introdução ao tomismo

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CURSO DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO TOMISTA Fernando Henrique Cardoso da Silva Rio de Janeiro - 2014

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Page 1: Introdução ao Tomismo

CURSO DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO TOMISTA

Fernando Henrique Cardoso da Silva

Rio de Janeiro - 2014

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Sumário

INTRODUÇÃO 3

1. CONTEXTO HISTÓRICO: O PERÍODO ESCOLÁSTICO 4

2. SANTO TOMÁS: SUA BIOGRAFIA 7

3. SUAS OBRAS 8

4. O PENSAMENTO METAFÍSICO DE SANTO TOMÁS 12

4.1. Introdução 12

4.2.A estrutura metafísica do ente 13

5. AS CINCO VIAS PARA A EXISTÊNCIA DE DEUS 16

6. A FILOSOFIA DO DIREITO EM SANTO TOMÁS 19

7. AS ESCOLAS TOMISTAS 21

7.1.A primeira escola tomista 22

7.1.1. Detratores 22

7.1.2. Ambíguos 23

7.1.3. Defensores 24

7.2. O tomismo no renascimento: A segunda escolástica 26

7.3.O neotomismo e o pensamento de Santo Tomás na atualidade 27

BIBLIOGRAFIA 28

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INTRODUÇÃO

A história da filosofia cristã é marcada por diversos momentos históricos,

dentre os quais um dos momentos mais proeminentes e influentes foi a

escolástica, período intelectual da Idade Média marcada pelo alto rigor

científico do pensamento teológico e metafísico. Dentre os que fizeram parte

deste período, o maior destaque deu-se para Santo Tomás de Aquino (1225-

1274), que se tornou notável por fazer a síntese cristã do pensamento platônico

e aristotélico, influenciando assim toda a doutrina católica, sendo seu

pensamento teológico e filosófico considerado, até hoje, o autêntico

pensamento filosófico cristão, conforme decretara o Papa Leão XIII na encíclica

Aeterni Patris.

Para compreender as conclusões do pensamento de Tomás de Aquino

(também conhecido como Doutor Angélico), é necessário perpassar o período

histórico da Idade Média, tempo onde floresceu vigorosamente a retomada do

estudo da filosofia grega (sobretudo a filosofia de Aristóteles, durante muito

tempo posta de lado, sendo priorizada a filosofia platônica, principalmente no

período patrístico) e de suas contribuições para se compreender melhor a

Revelação divina, de forma especial no que diz respeito às questões como a

trindade, a imortalidade da alma, a existência dos anjos, a dupla natureza de

Cristo, dentre outras. O método de ensino das Universidades muito marcou

este período, sendo caracterizado também pelo debate de questões filosóficas

e teológicas em forma de disputas. Neste intenso contexto, nasceu Santo

Tomás.

Em seguida, veremos a respeito dos dados biográficos de nosso autor e

acerca de sua Opera Omnia (ou seja, do conjunto de seus escritos), onde se

dá grande destaque à sua Summa Theologicae (Suma Teológica), verdadeiro

compêndio de teologia e de filosofia, onde se resume boa parte de seu

pensamento. Sua obra também possui como destaque sua grande descoberta

filosófica: a novidade do conceito de Ser, já tratada por mais diversos filósofos,

todavia sempre marcada por inúmeras divergências. Aí, Santo Tomás realizara

uma importante afirmação, a de que o Ser é intensivo e não apenas extensivo

como pensara Aristóteles.

Baseado em sua ontologia, Tomás realiza um verdadeiro percurso nas

mais diversas áreas da filosofia e da teologia, podendo encontrar em seu

pensamento traços de uma antropologia, gnosiologia, cosmologia, ética,

educação, direito, dentre outras matérias. Em nosso curso, abordaremos, além

de sua metafísica, suas notórias cinco provas para a existência de Deus e, no

que tange a respeito à filosofia prática, a aplicação de seu pensamento na ética

e no direito.

Após o falecimento de Santo Tomás, veremos também como sua

doutrina foi herdada pelos seus discípulos, os quais alguns o transmitiram

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fielmente, outros o interpretaram de maneira equivocada ou ambígua e outros

se tornaram verdadeiros inimigos e detratores de sua doutrina, que sofreu

grandes dificuldades para ser ensinada. A retomada do estudo de Santo

Tomás se deu ao final do século XIX com mais fervor após a encíclica Aeterni

Patris, que possibilitou o surgimento de notáveis neotomistas como Cornélio

Fabro, Jacques Maritain, Étienne Gilson, dentre outros, que até a atualidade

são responsáveis por tornar o pensamento tomista ainda estudado nas

universidades e presente na filosofia contemporânea.

Portanto, o objetivo desta apostila é dar breves diretrizes de estudo para

despertar o interesse pelo pensamento deste grande gênio que foi Tomás de

Aquino, a fim de que os leitores possam perceber o quanto seus escritos foram

importantes para a concretização e sistematização da verdadeira filosofia

cristã.

1. CONTEXTO HISTÓRICO: O PERÍODO ESCOLÁSTICO

Para melhor compreendermos o pensamento de Santo Tomás,

faz-se necessário traçar um breve percurso sobre o contexto histórico no

qual ele está inserido, ou seja, no apogeu da escolástica. Vemos que,

até chegar a tal apogeu, um longo caminho teve de ser traçado desde os

tempos da patrística, onde houveram os primeiros movimentos de

síntese da filosofia pagã com a fé revelada, sobretudo nas obras de

autores como são Justino, Clemente de Alexandria, Orígenes e Santo

Agostinho (354-430). Este último, já no século V, é o responsável pelo

primeiro grande sistema de filosofia cristã1.

Após Santo Agostinho, considerado o ponto alto do pensamento

patrístico, vemos surgir a partir do século VI uma espécie de transição

para uma nova forma de pensamento filosófico, fato este ligado até

mesmo ao contexto da queda do Império Romano e a formação de

reinos bárbaros. Neste cenário, muito contribuiu os estudos de Severino

Boécio (475-523) não só pelas suas traduções de Platão e Aristóteles,

mas também pela sua metodologia de trabalho intelectual que será

muito comum durante toda a Idade Média: o comentário de textos

(denominado Lectio), a condensação de fórmulas precisas para um certo

pensamento (denominado sententiae) e por sua classificação das

ciências, que se tornará universal na Alta Escolástica.2

1 Cf. GARDEIL, Henri-Dominique. Introdução à filosofia de São Tomás de Aquino. Trad. Cristiane

Negreiros Abbud Youb, Carlos Eduardo de Oliveira e Paulo Eduardo Arantes. São Paulo: Paulus. 2ª ed.

2013, p.81 2 Cf. SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval: das origens Patrísticas à Escolástica Barroca.

trad. Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon

Llull), 2006, p.110

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Entre os séculos X e XI temos uma segunda fase da Idade média,

marcada pelas reformas monásticas, pela renovação da política

eclesiástica (sobretudo através das cruzadas, que tinham como objetivo

retomar a Terra Santa) e pela criação das denominadas Escolas

Urbanas, que propiciaram novos rumos à filosofia e à teologia. Dentre os

principais pensadores deste período, podemos destacar os

“renascentistas carolíngios”, Pedro Abelardo, Roscelin de Compiègne,

dentre outros.

A terceira fase da Idade média, que compreende o decorrer do

Século XIII, é denominado o apogeu, a era de ouro da escolástica.

Neste período, destaca-se o florescimento das grandes Universidades e

pelo surgimento de grandes figuras como Santo Alberto Magno, São

Boaventura, Duns Scotus e nosso autor Santo Tomás de Aquino.

