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ordenamento do território e alterações climáticas

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  • Metropolizao do espao

  • Alvaro FerreiraAugusto Csar Pinheiro da SilvaGlaucio Jos MarafonJoo Ruaorganizadores

    CONSEQUNCIA

    Metropolizao do espaoGesto territorial e relaes urbano-rurais

  • 2013 dos autores

    Direitos desta edio reservados Editora ConsequnciaRua Alcntara Machado, 36 sobreloja 210 Centro - Cep: 20.081-010 Rio de Janeiro - RJ BrasilTel/Fax: (21) 2233-7935 vendas@livrariaconsequencia.com.brwww.livrariaconsequencia.com.br

    Todos os direitos reservados. A reproduo no autorizada desta publicao, no todo ou em parte, constitui violao do copyright (Lei no 9.610/98).

    Coordenao editorialEditora Consequncia

    RevisoNome do Revisor

    Capa, projeto grfico e diagramaoLetra e Imagem

    Foto da capa Alexandre Fagundes | Dreamstime.com

    cip-brasil. catalogao-na-fontesindicato nacional dos editores de livros, rj

    Z62b Zibechi, Ral, 1952- Brasil potncia : entre a integrao regional e um novo imperialis-mo / Ral Zibechi ; traduo Carlos Walter Porto-Gonalves. - Rio de Janeiro : Consequncia, 2012.

    348 p. : il. ; 16 x 23 cm

    Traduo de: Entre la integracion regional y un nuevo imperia-limoApndiceInclui bibliografia e ndiceISBN 978-85-64433-07-6

    1. Amrica Latina - Poltica e governo. 2. Brasil - Poltica e governo. 3.

    Imperialismo. 4. Amrica Latina - Histria. I. Ttulo.

    12-8621. CDD: 320.98 CDU: 32(8)

  • SuMRio

    Introduo... ou as primeiras aproximaes .......................................................9Alvaro Ferreira, Joo Rua, Glaucio Marafon e Augusto Csar Pinheiro da Silva

    parte 1. metropolizao do espao: desvendando racionalidades e propondo intervenes

    captulo 1. Metropolizao do espao: processos e dinmicas ....................17Sandra Lencioni

    captulo 2. Dinmica urbana e metropolizao: desvendando os processos espaciais ....................................................................35Ana Fani Alessandri Carlos

    captulo 3. A imagem virtual transformada em paisagem e o desejo de esconder as tenses do espao: por que falar em agentes, atores e mobilizaes? ..............................................53Alvaro Ferreira

    captulo 4. El maana no est escrito: notas sobre la crisis econmica en las ciudades europeas .....................................................75Oriol Nello

    captulo 5. Metropolizao, reestruturao imobiliria e reconfigurao da cidade de So Paulo ............................................................99Paulo Cesar Xavier Pereira

    captulo 6. Fortaleza: o centro e a cidade ...................................................... 111Jos Borzacchiello da Silva

    captulo 7. A incorporao da metrpole: algumas consideraes sobre a produo imobiliria e a metropolizao ...........................................133Maria Beatriz Cruz Rufino

  • captulo 8. Produo imobiliria e reconfigurao da regio metropolitana da grande da vitria ......................................................151Carlos Teixeira de Campos Junior

    captulo 9. A ritmanlise e o urbano: aproximaes iniciais ....................173Michel Moreaux

    captulo 10. Algumas consideraes sobre as possibilidades do planejamento e da gesto: riscos e promessas em prol do desenvolvimento scio-espacial ..................................................................193Joo Paulo Monte de Santana

    captulo 11. Planejamento e poltica urbana: desafios no contexto metropolitano ................................................................ 209Arlete Moyss Rodrigues

    captulo 12. Quem tem medo da autogesto? ..............................................227Luciano Ximenes Arago

    parte 2: metropolizao do espao e gesto do territrio

    captulo 13. Governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos .....................................................257Joo Ferro

    captulo 14.Geopoltica de la ciudad: poder y control de los espacios urbanos ..........................................................285Clemente Herrero Fabregat

    captulo 15. Arquiteturas territoriais nos espaos poltico- administrativos brasileiros: possibilidades e entraves dos zoneamentos ecolgico-econmicos (zee) como estratgia sustentvel de gesto de unidades municipais e regionais ............................315Augusto Csar Pinheiro da Silva

    captulo 16. A produo dos espaos metropolitanos: planejamento e gesto do territrio ..................................................................339Nelba Azevedo Penna

  • captulo 17. Planejamento e participao social no atual modelo de descen-tralizao administrativa: limites da democratizao na esfera poltica ....365Floriano Jos Godinho de Oliveira

    parte 3: metropolizao do espao e as relaes urbano-rurais

    captulo 18. Urbanidade, urbanidades, urbanidades no rural: uma construo para melhor compreender a unicidade do espao geogrfico ..385Joo Rua

    captulo 19. Consideraes sobre as transformaes no espao rural .....411Glucio Jose Marafon

    captulo 20. As configuraes do campo brasileiro e os contrastes do agronegcio ......................................................................... 423Flamarion Dutra Alves

    captulo 21. Consideraes sobre a territorializao da produo de biodiesel no Brasil e a ordem ambiental internacional ........................... 445Douglas Rodrigues Torres

    captulo 22. Relao urbano-rural: retomando uma discusso necessria ..............................................................487Regina Clia de Mattos

    captulo 23. O cerrado, antes dos inhambus, das juritis, das siriemas, agora do agronegcio? As transformaes no ps 1970 ................................501Vera Lcia Salazar Pessa

    parte 4: metropolizao do espao: outros olhares

    captulo 24. A paisagem como esconderijo: invisibilidade social e florestas urbanas do Rio de Janeiro do sculo XIX .....................................521Rogrio Ribeiro de Oliveira

    captulo 25. Metropolizao, espaos urbanos e rurais: um olhar da Geografia Fsica ............................................................................529Marcelo Motta

  • 257

    CAPtulo 13

    gOvERnAnA, gOvERnO E ORDEnAMEnTO DO TERRITRIO EM COnTExTOS METROPOLITAnOS

    Joo Ferro1

    governana metropolitana: um domnio de controvrsia em risco de bloquear precocemente?

    Nas ltimas dcadas temos assistido a uma profunda alterao da escala e natureza dos processos de desenvolvimento urbano. Essa alterao traduz-se no que Janssen-Jansen e Hutton (2012) designam por aumento da cons-cincia metropolitana ao nvel das polticas e do planeamento. Na verdade, reconhece-se hoje, de forma generalizada, que a emergncia de novas di-nmicas sociais, econmicas e ambientais de mbito metropolitano exige solues inovadoras de interveno pblica, de coordenao de atores e de articulao de polticas.

    O reconhecimento da importncia crescente desta escala geogrfica de regulao reabre velhos debates e suscita a necessidade de clarificar quem deve fazer o qu, isto , quem so os atores chave e que papis, poderes e responsabilidades lhes cabe neste mbito.

    neste contexto que, nomeadamente na Europa, as ideias de cidade-re-gio ou regio urbana funcional (por contraponto s velhas` reas me-tropolitanas) e de governana metropolitana ou metro-regionalismo (por oposio viso convencional` de governo metropolitano) tm vindo a ganhar peso nas agendas acadmica e poltica, tanto ao nvel das entidades da Unio Europeia (com destaque para a Comisso Europeia) como de v-rios estados-membros. As cidades fisicamente circunscritas, administrati-vamente delimitadas e estatisticamente determinadas foram dando lugar a cidades sem confins, administrativamente fragmentadas e demasiado

    1 Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa.

