jornal universitário de coimbra a cabra - edição nº 256

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Festa das Latas 2012 com 12 mil euros de prejuízo O presidente da Direção-geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), Ricardo Morgado, adianta o valor ainda em sede de Conselho Fiscal da AAC. Apesar de ter tido o preço dos bilhetes mais baixo dos últimos anos, a quebra nas receitas ditou o saldo negativo da Festa das Latas. Morgado as- sume o erro e adianta que tudo virá descriminado no relatório que tudo indica sair do CF/AAC esta semana PÁG. 5 RELATÓRIO E CONTAS 2012 Extinção da Fundação Cultural em curso O local onde 18 secções despor- tivas da Associação Académica de Coimbra treinam diariamente está ao abrigo de um plano de co- memorações extenso que prevê entre outros: a exposição sobre a história do Estádio (onde tam- bém fica a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física), um plano de angariação de fun- dos para obras de requalificação do Pavilhão 1 e a proposta de uti- lização de salas de aula da escola básica que lhe está contígua. No entanto, a passagem da gestão do edifício para a UC faz com que já se estejam a alinhavar as condi- ções para a extinção da Fundação Cultural que, como considera a vice-reitora Clara Almeida San- tos, deixa de “ser interessante” já que a atividade ficaria muito li- mitada. Fica tudo como em 2009. A efeméride dos 50 anos do Estádio Universitário de Coimbra servirá para anunciar o programa de dez meses e também para lembrar a passagem do organismo para UC PÁG. 4 PÁG. 7 Capoeira, um jogo de ritmos Praticada na Escola de Artes Marciais,a capoeira é uma arte de movimentos e espiritualidade GONÇALO QUADROS Menos universidade, melhor universidade PÁG. 16 “A Universidade tem de ser capaz de reter os melhores jovens” “Sérgio Godinho e as 40 ilustrações” O Círculo de Artes Plásticas de Coimbra reúne vasto conjunto de ilustrações representativas do universo das canções de Sérgio Godinho. Até 2 de março. PÁG. 6 EXPOSIÇÃO 12 DE FEVEREIRO DE 2012 ANO XXII N.º 256 QUINZENAL GRATUITO DIRETORA ANA DUARTE • EDITOR-EXECUTIVA ANA MORAIS a cabra JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA Mais informação em acabra. net @ 500º Aniversário da Biblioteca Geral PÁG.9 RAFAELA CARVALHO\ Cada vez há mais casos de estudantes que, sem dinheiro, têm de abandonar o Ensino Superior. Mas há aqueles que, sem se conformarem com a si- tuação, buscam novas formas de au- tofinanciamento, de forma a poder concluir os estudos. A solidariedade social e a entreajuda têm sido a pre- missa para um sustento alternativo SUSTENTO ALTERNATIVO Estudantes procuram a solidariedade social PÁG. 2 E 3 O desenvolvimento económico de Angola não tem tido obtido um re- flexo na sociedade e no processo de democratização. A falta de direitos, li- berdades e garantias é uma realidade ainda presente no país. O controlo da Informação está presente em todos órgão de comunicação geridos por jogos de interesses e influências. ANGOLA Notório controlo na comunicação PÁG. 13 PÁG. 10 E 11 RAFAELA CARVALHO

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Edição nº 256 do Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra

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Page 1: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

Festa dasLatas 2012com 12 mileuros de prejuízoO presidente da Direção-geral daAssociação Académica de Coimbra(DG/AAC), Ricardo Morgado,adianta o valor ainda em sede deConselho Fiscal da AAC. Apesar deter tido o preço dos bilhetes maisbaixo dos últimos anos, a quebranas receitas ditou o saldo negativoda Festa das Latas. Morgado as-sume o erro e adianta que tudo virádescriminado no relatório que tudoindica sair do CF/AAC esta semana

PÁG. 5

RELATÓRIO ECONTAS 2012Extinção da

FundaçãoCulturalem curso

O local onde 18 secções despor-tivas da Associação Académica deCoimbra treinam diariamenteestá ao abrigo de um plano de co-memorações extenso que prevêentre outros: a exposição sobre ahistória do Estádio (onde tam-bém fica a Faculdade de Ciênciasdo Desporto e Educação Física),um plano de angariação de fun-dos para obras de requalificaçãodo Pavilhão 1 e a proposta de uti-

lização de salas de aula da escolabásica que lhe está contígua. Noentanto, a passagem da gestão doedifício para a UC faz com que jáse estejam a alinhavar as condi-ções para a extinção da FundaçãoCultural que, como considera avice-reitora Clara Almeida San-tos, deixa de “ser interessante” jáque a atividade ficaria muito li-mitada. Fica tudo como em 2009.

A efeméride dos 50 anos do Estádio Universitário de Coimbra servirá para anunciar o programa de dez meses e também paralembrar a passagem do organismo para UC

PÁG. 4

PÁG. 7

Capoeira, um jogo de ritmosPraticada na Escola de Artes Marciais,a capoeira é uma artede movimentos e espiritualidade

GONÇALO QUADROSMenos universidade, melhor universidade

PÁG. 16

“A Universidade tem de ser capaz de reter os melhores jovens”

“Sérgio Godinho eas 40 ilustrações”

O Círculo deArtes Plásticasde Coimbra reúne vasto conjunto

de ilustrações representativasdo universo das

canções de Sérgio Godinho.Até 2 de março.

PÁG. 6

EXPOSIÇÃO

12 DE FEVEREIRO DE 2012 • ANO XXII • N.º 256 • QUINZENAL GRATUITODIRETORA ANA DUARTE • EDITOR-EXECUTIVA ANA MORAIS

acabraJORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Mais informação em

acabra.net@

500º Aniversárioda Biblioteca Geral

PÁG.9

RAFAELA CARVALHO\

Cada vez há mais casos de estudantesque, sem dinheiro, têm de abandonaro Ensino Superior. Mas há aquelesque, sem se conformarem com a si-tuação, buscam novas formas de au-tofinanciamento, de forma a poderconcluir os estudos. A solidariedadesocial e a entreajuda têm sido a pre-missa para um sustento alternativo

SUSTENTO ALTERNATIVO

Estudantes procurama solidariedade social

PÁG. 2 E 3

O desenvolvimento económico deAngola não tem tido obtido um re-flexo na sociedade e no processo dedemocratização. A falta de direitos, li-berdades e garantias é uma realidadeainda presente no país. O controloda Informação está presente emtodos órgão de comunicação geridospor jogos de interesses e influências.

ANGOLA

Notório controlo na comunicação

PÁG. 13

PÁG. 10 E 11

RAFAELA CARVALHO

Page 2: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

2 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

DESTAQUE

Ao aliar-se a atual conjuntura socioeconómica à prática recorrente de números em detrimento de vidas, tem-se revelado cada vez mais difícil para muitos alunos permanecer no Ensino Superior (ES). Com a mudançadas normas do regulamento de atribuição de bolsas do ano letivo anterior, muitos estudantes viram estas dificuldades agravar-se. Mas houve quem não desistisse e procurasse alternativas para resistir. Por Ana Duarte e Ana Morais

Apoios escasseiam. Solidariedade aumenta

Autofinanciamento alternativo

ILUSTRAÇÃO POR CAROLINA CAMPOS

Page 3: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 3

DESTAQUE

leta de dinheiro. Em poucos dias,os valores obtidos ultrapassaramqualquer expetativa inicial. Diogoadmite mesmo que, com esta“brincadeira”, descobriu que temmuitos amigos, e todos eles dis-postos a ajudar. Mas este apoioque providenciam uns aos outrosé feito, segundo Pedro, “semprecom a consciência de que estamosa fazer um papel que não é onosso”.

Meios diferentes para o mesmo fim“No ano que a minha bolsa des-ceu, fiz uma lesão no joelho etinha de fazer fisioterapia. Gas-tava cerca de 60 euros por mêsem fisioterapia. A receber 98euros não consegui fazer face àsdespesas todas”. Já concluiu omestrado em Estudos Artísticos,mas a tarefa não foi fácil paraNilce Carvalho. Face aos cons-trangimentos financeiros quetinha, trabalhava nas férias deverão na apanha da fruta, e, aomesmo tempo, recebia algumasajudas alimentares da parte deuma tia.

Quando estava a chegar ao finaldo mestrado, não tinha dinheiropara pagar as propinas e já estavacom dívidas, porque tinha pedidodinheiro emprestado a amigospara continuar a estudar. “Foi aíque eu pensei: se cada amigo meudo Facebook me desse um euro,visto que tinha perto de 1200amigos e conhecia toda a gente,não iria custar muito a cada pes-soa”, afirma Nilce. Assim o fez e,em cerca de 12 dias, conseguiu odinheiro.Se qualquer um destes casospensou em recorrer aos Serviçosde Ação Social da UC (SASUC) ouà Associação Académica de Coim-bra? Sim, mas à partida já sabiamque não iam ter uma resposta.“Os SASUC estão a ficar cada vezmais com os pés e com as mãosatadas. Cabe-nos a nós arranjarsoluções”, lamenta Nilce. Por suavez, Diogo Barbosa é assertivo:“prefiro sinceramente tentarorientar-me sozinho”.

Maior capacidade de resistênciaTrês casos semelhantes que nas

suas diferenças nos revelam umelemento comum: a luta para so-breviver a esta sociedade em queparece faltar o Estado Social. Aoposição face à atual conjunturafoi o que moveu estes estudantes,o que, segundo Rui Namorado,lhes confere uma “capacidade deresistência maior”, comparativa-mente a quem se conforma. Otambém investigador referemesmo que “é de encorajar todasas iniciativas deste género”. Con-tudo, é perentório ao referir umaaposta na coletivização em detri-mento do individualismo. “Todasessas iniciativas deviam pôr osprotagonistas a falar entre eles”,aponta. Diogo e Pedro percebe-ram essa potencialidade e juntosvão já organizar uma febrada paraangariar dinheiro para ambos.Rui Namorado sugere comopossível solução que os estudan-tes procurem várias formas exis-tentes por todo o mundo deeconomia de reciprocidade e soli-dariedade para se poderem inspi-rar. E através disso beneficiar dosseus potenciais, mas nunca es-quecendo a lógica de coletivo. O

professor invoca assim a necessi-dade de «as pessoas perceberemque o “desenrascanço” individualtem outra dimensão se se congre-gar com outros e complementá-los».Apesar destes estudantes terema noção de que estão a cumpriruma missão que não é a deles, ascríticas não se restringem ao Es-tado. Também a Associação Aca-démica de Coimbra e a própriaUC são referidas como entidadesque ficam aquém das necessida-des atuais dos estudantes. No en-tanto, Rui Namorado vai maislonge e considera que “a pressãosobre o serviço social deve serpermanente e a capacidade detomar a iniciativa própria tam-bém”, ao mesmo tempo que se“exige ao máximo a interferêncianas técnicas de apoio social”. Pe-rante estas ideias inovadoras,estes estudantes mostraram que acapacidade de iniciativa resulta,mas nunca sem se desistir de umpapel interventivo. “A solidarie-dade não deve substituir o Estado,mas pode ser um complemento”,apura o investigador.

Perante estas ideias inovadoras, estes estudantesmostraram que a capacidade de iniciativa resulta,

mas sem nunca desistir de um papel interventivo

A situação do ES éapenas um reflexodo quotidiano dopaís. Cada vezmais se troca isto eaquilo que demais pessoal setem para tentarsair de situaçõesde aflição

esde o ano letivo de2011/2012, aquando dainstauração do novo re-

gulamento de atribuição de bol-sas, muitos dos estudantes doEnsino Superior viram-se semmeios para prosseguir estudos.Créditos que faltavam obter, pe-quenas dívidas à Segurança So-cial, as mudanças do valorpatrimonial ou até mesmo a defi-nição clara de auxílios de emer-gência levaram a que muitosbolseiros perdessem o apoio eque, consequentemente, ficassemnuma situação insustentável. NaUniversidade de Coimbra (UC),alguns não tiveram outra hipótesesenão abandonar os estudos. Masessa via não foi aceite por todos.Houve quem ficasse apesar dasadversidades, encontrando for-mas alternativas de se autofinan-ciar.A situação do ES é apenas umreflexo do quotidiano do país.Cada vez mais se troca isto eaquilo que de mais pessoal se tempara tentar sair de situações deaflição. Para Rui Namorado, pro-fessor da Faculdade de Economiada UC, “o Estado funciona insufi-cientemente porque a própria so-ciedade não tem recursos”. Cadavez mais se vê surgir em cada es-

quina uma loja de venda e trocade ouro, de velharias, de roupausada. Tudo se põe à venda e setroca, para se ir ganhando algum.E agora, são os mais jovens que ofazem.Com a crescente desresponsa-bilização do Estado social paracom os cidadãos que veem os seusdireitos mais elementares gora-dos, há que encontrar mecanis-mos de sobrevivência. A ideia decumprir um papel que não é onosso e de substituir uma funçãoque é do encargo do Estado ganhacada vez mais contornos. Assim,os estudantes aparecem comouma das franjas da sociedade queé mais afetada com a referida des-responsabilização. A depender dafamília, a reger-se com apoios so-ciais e a verem perdidos esses di-reitos, os estudantes não escapamà conjuntura. Mas, são os mesmosque mostram a criatividade ne-cessária para resistir à situação.Como aponta Rui Namorado,uma das soluções passa pelo“pensamento crítico” dos jovens eda sua libertação face às imposi-ções.