O padre dominicano Marie Dominique Chenu, em sua obra

Introduction à l´étude de Saint Thomas, sintetiza os principais elementos

que propiciaram o desenvolvimento filosófico e teológico do Doutor

Angélico e que dos quais muitos já foram citados acima. Padre Chenu

afirma que as condições que favoreceram seu pensamento foram:

a. A escolástica – A origem da palavra provêm de “Schola”, que

significa lugar do ócio, ócio este o característico do pensador, do

filósofo. É uma metodologia acadêmica de inspiração grega, cujo

início é atribuído ao século XI (sobretudo com Santo Anselmo). É um

movimento filosófico-teológico cristão. Ganhou forma científica com

Pedro Abelardo, chegando ao seu apogeu no século XIII com a figura

de Tomás de Aquino e São Boaventura. A escolástica representa

uma mudança de pensamento universal, representando a

institucionalização da ciência, concretizada nas universidades.

Todavia, esta representa também uma faca de dois gumes, na

medida em que tal pensamento pode propiciar também um

esvaziamento da espiritualidade teológica, pois a teologia acaba

sendo reduzida a uma ciência (no sentido de episteme grega).

b. Surgimento das novas escolas urbanas;

c. Surgimento das Universidades – que provêm da experiência dos

“studia”, que eram centros de ensino existentes na Idade Média. Os

“studia” eram divididos em: “Studium commune” (o ensino básico,

reservado aos monges), o “Studium generale” (próprio das demais

comunidades religiosas) e o “Studium solemne” (onde havia a

presença de professores considerados notórios, famosos)

d. A entrada de Aristóteles no ocidente – O estudo de Aristóteles era

comum pelos árabes, pois dele aproveitaram as ciências naturais. Ao

migrarem para o ocidente, trouxeram obras do Estagirita para uma

região onde, até então, havia grande preponderância do platonismo.

Assim, estes árabes, por sua vez, traduziram as mesmas obras de

Aristóteles para o latim. Um dos locais na Europa onde houve maior

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difusão do estudo de Aristóteles foi a Universidade de Nápoles,

fundada por Frederico II em 1224 e local de estudo dos frades

dominicanos, ordem na qual Santo Tomás posteriormente ingressou.

e. A Fundação da Ordem dos Pregadores – Fundada por São

Domingos de Gusmão em 1216, foi a ordem religiosa na qual Santo

Tomás desejou se filiar e iniciar sua vida religiosa e acadêmica. Nela,

conheceu Santo Alberto Magno, um dos grandes estudiosos de

Aristóteles, o que fez Tomás também ter acesso ao pensamento do

Estagirita, entretanto, interessou-se mais pela metafísica, enquanto

que Santo Alberto priorizava o estudo da filosofia da natureza, da

biologia, da física e da matemática.

f. O Agostinismo – É a corrente teológica de maior repercussão na

época de Santo Tomás. Surgiu diferenças teológicas e filosóficas

entre a tradição agostinista (que não era composta necessariamente

pelos freis agostinianos, mas por todos os que seguiam o

pensamento de Agostinho, como os franciscanos) e o pensamento

de Santo Tomás. Todavia, não nos é possível ver a relação entre os

dois como um antagonismo, mas sim como um frutuoso diálogo, visto

que Santo Agostinho é um dos autores mais citados por Santo

Tomás na Summa, pois dependera dele para definir muitos de seus

conceitos.

g. O “Renascimento” – Não se trata aqui do período que conhecemos

tipicamente do século XV-XVI, mas sim, de um fenômeno já iniciado

no século VIII com o imperador Carlos Magno, que buscava unir sob

uma única forma de governo os âmbitos civil e sacro, criando assim o

que se chamaria posteriormente de Sacro Império, que se estendeu

até o século XIII, tendo seu ápice no pontificado de Inocêncio III. Ao

governo de Carlos Magno, atribuímos também o emprego mais

extensivo aos territórios de seu domínio do ensino das artes liberais,

que até então eram divididos em dois grupos: o Trivium (gramática,

retórica e dialética) e o Quadrivium (astronomia, aritmética,

geometria, música). Este tornou-se o currículo de educação básica

desta época.

h. Evangelismo – Movimento no qual os cristãos procuram voltar aos

valores evangélicos, que surge de tempos em tempos na história da

Igreja. No período que compreende os séculos XII e XIII vimos o

nascimento das ordens mendicantes, os franciscanos e os

dominicanos, estes últimos, os grandes responsáveis por acender

em Tomás o ardor evangélico que o impeliu a entrar para esta

ordem.

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2. SANTO TOMÁS: SUA BIOGRAFIA

Ao que conhecemos de seus dados biográficos, sabemos que

nasceu em torno de 1225 no Castelo de Roccasecca, próximo a Aquino,

no Reino de Nápoles. Pertencia a uma nobre família aliada ao

imperador. Ao completar cinco anos, seus familiares o mandaram para

uma abadia vizinha ao famoso mosteiro beneditino de Monte-Cassino.

Lá, onde seu tio era inclusive o abade, recebeu sua primeira educação.

Seus pais, provavelmente, guardavam um desejo em ver o jovem Tomás

um dia o abade do mesmo mosteiro.

Todavia, devido a desentendimentos ocorridos entre o imperador

Frederico II, o Papa e o abade de Monte-Cassino, Tomás foi transferido

para Nápoles e lá conheceu se admirou e se filiou a Ordem dos

Pregadores. Em 1244, o jovem estudante toma o hábito dos

dominicanos, no convento de San Domenico de Nápoles. Insatisfeitos

com esta atitude por entrar em um Ordem na qual tivesse que aderir à

pobreza os pais de Tomás decidem o sequestrar e o prender em casa,

fazendo-o se convencer ao máximo a abandonar este caminho, o que

parece não ter dado certo porque ele decide fielmente prosseguir em

seus votos.

Posteriormente, transferido para o noviciado dos dominicanos em

Bolonha, começou lá a manifestar a grandeza de seu intelecto e, sendo

enviado, ao término do período, para Paris e, em seguida, para Colônia,

conhece Santo Alberto Magno no Studium generale e torna-se seu

discípulo.

Terminado os estudos em Colônia, foi enviado de volta a Paris e

recebeu lá, por ordem do Papa Alexandre IV, a licentia docendi (a

licença para poder dar aulas). Após dois anos ensinando, regressou à

Itália para servir à Corte Pontifícia. Em 1269, regressando a Paris,

exerceu um importante combate à filosofia de Averróis, que estava se

disseminando na Universidade de Paris, buscando ensinar que tal

filosofia era incompatível a fé cristã. Depois disso, em 1272, regressa a

Itália para ensinar em Nápoles. Um ano depois, acometido de um mal

estar, retira-se para o Castelo de Sanseverino, onde lá vivera uma

espécie de experiência mística que o induziu a interromper suas obras.

Convidado pelo Papa Gregório X para participar como perito no Concílio

de Lion II se dirige para a cidade francesa, mesmo estando doente.

Ainda na Itália, aproximadamente em Janeiro de 1274, seu estado de

saúde se agravou, morrendo em março deste mesmo ano no mosteiro

de Fossanova.

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Resumo Cronológico3:

1225 Nascimento em Roccasecca, Reino de Nápoles. Filho de Landolfo e Teodora 1230-39 Oblato beneditino em Montecassino 1239-43 Estudante na Universidade de Nápoles 1244 Entra na Ordem dos Pregadores. Seqüestrado por seus irmãos 1244-45 Detido em Monte San Giovanni e em Roccasecca

1245-47 Deixa Roccasecca e termina o noviciado com os dominicanos 1248-51 Discípulo de Santo Alberto no Studium Generale de Colônia 5 1251-52 Ordenação sacerdotal e início do ensino em Colônia

1252-55 Bacharel no Studium Generale de Saint Jacques de Paris

1256-59 Universidade de Paris: licentia docendi por ordem de Alexandre IV

1259-68 Regresso à Itália. Magistério no Studium da Corte Pontifícia

1269-71 Segundo professorado em Paris

1272-73 Regresso à Itália e magistério na Universidade de Nápoles

1273-74 Descanso no Castelo de Sanseverino. Interrupção das obras 1274 Início da viagem para o Concílio de Lion (a convite de Gregório X). Doença e morte em Fossanova (7 de março de 1274) 1323 Canonizado por João XXII

3. SUAS OBRAS

Ainda que tenha falecido relativamente jovem (em torno dos 49 anos),

Santo Tomás deixou-nos uma vasta produção literária. Todas as matérias

filosóficas e teológicas estudadas em seu tempo foram abordadas por ele.

