introdução à teoria do conhecimento
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INTRODUÇÃO À TEORIA
DO CONHECIMENTO Curso de verão 2014
Jackson Tavares de Figueiredo
E-mail: [email protected]
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O fenômeno do CONHECER
Ao afirmarmos de modo espontâneo: “há uma lanterna diante de mim” não pensamos no
ato que o espírito está exercendo para que afirmemos isto.
Constantemente, o nosso pensamento se apaga defronte as coisas que de modo natural
afirma. Geralmente, o primeiro passo que nosso espírito dá é ontológico: afirma o ser, tal
coisa é, ou seja, afirmamos o “há”.
Mas é possível que vivenciemos a experiência do erro; por exemplo, “há um buraco ali
na frente” referindo-nos a uma pista num dia ensolarado. Ao aproximarmo-nos
verificamos ter sido uma ilusão de ótica.
O nosso pensamento, inicialmente dirigido para as coisas que nos aparecem, volta-se
sobre si mesmo, paramos para fazer uma reflexão sobre nossa afirmação e nos indagamos
sobre seu valor: certo ou errado? (Este segundo passo é de cunho crítico, acrescenta algo
ao ontológico).
Agora deixamos de afirmar o objeto e nos voltamos para a nossa própria afirmação, nos
interrogamos sobre o ato de afirmar.
Esta reflexão sobre o nosso pensamento, sobre os seus mecanismos, sobre seu valor, nos
move a formular teorias sobre o fenômeno conhecer.
Este fenômeno apresenta duas preocupações:
1. A descrição do fenômeno propriamente dito;
2. O fator determinante no conhecimento (objetivismo/subjetivismo).
A descrição do fenômeno conhecimento (o conhecer, propriamente dito)
Sabemos que o homem é dotado da faculdade de conhecer, isto lhe possibilita vivenciar
de modo espontâneo a experiência com o objeto a ser conhecido.
Mas isto não dispensa a necessidade de definir conceitos acerca do fenômeno.
- O conhecimento é um ato
- O conhecimento é uma união intencional
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- O conhecimento é imaterial
O conhecimento é um ato.
Espontâneo: quanto à sua origem.
Imanente: quanto à sua finalidade.
Mas por que ele é um ato?
É ato porque o indivíduo passa da ignorância ao conhecimento, de um conhecimento para
outro conhecimento.
Trata-se de um movimento caracterizado pela passagem da potência (possibilidade e
capacidade para conhecer) ao ato (o conhecer propriamente).
O conhecimento não é um simples movimento, mas um ato no qual o movimento está
ordenado.
Esse movimento é uma produção, não devemos entender esta palavra no sentido de
construir ou fabricar algo, mas como um meio para a atualização.
Ele produz no plano sensível as imagens e no plano inteligível os conceitos. Mas essa
produção não é o conhecimento propriamente, é apenas o meio.
O conhecimento não se encontra nem na sensação, nem no conceito, nem na consciência,
mas em qualquer um deles dependendo da própria situação do conhecer.
O conhecimento é um ato, por conseguinte é espontâneo.
É necessário que haja uma reação original do sujeito para que os estímulos externos
(procedentes do objeto – de onde a “ação” parte) estimulem/provoquem uma
sensação/percepção ou um pensamento.
A espontaneidade do conhecimento se distingue da ação física (transitiva: modificando
um ser diferente do agente) porque é uma ação imanente (o agente age sobre ele mesmo).
Só o sujeito se modifica, enriquecendo-se.
Trata-se de um ato imanente – não há outra finalidade senão a própria ação de conhecer.
O conhecimento é uma união intencional.
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A intencionalidade é o próprio fenômeno conhecer, pois todo conhecimento é
conhecimento de algo.
Ela é a relação sujeito/objeto.
O conhecimento é imaterial.
O conhecimento é uma presença imaterial.
É imprescindível lembrar que nem toda presença imaterial é um conhecimento, porque é
preciso a relação específica sujeito/objeto – deste modo, a imaterialidade é uma condição
necessária, mas não suficiente.
O fator determinante no conhecimento – objeto ou sujeito.