A teia de solidariedade Na UC, têm surgido vários casosde financiamento alternativo. A

solidariedade e o conceito de en-treajuda está na base de todoseles. O sucesso que estão a ter é aprova disso.Diogo Barbosa, estudante docurso de História da Faculdade deLetras da UC (FLUC), perdeu abolsa devido ao novo regulamentopara a sua atribuição. Não tendoconseguido matricular-se nesteano letivo, por não ter pago aspropinas do ano anterior, conti-nuou a frequentar as aulas. Maistarde, em dezembro de 2012, efe-tuou o pagamento das propinas.Depois de já ter realizado algunsexames na época normal, perce-beu que tinha prescrito por cincocréditos. “Como prescrevi, tinhade pagar 600 euros mais umamulta de 75, e ainda um requeri-mento de dez euros e esperar pelaresposta”, explica Diogo. Para evi-tar essa espera, surgiu a ideia,entre amigos, de “ir cozinhar acasa das pessoas e cobrar umaquantia ridícula [2 euros]”. Paradivulgar a sua ideia utilizou a redesocial Facebook e, em menos deuma semana, atingiu uma pro-porção inesperada; recebeu ajudade várias pessoas e recebeu pedi-dos de vários sítios para fazer umarefeição. “Cozinhe em sua casa” éo nome do projeto, cujo design,

“de pessoas simples para pessoassimples”, afirma Diogo, foi feitopor uma estudante da área queviu a ideia e se ofereceu para aju-dar.Um outro estudante, Pedro[nome fictício], também perdeu abolsa com o novo regulamentopor incumprimento de créditosnecessários, tinha feito apenassete das oito cadeiras necessárias.“O Estado desistiu do investi-mento que tinha feito em mim” -é assim que encara a sua situação.Sem desistir, procurou algo que“as pessoas consumissem inde-pendentemente do preço” parapoder vender. O tabaco foi a res-posta imediata e, mais uma vez, oFacebook ajudou na publicidade,com a criação da página “Tabacosem Capas”. Recebendo as folhasinteiras, o processo, assegura, “érápido e mais saudável”, não háqualquer aditivo químico e a pre-paração e embalamento são dasua responsabilidade. Aindaassim, o preço é mais baixo que ovalor de mercado. Reconhecendoque este não é um procedimentototalmente legal, a necessidade definanciamento assim o obriga.Ambos os casos revelam comoa teia de solidariedade se revelourápida e tem sido eficaz nesta co-

D

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ENSINO SUPERIOR4 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

A atribuição do saldo positivo da última Queimadas Fitas para as secçõesculturais e núcleos estáem embargo porque o rela-tório ainda não foi apro-vado. Mas a DG/AAC járetribuiu parte do dinheiro

Outro relatório. Outros envolvi-mentos. O relatório de contas daQueima das Fitas (QF) 2012 aindanão foi aprovado. Em causa está odesbloqueamento de verbas para oConselho Desportivo e Direção-geralda Associação Académica de Coim-

bra (DG/AAC) que foi concedido semserem fechadas as contas. Quanto ao empréstimo concedido

à DG/AAC fez com que o fundo demaneio da Queima das Fitas ficasseindisponível para outros adianta-mentos. O Conselho Cultural(CC/AAC) que reclamara tambémesse adiantamento assistiu ao seuatraso até à aprovação posterior dorelatório – “pedimos o adiantamentourgentemente, porque o período cul-tural mais ativo é de janeiro a junho,onde existem mais despesas, maisatividades por parte das secções. Istoporque a QF não tem esse capital naconta, não tem capital para entre-gar”, lamenta o membro da Comis-são Executiva do Conselho Cultural,Diogo Alves. O desbloqueamento das verbas es-

tará agora calculado pois “uma vezque a DG/AAC já devolveu parte do

dinheiro que foi emprestado, a QFtem condições de para a semanapoder assegurar que todas as entida-des que têm direito a receber a dis-tribuição de verbas”, atesta João LuísJesus. Entidades como o ConselhoDesportivo/AAC, o CC/AAC, a pró-pria DG/AAC, o Conselho de Vetera-nos e o Conselho Inter-Núcleospodem assim receber as verbas. “Vãoreceber pelo menos 50 por cento daverba a que têm direito, o resto ficadependente do saldar da dívida daDG/AAC para com a QF”, lembra oDux Veteranorum.

Empréstimo e venda deVouchers superada“Fui sincero desde o início do man-dato ao dizer que a AAC passava di-ficuldades. Chegámos a uma alturaem que tínhamos falta de liquidez eimplicava toda a casa. Daí recorre-

mos à Queima das Fitas, que foi soli-dária connosco”, justifica RicardoMorgado. Quanto ao motivo do di-nheiro servir para organização daFesta das Latas (FL2012) do ano an-terior porque não haveria fundo,Morgado garante que o que é “com-plicado é a quantidade de custosfixos em cada mês, de uma falta deliquidez e a FL2012 está incluída nascontas da DG/AAC”. O compromisso, esse, ainda não

está saldado na totalidade. DiogoAlves e Miguel Franco (tambémmembro do Conselho Desportivo)acreditam na justificação daDG/AAC para o adiantamento e per-cebem a situação “muito difícil dacasa”, afirma Miguel Franco.A situação anunciada interna-

mente era a de que a QF já não teriadinheiro para distribuir porque tinhaemprestado tudo à DG/AAC e ao

CD/AAC, mas não foi o que se suce-deu. “A QF não tem esse capital naconta, não tem capital para entre-gar”, diz Diogo Alves. No entanto,Miguel Franco explica que há di-nheiro - “a QF já prevê no próprio re-gulamento duas verbas - 30 mileuros fixos para despesas diferidasque estão cativos na conta e depoishá uma verba cativo para começar otrabalho e toda esta verba está guar-dada, não pode ser usada para outromeio”.Quanto à venda antecipada de

vouchers o dinheiro já está a servirpara fundo de organização. As pri-meiras bandas vão ser anunciadas jáesta semana: “este dinheiro vai ser-vir para a contratação de algumasbandas”, adianta o secretário-geralda QF2013, André Gomes. Tambémo relatório da QF está previsto estarfechado esta semana.

Verbas da Queima desbloqueadas após aprovação do relatório

Liliana Cunha

Nova gestão e desafios para o EUCO Estádio Universitário aproveitará os dez mesesde comemorações para arrecadar fundos para a requalificação do espaço. A afetação de volta à Universidade deixa a Fundação Cultural a caminho da extinção

O Estádio Universitário deCoimbra (EUC) faz amanhã, 13,cinquenta anos. Em funciona-mento estreito com a AssociaçãoAcadémica de Coimbra (AAC) ecom as suas secções desportivas,tem servido de espaço à prática dedesporto feito por atletas univer-sitários e não só. O objetivo dareitoria é “alertar para o estadoem que algumas infra-estruturasse encontram. Durante estes dezmeses vamos fazer uma campa-nha de angariação de 250 mileuros”, explica a vice-reitora paraa comunicação e cultura da UC,Clara Almeida Santos.Para as comemorações tambémse inclui uma mostra/exposiçãodo que “lá se fez, o que se faz e opotencial que o Estádio tem paraas secções de AAC que lá trei-nam”, adianta a vice-reitora. Deresto, a Fundação Cultural daUniversidade de Coimbra e osseus organismos passam de voltapara a UC: “já não é interessantemanter a fundação e as activida-des passarão novamente para olado da UC como era antes de2009”, atesta Clara Almeida San-tos. Assim, a receita a gerar pela

instituição da taxa utilizador-pa-gador já negociada anteriormentereverterá para a Universidade. Avice-reitora que ficou com a rea-bilitação e gestão do espaço acre-dita que a instituição para onde váo dinheiro “pouco importa”.“Agora com a perspetiva do es-tádio deixar de estar afetado àFundação Cultural da universi-dade e passar a estar integradona UC essa pasta não fica co-migo”, explica Clara Almeida San-tos. Fica assim ao dever de HelenaFreitas, vice-reitora para as rela-ções institucionais.

Novos projectos de requalificação“Os 50 anos são a primeira pedrada reabilitação do Estádio”, asse-vera Helena Freitas. E no que tocaa isso, um primeiro projeto éavançado pela mesma. “Estamosa contar com a própria requalifi-cação de toda a área inerente à in-tervenção no Convento de S.Francisco e com a possibilidadede chegarmos a um acordo com aFaculdade de Desporto e Educa-ção Física da Universidade deCoimbra de ocupar pelo menosparte das instalações da EscolaSilva Gaio”, avança a vice-reitora.O trato seria o de ocupar algumassalas abolindo a via que separavaa Faculdade da Escola BásicaSilva Gaio. Há um enquadra-

mento exterior ao estádio quepode então condicionar essefacto. Helena Freitas lembraainda que são planos que depen-derão sempre da oportunidade definanciamento que houver. “Háuma proposta que a câmara mu-nicipal patrocina mas depende deoutros ministérios. Isso implica-ria que a FCDEF permanecessenaquela zona”, adianta a vice-rei-tora para explicar que a falta decondições e espaço desta Facul-dade pode assim ser passível deremediar.A Universidade faz esforço paramanter o EUC. Em três anosforam lá “colocados um milhão e500 mil euros só para manter aporta aberta sem possibilidade dereabilitar nenhum dos espaços”,evoca Clara Almeida Santos. Apossibilidade de Coimbra poderreceber os EUSA Games, em2016, pode catapultar o EUC paraum papel definitivo na estratégiada UC. “Seria excelente receberaqui os jogos olímpicos do des-porto universitário. Era fôlegopara o Estádio ser aquilo quepode ser”, assinala a vice-reitora.Quanto às negociações para osatletas da secção pagarem umaquota pela utilização do espaçoestiveram paradas. Mas HelenaFreitas promete continuar numaperspetiva de equidade, já que aprópria “FCDEF paga uma rendaà UC pela utilização do EUC. Seuns pagam, os outros tambémtêm de pagar”. Em representaçãodo Conselho Desportivo da AAC,Miguel Franco salienta que o maisimportante é a noção de que “odesporto e as secções desportivassão o maior meio de fixar estu-dantes da UC que, em vez de irempara fora, ficam cá”. O EUC situa-se na margem esquerda do rio Mondego

ARQUIVO - OLGA JUSKIEWICZ

Liliana Cunha

“Seria excelente receber aqui os‘Jogos Olímpicos’ do Desporto Universitário”

Page 5: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 5

ENSINO SUPERIOR

O segundo mês de 2013continua sem números relativos às contas feitaspela DG/AAC no ano anterior. No entanto, Morgado, que tomouposse pela segunda vez,adianta que a Latada deuprejuízo em 12 mil euros

“Isto nunca aconteceu antes, mas averdade é que o que estamos a fazer érespeitar os prazos”, assegura o atualpresidente do Conselho Fiscal da As-sociação Académica de Coimbra(CF/AAC), Jorge Resende. Envoltoem polémica por ser o primeiro dosúltimos tempos a ser apresentado de-pois da tomada de posse de um novomandato, o relatório está sem núme-ros para todos os efeitos. Os sócios daAAC, com novos corpos gerentesdesde o dia 24 do mês passado, aindanão conhecem o saldo real de todasas contas que foram prestadas nomandato anterior e o presidentemanteve-se. Quanto à tomada deposse da nova equipa, Ricardo Mor-gado cumpriu a norma do artigo 151ºdos estatutos ao assumir funçõescerca de quinze dias “excluindo fériasescolares” depois da ata final de elei-ção.

“Transparência”Jorge Resende acredita que o tempode análise do relatório é o natural: “setivéssemos convocado a AM antes datomada de posse aí é que estava al-guma coisa de errado. Era sinal quenum tempo recorde tínhamos anali-sado um ano de contas”. Mas a estra-nheza persiste. Morgado atesta que,desta vez, está a ser um exercíciomais “escrutinado e transparente”.Teima também em afirmar que hádados que nunca foram incluídos evão estar no relatório. É o caso damargem do passivo da AAC que foiagravada. O presidente de 2012 as-sume-o: “faltam-nos alguns dadospara confirmar a agravação do saldonegativo”. O relatório e contas de2012 já foi para trás: “propusemos al-gumas correcções”, esclarece o presi-dente do CF/AAC. “O que éimportante para o CF é que essas des-pesas estejam todas no relatório eque não haja omissões, manobraspara disfarçar alguma coisa”, frisaJorge Resende.“Fizemos a Festa das Latas mais

barata dos últimos anos, no preço dosbilhetes”, lembra Ricardo Morgado.Porém a mesma deu prejuízo: resul-tou em “cerca de 12 mil euros”, enu-mera o presidente da DG/AAC. Oprimeiro número está adiantado.Mas a gala dos 125 anos na opiniãode Jorge Resende também está assi-nalada no relatório como dano nascontas: “poderiam ter sido mais cau-

telosos”, assevera. Quanto à recentepropagação de rumores no que tocaaos relógios encomendados pelaDG/AAC à Ourivesaria Góis, Mor-gado e Carlos Goís, gerente das lojas,têm algo a dizer. “Não há nenhumaqueixa em tribunal, o que houverpara ser resolvido é entre nós e aAAC”, afirma Carlos Góis. Morgadodeclara que “não foram encomenda-dos 125 relógios, mas 50”. Antes deos adquirir fez-se uma pré-venda,para dar à DG/AAC o fundo que per-

mitisse entregar o dinheiro à ourive-saria. O preço apontado para o reló-gio fixa-se nos 590 euros. O que falta“é ultimar com a ourivesaria a vindados relógios para fazermos as trocasde verbas. Em cada relógio a AAC re-cebe uma margem”. Carlos Goís in-siste que não há nenhuma questãosuspensa, mas hesita quanto à dívida.De resto, o mesmo até se predispõe a“vender os relógios” nas suas lojas sea AAC assim o desejar, já que não háum posto de venda.

Como foi nos últimos mandatos?No que toca ao relatório, Morgadoafirma que “é sempre entregue todosos anos por volta do dia 20 ou 21”.Com efeito e apontando para o artigo50º [ver caixa], a prática pode dar-seaté à terceira semana do ano civil.Morgado apresentou a 21 de janeiroo relatório ao CF/AAC. No entanto,nem Eduardo Melo nem Miguel Por-tugal – seus antecessores, o fizeram,embora Morgado diga que sim. Eduardo Melo, presidente da Dire-

ção-geral da AAC (DG/AAC) cessanteem 2011, viu o relatório de contas doseu mandato ser aprovado numa As-sembleia Magna (AM) a 25 de ja-neiro. Portugal viu as suas contasserem votadas pelos sócios a 19 de ja-neiro de 2010. Morgado, reeleito,ainda não apresentou números. “Oque acontecia era o CF/AAC dar o pa-recer num ou dois dias e haver AM nasemana a seguir. Os fiscais anterioresemitiram em parecer que era neces-sário mais tempo de análise”, explicao actual presidente da DG/AAC. Aavaliação do Conselho Fiscal pode es-tender-se até quatro semanas, o quefaz com que o parecer tenha de seremitido até à próxima semana.

AM de relatório e outra de orçamento“A Assembleia Magna tem de ser estemês. Espero que ontem tenha sido

mesmo a última reunião”, admite Ri-cardo Morgado. A convocação da AMpara votação do relatório e contas de2012 estará a cargo do CF/AAC queapós emitir parecer convoca a AM.Jorge Resende garante que, “à par-tida, seja positivo ou negativo” estaráa análise pronta. O presidente doCF/AAC não tem problemas em dizerque “se tiver que dar parecer negativodarei, isso posso garantir. Não de-pende só de mim, há mais sete”.Mas estará prevista outra AM para

março. Com intuito da DG/AAC fazercumprir um dos projetos do novomandato - apresentar um orçamentopara este ano. Para “fazer execuçãoorçamental, saber se houve derrapa-gens financeiras. Só assim se saberá arealidade das coisas”, explica o presi-dente da DG/AAC. E acrescenta que“as contas da AAC não têm de andarnos jornais, não têm de andar nosblogs, mas se andam é porque hápouca transparência para os própriossócios e tem de ser internamente quetemos de resolver esse problema paraestarem informados para o bem epara o mal”. Morgado parece não terreceio dos alaridos, tapa-se com averdade dos estatutos e está prontopara responder – “estamos a fazer ascoisas de modo diferente e quando sefaz à primeira é-se criticado e poucasvezes elogiado. Há coisas que as pes-soas vão compreender, outras não”,redime-se.

O presidente do CF/AAC, Jorge Resende, acredita que “à partida” o parecer é emitido esta semana

ANA MORAIS

Artigo 50ºCompetências do TesoureiroÉ da competência do tesoureiro:

c. Elaborar o relatório anual e contas e apresenta-lo ao Conselho Fiscal até três semanas após o final do ano civil, devendo este relatório ser disponibilizado a qualquer sócio que o pretenda até dois dias úteis antes da Assembleia Magna para a sua aprovação.

Artigo 59ºCompetênciaCompete ao Conselho Fiscal:

c. Emitir parecer sobre o relatório anual e contas da Direção-Geral e apresenta-lo à Mesa da Assembleia Magna até quatro semanas após a entrada em funções da Mesa.

Artigo 151ºTomada de posseA ata final deve ser apresentada até vinte dias úteis após escrutínio e osmembros eleitos tomam posse em cerimónia pública até quinze dias de-pois da publicação da ata final, excluindo período de férias escolares.