Suas obras podem ser classificadas em cinco grandes grupos:

I. Comentários à Sagrada Escritura;

3 SILVEIRA, Carlos Frederico Calvet Gurgel da. Apostila de introdução ao tomismo, Rio de Janeiro,

2012, p. 4-5.

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Formam ao total dez obras: Expositio in Iob (1261-64); In psalmos

Davidis lectura (1271-73); Expositio in Cantica Canticorum (perdido);

Expositio in Isaiam prophetam (1269-74); Expositio in Ieremiam

prophetam (1267-68); Expositio in threnos Ieremiae prophetae (1264-

69); Catena aurea super quattuor Evangelia (1261-64; depois de

1264); Expositio (lectura) in Evangelium sancti Matthaei (1256-59).

Expositio (lectura) in Evangelium sancti Ioannis (1269-72); Expositio

in sancti Pauli apostoli epistolas (1259-65; 1272-73), além da

conhecida Catena Aurea (glosa que visa mostrar a exegese dos

Padres sobre cada versículo dos evangelhos)

II. Comentários a Aristóteles;

São treze ao todo: In libros Perihermeneias expositio (1268-72); In

libros Posteriorum Analyticorum expositio (depois de 1268); In octo

libros Physicorum expositio (depois de 1268); In libros de coelo et

mundo expositio (até o l. III, lect.8: 1272); In libro de generatione et

corruptione expositio (1272-73); In libros Meteorologicorum expositio

(1269-72); In libros de anima lectura expositio (1267-72); In libros De

sensu et sensato expositio (1267-72); In librum De memoria et

reminiscentia expositio (1267-72); In duodecim libros

Metaphysicorum expositio (1266-72); In decem libros Ethicorum

expositio (1271-72); In libros Politicorum expositio (1269-72); In

librum De causis expositio (1269-73).

III. Obras sistemáticas;

É o conjunto mais importante das obras literárias de Santo Tomás,

que agrupa cinco grandes obras: Scriptum in quattuor libros

Sententiarum magistri Petri Lombardi (1254-56); Summa contra

gentiles (1259-64); Summa Theologiae (1266-1273); Quaestiones

Disputatae (nas suas várias disputas): De Veritate(1256-1259), De

Potentia (1265-68), De Spiritualibus Creaturis (1268), De anima

(1269),De virtutibus in communi (1269-70), De malo (1269-72), De

caritate (1269-72), De spe (1269-72), De correctione fraterna (1260-

72), De unione Verbi incarnati (1270-72); Quaestiones Quodlibetales

(1256-1271).

IV. Opúsculos;

São as “pequenas obras” de nosso autor, compostas de quarenta e

nove obras ao total:

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Contra errores Graecorum ad Urbanum IV Pontificem Maximum

(1261-64); Compendium theologiae ad fratem Raynaldum socium

suum carissimum (1272-73); De rationibus fidei (contra saracenos,

Graecos et Armenos) ad cantorem Antiochenum (depois da Summa

Contra Gentiles); De duobus praeceptis caritatis et decem legis

praceptis (1273); Devotissima expositio super symbolum

Apostolorum (1273); Expositio devotissima expositio orationis

dominicae (1273); Devotissima expositio super salutationem

angelicam (1273); De articulis fidei et Ecclesiae Sacramentis ad

archiepiscopum Panormitanum (1261-68); Responsio ad fratrem

Ioannem Vercellensem, generalem magistrum ordinis Praedicatorum,

de articulis XLII (1271); Responsio ad lectorem Venetum de articulis

XXXVI (1269-71); Responsio ad lectorem Bisuntinum de articulis VI

(1271); De differentia verbi divini et humani; De natura verbi

intellectus; De substantiis separatis seu de angelorum natura ad

fratrem Raynaldum socium suum carissimum (1270-73); De unitate

intellectus contra averroistas (1270); Contra doctrinam retrahentium a

religione (1270); De perfectione spiritualis vitae (1269-70); Contra

impugnantes Dei cultum et religionem (1256-57); De regimine

principum ad regem Cypri (1265-66); De regimine Iudaeorum ad

ducissam Brabantiae (1270); De forma absolutionis ad generalem

magistrum ordinis; Expositio primae decretalis ad archidiaconum

Tudertinum (1261-69); Expositio super secundam decretalem ad

eundem (1259-68); De sortibus ad dominum Iacobum de Burgo

(1269-72); De iudiciis astrorum ad fratrem Raynaldum socium suum

carismum (1269-1272); De aeternitate mundi contra murmurantes

(1270); De principio individuationis; De ente et essentia (1254-56); De

principiis naturae ad fratrem Silvestrum (1255); De natura materiae et

dimensionibus interminatis (1252-56); De mixtione elemmentorum ad

magistrum Philipum (1273); De occultis operibus naturae ad

quemdam militem (1272); De motu cordis ad magitrum Philipum

Castrocoeli (1269-72); De instantibus; De quattuor oppositis; De

demonstratione; De falaciis ad quosdam nobiles artistas (dúbio); De

propositionibus modalibus; De natura accidentis; De natura generis;

De emptione et venditione ad tempus; Expositio super librum Boethii

De Trinitate (1255-61); Expositio in librum Boethii De hebdomanibus

(1255-61); Expositio in Dionysium De divinis nominibus (1261-68);

Officium de festo Corporis Christi ad mandatum Urbani Papae IV

(1264), Hymnus “Adore te devote”; Epistola de modo studendi; De

secreto; Responsio ad fratrem Ioannem Vercellensem generalem

magistrum ordinis Praedicatorum, de articulis CVIII sumptis ex opere

Petri de Tarantasia (1265-67); Responsio ad Bernardum, abbatem

casinesem (1274).

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V. Obras várias.

São compostos de sermões, orações, aulas inaugurais produzidas

nos mais diversos momentos e circunstâncias da vida de nosso

autor.

Summa Theologiae

Podemos afirmar sem dúvida que a Suma teológica é a

obra-prima de nosso autor. É uma obra incompleta,

contudo, levou dez anos para ser elaborada. Tinha como

objetivo servir como um guia claro e preciso para introduzir

os iniciantes em Teologia nos principais tratados e

problemas da Doutrina Sagrada. Todavia, é necessário

ressaltar que, embora seja uma suma de Teologia, não

deixa de ser um vasto documento de estudo filosófico. É

dividida em três partes:

Cada parte está dividida em questões e cada questão em

artigos. Os artigos da suma são organizados em forma de

disputa, seguindo assim o método escolástico comum em

sua época. São estruturados da seguinte forma:

1. Enunciado: (Se...) Apresentação do problema.

2. Objeções: (Parece que...) Opinião em favor de uma

das partes da alternativa.

3. Opinião contrária: (Mas, ao contrário...) Apresenta a

opinião contrária à da objeção, utilizando,

normalmente, um argumento de autoridade.

4. Solução: (Deve-se dizer que...) é a parte central do

artigo, onde e demonstrada a tese defendida pelo

autor.

Page 12: Introdução ao Tomismo

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5. Aplicação da solução (Ao primeiro assim se

responde..., ao segundo...). Onde se aplica a

solução geral para cada argumento das objeções do

início.