Objetivismo
Na correlação sujeito/objeto o fator determinante é o objeto.
O objeto determina o sujeito, ou seja, o sujeito copia as suas determinações, pois o objeto
se coloca como algo pronto, com estrutura definida.
Ele é algo definido como nas Ideias platônicas – elas preexistem e precisam ser
reconhecidas pelo sujeito.
O sujeito reconhece as propriedades do objeto através da intuição das Ideias (Platão) ou
da intuição das Essências (Husserl).
Subjetivismo
O centro do conhecimento está no sujeito.
O sujeito (superior, transcendente) fundamenta o conhecimento.
A verdade se encontra em um sujeito supremo que dá os conteúdos superiores (conceitos
fundamentais) para a consciência cognoscente.
Algumas observações:
- Tudo que falamos antes pensamos.
Quando somos crianças não nos preocupamos se estamos falando certo ou errado.
Consciência ingênua → consciência cognoscente
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Para conhecer eu preciso estar apto a ser conhecido.
Objeto cognoscível ≡ consciência
Esse nome TEORIA DO CONHECIMENTO surge com Locke (1632-1704).
A Teoria do Conhecimento trata de um fenômeno entre sujeito e objeto = S O.
É impossível se portar criticamente diante de todas as formas de conhecimento que o
mundo nos apresenta. Você pode se especializar em algo, mas isso não impede que
procure conhecer outras coisas.
O sujeito já não é mais o mesmo depois de passar por uma experiência com o objeto.
O objeto possui a ação, pois eu só me desperto para o conhecer se esse objeto toca em
mim, ele me seduz, me chama e prende minha atenção.
“Toda consciência é consciência de algo”. (Husserl)
Sujeito cognoscente: apreender o objeto – sair da sua esfera própria, invadir a esfera do
objeto recolher as propriedades dele.
Objeto cognoscível: ser apreendido pelo sujeito, mas é preciso compreender a expressão
“ser apreendido”. Algumas de suas propriedades são desveladas e podem ser conceituadas
ou definidas pelo sujeito.
É possível que o sujeito atinja as propriedades do objeto, mas nunca esgotará o objeto.
No conhecimento a ação primeira é do objeto, o sujeito apenas reage. Responde a ação
do outro.
“Ação” (estímulo que provoca o thauma).
Por isso, a origem do termo sujeito, do latim subjectu(m) “posto debaixo”, significa
submetido.
- O objeto permanece intacto, não perde nenhuma de suas propriedades.
- O sujeito “se acrescenta” do conhecimento dessas propriedades – torna-se outro,
entretanto, perder a sua identidade. Torna-se outro sem ser outro.
(Material elaborado com base nas aulas da Professora Lucia Arruda)
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As possibilidades do CONHECIMENTO
1. Dogmatismo
Entendemos por dogmatismo (de δόγμα = doutrina fixada) a posição
epistemológica para a qual não existe ainda o problema do conhecimento. O dogmatismo
tem por pressuposto a possibilidade e a realidade do contato entre o sujeito e o objeto.
O fato do conhecimento não constituir um problema para o dogmatismo assenta
numa noção deficiente da essência do conhecimento. O contato entre sujeito e objeto não
pode parecer problemático a quem não veja que o conhecimento representa uma relação.
E isto é o que acontece com o dogmático. Não vê que o conhecimento é
essencialmente uma relação entre um sujeito e um objeto.
2. Ceticismo
Extrema se tangunt = Os extremos tocam-se. Esta afirmação é igualmente válida
no campo do epistemológico. O dogmatismo converte-se muitas vezes no seu contrário,
o ceticismo (de σχέτεσθαι = enganar, examinar). Enquanto que aquele considera a
possibilidade de um contato entre o sujeito e o objeto como algo compreensível por si
mesmo, este nega essa possibilidade.
Segundo o ceticismo, o sujeito não pode apreender o objeto. O conhecimento, no
sentido de uma apreensão real do objeto, é impossível para ele. Portanto, não devemos
formular qualquer juízo, mas sim abster-nos totalmente de julgar.