  • 258 MetRoPolizAo do eSPAo

    fluidas para poderem ser definidas a partir de critrios estatsticos rgidos. Ao mesmo tempo, as entidades governativas metropolitanas, nos (poucos) casos em que foram institudas apesar da oposio que em geral encontra-ram por parte de estados centralizados ou de regies politicamente fortes, tendem a ser complementadas ou mesmo substitudas por estruturas de coordenao mais flexveis e abertas a atores no pblicos.

    A existncia de entidades metropolitanas administrativas (governos metropolitanos), que na Europa nunca foi nem dominante nem pacfica, hoje contestada em pases com tradies de organizao poltico-adminis-trativa muito diferentes, com o argumento generalizado de que se revela-ram ineficientes. Simetricamente, as narrativas favorveis ao desenvolvi-mento de formas de governana metropolitana tm vindo a afirmar-se de forma poderosa, conseguindo mesmo sobrepor-se a contrastes nacionais significativos em termos poltico-institucionais.

    Esta ascenso das narrativas sobre governana metropolitana geral-mente interpretada luz da tendncia mais geral da passagem, verificada a partir dos anos 80 do sculo passado nos pases capitalistas mais desenvol-vidos, de uma tica de governo a uma tica de governana no quadro de uma profunda reestruturao do estado moderno.

    No que se refere formulao e execuo de polticas pblicas, a evolu-o de uma viso hierrquica de comando e controlo por parte de atores pblicos (tica de governo) para uma perspectiva baseada em processos no hierrquicos de tomada de deciso e de coordenao, envolvendo ato-res pblicos e privados (tica de governana), tem suscitado um aceso de-bate acadmico sobre os contextos, o significado e as implicaes dessa alterao. No entanto, este debate, que permitiu aprofundar muitas das questes em causa, parece encontrar-se agora num relativo impasse. Por qu?

    Por um lado, porque as vrias posies terico-ideolgicas em confron-to consolidaram os seus argumentos e entrincheiraram-se neles. A con-trovrsia como fator criativo corre, assim, o risco de entrar precocemente num processo de desacelerao ou mesmo de esgotamento relativo.

    Por outro lado, porque as anlises comparadas dos resultados relativos a distintas formas de governana metropolitana so relativamente incon-clusivas. De facto, as experincias existentes e os seus contextos institu-cionais, polticos e culturais de aplicao so demasiado diversificados para permitir comparaes robustas do ponto de vista analtico. Ao mes-

  • Governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos 259

    mo tempo, no tm sido efetuadas avaliaes contra factuais, isto , que ponham em confronto direto realidades e objetivos idnticos, nuns casos sujeitos a formas de governana e noutros no, de modo a identificar cla-ramente o valor (caso exista) das solues de governana adotadas. Mesmo no contexto relativamente homogneo dos pases da Europa do Sul, por exemplo, a ascenso e o desenvolvimento efetivos (e no apenas ao nvel retrico) de processos de governana metropolitana revelam diferenas significativas (SEIXAS e ALBET i MAS, eds., 2010 e 2012; PEREIRA, co-ord., 2001; GONZLEZ, 2008).

    O objetivo deste texto contribuir para um debate sobre governana metropolitana que v para alm das atuais fronteiras analticas que ten-dem a separar crticos, apologistas e neutros (isto , aqueles que se limitam a reconhecer e descrever formas de governana metropolitana).

    governo e governana: uma relao a esclarecer

    Nos comentrios que se seguem, entende-se por governo o conjunto de entidades poltico-administrativas que, de acordo com a lei, possuem atri-buies que devem prosseguir o interesse pblico e competncias que se baseiam na autoridade que emana do poder do estado. Estas entidades mantm entre si quer relaes verticais de natureza hierrquica (nveis na-cional, regional e local) quer relaes de cooperao institucional baseadas na complementaridade funcional e no respeito pela autonomia poltica, administrativa e financeira da cada uma delas (associativismo municipal, por exemplo). Em qualquer dos casos, a atuao destas entidades circuns-creve-se aos limites da lei e exerce-se pela fora da lei.

    Quanto s formas de governana, correspondem a associaes de en-tidades pblicas, semipblicas e/ou privadas que estabelecem voluntaria-mente entre si relaes horizontais de cooperao e parceria. Estas relaes podem basear-se em modalidades muito distintas, tanto em termos de na-tureza jurdica como de durao no tempo.

    A relao governo - governana em contextos metropolitanos refere-se, assim, ao tipo de interaes e interdependncias que se estabelecem entre, por um lado, as entidades poltico-administrativas e respetivos servios de administrao pblica de nvel nacional, regional e local no contexto das suas atribuies e competncias e, por outro lado, as entidades pblicas,

  • 260 MetRoPolizAo do eSPAo

    semipblicas e privadas organizadas em rede ou constituindo parcerias com a finalidade de influenciar ou intervir no funcionamento e gesto de espaos metropolitanos. Isto significa que uma mesma entidade uma autarquia municipal, por exemplo - pode atuar simultaneamente como entidade de governo de nvel local e como membro de uma parceria. o caso de muitas intervenes integradas de regenerao urbana desenvol-vidas por parcerias pblico-privadas constitudas para esse efeito. Nestas situaes, a autarquia municipal continuar a atuar, como lhe compete, no mbito das atribuies e competncias genricas consagradas na lei, mas simultaneamente, desenvolve novas tarefas de acordo com o papel espec-fico que lhe cabe enquanto parceiro da interveno integrada de regenera-o urbana.

    Nas duas prximas seces identificam-se o que se considera serem as principais vises-tipo sobre governana e apresentam-se e os pressupostos adotados como ponto de partida para este texto: necessidade de combinar elementos provenientes de diferentes vises-tipo sobre governana metro-politana, em geral consideradas como mutuamente exclusivas; necessidade de centrar a anlise na relao governo - governana e no em eventuais processos de transio governo - governana; e, por ltimo, necessidade de reconhecer a natureza estruturalmente assimtrica que caracteriza a relao governo - governana a favor do primeiro, por questes de legitimidade de-mocrtica, no duplo sentido de autoridade e de responsabilidade pblicas.

    De seguida, ilustra-se a relao governo - governana a partir do dom-nio do ordenamento do territrio. As perspetivas de planeamento regula-dor (regulao do uso, ocupao e transformao do solo) e de governana territorial (coordenao estratgica, integrao de polticas) so compara-das e enquadradas no contexto mais genrico da relao governo - gover-nana, permitindo sublinhar a importncia de esclarecer como articular novos modos de governana e formas renovadas de governo no mbito de um processo mais amplo de democratizao do estado, da sociedade e da economia.