4. O PENSAMENTO METAFÍSICO DE SANTO TOMÁS

4.1. Introdução

Em seu sentido mais amplo, a filosofia é o que comumente

entendemos por “sabedoria”. É a busca inata pelo saber, busca esta que

se traduz pela surpresa ou admiração que se sente diante das coisas

nas quais ainda não sei, mas que desejo compreender. Dentre tais

coisas que provocam este desejo de conhecer, está o elemento primário

da realidade, a matéria primordial, aquilo que deu origem a todas as

coisas. Assim, começaram a surgir certas pessoas que buscavam

investigar esta causa primeira e, a partir de então, atribuímos a estas

pessoas o nome de filósofos, pois, no sentido etimológico da palavra,

“filósofo” é aquele que é o “amigo da sabedoria”. Assim, tais pensadores

começavam a investigar esta causa e muito destes nomes foram

inscritos na história: Tales de Mileto, Heráclito, Parmênides, Pitágoras,

Anaxágoras, dentre outros. O pensamento filosófico grego chegou a um

notório nível com Platão, onde tal investigação toma um sentido

verdadeiramente técnico e passa a adquirir forma de um saber

específico: a metafísica (ramo da filosofia que estuda as causas

primeiras de todos os entes, de todas as coisas que possuem

existência). Contudo, foi em Aristóteles que este saber atingiu o mais

alto nível de sofisticação, pois, ele abordou de forma inovadora o tema

do uno e do múltiplo (ou seja, o problema de encontrar algum elemento

que unifique toda a diversidade existente nas coisas). Para ele, uno,

múltiplo e ser (designa tudo aquilo que é, ou seja, que possui

“existência”) só se explica com a distinção entre ato e potência 4. O

4 Potência: do grego dynamis, significa a capacidade de um ente em receber algo. Por exemplo: A

semente tem a potência para virar uma grande árvore.

Ato: é a operação potencial já realizada. Provêm do grego enérgeia (para designar o ato segundo, que

está na ordem da mudança dos entes) e enteléquia (designa o ato primeiro, ou seja, o ato de ser, o que

diferencia algo de ser e não ser).

Page 13: Introdução ao Tomismo

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porquê da multiplicidade e do movimento se explica, assim, pela

passagem da potência ao ato, ou seja, do ser em potência ao ser em

ato. Por isso, o Estagirita afirmar que “O ser tem muitos significados”

(frase contido no início do livro Z de sua Metafísica), tantos que nem

mesmo o Filósofo (como assim o chamava Santo Tomás) conseguiu

desvendar todos, permanecendo, assim ocultos, apesar de seus

esforços.

Séculos a frente, vemos na descoberta de Santo Tomás do “Ser

como ato” (ou seja, do ser como a maior perfeição dos entes) uma

verdadeira marca na história da filosofia. Segundo as palavras de Padre

Cornélio Fabro, filósofo tomista:

“Concretamente, Santo Tomás supera a

relação (ou tensão) aristotélica entre ato e

potência, de modo que o ato não é

intrinsecamente informante, como para

Aristóteles, mas é constitutivo de si mesmo,

de sua emergência sobre qualquer potência”5

Ou seja, para Aristóteles, o conceito de Ser serve para designar

meramente a forma do ente, era apenas um verbo, uma cópula. Contudo, para

Santo Tomás, o Ser vai para além da forma, pois ele passa a constituir o ato

primeiro e mais íntimo do ente, ou seja, confere ao sujeito toda a sua perfeição.

Os entes, em contrapartida, porque são menos perfeitos do que o Ser em si,

participam dele em maior ou menor grau.

Uma problemática sempre constante na compreensão do sentido de ser

é a sua assimilação ao conceito de existir. Para Santo Tomás, o existir é

apenas um aspecto exterior do ser, é uma consequência do ser. Interpretar o

ser como existência é apenas um resultado lógico da concepção do Ser,

contudo “existir” não exprime plenamente o sentido tomista de “Ser”.

Deste modo, portanto, podemos assegurar que a perenidade da filosofia

de Santo Tomás se dá pelo fato do Ser poder subsistir independentemente de

toda potência. O Ser é o ato de todos os demais atos do ente, pois atualiza

qualquer outra perfeição, fazendo-a simplesmente ser. Por isso, toda a

perfeição da essência deriva do Ser, que é por isso, com propriedade, ato

último e ato de todos os atos do ente. Santo Tomás, por fim, conseguiu

claramente estabelecer assim uma síntese entre a teoria neoplatônica da

participação com a teoria aristotélica da potência e do ato.

4.2. A estrutura metafísica do ente

5 FABRO, Cornélio. “Santo Tomás de Aquino: ontem, hoje, amanhã”, p. 252.

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Com base em tudo o que já foi compreendido a respeito do ente

desde Parmênides até Tomás de Aquino, podemos elaborar uma

estrutura metafísica que nos faz compreender melhor como se

constitui metafisicamente um indivíduo. Tal estrutura é a seguinte:

MATÉRIA PRIMA (P) + FORMA SUBSTANCIAL (A) = (ENTE) =

ESSÊNCIA (P) + SER (A) =

SUBSTÂNCIA (P) (em si) + ACIDENTES (A) (em outro) =

INDIVÍDUO (Com todas as suas perfeições)

Tal como fez Aristóteles, Santo Tomás desenvolve sua

metafísica através dos conceitos de ato (A) e potência (P). Todos

os conceitos acima (essência, ser, substância, forma...) já

estavam presentes também em Aristóteles, mas coube ao

Aquinate a tarefa de relacionar tais conceitos a fim de formar uma

estrutura, de modo que o ponto central dela é o Ser, ato de todos

os atos, sem o qual as outras nada seriam.

Para compreendermos melhor esta composição metafísica,

é necessário termos conhecimento sobre quais são estes

conceitos que foram relacionados:

Matéria – prima: É o primeiro sujeito do qual alguma

coisa é feita por si e não por acidente. É intrínseco à

coisa. Ou seja, é aquilo que todos os entes materias

possuem em comum que o fazem ser considerados

materiais. Todavia, ela não pode ser “vista”, pois nos

só temos acesso à matéria já atualizada com alguma

forma.

Forma substancial: É aquilo que determina a coisa a

um certo modo de ser; é o que faz algo ser “isto” ou

“aquilo”. Por exemplo, uma matéria recebe a forma

de um animal mamífero; desta forma, a matéria-

prima se ajusta de tal forma que a torna como a

forma a configura, diferenciando esta forma, por

exemplo, com a de uma árvore ou de um mineral.

Essência: Aquilo que a coisa é; é tudo aquilo que se

responde ao se perguntar, diante de um ente: “O

que é?”.

Ser: É o próprio ato do ente, é o ato primeiro de tudo

o que é.

Substância: O ente em si; é o sujeito, ou seja, aquilo

que permanece mesmo diante de processos de

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mudança. Por exemplo. Um homem chamado João,

é o mesmo sujeito, embora, durante a vida, ele

tenha sido bebê, criança, adolescente, adulto e

idoso. O que faz eu ver João e reconhece-lo como

tal é o fato dele possuir substância. O que mudou

em João durante sua vida foram seus acidentes.

Acidentes: É o ente em outro, ou seja, são

categorias adicionadas ao sujeito subsistente. Por

exemplo, em um homem, podem haver uma

imensidão de acidentes, como cor dos cabelos, dos

olhos, da pele, estatura, etc.

Indivíduo: É o sujeito com todas as suas perfeições

(ou seja, sujeito substancial acrescido de seus

respectivos acidentes)

Podemos observar a partir da análise desta estrutura, que

ela está eminentemente em função da relação de potência e ato,

no qual o principal dos atos é o ato de ser; tudo em relação ao Ser

é potencial. Mas, entre eles existem relações. Entre matéria e

forma, sabemos claramente que é a forma que atualiza a matéria,

fazendo desta última sempre um sujeito potencial. A essência

compreendida como resultado da combinação entre matéria e

forma é um ato, contudo, como ela necessita do Ser, ela é em

relação a esta última uma potência. Assim também a substância é

sempre potencial em relação aos acidentes, que são

responsáveis por atualizá-la, dando-lhe novos atributos.