ESTATUTOS DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA

Um relatório sem números

Liliana Cunha

RELATÓRIO E CONTAS DA DIREÇÃO-GERAL DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA 2012

Page 6: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

CULTURA6 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

cápor

24FEV

LeiTura enCenadaCapC - edifíCio sede15h00 • enTrada Livre

cultura

CineMaTaGv

21h304€ C/desConTos

MúsiCasaLão BraziL22h00 • 5€

MúsiCasaLão BraziL22h304€ C/desConTos

apresenTaçãoCafé-TeaTro TaGv

18h30 • enTrada Livre

Por Daniel Alves da Silva

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dançaTaGv • 21h30 7,5€ C/desConTos

TeaTroTCsB21h3010€ C/desConTos

CineMaCasa da esquina

21h00 • enTrada Livre

TeaTrooMT

22h00 • 4€

5FEV

"NATUREZA MORTA"

"CONTA-ME COMO É"

"LABORATÓRIO TEATRO E COMUNIDADE"

FEV

12

28FEV

FEV

14EMMY CURL

"PAGAR? AQUI NINGUÉM PAGA!"

"ZEITGEIST: O FILME"

"UM GESTO QUE NÃO

PASSA DE UMA AMEAÇA"

"DESTE LADO DA RESSURREIÇÃO"

OS CAPITÃES DA AREIA

"LANÇAMENTO DAREVISTA VIA LATINA"

22FEV

25FEV

14 a 15FEV

20FEV

40 ilustradores desenham ouniverso de Sérgio GodinhoDe portas abertas até dia 2 de março, o CAPC dá a conhecer a sua novaexposição, que reúne 40ilustrações de 40 cançõesde Sérgio Godinho

As canções ilustradas de SérgioGodinho ocupam as paredes do Cír-culo de Artes Plásticas de Coimbra(CAPC), numa relação cúmpliceentre as palavras e os desenhos danata da ilustração nacional. Ostemas desdobram-se em múltiplasinterpretações, manifestando assimo olhar único, mas transmissível, decada ilustrador.Numa exposição onde, explica o

diretor do CAPC, Carlos Antunes, “oterritório estrito da arte contempo-rânea é aberto a outras manifesta-ções artísticas”. As canções de SérgioGodinho, que, acrescenta Carlos An-tunes, são consideradas “patrimónionacional” por uma vasta maioria, fi-guram nas paredes desta casa emimagens ousadas de diversos ilustra-dores que segundo o curador da ex-posição, João Paulo Cotrim,“poderiam abordar de forma dinâ-mica e variada – no estilo e nas téc-nicas – estas canções”.Esta exposição resulta de uma se-

leção de ilustrações criadas original-mente para o livro “Sérgio Godinho eas 40 ilustrações”. João Paulo Co-trim foi o responsável pela escolhados ilustradores para as canções pre-viamente selecionadas por SérgioGodinho. A ideia, que persistia há jáalgum tempo, foi ressuscitada “àmesa da amizade”, pelos dois. Omote, segundo o curador, foi “rein-

terpretar as canções do Sérgio comoutros instrumentos: as imagens”.O universo de Sérgio Godinho é

“habitado por personagens tão ca-rismáticas que vivem as mais diver-sas histórias em cenários tãovibrantes”, que, confessa João PauloCotrim, “estavam mesmo a pedir ailustração”.

Canções intemporaisPelas mãos de João Paulo Cotrim, osilustradores receberam as cançõesque tentaram reinventar. Através davoz de cada ilustrador, as palavras deSérgio Godinho são traduzidas emimagens que revelam a essência dascanções. “Acabámos por reinventaruma canção”, reforça Ana Biscaia, aquem coube ilustrar o tema “Em-boscadas”, um original do disco “NaVida Real”.Ainda que reconhecido por todos,

Sérgio Godinho apresenta pormeno-res encobertos que, como adita oilustrador Esgar Acelerado, obriga osque se aventuram a desenhar as mú-sicas a conceberem “uma imagemcompletamente desprovida de qual-quer referência anterior”.Esgar Acelerado é ilustrador de

uma canção que remonta a 1979,“Arranja-me Um Emprego”, que 33anos depois ainda espelha as ansie-dades contemporâneas. O caráter re-volucionário das canções de SérgioGodinho é corroborado por CarlosAntunes, que assim justifica a visitada exposição à cidade de Coimbra,portadora ela própria de uma “di-mensão revolucionária”.O director do CAPC assume que

perante o estado onde o país se en-contra é “da maior relevância poderdar voz às canções do Sérgio”, e umadas melhores formas é certamente“através das imagens criadas pelosilustradores”, presentes na exposi-ção no CAPC até ao dia 2 de março.

De 1 de março até 1 de maio decorrerá a XV Semana Cultural da UC.O programa será revelado,na sua totalidade, no próximo dia 21 de fevereiro

A XV Semana Cultural da Univer-sidade de Coimbra (UC), subordi-nada ao tema “Ser de Água”,multiplicar-se-á numa programaçãoque se estenderá durante dois meses.Polissémico, o tema permite umapluralidade de desconstruções, sim-bolizadas pela diversidade de even-tos e atividades que serão oferecidosaos estudantes e à cidade.A vice-reitora para a Cultura e Co-

municação da UC, Clara AlmeidaSantos, avança com os motivos da es-colha deste tema. Em primeiro lugar,“celebra-se em 2013 o ano interna-cional de cooperação ao acesso àágua”. A água, matriz da vida, é tam-bém símbolo do “regresso ao essen-cial”, motivado pelo atual contextosocioeconómico, que se manifestaatravés da “busca do que é mais im-portante”. Por último, Clara AlmeidaSantos salienta a “dupla perspetiva,de separar e unir”, característica daágua: os oceanos que nos separam,mas também nos unem ao Brasil e aoOriente. Regiões que marcam estaSemana Cultural. O Oriente: “nesteano comemoram-se os 500 anos dachegada dos portugueses à China”,explica a vice-reitora. Haverá, porisso, e à semelhança do ano passado,um dia dedicado ao país, a 20 demarço. Por outro lado, o Brasil mar-

cará presença em eventos integradosna programação do “Ano do Brasilem Portugal”.

Uma mostra cultural para os estudantesApesar de se ter expandido, alar-gando-se a uma mostra voltada paraa cidade, com atividades em locaisque, muitas vezes, não são espaçosexclusivos da UC, a programação “éfeita a pensar, em primeiro lugar, nacomunidade universitária”, esclarecea vice-reitora. E embora o envolvi-mento direto de alguns núcleos naspróprias atividades da Semana Cul-tural, não se consegue “alcançar demaneira massiva o público universi-tário”, lamenta Clara Almeida San-tos.O arranque da Semana Cultural

será marcado, como habitual, pelacelebração do aniversário da Univer-

sidade, no dia 1 de março. Este anohaverá uma conferência do embaixa-dor João de Deus Ramos, vencedordo prémio UC, sendo que à noite iráocorrer um concerto comemorativodos 723 anos da UC, no TAGV. Inti-tulado “Ser de Água e Música”, oevento terá a Orquestra Clássica doCentro, sob a batuta do maestroDavid Wyn Lloyd, a interpretartemas que se cruzam com o espíritoda Semana.Apesar da falta de motivação de al-

guns estudantes, que se inibem departicipar em actividades culturais,Clara Almeida Santos deixa uma su-gestão. “Deviam inverter a marcha eexperimentar”, referindo as váriasactividades “para todos os gostos”. Avice-reitora acrescenta que se cadaum dos estudantes for a um doseventos, serão “23 mil espetadoresgarantidos na Semana Cultural”.

Água como ponte entre diversidade de eventos

RAFAELA CARVALHO

O músico marcou presença na inauguração da exposição, no dia 2

Daniel Alves da Silva

Daniel Alves da SilvaAna Sousa

até

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12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 7

DESPORTO

A capoeira é uma das várias artes marciais que podem ser praticadas em Coimbra.Por detrás dos rápidos movimentos que a caraterizam, escondem-se rituais de espiritualidade e músicas fortes, que a tornam numa importante fonte cultural.Por João Valadão. Fotografias por Rafaela Carvalho

berimbau está to-cando, a roda se estáformando” na EscolaDe Artes Marciais de

Coimbra - COIMBRAMMA. Ritmos ecanções da Terra de Vera Cruz espa-lham-se pelo ginásio, situado nosexto piso do Centro Comercial Ave-nida. Um pequeno grupo ocupa-se deum conjunto de instrumentos arcai-cos é a primeira parte do treino de ca-poeira.“É uma arte inventada pelos escra-

vos vindos de Angola, para o Brasil”,começa por explicar o aluno e tam-bém professor de capoeira, MiguelRuivo. Face à proibição de praticarqualquer tipo de arte marcial, a ne-cessidade de disfarçar este costumelevou à criação da capoeira. “Os as-petos mais acrobáticos da capoeirasão esse disfarce, quando aparecia ofazendeiro, eles [os escravos] come-çavam a dançar”, adianta MiguelRuivo. Mas se os capoeiristas viram asua prática condenada durante o do-mínio português, a repressão conti-nuou durante o século XIX, com oGoverno a decretar a sua proibiçãoem 1890. Só na primeira metade doséculo XX a perseguição abranda eem 1932 abre a primeira academia decapoeira do mundo.Considera pelo presidente brasi-

leiro, Getúlio Vargas, como “umacoisa bem brasileira”, a capoeira éhoje uma parte integrante da culturado Brasil e uma arte marcial prati-cada um pouco por todo o mundo. Asimplicidade dos seus instrumentosimprovisados remete para as suasorigens pobres e para as fazendas dointerior brasileiro. Para contrariar acrença popular de que na capoeira oobjetivo é não acertar no adversário,Miguel Ruivo sustenta que o que seaprende “o desvio de uma maneiraelegante”, não descartando a possibi-lidade de acertar no adversário.

Ritmos e espiritualidadeDistinta pela sua história, pelos seusritmos e movimentos, a capoeira di-vide-se em três estilos principais: an-gola, regional e o contemporâneo.Praticada pelos escravos negros nosremotos tempos de escravatura, a ca-poeira angola vê a sua arte personifi-cada no mestre Vicente Ferreira ou“Pastinha”, como é conhecido. “Éuma capoeira mais ligeira, mais jo-gada, mais lenta e muito mais ele-gante”, comenta Miguel Ruivo.Dinamizado pela altura da sua le-

galização e intimamente ligado à pri-meira academia de capoeira, o estiloregional move-se por um ritmo dife-rente. “Foi idealizado por Manoel dos

Reis Machado, o mestre “Bimba”, e émais rápido, acelerado, mais à baseda luta”, explana ainda o professor decapoeira. Com o passar dos anos a ca-poeira viu uma evolução, que tam-bém passou pela conjugação deelementos do estilo angola e regional.Mais do que uma luta ou um jogo,

a capoeira carateriza-se pela sua es-piritualidade, bem como a expressãode vidas reprimidas ou sentimentosde alegria. Miguel Ruivo esclareceque “há na capoeira angola as ladai-nhas, músicas que retratam variadís-simos acontecimentos”.A origem ancestral da capoeira traz

com ela um significado de espiritua-lidade, também ligada à evoluçãogradual do capoeirista. Miguel Ruivoconta a ligação da arte marcial aoscultos religiosos africanos: “a ca-poeira está muito ligada ao candom-blé e aos Orixá [divindades]”.“Muitas das músicas que ouvimosaqui são chamamentos a Iemanjá”,acrescenta. É imbuído nessa vertenteespiritualista que o capoeirista realizao seu primeiro batismo, onde recebea sua primeira corda e o seu nome.

A capoeira na Escola da Artes MarciaisJá com alguma prática no berimbau eorientação no treino, Guilherme

Franco é um dossete praticantes per-manentes de ca-poeira na CoimbraMMA, um númeroque tem vindo aaumentar recen-temente. Comoito meses deprática, o jovemexplica que “eraalgo que queriafazer desde pe-queno” e que ae x p e r i ê n c i a“tem sido defi-nitivamente be-néfica”.Miguel Ruivo

salienta o elevadonúmero de alunosErasmus a prati-car esta artemarcial. Umnúmero que,pela sua pró-pria natu-reza, érotativo deano paraano. Atra-vés da aprendi-zagem de instrumentos e daspróprias letras das canções, os ca-

poeiristas vão interiorizandoaos poucos as origens e prin-cípios da sua prática. O pro-fessor explica que uma dasprincipais preocupações é“focar a parte cultural” e que“as pessoas toquem os ins-trumentos e se envolvam”.Para além dos treinos sema-

nais, a escola não tem agendadoeventos fixos. Miguel Ruivo lem-bra que o ano passado aconteceuna cidade o Eurogym, onde aCoimbra MMA deu ‘workshops’de capoeira a pessoas de diver-sas nacionalidades. A intera-ção com outros grupos dá-secom a criação de convívios,tanto a nível nacionalcomo internacional.À motivação da prá-tica física e à criação denovas amizades, princí-pios de qualquer práticadesportiva, juntam-seos ritmos quentes tra-zidos do Brasil e daÁfrica subsarianapara criar uma dasartes marciais maisanimadas e apela-

tivas da atua-lidade.

CAPOEIRA - COIMBRAMMA

Da necessidade da luta: umsignificado, uma expressão

“O

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CIDADE8 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

Criado no segundo semestre de 2012, o Gabinete de Relaçãocom o Munícipe foi recentemente renovado.A avaliação à sua eficácia suscita reações mistas

Reinaugurado no passado mêsde janeiro, o Gabinete de Relaçãocom o Munícipe encontra-se ins-talado no edifício da Câmara Mu-nicipal de Coimbra (CMC).Sediado num espaço amplo, com

múltiplos balcões de atendi-mento, o espaço prima pelo seudesign moderno e pela fácil aces-sibilidade a diversos requerimen-tos.Desde 2011, fruto de uma pro-funda remodelação, o novo Gabi-nete visa simplificar os processosadministrativos através da conju-gação de vários serviços nummesmo local. A CMC pretendeassim uma maior facilidade de in-teração com o cidadão e umacrescente satisfação deste paracom a autarquia. O espaço contatambém com a instalação de se-nhas distribuídas pelos vários ser-viços, de modo a criar uma maiorfluidez das filas de espera.No entanto, apesar da moder-nidade e facilidades oferecidas, a

satisfação dos utentes dá-se a vá-rios níveis. Daniel Cecílio, que sedescolou ao Gabinete com vista aresolver problemas de nível urba-nístico, opina que o atendimento“ainda é meio confuso”. TambémLuís Almeida, que procurou a re-novação de uma licença para es-planada, diz que em termos deeficácia “as coisas estão iguais”,ainda que o espaço esteja “maisagradável”.Equipado com um Sistema deGestão de Reclamações, de modoa criar uma maior eficácia na re-ceção de queixas por parte dos ci-dadãos, o Gabinete conta tambémcom técnicos especializados, su-jeitos a diversas ações de forma-ção. A comerciante Maria Coelhovaloriza o espaço, que diz estar

“mais amplo, alegre e iluminado”.Por outro lado, no que toca aoserviço, a comerciante reclamaque “só muda a estrutura, o aten-dimento não tem grandes dife-renças”. A opinião é partilhadapor Maria Antunes, que se deslo-cou para o tratar de matérias delicenciamento: “o serviço é eficazmas até certo ponto, não conseguiresolver tudo”.Contudo, para todo o munícipeque se sinta insatisfeito, a CMCdisponibiliza um inquérito de sa-tisfação, de modo a alcançar ummaior número de necessidades.Este mecanismo permite assim,ao cidadão ser mais ativo na vidada autarquia, fornecendo varia-das sugestões para a competênciado serviço.

