucionrias. A implantao territorial destas organizaes limitou-se, porm, zona deSetbal, a alguns concelhos do Alentejo, Marinha Grande e a Viana do Castelo, sem que os

    dirigentes do PCP valorizassem este recurso, pois a fora estava na organizao do partido,estava na influncia dos militares de esquerda (entrevista PCP).

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    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    influenciar a crise poltico-militar atravs do apoio aos vrios documentospropostos pelo MFA; num segundo perodo, que vai de Outubro at ao 25 deNovembro, as manifestaes centraram-se sobre questes mais pontuais etinham como objectivo a inverso da correlao de foras a nvel institucional

    e militar. Enquanto a lgica subjacente mobilizao do PCP ter sidopotenciar a fora do partido (entrevista PCP) a todos os nveis, os instru-mentos privilegiados foram as manifestaes e as greves, como demonstradopelos importantes episdios do protesto dos deficientes das FA (27-28 deSetembro) e a greve dos trabalhadores da construo civil a 11 de Novembro,que levou ao cerco da Assembleia Constituinte. Em relao s greves, aocontrrio da atitude mantida at Julho de 1975, o PCP acabou por adoptar umaestratgia favorvel, aliando-se muitas vezes s movimentaes organizadaspela extrema-esquerda-FUR (cf. Vida Mundial, 30 de Outubro de 1975).

    Analisando as principais caractersticas das manifestaes promovidaspelo PCP neste perodo, interessante comparar as manifestaes unit-rias, que englobavam as foras da extrema-esquerda, com as manifestaessectoriais (v. grfico n. 3). As primeiras desenvolveram-se de formabastante constante durante todo o perodo, embora, formalmente, o PCP notivesse entrado na FUR, concentrando-se exclusivamente na rea da GrandeLisboa, onde as foras de extrema-esquerda tinham de facto maior implan-tao. Dentro dos partidos maioritariamente presentes na aco mobilizadorado PCP, ainda o MDP/CDE que apresenta um nvel mais elevado sobretudonas formas de mobilizao unitrias organizadas nas regies do Alentejo e

    do Algarve22.Apesar do alto nmero de manifestaes, a forma mais importante da

    aco do Partido Comunista foi a utilizao da sua organizao para contestara poltica do VI Governo e a nova maioria dentro das FA atravs de vriasmodalidades, que incluem greves, manifestaes, boicotes, etc. de notarque, a partir de Julho de 1975, a estrutura do partido se manteve sempre emconstante mobilizao, sobretudo na cintura industrial de Lisboa, onde acompetio com os grupos de extrema-esquerda era maior. Exemplo disso o facto de o PCP ter chegado, por duas vezes a 4 de Julho e a 18 de

    Julho, por ocasio da manifestao convocada pelo PS , a proclamar umamobilizao geral do partido. Isso revela uma actuao relativamente autno-ma do partido e a tentativa de recuperar parte da hegemonia que perdera emrelao aos outros partidos de esquerda em certos sectores, nomeadamente

    22Segundo um dirigente do MDP/CDE, a convergncia entre o PCP e o MDP/CDE notinha uma unidade programtica, era mais uma convergncia de ocasio no quadro do processorevolucionrio para pressionar o poder. Era uma mobilizao social sem uma grande definioestratgica, um pouco escura sobre o que que se queria, era mais um movimento estticode interveno social por, por um lado, influenciar o poder poltico-militar e, por outro,

    consolidar um conjunto de medidas que orientassem o processo econmico e social do pasno sentido socialista (entrevista MDP).

  • 7/25/2019 LISI, Marco - O PCP e o Processo de Mobilizao Entre 1974 e 1976

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    198

    Marco Lisi

    nas estruturas militares, no campo laboral e no sector agrcola. Esta com-petio reflecte-se no aumento das manifestaes sectoriais organizadas emvolta das questes sociais, paralelamente diminuio das manifestaesunitrias, sinal tambm da perda de influncia a nvel institucional e da

    tentativa de recuperar potencial de reivindicao a partir da sociedade civil. evidente que, em algumas questes, sectores da extrema-esquerda sejuntaram ao PCP para influenciarem o processo de tomada de decises, masos comunistas mantiveram a liderana do papel de oposio que o partidoconduzia contra o VI Governo Provisrio. Isto demonstrado tambm peladistribuio geogrfica, pois mais de 80% das actividades concentraram-seem seis distritos, os de maior implantao do partido, facto que pode serexplicado no apenas pelos efeitos da reaco anticomunista, mas tambmpela tentativa do PCP de defender as conquistas da revoluo depois da

    inverso da correlao de foras a nvel poltico-militar a partir de Setembrode 1975.