Para compreendermos, em suma, o que significa entender

o que é o Ser para Santo Tomás, devemos considerar que:

Diferente de Aristóteles, Ser e ente são conceitos

que não se confundem, pois, para o Angélico, todos

os entes possuem Ser, cada um menor ou maior

grau de participação, ou seja, o ente tem Ser mas

não é o Ser.

O Ser para Santo Tomás só pode ser o próprio

Deus, que, no seu ato de criação, concede às

criaturas terem participação Nele.

O Ser para Tomás de Aquino sempre representa

abertura, nunca limitação; são bem longos os

degraus existentes entre a perfeição mais simples,

até a máxima perfeição, fazendo com que o Ser para

ele fosse considerado intensivo. (Ao contrário de

Aristóteles, que apostava no ser extensivo, no

sentido de que ele abarca tudo o que é; todavia,

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Tomás de Aquino vai além, pois, o Ser intensivo,

além de abarcar tudo, dá um sentido novo aos

entes).

O Ser para Tomás abrange, ao mesmo tempo,

aquilo que há de mais universal e aquilo que há de

mais individual. O universal porque tudo o que é tem

Ser. O mais individual porque o Ser só é percebido

por nós nos entes particulares. Sendo assim, o ente,

que é tudo aquilo que contém Ser, para Tomás, não

é equívoco (porque é múltiplo), nem unívoco (só é o

mais individual), mas é análogo.

5. AS CINCO VIAS PARA A EXISTÊNCIA DE DEUS

Em sua metafísica do Ser, Tomás evoca a centralidade de Deus

na ontologia de todos os entes, pois afirma que todos os entes só são na

medida em que participam do Ser, que é Deus. Assim, Deus é o único

“ente” necessário, pois é o único que é por si mesmo, enquanto que os

outros são apenas contingentes, porque são causados por Ele.

Deste modo, está claro em seu pensamento o dado pressuposto

da existência de Deus, pois, sem este fato, de nada se basearia seu

desenvolvimento metafísico. Contudo, para um diálogo apologético

contra os gentios, como provar que Deus existe? Para o Aquinate, a

prova para a existência de Deus está na ordem ontológica e não na

ordem do conhecimento, ou seja, para se conseguir compreender a

existência de Deus por vias racionais, ou seja, sem o aparato da

revelação, deve-se utilizar de argumentos a posteriori, isto é, partindo

dos efeitos ocorridos no mundo, que provêm de uma causa na qual

podemos inferir que é Deus. O que Santo Tomás faz é, através de uma

formidável dialética persuasiva, utilizar-se de elementos da filosofia da

natureza de Aristóteles para, metafisicamente, provar que o próprio

cosmo, ou mundo, ou o universo dão, por si só, provas da divindade6.

Antes de tudo, faz-se mister elencar que as vias para o

conhecimento de Deus de Santo Tomás parecem não ser destinadas

para converter um ateu ao cristianismo, visto que tais vias encontram-se

na Suma, que é uma obra destinada aos iniciantes à teologia, e que,

por isso, nosso autor já supõe de seus leitores um determinado

conhecimento filosófico, visto que a estruturação de sua argumentação é

puramente lógica, já que parte de fatos que são justificados por

princípios e pelos quais se podem chegar a uma conclusão. Por

exemplo, a primeira via, que é a do movimento, parte do fato de que o

6 REALE, Giovanni. História da filosofia: patrística e escolástica. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo:

Paulus, 2003, p.223.

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movimento é algo que existe na natureza; Daí, segue-se o princípio de

que tudo aquilo que se move é movido por outro, o que nos permite

concluir que, já que não pode haver uma cadeia infinita de coisas que

movem umas as outras, é necessário que exista um motor imóvel que

move sem ser movido e este motor é quem chamamos Deus. Nesta

metodologia desenvolve-se a argumentação de Tomás nas demais vias.

Para melhor estudarmos esta temática, faz-se necessário analisar

o próprio texto de Santo Tomás:

O terceiro discute-se assim: - Parece que Deus não existe.

1. - Pois um dos contrários, sendo infinito, destrói o outro totalmente. E

como, pelo nome de “Deus”, se entende um bem infinito, se existisse Deus, o

mal não existiria. O mal, porém, existe no mundo. Logo, Deus não existe.

2. - Ademais. - O que se pode fazer com menos não se deve fazer com

mais. Ora, tudo o que no mundo aparece pode ser feito por outros princípios,

suposto que Deus não existia; pois o natural se reduz ao princípio, que é a

natureza; e o intelectual, à razão humana ou à vontade. Logo, nenhuma

necessidade há de admitir a existência de Deus.

Mas, em contrário diz a Escritura da pessoa de Deus: Eu sou quem sou

(Êxodo, 3, 14).

RESPONDO: - Deve-se dizer que por cinco vias pode-se provar a

existência de Deus.

A primeira e a mais evidente é a que parte do movimento. - É certo e

verificado pelos sentidos que algumas coisas se movem neste mundo. Ora,

tudo que se move é movido por outro. Nada, pois, se move senão enquanto

está em potência em relação àquilo a que é movido; e um ser move enquanto

está em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato, e

nada pode passar do estado potencial ao ato senão por um ente em ato; assim,

o que está quente em ato, p. ex., o fogo, faz com que a madeira, quente em

potência, esteja quente em ato, e dessa maneira a move e altera. Ora, não é

possível que uma coisa esteja em ato e potência sob o mesmo ponto de

vista; mas só sob diversos pontos de vista; o que está quente em ato, não pode

estar simultaneamente quente em potência, mas é ao mesmo tempo frio em

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potência. Logo, é impossível que algo seja movente e movido ou mova a si

mesmo, sob o mesmo ponto de vista e do mesmo modo.

Logo, tudo que é movido, é necessário que seja movido por outro. Se,

portanto, o motor também é movido, é necessário que seja movido por outro, e

este por outro. Mas não se pode proceder aqui até o infinito, porque assim não

haveria nenhum primeiro motor e, por conseguinte, nem qualquer outro motor,

pois os motores segundos não movem senão movidos pelo primeiro, como não

move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário chegar a um

primeiro motor, não movido por nenhum outro, e é precisamente este que todos

entendem como Deus.

A segunda via procede da natureza da causa eficiente. - Descobrimos,

sem dúvida, que há certa ordem das causas eficientes nos seres sensíveis;

porém, não se dá, nem é possível que algo seja causa eficiente de si próprio,

porque assim seria anterior a si mesmo; o que é impossível. Mas, é impossível

que regressemos até o infinito nas causas eficientes. A razão é que, em todas

as causas eficientes ordenadas, a primeira é a causa da média e esta da última

causa, sejam as médias muitas ou uma só; e como, removida a causa,

removido fica o efeito, se nas causas eficientes não houve a primeira, não

haverá a média, nem a última. Regressando ao infinito nas causas eficientes,

não haverá a primeira causa eficiente e, assim, não haverá nem o último efeito,

nem causas eficientes médias; o que, evidentemente, é falso. Logo, é

necessário admitir uma causa eficiente primeira, a qual todos dão o nome de

Deus.