Novas infraestruturas não traduzem eficácia do serviço

João Valadão

SMTUC adaptam horário de autocarros à época de carnavalApesar de os estudan-tes do Ensino Superior já estarem em aulas, o número de autocarrosvai ser reduzido, à semelhança daquelepraticado no mês deagosto

Os Serviços Municipalizados deTransportes Urbanos de Coimbra(SMTUC) vão adaptar o horárioda sua rede de autocarros ao pe-ríodo de carnaval, nomeada-mente de 11 a 13 do presente mês.A alteração prevê um horáriosemelhante ao que se de dá du-rante o mês de agosto, altura emque Coimbra se encontra vazia deestudantes e de parte dos seusmunícipes, que aproveitam o pe-ríodo de férias para se deslocarpara outras zonas do país. No en-tanto, neste carnaval, à exceçãodos alunos do ensino básico e se-cundário, que se veem dispensa-dos de atender às aulas, os alunosdo Ensino Superior (ES) inicia-ram já o segundo semestre.Segundo o administrador dosSMTUC, Manuel Correia de Oli-veira, esta é uma experiência quejá foi feita anteriormente. O ad-ministrador esclarece que “aoferta é feita com base na procuraanalisada de outros anos”. Aindaque muitos estudantes universi-tários se encontrem em Coimbra,os SMTUC justificam esta opçãocomo sendo a correta.Questionado sobre a viabili-dade da medida, face ao facto deos alunos universitários já terem

iniciado o seu período de aulas, oadministrador justifica a medidapor esta “ser uma altura de exa-mes”. A análise prende-se com onúmero de bilhetes comprados oucarregados pelos alunos do ES,que segundo o mesmo, apresentaresultados mais baixos nesta al-tura do ano. Os serviços adiantam

que durante o dia de hoje, dia decarnaval, os transportes poderãosofrer alterações pontuais, em vir-tude de diversas iniciativas rela-cionadas com esta celebração.Manuel Correia Oliveiraadianta também que os SMTUCtêm vindo a adaptar os seus horá-rios em diversas situações, como

no período noturno. Contudo,essa adaptação não se dá unica-mente através de reduções. Du-rante o fim-de-semana o númerode autocarros disponíveis au-menta, de modo a satisfazer asnecessidades dos estudantes quevêm das suas terras natal.Apesar dos cortes financeiros a

que têm sido sujeito e à falta deapoio Estatais, os SMTUC têmconseguido evitar um grande au-mento de preços. Para além dosbilhetes de viagens simples, o es-tudante pode adquirir o passemensal por 22 euros, um des-conto de 13 euros face ao passenormal.

João Valadão

De a 11 a 13 de fevereiro os SMTUC vão praticar o horário de período de férias escolares

ANA MORAIS

D.R.

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12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 9

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

O homem, a evolução a três níveis:físico, social e sexual

evolução humana é umassunto sempre atual nocerne da comunidade

científica. Um estudo recente pu-blicado na revista “Biology Let-ters” aponta mais um factoexplicativo acerca de caracteresexistentes no nosso corpo comfunções evolutivas. Segundo apesquisa, os nossos dedos, apósalgum tempo submersos nummeio líquido, ficam enrugados, oque pode explicar uma melhor ca-pacidade de controlar objetos quese encontrem debaixo de água.A pele enrugada apresenta umaestrutura similar aos pneus dosautomóveis, isto é, a textura per-mite uma maior drenagem do lí-quido envolvente, facilitandoassim a aderência, argumentandoentão a favor da teoria do macacoaquático. Esta hipótese postulaque os nossos antepassados pode-rão ter passado por uma fase se-miaquática, explicando aindaalgumas características tais comoa perda de pêlos corporais e o bi-pedismo. A docente da Escola Su-perior de Educação do InstitutoPolitécnico de Lisboa (ESELx),Cristina Cruz, começa por referirque os pêlos corporais “passarama ser supérfluos, embora mante-

nhamos um conjunto de pilosida-des que aparentam ter uma fun-ção específica, como é o caso dassobrancelhas, que nos permite im-pedir que o suor escorra para osolhos”. Olhando para os nossosantepassados, a diferença é notó-ria. “A seleção evoluiu no sentidode ser mais vantajoso existiremestratégias de proteção do quepropriamente a camada de pêlosque nos protegia”, explica CristinaCruz.A hipótese do macaco aquáticonão é a única que tenta aclarar apostura erecta, a passagem de ummodo de locomoção quadrúpedepara bípede. Cristina Cruz adiantaque as justificações atuais pren-dem-se com “a libertação dasmãos, permitindo o transporte deutensílios e o desenvolvimento damotricidade fina, o alargamentodo tempo de gestação e o aumentoda capacidade craniana e conse-quente complexificação das apti-dões cognitivas”. O polegaroponível (capacidade de o referidodedo tocar em todos os restantesdedos da mão) tem uma ligação àmotricidade fina e à capacidade defabricar instrumentos, responsá-vel pelo “surgimento de uma lin-guagem mais rudimentar. Existe

uma relação entre a capacidade demotricidade e a zona do cérebroonde está localizada a linguagem”,explicita a docente da ESELx.Em termos fisionómicos, a mu-dança de uma dieta herbívora parauma de génese carnívora/omní-vora pode explicar a relação entrea diminuição do aparelho digestivoe o aumento do cérebro. “Umadieta à base de frutos e folhas im-plica uma maior fermentação e umaparelho digestivo de maiores di-mensões para fazer o processa-mento das fibras”, refere CristinaCruz, o que justifica que uma dietamais à base de carne, e conse-quentemente mais proteica, tenhacontribuído para o aumento do ta-manho do cérebro, o órgão docorpo humano que mais energiagasta.

Sexualmente social“Nós somos um animal social”,inicia o docente do Departamentode Ciências da Vida da Faculdadede Ciências e Tecnologia da Uni-versidade de Coimbra (DCV-FCTUC), Paulo Gama Mota.Portanto, nem só de evolução fí-sica é feito o percurso do homemao longo de milhões de anos. Exis-tem caracteres sociais e sexuais

com funções marcadamente evo-lutivas. “A sociabilidade e vivên-cia em grupo é uma característicaherdada dos nossos antepassadosprimatas. Em termos biológicos avivência em grupo tem vantagensno que diz respeito à proteçãocontra predadores, controlo deterritório e recursos, proteçãocontra rivais, etc. Nas sociedadeshumanas tem ainda a vantagemadicional de podermos usufruir dacooperação e entreajuda”, de-monstra a docente da Universi-dade Nova de Lisboa (UNL),Cláudia Sousa.A nossa própria evolução faz in-tersetar a evolução de diversas ca-racterísticas, como a passagem doquadrupedismo para o bipedismocom o momento em que começa aprevalência da visão sobre o ol-fato, “quando afastámos a cara dochão”, afirma Cristina Cruz. O usopreferencial da visão permitiu quepassássemos a “conseguir ver auma grande distância e isso per-mite-nos não só detetar potenciaispredadores como ver presas, en-contrar alimento e ver indivíduosda nossa própria espécie”, acres-centa Paulo Gama Mota.Doutorado pela Universidadede Nottingham, Keith Harrison,

autor do livro “O Nosso Corpo – OPeixe que Evoluiu”, expõe outrofacto curioso: a existência de ma-milos nos homens. Cristina Cruzcomeça por demonstrar que “oscães também têm mamilos e nãoamamentam, é uma questãotransversal”, para que se percebaa explicação de Keith Harrison,“talvez seja um facto surpreen-dente, mas todos os embriões ini-ciam o seu desenvolvimento noútero como embriões femininos”.É, depois, o início da produção detestosterona que vai diferenciar osfetos em femininos e masculinose o evidente não desenvolvimentode seios nos homens.A nível sexual, outra questão in-teressante é a da menopausa. “Amulher não pára de procriar tãocedo. A nossa esperança média devida é que tem vindo a aumentarcriando esse período pós-meno-pausa em que as mulheres já nãopodem produzir filhos”, sustentaCláudia Sousa. Paulo Gama Motarefere a existência de outras teo-rias, como a hipótese da avó: “amenopausa evolui como forma degarantir que os avós pudessemcuidar dos netos e assim aumen-tar a qualidade dos cuidados pa-rentais”.

RAFAELA CARVALHO

O polegar oponível é a capacidade de o referido dedo tocar em todos os restantes dedos da mão

Na nossa espécie a evolução é tudo menos linear. Há determinados traços ou caracteres que se cruzame, mediante as hipóteses, explicam à sua maneira o percurso humano na árvore evolutiva. O certo é quenão é apenas da parte física que somos como somos atualmente. Por Paulo Sérgio Santos e Joel Saraiva

A

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500 ANOS BGUC10 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

m que outro sítio podemosencontrar uma primeiraedição d’”Os Lusíadas” de

Luís Camões na mesma prateleirade uma Bíblia Hebraica manuscritado século XV? Ou o manuscrito de“Frei Luís de Sousa” de AlmeidaGarrett, bem como a versão enviadapara imprimir, a poucas salas dedistância do primeiro livro clandes-tinamente impresso no Brasil –“Relação da entrada que fez… D.António do Desterro Malheyro,Bispo do Rio de Janeiro, em 1747…para esta Diocesi…”, de Luís Antó-nio Rosado da Cunha?“É uma biblioteca rica porque

conserva no seu acervo obras in-substituíveis”, refere José AugustoBernardes. O diretor da BibliotecaGeral da Universidade de Coimbra(BGUC) acredita que “nas bibliote-cas a antiguidade é um valor em simesmo”. Ao edifício situado no Largo da

Porta Férrea as obras chegam pordepósito legal [cerca de 15 mil porano], aquisições, incorporações edoações. Estas últimas têm sido de-clinadas pela direção já que não dis-põe de espaço para as incorporar.Por esta e outras dificuldades,

José Augusto Bernardes consideraque as comemorações do 500º ani-versário, mais do que “chamar aatenção para aquilo que a Bibliotecafoi, servem para chamar a atençãopara as suas necessidades e para amais-valia que esta representanuma universidade”.Se já a 12 de fevereiro de 1513, a

primeira referência à “Livraria de

Estudo” referia a necessidade deconsertar canos que deixavam en-trar água e de colocar cadeados noslivros para evitar furtos e manter aordenação, depois de quinhentosanos as dificuldades, ainda que ou-tras, mantêm-se.Falta de recursos humanos, de

meios informáticos e tecnológicos,bem como de financiamento para

manutenção e aquisição de obrasvaliosas e relevantes são alguns dosproblemas que preocupam a direçãoda biblioteca. Ainda assim, é a au-sência de espaço e conforto quemais inquieta o diretor.

“Um estímulo paraa curiosidade”“É um edifício moderno, bonito, e é

um edifício que foi planeado parasuprir as necessidades da universi-dade ao longo de 50 anos. Os 50anos acabaram no ano passado e,portanto, estamos confrontadoscom a necessidade de encontrar so-luções para os problemas de satura-ção”, refere José AugustoBernardes.Na perspetiva do diretor, para

E

A Biblioteca da Universidade de Coimbra comemora este ano meio milénio de experiência na interação com o livro. Todavia, não é o passado que agora se celebra, mas sim um futuro para o qual se idealiza uma “congregação” dos diversos saberes. exto por Rafaela Carvalho e Ian Ezerin. Fotografia por Rafaela Carvalho

não para alunos mas para

estudantes

Uma Biblioteca...

No primeiro andar da BGUC encontra-se a Livraria do Colégio de São Pedro - reconstruída depois da demolição da

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500 ANOS BGUC12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 11

além de uma biblioteca ser um guar-dião de tesouros tem também umafunção centralizadora. Augusto Ber-nardes idealiza um espaço confortá-vel de “congregação dos membrosda comunidade universitária - estu-dantes, professores, investigadores- que cultivam os saberes diversos”.Um “estímulo à curiosidade” é a es-tratégia que a BGUC pretende ser-vir para que os estudantes passem aser mais do que meros alunos.“Numa universidade não deveria

haver alunos, mas apenas estudan-tes. O aluno é aquele que absorve osaber que lhe é proporcionado e seresigna, o estudante é aquele queconstrói pessoalmente, lentamente,o seu saber já que este é fugidio epressupõe uma atitude indagativa”,sustenta Augusto Bernardes.

Os livros precisam de carinhoPara as comemorações dos 500anos que agora se celebram, estáprevista a digitalização de 500 pre-ciosas obras. A direção da Bibliotecacompreende a importância desteprocesso já que nem todos os uten-tes necessitam de ver os originais ea digitalização permite evitar a ex-posição frequente que leva ao des-gaste. No entanto, AugustoBernardes defende que “isso nãoimplica que não seja preciso gastardinheiro para conservar os origi-nais”.A BGUC necessita assim, e nova-

mente as questões de espaço são re-feridas, de uma área mais vasta emais condições tecnológicas.“Temos tido sobretudo a preocupa-ção de manter, o que já significagastar muito dinheiro com os livrosque se degradam, que carecem decuidados, de zelo, de carinho”, ex-plica.“Não tínhamos cá a trabalhar nin-

guém na encadernação, só há pouco

tempo é que temos” - refere a téc-nica superior Luísa Machado - “enão temos nenhuma oficina mesmode encadernação. Normalmente asnossas obras, quando há meios parapoder fazer os restauros, têm sidomandadas para a Biblioteca Nacio-nal”.

Preservação do patrimónioApesar das dificuldades económicasa que a Biblioteca Geral não escapapoderia considerar-se a hipótese devenda de obras valiosas para supriras necessidades financeiras do dia adia. No entanto, José Augusto Ber-nardes descarta veemente esta hi-pótese.“Nunca. Está fora de causa. Esta

biblioteca é antiga, é extensa, é ricae assim quer continuar”, assevera odiretor. Até porque o livro é, acima

de tudo, um veículo para a trans-missão da cultura e para a garantiada memória histórica. “Estamosnum tempo de descaso em relação àmemória e à cultura”, refere Au-gusto Bernardes, que defende olivro como um elemento essencial.“Há muitas universidades no

mundo que disputariam a existên-cia de uma biblioteca como esta”,admite o diretor explicando que,por essa mesma razão, há uma ne-cessidade de que a universidade apreserve e continue a dar-lhe condi-ções para que seja uma das melho-res bibliotecas universitárias detodo o mundo lusófono. E, paraalém disso, é necessário que os es-tudantes continuem, como têm feitoaté agora, a procurá-la como com-plemento ao seu trabalho acadé-mico e até mesmo depois dedeixarem de ser estudantes.

No próximo dia 22 de fevereirode 2013 realiza-se na BibliotecaJoanina a primeira cerimónia evo-cativa dos 500 anos da Bibliotecada Universidade de Coimbra quecontará com a presença do Secre-tário de Estado do Ensino Superior,João Filipe Queiró.Ao longo de um ano de festejos,

até fevereiro de 2014, o públicopoderá assistir ao ciclo “Conversada Biblioteca” que terá a sua pri-meira sessão em abril do presenteano com a professora Irene Pimen-tel a falar sobre “Memória e Biblio-teca”.Exposições, atos memoriais, es-

petáculos teatrais e musicais, bemcomo a publicação de novas edi-ções e até a reedição de docu-mentos e de livros raros. “Osnossos tesouros”, valoriza AugustoBernardes. “Vamos tentar reeditarlivros que a biblioteca editou nou-tros tempos, que na altura foram‘bestsellers’ e que estão hoje es-gotados”, explica o diretor.Para janeiro de 2014, entre os

dias 16 e 18, está marcado o Con-gresso Internacional sob o tema “ABiblioteca Universitária: permanên-cia e metamorfoses” que contarácom a presença, quase certa, do di-retor da Biblioteca da Universidadede Harvard e do diretor da Biblio-teca da Universidade de Sala-manca.“Iremos até onde pudermos ir

neste esforço de dar a conhecer aBGUC à comunidade universitáriade Coimbra, ao país e porque nãodizê-lo ao mundo”, afirma convictoJosé Augusto Bernardes. O restanteprograma pode ser consultado nosítio online da BGUC, no separadordedicado ao aniversário e à histó-ria da biblioteca.