O ceticismo não vê o objeto. A sua atenção fixa-se tão exclusivamente no sujeito,
na função do conhecimento, que ignora completamente a significação do objeto. Escapa
à sua vista o objeto, que é, sem dúvida, necessário para que tenha lugar o conhecimento,
pois este representa uma relação entre um sujeito e um objeto.
Examina de forma crítica se a percepção e o conhecimento possuídos por alguém
são realmente verdadeiros, e se algum indivíduo pode ou não dizer se possui o
conhecimento absolutamente verdadeiro.
3. Subjetivismo e Relativismo
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O ceticismo diz-nos que não há nenhuma verdade. O subjetivismo e o relativismo
não vão longe. Segundo eles, há uma verdade; mas esta verdade tem uma validade
limitada. Não há qualquer verdade universalmente válida. O subjetivismo, como o seu
próprio nome indica, limita a validade da verdade ao sujeito que conhece e julga.
O relativismo está aparentado com o subjetivismo. Segundo ele, não há também
qualquer verdade universalmente válida; toda a verdade é relativa, apenas tem uma
validade limitada.
4. Pragmatismo
O ceticismo é uma posição essencialmente negativa. Significa a negação da
possibilidade do conhecimento. O ceticismo toma um aspecto positivo no moderno
pragmatismo (de πράγμα = ação). Como o ceticismo, também o pragmatismo abandona
o conceito da verdade no sentido da concordância entre o pensamento e o ser. Mas não se
detém nesta negação, substitui o conceito abandono por um novo conceito de verdade.
Segundo ele, verdadeiro significa útil, valioso, fomentador da vida. Compreende
o ser humano não como um ser essencialmente teórico ou pensante, mas como um ser
prático, um ser de vontade e de ação. O intelecto é dado ao homem não para investigar e
conhecer a verdade, mas sim para poder orientar-se na realidade.
5. Criticismo
O criticismo examina todas as afirmações da razão humana e não aceita nada
despreocupadamente. Onde quer que seja pergunta pelos motivos e pede contas à razão
humana. O seu comportamento não é dogmático nem cético, mas sim reflexivo e crítico.
É um meio termo entre a temeridade dogmática e o desespero cético.
Existem sinais de criticismo onde quer que apareçam reflexões epistemológicas.
O verdadeiro fundador do criticismo é, sem dúvida, Kant, cuja filosofia se chama pura e
simplesmente criticismo. O criticismo é o método de filosofar que consiste em investigar
as fontes das próprias afirmações e objeções e as razões em que as mesmas assentam,
método que dá a esperança de chegar à certeza.
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As origens do CONHECIMENTO
Questão da origem do conhecimento
Empirismo – A experiência como fonte principal
Corrente empirista: doutrina ou atitude onde o conhecimento procede unicamente da
experiência. Não há conhecimento sem que haja antes a experiência. O sujeito
cognoscente extrai seus conhecimentos a partir da experiência.
Experiência é compreendida como apreensão da realidade externa, através dos sentidos,
que formam a base necessária para todo conhecimento. Nega-se a existência de princípios
puramente racionais como fonte do conhecimento.
Lema do empirismo: Nada está no intelecto que não tenha estado antes nos sentidos.
Afirmam que o espírito humano é um papel em branco a ser preenchido pela experiência.
(Tabula rasa = Tipo de leitura já presente nos estóicos que consideravam a alma uma
tábua por escrever).
O espírito humano precisa ser preenchido pela experiência – o nosso conhecimento parte
da nossa percepção do mundo externo.
O conceito de percepção afirma: ação de formar mentalmente representações sobre
objetos, a partir de dados sensoriais.
Percepção: fonte de todo conhecimento.
Todas as percepções da mente humana se incluem em dois tipos
distintos que chamarei de impressões e ideias.
A diferença entre uma e outra consiste nos graus de força e
vivacidade segundo os quais atingem a mente chegando até o
pensamento e a consciência.
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Aquelas percepções que penetram com mais força [...] podemos
chamar de impressão compreendendo todas as nossas sensações,
paixões e emoções [...].