    Posteriormente, apresenta-se uma tipologia de formas metropolitanas de governo e governana. A polifonia metropolitana que resulta da sua conjugao, envolvendo entidades com fontes de legitimidade e de poder muito diversas, permite sugerir trs pilares para a construo de uma re-lao entre formas de governo e de governana metropolitanas que con-tribua para o aprofundamento do processo de democratizao referido

  • Governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos 261

    no pargrafo anterior. O primeiro pilar prende-se com a necessidade de prestao de contas por parte das entidades envolvidas e de capacidade de controlo democrtico sobre os novos modos de governana metropolita-na. O segundo pilar refere-se institucionalizao das decises tomadas no mbito das novas formas de governana, tanto a montante (enquadra-mento dado pelas estruturas e normas polticas existentes) como a jusante (integrao das decises em instrumentos e regras vinculativos ou orien-tadores). Por ltimo, o terceiro pilar diz respeito reformulao da mis-so e das competncias da administrao pblica atravs do reforo dos objetivos de cidadania, interesse pblico e eficincia das polticas pblicas.

    Na seco final sintetizam-se os argumentos apresentados, visando refocalizar o debate sobre governana metropolitana e, assim, contribuir para enriquecer uma controvrsia e uma agenda acadmicas que parecem correr o risco de esmorecer precocemente na ausncia de leituras centra-das na relao governo governana escala metropolitana e desenvolvi-das luz de objetivos mais gerais de democratizao do estado, da socieda-de e da economia. Defende-se, assim, a importncia de discutir, de forma articulada, a relao governo governana e a poltica de ordenamento do territrio escala metropolitana como instrumentos de adaptao estru-tural das metrpoles desenhados a partir de uma agenda transformadora de natureza mais global.

    Refocalizar o debate para abrir um novo ciclo de controvrsia

    O debate acadmico sobre a passagem de uma tica de governo a uma tica de governana encontra-se, hoje, polarizado por trs vises-tipo prin-cipais, que podem ser sumariamente caracterizadas do seguinte modo:

    1) Viso crtica: neste caso, a emergncia e multiplicao de formas de go-vernana so associadas ao recuo e crescente desresponsabilizao do estado, atravs da progressiva transferncia de atribuies e poder para atores econmicos, muitas vezes de natureza global; segundo esta viso, esta transferncia deve ser interpretada luz do contexto mais geral de afirmao poltica, econmica e social do paradigma neoliberal;

    2) Viso civilista: para os defensores desta posio, a emergncia e mul-tiplicao de formas de governana so encaradas como o resultado

  • 262 MetRoPolizAo do eSPAo

    desejvel das reivindicaes apresentadas por uma sociedade civil (ci-dados, organizaes no-governamentais, movimentos sociais) cada vez mais exigente e autnoma em relao ao estado; estas novas formas de governana so interpretadas como uma componente de um pro-cesso mais amplo de aprofundamento da democracia das sociedades contemporneas, atravs da mobilizao e valorizao de dinmicas sociais que procuram ir alm dos mecanismos formais da democracia representativa;

    3) Viso reformista: neste terceiro caso, a emergncia e multiplicao de formas de governana surgem como uma soluo que procura superar a rigidez e burocratizao prprias do estado weberiano moderno, con-sideradas incompatveis com contextos institucionais, sociais e econ-micos cada vez mais complexos e imprevisveis; o objetivo dos defenso-res desta perspetiva alargar a base social dos processos de tomada de deciso pblica, atravs do envolvimento de atores, individuais e coleti-vos, com informao, conhecimentos, preferncias e interesses diversi-ficados, visando captar a multiplicidade de vises existentes, aumentar a adequao das decises pblicas a essa multiplicidade e, por essa via, melhorar os processos de tomada de deciso e a sua aceitao social.

    As anlises neomarxistas (relembre-se, por exemplo, o trabalho pionei-ro de Harvey, 1989), o projeto da Big society defendido pelo atual governo ingls (CAMERON, 2010) e o subsequente debate, direita e esquerda, sobre localismo e governana (ver sntese apresentada por Lowndes e Pra-tchett, 2012) e, por ltimo, as posies formalmente assumidas pela Co-misso Europeia sobre governana (COMISSO EUROPEIA, 2003 e 2011), ilustram as trs vises referidas.

    Como se salientou anteriormente, entre a crtica e a exaltao, as formas de governana, incluindo as de governana metropolitana, tm suscitado uma controvrsia que, embora longe de se encontrar esgotada, corre o risco de bloquear prematuramente. Por um lado, a persistncia de conjuntos de argumentos vistos como radicalmente antagnicos entre si tem impedido uma leitura dialtica, capaz de ultrapassar a repartio rgida hoje predomi-nante entre estudos crticos, apologticos ou meramente descritivos. Deste ponto de vista, as anlises de Swyngedow (2005), que salienta o que designa pelas duas faces de Janus presentes nos processos de governana, ou de He-aley (2006), que chama a ateno para as consequncias tanto regressivas

  • Governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos 263

    como progressivas que podem decorrer das novas formas de governana, so particularmente interessantes porque evitam interpretaes unilaterais. Por outro lado, a no atribuio de uma maior centralidade a algumas questes-chave, como o controlo democrtico sobre os novos modos de governan-a metropolitana ou o papel da administrao numa relao entre formas metropolitanas de governo e de governana mais centrada em objetivos de cidadania e prossecuo do interesse pblico, no tem estimulado a abertura de novas frentes de debate. Cox (2010), por exemplo, destaca a articulao dbil que a maior parte da bibliografia sobre governana estabelece com a dimenso estado e salienta a miopia prevalecente no modo como os projetos de governana metropolitana (no) so relacionados com domnios de ao mais vastos, nomeadamente do ponto de vista poltico.

    , portanto, necessrio refocalizar o debate e enriquecer a controvrsia sobre governana metropolitana. Com esse objetivo, os comentrios que se seguem assumem trs pressupostos de partida: i) as vises-tipo anteriormente identificadas no devem ser encaradas como totalidades que se excluem radicalmente entre si; ii) o foco de ateno deve ser a re-lao governo - governana e no a transio governo - governana; iii) a relao governo - governana estruturalmente assimtrica a favor do primeiro, por questes de legitimidade democrtica, no duplo sentido de autoridade e de responsabilidade pblicas.

    Os pressupostos de uma tese para relanar o debate sobre a relao governo - governana em contexto metropolitano

    Analisemos brevemente o primeiro pressuposto. Cada uma das vises-tipo referidas ilumina apenas parte do problema: evidente que a substituio de determinadas formas de governo por sistemas de governana tende, de uma forma genrica, a favorecer os atores privados mais fortes, com des-taque para as empresas e grupos econmicos com maior poder financeiro e influncia poltica; certo que o papel crescente desempenhado pelos movimentos sociais e organizaes no-governamentais tem estimulado formas de governana mais participadas e abertas; e, finalmente, tam-bm correto defender que o recurso a formas de governana mais flexveis e geis pode contribuir para superar os efeitos perversos decorrentes de uma administrao pblica centralizada, verticalizada e caracterizada por

  • 264 MetRoPolizAo do eSPAo

    cadeias de comando e controlo excessivamente hierarquizadas e burocra-tizadas. Mas ao adotar-se rigidamente uma das vises-tipo em detrimento das restantes, corre-se o risco de perder a capacidade de construir uma lei-tura mais sistmica e dialtica dos processos de governana. Governana e reestruturao do estado, governana e sociedades civis vibrantes, e go-vernana e processos de deciso participativos e colaborativos, tornaram-se, na verdade, trs domnios analticos paralelos, com poucos contactos entre si e, por isso, no devidamente articulados. Ora o panorama mais complexo: no s cada uma das vises-tipo inclui no seu seio posies no totalmente convergentes como possvel desenvolver anlises baseadas na combinao de alguns dos argumentos utilizados preferencialmente por cada uma dessas vises.