CALENDÁRIO COMEMORATIVO

“Esta biblioteca é antiga, é extensa, é rica e assim quer continuar”, assevera o diretorda BGUC que decarta a hipótesede venda de obraspara supressão denecessidades

No primeiro andar da BGUC encontra-se a Livraria do Colégio de São Pedro - reconstruída depois da demolição da antiga Faculdade de Letras que deu lugar ao actual edifício - na qual se integra o busto do santo, em calcário de Ançã, esculpido antes de 1548 por João de Ruão segundo se supõe.

Augusto Bernardes lamenta que a primeira edição d’”Os Lusíadas” não esteja nas melhores condições

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PAÍS12 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

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PENT inviável face à realidade atualO Plano Estratégico Nacional de Turismo (PENT) elaborado em 2007pressuponha metas “irrealistas”. O setor necessita de adequar-seao panorama económicoatual

O Turismo “contribui com umsaldo de 5 mil milhões de eurospara a balança de bens e serviços,representando mais de 10 porcento do emprego em Portugal”,sendo das maiores atividades ex-portadoras do país, como refere oex-secretário de Estado do Tu-rismo, Bernardo Trindade, e tam-bém responsável pelo PlanoEstratégico Nacional do Turismode 2007. O mesmo encara o tu-rismo como "uma atividade de fu-turo e com futuro”.O Plano aprovado em 2007

propunha um aumento na receitadireta do Turismo, entre os 11 e os12 mil milhões de euros, repre-sentando 14 por cento do ProdutoInterno Bruto (PIB), conferindoum aumento em cerca de 4,6 porcento o número de turistas que vi-sitariam Portugal. O objectivo eraque a implementação dos produ-tos turísticos promovessem umdesenvolvimento equilibrado esustentado de todo o território.“Os objetivos inicialmente pre-

vistos não foram cumpridos”,afirmou no final de 2012 ao Jor-nal ‘Público’, a última Secretáriade Estado do Turismo, CecíliaMeireles. A estratégia da alturaapontava uma subida no númerode hóspedes, fixando-se atual-mente 13 por cento abaixo do es-perado. As dormidas de turistasestrangeiros cresceram apenas

0,7 por cento, em vez dos 4,6 porcento previstos. Estas declaraçõesde Cecília Meireles foram dadasnuma altura em que se concluiu arevisão do Plano Estratégico Na-cional do Turismo, que vai esta-belecer a estratégia do sector parao triénio entre 2013 e 2015.

Como a crise afetou o setorO PENT aprovado por BernardoTrindade criou um problema, aoestimular o crescimento do nú-mero de camas, sendo que essaprocura esperada não foi confir-mada, como evidenciam as esta-tísticas de Turismo, do InstitutoNacional de Estatística. A crise fi-nanceira mundial de 2008 afetouo setor, pondo em causa os pres-

supostos de um modelo baseadono forte crescimento da ofertaqualificada de hotéis de quatro ecinco estrelas e ‘resorts’.“As metas, os produtos turísti-

cos, as diferentes relações e asparcerias”, são nas palavras deBernardo Trindade, questões es-senciais para uma visão integradano processo de revisão do docu-mento. O Plano Estratégico foi re-centemente alvo de um períodode consulta pública que teve o seutérmino a 31 de janeiro do pre-sente ano. O plano, apesar de pre-ver uma adequação a uma novarealidade nacional e internacio-nal, tem “como maior desafio, aimplementação em todo o país”,assevera o diretor do grupo hote-leiro.

Aposta no turismo religiosoDurante o período de consulta fi-zeram-se ouvir algumas opiniões,nomeadamente a do Turismo doPorto e Norte de Portugal, presi-dida por Melchior Moreira, con-siderando a atual proposta derevisão uma melhoria substancialquando comparada com a pri-meira versão, opinião emitida emcomunicado de imprensa. Em-bora não o considere totalmentesatisfatório, aponta a necessidadede tornar “o turismo religiosocomo um produto estratégico”.O presidente da Confederação

de Turismo Português, FranciscoCalheiros é mais crítico e consi-dera o modelo de revisão pro-posto demasiado ambicioso ao

não contemplar a programação fi-nanceira 2014-2020. O facto denão incluir produtos como o tu-rismo religioso, turismo despor-tivo e outros no estatuto deestratégicos é outra falha pon-tada, como refere em comuni-cado.Portugal é dos países europeus

com mais potencial no turismoreligioso, de natureza, de saúde,de negócios e de eventos. Funda-mentando-se nessa perspectiva otambém diretor do grupo hote-leiro Porto Bay, instalado na Ma-deira, alerta para a necessidadede uma estratégia tomada com“consciência e prevendo uma cul-tura turística”. Ainda assim, oPENT foi elaborado na sua al-çada.

António Cardoso

O PENT foi submetido a um período de consulta que terminou no passado dia 31 de janeiro

RAFAELA CARVALHO

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12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 13

MUNDO

Expansão económica não traduz liberdades nos média angolanos

desenvolvimento econó-mico de Angola, que temtido uma dimensão cada

vez maior nos últimos anos, con-trasta com a falta de direitos e li-berdades oferecidas pelo Governode José Eduardo dos Santos. Opoder centralizado, que se perso-nifica na figura do presidente, ali-cerça-se numa vasta rede deligações com grandes grupos devários setores económicos com re-lações próximas com o poder po-lítico.Na comunicação social poucos

são os órgãos que têm plena liber-dade, a grande maioria encontra-se sobre controlo apertado doEstado ou limitado pelas decisõesadministrativas de grupos com in-fluências do Governo. O professore sócio do Centro de Estudos Afri-canos (CEA) do ISCTE-InstitutoUniversitário de Lisboa, EugénioCosta Almeida, reitera que “algunsdiretores tentam dar uma visãomuito mais independente e nadasubalterna do poder económico”,o que vai contra a tendência do-minante.

O controlo nas váriasfrentes de comunicação“Em termos de comunicação deimprensa existe apenas um órgãolivre, que é o Folha 8, mas bastaver o que se passa com WilliamTonet [director do semanário]”,adianta o docente. Julgado em2011, o diretor do Folha 8 foi con-denado a um ano de prisão pelocrime de difamação e calúnia aaltas figuras do Governo angolano.Em todo o país existe um únicojornal diário, o Jornal de Angola.Sob alçada direta do poder central,a publicação foca-se na publicaçãode eventos de índole política.As restantes publicações do país

têm uma periodicidade semanal eestão circunscritos a Luanda,ainda que a Constituição angolanapreveja a sua expansão para forada capital. No que respeita aosmeios radiofónicos existe apenasa Rádio Nacional de Angola eemissores locais, que também vêmo seu crescimento travado. O ser-viço televisivo nacional é tenden-cialmente público desde a suafundação, sendo a Televisão Pú-blica de Angola (TPA) a sua maiorexpressão. O surgimento da TVZimbo, em 2007, criou um caso deaceitação tácita por parte das au-toridades reguladoras, emboraesta legalmente não exista.“O Governo orientou certas em-

presas para retirarem a sua publi-cidade dos jornais para que esses

entrassem em crise financeira”,assevera o jornalista e fundador dawebzine informativa Club-K, JoséGama. Para suportar essa falta definanciamento o Governo envol-veu grupos empresariais próxi-mos, que compraram essesórgãos, estendendo o domínio po-litico nesse setor, explica o jorna-lista.Na área das ciências da comuni-

cação a única oferta passava peloequivalente a um instituto de for-mação profissional, que transmi-tia competências básicas daspráticas jornalísticas. Com o fimda guerra em 2002 surgiram duasuniversidades privadas e uma uni-versidade estatal que introduzi-ram cursos de comunicação noEnsino Superior, no contexto an-golano. No entanto, o fundador doClub-K assegura que os “grandesjornalistas angolanos não foramproduzidos pela universidade,mas são forjados do ventre daguerra”.Os organismos de comunicação

angolanos demonstram geral-mente receio do contacto com oexterior, vítimas de pressões exer-cidas pelas chefias que temem adifusão da realidade nacional, nocontexto de imprensa mundial. “Acooperação é feita de forma iso-lada e de maneira pouco formal”,segundo José Gama.

Influências no universodos media portugueses“São pensadas por razões políti-cas” corrobora o editor da webzineClub-K referindo-se às recentestentativas por parte de empresasangolanas em adquirir grupos decomunicação portugueses. “É umaforma de adquirir o controlo, poisé a partir de Portugal que os mediainternacionais tomam conheci-mento da realidade angolana”. Noentanto, o jornalista acrescentaque estes negócios só são concre-tizáveis com o aval da presidênciade Angola, devido ao seu volume,que ascende a vários biliões deeuros.Projetada em termos de futuro,

Angola, enquanto potência emer-gente, a par de África do Sul, as-sume-se como Estado diretor aonível da Africa Austral. O asso-ciado do CEA do ISCTE-IULacrescenta ainda que Angola “ne-cessita de uma alternância depoder e ao mesmo tempo de trans-mitir o poder para as instituições”.Dando um parecer mais abran-gente, o investigador afiança queo país “será aquilo que os seus di-rigentes e os angolanos quiserem”.

RAFAELA CARVALHO`

O Jornal de Angola é a única publicação diária em todo o país

Baseado num poder político cada vez mais centralizado, o crescimento económico de Angola não se distribuide forma igual pela sociedade. Com mecanismos de controlo diversos, o Governo tem tentado manipular aopinião pública no país e a difusão de informações para o exterior. Por António Cardoso e João Valadão

O

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ARTES14 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

hat has four “i”sand can’t see?»,perguntava umaanedota, cuja ver-

são escrita perde parte do encanto. Aresposta? Mississipi. É aqui se desen-rola parte de “Django Libertado”, re-trato vibrante da Américaesclavagista e tacanha, pré-guerracivil, e o último Tarantino a incendiarsalas de cinema e a imprensa em todoo mundo.Fetichista de géneros e criador do

seu próprio nicho, o obsessivo-com-pulsivo realizador atiça desta vez o‘western-spaghetti’ à ‘blaxploitation’,glorificada por filmes como “Shaft” (aquem pisca o olho no apelido da per-sonagem feminina - e tema já abor-dado em “Jackie Brown”), revolvendopelo caminho as entranhas da deli-cada moral americana. O passado dediscriminação e abuso que ainda hoje,na era Obama, assombra o quoti-diano dos EUA é contado através da

viagem de King Schultz e Django, oescravo que compra e de quem setorna mentor.Spike Lee reavivou uma querela

antiga ao criticar a abordagem, a seuver, demasiado recreativa, sobre a es-cravatura e o uso em demasia docalão ‘nigger’ (ouvido, segundo oscontabilistas de Hollywood, mais de100 vezes durante o filme). Tambémdisse que não iria ver o filme para nãodesrespeitar os seus antepassados -valha a verdade, hoje em dia preferi-mos vê-lo nos jogos dos New YorkKnicks. Tarantino também se fartoue explodiu perante o enésimo jorna-lista que o acusou de incentivar a vio-lência na vida real com os seus filmes.Este excesso está inscrito no seu car-tão de cidadão, não é apenas maqui-lhagem. Nota-se ainda, desde “KillBill”, o acrescido fascínio pelos efei-tos visuais ‘gore’ (ver também: ami-zade com Robert Rodriguez).Ao cuidado do director de ‘casting’:

parabéns. Jamie Foxx é um Djangocheio de alma e Christoph Waltz voltaa valer por si só o preço do bilhetecomo, caçador de recompensas. Naequipa dos vilões, Di Caprio é o Malem estado refinado e é deliciosa aforma como Samuel L. Jackson fechaum círculo iniciado em “Pulp Fic-tion”, encarnando um criado xenó-fobo para com a sua própria classe. Jáa trilha sonora é tão adequada que sefunde com o capim e há até um rasgode contemporaneidade, ao alistar obeligerante ‘rapper’ Rick Ross.O último Tarantino está nomeado

para os Óscares mas o seu autor fezquestão de sabotar qualquer hipótesede ganhar a estátua, algo que perce-bemos tanto mais quanto maisDjango se aproxima da liberdade. Ehá ainda o branco Lincoln na disputa.O preconceito, denunciado. O sangue,justificado. O nosso aplauso, obri-gado.

Django Libertado

CINEMA

Malcolm XXXCRÍTICA DE JOÃO TERÊNCIO

DE

QUENTIN TARANTINO

COMJAMIE FOXXCHRISTOPH WALTZ

LEONARDO DICAPRIO

2012

s quatro histórias quecompõem esta caixaevocativa da obra de

Béla Tarr mostram-nos como elegosta de representar o seu uni-verso artístico: descrição simplese clássica do preto e branco e afilmagem de planos lentos e de-morados, reveladores de umabeleza assombrosa. Percebemosque o húngaro não vai em modasna realização de filmes que secontam em pouco tempo por se-quências cheias de ação e acon-tecimentos. Aqui, um novocinema é-nos proposto pela con-templação de cada plano comofotografia, devendo ser apre-ciado, digerido e escrutinadopelo espectador. É o tempo per-sonagem, dominante, impondo avelocidade real às cenas, sem re-curso a cortes e acelerações ha-

bituais nos filmes de hoje.Os filmes falam da Hungria

dos que vivem longe dos grandescentros urbanos. Tudo é provin-ciano, todos se conhecem e se re-lacionam. Há um amor que levaum homem quase ao desespero(Danação); a chegada do circocom uma baleia embalsamadaque atrai a atenção de muitagente e provoca o caos (As har-monias de Werckmeister); a lutados habitantes de uma quinta co-munitária por melhores condi-ções de vida, perturbados pelachegada de um membro quetodos julgavam morto (O tangode Satanás); e a rotina de pai efilha cujo isolamento se acentuapelo vendaval constante premo-nitor de desgraças, sequente aoepisódio no qual o filósofoNietzsche perdeu a razão (O ca-

valo de Turim).São reflexos de tristeza, dor,

sofrimento e desespero acomo-dados em cenários desoladoresde frio, vento e chuva. Uma cha-mada de atenção para a desgraçae má sorte alheia, um mundocapaz de ser reproduzido aquibem perto, ao nosso lado, desdeque para isso haja homens.Só a filmografia é extra na co-

lecção composta pelas cerca decatorze horas dos filmes (só Otango tem 7h25m!) que, emboranos encham em grande parte asmedidas, não nos saciam a von-tade de conhecer o homem pordetrás da câmara. Falta-nos aimagem do criador, pois logo noprimeiro encontro com Tarrpressentimos estar na presençade um gigante.