Por ideias considero as imagens pálidas dessas no pensamento o
no raciocínio.
(HUME, Tratado da Natureza Humana)
David Hume (filósofo escocês – 1711-1776) é o pensador mais radical do empirismo.
O conhecimento para os empiristas é mais verdadeiro quanto mais próximo da
percepção que o originou.
[...] quando analisamos nossos pensamentos ou ideias, por mais
complexos e sublimes que sejam; sempre descobrimos que se
resolve em ideias simples as que são cópias de uma sensação ou
sentimento anterior.
[...] sempre descobrimos que todas as ideias que examinamos são
copiadas de uma impressão semelhante.
Aqueles que afirmam que essa posição não é universalmente
verdadeira, nem sem exceções, tem apenas um único e bastante
fácil método de refutá-la: apresentar uma ideia que em sua opinião
não seja derivada desta fonte.
(HUME, Investigação sobre o conhecimento humano).
Adiante acrescenta, na mesma obra: “[...] se ocorrer que, por um defeito de órgão, um
homem não é suscetível de determinada sensação, sempre descobrimos que é igualmente
incapaz de ter ideias correspondentes”.
Em relação a ideia de Deus, Hume expõe:
A ideia de Deus, correspondendo a um ser infinitamente
inteligente, sábio e bom, surge das reflexões que fazemos sobre as
operações de nossa própria mente, aumentando sem limites essas
qualidades de bondade e sabedoria.
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Segundo Hume, uma ideia só pode ser introduzida em nós pela sensação efetivamente
presente. Essa é a única maneira pela qual uma ideia pode ter acesso à mente.
John Locke (filósofo inglês – 1632-1704) é o fundador do empirismo.
Principal exortação: combater a teoria das ideias inatas (ideias que nascem conosco)
através da tese da experiência externa (sensação) e experiência interna (reflexão).
Em sua obra Ensaio sobre o entendimento humano, afirma:
Suponhamos, pois, que a mente é, como dizemos, um papel em
branco, vazio de todos os caracteres, sem quaisquer ideias.
Como vem a ser preenchida?
Como lhe vem esse vasto estoque que a ativa e ilimitada fantasia
humana pintou nela com uma variedade quase infinita?
Como lhe vem todo material da razão e do conhecimento?
A isto respondo com uma palavra: pela experiência.
É na experiência que está baseado todo o nosso conhecimento e é
dela que, em última análise, o conhecimento é derivado.
Aplicada tanto aos objetos sensíveis externos quanto às operações
internas de nossa mente, que são por nós percebidos e refletidos,
nossa observação sempre supre nosso entendimento com todo
material do pensamento.
Essas são as duas fontes de nosso conhecimento, das quais jorram
todas as ideias que temos ou que podemos naturalmente ter.
Segundo Locke, todas as ideias provem da:
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- sensação: (experiência externa) e
- reflexão: (experiência interna).
Racionalismo – Razão como fonte principal
Corrente racionalista: a definição do raciocínio como a operação mental, discursiva e
lógica que usa uma ou mais proposições visando extrair conclusões verdadeiras ao
processo do conhecimento.
Para o racionalismo o conhecimento sensível é enganador e a razão é a única fonte de
conhecimento válido.
Afirmação válida tanto para Platão (que na antiguidade, deu início ao pensamento
racionalista), quanto Descartes (considerado o pai da modernidade).
Método – observação do mundo baseada exclusivamente na razão: única autoridade
quanto à maneira de pensar e agir e como fundamento de todo conhecimento possível.
Acreditam que a investigação da verdade deve ser feita sob orientação do pensamento
puro, que ultrapassa os dados oferecidos imediatamente pelos sentidos e pela experiência,
incapazes de nos proporcionar todos os conhecimentos.
Lema do racionalismo: o real é racional e a razão é capaz de conhecê-lo e de chegar à
verdade sobre a natureza das coisas.