    No que diz respeito ao segundo pressuposto, convm realar que o fac-to de a maior parte das anlises se centrarem nos processos de governana, quer para critic-los quer para exalt-los, tem implicado, na prtica, uma menor ateno a uma viso relacional focada na articulao entre formas de governo e formas de governana. A passagem de uma tica de governo a uma tica de governana no pode ser interpretada como um processo sequencial de natureza radical, em que a segunda substitui por completo a primeira, anulando-a. certo que so raros os autores que apresentam explicitamente a questo desta forma to extrema. Na maioria dos casos trata-se, pois, de uma narrativa implcita. Mas a verdade que a excessi-va focalizao nas formas de governana no tem favorecido uma anlise mais dialtica e normativa, centrada na relao que deve existir entre for-mas de governo e de governana.

    Finalmente, o terceiro pressuposto. A relao governo - governana dinmica e depende dos contextos polticos, institucionais e culturais. Apesar dessa relao contingente, e por muito variados que sejam os con-textos poltico-institucionais e culturais, os dois polos no se equivalem: existe uma relao estruturalmente assimtrica entre ambos, sendo que as formas de governana devem ser definidas e avaliadas tendo como refern-cia as funes pblicas de governo.

    Esta , pois, a tese de partida deste texto. Para aprofundar a contro-vrsia cientfica sobre governana metropolitana, retirando-a do relativo impasse em que parece ter cado do ponto de vista analtico, necessrio refocalizar o debate a partir de trs pressupostos: considerar de forma no estanque os vrios posicionamentos terico-ideolgicos existentes sobre

  • Governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos 265

    esta questo, sob pena de branquearmos os aspetos que contrariam as in-terpretaes propostas no mbito de cada uma das vises; centrar o debate na relao governo governana, sob pena de adotarmos uma viso essen-cialista de governana; reconhecer a articulao estruturalmente assim-trica entre governo (o principal polo de referncia) e governana, sob pena de assumirmos uma viso relativista em relao ao papel do estado e importncia do princpio de legitimidade democrtica na definio de di-reitos e responsabilidades. Recusam-se, assim, trs posies bem identifi-cadas no texto de Crespo e Cabral (2010) sobre governana metropolitana: a ideia de governana sem governo, originariamente proposta por Rose-neau e Czempiel (1992); a viso segundo a qual o conceito de governana to inclusivo que dilui a fronteira entre governo e governana; e, finalmen-te, a perspetiva que defende que governo e governana constituem dois polos de um mesmo contnuo.

    As polticas de ordenamento do territrio como exemplo da tenso governo - governana

    A evoluo recente das concees de ordenamento do territrio e planea-mento urbano permite clarificar vrias das questes que a relao governo

    governana coloca.Nas ltimas duas dcadas tm ocorrido um debate em todos os pases

    da Unio Europeia sobre o objetivo e a natureza das polticas de ordena-mento do territrio e planeamento urbano.

    Os vrios estados-membros da Unio Europeia possuem sistemas pol-tico-administrativos e legais bastante distintos. Por outro lado, o ordena-mento do territrio no uma competncia formal da Unio Europeia, o que a impede de intervir diretamente neste domnio. Apesar disso, verifi-ca-se uma tendncia generalizada para a conceo de ordenamento do ter-ritrio enquanto instrumento regulador do uso, ocupao e transformao do solo perder peso a favor de uma viso mais estratgica, prospetiva e in-tegrada de desenvolvimento dos vrios territrios, assente na valorizao das suas caractersticas especficas (KNIELING e OTHENGRAFEN, eds., 2009; FERRO, 2011).

    A primeira conceo, agora chamada de planeamento convencional, integra-se numa tica de governo: interveno do estado, aos seus vrios

  • 266 MetRoPolizAo do eSPAo

    nveis administrativos, em nome do interesse pblico e da salvaguarda de bens comuns. As suas caractersticas genricas, incluindo os principais pontos fortes e fracos, podem ser vistas no Quadro 1. Esta tica de gover-no integra-se, por sua vez, numa conceo weberiana de estado moderno.

    A segunda conceo, designada por planeamento colaborativo, baseia-se numa tica de governana. Segundo esta perspetiva, o objetivo principal desenvolver mecanismos de participao e colaborao entre os atores

    pblicos e privados considerados relevantes para as questes em causa, permitindo uma interveno mais coordenada por parte desses atores e mais integrada em termos de polticas.

    Esta segunda conceo inclui, no entanto, variantes muito distintas. Umas tm sido desenvolvidas em contextos neoliberais de crescente des-regulao e visam, sobretudo, objetivos de competitividade. Outras, pelo contrrio, baseiam-se em processos participativos socialmente inclusivos e prosseguem objetivos de sustentabilidade ambiental, qualidade de vida e empoderamento dos cidados mais desprovidos.

    Embora muito distintas em termos de finalidades prioritrias e de ato-res envolvidos, estas variantes da segunda conceo de ordenamento do territrio tm, no entanto, em comum o facto de assentarem em processos de governana de base territorial de acordo com as caractersticas suma-riadas no Quadro 1. Esses processos configuram uma conceo ps-webe-riana de estado, no primeiro caso sob o paradigma neoliberal (desregula-mentao, privatizao) e no segundo caso adotando uma viso neomo-derna (FERRO, 2011), associada a formas de democracia deliberativa em que aos cidados dado um maior poder de atuarem como codecisores em determinado domnios e condies (oramento participativo, elaborao conjunta de programas locais de interveno, etc.).

    Uma leitura apressada do contedo do Quadro 1 poderia sugerir que a tica de governo, concretizada na perspetiva reguladora de planeamento e integrada na conceo weberiana de estado, estaria em vias de ser substi-tuda por uma perspetiva de governana, nuns casos no mbito de vises neoliberais e noutros de vises que designmos por neomodernas. Ora a questo que se coloca no a de considerar as ticas de governana e de governo como mutuamente exclusivas, reflexo da falncia do estado mo-derno weberiano, mas antes a de saber como articular novos modos de governana e formas renovadas de governo no mbito de um processo mais amplo de democratizao do estado, da sociedade e da economia. a

  • Governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos 267

    partir deste pano de fundo que o debate sobre governana metropolitana deve ser reequacionado.

    quadro 1. ordenamento do territrio nas ticas de governo e de governana: breve caracterizao

    tica Governo tica Governana

    natureza Planeamento regulador(regulao do uso, ocupao e transformao do solo)

    Governana de base territorial(coordenao estratgica, integrao de polticas)

    Relaes institucionais predominantes

    Relaes verticais de comando e controlo entre diferentes nveis da administrao (central, regional, sub-regional / metropolitano, municipal)

    Relaes horizontais de cooperao entre atores (organizaes, cidados) / parcerias, redes de atores

    espaos de interveno

    espaos administrativos espaos ad-hoc

    Pontos fortes legitimidade democrtica Consagrao legal de direitos e responsabilidades Vinculao de entidades pblicas e privadas

    Socializao dos processos de deciso (democracia deliberativa) eficincia e eficcia das polticas (adequao problema / rea de interveno; envolvimento de atores chave; decises negociadas; novas formas de identidade, etc.) Aceitao social das polticas

    Pontos fracos Rigidez, burocracia Conflitualidade interinstitucional e poltico-partidria desadequao entre escala do problema e espao de interveno