    Manifestaes do PCP (Julho-Novembro de 1975)

    A EVOLUO DA ESTRUTURA ORGANIZATIVA DO PCPE A VIRAGEM POLTICO-INSTITUCIONAL

    Depois das eleies para a Assembleia Constituinte, a contraposio entrelegitimidade revolucionria e legitimidade eleitoral contribuiu para uma maiorhostilidade do ambiente externo face aco desenvolvida pelo PCP. Deste

    ponto de vista, a actividade dos grupos de direita contra as sedes do PartidoComunista durante o Vero quente, cujo incio emblemtico foi o ataque

    [GRFICO N. 3]

    9

    8

    7

    6

    54

    3

    2

    1

    0Julho Agosto Setembro Outubro Novembro

    Unitrias SUV Sectoriais

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    199

    O PCP e o processo de mobilizao entre 1974 e 1976

    em Rio Maior contra o centro de trabalho do PCP a 13 de Julho, teve umefeito simblico muito importante na organizao do partido e sobre a acodesenvolvida a nvel local. Em primeiro lugar, houve o afastamento de mi-litantes ou simpatizantes do partido, que desistiram do empenhamento pol-

    tico dentro do Partido Comunista (cf. Avante!,28 de Agosto de 1975)

    23

    ; emsegundo lugar, as movimentaes sociais obrigaram as organizaes locaisdo partido a uma tctica defensiva, causando tambm muitas dificuldades norelacionamento com os principais partidos do governo provisrio, envolvidosna administrao local e nacional.

    A amostra dos ataques sofridos (grfico n. 4) demonstra que a organiza-o do partido ficou muito mais fraca em alguns distritos do Centro-Norte(Aveiro, Braga, Leiria, Porto e Viana do Castelo), afectando a participao dosseus militantes ou simpatizantes24. Em relao fase anterior, em Dezembrode 1975 e Janeiro de 1976 prevaleceram os atentados bombistas contra o PCP,confirmando a viragem qualitativa dos movimentos anticomunistas que come-ara em Outubro25. Depois dos repetidos ataques s sedes e centros de tra-balho do partido, Cunhal afirmou que todos os militantes deviam considerar oreforo do partido como uma das tarefas essenciais [...] Reforar a organiza-o, melhorando o funcionamento de todos os organismos, adoptando formasde trabalho que tenham em conta a diferena da situao nas vrias regies,levando o partido a todas as empresas e aldeias onde ainda no esteja orga-nizado (Cunhal, 1976, p. 31). Neste sentido, afirmou-se progressivamente aideia da necessidade de alteraes organizativas que procurassem aplicar um

    critrio de diferenciao na implantao e desenvolvimento do partido: reco-nhecia-se, portanto, que havia zonas onde o partido devia agir de formadiferente, adaptando-se s caractersticas locais26. Este era um factor funda-

    23O rgo oficial do partido O Militanteno fornece dados relativos s desistncias dosinscritos, mas reconhece a travagem do recrutamento nas regies sujeitas aos movimentosanticomunistas (cf. O Militante, Agosto de 1975). Durante o quinto balano geral de orga-nizao (8 de Outubro) declarava-se que o nmero de membros subiu 12% em relao aoltimo balano e que em nenhuma organizao regional do pas houve diminuio dosefectivos do partido (cf. O Militante, Outubro de 1975).

    24 Veja-se, por exemplo, a situao no distrito de Bragana, onde, a 3 de Fevereiro de1976, foi assaltado o nico centro de trabalho que ainda existia. Porm, segundo algunsdirigentes do PCP, isso no foi completamente negativo, pois teria ajudado a um melhorenquadramento dos militantes, depurando o partido de elementos que no se identificavamideologicamente com o Partido Comunista (cf. entrevista PCP e as declaraes de CostaGomes in Cruzeiro, 1998, pp. 360-361).

    25Embora seja difcil traar um quadro completo das aces contra as foras de esquerda, interessante notar que as aces bombistas contra o PCP constituram, entre Junho de 1975e Janeiro de 1976, cerca de um tero do total das aces contra objectivos de esquerda,sobretudo contra as sedes e os militantes do MDP/CDE e contra outros partidos de extrema-esquerda (v. tambm Palacios, 2003, pp. 160-162).

    26Veja-se a declarao de um dirigente: Muitas vezes pensava-se agir no Norte ou noutraszonas do pas como se fazia em Lisboa... e no podia ser (entrevista PCP).