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Revolução Copernicana e a Crítica da Razão Pura
Immanuel Kant - filósofo alemão (1724-1804) viveu num momento
epistemológico, fase do conhecimento por excelência. O filósofo chegou à conclusão de
que era necessária uma renovação da epistemologia. A renovação dele recebeu o nome
de Revolução Copernicana. Kant disse que sua tarefa era semelhante àquela executada
por Copérnico. Sua Revolução Copernicana deveria fazer, no âmbito da abordagem a
respeito de uma explicação do conhecimento – a epistemologia, algo análogo ao que
Copérnico fez na Astronomia, ou seja, a troca do sistema geocêntrico pelo sistema
heliocêntrico.
Kant está preocupado com o conhecimento. Ele se questiona sobre o que podemos
conhecer. A renovação epistemológica de Kant gerou dois elementos básicos:
1. O fenômeno: é aquele que se apresenta a nós, que podemos ter experiência empírica,
objeto de um conhecimento empírico possível. Os fenômenos estão no espaço e no
tempo (formas puras de nossa intuição ou sensibilidade de toda aparição possível).
Objeto da intuição sensível. “As coisas tais como elas se mostram a nós”.
2. O Númeno: a coisa em si mesma, coisa do pensamento – não representa um objeto
possível do conhecimento, está fora do espaço e do tempo. Não podemos conhecer o
númeno, não temos experiência empírica com ele.
Terminologias em Kant:
- Conceito: objeto próprio do pensamento como produto da faculdade de julgar.
- Conceitos do intelecto: adquirem significado somente por seu uso empírico.
- Filosofia Transcendental: a síntese dos conceitos de todo conhecimento que se ocupa
dos conceitos a priori dos objetos mais do que dos objetos. O transcendental no objeto é
aquilo que há nele de a priori e formal, opondo-se ao que ele tem de a posteriori.
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- Intuição: é contemplação (intuitus) – refere-se diretamente ao objeto e é individual; ou
conceito (conceptus) – refere-se indiretamente ao objeto, por meio de uma característica
que pode ser comum a várias coisas.
- Intuição pura (espaço e tempo): é precisamente a única coisa que a sensibilidade
apresenta a priori.
- Intuição: representação singular que se refere imediatamente a um objeto da
experiência que tem sua fonte na sensibilidade.
- Sensibilidade, entendida como:
a) Receptividade que chega a nós pela influência das impressões recebidas, ou
b) A faculdade receptiva do material fornecido pelas sensações, transformando-os em
intuições (puras ou empíricas).
- Entendimento: faculdade ativa, espontânea, voltada para a determinação da experiência.
O entendimento produz conceitos.
Kant vai propor uma metafísica purificada, ele não corta a metafísica, mas propõe
uma metafísica purificada pela crítica. Segundo o filósofo, a metafísica tradicional tinha
a pretensão de chegar a coisa em si (númeno), os antigos buscavam sempre chegar a
essência das coisas. Kant diz que não podemos chegar a coisa em si, o que podemos é ter
experiência empírica com as coisas que se apresentam a nós.
Kant criticando a tradição metafísica no Prefácio da 2ª edição da Crítica da Razão Pura:
Pois a razão emperra continuamente na Metafísica, mesmo quando
ela quer dar-se conta a priori (como ela se arroga) daquelas leis
confirmadas pela experiência mais comum. Nela se precisa retomar
o caminho inúmeras vezes, porque se descobre que ela não leva
aonde se quer e, no tocante à unanimidade de afirmações dos seus
partidários, encontra-se de tal modo distante disso que é antes um
campo de batalha aparentemente destinado ao exercício de suas
forças no combate, onde ainda ninguém conseguiu conquistar para
si o menor lugar e fundar a sua vitória sobre uma posse duradoura.
Seu procedimento constituiu até hoje, sem dúvida alguma, um
mero tatear e, o que é pior, sob simples conceitos.
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Fica claro que a Crítica não se opõe ao procedimento dogmático da razão no seu
conhecimento puro como ciência, mas sim ao dogmatismo, ou seja, se opõe à pretensão
de progredir apenas com um conhecimento puro baseado em conceitos.
A partir da crítica kantiana, um objeto pode ter duas significações sem se
contradizer – fenômeno e númeno. Kant é um idealista transcendental, a metafísica dele
é a metafísica transcendental.