    Ausncia de legitimidade democrtica Fragmentao dos processos de deciso, diluio de responsabilidades instabilidade dos sistemas de governana, reversibilidade Possibilidade de afirmao de sistemas oligrquicos, clientelares e populistas de deciso

    Fonte: Elaborao do autor

  • 268 MetRoPolizAo do eSPAo

    governo, governana e tipos de regulao de mbito metropolitano

    Na ltima dcada verificou-se na Europa, como em muitas outras partes do globo, uma produo acadmica numerosa, tanto terica como empri-ca, sobre o desenvolvimento e consolidao de novas formas de regulao e coordenao escala sub-regional no contexto de espaos metropolita-nos. No cabe, neste texto, sistematizar as principais vises interpretativas em confronto (ver, por exemplo, LEFVRE, 1998 e 2010; LE GALS, 1998 e 2002; JESSOP, 2002; BRENNER, 2003 e 2004; PINSON, 2006 e 2011; COX, 2010) nem sintetizar os resultados dos vrios estudos de caso reali-zados, vrios deles de natureza comparativa (SEIXAS e ALBET i MAS eds, 2010 e 2012; JANSSEN-JANSEN e HUTTON, 2012; SEIXAS, BRANCO e GARSON, 2012). O objetivo desta seco bem mais modesto: propor uma tipologia de situaes que permita conferir maior legibilidade rela-o, que se procura clarificar e qualificar, entre formas metropolitanas de governo e de governana.

    Tendo por base a informao disponvel para diversas cidades euro-peias, possvel estabelecer a seguinte tipologia genrica:

    1) Formas de governo metropolitano de natureza supramunicipal Cor-respondem a autoridades polticas supramunicipais eleitas por sufrgio universal, direto ou indireto. Atualmente, so poucas as cidades euro-peias que detm estruturas deste tipo: Estugarda (Alemanha), Bolonha (Itlia), Madrid (Espanha), Istambul (Turquia) e diversas cidades ingle-sas destacam-se neste contexto. Vrios governos metropolitanos foram, alis, dissolvidos a partir da dcada de 90 do sculo passado. Curiosa-mente, e em contraciclo, o governo italiano decidiu, em julho de 2012, que as principais cidades deveriam institucionalizar formas de governo metropolitano at ao dia 1 de janeiro de 2014, isto , a data em que se inicia um novo ciclo de programao financeira comunitria comum aos vrios estados-membros da Unio Europeia, a vigorar entre 2014 e 2020 e que dar particular ateno s cidades como plataformas de integrao de polticas, atores e instrumentos de interveno.

    2) Formas de governo metropolitano de natureza intermunicipal Resul-tam da associao, voluntria ou impulsionada, em vrios graus, pelos governos centrais, de municpios vizinhos e possuem competncias e

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    geografias de interveno predefinidas. O governo francs, para dar apenas um exemplo, tem desenvolvido vrias reformas no sentido de favorecer o associativismo municipal, incluindo ao nvel das metrpo-les.

    3) Formas de governana metropolitana temticas/setoriais Envolvem entidades pblicas, semipblicas e/ou privadas, possuem domnios de interveno preestabelecidos de natureza temtica ou setorial (trans-portes, internacionalizao, habitao, reabilitao urbana, etc.) ou relacionados com projetos mobilizadores` (grandes infraestruturas, megaeventos, etc.), incidem sobre espaos geogrficos no necessaria-mente coincidentes com delimitaes administrativas e, em geral, be-neficiam, mesmo que apenas de forma temporria, da transferncia de competncias e recursos financeiros pblicos a partir dos nveis regio-nal e nacional.

    4) Formas de governana metropolitana de natureza consultiva e estra-tgica Baseiam-se na cooperao estratgica entre atores pblicos, semipblicos e privados (empresas, universidades, organizaes no-governamentais) em torno de estruturas formais e estveis de dilogo e cooperao, constituindo conselhos estratgicos metropolitanos ou outras plataformas de natureza consultiva e estratgica.

    5) Formas de governana metropolitana lideradas pelas comunidades lo-cais Correspondem a movimentos cvicos de cidade ou a movimen-tos e associaes de bairro organizados em rede, podendo envolver, ou no, os nveis inferiores da administrao municipal. Nesta categoria incluem-se ainda distintas modalidades de natureza episdica, desde as aes populares mais tradicionais aos recentes movimentos basea-dos em redes sociais.

    As categorias indicadas no esgotam, naturalmente, o leque de situa-es existentes. Por outro lado, se h metrpoles onde vrias das moda-lidades indicadas tm uma expresso significativa, outras, pelo contrrio, apresentam um enorme dfice, verificando-se a ausncia quase total tanto de formas de governo como de governana. Finalmente, deve referir-se que, no caso das metrpoles melhor dotadas, a relao entre as diversas formas existentes pode assumir graus muito distintos de interao, convergncia e conflitualidade, tanto no tempo (evoluo dos nveis de confiana e das dinmicas de aliana e de cooperao) como no espao (posicionamento

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    dos mesmos atores face a situaes idnticas mas localizadas em distintas reas de uma mesma metrpole).

    A relao governo governana em contexto metropolitano , pois, complexa, dinmica e tensa. Mas essa constelao, com graus de densifi-cao muito diversos e polos de poder inevitavelmente assimtricos, que necessrio entender. Para alm das relaes de natureza vertical com enti-dades de nvel regional, nacional, internacional ou mesmo global (compo-nente interescalar), imprescindvel olhar para o interior desta nebulosa metropolitana de competncias, valores, interesses e capacidades de um ponto de vista que concilie legitimidade democrtica, eficincia e justia. Esta , pois, uma polifonia territorial bem mais complexa do que aquela que Agnew (2011) prope em termos de partilha vertical e interativa de domnios e competncias entre distintos nveis jurisdicionais (nacional, regional, local).

    Esta polifonia metropolitana` , envolvendo entidades com fontes de le-gitimidade e de poder to diversas, suscita, desde logo, duas questes es-senciais no mbito das relaes que se estabelecem ou devem estabelecer

    entre formas de governo e de governana. A primeira diz respeito ao con-trolo democrtico sobre as formas de governana. A segunda relaciona-se com o modo de enquadrar as novas formas de governana e instituciona-lizar` as decises tomadas nesse mbito. Estes so dois dos pilares essen-ciais de uma relao entre governo e governana ao nvel metropolitano pautada por princpios de legitimidade democrtica, eficincia e justia. A estes pilares juntaremos posteriormente um terceiro, sobre a renovao das formas de governo como condio de viabilizao dos dois anteriores.

    Controle democrtico dos novos modos de governana: o primeiro pilar de uma nova relao governo-governana

    O recente debate sobre novos modos de governana e prestao de contas (accountability) democrtica (HRITIER e LEHMKUHL, 2011) e poltica (WEALE, 2011) ao nvel da Unio Europeia, embora incidindo sobre uma realidade muito distinta do universo que aqui nos interessa (os espaos metropolitanos), disponibiliza alguns referenciais analticos interessantes. Prestao de contas (accountability) por parte de uma entidade implica, segundo Weale (2011), quer a obrigao de explicar e justificar as decises

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    tomadas quer a possibilidade de algum tipo de sano (poltica, legal, so-cial) em situaes de incumprimento ou falha.