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    mental na implementao de uma estratgia defensiva responder s situa-es onde se apresentavam maiores dificuldades e ofensiva. Neste mbito,o objectivo no era apenas alargar e reforar a organizao, mas tambmfortalecer a propaganda, as organizaes sindicais, a defesa e consolidao das

    comisses de trabalhadores e de moradores e outras organizaes de base,pondo de parte a iluso, at h pouco espalhada por elementos radicalistas,da sua rpida converso em rgos do poder do Estado (id., ibid., pp. 32--33). Aqui indicava-se a modalidade com a qual se deviam atingir os objec-tivos previstos, isto , pondo de parte as estruturas do poder popularpreconizadas pelas foras de extrema-esquerda (v. o Documento-Guia daaliana povo-MFA) para continuar com um modelo de penetrao atravsda aco centralizada do partido.

    Assaltos e bombas contra o PCP (Junho de 1975-Janeiro de 1976)

    14

    12

    10

    8

    6

    4

    2

    0

    [GRFICO N. 4]

    Av

    eiro

    Beja

    B

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    CasteloBranco

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    VianadoCastelo

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    Real

    V

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    Assaltos e cercos Bombas

    Os dados empricos sobre a mobilizao do PCP demonstram que os

    efeitos dos acontecimentos do 25 de Novembro influenciaram tambm arelao entre o partido e a sociedade civil. Em geral, nesta fase houve uma

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    aposta na defesa das posies alcanadas e uma paragem na expanso daprpria organizao, visvel no apenas de um ponto de vista quantitativo sendo de longe muito mais fraca com respeito s actividades promovidasno ano anterior , mas tambm considerando a distribuio geogrfica,

    dado que em quatro distritos (Bragana, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu)a mobilizao do PCP praticamente nula. Este facto tem origem, eviden-temente, nas dificuldades scio-culturais da implantao comunista naquelaszonas e nas consequncias causadas pelos ataques das foras de direita,juntamente com o aval de grandes empresrios e expoentes ligados Igreja,que ainda continuaram at Maro de 1976. Durante o perodo consideradoressalta a fraca utilizao das manifestaes como recurso para alcanar osobjectivos estratgicos do partido. Em geral, a mobilizao do PCP nesteperodo segue a tendncia anterior s eleies de 1975: apesar de um ligeiroaumento dos comcios, a maioria das actividades concentrada nas sessesde esclarecimento. Todavia, como evidenciava o prprio CR, depois de umperodo relativamente calmo a seguir ao golpe militar, no comeo de Janeirode 1976 intensificou-se o esforo de mobilizao por parte dos partidos daextrema-esquerda e do PCP (cf. ACR, 6 de Janeiro de 1976). Este ltimo,se teve um papel marginal nas contestaes sobre os presos do 25 deNovembro27, comeou a concentrar a sua mobilizao em torno da crtica poltica econmica e social do VI Governo Provisrio relativa alta docusto de vida e ao congelamento da contratao colectiva. O outro perodoem que se verificou um maior nmero de manifestaes foi em Maro,devido defesa das conquistas revolucionrias: o PCP manifestou a suaoposio em relao s medidas aprovadas contra a reforma agrria e orga-nizou tambm uma srie de encontros para a defesa das nacionalizaes (osdistritos atingidos foram Beja, vora e Portalegre).

    O facto mais importante que neste perodo se verifica uma dinmicadiferente das manifestaes realizadas anteriormente: j no h uma perspec-tiva da escalada, de uma progressiva radicalizao, mas uma dosagem euma utilizao mais especfica, que contriburam para uma progressiva nor-malizao democrtica. Porm, enquanto a realizao de comcios no teve

    muita importncia, h uma frequncia bastante linear na organizao desesses de esclarecimento. A actividade do PCP intensificou-se em Dezem-bro, para explicar os acontecimentos do 25 de Novembro, e em Maro, ouseja, na altura da reviso do Pacto Partidos-MFA. A posio mais defensivaassumida pelo partido dentro do sistema poltico confirmada tambm pelaconcentrao da mobilizao nas zonas de maior implantao do partido.

    27A viragem poltico-militar do 25 de Novembro desencadeou, logo nos dias a seguir, umavaga de mobilizaes unitrias da esquerda como forma de protesto contra os saneamentos

    dos militares de esquerda e a continuao de actos terroristas contra as estruturas do PCP ede outros partidos esquerdistas (cf. Avante!, 2 de Dezembro de 1975).

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    CONCLUSES

    Neste artigo procurou-se caracterizar a estruturao organizativa do PCP,assim como diferenciar a estratgia de mobilizao seguida nas diferentes

    fases da transio. As estreitas relaes entre os dirigentes do partido e a elitemilitar constituram um elemento fundamental para o PCP a fim de mediaros dois objectivos principais que se impunham do ponto de vista organiza-tivo: o primeiro era a consolidao e a expanso da estrutura do partido; osegundo, exercer o maior controlo possvel sobre o ambiente externo, atra-vs dos militantes e das organizaes paralelas.