Jamais poderemos viver bem com omal dos outros

Coleção Béla TarrÓ

CAMILA FIZARRETA

Ò “W

A

Ó

VER

Artigo disponível na:

FILME

DE

BÉLA TARR

EDITORA

MIDAS

2012

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FEITAS12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 15

ão é preciso apresentarCaetano Veloso, mas épreciso explicá-lo a

muita gente que não lhe temdado a devida atenção. Mais do que um músico e um

excelente escritor de canções,Caetano é acima de tudo um ex-perimentalista. Sempre foi,mesmo que ao grande públicotenham chegado apenas as suascanções mais simples. Aos 70anos é um nome incontornávelda música mundial e um desseshomens raros que tenta desafiaros conceitos de velhice ou re-forma.“Abraçaço” surge como o ter-

ceiro álbum de uma série come-çada em 2006 com o álbum“Cê”, seguido de “Zii e Zie”, eque ganha agora um terceirotomo em jeito de finalização detrilogia. Uma exploração de so-noridades mais modernas quepassam pelo ‘noise’ e visitam orock mais psicadélico, sem

nunca esquecer a ginga do samba e as raízes baianas que Cae-tano leva sempre consigo.Começa em jeito de declaração de intenções com a “Bossa

Nova é Foda”, invocando, o ‘funk’, o rock e um punho de luta-dores brasileiros do UFC, para proteger a delicadeza do gé-nero, restaurar-lhe a ‘coolness’, e assegurar-lhe respeito.Segue-se “Abraçaço” - tema título em jogo de guitarras comdireito a solo ‘fuzz’ para que o abraço seja mesmo de aço.Por todo o disco as guitarras estão presentes. Por vezes em

toadas minimalistas para que realce a mensagem, às vezes so-cial como em “Um Comunista”, outras sexual como na exce-lente “Quando o Galo Cantou”.No entanto é em “Funk Melódico” que todo o seu trabalho

com a banda desde “Cê” fica resumido, ligando liricamente esonicamente todos os discos, ritmo “favela”, sobre guitarrasfortes e raiva por um amor que não compensa.É dessa raiva que se movimenta Caetano, raiva contra a se-

dentarização e pela ‘geriatrização’. Que ninguém o pare porquenunca pareceu tão novo.

OUVIR

DE

CAETANO VELOSO

EDITORAUNIVERSAL

2012

AbraçaçoÓ

LUÍS LUZIO

Artigos disponíveis na:

GUERRA DAS CABRAS

A evitar

Fraco

Podia ser pior

Vale a pena

A Cabra aconselha

A Cabra d’Ouro

A Bossa Nova é Foda

N aria é descarada, desvai-rada, presa nos subúrbiosde Lisboa onde, a determi-

nado momento, parece que tudo aabandona. É ela Maria dos Canos Ser-rados, mulher de língua destravada apuxar de um português de feitio com-plicado, erguida pelo escritor RicardoAdolfo.No seu terceiro romance, Ricardo

Adolfo, num estilo já seu, não se põecom lérias nisto de dar voz à Maria, anarradora que nos fala na primeirapessoa do plural como se tivesse cos-tas bem quentes para tanto insultodesbocado. Maria é mulher de corpofeito, com droga mas poucas referên-cias. Assim que o livro arranca, perde-as todas.O namorado arranja carreira como

gigolô de velhacas flácidas, a empresaonde trabalha vai com as ortigas e odinheiro nem vê-lo. De repente, de-para-se consigo mesma desempre-gada e em bancarrota orçamental.E Maria, fica ali, na sua casa, a es-

crever para o namorado negligente,com a sua “Buffy” (assim a chama)desesperada por sexo do velho. Rela-ção tempestuosa essa com o seu“preto”. Ora de entrega compulsivaora de apedrejamento de todo o por-tuguês que possa ajudá-la a mandá-loà merda.Sem dinheiro, sem amor, sem

norte, Maria fala de uma crise, da sua,de se perder, e de cair. E, no meio de

tudo, chega a um bar que também écarreira de tiro de um retornado, quelhe dá a conhecer a sua fofa caçadeiraBaikal de canos serrados – o selo paraas contas com a vida.O romance, ágil e rápido, é escrito

em pequenos textos dirigidos ao na-morado, não como carta, mas como‘posts’ de Facebook, obrigando-nos aum ritmo frenético. E nessas actuali-zações de estado, o velho vai ga-nhando milhentos nomes diferentes:subsídio, amor velho, puta do nossacoração, hemorroida monga e conti-nua… A escrita foge ao português cor-

recto, abraçando os atropelos da ora-lidade na gramática. É com oportuguês suburbano que RicardoAdolfo nos mostra o Portugal de fu-turos cegos e turvos, de posições so-ciais que não se misturam, de quandotudo o que se tem é sexo porque oresto é retirado.“Maria dos Canos Serrados” é um

exercício sobre alguém desprovido detudo, num meio suburbano selváticoe sem dó nem piedade. Um retratonu, contemporâneo, em que Maria vêos sonhos desfeitos e tudo o que lheresta é a Baikal.O ritmo brusco e a história descon-

certante, entre o ‘pulp’ e o romance,convence-nos a dar razão a ValterHugo Mãe: a literatura portuguesahá-de passar por aqui.

ora das mãos da Remedy (quefoi fazer o gostosíssimo “AlanWake”), e sem Sam Lake para

orquestrar os seus estudos de gé-nero, “Max Payne” despiu-se da suagabardine, e partiu de t-shirt ha-vaiana e óculos de sol para o Brasil.Com Dan Houser no leme do argu-mento, este fez aquilo a que está ha-bituado na série “GTA”, e usou Paynecomo desculpa para mais uma dassuas truculentas sátiras sociais, destafeita sobre o nosso país irmão e a suaobscena desigualdade social. Numersatz do “Man on Fire” de TonyScott, Max é agora um guarda-costasalcoólico assolado por fantasmas dopassado, a viver num país que nãocompreende e numa demanda parasalvar uma ‘femme fatale’ que nãosoube proteger.É na representação do Brasil que

se vê o valor desta sequela desneces-sária; há aqui uma sofisticação téc-nica inexistente noutros jogos daRockstar, onde a dimensão maxima-lista do mundo não permitia uma au-toria mais cuidada e significantecomo num título linear. Detalhes cul-turais e estéticos do país ganhamvida em cenários de cariz realista re-pletos de contrastes: de um lado astrevas da pobreza nas favelas, do

outro, os ‘neons’ garridos das ‘boa-tes’ e dos arranha-céus opulentos daclasse dominante. Payne não é indi-ferente à injustiça que o rodeia e estámais humano que nunca: já não semovimenta como um boneco hiper-quinético, mas como um bêbedo pe-sado e velho e torturado. Asmelancolias electrónicas dos Healthpautam o seu estado emocional deforma ardilosa: está quebrado,menos poético e mais rude. Houserquis fazê-lo mais McLane que Mar-lowe, e apenas a verbosidade cáus-tica e fatalista da personagem deLake permanece intacta. “Max Payne3” acaba assim por transitar o espaçoficcional da hipérbole ‘noir’ dos seuspredecessores para algo mais pró-ximo das fantasias de acção dos anos80/90: boçais, hiper-violentas e po-pulistas, mas com um texto bem es-crito e repleto de personagensicónicas armadas com boas ‘punch-lines’. Como um blockbuster digno,“Max Payne” é entretenimento co-mercial que reconhece a mais-valiade uma execução técnica e formalaprimorada – e isso distingue-o desobremaneira do panorama videolú-dico norte-americano.

DE

RICARDO ADOLFO

EDITORAALFAGUARA

2013

MMaria dos Canos SerradosÓ

RUI CRAVEIRINHA

JOÃO GASPAR

Max Payne 3Ó

JOGAR

Homem em Fúria

LER

Quando tudonos trama, sónos resta umaBaikal

PLATAFORMA DISPONÍVEIS

PS3, XBOX 360, PC

EDITORAROCKSTAR

2012

F

Page 16: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

Vivemos tempos tremen-dos. Tempos em que nosanunciam uma refunda-

ção.Precisamos de nos refundar, sim.

Não a refundação de que nosfalam os políticos mas uma queseja capaz de nos tornar mais exigen-tes, muito mais exigentes, em relaçãoa eles. Estamos numa encruzilhada.Portugal tem de crescer. O nosso

futuro é crescer. De nada nos valeestarmos de novo nos mercados, ousermos os meninos lindos da ‘troika’,se não o conseguirmos fazer. E aúnica forma de o conseguirmos, sus-tentadamente, é produzindo e uti-lizando conhecimento. Nãotemos, felizmente, nenhum recursoque possa ser economicamente maisrelevante. Somos nós, cada um de nóse em conjunto, aqui e não noutro ladoqualquer, que temos de construir oque queremos para as nossas vidas.Já mostrámos que somos bons a pro-duzir conhecimento. Temos demostrar que podemos ser bonsa gerar valor, riqueza, bem-estar, com ele. Para isso precisamosde tempo, de visão e de determina-ção. E precisamos, claro, das Uni-

versidades. Precisamos que elascumpram bem a sua missão. Quesejam exigentes, rigorosas, e ambi-ciosas – e que façam crescer pessoasassim. Que se situem entre as melho-res a produzir conhecimento, ciênciae tecnologia. Para que através delaspossam contaminar a sociedade e aindústria, tornando-as melhores,mais bem preparadas, mais capazesde sustentar os valores em que acre-ditamos e de criar a riqueza que de-sejamos.

Precisamos, em resumo, deUniversidades excelentes. Preci-samos delas apesar dos parcos recur-sos que nos sobram, e, mais ainda,por causa deles.Urge para isso reduzir substan-

cialmente o número de estrutu-ras que constituem a nossa redede ensino superior público. Re-tirar recursos por igual a todas elasnão tem qualquer virtude – prolongaas más e destrói as boas. É essencial,também, reestruturar a sua oferta,torná-la racional, pensar o sistemapara que, em competição, não ali-mente o desperdício materializadoem cursos que não lembram ao diaboou cursos que existem aos molhos.Urge ainda ousar impedir os

sucessivos cortes acéfalos e evi-tar aquilo a que eles inevitavel-mente nos conduzirão: adisrupção do ciclo virtuoso de produ-ção de conhecimento e ciência que ca-racteriza uma qualquer boa Escola.Os mais velhos têm de podertransmitir aos mais novos o co-nhecimento que produziram,sobre o qual esses construirãonovo conhecimento quepor sua vez transmi-tirão aos quelhe segui-r e m ,

numa espiral virtuosa e criativa desentido oposto à que os nossos reces-sivos políticos sabem gerar.Em resumo, a Universidade tem

de ser capaz de reter os melho-res jovens para que o ciclo de gera-ção de conhecimento não se quebre epara que possamos sustentar a pro-dução da ciência e da tecnologia queprecisamos para construir uma eco-nomia capaz de estar entre as melho-res. Que se extinga o que não é ne-

cessário ou o que não tem quali-dade. E que se invista com o que seconseguir daí ganhar numa universi-dade que nos possa iluminar e tirardo sítio escuro onde estamos. Sem

universidadedigna don o m erestar-nos-á ot ú n e ls e mfundoe semluz.

SOLTAS16 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

UMA IDEIA PARA O ENSINO SUPERIOR

GONÇALO QUADROS • EX-CONSELHEIRO E PROFESSOR DA FCTUCO GESTOAINDA É BELO

O “Cinema À Segunda” já se tornou uma referência na programa-ção do TAGV, com uma selecção acertada de películas que procuramser, por pretensão própria ou por definição da crítica, representantesdo cinema contemporâneo. Um conceito sempre problemático, numaépoca em que se torna, à primeira vista, impossível desbravar novoscaminhos na evolução do cinema sem cair, na melhor das hipóteses,no excesso de reverência ao glorioso passado da sétima arte, ou, poroutro lado, redundar na preguiça do plágio descarado.Holy Motors é um filme que divide opiniões. E foram muitos os que

assistiram ao filme no TAGV e o puderam comprovar. Se, por um lado,há quem vislumbre na mais recente obra de Leos Carax apenas o des-filar de personagens interpretadas por um genial Denis Lavant, semuma aparente ligação entre as várias máscaras que o ator assume,existe também um grupo que se apercebe do fio condutor que cose ha-bilmente a narrativa.Recuperando, por exemplo, uma personagem nascida no segmento

que o cineasta francês realizou para a antologia “Tóquio!”, o carismá-tico monsieur Merde, Carax estabelece um diálogo entre as duas obras.Um diálogo que se estende ao próprio Cinema. As várias personagensque interpreta e se confundem com as várias vidas de Oscar (não serápor acaso que o misterioso homem possua um dos nomes reais do rea-lizador) criam pontes com géneros distintos como o musical ou odrama. Cada personagem-máscara traduz-se numa diferente conce-ção de um cinema que se aprecia a si próprio, ainda que nenhum es-petador o queira ver. Resumida na “beleza do gesto”, mote do diálogode Oscar e da personagem interpretada por Piccoli. Uma beleza quenão deixa ninguém indiferente, despertando ódios e paixões.

Por Filipe Moreira

MENOS UNIVERSIDADES, MELHOR UNIVERSIDADE

CRITIC’ARTE

Ser porteiro à noite da Associação Académica de Coimbra. Isso eu conseguia fazer. Só que foi muito complicado. A AAC tinha posto um anúncio no Diário de Coimbra. Cheguei eestava uma fila imensa até à DG. “Estou tramado, é tudo pessoas perfeitas. Não tenho hipóteses”. Ocorreu-me uma habilidade. Fui à Praça da República, liguei e pedi para mar-car uma entrevista com a presidente da AAC. Era a Zita [Seabra]. “É um motivo de interesse da presidente”. Mandaram-me entrar e passei à frente daquela gentinha toda. “O se-

nhor está aqui para quê?”. “Para concorrer ao lugar. Eu tenho uma particularidade: sou deficiente, mas gostava que me desse oportunidade de provar que sou capaz de fazer o serviço. Senão for capaz, se houver alguma coisa nas funções que eu não possa fazer eu admito e vou para o último lugar da fila. Gostaria é que me dessem oportunidade de mostrar que eu sou capazde fazer.” E a Zita foi espetacular. Despus-me a vir para cá durante 15 dias à noite, à experiência, com o porteiro que aí estava. Ao fim de três ela já estava a dizer: “O lugar é seu!”

(…)

Eu passei aqui por situações horríveis. Há uns sete, oito, nove anos cheguei a ter uma noite em que estava no corredor porque me tinham partido a porta dos Jardins que dá para a Salade Estudo. Partiram o vidro e eu corro até lá, porque aqueles malvados estavam a destruir tudo lá em cima. Quando vou a meio do corredor estavam a partir a porta principal também. Parame matarem. Africanos que vieram passar um fim de semana e que eu envergonhei na porta principal. Vi que não eram estudantes, estavam-se a portar mal. E eu virei-me: “olha lá ó pa-lerma!”. Mas sem medo nenhum deles. Perdi o medo. Eu podia ter morrido, mas se não morri dessa vez... Não tenho medo de nada nem de ninguém. “Tu nem és estudante. Cartão de es-tudante, tens? Então não entras!”. Fechei a porta. E eles foram lá por trás e fizeram lá porcaria. Começaram a atirar com copos para dentro da Sala de Estudo e eu fingi que chamava a polícia.Mas um estudante chamou mesmo. Pouco depois a polícia apareceu. E levou nos cornos! Vieram só dois e eles eram mais. Estavam a tentar revistá-los, eles viram que eram só dois e bate-ram-lhes. Os agentes chamaram mais polícia. Foi uma noite de verdadeiro faroeste! Levaram-nos para a esquadra. Eles bateram nos agentes que lá estavam. Depois levaram tanta porradaque tiveram de ser levados de ambulância para o hospital. E o chefe deles, onde agora é a polícia municipal, bate num enfermeiro, salta da ambulância e vejo-o passar aqui na porta cheiode sangue. Fechei a porta imediatamente e pensei: “Vai para os jardins!”. Oiço partirem a porta lá em cima. Ele vinha mesmo naquela de dar cabo de mim! As duas portas do edifício a seremarrombadas. E o pessoal da direção-geral onde é que estava? Enfiados dentro do gabinete da presidência, cinco meninos, sentados, ali encolhidos, cheios de medo. “A casa é mais vossa doque minha!”Foi lá o Maricato, responsável da Secção de Desportos Náuticos. Apareceu mais uns amigos do Judo e conseguiram controlar a situação.