    Hritier e Lehmkuhl (2011, p.127) procuram, justamente, entender a funo e eficincia dos novos modos de governana e o preo potencial a pagar em termos de prestao de contas democrtica.

    Aqueles autores consideram como novas formas de governana os mo-dos de formulao de polticas pblicas (policy-making) que incluem ato-res privados e/ou que so desenvolvidos por atores pblicos, mas fora do domnio legislativo e que tm como foco reas setoriais ou funcionais es-pecficas (p. 126). O que os diferentes novos modos de governana tm em comum, salientam Hritier e Lehmkuhl (2011), que todos eles implicam a formulao de polticas (policy-making) fora do tradicional permetro governamental. essa exterioridade que justifica o debate sobre o controlo democrtico das novas formas de governana.

    Ao escaparem ao controlo direto por parte de representantes eleitos democraticamente, estes novos modos de governana levantam questes cruciais em termos de legitimidade poltica. Por outro lado, as decises finais no deixaro de refletir os interesses representados nos processos de dilogo e negociao bem como a sua capacidade de persuaso e poder de influncia. Os resultados podero, assim, ser facilmente enviesados a favor dos interesses representados e em funo das suas desiguais capacidades, em detrimento do interesse geral e do bem comum ou dos interesses e pon-tos de vista dos atores excludos ou mais fracos (WEALE, 2011).

    Podemos, portanto, afirmar que quanto mais dbeis forem as institui-es polticas e a sociedade civil, maior a possibilidade de as formas de governana se transformarem em arenas de deciso capturadas por inte-resses organizados. Sem prestao de contas e controlo democrtico, mui-tas das formas de governana podero facilmente transformar-se em ins-trumentos de desigualdade e injustia a favor de interesses clientelares ou comportamentos populistas. Da que o debate sobre formas de governana seja indissocivel do debate sobre modalidades de controle democrtico.

    Hritier e Lehmkuhl (2011) distinguem trs tipos de controlo de mo-cr tico.

    O mais importante refere-se ao controlo efetuado por representantes democraticamente eleitos pelos cidados, atravs dos partidos polticos que concorrem a atos eleitorais. A prestao de contas democrtica efetua-se, neste caso, em relao a um conjunto amplo de atribuies e competn-

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    cias com incidncia num determinado espao poltico (pas, regio, muni-cpio) e as decises tomadas so suscetveis, em caso de conflito, de recurso judicial. No caso dos espaos metropolitanos, esta soluo corresponde s duas primeiras categorias da tipologia anteriormente apresentada, isto , aos governos metropolitanos de natureza supramunicipal eleitos por su-frgio universal e aos governos metropolitanos de natureza intermunicipal baseados em formas de associativismo municipal, ainda que nesta segun-da situao de um modo mais parcelar (por municpio).

    O segundo tipo de controle democrtico efetua-se atravs de modos funcionais de representao das partes interessadas (stakeholders) em pro-cessos de tomada de deciso que incidem sobre domnios particulares de poltica pblica. Esse controle ser tanto mais democrtico quanto mais inclusiva for a representao dos diferentes interesses, atores e grupos so-ciais relacionados com o domnio de interveno. As formas de governan-a metropolitana temtica (agncias metropolitanas) e de natureza consul-tiva e estratgica envolvendo os principais stakeholders de uma metrpole (conselhos de coordenao estratgica) ilustram este segundo tipo de con-trolo democrtico ao nvel das metrpoles.

    Finalmente, o terceiro tipo de controlo democrtico concretiza-se no espao pblico e a partir da participao da sociedade civil, podendo os meios de comunicao social desempenhar um papel fundamental de es-crutnio e debate pblicos sobre o funcionamento e os resultados dos no-vos modos de governana. Por comparao com as anteriores, esta forma de controlo tem uma natureza mais difusa e mais frgil, sobretudo nos pases em que o envolvimento dos cidados est fracamente institucionali-zado. Os movimentos sociais urbanos e as organizaes da sociedade civil empenhadas em debater solues para as metrpoles, quer ao nvel global (movimentos de cidade) quer ao nvel local (movimentos e associaes de bairro) constituem exemplos deste terceiro tipo de controlo democrtico.

    Contudo, os dois ltimos tipos de controlo democrtico, ao incidi-rem sobre domnios especficos, no s no tomam necessariamente em considerao os interesses mais genricos das comunidades (interesse comum) como podem desencadear efeitos externos negativos em outros domnios de poltica. Por outro lado, e porque esto fora do circuito democrtico` , estas formas de governana no so obrigadas a interio-rizar esses efeitos negativos nos seus processos de deciso, procurando evit-los ou corrigi-los.

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    Como articular as formas de governana que incidem sobre temas fun-cionalmente especializados com processos de controlo verdadeiramen-te democrticos? A resposta dos autores relembre-se, desenvolvida no contexto da democratizao dos processos de deciso ao nvel da Unio Europeia aponta para o reforo do controlo sobre os modos de gover-nana funcionalmente especficos por entidades democraticamente eleitas. Como faz-lo em contextos metropolitanos? Esta uma das questes cen-trais no debate sobre governo e governana metropolitanos, a exigir mais ateno e maior aprofundamento.

    Institucionalizao dos novos modos de governana: o segundo pilar de uma nova relao governo-governana

    Como enquadrar, na tica dos vrios instrumentos de governo, as novas formas de governana e como garantir a institucionalizao das decises tomadas nesse mbito? Esta a segunda questo colocada.

    As investigaes realizadas por Hritier e Lehmkuhl (2011) e outros au-tores por eles referenciados chamam a ateno para o facto de os novos modos de governana, para serem eficientes e atingirem os objetivos visa-dos, exigirem uma relao forte com formas de governo e de deciso hie-rrquica: Apenas sob a sombra da hierarquia, parece, estes novos modos de governana atingem os objetivos polticos autodefinidos (HRITIER e LEHMKUHL, 2011, p. 137). Ou seja, a existncia de instituies polticas fortes e a produo de estmulos cooperao entre os vrios tipos de atores no-pblicos (o referido efeito sombra da hierarquia) so duas condies essenciais para que os novos modos de governana sejam eficientes. Pelo contrrio, instituies polticas dbeis e um enquadramento pouco favor-vel cooperao entre distintos atores retiram eficincia aos novos modos de governana e, no limite, favorecem a emergncia de comportamentos oportunistas, que prosseguem interesses exclusivamente particulares. Con-forme salientam Brzel e Risse (2010, p. 126), o estado deve ter suficiente capacidade em termos de recursos e autonomia para projetar uma som-bra de hierarquia credvel, de modo a que os atores no-governamentais tenham um incentivo para se envolver em processos de governana.

    Simetricamente, as decises tomadas no mbito dos novos modos de governana baseadas em relaes voluntrias e no hierrquicas de asso-

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    ciao entre atores pblicos, semipblicos e privados - devem ter alguma traduo em instrumentos e regras democraticamente consagrados (legiti-midade poltica), de natureza juridicamente vinculativa (atravs de legisla-o e regulamentao apropriadas) ou enquadradora de comportamentos e prticas institucionais e individuais (por exemplo, orientaes e grandes opes de poltica, cdigos de conduta e boas prticas, memorandos de entendimento que explicitem os compromissos assumidos e outros instru-mentos produzidos pelas entidades pblicas competentes).