    O processo de mobilizao do PCP evidencia que na primeira fase h umesforo constante e em grande medida autnomo, apesar da colaboraocom o MDP/CDE para conseguir organizar o partido interna e externa-

    mente atravs das suas estruturas organizativas. O processo de penetraoterritorial e de expanso a todos os nveis e o reforo da prpria iden-tidade atravs da legitimidade revolucionria permitiu desenvolver umaforte integrao poltica dos militantes.

    Todavia, a evoluo do processo de mobilizao demonstra como os cons-trangimentos externos desenvolveram um papel fundamental na estratgia dopartido. Depois de uma fase de estruturao interna, cujo momento mais impor-tante foi a segunda institucionalizao atravs do VII Congresso (Outubro de1974), a estratgia de mobilizao teve uma evoluo qualitativa correspon-

    dente s maiores oportunidades criadas pela favorvel correlao de forasa nvel poltico--militar. A progressiva centralizao e interveno do Estado nasociedade e no sector econmico contribuiu para que a mobilizao fosse umaestratgia cada vez mais importante no mbito das actividades desenvolvidas peloPCP. Esta aco, todavia, era funcional, ao alcance de uma legitimao aposteriori, a partir do momento em que a legitimidade eleitoral comeou acorroer o capital de legitimidade revolucionria conquistado com a ascenso dafaco gonalvista ao poder: esta mudana reflecte-se no apenas na evoluodas formas de mobilizao poltica, como tambm nas aces de mobilizaosocial por exemplo, para legitimar a ocupao de cargos nos rgos do

    poder local, ou no caso das nacionalizaes e das ocupaes dos latifndios.O perodo de incertezas que se abriu com o Vero quente e as osci-

    laes dos equilbrios dentro da elite militar foram os dois elementos princi-pais que levaram a uma viragem da estratgia de mobilizao do PCP. Nesteperodo, o PCP utilizou o recurso da mobilizao como um meio para alteraras relaes de fora a nvel institucional. Esta presso, que visava objectivosde curto prazo, no provocou uma lgica de competio organizativa comos outros partidos: apesar da conflitualidade ideolgica, os partidos quepreconizavam a instaurao de um regime liberal-democrtico optaram por

    utilizar a mobilizao para mudarem as relaes entre os partidos e a elitemilitar e imporem a legitimidade democrtica, sem, todavia, construrem uma

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    forte estrutura organizativa (cf. van Biezen, 2003). De facto, os principaispartidos tinham como prioridade a escolha do regime e os recursos ma-teriais, estratgicos e simblicos serviram, sobretudo, para controlaras incertezas a nvel poltico-institucional, tornando secundria a mobilizao

    para uma maior estruturao organizativa. Neste sentido, as dinmicas damobilizao demonstram que a interveno dos militares no processo de tran-sio teve um papel fundamental para a fraca estruturao organizativa dospartidos a nvel da sociedade civil. Ao contrrio do que as hipteses tericasindicam, o caso da transio portuguesa demonstra que a competio partidriatem um fraco impacto sobre a forma organizativa dos partidos.

    Isto no significa que o PCP no tenha conseguido alcanar uma forteorganizao comparativamente aos outros partidos portugueses. O facto queimporta sublinhar que a dinmica da mobilizao do PCP foi subordinada

    ao alcance da prpria integrao institucional: neste sentido, o recurso prin-cipal utilizado pelos comunistas baseava-se na correlao de foras dentro daelite militar, mostrando que a conquista do poder social era um objectivosecundrio na ptica da estratgia do PCP (cf. Schmitter, 1999, p. 219).Paradoxalmente, quando os prprios dirigentes comunistas decidiram recor-rer activao da base social de apoio para influenciarem a correlao deforas a nvel poltico-militar, a aco do PCP no foi suficiente para travaro recuo do partido dentro do sistema poltico-partidrio e a sua progressivamarginalizao.

    ARQUIVOS CONSULTADOS

    Actas do Conselho Superior da Revoluo (ACR), Arquivos Nacionais da Torre do Tombo.Actas do Conselho de Ministros (ACM), Fundao Mrio Soares.

    IMPRENSA PERIDICA

    Avante! (rgo do PCP).Dirio de Lisboa.Informao e Anlise.Jornal Novo.O Militante.Vida Mundial.

    ENTREVISTAS

    Vtor Alves, Carlos Brito, Lino de Carvalho, Edgar Correia, Carlos Gaspar, Vasco Gonalves,

    Antnio Alva Rosa Coutinho, Carlos de Almada Contreiras, Manuel Martins Guerreiro,Antnio Dias Loureno, Zita Seabra, Jaime Serra, Jos Manuel Tengarrinha.

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    Marco Lisi

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