A terceira via, procedente do possível e necessário, é a seguinte. -

Constatamos que na realidade certas coisas podem ser ou não ser, pois há

algumas coisas que são geradas ou corrompidas e, por isso, elas podem ser

ou não ser. Ora, é impossível existirem sempre todos os entes de tal natureza,

porque o que pode não ser, nalgum tempo não é. Se, portanto, todas as coisas

podem não ser, algum tempo realmente nenhuma existia. Mas, se isto fosse

verdadeiro, também agora nada existiria, porque o que não é só pode começar

a existir por algo que é; ora, nenhum ente existindo, é impossível que algo

comece a existir, e, portanto, nada existiria, o que evidentemente é falso. Logo,

nem todos os entes são possíveis assim, mas é forçoso que algo na realidade

seja necessário. Ora, tudo o que é necessário ou tem ou não a causa da sua

necessidade de fora. Mas não é possível regressar ao infinito nos seres

necessários, que têm a causa da própria necessidade, como nem nas causas

eficientes, conforme já se provou. Logo, é necessário admitir um ser necessário

por si que, não tendo de fora a causa da sua necessidade, seja a causa da

necessidade dos outros; e a tal ser todos chamam Deus.

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A quarta via parte dos graus que se encontram nas coisas. - Pois nelas

se encontram em proporção maior ou menor o bem, a verdade, a nobreza e

outros atributos semelhantes. Ora, o mais e o menos se dizem de diversas

coisas, enquanto se aproximam, diversamente, de um máximo; assim, o mais

quente é o que se aproxima do que é quente no mais alto grau. Há, portanto,

algo sumamente verdadeiro, bom e nobre e, por conseguinte, sumamente ente,

pois as coisas sumamente verdadeiras são sumamente entes, como diz

Aristóteles na Metafísica, II. Ora, o que é sumamente tal, em algum gênero, é

causa de tudo o que pertence àquele gênero: assim o fogo, que é

maximamente quente, é causa de tudo o que é quente, como no mesmo lugar

se diz. Logo, há um ser que é a causa do ser e da bondade e de qualquer

perfeição semelhante em tudo quanto existe e chama-se Deus.

A quinta via do governo das coisas. - Vemos que algumas coisas, como

os corpos, carentes do conhecimento, operam em vista de um fim; o que se

manifesta pelo fato de que elas operam sempre e freqüentemente do mesmo

modo, para conseguirem o que é ótimo; donde resulta que chegam ao fim não

pelo acaso, mas pela intenção. Mas, os seres sem conhecimento não tendem

ao fim sem serem dirigidos por um ente conhecedor e inteligente, como a seta

pelo arqueiro. Portanto, existe um ser inteligente pelo qual todas as coisas

naturais se ordenam ao fim, e ao qual chamamos Deus.

Quanto à primeira objeção, pois, devemos dizer como responde Santo

Agostinho em Enquirídio (Cap. XI): Deus, sumamente bom, de nenhum modo

permitiria existir algum mal nas suas obras, se não fosse onipotente e bom

para, mesmo do mal, tirar o bem. Logo, pertence à infinita bondade de Deus

permitir o mal para desse fazer jorrar o bem.

Quanto à segunda objeção, devemos dizer que, dado que a natureza

opera para um fim determinado, sob a direção de um agente superior, é

necessário que as coisas feitas por ela se reduzam também a Deus, como a

causa primeira. E, semelhantemente, as coisas feitas propositadamente

devem-se reduzir a alguma causa mais alta, que não sejam a razão e a

vontade, mutáveis e defectíveis; logo, é necessário que todas as coisas móveis

e susceptíveis de efeito se reduzam a algum primeiro princípio imóvel e por si

necessário, como se demonstrou.7

7 TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I, q. 2, a.3.

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6. A FILOSOFIA DO DIREITO EM SANTO TOMÁS 8

A premissa básica para toda a ética, política e direito de Santo Tomás,

consiste em sua afirmação de que o homem é um indivíduo de natureza

racional. Com esta faculdade, o homem pode chegar ao conhecimento da

bondade e da maldade das coisas e dos atos, o que permite a ele querer ou

não alguma coisa ou praticar algum ato. A isto, chamados de livre-arbítrio, que

o permite escolher praticar o bem, o que o torna virtuoso, ou a praticar o mal,

tornando-o pecador e afastando-se de Deus. Tal concepção sobre o mal e a

liberdade Tomás se inspira claramente em Agostinho.

Assim, Tomás afirma que existem três tipos de leis: A Lei eterna (lex

aeterna), a Lei natural (lex naturalis) e a Lei humana (lex humana), que

convergem todas para a lei divina (lex divina), que é a lei revelada por Deus.

A lei eterna é o próprio plano de Deus, responsável por ordenar e dirigir

todo o universo e que é conhecido unicamente por Deus e, talvez, por poucos

eleitos. Contudo, parte desta lei eterna está acessível ao homem visto que ele

é um indivíduo racional. Esta parte da lei eterna inteligível ao homem é a que

denominamos de lei natural, que tem como preceito vital o “fazer o bem e evitar

o mal”. Assim, a lei natural faz com que o homem adeque seus atos para que

realize os princípios inerentes à sua natureza tanto animal (como a de se

reproduzir e de constituir uma família) quanto racional (como a vivência em

sociedade).

Ligada à lei natural, está a lei humana, que é a lei jurídica, o direito

positivo, a lei feita pelo homem, que possuem como objetivo garantir o estável

convívio social, ou seja, o bem comum. Por isso, ela é fruto da consciência

coletiva e daqueles que são responsáveis por dirigir a sociedade, ou seja, os

governantes.

Assim, vemos que para Tomás a lei humana procede diretamente da lei

natural, e esta derivação se dá de dois modos: por dedução (o “direito das

gentes” ou jus gentium) ou por especificação de normas mais gerais (o direito

civil ou jus civile). Assim, se pegarmos como exemplo o homicídio, devemos

distinguir que sua proibição é parte do direito das gentes, por se tratar de um

ato universalmente condenável, enquanto que o tipo de pena aplicada a quem

o pratica é parte do direito civil, pois se trata da aplicação histórica e social de

uma lei natural especificada e fixada pelo direito das gentes. A lei positiva,

assim, é importante na sociedade a fim de servir como norma de conduta e de

disciplina para aqueles que aqueles que se dirigem facilmente à prática do vício

aprendam, ainda que por medo, a praticar o bem, até que esta se torne um

hábito e, portanto, uma virtude.

8 Cf. REALE, Giovanni. História da filosofia: patrística e escolástica. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo:

Paulus, 2003, p. 227

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A lei humana, para Santo Tomás, exerce, portanto, uma função

simultaneamente coerciva e pedagógica, visto que, através das penas e das

punições, faz com que os homens sejam instruídos a não praticarem atos que

prejudiquem ao bem comum. Contudo, como já fora anteriormente elencado, a

lei humana visa a ordenação apenas dos atos que possam prejudicar o

convívio social, não abrangendo assim, todos os atos pecaminosos humanos,

visto que todo o crime é pecado, mas nem todo pecado é crime. A correção

dos atos pessoais que não interfiram na sociedade é área de estudo para a

ética e não para o direito.

Se a lei humana varia da lei natural, quando a primeira contradiz a

segunda, ela não pode ser reconhecida como lei, pois ela não é justa, visto que

ela se trata da corrupção da lei. Neste ponto, Santo Tomás é categórico: se

uma lei humana, ainda que seja imposta, contradiga a lei natural, ela deve ser

desobedecida.

Para Tomás, o Estado tem como missão encaminhar os homens ao bem

comum, contudo, isto não esgota o fim último do mesmo homem, que é a

eternidade, que, para ser alcançada, deve se ir além da lei natural e da lei

positiva e ascender à lei divina, encontrada no Evangelho, que é o perfeito guia

para as bem-aventuranças e preenche as lacunas das imperfeições presentes

na legislação humana.