    Ou seja, as decises tomadas no mbito dos novos modos de governan-a devero, a montante, enquadrar-se e, a jusante, ter traduo em algum mecanismo de regulao pblica se quiserem ganhar, ao mesmo tempo, legitimidade poltica e eficincia. Tewdwr-Jones (2012), a propsito da pro-fuso de formas de governana territorial ocorrida nas ltimas dcadas no Reino Unido, relembra-nos justamente como, numa perspetiva de transi-o de uma tica de governo para uma tica de governana, fcil esque-cer que [a lgica de] governo ainda existe lado a lado com os processos de governana, e que os procedimentos formais de governo constituem um legado que se sobrepe e influencia a natureza, a forma e os resultados dos novos modos de governana (TEWDWR-JONES, p. 205). O mesmo autor refere mais frente: Dada a ausncia de cdigos claros e parmetros institucionais, legais e polticos produzidos pelo governo central que en-quadrem o estabelecimento de estruturas ad hoc informais e em parceria, os processos de governana existentes em diferentes reas do Reino Unido caracterizam-se por uma situao diversificada de fragmentao e reparti-o de responsabilidades (TEWDWR-JONES, p. 212).

    Entre a legitimidade poltica das formas de governo metropolitano e a eficincia dos novos modos de governana metropolitana no pode existir um desequilbrio que subordine a primeira segunda (deriva privatista), viabilizando modalidades de governana sem governo a favor de inte-resses particulares e revelia de procedimentos de escrutnio pblico. Mas tambm no pode verificar-se um hiato que ponha em causa a capacidade de concretizao efetiva de decises tomadas no mbito dos novos modos de governana, tanto mais complexos quanto mais participados. Essa situ-ao pode decorrer da inexistncia do referido efeito sombra da hierarquia do poder pblico ou da incapacidade de traduzir as decises tomadas em orientaes, regras, normas ou compromissos com impactes concretos. Este exerccio de viagem e traduo bem descrito por Healey (2006,

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    p. 304): Para se institucionalizarem, as iniciativas transformadoras [ino-vaes no mbito de parcerias urbanas] tm de ter a capacidade de viajar de uma arena [institucional] para outra, mas tambm de um nvel de cons-cincia para outro. Atravs deste processo, ocorre uma traduo do nvel de mobilizao e inveno consciente dos atores para o nvel das rotinas, baseada na aceitao de novas prticas que vo para alm dos valores e normas culturais globalmente aceites. A referida institucionalizao d origem, portanto, a uma nova normalidade (HEALEY, p. 304).

    Contudo, se verdade que a sombra do poder hierrquico pode criar condies favorveis ao desenvolvimento e eficincia dos novos modos de governana metropolitana, no menos certo que tambm podem limitar ou at inibir a autonomia dessas estruturas em rede (WHITEHEAD, 2003). Conforme salienta este autor, o excesso de rigidez por parte do poder go-vernamental suscetvel de colocar em causa a flexibilidade prpria de estruturas auto-organizadas em rede. Esta observao conduz-nos direta-mente ao ponto que se segue.

    Renovao das formas de governo: o terceiro pilar de uma nova relao governo-governana

    Nas seces anteriores procurou-se justificar o modo como o controlo democrtico dos novos modos de governana e a existncia de contextos polticos que enquadrem o seu funcionamento e favoream a institucio-nalizao das decises tomadas nesse mbito constituem dois pilares es-senciais para uma relao governo - governana adequada. A estes dois pilares adiciona-se um terceiro: o tipo de misso atribuda administrao pblica e aos servios pblicos em geral.

    Uma das justificaes mais frequentes para o recurso crescente a for-mas de governana prende-se com a verificao de que uma administrao verticalizada, hierarquizada, setorializada, rgida e burocrtica incapaz de dar resposta s necessidades de sociedades e economias caracterizadas pela rapidez da mudana, pela complexidade e pela incerteza (real e per-cebida). Em nome da flexibilizao e da eficcia, medida em termos de qualidade e relao custo/benefcio do servio prestado, a teoria clssica da administrao pblica foi alvo, a partir dos anos 80 do sculo passado, de violentas crticas, tendo sido progressivamente substituda, em maior

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    ou menor grau, pela viso proposta pela teoria da nova gesto pblica. No essencial, esta perspetiva defende que a administrao deve organizar-se como uma empresa, adotando o mesmo tipo de critrios e procedimen-tos, e orientar-se para a satisfao dos cidados (vistos como clientes) e do mercado. A adoo dos princpios da nova gesto pblica materializa, no contexto dos servios da administrao pblica, as ideias neoliberais en-to em ascenso. A afirmao de uma administrao gerida por critrios empresariais coincide, alis, com a privatizao de algumas das competn-cias tradicionalmente desenvolvidas pelo estado-providncia keynesiano e com a multiplicao de formas hbridas, desde a constituio de parcerias pblico-privadas, em domnios to distintos como os transportes, a sa-de ou a reabilitao urbana, expanso de um setor empresarial pblico, tanto ao nvel nacional como regional e local (municipal). A teoria da nova gesto pblica constitui, assim, um instrumento essencial para o desenvol-vimento de formas de governana adequadas a um contexto mais desregu-lado e, simultaneamente, mais orientado por objetivos de competitividade.

    Durante a primeira dcada deste sculo emergem vises sobre o papel da administrao pblica alternativas perspetiva da nova gesto pblica. A teoria do novo servio pblico (DENHART e DENHART, 2003) ou a teoria da nova administrao pblica (BOURGON, 2007), para dar apenas dois exemplos, tm em comum a nfase que colocam no cidado, consi-derado no apenas na tica individual de utilizador de informao e de servios pblicos mas numa perspetiva bem mais ampla.

    Bourgon (2007), por exemplo, defende que uma nova administrao pblica implica uma redefinio dos conceitos de cidadania e interesse p-blico e uma alterao das prticas de conceo, implementao e articula-o de polticas pblicas.

    No que se refere componente de cidadania, a autora afirma que os cidados no podem ser encarados apenas como entes individuais com existncia legal, estando, por isso, protegidos, do ponto de vista da igual-dade de direitos, e representados, em termos dos seus interesses, pelo es-tado. Uma viso ampla de cidadania implica, para alm dessa importante dimenso legal, que os cidados sejam considerados como entes polticos, membros de comunidades sociais e polticas com direitos e responsabili-dades. Implica, ainda, que o papel do estado no se restrinja representa-o dos interesses dos cidados, devendo ainda promover proactivamente a cidadania, o debate pblico e a integrao pblica.

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    No que diz respeito ao interesse pblico, Bourgon (2007) sustm que este no pode ser definido como um mero somatrio de interesses indivi-duais, mas antes como um conjunto de interesses comuns ou partilhados pelos cidados. Refere ainda que, do ponto de vista da salvaguarda do inte-resse comum, o estado no se pode limitar a dar voz e expresso vontade pblica, devendo ainda atuar como agente que garante a articulao e con-cretizao do interesse pblico em contextos inevitavelmente marcados por interesses contraditrios e poderes desiguais.

    Finalmente, e no que concerne s polticas pblicas, esta autora defen-de a necessidade de uma viso integrada das fases de conceo e imple-mentao de cada poltica e de uma perspetiva interativa entre diferentes polticas. Afirma ainda que se deve atribuir uma maior importncia aos processos de participao por parte dos cidados, e de interao e pres-tao de contas no que se refere aos vrios tipos de entidades (pblicas, semipblicas e privadas) envolvidas.