Entrevista por Rafaela Carvalho

AACTestemunhos e outras curiosas histórias de Francisco Linhares “FOI UMA NOITE DE VERDADEIRO FAROESTE!”

D.R.

D.R.

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Sentou-se na esplanada,perna cruzada, e esperou queo tempo passasse. Sabia que

a vida se resumia, por vezes, a isso: otempo a passar, entre uma garrafa decerveja e o vento a correr sobre orosto. A loucura é acreditar que vale apena. Recordou as férias, a praia, ascorrerias e os suores. E a pele dela.Ah, a pele dela. A loucura é acreditarque vale a pena. Fechou os olhos e foilá, exactamente lá, ao momento e aolugar da pele dela. Às pernas tocadaspor baixo das mesas, aos braços ro-çados por cima das mesas. E aos lá-bios que se beijavam a cada vez quese falavam. Ah, a pele dela. A peledela sempre por descobrir. A loucuraé acreditar que vale a pena. Toda apele por descobrir. Ah, o riso dela.Aquela forma de encher a vida comum simples som. Fechou os olhos eacreditou que era agora o tempo doriso, que era agora o tempo da lou-cura. A loucura é acreditar que vale apena. E vale.

Deitou-se na cama, serviu-sedo corpo. Como se servisseum cálice de vida. Como se

celebrasse o que deixou por viver. Háuma vida a mais sempre que se viveo que se deixou por viver. Quis quefosse outra vez o tempo perdido, otempo do choro, da saudade, da tris-teza. Quis outra vez sentir a ausência.Como se fosse a única forma de pre-sença. Como se sentir a falta fosse aúnica forma de voltar a sentir o quequer que fosse. Como se o tempo per-dido fosse a única forma de ganhartempo. Esqueceu-se dos lençóis cho-rados, esqueceu-se do nunca maisque se ergueu no eco das horas. E ser-viu-se do corpo. Há uma vida a maissempre que se vive o que se deixou

por viver. Imaginou-o na esplanadade sempre, no nada querer de sem-pre, no espaço vazio de sempre. Eserviu-se do corpo para não se servirdas lágrimas. Imaginou-o na cervejade sempre, na distância de sempre,na terra sem dono de sempre. Háuma vida a mais sempre que se viveo que se deixou por viver. Imaginou-o o mesmo incapaz de sempre, omesmo zero de sempre. O mesmo de-pendente de sempre. E quis, sem se-quer chorar ou sentir, ser a mesmalouca de sempre. A louca dele. Parasempre.

Havia o minuto de todasas horas na esplanadaem que a manhã se fizera

tarde. Havia ainda a cerveja, haviaainda a sensação de que não havia es-paço para o que os olhos viam. O em-pregado de bata branca sentado, aolado, sem saber a felicidade de não teruma saudade para chorar, a velhasorridente que passa com o neto pelobraço, sem saber o milagre de não terum nunca foi que nunca deixa de ser.Há um instante em que percebes quefoi o que não forçaste que valeu apena. A esplanada vazia sob ocalor tórrido do pico da tarde. Aesplanada vazia com aquelehomem e aquela cerveja eaquela saudade dentro. Aesplanada vazia. A vida re-sume-se à absoluta sen-sação de vazio que só oque amas te oferece.A vida resume-se àabsoluta sensaçãode vazio que nãoteres o corpo dequem amas te ofe-rece. O homem vaziocheio de saudade, a

cerveja vazia cheia de verdade. Jánem sequer a velha sorri (“este miúdodá-me cabo da cabeça”), já nem se-quer o empregado descansa. Mais umgole que nada sacia, mais uma recor-dação que nem o vento carrega. Umhomem deixado na sua rotina quenão deixa. A felicidade é uma rotinaque se repete sempre diferente. Nãofecha os olhos, não imagina o que umdia foi nem o que um dia será. Li-mita-se a sentir, no corpo, aquilo quenem a alma consegue digerir. Limita-se a sentir. A vida resume-se a sentir.

A cama por amar. A mu-lher serviu-se do corpo enem o corpo se sentiu

servido. O prazer é um produto cor-póreo da imaginação. Estendeu-se esentiu-se estendida, na cama em quetodos os êxtases se vieram. E acredi-tou. Acreditar é um segundo de pra-zer. Quis estender a recordação,trazer de volta o que sabia que nunca,na verdade, fora capaz de ter. Imagi-nou-o no sítio de sempre e foi – res-piração parada,como sem-p r e .

Sabia que não podia, sabia que nãodevia, sabia que nem ela a si o reco-mendaria. E acreditou que tinha tudoo que queria: a esplanada de sempre,a ausência de sempre, o nada ter desempre, a desgraça de uma depen-dência de sempre. O prazer é um pro-duto corpóreo da imaginação.Acreditar é um segundo de prazer.Não sabe se foi ele que correu paraela, não sabe se foi ela que correupara ele. Sabe que houve um abraço ameio do caminho – mas nem sabe(como saber o que só se sente?) qualera o caminho. Sabe ainda que elenão disse que a precisava, nem disseque a sentia como ela disse que o sen-tia. E sabe que aquilo, aquele nadadizer, aquele nada sentir, foi tudo oque precisou de ouvir, foi tudo o queprecisou de sentir. Regressou à camae aos lençóis e encheu-os de saudadeem estado líquido. Não chorou maisdo que o costume, não se quis maisdele do que o costume. E soube que afelicidade podia muito bem ser ape-nas aquilo: o homem defeituoso de

sempre na realidade imperfeitade sempre. Acreditar é

um se-g u n d ode pra-zer.

SOLTAS12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 17

Por Pedro Chagas Freitas MICRO-CONTO

Com apenas 18 anos já era chefede redação do jornal vimaranense“Estádio D. Afonso Henriques”,tendo, em 2001, começado a cola-borar com o jornal “A Bola”. PedroChagas Freitas, natural de Guima-rães, sempre foi um homem da es-crita. Dos primeiros passos nojornalismo à contratação do grupoeditorial “Impala”, o escritor sem-pre teve um percurso regular.

Em 2006, venceu o Prémio BolsaJovens Criadores, atribuído peloCentro Nacional de Cultura e peloInstituto Português de Juventude e,a partir daí, partiu para histórias deficção e pequenas crónicas humo-rísticas. Mas a área onde ChagasFreitas mais se destaca é a da es-crita criativa. Desde 2001 que écoordenador de sessões de escritacriativa, que se realizaram já umpouco por todo o país – contabili-zando, no total, mais de mil horasde formação. Ainda relativamentea essa área, concebeu o primeirocurso através do Facebook, comuma metodologia pioneira emtodo o mundo.

Ana Duarte

PEDRO CHAGAS FREITAS33 ANOS

I

II

III IV

ILUSTRAÇÃO POR TIAGO DINIS

BREVES

Vaticano O Papa Bento XVI anun-ciou ontem a sua resignação do cargo.Segundo o pontífice, a idade avançadanão lhe permitem um serviço ade-quado ao ministério de Pedro. Osmédia italianos apontam 28 como odia da resignação, altura em que o pa-pado entra em sede vacante e se pro-cede à escolha de um novo pontífice.A renunciação surge após vários casosconturbados no seio da igreja católica,que puseram em causa a sua popula-ridade. Bento XVI, que sucedeu aJoão Paulo II, é o primeiro papa a re-signar após a saída de Gregório XIIem 1415. Público

Política Presente, no passado do-mingo, na Comissão Nacional do Par-tido Socialista, António Costa abriucaminho à candidatura de António

José Seguro às eleições legislativas. Opresidente da Câmara Municipal deLisboa, presente em Coimbra, diz quese revê no documento de orientaçãoestratégica apresentado pelo secretá-rio-geral do PS. O documento, queAntónio Costa considera como “umbom sinal”, serviu para o político darprioridade a José Seguro e afastarassim a sua possível candidatura à li-derança do PS. Expresso

ViseuO município de Viseu vai assi-nalar os 500 anos da outorga do Foralde D. Manuel I à cidade com a reali-zação de várias iniciativas ao longodeste ano. O foral é um documentorégio entregue a uma determinadaterra, estabelecia como os tributos ouprivilégios que deveriam ser adminis-trados. O quarto foral de Viseu, en-tregue em 1513, vai ser comemoradoem diversos momentos da programa-ção cultural do município, como o 6.ºFestival de Música da Primavera, oFestival de Teatro Jovem e as Mar-chas dos Santos Populares. As Bei-ras

União Europeia A vice-presidente

da Comissão Europeia, Viviane Re-ding, vai estar em Coimbra para umdiálogo com os cidadãos. O encontrorealiza-se às 10h do dia 22 de feve-reiro, na Sala dos Capelos da Univer-sidade de Coimbra. A iniciativa, queserá um diálogo aberto, pretende daroportunidade aos cidadãos de seremouvidos. Numa altura de fragilidadedo projeto europeu, o evento pretendetambém que as pessoas falem sobreos seus direitos. Dado o número limi-tado de lugares, o debate será tam-bém transmitido na internet.Comissão Europeia

Facebook O Facebook está a sofrerum processo legal devido ao botão“Gosto” e outras características do‘site’. A rede social está a ser proces-sada por uma companhia chamada

Rembrandt Social Media, que está aagir em nome de Joannes Jozef Eve-rardus van Der Meer, um falecidoprogramador holandês. Em causaestá a utilização ilegal de duas paten-tes do programador, que a companhiaconsidera terem sido o sucesso do Fa-cebook. A famosa rede social tem sidoalvo de vários processos legais por uti-lização ilegal das suas patentes. BBC

Museus O Museu Nacional Machadode Castro é candidato a museu euro-peu do ano. O prémio para melhormuseu do ano 2013 é promovido peloEuropean Museum Forum. A pardesta nomeação, também o Museu daComunidade Concelhia da Batalha éo segundo museu português desig-nado. A distinção surge numa altura

em que o museu de Coimbra reabriuhá pouco tempo e apresenta, depoisde seis anos em obras, peças que vãodesde a arte sacra, a joalharia, cerâ-mica e até tapeçaria. O júri decidirácom base no aumento da inovação einfluência pública nacional e interna-cional que o museu possa represen-tar. Comissão Europeia

Futebol Os computadores pessoaisde Fernando Gomes, presidente daFederação Portuguesa de Futebol,foram levados da sede no sábado. Apolícia já andou a recolher indícios nolocal, imagens da vídeo vigilância euma mochila, objetos deixados nolocal pelos ladrões. Agora está a pro-ceder à investigação. FernandoGomes acredita que o furto teve “umobjetivo específico” dado que o que foilevado corresponde só aos seus per-tences. “Fico triste por constatar onível a que alguém terá descido por-que quem tiver acesso aos meusdados apenas vai encontrar um tra-balho sério, rigoroso e transparente",afiança Fernando Gomes. iOnline

Por Liliana Cunhae João Valadão

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OPINIÃO18 | a cabra | 12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira

CARTAS À DIRETORA

O actual presidente da DG/AACafirmou numa entrevista que “nin-guém levava o relatório do FMI asério”, em alusão às propostas destepara aumentar as propinas no En-sino Superior consoante o custo e ovalor de mercado dos cursos. O seudiscurso tem-se centrado no objec-tivo (já do anterior mandato) de tor-nar as contas da AAC “maistransparentes”. Será que alguém levaisso a sério? Soube-se pela própriaDG, a meio do último mandato, quea AAC estava com problemas finan-ceiros. Até aqui, oficialmente, só sesabe isso. Já oficiosamente, polulamtanto pela blogosfera como pelasbocas dos estudantes várias hipótesesobre a origem do “buraco da AAC”,sobre o desvio das receitas daQueima das Fitas ’11 para realizar aLatada ’12 e a consequente falta dasmesmas no Núcleos e Secções, sobrea falta de pagamento a fornecedores,sobre as despesas da “Zona VIP”,entre outros relatos mais, todos elesnada abonatórios do anterior man-dato da Direcção-geral de RicardoMorgado. Rumores, valem o quevalem. Mas a verdade é que estamoshoje numa situação quase sem pre-

cedentes: a Direcção-geral tomouposse há mais de duas semanas, foieleita há três meses, e ainda nãoapresentou o relatório de contas. Oque é ainda mais gravoso é que estaDG se recandidatou, foi reeleita etomou posse, permanecendo o es-tado das contas da Associação Aca-démica do último mandatodesconhecido pelos seus sócios. Osestatutos também prevêem que o re-latório seja apresentado três sema-nas depois do início do ano civil masdeve ser mais um caso em que a rea-lidade desobedece aos estatutos. O facto de este ano existir um

membro do Conselho Fiscal inde-pendente da lista que venceu as elei-ções para a Direcção-geral, DiogoXavier, é um elemento que poderáser positivo na resolução destes e ou-tros assuntos e que venha, de umavez por todas, quebrar o silêncio dosdirigentes associativos. A descon-fiança generalizada (e justificada) eo consequente afastamento da co-munidade académica com as suces-sivas Direcções-gerais, tem afinal ummotivo. Não é apenas parte da “pas-sividade” da juventude portuguesa.Nós estudantes temo-nos “mexido”

sim, e muito. Mas sempre por fora daAAC. Prova disso são as várias mani-festações do último semestre aquiem Coimbra, como os 20 mil que saí-ram à rua no dia 15 de Setembro, e ascentenas que esperaram o Primeiro-Ministro na inauguração do MuseuNacional Machado de Castro. Ra-zões, não nos faltam, falta-nos é umadirecção (geral) para a contestação. É que apesar de não levar a sério o

relatório que pretende matar de vez oEnsino Público, na tomada de deposse, o Presidente da AAC afirmou,perante o Magnífico Reitor, que“chega, a propina não pode aumen-tar nem mais um euro”. Da parte daDG/AAC há pelos vistos uma oposi-ção frontal a este novo aumento. Se-gundo o Artigo 3º dos seus estatutos,é a missão da AAC “orientar a suaacção com vista à concretização deum ensino público, democrático, dequalidade e gratuito” – já há 20 anosque, aumento após aumento da pro-pina, os estatutos da AAC mantive-ram-se inalterados. A realidade é queteima, mais uma vez, em não corres-ponder. O futuro dirá quanto tempoesta reivindicação demorará a escor-regar para outro patamar mais baixo.

Posto isto, é claro: as propinas vãoaumentar já no ano que vem – e bemmais do que os 33 euros de ajuste se-gundo a inflação. Sabemos que atéagora já um em cada três pedidos debolsa foi recusado e que há um nú-mero indeterminado de alunos queanularam a sua matrícula na univer-sidade por atrasos e dívidas relativasao pagamento das propinas. Uma resposta da maior Associação

de Estudantes do país não pode ficarpor pronunciamentos públicos con-tra as medidas que são propostaspara o Ensino Superior. Há que exi-gir desta Direcção-geral que os mes-mos discursos vazios que falam emmais transparência na AAC (quandotudo o que é feito vai no sentido con-trário) e em que afirmam que estaDG não aceitará um novo aumentoda propina, deixem de ser aquilo queforam até agora... palavras.