7. AS ESCOLAS TOMISTAS

Após o falecimento do Doutor Angélico em 1274, muito se especulara e se

interpretara a respeito de seu pensamento filosófico e teológico, o que deu

margem para a abertura de diversas correntes tomistas, que, por vezes se

aproximava, mas por vezes também se afastara do pensamento original de

nosso autor. Desta forma, é necessário sabermos que existem três atitudes

principais que um comentador tem ao se deparar com as obras de Tomás de

Aquino. Estas atitudes são chamadas de teses interpretativas da contribuição

do pensamento de Santo Tomás à filosofia:

1. Tomás foi um mero repetidor da filosofia de Aristóteles;

2. Tomás tentou realizar uma síntese entre a tradição neoplatônica e o

aristotelismo, contudo, foi infeliz em sua tentativa;

3. Tomás conseguiu realizar com sucesso uma verdadeira síntese entre o

neoplatonismo e o aristotelismo.

As suas primeiras interpretações são errôneas e equivocadas, pois nosso autor

não resumiu seus trabalhos em uma mera repetição de Aristóteles, nem

realizou fracassadamente a síntese entre neoplatonismo e aristotelismo. A

própria novidade de Santo Tomás a respeito do Ser como ato consiste em uma

prova que corrobora a terceira hipótese da síntese bem sucedida do Aquinate

que, nesta descoberta, consegue unir o conceito de participação presente no

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neoplatonismo com a teoria aristotélica de potência e ato (princípio de

causalidade). Quem, ao contrário, tende a ler Santo Tomás sob a ótica da

primeira ou da segunda interpretação, ainda que se considere pessoalmente

tomista, o é apenas materialmente (materialiter) e não formalmente (formaliter),

pois, o que determina formalmente síntese tomista é a descoberta do Ser como

ato.

A escola tomista propriamente dita teve influência destes três tipos de

pensamento no decorrer da história, chegando a afastar-se ou a aproximar-se

do pensamento originário do Doutor Angélico, mas, no que diz respeito ao

processo histórico, o tomismo pode ser dividido em três fases:

1. A primeira escola tomista (sécs. XIII – XIV)

2. O tomismo na época do renascimento (sécs. XV – XVII)

3. O neotomismo e a atualidade (sécs. XIX – XXI)

7.1. A primeira escola tomista

A primeira escola tomista conviveu em um cenário no qual existiam defensores

e opositores do pensamento do Aquinate, além de autores que tiveram atitude

ambígua, como Egídio Romano (ou seja, que se declarava um discípulo de

Tomás, mas não foi fiel ao seu pensamento). Podemos, assim, dividir os

primeiros pensadores de Santo Tomás da seguinte forma:

DETRATTORES AMBÍGUOS DEFENSORES

Roberto Kilwaldby Egídio Romano Alberto Magno

Guilherme de la Mare Godofredo de Fontaines

Bernardo de Trília

John Peckham Guilherme de Moerbecke

Étienne Tempier

Guilherme Macclesfield

Henrique de Gand Jean Quidort

Guilherme Tocco

Jean Capréolo

1. DETRATORES9

1.1. Roberto Kilwardby (1215-1279)

9 SILVEIRA, Carlos Frederico Calvet Gurgel da. Apostila de introdução ao tomismo, Rio de Janeiro,

2012, p.43.

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Cardeal e arcebispo de Cantuária. O nome de Kilwardby está ligado ao decreto

de 18 de março de 1277, com o qual foram censuradas em Oxford algumas

doutrinas aristotélicas, dentre as quais, a unicidade da forma substancial no

homem, aceita por Santo Tomás. Embora dominicano, a tendência filosófica de

Kilwardby é agostinista. Sua atitude marcará definitivamente a filosofia inglesa.

1.2. Guilherme de la Mare

Teólogo e filósofo, um dos mais importantes opositores do tomismo. Ficou

famoso justamente por um escrito polêmico contra Tomás de Aquino, o

Correctotium fratris Thomae, escrito entre 1277 e 1279. A obra se enquadra na

atmosfera de polêmica surgida especialmente a partir da condenação de 1270

e que se acirrou na segunda condenação, em 1277. Mestre em Oxford, segue

fielmente a orientação agostinista de São Boaventura. Seu Correctorium consta

de 118 artigos de crítica às obras do Angélico, assim distribuídos: 76 relativos à

Suma Teológica; 9, às QD De Veritate; 10, às QD De Anima; 1, às QD De

Virtutibus; 4, às QD De Potentia; 9, às QD Quodlibetales; 9, ao I Sententiarum.

O Capítulo Geral dos Franciscanos de 1282 assumiu o Correctorium de

Guilherme, com a seguinte concessão: os jovens (franciscanos) mais

inteligentes poderiam ler a Suma do Angélico, mas acompanhada da crítica de

Guilherme de la Mare, isto é, do Correctorium.

1.3. John Peckham

Filósofo e teólogo, substitui Kilwardby como arcebispo de Cantuária. Seguidor

das doutrinas boaventurianas e, portanto, favorável ao hilemorfismo universal,

à pluralidade das formas em um composto, e à presença de uma iluminação

divina especial no intelecto humano.

Em 1284, confirmou em Oxford as condenações do aristotelismo de seu

predecessor, dando, pois continuidade à visão antitomista da escola inglesa.

1.4. Étienne Tempier

Bispo de Paris, promulgou dois decretos importantíssimos de condenação do

aristotelismo: um em 1270 e outro em 1277, que obviamente atingiam o

pensamento de Santo Tomás. É interessante lembrar que, em função da última

condenação, Santo Tomás já morto, Santo Alberto Magno, com avançada

idade, foi a Paris para defender seu antigo aluno, discípulo, confrade e amigo

1.5. Henrique de Gand

Filósofo e teólogo, Henrique de Gand é um dos mais notáveis pensadores

belgas do século XIII. Conhecido como Doctor Sollemnis, tentou uma síntese

entre agostinismo e aristotelismo, por isso mesmo muitos o consideram

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“aristotélico”, mas é, na verdade, um agostinista com tendências

aristotelizantes. Nega explicitamente a doutrina tomista da distinção real entre

ser e essência nas criaturas, entrando em polêmica com o próprio Tomás de

Aquino e com o seu suposto discípulo, Egídio Romano, que será, justamente

em função de tal disputa, confundido como um defensor e discípulo de Tomás.

Na verdade, Egídio é um pensador ambíguo que mais colaborou com a perda

da originalidade tomista do que com a difusão do pensamento do Mestre que

teve em Paris.

2. AMBÍGUOS

2.1. Egídio Romano

Arcebispo de Bourges. Filósofo e teólogo e primeiro mestre agostiniano na

Universidade de Paris. Em polêmica com Henrique de Gand, Egídio está

convencido, com Santo Tomás (seu mestre em Paris, 1269-72), que há

distinção real entre essência e ser nas criaturas. Considerado inicialmente um

grande expoente do tomismo nascente, na verdade, sua atitude era ambígua.

Essa ambigüidade é, por um lado, fruto da própria tendência agostinista de seu

pensamento e, por outro, da polêmica que travou com Henrique de Gand na

defesa do tomismo. Nessa defesa, usando terminologia própria e, às vezes,

tiradas do próprio opositor (esse essentiae; esse existentiae) gerará um

distanciamento da filosofia original de Santo Tomás, considerada a primeira

flexão do tomismo que terá graves conseqüências na Segunda Escolástica

(séculos XVI-XVIII).

2.2. Godofredo de Fontaines

Filósofo e teólogo aristotelizante, crítico do agostinismo. Essas tendências de

Godofredo de Fontaines o aproximam de Tomás, por quem conserva viva

admiração. Entretanto, não abdica de sua própria iniciativa, não hesitando em

contradizer o Angélico em teses como a da distinção real entre ser e essência

nas criaturas.

3. DEFENSORES

3.1. Santo Alberto Magno

Mestre Geral dos Dominicanos e bispo de Colônia, filósofo e teólogo, foi uma

das figuras mais impressionantes e completas da Idade Média. Importa para a

história do tomismo tanto para a formação de pensamento de Santo Tomás

quanto para a defesa da doutrina já desenvolvida. O seu testemunho de defesa

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de Tomás, após a condenação de 1277, é um dos elementos decisivos para a

confirmação da pureza doutrinal do tomismo.