Idealismo Transcendental: doutrina segundo a qual todos os fenômenos são considerados
indiscriminadamente e sem exceção simples representações, não coisas em si. Tempo e
espaço não passam de formas sensíveis de nossa intuição e não determinações dadas em
si mesmas ou condições dos objetos como coisas em si.
As Meditações Cartesianas e a Fenomenologia de Husserl
Descartes, filósofo francês – (1596-1650)
Inaugurou o Cartesianismo: passagem da filosofia do renascimento à filosofia moderna.
O filósofo cria a sua própria filosofia por não confiar no conhecimento herdado da Idade
Média.
Descartes evidencia a necessidade de buscar um princípio absolutamente seguro para
que o conhecimento se funde numa certeza.
Objetivo dessa filosofia: alcançar uma ciência (sabedoria humana) partindo apenas da
luz natural da razão. Isto é: submeter o espírito a uma aplicação tal para atingir esta
ciência, apesar dos conhecimentos estabelecidos, da história, dos preconceitos e dos
hábitos de pensamentos do século XVII.
Dois fatores importantes para o alcance da sabedoria humana: a liberdade do arbítrio e a
disciplina consciente.
- Liberdade do arbítrio: ao homem que pretende conhecer – ele tem de ser livre para
arbitrar, mas o uso deste arbítrio tem de ser disciplinado;
- Disciplina consciente: esse homem deve se submeter, livremente, a uma disciplina
rigorosa para conhecer. Isto possibilita a tarefa de distinguir o verdadeiro do falso no
caminho para o conhecimento do real em sua verdade.
Tudo isso segundo a razão – razão humana coincidindo com a razão do real (mundo).
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Como todo espírito bem conduzido pode chegar ao conhecimento da verdade, é preciso
procurar um método exato e seguro para conduzir a reflexão filosófica.
Método: disciplina para o alcance do conhecimento verdadeiro.
O Discurso do Método foi escrito originalmente em francês (na época todos os escritos
filosóficos e científicos eram feitos em latim) e o seu propósito era disciplinar a vontade
para seguir o conhecimento intelectual segundo a razão.
Evidência – tudo que se apresenta clara e distintamente ao espírito. Compreendida como
aquilo que se apresenta clara e distintamente em nosso espírito que não temos condições
de duvidar, porque se impõe a nós de modo manifestamente verdadeiro e sem necessidade
de demonstrá-lo ou prová-lo.
- Descartes usa o Método para provar a sua existência, provar que ele é um ser pensante,
e com isso, chegar ao COGITO (Penso, logo existo).
- O Cogito surge como o princípio do sistema cartesiano; o que é apreendido através dele
é um eu-pensante (pura atividade pensante).
- O Cogito é a descoberta do espírito por si mesmo que se percebe como sujeito, ocupando
uma situação privilegiada porque é uma condição necessária de todo pensamento, de toda
dúvida.
- É no próprio ato da dúvida que se manifesta a sua existência. Nesse momento o filósofo
cai no solipsismo (isolamento da consciência individual em si mesma) – não sabe da
existência real das coisas distintas do seu pensamento.
- Descartes precisa provar a existência de Deus para garantir a existência de outros seres
pensantes.
Husserl, filósofo alemão – (1859-1938)
“Toda consciência é consciência de algo”
Nos fins do século XIX, a psicologia gozava de grande prestígio e tendia a
converter-se na chave de explicação da Teoria do Conhecimento e da Lógica, retirando
essas disciplinas do campo da Filosofia. Contra essa orientação opôs-se o pensador
Edmund Husserl, formulando o método fenomenológico e dando origem a um
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movimento, em torno do qual gravitaria considerável parcela da Filosofia do século XX,
cujas influências se estenderam a todas as áreas das ciências humanas.