*Candidato ao Conselho Fiscal nasúltimas eleições pela Lista T e mem-bro da Plataforma UniversidadeContra a Austeridade

A desconfiança generalizada (e justificada) e o consequente afastamento da comunidadeacadémica com assucessivas Direcções-gerais,tem afinal um motivo"

QUEREMOS LEVAR A SÉRIO ESTA DIRECÇÃO-GERALIGOR CONSTANTINO*

Factos são factos*. Em 2012, dos116 mil inscritos no ensino superiorpela primeira vez, 65 mil eram mu-lheres (representando 58 por centodo total). Cada vez há mais mulheresem lugares de direção ou chefia, a as-sumir cargos e tarefas que até háalgum tempos eram desempenhadosexclusivamente por homens. AngelaMerkel ou Christine Lagarde são oexemplo atualíssimo disso mesmo.Há mesmo quem diga que, qual-

quer dia, a as quotas têm de ser “aocontrário” e vai ter de celebrar-se oDia do Homem em vez do Dia da Mu-lher.Por baixo da superfície das apa-

rências, a realidade é, porém, bemdistinta. Em termos de remuneraçãobase média, as mulheres portuguesascontinuam bastante abaixo dos ho-mens (1712 euros contra 1327, emdados de 2009). Mais significativaserá, porém, a discrepância entre ovalor dos ganhos médios (remunera-ções salariais acrescidas de outrostipos de rendimentos): aqui, os ho-mens, em média, auferem 2541euros, mais 638 euros mensais doque as mulheres. Provavelmente nabase desta diferença está a dupla jor-nada de trabalho das mulheres em

que o “segundo” emprego não é re-munerado. Os homens, por seu lado,dedicam-se a outras atividades pos-sivelmente geradoras de recursos fi-nanceiros adicionais.Também nos números do desem-

prego se manifestam diferenças: odesemprego feminino tem sido histo-ricamente superior ao masculino,ainda que a diferença tenha vindo adiminuir.Quanto às mulheres com cargos

“tipicamente” ocupados por homens,o assunto parece estranho na medidaem que “elas” continuam a ser notí-cia. Quando Assunção Esteves assu-miu o segundo lugar da hierarquia doEstado em Portugal, os média titula-vam: a primeira mulher presidenteda Assembleia da República. Sóquando este tipo de “notícia” deixarde ser notícia é que o discurso sobrea igualdade de género será, de facto,desnecessário. (O parêntesis abre-se,a este propósito, para sublinhar quena Assembleia da República, na cor-rente legislatura, 72,6 por cento dosdeputados são homens, o que deixamenos de um terço dos lugares àsmulheres). Ainda no universo polí-tico nacional, o caso de outra Assun-ção, Cristas de apelido, é

paradigmático: quantos homensforam notícia por ir ser pais duranteo desempenho das suas funções go-vernativas?Mas é sobretudo nas histórias de

pessoas anónimas que a desigualdadese sente mais. O poder económico járeferido assume com frequência o ca-ráter de poder efetivo. Os casos deviolência doméstica sobre as mulhe-res – física e psicológica – têm preci-samente como base os desequilíbriosde poder, de forças várias. Por trás daporta de muitos lares, repete-se a his-tória da Mariazinha de José MárioBranco. Na rua e em público, ohomem apregoa as virtudes da liber-dade, justiça e igualdade que não che-gam “aqui dentro de casa” (é o títuloda canção). Até ao dia em que Maria-zinha se transforma em Marta e amaré vaza dá lugar à maré cheia.Por tudo isto continua a fazer sen-

tido falar de igualdade. Sabendo quehomens e mulheres são, objetiva-mente, diferentes. Mas que têm di-reito à igualdade de oportunidades ede tratamento.Ou, como muito melhor disse Boa-

ventura de Sousa Santos a propósitode outro tema, é preciso reivindicar odireito à igualdade quando a dife-

rença inferioriza e o direito à dife-rença quando a igualdade descarac-teriza. Daí se deduz a necessidade deuma igualdade que reconheça as di-ferenças e de uma igualdade que nãoproduza, alimente ou reproduza asdesigualdades.Se a igualdade, de facto, entre ho-

mens e mulheres, não é tema (nobom sentido) em muitas ocasiões, sãomúltiplas as zonas de fratura, entre,como já se disse, o público e o pri-vado, o urbano e o rural, o explícito eo implícito.-Se neste texto o mote utilizado foi a

desigualdade de género, muitos ou-tros poderia ter sido – do estatuto so-cial à idade, passando pelanacionalidade ou etnia.Portanto, igualdade precisa-se

mesmo, sem interrogação, e mesmocom exclamação (do tipo que ex-prime surpresa).

* todos os dados estatísticos referidossão disponibilizados pela Pordata(www.pordata.pt)**Conselheira municipal para aIgualdade de Géneros

É preciso reivindicar o direito à igualdadequando a diferençainferioriza e o direito àdiferença quando a igualdade descaracteriza

IGUALDADE, PRECISA-SE(?)CLARA ALMEIDA SANTOS*

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OPINIÃO12 de fevereiro de 2013 | Terça-feira | a cabra | 19

Secção de Jornalismo,Associação Académica de Coimbra,Rua Padre António Vieira,3000 - CoimbraTel. 239410437 e-mail: [email protected]

Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº183245/02 Registo ICS nº116759Diretora Ana Duarte Editora-Executiva Ana Morais Editores Rafaela Carvalho (Fotografia), Liliana Cunha (Ensino Su-perior), Daniel Alves da Silva (Cultura), João Valadão (Cidade), Paulo Sérgio Santos (Ciência & Tecnologia), António Cardoso(País & Mundo) Paginação António Cardoso, Ian Ezerin, Rafaela Carvalho Redação Ana Marques Francisco, Beatriz Bar-roca, Daniela Proença, Ian Ezerin, João Martins, Joel Saraiva, Luís Azevedo, Pedro Martins, Tiago Rodrigues Colaborounesta edição Ana Sousa Fotografia Ana Morais, Rafaela Carvalho, Olga Juskiewicz Ilustração Carolina Campos, JoanaCunha, João Pedro Fonseca, Tiago Dinis Colaboradores permanentes António Matos Silva, Bruno Cabral, Camila Borges,Camilo Soldado, Carlos Braz, Catarina Gomes, Fábio Rodrigues, Filipe Furtado, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gas-par, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, José Miguel Pereira, José Miguel Silva, Luís Luzio, Manuel Robim, RicardoMatos, Rui Craveirinha, Tiago Mota, Torcato Santos Publicidade António Cardoso - 914647047 Impressão FIG - IndústriasGráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: [email protected] Tiragem 4000 exemplares Produção Secção deJornalismo da Associação Académica de Coimbra PropriedadeAssociação Académica de Coimbra AgradecimentosGonçaloQuadros, Pedro Chagas Freitas, Francisco Linhares

EDITORIAL

DESRESPONSABILIZAÇÕES CONSECUTIVAS

É sabido que os últimos dois anos foram pautados pela austeri-dade e por sucessivos cortes na educação, acompanhados de um au-mento de propinas. Ao mesmo tempo, com a entrada em vigor do

novo regulamento de atribuição de bolsas, muitos estudantes perderam oseu único apoio para se sustentar no Ensino Superior (ES).Há quem tenha regressado a casa, há quem tenha ficado, perante todas

as adversidades. E são esses que se revelam casos de sucesso face a umainércia estatal no que toca à verdadeira solidariedade social. O empreen-dedorismo é apregoado constantemente. Há jovens com ideias. Mas nãohá dinheiro para investir, muito menos para os ajudar.“A necessidade leva ao engenho”, como diz o ditado. E é isso que tem

acontecido pela Universidade de Coimbra (UC). Estudantes numa situa-ção de escassez financeira decidem arranjar maneiras de autofinancia-mento, para se irem aguentando por aqui. É de louvar uma atitude destas– a força de vontade e o orgulho para se “desenrascarem” e aceitarem a so-lidariedade dos amigos. Contudo, há que ter em conta que, se o fazem, épara colmatar as falhas de apoio existentes. Podem não conseguir fazermais do que já fazem agora, mas a verdade é que assistimos hoje a uma de-gradação dos Serviços de Ação Social da UC, que já não conseguem darresposta a todos os pedidos de auxílio.As atenções centram-se agora nos estudantes: réus e juízes das suas pró-

prias vidas, sendo condenados por ações de um Estado social que erra etendo de resolver os próprios problemas sem amparo.

Imaginada a tipologia jurídica saber-se-á que não deveria haverhierarquia entre os sócios da Associação Académica de Coimbra.Mas há. Há contas que não se prestam, contratos que nunca foram

explicados e rumores alimentados pela curiosidade duma coisa de que nãohá memória. Fala-se do ato incomum de tomar posse uma nova Direção-geral da AAC sem antes se terem prestado contas do mandato anterior. Opresidente pode ser o mesmo mas ainda há responsabilidades para seremassumidas de 2012. Todos os estatutos invocados estão corretíssimos e éde louvar a atitude de querer uma análise detalhada. No entanto, há fac-tos que têm de sair cá para fora já.Aquela enchente que esgotou os ‘vouchers’ para a próxima Queima das

Fitas com certeza não saberia que o dinheiro adiantado que prestou à or-ganização é a salvação para a contratualização das bandas. Foram lá semter um cartaz. O nome “Queima” chega. Mas quem está dentro da casasabe bem que de há uns anos para cá, o saldo lucrativo vem a descer apique. E a adiantarem-se verbas sem uma clara discussão sobre o assunto,todos ficam virados uns contra os outros sem saber se podem ou não falarsobre os prejuízos. É uma espécie de toda a gente o sabe mas ninguémainda pode provar. Esperemos então pelos números mais duas semanas.

Liliana Cunha e Ana Duarte

Aquela enchente que esgotou os ‘vouchers’para a próxima Queima das Fitas com

certeza não saberia que o dinheiro adiantado queprestou à organização é a salvação para a con-tratualização de bandas

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Cartas à diretorapodem ser

enviadas para

[email protected]

Teve lugar no passado dia 24 deJaneiro a tomada de posse dosnovos corpos gerentes da Asso-ciação Académica de Coimbra,algo que é extremamente impor-tante no meio estudantil. No en-tanto, não menos relevante, é dedestacar a forma de como estesresultados, para estes corpos ge-rentes, foram construídos: pri-meiro, uma insuficiência deverbas disponíveis para a realiza-ção de uma campanha eleitoraldigna desse nome, na qual hou-vesse o claro objectivo de esclare-cer eleitores; segundo, o“amparo” da Administradora dosServiços de Ação Social da Uni-versidade de Coimbra (SASUC)com o anúncio da “reabertura”da lavandaria (ver entrevista aoJornal A Cabra no dia 21 de No-vembro de 2012, esta entrevistaé inacreditável!), que pelo estra-nho que pareça o candidato ven-cedor apresentou como um feitoalcançado por ele; terceiro, o pro-cesso eleitoral com uma taxa deabstenção superior a 80 porcento (a lista vencedora apenasteve cerca de 3062 votos, numuniverso eleitoral superior a 22mil eleitores!). Apesar das peri-pécias, a lista “vencedora” vemdesvalorizar a taxa de abstenção,afirmando ter conquistado 62,15por cento dos eleitores e que tem

toda a legitimidade para exercermais um mandato. A mim preo-cupa-me este discurso, que ape-nas serve para ocultar outrosnúmeros e outras percentagens. Ocandidato que tomou posse de-verá ter em mente uma percenta-gem de 13 por cento (valor quesignifica o número apoiantes).Sinceramente, espero que estapresidência tente dignificar os es-tudantes. Contudo, não tenho ne-nhuma esperança que tal se venhaa suceder. Para finalizar, gostariade perguntar à Administradorados SASUC o porquê da não rea-bertura da lavandaria. Este tipode situação, juntamente com oencerramento de cantinas, só vemdenotar uma clara falta de sensi-bilidade social!

*Estudante da Faculdade de Ciênciase Tecnologia da Universidade deCoimbra

O EXEMPLO DE

CONSTRUÇÃO DE

UMA “MAIORIA“NA DEMOCRACIA

MODERNA!OSVALDO ANTUNES*

A mim preocupa-meeste discurso, que apenas serve para ocultar outros númerose outras percentagens.O candidato quetomou posse deveráter em mente uma percentagem de 13por cento"

CARTAS À DIRETORA

Page 20: Jornal Universitário de Coimbra A Cabra - Edição nº 256

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TREPA, BALANÇA, REBOLA E ESCORREGA POR RAFAELA CARVALHO 200X 100Uma exposição, mais do que

ser vista deve ser profunda-mente sentida, inigualavelme-nete vivida. Se assim nos forproposto porque não balançarnum túnel ou escalar paredesescorregadias?O escultor americano Robert

Morris levou esta permissa àletra, em 1971, na sua exposição“BodySpaceMotionThings” or-ganizada para a Tate Gallery, deLondres. Infelizmente, nos últi-mos 40 anos poucas vezes a exi-biu.São rampas, cilindros, pare-

des e muitos outros. Placas demadeira gigantes que convidamo público a desafiar os seus re-ceios e a própria gravidade. Um jogo de equilibrismo, de

força ou mesmo de concentra-ção que convida a começar, acair, a recomeçar, a escorregar ea começar novamente.

Angola apresenta um cresci-mento económico que não tem tidoreflexo nas suas liberdades e garan-tias. A comunicação social não éalvo de censura visível. Mas é con-trolada de forma dissimulada, o quede certa maneira torna a situaçãoainda mais grave. Os grandes gru-pos económicos angolanos tem li-gações diretas ao poder central sejapor laços de sangue ou por jogos deinteresses. A guerra é algo do pas-sado e o processo de reconstruçãotem sido mais ou menos bem con-cebido. No entanto, o controlo dainformação e da cultura “corrói” demaneira especialmente grave asmentes oprimidas do povo ango-lano. A.C.

Governo de Angola

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O Turismo enquanto setor es-tratégico de extrema importânciano contexto colectivo gera váriosmilhões de euros e milhares depostos de trabalho. Mas o setornecessita urgentemente de ade-quar-se ao panorama económicoatual. O Plano Estratégico Nacio-nal de Turismo (PENT), aprovadoem 2007, tinha objetivos comple-tamente insustentados e irrealis-tas. O processo de revisão doPENT terminou agora o seu pe-ríodo de consulta. Porém, o PENTcontinua a demonstra-se desade-quado ao apontar metas ainda de-masiado ambiciosas e não apostarem novos produtos estratégicos.A.C.

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Os 50 anos do Estádio Univer-sitário da UC dão que pensar.Está preparada uma coleta parajuntar 250 mil euros, já que a uni-versidade não suporta mais a re-qualificação de nenhum espaço. Ea apresentação de um projetopara unir a Escola Básica à Facul-dade de Desporto lá sediada é ex-celente se avançar. Se seconseguir esse dinheiro, a degra-dação daquela que é a faculdademais recente de todas, ainda maisrecente que o próprio estádio, po-derá assim não ter de mudar delugar e trazer a dignificação do es-paço para os próximos EUSAGames.L.C.PÁG. 13 PÁG. 12 PÁG. 4