3.2. Bernardo de Trília

Foi mestre teologia em Paris. Deve ser situado entre os primeiros tomistas.

Trata amplamente da distinção real entre essência e ser nas criaturas,

criticando a solução de Henrique de Gand.

3.3. Guilherme de Moerbecke

Bispo de Corinto. Um dos mais importantes tradutores de Aristóteles e de

outros autores. Suas traduções foram fundamentais para a construção do

tomismo, muitas delas realizadas “ad instantiam fratris Thomae”.

3.4. Guilherme de Macclesfield

Teólogo dominicano e defensor explícito do tomismo. Depois do Correctorium

fratris Thomae de Guilherme de la Mare, vários discípulos de Tomás trataram

de reparar o dano feito pelas observações do teólogo franciscano com

Correctoria contra corruptorem. Ao nosso autor é atribuído, com segurança, o

Contra corruptorem Thomae, conhecido por Quaestione.

3.5. Jean Quidort

Filósofo e teólogo da Universidade de Paris. Fiel seguidor de Santo Tomás,

defendeu o pensamento do mestre em obras polêmicas como Correctorium

Corruptorii Thomae. Escreveu obras importantíssimas para o desenvolvimento

doutrinal do tomismo, especialmente o De potestate regia et papali (publicada

em Português pela Ed. Vozes, assim como a obra de Egídio Romano sobre o

mesmo tema).

3.6. Guilherme Tocco

Também dominicano, foi o primeiro biógrafo de Santo Tomás, figura central de

seu processo de canonização.

3.7. Jean Capréolo

Figura das mais expressivas do tomismo desta primeira fase, já na transição

para o Renascimento. Dominicano francês ficou conhecido como Princeps

Thomistarum. É conseqüentemente, reconhecido pela tradição como o

comentador e defensor mais autorizado das doutrinas tomistas. Sua obra

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principal foi concebida como comentário aos livros das Sentenças do

Lombardo, recebendo o significativo título: Libri defensionum Theologiae divi

doctoris Thomae de Aquino in libros Sententiarum. É, portanto, o fruto mais

maduro desses dois primeiros séculos de polêmicas em torno do tomismo.

II – O tomismo no Renascimento: A segunda escolástica

Durante o período renascentista, é possível vermos ainda autores que

seguiam o pensamento do Doutor angélico, dentre os quais os mais

conhecidos foram Tomás de Vio (Cardeal Caetano) e Francisco dei Silvestri.

a) Francisco dei Silvestri de Ferrara, OP

Famoso por seu comentário à Suma contra os gentios de Santo Tomás, foi

Mestre Geral dos dominicanos. Lembra Capréolo pela fidelidade a Santo

Tomás, entretanto, é superior ao dominicano francês do ponto de vista da

capacidade especulativa.

b) Tomás de Vio, Cardeal Caetano, OP

A figura mais influente do tomismo da Segunda Escolástica e, até Leão XIII

inclusive, uma unanimidade no tomismo, é hoje considerado menos fiel ao

próprio Tomás do que seu insubstituível comentador. Suas posturas podem

resumir o espírito desta nova fase da escolástica.

Suas obras mais famosas relativas ao tomismo são seu imponente comentário

à Suma Teológica de Santo Tomás; e ainda: De ente et essentia; De nominum

analogia; e Commentaria in três libros Aristotelis De Anima.

Caetano pode ser considerado um tomista aristotelizante, ou seja, procura

fazer exegese tomista sempre à luz de Aristóteles, afastando-se

conseqüentemente da originalidade do Doutor Angélico, especialmente no que

tange ao ser.

É nessa perspectiva que Mondin indica três elementos que mostram o

distanciamento ou mesmo “traição” do pensamento de Santo Tomás por parte

de Caetano: 1) o desconhecimento da originalidade tomista do ser como ato; 2)

dúvida sobre as provas da imortalidade da alma: talvez somente pela fé

possamos chegar a tal sentença; 3) separação entre fé e razão, uma patente

influência do averroísmo de sua época.

Sua tendência formalística e altamente sistemática toma o lugar da sobriedade

original do texto tomista. Por formalismo, entende-se a postura metafísica que

defende que a perfeição do ente é determinada pela forma e que o elemento

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determinante da essência é a forma. Nesse sentido, é também um

essencialismo. Ora, em Caetano a perfeição do ente está na essência e nas

formas aí presentes ou que lhe advêm, pelos acidentes, até a perfeição mais

individualizada que é a personalidade.

Feitas essas breves considerações, não é de admirar que os tomistas dos

séculos XV-XVII, tenham deixado de lado a distinção real entre essência e ser,

seguindo a tendência de Egídio Romano (embora ainda mais distantes do

tomismo original do que este), em favor de uma distinção, real ou de razão,

entre essência e existência, terminologia adotada por Caetano. É a segunda

flexão do tomismo, na expressão de Cornélio Fabro.

III – O Neotomismo e o pensamento de Santo Tomás na atualidade

Podemos dizer que o período mais recente dos estudos tomistas, no qual

denominamos de neotomismo, é onde há a maior redescoberta dos conceitos

originários de Tomás, mantendo-se maior fidelidade para com o pensamento

de nosso autor.

Dentre aqueles que desempenharam um papel fundamental para a busca do

retorno ao pensamento original de Tomás de Aquino, deve-se destacar os

jesuítas que, em 6 de abril de 1850 criaram a revista La Civiltà Cattolica,

responsável por difundir o pensamento católico sob a influência do tomismo,

com o intuito de usar Tomás de Aquino para combater os problemas nos quais

a Igreja enfrentava no século XIX.

Tal foi a influência causada pela divulgação desta revista que, durante o

pontificado do Papa Leão XIII ( 1878-1903), formalizou a importância dos

estudos filosóficos a serviço da fé cristã em sua encíclica Aeterni Patris (1879),

onde nela concluiu que a filosofia de Santo Tomás é a que mais se adequa às

exigências da razão humana e da fé revelada simultaneamente. Com esta

encíclica, muito se fez para difundir ainda mais os estudos tomistas, de modo

especial, com a criação de instituições de nível superior para pesquisas

tomistas, o que propiciou, já no século XIX e a perpetuar pelo decorrer do

século XX, o surgimento de grandes especialistas na doutrina de Santo Tomás

a começar por Tommaso Zigliara, Désiré Mercier, Réginald Garrigou-Lagrange,

dentre outros.

Dentre os discípulos de Mercier (que lecionou na Bélgica), surge Joseph

Maréchal, que, buscando uma síntese entre Santo Tomás e Immanuel Kant,

funda o que chamamos de “tomismo transcendental”. Tal escola de

pensamento foi seguida por figuras importantes como Karl Rahner, Lotz e

Bernard Lonergan.

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Durante a segunda fase do século XX surgem também tomistas notórios de

pensamento mais independente como Jacques Maritain, Marie-Dominique

Chenu, Étienne Gilson, Sofia Vanni Rovighi, Cornélio Fabro, dentre outros.

SITES RECOMENDADOS:

Corpus Thomisticum: < http://www.corpusthomisticum.org/ >

Permanência internet: < http://permanencia.org.br/ >

BIBLIOGRAFIA

GARDEIL, Henri-Dominique. Introdução à filosofia de São Tomás de Aquino.

Trad. Cristiane Negreiros Abbud Youb, Carlos Eduardo de Oliveira e Paulo

Eduardo Arantes. São Paulo: Paulus. 2ª ed. 2013.

REALE, Giovanni. História da filosofia: patrística e escolástica. Trad. Ivo

Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval: das origens Patrísticas à

Escolástica Barroca. trad. Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de

Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2006.

SILVEIRA, Carlos Frederico Calvet Gurgel da. Apostila de introdução ao tomismo, Rio de Janeiro, 2012. TOMÁS DE AQUINO, S. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005.