[...] As leis lógicas, sustentáculos da unidade de toda ciência, não podem, segundo
Husserl, fundamentar-se na psicologia, ciência empírica e, como tal, sem a precisão das
regras lógicas. O filósofo salienta que o psicologismo não consegue resolver o problema
fundamental da Teoria do Conhecimento, ou seja, o problema de como é possível alcançar
a objetividade; ou, em outros termos, como é possível que o sujeito cognoscente alcance,
com certeza e evidência, uma realidade que lhe é exterior e cuja existência é heterogênea
à sua. (HUSSERL, Vida e Obra, Investigações Lógicas)
Percepção-percebido, imaginação-imaginado, recordação-
recordado, ideação-ideado, etc., constituem o campo de trabalho
das descrições e análises fenomenológicas. Cada um desses pares
constitui uma certa região do ser, isto é, um certo modo de um ente
ser visado pela consciência. Cada região se define, assim, pela
estrutura do ato intencional e pela estrutura do correlato
intencional; os pares formam uma estrutura unitária e é a unidade
imanente existente entre os dois momentos (o ato de visar e a
essência ou significação visada) que permite falar na região na
região da natureza física, na região dos objetos matemáticos, na
região dos valores morais, etc. A fenomenologia é uma ontologia
regional na medida em que se trata do ser (do grego ón) enquanto
estruturado com sentido diferente conforme seja visado pela
consciência. Cada região, estabelecendo a essência ou significação
do objeto pela modalidade da relação ato-correlato intencionais, é
uma região eidética (do grego eidos: ideia ou essência). As
essências que regem conjuntos de fatos empíricos são ditas
materiais, seja qual for sua região. As essências são materiais, e não
meramente formais, porque possuem um conteúdo determinado
pelo domínio circunscrito de uma certa maneira pela camada
noético-noemática. Assim sendo, as essências configuram campos
de objetividades que não podem ser extrapolados, o que seria
possível se fossem puramente formais. Por isso a fenomenologia
implica uma ontologia regional.
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Ciência das essências em geral, mas remetida da
consideração do objeto para a da consciência, a fenomenologia
estuda as essências da região “consciência”, suas estruturas e seus
atos. Inicialmente, Husserl distingue a região “mundo” (exterior) e
a região “consciência” (interior). Contudo, no nível transcendental,
na medida em que o sentido ou eidos da região “mundo”, é
constituído pela região “consciência”, esta se torna a região
fundamental que produz o significado das demais.
(Husserl, Vida e Obra, Investigações Lógicas)
Husserl fala da necessidade de se fazer uma epocké (suspender o juízo), consiste
em colocar a existência efetiva do “mundo exterior” entre parênteses, para que a
investigação não seja influenciada por fatores externos e se ocupe apenas com as
operações realizadas pela consciência, sem se perguntar se as coisas visadas por ela
existem ou não.
Descartes queria resgatar a filosofia como primazia e Husserl quer trazê-la como
ciência, dar o status de ciência. Husserl traz o equilíbrio entre o Cogito e o Cogitatum.
A consciência se constitui pensando alguma coisa, diferente de Kant.
Para Descartes só existe o Penso. Para Kant existe o diálogo entre sujeito e
objeto, sujeito como um juiz que interroga o objeto. Para Husserl existe uma correlação
entre Cogito e Cogitatum, uma não existe sem a outra (Noesis/Noema).
Os três filósofos estão buscando um rigor para a filosofia. Husserl ainda está na
verticalidade, ainda está no referencial.
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Referências Bibliográficas:
DESCARTES, René. Meditações. Victor Civita, editor, Os Pensadores:
Descartes. São Paulo: Abril Cultural, 1983, terceira edição, tradução de J. Guinsburg e
Bento Prado Júnior.
HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Arménio Amado, editor. Tradução
de Dr. António Correia. COLEÇÃO STVDIVM, Coimbra, Portugal – 7ª edição, 1978.
HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: sexta investigação: elementos de
uma elucidação fenomenológica do conhecimento. Victor Civita, editor, Os Pensadores:
Husserl; seleção e tradução de Željko Loparić e Andréa Maria Altino de Campos Loparić.
São Paulo: Abril Cultural, 1980.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valerio Rohden e Udo
Baldur Moosburger. São Paulo: Abril, 1980. (Coleção Os Pensadores).