    As vises subjacentes s teorias do novo servio pblico ou da nova administrao pblica, de que destacamos muito sumariamente algumas das propostas apresentadas por Bourgon (2007), permitem realar o fato de a relao entre formas de governo e de governana metropolitanas ser indissocivel do modo como se encara a misso da administrao e dos servios pblicos. Tanto a teoria clssica da administrao pblica como a teoria da nova gesto pblica no salvaguardam, por razes estruturais relacionadas com as suas concees de administrao pblica, uma ade-quada relao entre formas de governo e de governana.

    No caso da teoria clssica da administrao pblica, a prevalncia de uma viso rgida e burocrtica da administrao impede qualquer arti-culao eficiente entre formas de governo e de governana, j que estas ltimas so encaradas como demasiado estranhas aos agentes da adminis-trao, o que suscita naturais resistncias, a quem detm competncias e responsabilidades formais, quando necessrio desenvolver formas mais interativas de cooperao e deciso. O dfice de competncias relacionais (mediao, concertao e negociao) por parte dos agentes da adminis-trao, mesmo em pases com uma postura tradicionalmente menos buro-crtica como o Reino Unido ou a Holanda, confirma a inexistncia de uma cultura administrativa de cooperao e codeciso com atores externos.

    No caso da teoria da nova gesto pblica, a orientao para a satisfao do mercado adotada pela administrao dificilmente acautela uma relao governo - governana defensora da cidadania e do interesse pblico.

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    Uma administrao pautada pelos valores defendidos pelas teorias do novo servio pblico ou da nova administrao pblica constitui, pois, o terceiro pilar de uma relao governo - governana capaz de equilibrar objetivos de legitimidade democrtica, eficincia e justia, com traduo na qualidade dos processos e das decises, no contexto mais geral de re-foro da democratizao do estado, da sociedade e da economia. certo que esta renovao das formas de governo extremamente exigente em termos de capacitao institucional e de reformulao de valores, culturas e prticas, tanto administrativas como polticas. Mas ela uma condio essencial para a concretizao dos dois pilares anteriores ou, dito de uma forma mais radical, constitui uma opo inevitvel para evitar a profuso de formas de governana sem governo que colocaro inevitavelmente em causa o interesse pblico e a salvaguarda dos bens comuns.

    governo, governana e ordenamento do territrio em contextos metropolitanos: sugestes para um novo ciclo de debate e de praxis

    Os comentrios anteriores permitem uma viso de sntese sobre a relao governana, governo e ordenamento do territrio em contextos metropo-litanos. Da leitura conjugada dos vrios aspetos referidos, possvel identi-ficar trs situaes-tipo, que designaremos, por facilidade de apresentao, por metrpole poltica, metrpole projeto e metrpole social.

    A metrpole poltica pressupe a existncia de formas de governo me-tropolitano e o recurso a modalidades de gesto e planeamento territorial baseadas em planos do uso do solo de natureza vinculativa. Os novos mo-dos de governana e as formas colaborativas de planeamento so, em geral, inexistentes. Esta foi a situao que prevaleceu na Europa no perodo do ps-guerra, nos casos, sempre minoritrios, em que foram criadas estrutu-ras poltico-administrativas de natureza metropolitana. Neste contexto, as relaes governo governana e planeamento normativo planeamento colaborativo no so tomadas em conta, por ausncia do segundo elemen-to de cada uma das equaes.

    A metrpole projeto baseia-se em formas de governana de natureza temtica ou setorial e com forte presena de privados. O ordenamento do territrio de carcter normativo substitudo por metodologias de plane-

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    amento estratgico, orientado sobretudo, mas nem sempre exclusivamente, por objetivos de competitividade e de marketing territorial. Esta conceo foi particularmente influente a partir dos anos oitenta do sculo XX. Re-fira-se que, por comparao com idntica tendncia verificada nos EUA, o planeamento estratgico na Europa sempre foi mais sensvel s questes ambientais e sociais. Neste mbito, as novas formas de governana e o pla-neamento estratgico ganham um peso tal que a sua relao com formas de governo e mesmo de planeamento normativo , sobretudo equacionada na medida em que estes ltimos so vistos como uma fonte de ineficincia ( custos de contexto` ) e, como tal, obstculos a ultrapassar.

    Finalmente, a metrpole social corresponde a situaes em que as formas de governana de natureza mais ascendente (bottom-up) e as mo-dalidades de planeamento colaborativo mais inclusivas ganham uma ex-presso significativa. Na verdade, estas situaes no so dominantes em nenhuma das metrpoles europeias, mas tm vindo a ganhar um peso crescente nos ltimos anos, nuns casos de forma espontnea e noutros impulsionadas por polticas nacionais, regionais ou municipais que favo-recem o desenvolvimento de iniciativas de base local orientadas para as, ou pelas, comunidades. As relaes governo governana e planeamento normativo planeamento colaborativo tendem, nestes casos, a ser coloca-das a posteriori, por razes de legitimidade e eficincia, em geral a partir das situaes de conflito que ocorrem entre os grupos e organizaes di-retamente envolvidos nessas iniciativas e os diferentes nveis de governo e administrao do territrio.

    As anlises apresentadas nas seces anteriores sugerem a necessidade de ultrapassar esta trilogia de situaes-tipo. O caminho apontado baseia-se numa viso dialtica entre governo e governana, por um lado, e pla-neamento normativo e planeamento colaborativo, pelo outro. Essa viso deve estar presente em todo o ciclo das polticas pblicas, isto , desde a fase de conceo s etapas de implementao, acompanhamento e ava-liao. Por outro lado, essa viso pressupe trs condies, apresentadas anteriormente como trs pilares complementares: o aumento de transpa-rncia, prestao de contas e controlo democrtico em relao s entidades, tanto pblicas como semipblicas e privadas, envolvidas em processos de governana; a capacidade de institucionalizar as decises tomadas no mbito de modalidades de governana, atravs de um enquadramento da sua atuao por parte dos poderes polticos e, tambm, da definio de

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    formas de corporizar essas decises em documentos com algum valor nor-mativo ou orientador; e, finalmente, a renovao da misso, competncias e capacidades da administrao pblica, tornando-a menos burocrtica e vulnervel a presses externas e mais orientada por valores de cidadania e de interesse pblico.

    O caminho sugerido confronta-se, naturalmente, com mltiplas difi-culdades. Justifica-se, por isso, relembrar o conceito de incrementalismo radical proposto por Hajer (2011): uma viso radical nos objetivos e incre-mental nos processos, capaz de promover uma transio coordenada em torno de uma agenda transformadora e de uma nova filosofia de gover-nana. Uma filosofia, defendemos ns, pensada a partir de uma relao governo governana, estado sociedade e administrao cidados que contribua para a democratizao da vida coletiva tendo como referncia critrios de legitimidade democrtica, eficincia e justia. por aqui que um novo ciclo de debate e de praxis de governana, governo e ordenamen-to do territrio em contextos metropolitanos deve comear. E esse novo ci-clo tanto mais imprescindvel quanto o atual contexto de crise tem vindo a servir de pretexto para desenvolver polticas de austeridade que contri-buem para erodir as funes e a capacidade de interveno das entidades de governo em nome de um emagrecimento do estado que permitir, su-postamente, superar as situaes de elevada dvida pblica e acentuado d-fice externo que caracterizam hoje um grande nmero de pases europeus.

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